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Fundamentos Teóricos e Metodológicos

Márcia Teixeira Sebastiani

2.ª edição
2009
© 2003-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-
ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S449f

Sebastiani, Márcia Teixeira


Fundamentos teóricos e metodológicos da educação infantil/ Márcia Teixeira
Sebastiani. 2. ed. – Curitiba, PR: IESDE, 2009.
284 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0391-4

1. Educação pré-escolar – Brasil. 2. Educação de crianças. 3. Professores – For-


mação. I. Título.

09-2992 CDD: 372.21


CDU: 372.3

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Inmagine

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Márcia Teixeira Sebastiani

Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com


bolsa sanduíche na Università Statale di Milano – Milão; Mestre em Educação
pela Unicamp; Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR).
Sumário
Condições para a qualidade.................................................. 13
Escolhas políticas........................................................................................................................ 14
Legislação e definição de normas........................................................................................ 15
Financiamento e recursos....................................................................................................... 15
Planejamento e controle......................................................................................................... 16
Consultoria e suporte técnico................................................................................................ 16
Profissionais.................................................................................................................................. 17
Formação e aperfeiçoamento profissional....................................................................... 17
Estrutura física............................................................................................................................. 18
Pesquisa e desenvolvimento.................................................................................................. 19
Integração e coordenação de serviços............................................................................... 20

Indicadores da qualidade....................................................... 25
Acessibilidade e utilização dos serviços............................................................................. 25
Ambiente físico........................................................................................................................... 25
Atividades de aprendizagem................................................................................................. 26
Sistemas de relações................................................................................................................. 27
Ponto de vista dos pais............................................................................................................. 27
Comunidade (bairro)................................................................................................................. 28
Avaliação da diversidade......................................................................................................... 28
Avaliação das crianças.............................................................................................................. 29
Relação custo-benefício........................................................................................................... 29
Valores éticos............................................................................................................................... 30
A ideia de infância e a sua escola........................................ 35
Primeira identidade: “a criança-adulto” ou a infância negada.................................... 35
Segunda identidade: a criança-filho-aluno ou a infância institucionalizada....... 39
Terceira identidade: a criança-sujeito social, sujeito de direitos............................... 40
Função da instituição de Educação Infantil: educar e cuidar..................................... 41

A história das creches.............................................................. 47


Surge a creche na Europa e nos Estados Unidos............................................................ 48
Surge a creche no Brasil........................................................................................................... 49

A organização do espaço na Educação Infantil – I........ 63


Concepções de desenvolvimento e sua influência
na organização dos ambientes............................................................................................. 63
Elementos contextuais............................................................................................................. 66
Elementos pessoais................................................................................................................... 71

A organização do espaço na Educação Infantil – II....... 75


Critérios para uma adequada organização dos espaços da sala de aula............... 75
Funções da organização do ambiente............................................................................... 78
Uma experiência: creche em Reggio Emilia..................................................................... 79
Estudos sobre arranjo espacial.............................................................................................. 80

A rotina na Educação Infantil................................................ 87


Atividades de organização coletiva..................................................................................... 89
Atividades de cuidado pessoal.............................................................................................. 91
Atividades dirigidas................................................................................................................... 93
Atividades livres (isto é, menos dirigidas pelo professor)............................................ 94
Elaboração da proposta pedagógica:
Diretrizes Curriculares Nacionais......................................... 97

Referencial Curricular Nacional


para a Educação Infantil........................................................107

O planejamento das atividades


na Educação Infantil...............................................................119
Itens da programação.............................................................................................................122
Laboratório da comunicação...............................................................................................123
Laboratório do ambiente......................................................................................................124
Laboratório da lógica..............................................................................................................124
Laboratório do corpo..............................................................................................................125
A mala do aprendiz de feiticeiro.........................................................................................126
A mala do confeiteiro..............................................................................................................126
A programação dos cantinhos ou oficinas......................................................................127

O trabalho com projetos.......................................................133

A inserção da criança na creche.........................................147


Pressupostos teóricos.............................................................................................................152
Objetivos de uma boa inserção..........................................................................................152
Estratégias (apresentadas segundo
ordem cronológica em que são realizadas)....................................................................153
O trabalho coletivo dos profissionais................................................................................154
Jogos e brincadeiras...............................................................159
O que é brincar para a criança?...........................................................................................159
O papel do professor...............................................................................................................165

A disciplina na Educação Infantil.......................................171


Regras de convivência............................................................................................................171
Castigos e recompensas........................................................................................................174
Summerhill.................................................................................................................................174

As políticas de formação de professores


para a Educação Infantil........................................................181

A formação do professor......................................................197
Como aprender a conhecer e a pensar............................................................................197
Como aprender a fazer...........................................................................................................201
Como aprender a viver com os outros.............................................................................202
Como aprender a ser...............................................................................................................205
Conclusão....................................................................................................................................208

A participação da família......................................................215
Formas de trabalho da creche com a família.................................................................218

A gestão social..........................................................................229
Educação de crianças
com necessidades especiais................................................243
Necessidade de um projeto didático................................................................................244
Necessidade de uma dupla reestruturação....................................................................244
Integração da equipe..............................................................................................................245
Algumas dificuldades.............................................................................................................246

Transformação da prática pedagógica............................255

Gabarito......................................................................................265

Referências.................................................................................277
Apresentação

Caros alunos e alunas


Pensar em Educação Infantil no Brasil é projetar e realizar a construção
de base necessária ao caminho do desenvolvimento da nossa sociedade.
É, portanto, uma questão fundamental, é um desafio e, como tal, é preciso
acreditar e lutar. Impossível imaginar uma sociedade, hoje desenvolvida,
que não tenha passado pelo caminho da construção e universalização da
educação. Para isso, as sociedades definiram como prioridade a educação
das suas crianças e foram necessários investimentos, em especial públi-
cos, em infraestrutura física, mas, sem dúvida, o grande investimento foi o
da formação de profissionais da área. E esse é o nosso propósito.

Minha formação inicial em magistério de nível médio e, após, a rea-


lização do curso de Pedagogia já apontavam para esse caminho. Minha
prática profissional me aproximou mais da realidade da Educação Infantil.
Segui trabalhando e estudando e, na Pós-Graduação, Mestrado e Douto-
rado, aprofundei meus conhecimentos na área, tendo tido a oportunida-
de de conhecer uma realidade social cujos avanços na Educação Infantil
têm reconhecimento internacional.

Hoje penso que minha tarefa como educadora e cidadã é a de repassar


o conhecimento acumulado e aprender mais com a prática das pessoas
com quem convivo. Temos em comum a vontade em ampliar conheci-
mento na área da Educação Infantil e, com isso, avançar nas nossas prá-
ticas pedagógicas. Esse é o nosso compromisso e nossa responsabilidade
na construção de um país desenvolvido e com inclusão social, a começar
pela formação das crianças pequenas.

Um grande abraço,

Márcia Teixeira Sebastiani


Condições para a qualidade

Vamos iniciar o nosso estudo com alguns critérios que considero fun-
damentais para a análise da qualidade da Educação Infantil. Minha pers-
pectiva é a de alcançarmos, pelo esforço dos educadores e da sociedade,
padrões mais elevados de qualidade.

Inicialmente, é importante explicitar a nomenclatura usada para a Edu-


cação Infantil. A Constituição Federal do nosso país definiu Educação In-
fantil como sendo a primeira etapa da educação básica, atendendo crian-
ças de 0 a 3 anos em creches e de 4 a 6 anos em pré-escolas.

Em 6 de fevereiro de 2006, a Lei 11.274 alterou o artigo 32 da LDB e determinou:


“O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola
pública iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do
cidadão[...]”

Assim, com a instituição do ensino fundamental de 9 anos de dura-


ção e a sua consequente inclusão das crianças de 6 anos de idade, as pré-
-escolas passaram a atender apenas crianças de 4 e 5 anos.

O termo qualidade é sempre discutido e, apesar de ser reconhecida a


sua importância, ainda falta clareza sobre o que realmente significa quali-
dade quando se trata de Educação Infantil.

Educadores europeus preocupados com as condições dos serviços


para as crianças de 0 a 6 anos reuniram-se e organizaram dois eventos
marcantes: o primeiro em 1986, constituindo a Rede para a Infância da
Comunidade Europeia, e outro em 1990, quando realizaram o seminário
Qualidade nos Serviços para a Infância. A partir daí, analisaram a qualida-
de da Educação Infantil a partir de três perspectivas: a das crianças, a dos
pais e a dos pesquisadores/educadores.

Daquele seminário resultou a estruturação de um documento definin-


do os critérios para a análise da qualidade. Como se explicita no documen-
to, em outras palavras, não se trata de uma receita, de um modelo a ser
seguido rigorosamente, e sim parâmetros de análise e roteiro de definição
da qualidade.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

O documento divide-se em duas partes: condições para a qualidade e indica-


dores da qualidade. Nessa aula, trataremos das condições para a qualidade.

O grupo de educadores da Comunidade Europeia definiu como condições


para a qualidade os itens que serão explicados a seguir, separadamente. É im-
portante lembrar que os itens não estão colocados em ordem de prioridade e
também que apresentam forte correlação entre eles, ou seja, não são questões
isoladas. Parte-se do pressuposto de que a qualidade na creche corresponde “à
oportunidade igual para todas as crianças com relação ao acesso a esse serviço”;
reforça-se, assim, o comprometimento e a responsabilidade das estruturas pú-
blicas na concretização desse direito da criança. Vamos aos critérios que corres-
pondem às condições para a qualidade, analisando, em alguns itens e de forma
geral, a Educação Infantil no Brasil.

Escolhas políticas
Esse item significa a prioridade efetiva da Educação Infantil no rol das políti-
cas públicas desenvolvidas pelos governos. É, assim, questão importante para
ser observada e definida como condição de qualidade.

Hoje, no Brasil, a infância é sempre destaque quando se trata de diagnósticos


da situação social do país, porém, há uma grande distância entre os problemas
que se observam, o que se declara em realizar e o que se realiza. O assunto está
continuamente na pauta de candidatos a cargos públicos, os quais declaram
suas concepções e apresentam suas propostas, que nem sempre são cumpridas.
Apresentam publicamente conceitos, como: o retrato da infância, mostrando o
grau de importância e a compreensão que se tem das necessidades infantis; o
papel da creche e da mulher na nossa sociedade; a função do setor público em
relação à oferta desse serviço.

A verificação da efetiva prioridade da Educação Infantil na mesma extensão


das necessidades e dos compromissos políticos assumidos é, portanto, uma
questão de qualidade a ser observada.

O sistema de Educação Infantil no Brasil é misto: composto por iniciativas


públicas e privadas que representam parte significativa na organização dos
serviços para a infância. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nas suas
Disposições Transitórias, artigo 89, define que todas as creches e pré-escolas
deveriam, no prazo de três anos (até dezembro de 1999), estar integradas aos
seus respectivos sistemas de ensino. Isso significa que as creches e pré-escolas
14
Condições para a qualidade

públicas devem ser de responsabilidade das Secretarias Municipais de Educação.


Essa mudança, definida em lei, acabou acontecendo de forma lenta e ultrapas-
sando em muito o prazo previamente definido.

Legislação e definição de normas


As Leis e Normas para a Educação Infantil devem refletir as escolhas políticas
já declaradas e serem organizadas de forma não fragmentada; definir os pode-
res jurídicos e responsabilidades dos níveis federal, estadual e municipal; devem
fixar objetivos que possibilitem a garantia da oferta de serviços de qualidade;
ser aplicadas igualmente para o setor público e privado; prever sanções quando
não forem respeitadas; definir com precisão as finalidades educativas da creche/
pré-escola.

Em termos de elaboração de leis, pode-se dizer que durante as décadas de


1980 e 1990 foi dado um “grande salto” e nossa preocupação agora, está voltada
para o cumprimento daquilo que já foi decidido.

Financiamento e recursos
Assunto sempre difícil e polêmico, trata-se da definição de valores que serão
aplicados em creches/pré-escolas. Qualidade exige recursos financeiros, não só
para o investimento em instalações, mas também para despesas de manutenção.

É certo que não basta a aplicação de grande volume de recursos financeiros,


é preciso imprimir padrões de eficiência, evitando desperdícios e superposições
de ações. Especificamente na rede pública, é importante que nós, como educa-
dores e cidadãos, tenhamos conhecimento e acompanhemos os gastos.

Quando há compartimentalização dos serviços, somada à administração, ge-


ralmente pouco funcional e estruturada em moldes burocráticos, há também
dificuldade para que exista planejamento, racionalização e transparência dos
valores aplicados, fato muito próximo da realidade da grande maioria dos mu-
nicípios brasileiros.

A responsabilidade pelos gastos da creche depende de como cada uma foi


organizada e por quem está sendo gerida, o que resulta em inúmeras formas de
manutenção desse serviço.

15
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Planejamento e controle
Os planos são a tradução das “escolhas políticas” em práticas cotidianas. A
questão do planejamento deve estar necessariamente associada ao controle.

Como exemplo, podemos verificar o organograma da Secretaria responsável


(que deve, pela legislação, ser a da Educação), o custo e localização da constru-
ção de novas creches (ou mesmo reformas e ampliações) e o planejamento e
controle dos materiais e gêneros alimentícios para a instalação e manutenção
da creche.

O planejamento é a transformação das ideias e compromissos em propostas


organizadas e devidamente estudadas, de acordo com as possibilidades e a rea-
lidade existente. Ainda, após estudos, é necessário conhecer a realidade na qual
se quer atuar, analisar as condições de atuação, para, assim, definir os objetivos
a serem alcançados e o prazo que levará. Também há a necessidade constante
de avaliação, não apenas dos resultados, mas também do próprio processo de
execução dos planos. As condições da existência desses procedimentos são pa-
râmetros para observação da qualidade.

Consultoria e suporte técnico


Quando se visa à qualificação de todo e qualquer serviço que se realiza, é
muito importante a possibilidade de contratar serviços essenciais sempre que
surgem determinadas questões que requerem o envolvimento de profissionais
especializados para a sua discussão e devido encaminhamento. Para a Educação
Infantil, não se deve abrir exceções dessa natureza. Por exemplo, fonoaudiolo-
gia, fisioterapia, arquitetura etc.

Não há necessidade da inclusão de outros técnicos na creche, mas especia-


listas que prestem serviços, ou seja, que contribuam no sentido de ensinar e
orientar os educadores, realizando um trabalho integrado.

Esses serviços não precisam ser realizados por um só profissional: é comum


ocorrerem convênios, integração de diversos órgãos oficiais, por meio de progra-
mas de formação e aperfeiçoamento profissional. À medida que as necessidades
vão surgindo (e variam de acordo com cada realidade), vão sendo encontradas
formas que possibilitam a integração de outros conhecimentos, mais específi-
cos. Essa integração deve ser flexível, porém planejada, estruturada e avaliada.

16
Condições para a qualidade

No Brasil, serviços de consultoria em creches não são, ainda, uma prática


muito difundida.

Profissionais
Trata-se das pessoas que desenvolvem suas tarefas voltadas para a realização
de um objetivo comum: o atendimento à criança. Têm papel fundamental os
professores, mas também os profissionais que não estão ligados diretamente
às crianças, como quem cozinha, limpa e vigia a creche. Essas ­pessoas, além do
desenvolvimento da suas tarefas específicas, devem também ser consideradas
como participantes no projeto educativo, devendo ter consciência das finalida-
des da creche, conhecimento e compreensão dos significados das programa-
ções, pois têm papel relevante na sua dinâmica.

Esses profissionais devem ter identidade profissional reconhecida pelo nome,


formação e função. Ter estabelecidas condições mínimas de trabalho, que são:
remuneração, horas de trabalho, número de adultos por criança, processos de
seleção para o cargo, oportunidade de desenvolvimento na carreira, substitui-
ção, tempo de descanso etc.

Formação e aperfeiçoamento profissional


Ainda é frequente a equivocada concepção de que a mulher possui, natural-
mente, as habilidades necessárias para a educação de crianças pequenas, por-
tanto, não há necessidade de formação específica para o trabalho em institui-
ções de Educação Infantil.

Além da formação, e por haver um desnivelamento de conhecimentos, é de


grande valor a atualização/aperfeiçoamento como prática nos sistemas de Edu-
cação Infantil. Há, como em toda e qualquer profissão especializada, a necessi-
dade de acompanhar a contínua revisão das teorias e das propostas, nesse caso
educativas, e de estar atento às mudanças que ocorrem em nossa sociedade
para poder acompanhá-las.

O aperfeiçoamento deve ser encarado não como uma mera transmissão e


aquisição de conhecimentos e técnicas, mas como transformação de tais conhe-
cimentos em atividades educativas. Deve fazer parte da programação, ocorren-
do periodicamente, como pode também se constituir em um trabalho cotidiano,

17
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

que tem como base constantes discussões em grupo, a programação de seu pró-
prio trabalho (com objetivos precisos), a avaliação dos resultados e, consequen-
temente, reflexões e reformulações sempre que necessário.

Nesse processo de aperfeiçoamento, a atuação da coordenação pedagógica é


fator determinante na qualidade (a ideia de “formador de formadores”). Deve-se
organizar os programas de aperfeiçoamento, definindo os temas, a forma como
serão trabalhados e verificando constantemente a adequação da proposta. Isso
requer o conhecimento das necessidades de formação quanto à satisfação dos
desejos dos educadores, de forma que sejam estimulados não só os interesses
explicitados como também aqueles que ainda estão latentes.

Pode-se elaborar e definir planos anuais de aperfeiçoamento, prevendo tra-


balhos realizados por experts no assunto, daí a importância do contato contínuo
entre a coordenação pedagógica, faculdades, fundações e institutos que desen-
volvem pesquisas e estudos sobre temas da Educação Infantil.

A programação dos eventos de aperfeiçoamento deve ter toda a divulgação


possível na comunidade, no bairro e, em particular, junto às famílias das crianças.
É muito importante que se saiba do trabalho que está sendo realizado na creche,
inclusive dos assuntos tratados nos cursos de aperfeiçoamento com os profis-
sionais, para que a comunidade seja informada sobre o processo de qualificação
que vem ocorrendo.

Estrutura física
A concepção do espaço físico não é fruto de uma visão neutra, mas é deter-
minada e retrata a cultura e o conhecimento daqueles que a projetam. E, como
outros itens, é ponto importante na perspectiva da qualidade da Educação In-
fantil. O projeto arquitetônico de uma creche responde à proposta educativa
que se objetiva para as crianças.

Não há soluções únicas e prontas. Cada criança e cada grupo de crianças se


constituem em um mundo diferente de todos os outros e, consequentemente,
manifestam-se de modos diferentes.

Na arquitetura dos espaços físicos da creche, deve-se observar as caracterís-


ticas físicas e sociais da região, o clima, o entorno, as condições de espaço e de
localização.

18
Condições para a qualidade

Na condição de qualidade é importante, o projeto e sua execução partirem


da discussão realizada em grupo com diferentes profissionais, como arquitetos,
pedagogos, professores, administradores e outros. Porém, é primordial que eles
tenham como pontos básicos a satisfação das necessidades das crianças e dos
adultos, o favorecimento à integração entre adultos e crianças e entre as pró-
prias crianças, a conciliação de exigências das crianças para momentos de livre
exploração, de socialização e de isolamento voluntário.

Não se pode apenas considerar o aspecto da construção, mas também a or-


ganização interna dos espaços, como móveis, tapetes, sofás, materiais didáticos,
brinquedos etc. Deve-se ter em vista o equilíbrio entre “cheio” e “vazio”, evitando
espaços lotados e inviáveis, ou espaços muito vazios, anônimos, privados de es-
timulação e de referências.

Nos espaços externos, deve-se levar em conta a promoção de experiências


e de satisfazer as diferentes exigências das crianças, considerando as condições
para o movimento, a exploração, a concentração, as diversas modalidades de
agregação e socialização.

Pesquisa e desenvolvimento
Os órgãos responsáveis pela gestão das creches precisam estar constante-
mente envolvidos com execução de pesquisas, valorizando a importância da
reflexão e da utilização de conhecimentos produzidos.

Por ser uma instituição relativamente recente, a creche necessita de mais in-
formações e de um conhecimento mais aprofundado. De outro lado, produz cul-
tura e é campo privilegiado de pesquisa para estudiosos das áreas sociais e, em
especial, do desenvolvimento infantil.

Pesquisas baseadas fundamentalmente na observação possibilitaram a mo-


dificação de algumas teorias, como, por exemplo, o desenvolvimento social da
criança, as modalidades de interação entre criança-adulto e criança-criança, as
relações de apego etc.

Assim, reforça-se a ideia da creche como um verdadeiro laboratório ou um


observatório privilegiado, lugar onde é possível colher elementos inéditos sobre
o desenvolvimento infantil, e seus resultados podem ser introduzidos na própria
creche visando à melhoria na qualidade do processo educacional.

19
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Integração e coordenação de serviços


É necessário adotar uma política voltada para a melhoria das condições de
vida da criança, na qual os serviços direcionados à satisfação das necessidades
infantis precisam estar integrados entre si para que não afetem a qualidade de
vida da criança.

O que se quer dizer com isso é que a política para a infância não pode estar
desvinculada da política sanitária, do trabalho, da cultura etc. Entretanto, deve-
-se prevenir a dispersão dos serviços que possibilitem perder o foco fundamen-
tal da creche, que é a educação.

Texto complementar
Sugestões de critérios para um atendimento
em creches que respeite os direitos
fundamentais das crianças
(ROSEMBERG; CAMPOS, 1994)

Este documento compõe-se de duas partes. A primeira contém critérios


relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas
de financiamento de creches, tanto governamentais como não governa-
mentais. A segunda inclui critérios relativos à organização e funcionamento
interno das creches, que dizem respeito principalmente às práticas concre-
tas adotadas no trabalho direto com as crianças.

Os pressupostos do documento baseiam-se em três áreas de conheci-


mento e ação: dados sistematizados e não sistematizados sobre a situação
concreta vivida no cotidiano da maioria das creches brasileiras que atendem
à criança pobre; o estado do conhecimento sobre o desenvolvimento infantil
em contextos alternativos à família, no Brasil e em países mais desenvolvi-
dos, que vem trazendo contribuições importantes para o entendimento do
significado das interações e das vivências da criança pequena e o papel que
desempenham em seu desenvolvimento psicológico, físico, social e cultural;
discussões nacionais e internacionais sobre os direitos das crianças.

20
Condições para a qualidade

Os critérios foram redigidos no sentido positivo, afirmando compromis-


sos dos políticos e dos educadores de cada creche com um atendimento
de qualidade, voltado para as necessidades fundamentais da criança. Dessa
forma, podem ser adotados ao mesmo tempo como um roteiro para implan-
tação e avaliação e um termo de responsabilidade.

Atingir, concreta e objetivamente um patamar mínimo de qualidade


que respeite a dignidade e os direitos básicos das crianças, nas instituições
onde muitas delas vivem a maior parte de sua infância, nos parece, nesse
momento, o objetivo mais urgente. Este documento procura contribuir
para essa meta.

Critérios para políticas e programas de creche (a política de creche respeita


a criança):

 a política de creche respeita direitos fundamentais da criança;

 a política de creche está comprometida com o bem-estar da criança;

 a política de creche reconhece que as crianças têm direito a um ambi-


ente aconchegante e seguro;

 a política de creche reconhece que as crianças têm direito à saúde;

 a política de creche reconhece que as crianças têm direito à higiene e


à alimentação;

 a política de creche reconhece que as crianças têm direito à brinca-


deira;

 a política de creche reconhece que as crianças têm direito ao contato


com a natureza.

Critérios para a unidade creche (esta creche respeita a criança):

 nossas crianças têm direito à brincadeira;

 nossas crianças têm direito à atenção individual;

 nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante e seguro;

 nossas crianças têm direito ao contato com a natureza;

 nossas crianças têm direito à higiene e à saúde;

21
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia;

 nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade e imaginação;

 nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos;

 nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade;

 nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos;

 nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu perío-
do de adaptação à creche;

 nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, ra-


cial e religiosa.

Dicas de estudo
Não deixe de ler o Plano Nacional pela Primeira Infância 2009-2022. Trata-se
de um esboço político e técnico, elaborado pela Rede Nacional Primeira Infância
para subsidiar a construção e aprovação de um Plano Nacional pela Primeira In-
fância. Pretende orientar durante os próximos quatorze anos a ação do governo
e da sociedade civil na defesa, promoção e realização dos direitos da criança de
até seis anos de idade.

Você pode encontrar a última versão no site: <www.primeirainfancia.org.


br/502> ou <www.andi.org.br/_pdfs/plano_nacional_pela_primeira_infancia.
pdf>.

Se você deseja conhecer as ações de promoção aos direitos das crianças e


adolescentes, acesse o Portal da Criança e do Adolescente que é fruto de uma
parceria entre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Co-
nanda) com a Rede ANDI Brasil: <www.direitosdacrianca.org.br/institucional/>.

Existe ainda o site: <www.worldbank.org/children/> que comenta o desen-


volvimento da primeira infância e os benefícios que as intervenções podem
trazer para as crianças. Ressalta os projetos subsidiados pelo Banco Mundial. Es-
crito em inglês, mas apresenta possibilidade de versão em espanhol.

22
Condições para a qualidade

Atividades
1. Analisando as políticas voltadas para a infância brasileira, o que você perce-
be que é declarado, mas não é realizado?

2. Justifique a importância do aperfeiçoamento/atualização para os profissio-


nais da Educação Infantil.

23
Indicadores da qualidade

Nesta aula apresentaremos os indicadores da qualidade que determi-


nam aspectos dos serviços de uma creche/pré-escola e permitem a aná-
lise do nível de qualidade da instituição, servindo como parâmetros para
o planejamento e intervenção.

Tal como os itens relacionados às condições de qualidade, os indicado-


res apresentados a seguir não guardam ordem de prioridade e têm entre
si forte correlação.

Acessibilidade e utilização dos serviços


Indica o nível de atendimento da demanda de creches na quantidade
e localização exigidas pela sociedade.

Devido à situação de pobreza em que vive parcela significativa da po-


pulação brasileira, em especial as crianças, a questão do acesso precisa
ser vista com atenção. A creche é um direito de toda criança, mas o poder
público vem tendo dificuldade em cumprir a sua obrigação constitucional
e precisa, nessa circunstância, priorizar suas vagas para as crianças prove-
nientes de famílias de menor poder socioeconômico.

Há, assim, necessidade de planejamento com relação aos locais onde


serão construídas as creches e seleção criteriosa e democrática das crian-
ças que poderão ser matriculadas.

Creches com modelos organizativos muito rígidos tendem a excluir as


famílias que não conseguem responder às suas exigências.

Ambiente físico
A análise do ambiente considera as condições de luminosidade e are-
jamento, a estética, a segurança, a adequação e funcionalidade dos ambi-
entes de serviço e aspectos da promoção da saúde infantil.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Não é possível indicar categoricamente como deve ser a estruturação dos


espaços da creche/pré-escola. O ambiente é um verdadeiro “organismo vivo”:
nasce, cresce e muda, e ao mesmo tempo é único e “irrepetível”.

Podemos relacionar critérios para que o ambiente possa proporcionar


condições de desenvolvimento e segurança da criança:

 dimensão das salas;

 organização dos materiais e dos espaços;

 espaço individual para as crianças guardarem seus pertences;

 organização de laboratórios/centros de interesse/cantos/áreas/oficinas/


ateliês, sempre de acordo com a programação;

 ser rico em estímulos e propostas (cuidado com a poluição);

 nunca fixados definitivamente;

 é preciso haver trocas com os outros grupos da creche/pré-escola.

Enfim, a organização do espaço e do tempo engloba todos os momentos da


crian­ça durante o dia, constituindo-se em oportunidade de importantes inter-
venções educativas.

Atividades de aprendizagem
A creche/pré-escola, considerada como espaço privilegiado de educação e
desenvolvimento da criança, precisa reconhecer o valor e a importância de uma
programação educativa.

É fundamental a elaboração de um projeto pedagógico que contemple a


concepção de creche, de criança e de seu desenvolvimento, dando atenção
espe­cial quanto à escolha dos instrumentos da ação educativa, dos projetos a
serem desenvolvidos, dos jogos e materiais lúdicos/didáticos, e quanto às rela-
ções interpessoais.

Vejamos alguns indicadores que se apresentam em uma programação


educativa:

 permanência e mudança;

 privacidade e sociabilidade;
26
Indicadores da qualidade

 sequencialidade e imprevisibilidade;

 ação e formalização/simbolização.

Consideram-se como atividades de aprendizagem aquelas que favorecem o de-


senvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança. Portanto, todas as atividades
realizadas na creche são atividades de aprendizagem, inclusive as ações de rotina.

Sistemas de relações
Pesquisas mostram que a criança, desde bem pequena, é capaz de estabele-
cer relações com o ambiente em que vive, ou seja, com as pessoas, os objetos e
os eventos. Quanto mais elaborado e rico for o sistema de relações, mais a crian-
ça terá oportunidade de aprender e crescer.

A creche é um universo social complexo e o equilíbrio das relações é funda-


mental, bem como a qualidade das trocas e a definição dos papéis.

A relação adulto-criança, em particular, não pode ser natural ou casual e pre-


cisa ser considerada e prevista. O adulto é figura significativa e crucial, ponto de
referência, e precisa ser um interlocutor ativo.

Na relação criança-criança, por sua vez, ela aprende a estabelecer interações


de prazer com outras crianças. É uma relação que dificilmente ocorre sem con-
flitos e negociações, porém, permite descobrir as diferenças e as similaridades. É
nessa relação que se aprende o que significa cooperação e se desfruta de impor-
tantes momentos de troca.

Por fim, a relação adulto-adulto envolve grande variedade de interações, po-


dendo ocorrer na creche ou no ambiente familiar. Constitui o “fundo” que torna
possível e conota significativamente as outras duas dimensões relacionais.

Ponto de vista dos pais


O termo pais não faz distinção entre pai ou mãe e também pode ser represen-
tado por qualquer outra pessoa da família que se sinta e aja como responsável
pela criança. A questão da relação com a família é ponto fundamental em um
projeto autenticamente pedagógico. A participação dos pais é a base para que
haja um conhecimento articulado e amplo sobre as crianças, nas suas diversas
situações de vida.
27
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Apesar da sua importância, essa relação entre pais e educadores é bastante


complexa. Envolve expectativas, atribuições, interpretações que nem sempre
são explicitadas. É comum gerar conflitos por medo de julgamentos, disputas
sobre quem sabe mais sobre a criança, sentimentos de culpa (pais) e superiori-
dade (educadores).

É preciso maturidade profissional. O professor deve tornar possível o estabe-


lecimento de uma comunicação com as famílias, cuja base está na consciência
do educador a respeito do seu papel nessa relação: o colaborador, o clarificador,
o comunicador atento, o ouvidor incansável.

É preciso buscar permanentemente caminhos para alcançar a compreensão


recíproca entre pais e educadores. Deve-se criar novas formas de encontros e o
investimento na formação profissional visando a esses objetivos.

Comunidade (bairro)
O ambiente em que a creche está inserida é também considerado como fator
integrante do processo educativo. A creche é um equipamento de educação e,
portanto, incluída no contexto de um sistema formativo. Requer a sua articula-
ção no bairro com as demais instituições/oportunidades/serviços, sejam esses
públicos ou privados, de caráter social ou comercial. Essa articulação pode ser
direta: inserção na própria programação de momentos específicos, nos quais se
utilizam os recursos disponíveis de cada comunidade; e indireta: conhecimento
da utilização que cada criança faz desses recursos oferecidos pela comunidade
e sensibilização/estímulo aos pais e filhos para que usufruam, de maneira ade-
quada, dessas ofertas.

Deve-se ter como perspectiva a gestão social como forma de gerir a creche
com a participação dos educadores, das famílias e dos representantes da comu-
nidade. Isso contribui para a construção da imagem da creche enquanto uma
instituição social e educativa de grande relevância, e também enquanto um
equipamento que pertence a essa comunidade.

Avaliação da diversidade
Nos termos da Constituição Federal, todas as crianças de zero a seis anos têm
o direito à educação. Não há qualquer discriminação com relação à origem de
classe e etnia, cultura, sexo, religião ou condição física.
28
Indicadores da qualidade

As diversidades existem e não devem ser ocultadas, ao contrário, precisam ser


conhecidas para serem compreendidas e devidamente trabalhadas. Por exemplo,
as diferenças culturais podem ser consideradas como um recurso para a educação
da cidadania e deveriam ser incluídas no projeto educacional da creche.

Crianças com necessidades especiais, tais como as portadoras de deficiência


física, devem ter na creche todas as condições necessárias para que se desen-
volvam o máximo possível e para que possam estabelecer favoráveis relações
interpessoais. Há necessidade de um trabalho integrado com as famílias e com
todos os recursos externos disponíveis, de acordo com o tipo de deficiência de
cada criança.

A creche precisa repensar a sua organização conforme as necessidades espe-


ciais de cada criança.

Avaliação das crianças


Avaliar é saber ler e interpretar os comportamentos das crianças e, assim,
melhor estabelecer as orientações da programação educativa. A avaliação é ato
de conhecimento e de reconhecimento de valores e tem como base a subjetivi-
dade. Portanto, não existe uma única forma de avaliar.

Para que a avaliação se torne acreditável o máximo possível, pode-se definir


alguns critérios: autoconsciência, saber ouvir o outro, observar, solicitar a co-
laboração da criança, deixar claro as intenções, estar atento sobre o perigo dos
instrumentos e o equívoco das mensurações.

Uma interessante sugestão é construir um fascículo histórico pessoal de cada


criança, uma linha documentada do percurso seguido pela criança na formação
de sua identidade pessoal e cultural, um retrato da sua qualidade, das suas com-
petências e das suas potencialidades.

Relação custo-benefício
O importante é analisar a relação custo-benefício de um ponto de vista mais
amplo, qualitativo mesmo, e não simplesmente utilizar tabelas econômico-
-financeiras, de receitas e despesas. Identificar e calcular benefícios é tarefa que
demanda esforço, portanto, esse é um indicador difícil de ser determinado, mas
deve ser planejado e estruturado no sentido de buscar o grau de desenvolvi-

29
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

mento das crianças, de satisfação das famílias, da comunidade e dos profissio-


nais envolvidos.

Valores éticos
Os princípios éticos de referência e o sistema adotado para a organização e a
gestão da creche/pré-escola constituem pontos de equilíbrio de todos os indi-
cadores da qualidade.

Quanto maior for a coerência entre programação, organização dos serviços e


os valores definidos, mais fácil é alcançar bons níveis de qualidade.

Devido à sua subjetividade, esse é também um indicador difícil de ser


determinado.

Texto complementar

Pré-escola impulsiona o saber


Estudo do MEC comprova a importância da educação infantil no Brasil. Crian-
ças que passaram pela creche têm melhor desempenho em matemática
(GAZETA DO POVO, 2008)

Crianças que cursam a educação infantil têm melhores notas em


matemática nas avaliações feitas pelo Ministério da Educação quando
chegam à 4.ª série. O fato de frequentar a creche e a pré-escola faz com que
o aluno evolua em um ano de escolaridade. Com isso, seus conhecimentos
passam a equivaler ao da média dos estudantes da 5.ª série. Em algumas
regiões, como no Sudeste, o efeito é ainda maior, e as crianças demonstram
desempenho compatível ao da 7.ª série.

Os resultados fazem parte do estudo “O Efeito da Educação Infantil sobre


o Desempenho Escolar medido em Exames Padronizados”, elaborado pela
consultora do MEC Fabiana de Felício e pela economista do Banco Itaú, Ligia
Vasconcellos. A pesquisa – que trata de crianças entre 0 e 5 anos – é uma
das primeiras no Brasil a confirmar numericamente a relevância desse nível

30
Indicadores da qualidade

de ensino, defendido há anos por educadores. Efeitos semelhantes já foram


identificados em outros países.

Segundo Fabiana, os resultados seriam parecidos se fosse analisado o de-


sempenho em português. “O impacto é ainda maior em matemática do que
em português porque, de um jeito ou de outro, as crianças acabam tendo
contato com a linguagem em casa”, diz a pesquisadora. O estudo analisou os
resultados das crianças de 4.ª série, apenas de escolas públicas, no Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil.

O primeiro é um exame de matemática e português feito por amostra-


gem pelo MEC há mais de dez anos. O segundo existe desde 2005 e é re-
alizado com crianças de 4.ª a 8.ª séries de toda a rede pública nas mesmas
disciplinas. As provas analisadas foram feitas em 2003 e em 2005.

A evolução da criança em uma ou mais séries não é algo fora do normal


ou além do que seria adequado para a idade. Isso porque o conhecimento
demonstrado pelos alunos de 4.ª série hoje está longe de ser considerado
ideal. Especialistas afirmam que aos 10 anos (4.ª série) elas deveriam ter nota
equivalente ao que se registra na 8.ª série do país. “A educação infantil ajuda
justamente nisso. As políticas públicas precisam dar importância a esse nível
de ensino”, diz Fabiana.

O estudo mostra o efeito da educação infantil não só no Saeb como


também na Prova Brasil e Saeb juntos. No segundo caso, o impacto é maior.
Crianças que passaram por esse nível obtiveram em média 15,9 pontos a
mais que as demais. Segundo os resultados atuais nas duas avaliações, 44
pontos separam o desempenho das crianças de 4.ª série das de 8.ª, ou seja,
a cada 11 pontos a mais, o aluno evolui um ano. A região Norte foi a que
registrou efeito menor.

Estimativas feitas na pesquisa mostram ainda que, se todas as crian-


ças brasileiras tivessem frequentado a educação infantil, a média seria de
180,5 pontos: quase 15 pontos acima do desempenho que seria registrado
se nenhuma criança tivesse acesso à creche e à pré-escola. “O desenvol-
vimento cognitivo, emocional, psicológico e social da criança entre 0 e 5
anos é crucial para a aprendizagem futura”, diz a coordenadora de educa-
ção do Unicef no Brasil, Maria Salete Silva. Segundo ela, a educação infantil
aparece em 36 das 37 redes de ensino do país selecionadas no estudo que
aponta bons exemplos.

31
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Défice
Atualmente, cerca de 6,5 milhões de crianças frequentam a educação in-
fantil no Brasil. O atendimento em creches equivale a só 15% da população
de 0 a 3 anos – a meta no país, por lei, é chegar a 50%. Na pré-escola, são
67%. Só em São Paulo, apesar de o número diminuir a cada ano, há 120 mil
crianças na fila por uma vaga.

A educação infantil ganhou essa denominação a partir da Lei de Dire-


trizes e Bases da Educação, de 1996. Antes disso, as creches faziam parte da
assistência social dos municípios. Mas isso só começou a sair do papel perto
de 2000. Em São Paulo, apenas em 2002 elas foram transferidas para a Edu-
cação. As mudanças foram, em parte, influenciadas por resultados de pes-
quisas científicas mostrando que é na primeira infância que ocorre o maior
desenvolvimento do cérebro.

Dicas de estudo
Sobre critérios de qualidade, é importante você conhecer os Parâmetros Na-
cionais de Qualidade para a Educação Infantil, publicados pelo MEC, em 2006. São
dois volumes que contém referências de qualidade para a Educação Infantil a
serem utilizadas pelos sistemas educacionais de forma a promoverem a igual-
dade de oportunidades educacionais, levando em consideração diferenças, di-
versidades e desigualdades do território brasileiro. Acesse o site: <http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf>.

Também é muito interessante conhecer o documento Integração das Institui-


ções de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino – um estudo de caso de cinco mu-
nicípios que assumiram desafios e realizaram conquistas. Publicado pelo MEC, em
2002, visa subsidiar as secretarias e os conselhos na efetivação da integração das
creches aos sistemas municipais de ensino, realizando um atendimento de qua-
lidade às crianças brasileiras de zero a seis anos de idade. Acesse o site: <http://
www.oei.es/inicial/politica/integracion_instituciones_infantil_brasil.pdf>.

32
Indicadores da qualidade

Atividades
1. Por que as creches com modelos organizativos muito rígidos tendem a ex-
cluir as famílias?

2. Por que “o ponto de vista dos pais” é considerado um indicador de quali-


dade?

33
A ideia de infância
e a sua escola
Para apresentar essa questão, vamos fazer uma breve, mas consistente,
incursão na História da Infância.

A referência para essa discussão é o importante historiador francês


Philippe Ariès que, na sua obra História Social da Criança e da Família
(1978), dedica-se às concepções de criança e de família, da Idade Média
aos dias atuais.

Tendo como base essa obra de Ariès, o educador italiano Franco


Frabboni, em seu texto a “Escola Infantil entre a Cultura da Infância e a
Ciência Pedagógica e Didáticas”, organiza o entendimento histórico da
criança por meio de três identidades:

 Primeira identidade – Criança-adulto ou infância negada – séculos


XIV, XV.

 Segunda identidade – Criança-filho-aluno ou a criança-instituciona-


lizada – séculos XVI, XVII.

 Terceira identidade – Criança-sujeito social ou sujeito de direitos –


século XX.

Primeira identidade: “a criança-adulto”


ou a infância negada
Philippe Ariès foi buscar nas artes e na literatura da época medieval a
ideia que prevalecia sobre a criança e a infância. “Até por volta do século
XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la.
É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de
habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse
mundo.” (ARIÈS, 1978, p. 50). O autor ainda afirma que as crianças eram
desenhadas como o adulto em escala menor, com músculos e feições de
adultos.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Vamos ver alguns exemplos de como eram retratadas as crianças:

Domínio público.
Pieter Bruegel em seu quadro Visita à Quinta, confirma o que
já afirmava Ariès: as feições do menino que está em pé são as
mesmas de um adulto, apenas em escala menor (representa-
ção de apenas uma parte do quadro).

É difícil imaginar a existência, na sociedade medieval, de um sentimento de


infância. A criança era ao mesmo tempo um mistério (“escondia uma natureza
sagrada que o homem não podia profanar”) e um ser sem humanidade, sem
conceito social preciso (“humanidade na lista de espera, como planta imperfei-
ta”) que só se tornaria pessoa se “jogada e abandonada” precocemente na socie-
dade dos adultos.
Domínio público.

Nesta outra imagem, que retrata um am-


biente doméstico da Idade Média, há uma
criança aprendendo a andar com o auxílio
de um “andador”. Podemos ver que se trata
mais uma vez, da fisionomia de um adulto
(representação de parte da obra Miniatura
de um Livro de Horas).

As crianças morriam em grande número pelas precárias condições de higiene


e saúde, e as que sobreviviam confundiam-se rapidamente com os adultos. Essa

36
A ideia de infância e a sua escola

mortalidade infantil era considerada natural (indiferente): talvez pelo grande


número de mortes, talvez porque se acreditasse que a criança pequena não
tinha “alma”.

Sobre a prática do infanticídio na Idade Média, assim nos ensina Ariès (1978,
p. 17):
[...] um fenômeno muito importante e que começa a ser mais conhecido: a persistência até
o fim do século XVII do infanticídio tolerado. Não se tratava de uma prática aceita, como a
exposição em Roma. O infanticídio era um crime severamente punido. No entanto, era
praticado em segredo, correntemente, talvez, camuflado, sob a forma de um acidente: as
crianças morriam asfixiadas naturalmente na cama dos pais, onde dormiam. Não se fazia nada
para conservá-las ou para salvá-las [...]. O fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas
tão pouco dotadas de um ser suficiente não era confessado, mas tampouco era considerado
com vergonha. Fazia parte das coisas moralmente neutras, condenadas pela ética da Igreja
e do Estado, mas praticadas em segredo, numa semiconsciência, no limite da vontade, do
esquecimento e da falta de jeito.

De outro lado, existia um sentimento superficial da criança, a “paparicação”


em seus primeiros anos de vida. As pessoas se divertiam com a criança pequena
como com um animal de estimação.

Ariès (1978, p. 159) dizia que “esse sentimento da infância pode ser ainda
melhor percebido através das reações críticas que provocou: [...] algumas pes-
soas rabugentas consideravam insuportável a atenção que se dispensava então
às crianças [...]”.

Vejamos um testemunho desse estado de espírito, por meio de uma canção


escrita por Coulanges e dedicada aos “pais de família”:

(ARIÈS, 1978, p.160-161)


Para bem educar vossas crianças,
Não poupeis o preceptor;
Mas, até que elas cresçam,
Fazei-as calar quando estiverem entre adultos,
Pois nada aborrece tanto
Como escutar as crianças dos outros.

O Pai cego acredita sempre


Que seu filho diz coisas inteligentes,
Mas os outros, que só ouvem bobagens,
Gostariam de ser surdos;

37
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

E no entanto é preciso
Aplaudir o enfant gâté.

Quando alguém vos disser por polidez


Que vosso filho é bonito e bem comportado,
Ou lhe der balas,
Não exijais mais nada
Fazei vosso filho, assim como seu preceptor,
Agir como um servidor.

Ninguém acreditaria que uma pessoa de bom senso


Pudesse escrever
Para criancinhas de três anos,
Se as de quatro não sabem ler.
No entanto, há pouco tempo,
Vi um pai entregue a essa tola diversão.
Sabei ainda, caros amigos,
Que nada é mais insuportável do que ver vossos filhinhos,
Pendurados na mesa como uma réstia de cebolas,
Moleques que, com o queixo engordurado,
Enfiam o dedo em todos os pratos.
Que eles comam em outro lugar,
Sob as vistas de uma governanta
Que lhes ensine a limpeza
E não seja indulgente,
Pois não se pode com rapidez
Aprender a comer com limpeza.

Ainda sobre a “paparicação”, podemos dizer que mesmo atualmente tem-se


um tanto desse sentimento, principalmente quando muitas escolas de Educa-
ção Infantil guardam referência a essa criança relacionada a um animalzinho
de estimação, um mimo dos adultos. Isso se percebe através dos nomes que
são dados a essas escolas: Pirilampo, Ursinho Pimpão, Totó, Fofinhos e tantos
outros.

38
A ideia de infância e a sua escola

Podemos concluir que, nesse período, essa identidade da criança está defi-
nida pelo não sentimento de infância, o que não quer dizer que não havia afeto
pelas crianças, ou que na totalidade eram abandonadas ou desprezadas, mas
sim que não havia uma consciência da particularidade infantil, ou seja, não se
distinguia a criança do adulto.

Segunda identidade: a criança-filho-aluno


ou a infância institucionalizada
Esse período compreende os séculos XVI e XVII quando inicia-se um novo
episódio existencial da infância. Há, segundo Frabboni (1998), “uma virada de
página”. Junto com a Revolução Industrial, há uma mudança da posição da famí-
lia na socie­dade. É o surgimento da família moderna. A infância torna-se o centro
do interesse educativo dos adultos (sentimentos de afetividade, cuidados, reco-
nhecimento, continuidade da família). Citando Ariès:
Os pais não se contentavam mais em pôr filhos no mundo, em estabelecer apenas alguns
deles, desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes impunha proporcionar a todos
os filhos, e não apenas ao mais velho – e, no fim do século XVII, até mesmo às meninas –
uma preparação para a vida. Ficou convencionado que essa preparação fosse assegurada pela
escola. (1978, p. 277)

A escola é o meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de apren-
der a vida por meio do contato direto com os adultos. Ela foi separada dos adul-
tos próximos (basicamente familiares) e mantida à distância na escola. Começa
um longo processo de “enclausuramento” das crianças.

Ainda Ariès (1978, p. 277): “A escola confinou uma infância outrora livre num
regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no
enclausuramento total do internato”. Nesse período, as ordens religiosas torna-
ram-se dedicadas ao ensino às crianças e aos jovens.

Passou-se a ter interesses psicológicos e preocupações morais em relação às


crianças. Era preciso conhecê-las melhor para, assim, poder “corrigi-las”.
Duas ideias novas surgem ao mesmo tempo: a noção da fraqueza da infância e o sentimento da
responsabilidade moral dos mestres. O sistema disciplinar que elas postulavam não se podia
enraizar na antiga escola medieval, onde o mestre não se interessava pelo comportamento de
seus alunos fora da sala de aula. [...] A nova disciplina se introduziria através da organização
já moderna dos colégios e pedagogias com a série completa de classes em que o diretor e os
mestres deixavam de ser primi inter pares, para se tornarem depositários de uma autoridade
superior. Seria o governo autoritário e hierarquizado dos colégios que permitiria, a partir
do século XV, o estabelecimento e o desenvolvimento de um sistema disciplinar cada vez

39
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

mais rigoroso. Para definir esse sistema, distinguiremos suas três características principais: a
vigilância constante, a delação erigida em princípio de governo e em instituição, e a aplicação
ampla de castigos corporais. (ARIÈS, 1978, p. 180)

Em relação à família, esta tornou-se o centro de afeição entre pais e filhos,


algo que não era antes. E um sentimento inteiramente novo: os pais se interes-
savam pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam com intensidade. A fa-
mília começou a se organizar em torno da criança, sem a indiferença que marcou
o passado.

Um detalhe interessante, que pode ser percebido nas camadas sociais supe-
riores, é que as crianças ganharam roupa específica que as distinguia dos adul-
tos. Era uma prova da mudança ocorrida na atitude com relação a elas.

Também o reduto familiar torna-se cada vez mais privado e progressivamen-


te assume funções antes preenchidas pela comunidade. Observe-se que a famí-
lia não é nova, mas, sim, o sentimento de família é que muda.

Desse período, concluímos que a criança paga um preço alto pela conquis-
ta da sua identidade de criança filho-aluno. Como diz Frabboni (1998, p. 67): é
a criança institucionalizada, “[...] o direito de ser criança (de ter atenções-grati-
ficações-espaços-jogos) é legitimado somente sob a condição de pertencer a
este tipo de família e a este tipo de escola.” Isto é, somente na estrutura de re-
lações de propriedade e de poder. “A criança existe somente como minha, tua,
nossa, sua criança, ou seja, dentro de uma estreita privatização de relações e de
definições”.

Terceira identidade:
a criança-sujeito social, sujeito de direitos
Podemos começar perguntando: quem é a criança de hoje? Quando obser-
vamos nossas crianças, podemos dizer que, apesar da semelhança cronológica,
existem diferentes infâncias:

 a da criança pertencente a uma família com nível socioeconômico alto,


que brinca e estuda, mas tem uma rotina preenchida com inúmeras ativi-
dades (esportes, estudo de línguas estrangeiras, artes etc.);

 a da criança que participa da formação de renda da família e por isso tra-


balha e nem sempre pode estudar;

40
A ideia de infância e a sua escola

 a da criança que, nas grandes cidades, acompanha os adultos ou até mes-


mo outras crianças, e fica pedindo esmolas ou cometendo pequenas in-
frações;

 a da criança que ajuda o pai ou a mãe nas tarefas diárias de casa ou do


trabalho, aprendendo desde cedo uma profissão.

Todas são crianças, porém suas situações de socialização, condições de vida,


tempo de escolarização, de brincadeiras e de trabalho são diferentes. É funda-
mental que tenhamos consciência dessas diferenças para que saibamos conhe-
cer melhor as crianças com quem convivemos e com quem, como educadores,
temos responsabilidades.

A etapa histórica em que estamos vivendo, marcada pelo avanço tecnológi-


co-científico e por mudanças ético-sociais, apresenta os requisitos necessários
para que finalmente a Educação Infantil dê um salto no sentido de compreender
a criança como sujeito social e, portanto, um sujeito com direitos.

Essa mudança só será possível se a família e a escola forem capazes de com-


preender, seguindo o pensamento de Frabboni (1998, p. 69), que a criança é:
[...] séria, concentrada, empenhada em ampliar – por si mesma – seus próprios horizontes
de conhecimento (através de uma constante atividade exploradora e interrogativa); [...]
que possui grande voracidade ‘cognitiva’ e saboreia uma descoberta após a outra, e que
escolhe sozinha seus próprios itinerários formativos, suas trilhas culturais, livre dos elos que
impediam o seu crescimento; [...] sabe observar o mundo que a cerca; sabe perscrutar e
sonhar com horizontes longínquos; [...] sai do mito e da fábula porque sabe olhar e pensar
com a sua própria cabeça.

É capaz de construir e de ler a sua realidade, é a protagonista da sua própria


história, é capaz de interagir com as pessoas com quem tem referência e com
outras crianças, assim como influenciar ambos significativamente.

Função da instituição
de Educação Infantil: educar e cuidar
A partir desses conceitos de criança, perguntamos: qual seria, então, a função
da instituição de Educação Infantil? A que ela se propõe? Quem vai nos ajudar
a responder a essas questões é a educadora Maria Isabel Bujes, através do texto
a seguir.

41
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Texto complementar
(BUJES, 2001, p. 16)

A educação da criança pequena envolve simultaneamente dois proces-


sos complementares e indissociáveis: educar e cuidar. As crianças desta faixa
etária, como sabemos, têm necessidades de atenção, carinho, segurança,
sem as quais elas dificilmente poderiam sobreviver. Simultaneamente, nessa
etapa, as crianças tomam contato com o mundo que as cerca através das ex-
periências diretas com as pessoas e as coisas deste mundo e com as formas
de expressão que nele ocorrem. Essa inserção das crianças no mundo não
seria possível sem que atividades voltadas simultaneamente para cuidar e
educar estivessem presentes. O que se tem verificado, na prática, é que tanto
os cuidados como a educação têm sido entendidos de forma muito estreita.

Cuidar tem como significado, na maioria das vezes, realizar as atividades


voltadas para os cuidados primários: higiene, sono e alimentação. Quando
uma sociedade faz exigências de trabalho às mães e aos pais de crianças
pequenas (ou a outros adultos que sejam responsáveis por elas), tem a obri-
gação de prover ambientes acolhedores, seguros, alegres, instigadores, com
adultos bem preparados, organizados para oferecer experiências desafia-
doras e aprendizagens adequadas às crianças de cada idade. Assim, cuidar
inclui preocupações que vão desde a organização dos horários de funciona-
mento da creche, compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis
pela criança, passando pela organização do espaço, pela atenção aos mate-
riais que são oferecidos como brinquedos, pelo respeito às manifestações
da criança (de querer estar sozinha, de ter direito aos seus ritmos, ao seu
“jeitão”) até a consideração de que a creche não é um instrumento de con-
trole da família, para dar alguns exemplos. [...] Ver os cuidados dessa forma
talvez nos ajude a perceber que eles são indissociáveis de um projeto educa-
tivo para a criança pequena.

Por outro lado, a criança vive um momento fecundo, em que a interação


com as pessoas e as coisas do mundo vai levando-a a atribuir significados
àquilo que a cerca. Esse processo, que faz com que a criança passe a partici-
par de uma experiência cultural que é própria de seu grupo social, é o que
chamamos de educação. No entanto, essa participação na experiência cultu-
ral não ocorre isolada, fora de um ambiente de cuidados, de uma experiência
de vida afetiva e de um contexto material que lhes dá suporte.

42
A ideia de infância e a sua escola

A noção de experiência educativa que percorre as creches e pré-escolas


tem variado bastante. Quando se trata de crianças das classes populares,
muitas vezes a prática tem se voltado para as atividades que têm por objeti-
vo educar para a submissão, o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De
outro lado, mas de forma igualmente perversa, também ocorrem experiên-
cias voltadas para o que chamo de “escolarização precoce”, igualmente dis-
ciplinadoras, no seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para
a pré-escola, especialmente, o modelo da escola fundamental, as atividades
com lápis e papel ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a nu-
meralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da dis-
tribuição das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras.

Assim, na prática, a dimensão educativa, como acabei de descrever, tem


desconhecido um modo atual de ver as crianças: como sujeitos que vivem
um momento em que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a brin-
cadeira, as manifestações de caráter subjetivo.

[...] Ao considerarmos que a Educação Infantil envolve simultaneamen-


te cuidar e educar, vamos perceber que essa forma de concebê-la vai ter
consequências profundas na organização das experiências que ocorrem
nas creches e pré-escolas, dando a elas características que vão marcar sua
identidade como instituições que são diferentes da família, mas também da
escola (aquela voltada para as crianças maiores de sete anos). Enquanto se
mantiver a confusão de papéis que vê na família ou na escola os modelos a
serem seguidos, quem perde é a criança.

Dicas de estudo
Um ótimo material para consultas e leituras são os Cadernos de Pesquisa
(periódico da Fundação Carlos Chagas). Trata-se de uma publicação quadrimes-
tral, dedicada a divulgar a produção acadêmica sobre educação, gênero e etnia.
Versão eletrônica disponível em: <www.fcc.org.br>.

Outro periódico de importância é a Revista Criança que é editada, publicada


e distribuída pela Coordenação Geral de Educação Infantil da Secretaria de Edu-
cação Básica do MEC. É um material de disseminação da política nacional de
educação infantil e de formação de professores.

43
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Atividades
1. De forma sucinta, descreva as três identidades da criança identificadas por
Franco Frabboni.

2. Com quais diferentes infâncias você convive?


44
A ideia de infância e a sua escola


45
A história das creches

De acordo com o que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional (LDB) definiram, a Educação Infantil, primeira etapa
da educação básica, é oferecida em creches, ou entidades equivalentes,
para crianças de até três anos de idade, e em pré-escolas para as crianças
de quatro a cinco anos.

Essa é uma definição dada pela lei, e que, em muitas vezes, ainda não
foi totalmente assimilada por todos. Mas, em termos históricos, existem
outras diferenças conceituais entre creche e pré-escola.

O termo creche sempre esteve vinculado a um serviço oferecido à


população de baixa renda e, portanto, com um cunho assistencial. Já a
pré-escola era voltada a crianças maiores, mais próximas de frequenta-
rem a escola de ensino fundamental e, assim, trabalhava mais questões
pedagógicas.

Também se distinguiam pelo tipo de funcionamento: a creche se ca-


racterizava por uma atuação em horário integral, e a pré-escola, por um
funcionamento semelhante ao da escola, em meio período.

Havia ainda uma outra forma de diferenciar a creche da pré-escola: a


sua vinculação administrativa. A creche se subordinava e era mantida por
órgãos de caráter médico/assistencial, e a pré-escola aos órgãos vincula-
dos ao sistema educacional.

Essa divisão hoje não é mais permitida.

A LDB deu um prazo, que foi dezembro de 1999, para que todas as cre-
ches e pré-escolas existentes ou as que viessem a ser criadas se integras-
sem aos seus respectivos sistemas de ensino, responsáveis pela função
educação.

Visto isso, vamos agora observar como foi que a creche surgiu na Europa
e nos Estados Unidos, referenciais importantes dessa área. Para isso, vamos
nos basear no texto escrito por Bernard Spodek e Patrícia Clark Brown: Alter-
nativas Curriculares na Educação de Infância: uma perspectiva histórica.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Surge a creche na Europa e nos Estados Unidos


Tem-se que o primeiro programa concebido especificamente para crianças
pequenas foi a “Escola do tricô”, fundada em 1767 pelo Padre Oberlin, na França.
As crianças, a partir de dois anos, formavam um círculo ao redor da professora,
que conversava com elas enquanto tricotava. Eram, geralmente, filhos de pais
trabalhadores que não tinham onde deixar suas crianças durante o horário do
trabalho. Dizem que o nome creche foi utilizado pelo Padre Oberlin para desig-
nar essa sua instituição. A palavra creche, que tem origem francesa, significa
manjedoura.

Há outras experiências pioneiras no atendimento à criança pequena. Na Es-


cócia, foi criada, em 1816, por Robert Owen, a “Escola Infantil”. Owen preocu-
pava-se com as condições de vida e de trabalho dos seus empregados, alguns
dos quais tinham apenas seis anos de idade. Ele iniciou várias reformas sociais
importantes para a época, incluindo o aumento da idade mínima para trabalhar
para os 10 anos. Fundou o “Instituto para a Formação do Caráter” que era orga-
nizado em três níveis e atendia alunos com idade entre 3 e 20 anos. O primeiro
nível era a escola infantil para crianças de 3 a 6 anos; o segundo nível atendia
crianças de 6 a 10 anos e o terceiro nível era oferecido durante a noite e atendia
alunos dos 10 aos 20 anos. Na década de 1820, nos Estados Unidos, criaram-se
várias Escolas Infantis.

Na Alemanha, em 1837, Fröbel criou o “Jardim de Infância”. Ele tinha uma visão
única sobre a natureza da infância, a natureza do conhecimento e os objetivos
da educação que seriam oferecidos nos jardins de infância. Fröbel deixou um
enorme contributo para a Educação Infantil.

Na Itália, Maria Montessori, no início do século XX, trabalhou com crianças


pobres de um bairro operário, na sua Casa dei Bambini (Casa das Crianças). Ela
acreditava que as crianças tinham a capacidade de influenciar o seu próprio
desenvolvimento.

Na Inglaterra, também no início do século XX, surgia outro programa para a


primeira infância: o “Infantário”. Criado por Margaret McMillan, em parceria com
sua irmã Rachel, essa instituição se preocupava com as condições insalubres em
que viviam as crianças.

O que podemos concluir dessas primeiras iniciativas de atendimento à crian-


ça pequena?

48
A história das creches

Todos esses programas tiveram um impacto importante no campo da educa-


ção para a criança. Porém, cabe observar que, com exceção dos jardins de infân-
cia de Fröbel, todos os outros programas foram iniciados para melhorar a vida
das crianças pobres.

Assim, podemos dizer que a creche surgiu como uma instituição assistencial
que ocupava o lugar da família, nas mais diversas formas de ausência. Podemos
também dizer que a organização da família moderna atribuía para si a responsa-
bilidade pelo cuidado e pela educação da criança pequena. Portanto, somente as
famílias que não conseguiam atender a essa função é que utilizavam a creche.

Surge a creche no Brasil


De uma forma geral, podemos falar que a creche no Brasil surge acompa-
nhando a “estruturação do capitalismo, a crescente urbanização e a necessidade
de reprodução da força de trabalho”, ou seja, ia desde a liberação da mulher-mãe
para o mercado de trabalho até uma visão de mais longo prazo em preparar
pessoas nutridas e sem doenças.

Atendimento à infância até 1900


Do período colonial até o início do século XX, pouco se fez, no Brasil, em
defesa das crianças que viviam na pobreza. Existiu institucionalmente a “Casa
dos Expostos”, também chamada de “Roda”, segundo Moncorvo Filho em seu
livro Histórico da Protecção à Infância no Brasil – 1550-1922. Tratava-se de um
lugar onde eram deixadas as crianças não desejadas1.

Domínio público.
Deve-se a criação da Roda a Romão de Mattos Duarte,
que, preocupado com o grande número de crianças
abandonadas nas ruas e portas de igrejas das cida-
des maiores, decidiu doar recursos para que a Santa
Casa de Misericórdia fizesse esse atendimento. Não
se sabe muito sobre esta instituição, mas há um dado
que assusta: em 13 anos de funcionamento, haviam
entrado nas “Rodas” aproximadamente 12 mil crianças
e apenas mil tinham sobrevivido (MONCORVO FILHO,
1926). O que nos permite deduzir que as condições de
Roda dos Expostos.
atendimento eram muito precárias.
1
A roda era uma espécie de armário cilíndrico, giratório e embutido em uma parede. Era construído de tal forma que aquele que deixava a criança
não era visto por quem a recebia. Assim, ao colocar a criança na roda, puxava-se uma cordinha com uma sineta para avisar o responsável na insti-
tuição que um bebê acabava de ser abandonado.
49
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Podemos dizer que essas primeiras iniciativas voltadas ao cuidado das crianças
tinham caráter higienista e se dirigiam contra o alto índice de mortalidade infantil.

A sociedade da época achava que o grande número de mortes de crianças


era devido aos nascimentos ilegítimos (frutos da união entre escravos ou entre
escravos e senhores) e à falta de educação moral, física, e intelectual das mães.

Podemos observar que as duas causas culpam a família, além de dizerem que
os negros escravos eram portadores de doenças. Não se levava em consideração
as condições econômicas e sociais das famílias e a ausência de estruturas de
saúde pública. Assim, os poucos projetos desenvolvidos durante esse período
tinham base no preconceito. Esses projetos eram organizados a partir de grupos
privados (conjuntos de médicos, associações beneficentes de senhoras) sem a
preocupação por parte do Estado pelas condições de vida da criança e seu de-
senvolvimento, em especial, a da criança pobre.

1900 a 1930
Vamos passar para o início do século XX e observar alguns fatos marcantes.
As fábricas passaram a absorver imigrantes europeus. Muitos deles eram traba-
lhadores qualificados e politizados pelo contato com os movimentos operários
que ocorriam na Europa. Organizados aqui no Brasil, os operários passaram a
protestar contra as suas precárias condições de vida e de trabalho. Os empre-
sários, por sua vez, procurando enfraquecer esses movimentos, começaram a
conceder alguns benefícios sociais e criaram vilas operárias, clubes esportivos e
também algumas creches e escolas maternais para os filhos de operários.

Além disso, as grandes cidades estavam se industrializando muito rapida-


mente e, como não dispunham de infraestrutura urbana suficiente, em termos
de saneamento básico, moradias etc., sofriam o perigo de constantes epidemias.
Assim, a creche passou a ser defendida por sanitaristas preocupados com as con-
dições de vida da população operária, ou, em outros termos, com a preservação
e reprodução da mão de obra operária.

A literatura aponta também a existência de grupos de mulheres de classes


sociais abastadas que, organizadas em associações religiosas ou filantrópicas,
cria­ram várias creches. Elas instruíam as mulheres das camadas populares a
serem “boas donas de casa” e a cuidarem adequadamente de seus filhos. Eram
convictas de que o cuidado materno era o melhor para a criança e que o cuidado
em grupo (creche) era certamente um substitutivo inadequado.

50
A história das creches

Também nesse período destaca-se a existência de determinados grupos pri-


vados que tinham a intenção de diminuir a apatia que dominava as esferas go-
vernamentais quanto ao problema da criança.

Em um desses grupos foi fundado o “Instituto de Proteção e Assistência à


Infância do Brasil”, com sede no Rio de Janeiro. Uma das atividades realizadas
por esse instituto foi a organização de “Concursos de Robustez”. O que seria isso?
Com a finalidade de diminuir a mortalidade infantil, fazia-se um concurso para
escolher o bebê mais saudável. A mãe do bebê vencedor, que deveria ter com-
provada a sua pobreza, era premiada em dinheiro.

Junto a essas atividades do instituto, foram sendo criadas creches, jardins de


infância e maternidades. Em 1909, foi inaugurado o Jardim de Infância Campos
Salles, no Rio de Janeiro.

Em 1919, por iniciativa da equipe fundadora do Instituto, foi criado o Depar-


tamento da Criança, cuja responsabilidade caberia ao Estado, mas que acabou
sendo mantido pelo Dr. Moncorvo Filho, pessoa reconhecida pela sua dedicação
e proteção à infância.

Em 1922, o Estado começou a se preocupar com a criança: organizou o 1.º


Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, mas ainda os problemas infantis
foram tratados de forma demagógica e limitada. As conclusões foram as de que
a creche tinha como finalidade:

 combater a pobreza e a mortalidade infantil;

 atender os filhos da trabalhadora, mas com uma prática que reforçava o


lugar da mulher no lar e com os filhos;

 promover a ideologia da família.

1930 a 1980
Iniciamos a década de 1930 reforçando a “culpa da família” com relação às
condições de vida das crianças, deixando, assim, de lado as relações de classe
existentes no país.

O papel do Estado em relação à educação e ao cuidado da criança passa a ser


defendido pelas próprias autoridades governamentais. Reforçava-se as relações
entre criança e pátria e introduzia-se uma nova argumentação sobre a necessi-
dade de “formação de uma raça forte e sadia”.
51
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

No município de São Paulo, Mário de Andrade – escritor e intelectual da


época – é nomeado diretor do recém-criado Departamento de Cultura e começa
a estruturar o “Parque Infantil”. A proposta dos parques era dar atendimento às
crianças de 3 a 6 anos e também às de 7 a 12 anos, fora do horário escolar. O
parque proporcionava à criança de família operária o direito à infância, a brincar
e ao não trabalho. Dava ênfase ao caráter lúdico e artístico.

Na década de 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, a legislação tra-


balhista previu que deveriam haver creches em todos os estabelecimentos em
que trabalhassem 30 ou mais mulheres. Atualmente, a empresa não precisa ter
necessariamente uma creche, podendo repassar ao empregado um valor de
“auxílio-creche”.

Em 1940, foi criado o Departamento Nacional da Criança no Ministério da Edu-


cação e Saúde. Mais tarde, a Saúde e a Educação foram separadas e o Departamen-
to Nacional da Criança ficou com o Ministério da Saúde. Assim, durante 30 anos
o atendimento à criança foi centralizado pelo Ministério da Saúde. Pode-se dizer
que a sua atuação foi voltada fundamentalmente à assistência médico-higiênica.

Em 1950, foi feito um balanço das atividades do Departamento Nacional da


Criança e verificou-se que as “medidas morais” foram as que tiveram maior des-
taque. Por exemplo, foram proibidas as revistas em quadrinhos e voltaram a ser
rea­lizados os Concursos de Robustez que julgavam “as más e as boas mães”. Por-
tanto, ainda prevalecia a crença de que a elevada mortalidade infantil era devido
à incompetência das mães para cuidar de seus filhos. Ou seja, pretendia-se “do-
mesticar” as classes populares, tirando-as da “desordem”, do “instinto” e da “tra-
dição” e incutindo os valores das classes médias. Não se discutia o real problema
da infância: as condições econômicas dessas famílias.

Chegam às creches os discursos psicológicos que refletiam o movimento psi-


canalista e defendiam a relação da criança com a sua mãe. Tais discursos procura-
vam demonstrar que a ausência da relação afetiva mãe-filho, em determinados
momentos da infância, tornava-se irreversível, podendo produzir “personalida-
des delinquentes e psicopatas”. Assim, defendia-se a ideia de que a ida da criança
para a creche a privava dos cuidados maternos, o que acarretaria sérios prejuízos
em seu desenvolvimento mental, físico e social. Como consequência, deixou-
-se de valorizar a educação em ambientes coletivos e passou-se a promover um
modelo de creche que substituísse a mãe. Como se isso fosse possível! As mães,
por sua vez, que precisavam dos serviços da creche, passaram a sentir-se culpa-
das. Dessa forma, a creche torna-se um “mal necessário”, ou seja, o ideal é que as

52
A história das creches

crianças ficassem em casa com suas mães, mas, se isso não fosse possível, e para
elas não ficarem sozinhas em casa, abandonadas, aceitava-se a creche.

Passando para a década de 1960, observa-se a entrada de outra corrente de


pensamento nas creches: os discursos pedagógicos baseados nas teorias de
privação cultural e da sua solução, a educação compensatória. Mas, o que sig-
nifica isso? A tese da privação cultural baseava-se na ideia de que só havia um
modelo de criança: a da classe média, e assim, as outras crianças desfavorecidas
economicamente comparadas a essas crianças-modelo eram consideradas “ca-
rentes” e “inferiores”. Achava-se que faltavam para elas determinadas atitudes e
conteúdos, por isso, eram consideradas “privadas culturalmente”. Seguindo esse
raciocínio, a solução encontrada era a da educação compensatória, ou seja, a
creche e a pré-escola iriam suprir todas essas carências. Colocava-se a pré-escola
como responsável pela mudança social do país, e sabemos muito bem que essa
transformação social é complexa, e exige um conjunto de mudanças de caráter
político e econômico que não se resume na escola.

Sobre a década de 1970, vamos ler o que Ana Maria Sousa escreveu a
respeito.

No início da década de 1970, era aprovada a Lei 5.692/71, alterando o nome


da escola primária para escola de 1.º grau, mas não definindo nenhum termo
para designar a educação que ocorreria na faixa de idade anterior aos sete
anos. [...] A Lei 5.692/71, tanto quanto a anterior 4.024/61, apresentou artigos
sobre a Educação Infantil, mas de maneira genérica, em nada contribuindo
para estimular sua expansão pelos organismos públicos, ficando sua prática
restrita a algumas poucas escolas dos grandes centros urbanos do país.

A partir da década de 1970, o tema passou a ser considerado de interesse


pelos setores oficiais, graças ao processo de industrialização acelerado, con-
clamando o trabalho feminino e alterando os costumes da família, aliado à
influência das recomendações dos organismos internacionais e aos estudos
e trabalhos realizados por profissionais interessados na criança.

[...] A base para alimentar a crença de que os programas inspirados nos


pressupostos de educação compensatória eram a solução para os males do
1.º grau e da pré-escola vinha da recomendação da Unesco e das experi-
ências dos Estados Unidos com o “Head Start”, que influenciaram os vários
documentos oficiais divulgados ao longo dos anos 1970. Entre eles estavam
as indicações e os pareceres do Conselho Federal de Educação – CFE, os pro-
nunciamentos emitidos por pessoas que ocupavam funções expressivas no

53
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

MEC, os Planos Setoriais de Educação e os diversos documentos emitidos


pela então Coepre – Coordenadoria de Educação Pré-Escolar [...]. (SOUSA,
1996, p. 41)

Ainda na década de 1970, ocorre a profusão de movimentos sociais e com


eles surge, dentre outras, uma proposta de creche mais afirmativa para a crian-
ça, a família e a sociedade, superando os limites tradicionais. Em 1979, em São
Paulo, por ocasião do 1.º Congresso da Mulher Paulista, oficializa-se o Movimen-
to de Luta por Creches, que reivindica a participação do Estado na criação de
redes públicas de creches. Pode-se dizer que essas reivindicações foram em boa
parte atendidas, uma vez que se deu início à expansão de uma rede de creches
totalmente mantida pelo município de São Paulo.

Para encerrar esse período, é importante ainda lembrar que, em 1975, o Mi-
nistério da Educação e Cultura instituiu a Coordenação de Educação Pré-Escolar
e, em 1977, foi criado o Projeto Casulo, vinculado à Legião Brasileira de Assis-
tência (LBA) que atendia crianças de 0 a 6 anos de idade e tinha a intenção de
proporcionar às mães tempo livre para poder “ingressar no mercado de trabalho
e, assim, elevar a renda familiar”.

Década de 1980
Pode-se dizer que nessa década houve um avanço considerável com relação
à Educação Infantil. Como por exemplo:

 foram produzidos estudos e pesquisas de relevante interesse, inclusive


discutindo e buscando a função da creche/pré-escola;

 universalizou-se a ideia de que a educação da criança pequena é impor-


tante (independentemente de sua origem social) e que é uma demanda
social básica;

 a Constituição de 1988 definiu a creche e a pré-escola como direito da


família e dever do Estado em oferecer esse serviço.

54
A história das creches

Décadas de 1990 e 2000


Nesse período a educação infantil está sendo consolidada, isto é, aos poucos,
vem crescendo na sociedade a consciência com relação à importância que a
educação tem para as crianças dessa idade e o Estado, por sua vez, tem assumi-
do e desenvolvido mais políticas voltadas para essa faixa etária.

Para podermos visualizar melhor a situação do número de matrículas na Edu-


cação Infantil nessas décadas, vamos fazer algumas comparações entre dados
dos Censos Escolares.

Se compararmos os dados de 1995 e os do Censo Escolar de 2005, veremos


que, nesses dez anos, houve um aumento na oferta de vagas na educação infan-
til, porém o percentual de atendimento ainda é muito baixo.

0 a 6 anos 0 a 3 anos 4 a 6 anos


1995 25% 7,6% 47,8%
2005 36,6% 11,7% 57%

Dados do Censo Escolar de 2007 retratam uma diminuição no número de ma-


trículas para a Educação Infantil (7,2% a menos), sendo que para a creche houve
um aumento de 10,6% e para a pré-escola uma redução de 11,8%.

Em 2008, volta a crescer o número de matrículas, se comparados com os


dados de 2007. O Censo Escolar de 2008 nos mostra um aumento de 10,9% nas
creches e de 0,8% nas pré-escolas.

O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2001, pela Lei 10.172,


estabelece a ampliação da oferta de vagas para a educação infantil e define que,
em cinco anos, 30% das crianças de até 3 anos de idade e 60% das crianças de 4
a 6 anos (ou 4 e 5 anos) devem estar frequentando uma instituição de educação
infantil. Sabemos que alcançaremos mais rapidamente a proposta do PNE com
relação à oferta de vagas para a pré-escola, porém, para a creche, ainda é preciso
investir com mais afinco.

Em 2006, o MEC publicou a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direi-


to das crianças de zero a seis anos à Educação. Nas metas estabelecidas por esse
documento, encontramos a proposta de atender, até 2010, 50% das crianças de
0 a 3 anos e 80% das de 4 a 6 anos. Várias estratégias são apresentadas para
que se possa efetivar verdadeiramente essa política, mas só o tempo poderá nos
mostrar o quanto iremos realmente avançar.

55
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Sobre a qualificação dos profissionais que trabalham em creches e pré-


-escolas, ainda permanece a desigualdade: quem atua em creches tem menor
qualificação. Também permanece desigual a possibilidade de oferta de vagas
de acordo com a renda familiar: das 20% mais pobres, apenas 28,9% frequen-
tam uma creche e/ou pré-escola e das 20% mais ricas, mais da metade está ma-
triculada em uma instituição de educação infantil. Assim mesmo, o setor público
atende a 76% das matrículas nesse ciclo, enquanto a área privada responde por
apenas 24%.

O MEC elaborou e publicou diversos documentos nacionais orientadores das


ações para a educação infantil. Podemos citar: as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação In-
fantil, a Política Nacional de Educação Infantil; o Programa de Formação Inicial para
Professores em Exercício em Educação Infantil – Proinfantil; os Parâmetros Nacionais
de Qualidade para a Educação Infantil e os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para
Instituições de Educação Infantil.

E, finalmente, foi possível ver o surgimento de uma preocupação com relação


aos recursos financeiros para a Educação Infantil. O Fundef (Fundo de Manuten-
ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) foi
substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica) que inclui a educação infantil e o ensino médio.

Gostaria de reforçar aqui que todo avanço é histórico, cultural e político, por-
tanto, precisa ser conquistado o tempo todo. Assim, não podemos deixar de lado
o importante papel que exercemos, como cidadãos e, principalmente, como edu-
cadores, em relação às mudanças e melhorias necessárias à Educação Infantil.

E para finalizar nossa aula vamos ler o que a professora Zilma de Oliveira
(1994, p. 9) escreveu sobre a diferença entre a história da creche e a da escola
básica.
A história das creches difere da história da escola básica. Esta última foi, primeiro, a escola para
os filhos das classes médias e altas, e a população mais pobre teve, e ainda tem, de brigar para
nela entrar e permanecer. A creche, por outro lado, nasceu acolhendo os pobres e, apenas
recentemente, tem sido tomada e recriada pela classe média.

56
A história das creches

Texto complementar
Histórico da protecção á infancia
no Brasil 1500-1922
(MONCORVO FILHO, 1926, p.138-143)

[...]

Tomando então por lemma o que disséra Tolosa Latour: “redima-se a in-
fancia pela sciencia, pela caridade e pelo amor”, dando cumprimento ao vóto
que fizerámos, imaginámos levantar em nosso paiz uma verdadeira cruzada
em pról da creança, procurando introduzir em noso meio quanto de profi-
cuo fôsse sendo adoptado nos mais adiantados paizes, agindo em todos os
sentidos e particularmente estabelecendo uma energica e extensa propa-
ganda de hygiene infantil, ensinando-se ao povo a verdadeira puericultura,
para que pudesse o Brasil alcançar, ao cabo de algum tempo, o ideal dos
povos civilisados – o melhoramento e a robustez de sua raça pela applicação
utilissima das regras da Eugenia.

Foi quando, na noite de 24 de Março de 1899, na nossa residencia, á rua


da Lapa, 93 (hoje 95), com o concurso de numerosos amigos, fundámos a
Obra que denominámos “Instituto de Protecção e Assistencia à Infancia do
Rio de Janeiro”. Setecentas assignaturas subscreveram a acta de installação e
entre ellas as das mais notaveis personalidades da época: politicos, jornalis-
tas, medicos, engenheiros, advogados, commerciantes e philantropos.

Começámos então a luctà sem treguas na aspiração de realizar o nosso


ideal e, si muitos dissabores nos custaram as lides a que nos entregámos,
resta-nos a gloria de haver conseguido, com a execução de uma serie de
iniciativas completamente novas em nosso paiz, fazer despertar em todos os
espiritos o interesse pela creança, e, por outro lado, certo numero de imita-
dores do Norte ao Sul do Brasil.

Depois de cerca de dous annos de propaganda da Obra que petendiamos


realisar, graças aos recursos de porta em porta por nós adquiridos e a precio-
sa colaboração de um punhado de amigos, cavalheiros e senhoras da melhor
sociedade, installavamos a 14 de Julho de 1901 no sobrado do vasto prédio
(alugado) da rua Visconde do Rio Branco, 22 o Instituto almejado.

57
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Por occasião da inauguração que foi solenne, na presença do Presidente


da República Campos Salles e com a Presidente de Quintino Bocayuva, – dois
grandes brasileiros –, tivemos, como se vê do topico que transcrevemos, a
opportunidade de explicar quaes os intuitos da nova Obra:

O que é o Instituto de Protecção e Assístencia à Infancia do Rio de


Janeiro?

Nós o definiremos immediatamente.

Quatro longos séculos são passados que o Brasil foi descoberto, se


povoou, prosperou e se engrandeceu; a civilisação entrou com o europeu,
a raça constituiu-se, a prosperidade superou-se em todos os ramos da acti-
vidade humana e não se póde negar haverem se desenvolvido também os
sentimentos do povo em bem dos soffrimentos dos desherdados da sorte.

Quem ousara contestar tenham sido grandes os movimentos de philan-


tropia entre nós verificados desde os mais remótos tempos!

A humanidade não regateando sacrificios pelo bem publico não se limi-


tou ao estabelecimento de medidas geraes de protecção, não se cingiu ex-
clusivamente ao amparo do pauperrimo; ella divisou na sciencia um fórte
esteio para essa distribuição de soccórros e à esta se unindo a philantropia
tomou um aspecto muito mais nobre e salutar ás classes assoladas pela fóme
e pelas difficuldades da vida.

O estudo, ao mesmo tempo scientifico e social das questões de philantro-


pia em todos os Congressos, fez reconhecer ser da maior importancia atten-
der com o indispensavel desvelo á situação da crença indigente e doente,
tendo em vista melhor amparar o ser humano nos seus verdes annos, prepa-
rando o cidadão do futuro, do que corrigi-lo ou socorre-lo na edade madura
quando já não serão as difficuldades tão faceis de vencer.

Os nossos antecessores na corrente da civilisação, com a creação das suas


adiantadas obras de caridade, ensinaram ao mundo que a infancia deve ser
escrupulosamente cuidada, pois que ella se constitue para o progresso das
nações uma das suas fôrças vivas.

Há por certo em nossa capital algumas instituições de soccorro á infancia


que prestam incontestaveis serviços á população.

58
A história das creches

O numero, porém, dos amparadores é limitadissimo, – referimo-nos aos


asylos que recebem em seus ninhos as creanças maiores de 8 annos, isto é,
quando a edade e o desenvolvimento intellectual já lhes permitte uma certa
liberdade e um resquicio de discernimento.

E a creança desde o periodo de sua formação no ventre materno até o


desabrochar dos 7 ou 8 annos, onde encontra soccôrro nesta cidade?

Quaes as leis que possuimos para proteger, no melindroso estado de gra-


videz, a mulher na industria?

Quaes as leis que entre nós garantem a vida e a saude dos pequeninos
recém-nascidos?

Onde temos regulamentado o serviço de amas de leite?

Qual a vigilancia exercida aqui sobre os menores que trabalham em in-


dustrias, muitas vezes, perigosissimas e improprias da edade? Que leis pro-
tegem entre nos as creanças denominadas hoje moralmente abandonadas e
as maltratadas pelos que a cercam?

E a mendicidade da infancia, tão explorada em nossa Capital, qual a lei


que temos para restringir a sua demazia?

Há, porventura, leis brasileiras para os pequenos criminosos como o exige


hodiernamente a civilisação?

O Instituto envidará os seus melhores esforços para conseguir dos po-


deres governativos uma serie de medidas tendentes a amparar a infancia,
pelo estabelecimento de leis especiaes como as que tão fecundos resultados
teem produzidos em outros paizes.

Sob o seu immediato patrocinio procurará ter o Instituto todas as crean-


ças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas
de nossa Capital.

A lactação na classe pobre será assumpto da maior preoccupação de


nossa instituição que, após a perfeita regularidade no funccionamento do
serviço de exame e attestação das amas de leite, se esforçara por obter do
Governo e da Municipalidade a regulamentação adequada, medida salvado-
ra de milhares de creanças.

59
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Falta de instrucção do povo deve-se, póde-se afirmar sem receio de


contestação, um grande contingente de males que affligem a infancia; eis
porque o Instituto, no limite de suas forças, procurará diffundir, entre as fami-
lias pobres e proletarias, noções elementares de hygiene infantil, verbaes ou
por meio de conselhos ministrados em linguagem ao alcance do público.

Formentará ainda o Instituto de Protecção á Infancia a creança de peque-


nos asylos de maternidade para o recolhimento das mulheres nos ultimos
mezes da gestação: de “creches” para receber e alimentar durante o dia as
creanças menores de dous annos, emquanto suas progenitoras se entregam
aos trabalhos habituaes; de jardins da infancia etc...etc.

Si isso lhe fôr dado, por todos os meios de que dispuzer, envidará o Insti-
tuto esfórços para estabelecer escolas imbecis, idiotas e cretinos.

[...]

Dica de estudo
Uma boa dica de estudo é a leitura da revista Educação, da editora Segmento.
Essa revista traz sempre discussões e pesquisas para educadores. Em um lança-
mento extra, durante o ano de 2009, essa editora está publicando uma coleção
de quatro edições especiais, intituladas Educação Infantil. Vale A pena ler. Versão
eletrônica disponível em: <www.revistaeducacao.com.br>.

Atividades
1. Entre as experiências pioneiras na Europa e nos EUA, que foram citadas nesta
aula, escolha as três que você achou mais interessante e as descreva.

60
A história das creches

2. O que era a Teoria da Privação Cultural?


61
A organização do espaço
na Educação Infantil – I

Nesta aula vamos estudar um assunto que é fundamental em todas


as propostas pedagógicas. Trata-se da organização do espaço na Educação
Infantil.

Mais recentemente, tem havido um reconhecimento da importância


do ambiente físico no desenvolvimento da criança. Entretanto, as carac-
terísticas do espaço geralmente são postas em segundo plano no proces-
so educativo. Costuma-se tão-somente recomendar que esses ambientes
sejam “ricos e estimuladores”, mas não se explica bem o que significa isso
e, portanto, a aplicação é de difícil entendimento.

O nosso objetivo é reconhecer como a organização do espaço físico


influencia os comportamentos das pessoas e como o educador pode or-
ganizar ambientes em função do que pretende atingir.

Concepções de desenvolvimento e sua


influência na organização dos ambientes
Vamos procurar demonstrar como as concepções que temos sobre o
desenvolvimento infantil podem ser reconhecidas por meio da organiza-
ção de ambientes físicos das instituições de educação. Para ilustrar melhor
essa ideia, é interessante apresentar sumariamente uma pesquisa reali-
zada em creches da região de Ribeirão Preto (SP), coordenada por Secaf
Silveira, cujos resultados constam do trabalho Organização do Espaço em
Instituições Pré-Escolares, de Mara Carvalho e Márcia Rubiano.

Foram observadas creches que atendiam crianças de famílias de baixa


renda, cujas instituições apresentavam as seguintes características:

 havia um adulto para cada 15 crianças de até 3 anos;

 as atendentes tinham baixo nível educacional e péssimas condições


de trabalho;
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 as instalações físicas eram precárias;

 dava-se ênfase ao atendimento das necessidades físicas das crianças, sem


preocupação com as afetivas, sociais e cognitivas;

 o atendimento era centralizado na atendente, o que exigia dessa profis-


sional um ritmo acelerado de trabalho;

 eram longos os momentos de espera para a criança, com poucas oportu-


nidades para ocorrer interação adulto-criança e nenhuma preocupação
com o relacionamento entre crianças;

 os ambientes, em geral, eram pouco mobiliados, quase sem equipamen-


tos e enfeites, e eram raros os objetos disponíveis para as crianças. Mesmo
em algumas creches que tinham salas com mais mobiliário, observou-se
que as educadoras encostavam esses móveis nas paredes, ou os empilha-
vam em um canto, para obter um espaço central vazio, sem qualquer em-
pecilho para a atividade infantil.

Baseada nessas características, podemos fazer as seguintes perguntas: quais


são os pressupostos desses educadores? Como vocês acham que eles compreen-
dem a criança e a sua educação? Podemos dizer que o entendimento deles é:

 que a criança precisa de espaço amplo, aberto e vazio, havendo uma valo-
rização das atividades físicas;

 que a criança pequena é incapaz de envolver-se e manter-se em deter-


minadas atividades, principalmente aquelas que são compartilhadas com
outras crianças e em que não há a mediação do adulto;

 que o modelo educacional a ser seguido deve ser aquele que é “centrali-
zado no adulto”. Seguem, portanto, o modelo escolar tradicional, em que
o professor é o centro da sala de aula. Acreditam, assim, que o desenvol-
vimento da criança ocorre, principalmente, por meio de atividades desen-
volvidas quando as crianças estão sentadas em torno das mesinhas, com
a atendente assumindo o papel tradicional do professor.

Podemos afirmar qual concepção, na minha opinião, seja a mais adequada


para a creche como um espaço de educação:

 a creche é um contexto de socialização de crianças pequenas, diferente


tanto da sua casa como da escola de ensino fundamental, sobretudo a
tradicional;

64
A organização do espaço na Educação Infantil – I

 na maior parte do tempo, a criança pode e deve escolher as atividades


que ela deseja realizar;

 um adulto pode cuidar simultaneamente de várias crianças, sendo que os


parceiros mais disponíveis para a interação são as outras crianças, geral-
mente seus coetâneos, isto é, as que têm a mesma idade.

O espaço físico como um dos elementos


fundamentais para uma Pedagogia
da Educação Infantil
(FARIA, 2000, p. 69-71)

[...] Uma Pedagogia da Educação Infantil que garanta o direito à infância e


o direito a melhores condições de vida para todas as crianças (pobres e ricas,
brancas, negras e indígenas, meninos e meninas, estrangeiras e brasileiras,
portadoras de necessidades especiais etc.) deve, necessariamente, partir da
nossa diversidade cultural e, portanto, a organização do espaço deve con-
templar a gama de interesses da sociedade, das famílias e prioritariamente
das crianças atendendo as especificidades de cada demanda possibilitando
identidade cultural e sentido de pertencimento. Assim, uma política para a
Educação Infantil deve ser plural, e diferentes tipologias devem ser propos-
tas. Cada grupo de profissionais de uma determinada instituição organizará
o espaço de acordo com seus objetivos pedagógicos, de modo a superar os
modelos rígidos de escola, de casa e de hospital. Assim, a Pedagogia faz-se
no espaço e o espaço, por sua vez, consolida a Pedagogia.

[...] As instituições de Educação Infantil deverão ser espaços que garan-


tam o imprevisto (e não a improvisação) e que possibilitarão o convívio das
mais variadas diferenças, apontando para a arbitrariedade das regras (daí o
jogo e a brincadeira serem tão importantes, iniciando o exercício da contra-
dição, da provisoriedade e da necessidade de transformações).

Esse espaço, portanto, é o “pano de fundo”, a “moldura”, como afirma


Mayumi Souza Lima (1989, p. 30). Ele será qualificado adquirindo uma nova
condição, a de ambiente: “o espaço físico isolado do ambiente só existe na
cabeça dos adultos para medi-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para a crian-
ça existe o espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o espaço-mis-
tério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços de liberdade ou da opressão.”

65
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

O espaço físico, assim concebido, não se resume à sua metragem. Grande


ou pequeno, o espaço físico de qualquer tipo de centro de Educação Infantil
precisa tornar-se um ambiente, isto é, ambientar as crianças e os adultos:
variando em pequenos e grandes grupos de crianças, misturando as idades,
estendendo-se à rua, ao bairro e à cidade, melhorando as condições de vida
de todos os envolvidos, sempre atendendo às exigências das atividades pro-
gramadas individuais e coletivas, com ou sem a presença de adulto(s) e que
permitam emergir as múltiplas dimensões humanas, as diversas formas de
expressão, o imprevisto, os saberes espontâneos infantis.

Com base no texto A organização dos espaços na Educação Infantil, a educa-


dora Lina Iglesias Forneiro afirma que é importante termos consciência de quais
são os aspectos que condicionam a tomada de decisões dos professores na or-
ganização do espaço. Esses aspectos, segundo a autora, podem ser classificados
em duas diferentes categorias:

 elementos contextuais – o ambiente, a escola e a sala de aula.

 elementos pessoais – as crianças e os professores.

Vamos ver um pouco de cada um deles.

Elementos contextuais
Ambiente
 Pode ser definido de acordo com as condições climáticas. Existem lugares
onde há muita chuva, outros muito frio, ou calor demais. Os ambientes
devem ser pensados de acordo com essas realidades.

 Há também os recursos do ambiente, que podem ser espaços naturais


ou construídos. Além de toda a área da própria creche, podemos realizar
atividades com as crianças fora da creche, ou seja, utilizando praças ou
jardins próximos, o campo de esportes, sem falar nas excursões que pode-
mos fazer pelo bairro ou em outros lugares. Também é possível trazermos
pessoas de fora para virem interagir com as crianças na creche, ampliando,
assim, o conhecimento que elas têm do mundo.

66
A organização do espaço na Educação Infantil – I

Escola
 Condições arquitetônicas – três aspectos são especialmente relevantes.

 Maior ou menor antiguidade do edifício – às vezes, quando o edifício é mui-


to antigo, tem poucas possibilidades de não enfrentar grandes reformas.

 A concepção de escola em seu conjunto – as tipologias mais comuns são: os


agrupamentos lineares que têm salas de um ou dos dois lados; os agrupa-
mentos nucleares, que distribuem as salas a partir de um espaço comum;
agrupamentos mistos, que procuram combinar os dois modelos anterio-
res; e agrupamentos do tipo modular, no qual a escola é consti­tuída por
diferentes edifícios.

Não podemos deixar de pensar nos espaços com áreas de encontro entre
crianças de diversos grupos, também chamados espaços de intersecção.

 A localização da sala de aula – em escolas antigas, a localização das salas


de aula costuma apresentar problemas, tais como situar-se no primeiro
ou no segundo andar ou serem muito pequenas. Escolas mais modernas
costumam ser localizadas em módulos independentes, o que abre possi-
bilidades de organização diferenciada.

 Espaços de uso comum

 Para determinadas atividades – são aquelas que requerem algumas condi-


ções específicas no espaço: sala para realizar atividades de psicomotrici-
dade, sala de artes plásticas, sala de projeções audiovisuais, ginásio etc.

 Salão – para os jogos coletivos, devidamente equipado com móveis e ma-


teriais adequados às diferentes faixas etárias.

 Espaços externos – devemos considerar:

 as dimensões e as características do espaço, ou seja, se é revestido de


terra, ou se é calçado, se tem grama, árvores etc.;

 os equipamentos – balanços, tobogãs, estruturas para subir, cabanas,


pistas para andar de triciclo e carrinhos, labirintos etc.

67
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

IESDE Brasil S.A.


“Em um espaço próprio junto à sala e/ou à área de recreação da creche, é preciso deixar as
crianças brincarem bastante com areia, água, mexerem com terra, argila, massa de modelar.
Deixá-las correr, arrastar, subir, trepar, balançar, escorregar. A existência do meio natural para
as crianças é fundamental nessa fase de seu desenvolvimento.” Coleção Creche – Urgente.
ESPAÇO FÍSICO, 1988

 Banheiro – deve ser diferente para os bebês e para as crianças maiores.


Precisa ser cuidadosamente planejado, principalmente levando-se em
conta os aspectos de higiene.

 Cozinha, lactário e despensa – são espaços que não precisam excluir as


crianças, porque é bom que elas conheçam esses ambientes.

 Lavanderia e área de serviço – precisa ser previsto um lugar onde seja pos-
sível a entrada de sol. As máquinas de lavar roupa ajudam bastante.

 Recepção ou entrada – deve ser o mais acolhedor e agradável possível.

 Administração – nas realidades onde existe a presença de um diretor, ou


coordenador, ou às vezes um secretário, é preciso ter um espaço específi-
co para esse(s) funcionário(s).

68
A organização do espaço na Educação Infantil – I

 Sala de reunião – local acolhedor para ser usado como espaço para reu­
niões entre funcionários, para encontros periódicos com os pais ou uma
sala de multiuso.

 Vestiário e sanitário dos funcionários – é preciso existir um espaço para a


troca de roupas e os funcionários não devem usar os sanitários infantis.

Sala de aula
 Elementos estruturais – é o espaço fixo, os elementos permanentes na es-
trutura, tais como:

 Dimensão da sala de aula – deve-se seguir os padrões determinados


em lei. Tomar cuidado com a quantidade e o tipo de mobiliário para
que a sala não se torne “opressiva”.

 Existência apenas da sala de aula ou de algum outro espaço anexo – pos-


sibilita a montagem de outros ambientes, tais como aréas de artes,
área de jogos etc.

 Posição das janelas – determina a localização das áreas que precisam


de boa iluminação. Devem permitir às crianças verem o que ocorre fora
da sala de aula.

 Existência ou não de pontos de água e a sua localização – a organização


de determinadas atividades, tais como artes plásticas, atividades com
barro, dependem da possibilidade de se ter uma pia ou um tanque pró-
ximos.

 Presença de armários embutidos ou de estantes fixas – geralmente, guar-


dam estoque e precisam ter espaço livre ao seu redor.

 Tipo de piso – pode determinar o tipo de atividade a ser realizada. Por


exemplo, não trabalhar com tinta e pincel quando o piso for carpete.

 Mobiliário – pode variar em dois aspectos:

 Quantidade – o seu excesso e a sua falta são condicionantes.

 Tipo – levar em consideração os seguintes aspectos: leveza, polivalên-


cia e funcionalidade.

69
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Decoração – a sala de aula pode estar decorada de tal modo que eduque
a sensibilidade estética infantil. A decoração transforma-se, assim, em
conteúdo de aprendizagem: a harmonia de cores, a apresentação estética
dos trabalhos etc. É comum entrarmos em creches e termos a impressão
de que naquele espaço há apenas reprodução de desenhos criados por
adultos, como os da turma da Mônica, por exemplo, feitos de isopor. Tais
desenhos, copiados e ampliados, dão a ideia de uma exposição artificial,
distante daquela que poderia ser produzida por alguns desenhos e pai-
néis das próprias crianças de um, dois ou três anos e que representariam
cada fase do desenvolvimento que elas estão. Móbiles, quadros e cartazes,
por sua vez, devem ser dispostos na sala e avaliados quanto ao interesse
que despertam. Esses elementos não servem apenas para enfeitar as pa-
redes ou para indicar que uma determinada data, por exemplo, o Natal,
aproxima-se. Eles também devem ser concebidos e usados como um dos
elementos ao redor dos quais as interações adulto-criança podem se de-
senvolver.

 Materiais – podem variar em dois aspectos:

 Quantidade – conceito relativo. A carência de materiais é tão negativa


quanto o seu excesso. É aconselhável começar o ano com a sala quase
vazia de materiais e ir enchendo-a à medida em que vão sendo abor-
dados projetos com as próprias crianças ou estas vão sentindo novas
necessidades. A existência de dois ou mais elementos do mesmo tipo
pode favorecer a atividade social: por exemplo, dois cavaletes de pintu-
ra colocados um ao lado do outro favorecem a relação interpessoal.

 Tipo – destacam-se três aspectos fundamentais apresentados abaixo:

 Variedade – capacidade para estimular diferentes tipos de atividades;


os objetos que a criança dispõe para brincar são fundamentais. Gran-
des caixas de papelão ou madeira, bolas, cordas, máscaras, carros, bo-
necos, mobiliário infantil, sucata variada (como potes, panos, tampas,
caixas), jogos de armar, gravuras, livros e discos de histórias infantis e
muitos outros. É claro que a criança irá desorganizar a arrumação feita
e faz parte da proposta o rearranjo dos ambientes cada vez que são
utilizados.

 Segurança – evitar materiais cortantes, pontiagudos, de dimensão pe-


quena, venenosos etc.

70
A organização do espaço na Educação Infantil – I

 Organização – a intenção é potencializar a autonomia das crianças, ou


seja, permitir que elas possam trabalhar sozinhas. Guardar os mate­
riais demanda um arranjo do espaço: pode-se fazê-lo por meio de
pastas individuais com as produções de cada criança, de sacos plásti-
cos, de um mural de prega. Para a secagem das produções das crian-
ças, existem várias opções: o varal de roupa, a corda ou o mural. Áreas
para a guarda de material pessoal de cada criança. Quando escani-
nhos não são possíveis, os educadores podem improvisar um “canto
pessoal” para cada criança guardar não apenas suas trocas de roupa,
sua escova de dente, mas certos “tesouros” que ela vai descobrindo
e que lhe dão mais uma noção de identidade. Até caixas de sapatos
podem servir para essa finalidade.

Elementos pessoais
Crianças
É importante considerar, com relação às crianças, os seguintes itens:

 Idade – condiciona o nível de autonomia e aquilo que são capazes de fa-


zer; em função disso, teremos que organizar os espaços e os materiais.

 Necessidades que apresentam – é preciso pensar e arrumar os espaços de


maneira que seja possível às crianças desenvolverem atividades tranqui-
las ou mais agitadas; espaços para elas estarem com outras crianças e/ou
adultos, e espaços para ficarem sozinhas, caso desejem.

 Características do ambiente do qual procedem – é importante que o am-


biente onde a criança vá permanecer na escola de Educação Infantil possa
desenvolver uma dupla função: manter os interesses e as atividades ha-
bituais das crianças e, ao mesmo tempo, apresentar novas propostas e
oportunidades.

Professores(as)
O modelo educativo que os professores irão adotar vai ser percebido por
meio da sua prática pedagógica.

71
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Valores e ideologia – é o conjunto de características, que faz parte da sensi-


bilidade de cada um e que, certamente, será reconhecido na sua proposta
de trabalho.

 Experiência profissional anterior – cada professor traz consigo as suas expe-


riências anteriores e, muitas vezes, torna-se difícil romper com os hábitos
antigos.

 Criatividade – maior ou menor criatividade.

 Aspectos pessoais – a organização do espaço vai depender também das


características específicas e pessoais de cada professor.

Dica de estudo
Uma boa revista para manter-se atualizado é a Nova Escola da editora Abril.
Você pode tanto fazer a assinatura, quanto acessar o site <http://revistaescola.
abril.com.br>.

Periodicamente são lançadas algumas edições especiais sobre Educação In-


fantil, onde são retratadas experiências de sucesso, com planos de aula, suges-
tões de aulas, exemplos de métodos educativos e dicas em geral de especialistas
sobre educação em creches e pré-escolas.

Atividades
1. Por que a organização do espaço físico na Educação Infantil é tão importante?

72
A organização do espaço na Educação Infantil – I

2. Segundo a educadora Lina Iglesias Forneiro, para a organização dos espa-


ços na creche/pré-escola leva-se em consideração dois aspectos: os ele-
mentos contextuais e os elementos pessoais. Como cada um deles pode
ser subdividido?

3. Como deve ser feita a decoração da sala de aula?

73
A organização do espaço
na Educação Infantil – II

Nesta aula vamos apresentar, especificamente, aspectos sobre a es-


truturação da sala de aula. Para isso, vamos nos pautar no texto de Lina
Iglesias Forneiro, cujo título é o próprio tema da aula: A organização dos
espaços na Educação Infantil. A autora afirma, em outras palavras, que
mesmo não se devendo estabelecer regras rígidas sobre essa questão, há
parâmetros importantes para orientar a organização dos espaços de uma
sala de aula.

Critérios para uma adequada


organização dos espaços da sala de aula
Um desses critérios é a estruturação por áreas. A sala de aula deve estar
organizada em diferentes áreas de atividades que vão possibilitar à crian-
ça escolher o que ela deseja fazer. Essas áreas vão permitir a organização
de pequenos grupos, facilitando a interação entre as crianças. É uma situa-
ção confortável, especialmente para as crianças menores de três anos, que
costumam sentir-se perdidas quando colocadas em um espaço amplo e
aberto junto com todas as outras crianças da sua turma. Com isso, as crian-
ças vão poder aproveitar melhor os momentos do dia, já que os momen-
tos de espera provavelmente serão menores. Mas a montagem das áreas
depende de como o professor observa a utilização e a ocupação dos espa-
ços, sabendo modificá-los de acordo com os interesses das crianças.

Essas áreas, em geral, são chamadas por diferentes nomes: cantos didá-
ticos, laboratórios, centros de interesse, ateliê, oficinas, cantinhos e outros
mais. Trata-se, na verdade, de espaços de vivência e de aprendizagem que
podem ser utilizados por crianças da mesma idade ou de idades diferentes.

Como vão ser estruturadas essas áreas e quais as atividades que serão
oferecidas vai depender da programação de cada professor e da sua pro-
posta educativa. Alguns espaços, porém, são mais comuns e encontramos
com maior frequência nas creches/pré-escolas, tais como o cantinho das
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

bonecas, da cozinha, os espaços dos jogos de construção, de leitura, da pintura,


da fantasia e da dança.

A autora.
Sala de aula na Scuola dell’ Infanzia Anderlini – Modena – Itália.

Outro critério que nos auxilia na organização da nossa sala de aula é uma
delimitação clara das áreas. As áreas de trabalho podem estar bem delimitadas,
de modo que a criança distingua facilmente os limites de cada uma. Isso vai fa-
vorecer o desenvolvimento da autonomia das crianças.

De acordo com os elementos que usarmos, poderemos obter dois tipos de


delimitação:

 delimitação forte: é dada pela posição de mobiliário de grandes dimen-


sões como, por exemplo, estantes colocadas perpendicularmente à pare-
de, tapetes, mesas, biombos etc. Ou seja, são materiais difíceis de serem
transportados;

 delimitação fraca: é quando as áreas estão delimitadas com marcas no


piso ou nas paredes, ou com móveis leves, tais como bancos, caixas com
material etc., ou com rodinhas, que permitem fácil movimentação.

Ainda assim, é interessante haver na sala de aula alguma área indefinida da


qual as crianças possam “apropriar-se” de um modo criativo em algum momento.

Transformação ou conversibilidade é mais um critério na organização da sala


de aula e está muito ligado ao anterior. É importante pensarmos que alguns es-
paços devem ser flexíveis o suficiente para permitir uma rápida e fácil transforma-
ção, de acordo com as necessidades que podem surgir de forma imprevisível.
76
A organização do espaço na Educação Infantil – II

Um outro critério é o favorecimento da autonomia das crianças. Tanto o mobili-


ário como os materiais devem ser acessíveis às crianças para que elas possam usá-
-los sozinhas. Além de permitir que a criança se desenvolva com autonomia, essa
organização vai permitir que o professor trabalhe com as crianças em pequenos
grupos ou até mesmo que ele possa dar atenção especial para cada criança.

O critério da segurança é também muito importante. O mobiliário deve ser


estável, não ter pontas agudas que possam produzir cortes em caso de quedas, e
o material deve cumprir as garantias exigidas com relação à saúde e à higiene.

Há ainda o critério da diversidade, que significa a existência de grande varie­


dade de áreas que permitem dar resposta às diferentes e inúmeras necessidades
das crianças, respeitando o seu modo de ser e as suas preferências. A diversidade
possui quatro vertentes:

 diversidade quanto à estruturação – pode-se fazer diferentes combina-


ções, por exemplo, áreas muito estruturadas e com materiais específicos
(área de pintura ou área de leitura) junto com áreas pouco estruturadas
que permitam a realização de múltiplas experiências (área de água ou
areia e de jogos);

 diversidade de agrupamentos – na sala de aula, devemos ter diferentes


áreas que permitam o desenvolvimento de atividades com todo o grupo,
também em pequenos grupos, atividades a serem feitas de forma indivi-
dualizada ou a possibilidade de isolamento;

 diversidade quanto à posição corporal – é preciso que os espaços sejam


organizados de forma que a criança possa realizar as suas atividades em
diferentes posições corporais: trabalhar sentada, em pé, deitada, sobre
uma mesa ou sobre a parede;
A autora.

Espaço externo. Seton Montessori School – Chicago –


Estados Unidos.
77
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 diversidade de conteúdo – podemos distinguir dois tipos de conteúdo:


áreas de atividade curricular e áreas de gestão e serviços (específicos para
os adultos).

A polivalência é outro critério. É comum haver restrição quanto à quantidade


de espaços físicos em uma escola. Assim, é importante que a sala de aula seja
polivalente. Isto é, as diferentes áreas podem oferecer várias possibilidades de
utilização nos mais diversos momentos do dia.

A sensibilidade estética é um importante critério para a organização da sala


de aula, pois, além de tornar agradável a presença nesses ambientes, também
“educa” a sensibilidade estética e artística das crianças. Alguns aspectos que de-
vemos levar em consideração: ser muito colorida, ser original e criativa, ser per-
sonalizada, e incluir réplicas de obras de arte.

E ainda o critério da pluralidade. Significa ter na sala de aula elementos que


mostrem as diversidades pessoal, étnica, social e cultural. A intenção é contribuir
para a integração e para o desenvolvimento da tolerância com as diferenças.

Funções da organização do ambiente


Sabemos que ainda hoje existem muitas creches/pré-escolas com ambien-
tes pobremente planejados, pois desconsideram as necessidades específicas
das crianças. Geralmente, não levam em consideração as escolhas pessoais das
crianças, e as obrigam a ter uma rotina limitada e de poucas oportunidades de
desenvolvimento e de satisfação.

Ainda segundo Lina Iglesias Forneiro (1998, p. 238), o espaço é um compo-


nente curricular, ou seja, existem elementos do espaço físico da sala de aula que
se constituem em determinados ambientes de aprendizagem.
Qualquer observador externo que tenha acesso a uma sala de aula pode perceber quase de
imediato o ambiente de aprendizagem que existe na mesma. Praticamente poderíamos dizer:
“diga-me como organiza os espaços de sua aula e lhe direi que tipo de professor(a) você é e
que tipo de trabalho você realiza”.

Ao planejar cada novo projeto de trabalho, devemos pensar em como vamos


estabelecer e organizar os espaços de modo a que se transformem no ambiente
adequado e facilitador dos objetivos a serem atingidos.

78
A organização do espaço na Educação Infantil – II

Uma experiência: creche em Reggio Emilia


Muitos de vocês já devem ter ouvido falar das creches e pré-escolas da cidade
de Reggio Emilia, na Itália. Elas têm sido consideradas modelos educacionais
para as crianças pequenas em todo o mundo.

Nesta aula vocês terão a oportunidade de conhecer a planta da creche Arco-


baleno, situada em Reggio Emilia.

IESDE Brasil S.A.


Banheiro
Central

adulto
Lavanderia térmica

Vestiário

Mini
ateliê
Refeitório
Sala dos Sala do
pequenos médicos

Banheiro Sala
Ateliê complementar
comum
Banheiro

Pátio
interno

Hall Sala dos


Sala dos
lactantes grandes

Refeitório
Entrada
Cozinha

O projeto da creche Arcobaleno foi elaborado em 1975 e realizado em 1976.


É a edificação-modelo que pode melhor ilustrar como, na experiência de Reggio
Emilia, é de fundamental importância, no projeto educacional, o papel da orga-
nização dos espaços.

Os critérios que nortearam a elaboração do projeto arquitetônico, como


deve-se esperar, procuraram seguir os objetivos e as linhas programáticas da
proposta educacional. Observou-se a interação e a participação entre adultos e
crianças e, também, a necessidade de conciliar as exigências de livre exploração
das crianças com as exigências de segurança e de individualização. Contudo,

79
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

procura-se atender não apenas as necessidades das crianças, mas também as


dos adultos, frequentemente negligenciados nas creches tradicionais.

O projeto leva em consideração, ainda, o princípio da visibilidade de todos


os espaços e de suas funções. Todos os ambientes nos quais se desenvolvem as
tarefas indiretas dos funcionários (rouparia, lavanderia, cozinha) têm a mesma
importância dos espaços para as crianças, e são a elas acessíveis. Em particular,
a cozinha é situada no centro do prédio e possui uma grande vidraça que per-
mite às crianças perceberem todas as ações que ali acontecem. O pátio central e
o ateliê (lugar privilegiado para as atividades lúdicas) também foram pensados
seguindo o critério de visibilidade e acesso.

As quatro turmas (lactentes, pequenos, médios e grandes) possuem espaços


separados, seja para o almoço, ou para o repouso (espaços acusticamente prote-
gidos). É interessante perceber que nas salas específicas para cada turma, houve
a preocupação em definir espaços voltados para as crianças que desejarem ficar
sozinhas em alguns momentos. São uma espécie de “tocas”, ou seja, pequenos
espaços embaixo de um balcão, fechados por uma cortina de pano. Essas salas
estão ligadas por uma grande sala, com função de praça (para encontros das
turmas, ou para atividades motoras) e por um percurso circular interno capaz de
facilitar às crianças o reencontro de cada espaço e o total acesso aos mesmos.

Estudos sobre arranjo espacial


Hoje, acredita-se que as interações entre crianças são consideradas tão im-
portantes para o desenvolvimento infantil quanto as interações adulto-criança.
Sobre esse assunto, vamos nos basear no texto de Mara de Carvalho e Márcia
Rubiano que apresenta uma pesquisa desenvolvida por Legendre, educador
francês, que estuda como os diferentes arranjos espaciais interferem nas inte-
rações entre crianças de dois e três anos. Para isso, analisou-se três diferentes
arranjos espaciais: semiaberto, aberto e fechado.

 Semiaberto – são zonas circunscritas1 que permitem à criança ver todos os


espaços ao seu redor, inclusive os adultos e as outras crianças. Percebeu-se
que as crianças ficam preferencialmente em subgrupos e gostam de ocupar
as zonas circunscritas, mesmo quando longe dos adultos. Não deixam de
se aproximar dos adultos, porém, procuram obter, por meio deles, mais res-
postas do que quando estão em ambientes com outros arranjos espaciais.
1
Zonas circunscritas são áreas espaciais claramente delimitadas pelo menos em três lados por barreiras formadas por mobiliário, parede, divisórias
baixas, desnível do solo ou outras.

80
A organização do espaço na Educação Infantil – II

 Aberto – ausência de zonas circunscritas. É comum haver um espaço cen-


tral vazio. Notou-se que as interações entre crianças são raras e que elas
procuram permanecer em volta do adulto, mesmo que haja pouca intera-
ção com ele. Observou-se também que as crianças ficam mais espalhadas
pela sala, correndo com frequência.

 Fechado – quando há barreiras físicas, como, por exemplo, um móvel alto


dividindo o local em duas ou mais áreas e impedindo a visão total da sala. A
pesquisa mostrou que as crianças preferem ficar em volta do adulto e que
elas evitam as áreas onde não conseguem vê-lo. Percebeu-se ainda que há
poucas interações entre crianças.

Texto complementar
É tempo de brincar lá fora... Aproveite!
Em um espaço externo bem organizado, os pequenos trabalham a colabora-
ção, aprimoram a capacidade motora e exploram a natureza
(BIBIANO, 2009)

O verão chegou! Que tal aproveitar os dias ensolarados para ampliar o


espaço das turmas de creche? As vantagens são muitas. Primeiro, porque as
atividades fora de sala fazem bem para a saúde: o contato com o sol ajuda
na produção da vitamina D, necessária para a absorção do cálcio, que forma
ossos e dentes. Segundo, porque no ambiente externo é possível propor-
cionar experiências ricas tanto para o conhecimento de mundo como para
a formação pessoal e social – os dois pilares da Educação Infantil, segundo
os Referenciais Curriculares Nacionais. Correndo, pulando, pintando, plan-
tando, brincando com água e alimentando animais, os pequenos trabalham
a socialização, aprimoram a capacidade motora e entram em contato com a
natureza. Para isso, a área externa deve ser cheia de oportunidades.

Apesar de todo esse potencial, muitos docentes ainda encaram a hora do


pátio como um momento de descanso, em que a criançada fica solta sem
nenhuma orientação. Não é a melhor saída. “Para apresentar o máximo de
propostas de aprendizagem, é preciso planejar”, explica Karina Rizek Lopes,
formadora de professores e selecionadora do Prêmio Victor Civita – Educa-
dor Nota 10.

81
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Antecipe as formas como os pequenos exploram o ambiente

Deve-se considerar, por exemplo, que todas as turmas são heterogêne-


as. Com isso em mente, uma boa iniciativa é realizar um mapeamento das
práticas dos pequenos, investigando como eles interagem com o ambiente
externo no dia a dia. Em seguida, pode-se fazer um exercício de imaginação,
estabelecendo antecipações sobre como as crianças se relacionariam com
as propostas que se pretende introduzir. Depois, ao conferir como elas se
comportam de fato, o professor ajusta suas previsões à realidade. Manter um
registro de como cada uma lida com o ambiente externo e com os colegas é
o caminho para pensar nos passos seguintes. Tudo sem perder de vista algo
essencial: é necessário incluir as atividades externas como parte da rotina da
turma. Afinal de contas, é só por meio do contato intensivo que cada criança
se familiariza com as novidades e faz descobertas por conta própria. Para ga-
rantir que todos avancem, o ideal é criar um espaço externo desafiador, com
diversos ambientes e diferentes estímulos ao desenvolvimento sensóriomo-
tor. A seguir, apresentamos sugestões de baixo custo para chegar lá. 

 Tanque: O uso desse espaço pode ser incrementado com cavalinhos,


bonecos e caixotes, estimulando ainda mais o faz de conta. Nos dias
de calor, vale apostar na água, colocada em bacias para que as crianças
percebam a diferença de consistência entre a areia seca e a molhada.

 Cuidados: Cobrir o tanque com lona à noite para protegê-lo da chu-


va e de animais, evitar a mistura de pedrinhas (que podem ser inge-
ridas) e limpar a areia com frequência – existem produtos específicos
para isso.

 Adaptação:  É possível propor as mesmas atividades no chão de


terra ou usando caixas com areia. 

 Sala do lado de fora: Retirar objetos do espaço interno e transportá-


-los para o pátio transforma a relação com o espaço, criando brinca-
deiras, dando novo significado aos objetos e mudando seu uso con-
vencional.

 Cuidado: Limpar todos os utensílios antes de retorná-los às salas.

 Adaptação: Se houver poucos brinquedos, pode-se levar livros e


organizar rodas de leitura ao ar livre.

82
A organização do espaço na Educação Infantil – II

 Cuidar de animais: A ideia é observar e alimentar os bichos. Durante


essa atividade, pode-se detalhar características dos animais: tempo de
vida, hábitos, se vivem em grupo etc.

 Cuidados: Todos os bichos devem ser acompanhados por um ve-


terinário. Também é importante destacar alguém da equipe da cre-
che para cuidar deles nos fins de semana e feriados.

 Adaptação: Caso não haja espaço para criações, pode-se optar por
animais pequenos, como tartarugas de aquário, peixes e porqui-
nhos-da-índia.

 Pintura em azulejos: Em ladrilhos, é possível pintar, lavar e pintar de


novo. O uso de rolinhos, esponjas, pincéis de diferentes espessuras,
tintas de cores variadas ou produzidas com as crianças (com beterraba
ou urucum, por exemplo) exercita a capacidade de expressão e coloca
a turma em contato com a linguagem artística.

 Cuidado: Utilizar somente tintas atóxicas e pincéis de boa qualida-


de, que não soltem as cerdas com facilidade.

 Adaptação: Algumas peças de ladrilho ou mesmo uma placa de


vidro podem ser colocadas num canto próximo a uma torneira, fa-
cilitando a limpeza.

 Horta: Cultivar diferentes vegetais é uma das estratégias para desco-


brir quais mudanças cada um deles apresenta ao longo do ano, que
insetos mais atrai e que frutos e flores dá. Também desenvolve a coo-
peração para realizar uma tarefa. Se um dos pequenos topar com mi-
nhocas, o professor pode colocá-las em um aquário de vidro para a
turma examiná-las melhor. Outra opção é distribuir lentes de aumento
de plástico para que todos possam vê-las em detalhes.

 Cuidado: Prevenir o contato com insetos perigosos – especialmen-


te lagartas, que podem gerar ferimentos. Da mesma maneira, o
ideal é evitar espécies de plantas que causem alergias ou tenham
muitos espinhos.

 Adaptação: Se não houver horta, planta-se em vasos, floreiras e até


pneus. Outra opção é cultivar trepadeiras junto a muros e cercas,
substituindo as árvores.

83
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Piquenique: Proporcionando interação entre as crianças e estimulan-


do a autonomia para se alimentar, o piquenique serve também para
ajudar a conhecer alimentos diferentes. Fazer salada de frutas ou gela-
tina com a turma é um ótimo incentivo para provar coisas novas.

 Cuidado: Atenção a formigas e insetos atraídos pela comida. E,


para evitar problemas de saúde dos pequenos, é necessário inves-
tigar previamente possíveis alergias a alimentos.

 Adaptação: Na falta de gramado, pode-se estender uma toalha em


qualquer espaço com sombra.

 Piscininha: É interessante integrar outros utensílios à água, criando


lavatórios de brinquedos ou laguinhos para minibarcos, por exemplo.
Outros usos incluem fazer pequenas represas e canais escavados na
terra. Produzir arco-íris, com a dispersão de gotas de água na luz solar,
instiga a curiosidade e abre caminho para apreciar esse fenômeno da
natureza.

 Cuidado: Secar as crianças para evitar resfriados. Isso pode ser feito
também aproveitando o ambiente externo – em esteiras, enquanto
o professor lê histórias para a turma.

 Adaptação: Uma alternativa é usar baldes, mangueiras e acessó-


rios de borrifar, vendidos em lojas de jardinagem.

Dica de estudo
É importante para o seu estudo, a leitura do encarte publicado em 2006
pelo MEC, intitulado Parâmetros Básicos de Infraestrutura para as Instituições de
Educação Infantil. Esse documento é integrante dos Parâ­metros Nacionais de
Infraestrutura para as Instituições de Educação In­fantil e contém descrições de
espaços que podem fazer par­te de uma instituição educacional para crianças de
0 a 6 anos, alternativas a esses espaços e sugestões para aspectos construtivos.
Você pode encontrá-lo no site:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_encarte.pdf>.

84
A organização do espaço na Educação Infantil – II

Atividades
1. Quais são os principais critérios para a organização dos espaços da sala de
aula?

2. Através de pesquisas, verificou-se que as interações entre crianças podem


variar de acordo com os tipos de arranjos espaciais. Descreva, de forma su-
cinta, como as crianças costumam reagir quando a sala está organizada em
espaços semiabertos, abertos e fechados.


85
A rotina na Educação Infantil

Nesta aula, vamos estudar um assunto que faz parte de todo planeja-
mento e que dá segurança ao professor na hora de atuar com as crianças,
trata-se da rotina na Educação Infantil.

Quando falamos em rotina, nesse contexto, não nos referimos ao


hábito de fazer a mesma coisa todo dia, quase que de forma mecânica.
Estamos falando da estrutura básica, da espinha dorsal das atividades do
dia, e cujos assuntos, que vão completar essa estrutura, vão sendo alte-
rados de acordo com cada programação. Por isso, é importante termos
muito cuidado para não cair na mesmice.

A rotina diária é, portanto, o desenvolvimento prático do planejamen-


to. É também a sequência de diferentes atividades que acontecem no dia
a dia da creche e é essa sequência que vai possibilitar que a criança se
oriente na relação tempo-espaço e se desenvolva.

Quando a estrutura da rotina é mantida, a criança pode se apropriar


dela e, conhecendo seu andamento, dar sugestões, propor mudanças,
ficar contente com a aproximação de uma atividade muito apreciada. É
importante termos consciência de que a criança é capaz de se situar no
tempo, e de saber distinguir os diferentes momentos que existem na
creche durante o dia.

Uma rotina adequada é um instrumento construtivo para a criança,


pois permite que ela estruture sua independência e autonomia, além de
estimular a sua socialização.

Podemos perguntar: qual é a melhor rotina para crianças de um deter-


minado grupo? Como devemos organizar as atividades diárias?

Vamos discutir, então, questões relativas à organização das atividades


no tempo. Para isso, vamos nos basear no texto de Maria Carmen Barbosa
e Maria da Graça Horn, cujo título é Organização do Espaço e do Tempo na
Escola Infantil.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Na página 68 desse texto, temos a seguinte afirmação:


O cotidiano de uma Escola Infantil tem de prever momentos diferenciados que certamente não
se organizarão da mesma forma para crianças maiores e menores. Diversos tipos de atividades
envolverão a jornada diária das crianças e dos adultos: o horário da chegada, a alimentação,
a higiene, o repouso, as brincadeiras – os jogos diversificados – como o faz de conta, os jogos
imitativos e motores, de exploração de materiais gráfico e plástico – os livros de histórias, as
atividades coordenadas pelo adulto e outras.

Ainda nesse texto, as autoras falam que todos os momentos da rotina das
crianças precisam permitir inúmeras experiências. Assim, para organizar essas
atividades no tempo, é fundamental levar em consideração três diferentes ne-
cessidades das crianças:
As necessidades biológicas, como as relacionadas ao repouso, à alimentação, à higiene e à
sua faixa etária; as necessidades psicológicas, que se referem às diferenças individuais como,
por exemplo, o tempo e o ritmo que cada um necessita para realizar as tarefas propostas; as
necessidades sociais e históricas que dizem respeito à cultura e ao estilo de vida, como as
comemorações significativas para a comunidade onde se insere a escola e também as formas
de organização institucional da escola infantil. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 68)

É interessante aqui reforçar a ideia de que a rotina deve prever pouca espera
das crianças, principalmente durante os períodos de higiene e de alimentação.
E o que é possível fazer para que isso não ocorra? A espera pode ser evitada se
organizarmos a nossa sala de aula de maneira que a criança tenha a possibilida-
de de realizar outras atividades, de forma mais autônoma, tendo livre acesso a
espaços e materiais, enquanto o professor está atendendo uma única criança.

Vejamos o que diz o texto da Secretaria do Menor.

Texto complementar

O cotidiano na pré-escola
(SECRETARIA DO MENOR, 1990 p. 73)

O dia não é uma massa amorfa de momentos infindáveis, mas uma


sequên­cia organizada e flexível. Da mesma forma que subdividir a área da
creche/pré-escola em salas que favoreçam agrupamentos menores contri-
bui para a criação de um espaço seguro e aconchegante, subdividir o tempo

88
A rotina na Educação Infantil

contribui para aumentar a segurança e o aconchego, pois ele se torna fami-


liar. O risco da rotina perde de vista seu caráter instrumental e passa a ser o
principal objeto de preocupação do serviço.

Uma atividade desenvolvida no parque não necessita ser interrompida


para que se vá ao refeitório tomar lanche. A rotina na creche/pré-escola da
Secretaria do Menor é suficientemente flexível para que cozinheiros, auxilia-
res de serviço e educadores se disponham a servir o lanche no parque, desde
que seja possível.

A rotina na creche/pré-escola é considerada uma sequência de mo-


mentos em que as crianças interagem com pessoas e objetos, possibi-
litando, ao mesmo tempo, o cuidado de seu corpo e a ampliação de seus
conhecimentos.

No livro Creches: crianças, faz de conta & cia., de Zilma de Oliveira e sua equipe,
afirma-se a ideia de que podemos organizar as atividades realizadas durante o
dia na creche/pré-escola em quatro grupos: organização coletiva, atividades de
cuidado pessoal, atividades dirigidas e atividades livres.

Vamos agora falar sobre cada um dos grupos de atividade.

Atividades de organização coletiva


Esses momentos de atividades organizadas coletivamente são vividos dife-
rentemente pelas várias turmas de crianças. As crianças menores necessitam
mais da atenção dos adultos para tomarem parte das atividades de modo tran-
quilo. Para tanto, mais uma vez a organização prévia do ambiente e o planeja-
mento dessas atividades se fazem necessários.

Podem ser diferentes atividades para livre escolha. As crianças definem o que
desejam fazer, e para isso é necessário que o ambiente, em termos de materiais
e espaços, dê condições. Isso não significa que o professor não deva intervir e
acompanhar o que as crianças decidem fazer, ao contrário, é esse um momento
adequado para interações e observações em relação às crianças.

89
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Vamos ler um texto da revista Creche/Pré-Escola – Secretaria do Menor – 3


anos de experiência (São Paulo) que nos fala sobre o cotidiano do berçário:

(SECRETARIA DO MENOR, 1990, p.63)

[...] A proteção que o berçário requer não significa isolamento, pois os


bebês podem ser reagrupados para participarem de atividades conjuntas
com outras crian­ças. [...] O cotidiano no berçário se desenrola em torno de
uma série de atividades que têm por função alimentar, garantir higiene e
repouso, estimular a autonomia e o desenvolvimento além de oferecer
apoio afetivo a bebês que são pessoas singulares, com necessidades pró-
prias à idade, e que na creche/pré-escola vivem em grupo. Por exemplo, um
educador percebe que uma criança que já almoçou está quase dormindo
no cadeirão. A boa organização do berçário dá conta de levar essa criança
para dormir, independentemente do horário do almoço não ter terminado
e de outras crianças estarem almoçando. Ao mesmo tempo, favorece que
as outras crianças que não almoçaram tenham uma atividade e não fiquem
apenas esperando pelo almoço.

[...] As atividades do berçário ligadas à higiene e à alimentação ocupam


um longo tempo no dia. Mas os bebês necessitam, para seu desenvolvimen-
to adequado, de atividades pedagógicas sistematizadas e intencionais. Vi-
vendo parte do dia em ambiente coletivo, é comum em algumas creches,
que o bebê seja esquecido no berço no período entre os cuidados. Ainda é
prática, entre nós, que a rotina diária dos bebês seja mamar – arrotar – trocar
– dormir e entre uma ação e outra esperar... O bebê é visto como um tubo
digestivo, sem outros desejos ou necessidades.

Ora, essa não é a concepção de bebê entre muitos psicólogos e pedago-


gos que insistem sobre a riqueza de sua vida e a velocidade de suas aprendi-
zagens. O olhar que não acompanhava o objeto que se desloca, logo é con-
trolado e o bebê segue o deslocamento de sua mãe, do educador. O rosto
do adulto privilegiado, daquele que cuida, até há pouco impessoal, é agora
reconhecido e o bebê teme seu desaparecimento.

Já as crianças maiores podem participar na própria organização das ativida-


des. Uma festa, por exemplo, é uma atividade coletiva que pode ser organizada
junto com as crianças. O mesmo pode ser feito com relação a um passeio, uma
visita fora da instituição. É muito importante ouvir as crianças, muitas vezes elas

90
A rotina na Educação Infantil

podem nos surpreender com grandes ideias e com um senso de respeito e de


ordem maior do que podemos imaginar.

Até mesmo do ponto de vista do tempo, os adultos se ocupam muito para


dobrar roupas, arrumar as camas, pois a ideia que predomina é a de que o adulto
deve fazer essas tarefas pelas crianças. É certo que, para a criança do berçário, a
dependência existe, mas as crianças maiores podem ser estimuladas a assumir
pequenas tarefas de cuidar de seus objetos.

Atividades de cuidado pessoal


Não devemos separar o “cuidar” do “educar”. Todos os momentos podem ser
pedagógicos e de cuidados no trabalho com crianças pequenas. Tudo depende
de como pensamos e realizamos as nossas ações.

Uma das preocupações básicas das atividades de cuidado pessoal é com a


saúde, entendendo a saúde como sendo o bem-estar físico, psicológico e social
da criança. A higiene, o sono e a alimentação são algumas das principais condi-
ções para a sua vida, especialmente quando se trata de viver em coletividade com
adultos e crianças, como é o caso das creches. Nesses ambientes, é muito fácil a
transmissão de doenças, já que várias pessoas manuseiam os objetos, utilizam
os mesmos banheiros etc. Por isso, é necessária uma atenção maior em relação
à limpeza e aos hábitos adequados de higiene. Isso não quer dizer que se deva
conter as crian­ças nas brincadeiras e impedir que elas se sujem. Saúde também
significa o prazer e a alegria que, para as crianças, manifesta-se pela liberdade
para brincar e se sujar enquanto brincam. Crianças a partir dos dois anos podem
realizar de forma independente atividades como: lavar as mãos e o rosto, esco-
var os dentes etc., com a devida participação e orientação do professor.

Também a alimentação é muito importante e não deve ser encarada como


momento de dificuldade e de tensão. Na tentativa de proporcionar à criança
uma alimentação variada, rica em proteínas etc., alguns professores acabam
obrigando a criança a comer, mesmo que ela não goste ou não esteja com von-
tade. É importante observarmos alguns detalhes, tais como: o uso do guardana-
po (importante se queremos que as crianças comam com educação), a utilização
correta dos talheres, e a ingestão de líquidos no momento adequado.

Outro aspecto muito negativo é o fato de se levar para os refeitórios um


número muito grande de crianças no mesmo horário (café/almoço/lanche/
jantar). Surgem daí muitas dificuldades. Devemos então compor grupos meno-
91
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

res e fazer escala de horários. Uma ideia interessante é contar com o auxílio de
algumas crianças durante as refeições: eles adoram ajudar a servir. A montagem
de um buffet, no qual alguns ficam servindo enquanto os outros passam, costu-
ma dar certo.

É possível organizar na creche brincadeiras e músicas que envolvam ques-


tões de higiene e alimentação, a serem realizadas com as crianças. É importante
destacar que, no processo de aquisição de hábitos, a repetição frequente de ati-
tudes é fundamental.

Uma questão polêmica refere-se à introdução do copo ou caneca em substitui-


ção à mamadeira, pois, no Brasil, é comum as famílias prolongarem em demasia o
hábito da mamadeira, assim como o da chupeta. Por volta dos dois anos, já é possí-
vel introduzir o copo na hora das refeições. Caso a criança se recuse a utilizá-lo, não
devemos obrigá-la a isso. Essa mudança deve ser feita gradativamente, sem exigir
da criança sua adesão imediata a essa nova maneira de se alimentar.

O sono é outro fator relevante para a saúde da criança. O sono não pode
ser entendido sempre da mesma maneira para cada criança e para cada faixa
etária, pois cada um possui seu ritmo próprio em relação às horas de sono que
necessita para seu descanso. Dessa forma, quanto menor a criança, mais tempo
ela dormirá. À medida em que vai crescendo, a criança não necessitará mais de
tantas horas de sono à tarde. Algumas creches/pré-escolas, no entanto, costu-
mam obrigar as crianças a dormirem após o almoço, não respeitando as neces-
sidades individuais de cada uma delas. Às vezes, utilizam algumas estratégias
que até parecem naturais (ouvir música clássica, assistir vídeo), mas o ideal é que
sejam ofertadas outras opções de atividades para as crianças que não querem
ou não conseguem dormir.

Alguns espaços podem ser adaptados para esse propósito: o canto da lei-
tura, do desenho etc. Sabe-se que, em muitos casos, o problema da exigência
dos momentos de sono da criança é o resultado da falta de pessoal. Ou seja, é
nesse horário que a atendente descansa. Mas isso não é correto. É preciso que
haja profissio­nais em número suficiente para que seja feito um escalonamento.
Um ponto importante: as crianças nunca devem dormir sem a presença de um
adulto para atender a qualquer eventualidade, como passar mal, acordar aos
sustos, por exemplo. Além disso, o horário é de descanso das crianças e não do
profissional, que nesse momento está trabalhando.

92
A rotina na Educação Infantil

O momento do banho é particularmente especial para a criança na creche.


No berçário, é importante que tudo possa estar organizado para garantir um
contato harmonioso entre professores e bebês para evitar os sustos e choros.
Assim, deve-se prever os materiais a serem utilizados, cuidar da temperatura cor-
reta da água, arrumar as roupas antecipadamente e escolher os brinquedos para
entreter a criança antes, durante e após o banho. A partir do maternal, pode-se
dar banhos de mangueira nas crianças, ou mesmo instalar chuveiros externos
quando as condições climáticas assim permitirem. Mesmo os banhos no banhei-
ro podem significar uma situação muito propícia a aprendizados, como colocar
e tirar roupas e calçados e ajudar uns aos outros.

Atividades dirigidas
Na creche, normalmente, as atividades de cuidado pessoal ocupam grande
parte do horário diário, particularmente em turmas de crianças com até um ano,
e as atividades dirigidas acabam por ser limitadas no tempo, entendendo como
atividades dirigidas aquelas que o professor realiza com uma ou poucas crianças,
procurando chamar a atenção para algum elemento novo do ambiente, como
uma figura, uma brincadeira com som etc.

No momento em que as crianças aprendem a andar, em geral, após o primei-


ro ano de vida, é relevante realizar passeios pela creche, chamando a atenção
da criança para o ambiente, fazendo-a tocar nos objetos e se comunicar com as
outras crianças. Deve, também, o adulto coordenar inúmeras atividades com as
crianças, a partir de uma certa idade, tais como: contar histórias, fazer teatro com
fantoches, ensinar músicas e brincadeiras de roda, brincar de esconde-esconde
e tantas outras. Pode também auxiliar a criança na sua apreensão de novos co-
nhecimentos sobre o mundo, em termos de linguagem ou sobre relações entre
objetos e fatos (“caiu”, “acabou”).

Já para as turmas com crianças com mais de 18 meses, podemos realizar


inúmeras atividades e elas ocupam mais tempo durante a jornada diária. O
leque de atividades é maior, pois as atividades mais convencionais permitem
desdobramentos e estas passam a ser melhor compreendidas pelas crianças.
O interessante é propor atividades à criança e deixá-la segura para escolher a
forma de participar. Isso significa respeitar seu ritmo, confiar na criança, na sua
capacidade de ação e na liberdade que tem para expressar seus sentimentos.
Com isso, as crianças, desde pequenas, tornam-se mais confiantes, mais de-
sinibidas, mais curiosas, tomam iniciativas e buscam soluções, fatores indis-

93
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

pensáveis para seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, podem se tornar mais


cooperativas e solidárias.

Atividades livres
(isto é, menos dirigidas pelo professor)
Essas atividades devem fazer parte da programação diária de todos os grupos
de crianças, desde o berçário até a turma dos maiores. Não significa que não haja
intervenção do professor e que se possa pensar que as atividades livres podem
ser realizadas sem a devida atenção do professor. Cabe a este organizar espaços
e momentos para que as crianças livremente explorem o ambiente e escolham
suas atividades específicas, mas é sempre interessante que o professor interve-
nha na coordenação das brincadeiras quando assim for necessário e, também,
integre-se como participante. O que se espera do professor é a habilidade de
respeitar as ideias que surgem no grupo de crianças, pois elas são consequên-
cias de experiências vividas.

Ainda é importante reforçar o valor da privacidade. As crianças devem ter seu


material pessoal identificado pelo nome e o professor deve mostrar que conhe-
ce suas preferências. Alguns momentos distantes dos colegas podem significar
possibilidades para uma exploração individual. O professor, nesses casos, deve
respeitar e acompanhar atentamente esses momentos e procurar avaliar a ne-
cessidade de intervir.

Dicas de estudo
Recomendo a leitura da revista Avisa Lá, produzida e divulgada pelo Instituto
Avisa Lá – Formação Continuada de Educadores (uma organização não gover-
namental) que tem como objetivo contribuir para a qualificação e o desenvolvi-
mento de competências dos educadores. Se você quiser ter mais informações, é
só acessar o site: <www.avisala.org.br/novo/avisala.asp>.

Outra dica de estudo muito boa é conhecer o site <www.crmariocovas.


sp.gov.br>, Centro de Referência em Educação Mário Covas. Nele você encontra-
rá biblioteca e videoteca com 40 mil itens nacionais e internacionais referentes a
temas educacionais e complementares.

94
A rotina na Educação Infantil

Atividades
1. Por que a rotina é importante para a criança?

2. No livro Creches: crianças, faz de conta & cia, os autores organizam as ativi-
dades que são desenvolvidas durante o dia na creche/pré-escola em quatro
grupos. Diga quais são esses grupos e explique de forma sucinta cada um
deles.


95
Elaboração da proposta pedagógica:
Diretrizes Curriculares Nacionais

Todos vocês já devem ter ouvido falar sobre a importância da Propos-


ta Pedagógica em uma instituição de educação. Talvez, muitos já devam
ter participado da elaboração de uma proposta. Pois bem, o tema desta
aula é a elaboração da proposta pedagógica e as diretrizes curriculares
nacionais.

Vamos começar fazendo a pergunta mais básica possível: o que é uma


proposta pedagógica? O Ministério da Educação (MEC), numa publicação
de 1996, intitulada Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil,
apresenta uma discussão sobre essa questão a partir das ideias de espe-
cialistas, e destaco aqui o pensamento de Sonia Kramer (1984), educadora
e pesquisadora brasileira, que afirma ser a proposta pedagógica “um con-
vite, um desafio, uma aposta. Uma aposta, porque, sendo ou não parte de
uma política pública, contém sempre um projeto político de sociedade e
um conceito de cidadania, de educação e cultura”.

Kramer (1984) afirma, ainda, que uma “proposta pedagógica é um ca-


minho, não é um lugar”. E é um caminho a ser construído, que tem uma
história que precisa ser contada. Ela traz consigo seus valores, as dificulda-
des que enfrenta, os problemas que precisam ser superados, seus dese-
jos, as suas vontades. Por conter tantos aspectos subjetivos, particulares,
é impossível existir uma proposta única. Cada instituição tem sua própria
história, portanto, terá que ter a sua própria proposta pedagógica.

E quem será o responsável pela elaboração da proposta? Não existe


um só responsável. Uma proposta pedagógica precisa ser construída com
a participação efetiva de todos os envolvidos: crianças, professores, profis-
sionais não docentes, famílias e comunidade.

Para elaborar uma proposta pedagógica, o importante é compreen-


dermos alguns princípios fundamentais que vão nortear o nosso trabalho
educativo.

Um desses princípios é a ideia de que a proposta pedagógica é um


processo, um caminho e que, portanto, não é um documento terminado,
precisa sempre estar sendo revisto e reescrito.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Outro princípio, em especial para a Educação Infantil, é o de que os con­


teúdos curriculares não são aqueles geralmente apresentados em forma de lista,
seguindo uma visão “escolar” que herdamos do ensino fundamental.

A educadora Maria Isabel Bujes (2001), em seu trabalho Educação Infantil: pra
que te quero, afirma que “o nosso desafio está em conceber novas experiências
no campo do currículo”. E isso significa que precisamos levar para a sala de aula
da creche/pré-escola as mais diversas manifestações culturais que vivenciamos.
Podem ser de caráter político, podem mostrar os diferentes modos de viver e de
se relacionar, podem ser ligadas à literatura, à música, cinema e tantas outras
mais. Assim, podemos trabalhar com os nossos alunos os mais variados conteú-
dos: as eleições de um novo prefeito ou presidente, o incêndio que está acaban-
do com uma de nossas florestas, a organização de uma visita a um parque da
cidade, a vida familiar e tantas outras.

O importante é trabalharmos esses conteúdos de forma integrada, com co-


municação entre eles. Também precisamos levar em consideração que todos
esses assuntos não são neutros, e por isso temos que respeitar as diferenças de
ideias, de opiniões. E, finalmente, Maria Isabel Bujes ressalta que a experiência
curricular não resulta apenas do que temos considerado tradicionalmente como
conhecimento: o domínio de informações e o desenvolvimento do raciocínio.
A experiência que a criança vive na creche/pré-escola é muito mais completa
e complexa. Nela, a criança desenvolve modos de pensar, e também diferentes
modos de sentir, de se expressar, de agir com criatividade, de se movimentar. E
isso não pode ser desprezado. Na Educação Infantil, tudo isso é conhecimento
escolar. Tudo faz parte da experiência curricular.

No mesmo trabalho do MEC que citamos anteriormente, existe um diagnósti-


co sobre as propostas pedagógicas e curriculares de vários estados e municípios
brasileiros. Nesse documento é apresentada uma sugestão de roteiro para ava-
liação ou elaboração de proposta pedagógica para a Educação Infantil.

Vamos agora, com base nesse roteiro, montar uma estrutura básica de uma
proposta pedagógica. A ideia não é fixar um modelo, mas sim, poder dar uma
visão geral de alguns critérios importantes.

Primeiramente, vamos apresentar as condições de produção do documento.

Geralmente, na primeira parte de uma proposta pedagógica é feita uma


apresentação da sua realidade. De uma forma bem resumida, poderiam ser res-
pondidas as seguintes perguntas:

98
Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

 Quem são as pessoas que vão participar da discussão e elaboração da pro-


posta?

 Quais são os seus objetivos?

 Para quem é esta proposta? Ou seja, quem são as crianças e os adultos


envolvidos?

 A proposta pode ser criticada e alterada?

 Qual é o diagnóstico a respeito da situação de educação destas crianças?

 Quais são os principais problemas detectados? E que sugestões para su-


perá-los serão apresentadas?

Na continuação do nosso roteiro, vamos pensar sobre os fundamentos teóri-


cos das propostas.

Nessa parte, é importante que toda a equipe que esteja envolvida com o tra-
balho defina e explicite quais são os fundamentos teóricos que irão sustentar a
proposta educacional da instituição, deixando claro os enfoques que serão pri-
vilegiados e cuidando para que haja uma real articulação entre aquilo que está
sendo desejado e aquilo que realmente poderá ser feito. Para isso, é fundamental
que se pense como todas as pessoas que desenvolvem o trabalho direto com as
crianças nas creches/pré-escolas irão compreender esses fundamentos teóricos.
E mais, não basta eles conhecerem as bases teóricas, é preciso que absorvam
essas ideias, assumindo o compromisso com a respectiva prática educacional.

A estrutura, organização e funcionamento da Educação Infantil é também uma


parte importante a ser considerada quando da elaboração de uma proposta
pedagógica.

Caso seja uma instituição de uma rede pública, é preciso que fique claro qual
é o lugar da Educação Infantil na Secretaria. Também é importante que todos
saibam quais são as funções das pessoas que respondem pela rede na Secretaria
e que seja avaliada permanentemente a articulação entre a unidade de Educa-
ção Infantil e a Secretaria ou Departamento responsável. Porém, sendo pública ou
particular, nessa parte da proposta pedagógica é interessante que a creche/pré-
-escola relate como é o seu funcionamento, a sua estrutura e o seu cotidiano.

Ainda com base no roteiro do MEC, vamos discutir sobre a política de valori-
zação e profissionalização dos recursos humanos e sobre a ­articulação com outras
instâncias.

99
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

É fundamental que, na proposta pedagógica, seja apresentada a política de


seleção, de formação, de aperfeiçoamento e de valorização dos profissionais.
Além disso, não podemos deixar de procurar estabelecer articulações necessá-
rias com outras instâncias educacionais e culturais, ou com órgãos e instituições
governamentais e não governamentais. Todas essas articulações precisam estar
explicitadas na proposta pedagógica.

Uma outra abordagem importante para o estudo sobre a elaboração de uma


proposta pedagógica é a análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil.

O que são essas diretrizes?

Em 7 de abril de 1999, o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretri-


zes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que devem ser observadas
na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil
integrantes dos diversos sistemas de ensino.

Trata-se de uma lei que pode ser considerada como um marco na história
da política nacional para a infância brasileira e que vem reforçar os direitos das
crianças pequenas e de suas famílias com relação à oportunidade de receberem
uma educação de qualidade.

Podemos, então, conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-


ção Infantil:
Art. 3.º [...]

I - As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os


seguintes Fundamentos Norteadores:

a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito


ao Bem Comum;

b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e


do Respeito à Ordem Democrática;

c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade


de Manifestações Artísticas e Culturais.

Por meio das nossas propostas pedagógicas é que vamos definir as dire-
ções, isto é, para onde queremos caminhar e que princípios vamos seguir.

As creches/pré-escolas devem oferecer oportunidades para as crianças de-


senvolverem a autonomia, a responsabilidade, a solidariedade e o respeito ao
bem comum.

100
Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

Temos que saber nossos direitos e deveres, as leis e as regras que organizam a
vida em sociedade. Mas, como passar esses conceitos para as crianças? É preciso
ter consciência de que podemos preparar as crianças para o exercício da cidada-
nia desde bebês.

Só sendo sensíveis e criativos é que poderemos provocar e estimular a sensi-


bilidade e a criatividade de nossos alunos:
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

II - As Instituições de Educação Infantil ao definir suas Propostas Pedagógicas deverão


explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias,
professores e outros profissionais, e a identidade de cada Unidade Educacional, nos vários
contextos em que se situem.

Cada criança pensa, sente e sonha de uma forma especial, só sua. Sabemos
que ela pertence a um ambiente social, mas não podemos deixar de respeitar as
suas especificidades.

A vida cotidiana em uma instituição de Educação Infantil permite que veja-


mos as diferenças que existem entre as diferentes pessoas que ali convivem. Na
relação com o outro, a criança constrói valores, significados e conhecimentos.

Todo adulto interfere no desenvolvimento das emoções das crianças, mas


essa criança também afeta o adulto. É necessário observarmos se são as necessi-
dades da criança que estão em jogo ou as do adulto.
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

III - As Instituições de Educação Infantil devem promover em suas Propostas Pedagógicas,


práticas de educação e cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos,
emocionais, afetivos, cognitivos/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um
ser completo, total e indivisível.

Desde o momento em que a criança nasce, ela já começa a se relacionar com


o seu ambiente. O seu desenvolvimento acontece a partir das interações com
esse ambiente e com as outras pessoas com quem convive.

Para integrar as práticas de educação e cuidado com as crianças, precisamos


estar articulados com outros profissionais, tais como médicos, enfermeiros, tera-
peutas, psicólogos, nutricionistas, arquitetos e outros profissionais que podem
influenciar na qualidade de vida das crianças pequenas.
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

IV - As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crian­ças


como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o
próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades

101
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação


entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim
com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.

Todos nós que trabalhamos ou convivemos com crianças pequenas sabemos


de seu imenso potencial, sua enorme curiosidade, seu desejo de aprender, de
ser aceito e estimado. Afinal, quem não gosta de se sentir querido e aceito?

A Educação Infantil não é um “luxo” ou um “favor”, é um direito que todas as


crianças brasileiras têm. Elas devem receber de seus educadores um atendimen-
to que oportunize novos conhecimentos e valores.

Devemos também procurar elaborar currículos e programas para a Educação


Infantil que façam pontes ligando a vida de nossos alunos e de suas famílias aos
acontecimentos do Brasil e do resto do mundo.
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

V - As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de


avaliação, através do acompanhamento e dos registros de etapas alcançadas nos cuidados
e na educação para crianças de 0 a 6 anos, “sem o objetivo de promoção, mesmo para o
acesso ao ensino fundamental”.

Essa medida é fundamental para qualificar as Propostas Pedagógicas e expli-


citar seus propósitos com as crianças.

É evidente que os objetivos serão diferentes para os vários níveis de desen-


volvimento e de situações específicas. No entanto, é através da avaliação, enten-
dida como instrumento de diagnóstico e tomada de decisões, que os professo-
res poderão, em grande medida, verificar a qualidade de seu trabalho.

Não são só as crianças que aprendem com os adultos. Os adultos também


podem aprender muito com as crianças. E isso não depende do seu nível de
escolaridade ou socioeconômico. Por isso, é fundamental estabelecer canais de
comunicação entre eles.

Lembrem-se de que o mais importante não é o resultado, mas o percurso que


atravessamos para alcançá-lo.
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

VI - As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem ser criadas,


coordenadas, supervisionadas e avaliadas por educadores, com, pelo menos, o diploma
de Curso de Formação de Professores, mesmo que da equipe de Profissionais participem
outros das áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças.
Da direção das instituições de Educação Infantil deve participar, necessariamente, um
educador com, no mínimo, o Curso de Formação de Professores.

102
Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

Toda e qualquer instituição que ofereça Educação Infantil precisa ter em suas
Propostas Pedagógicas planejamentos, estratégias e formas de avaliação dos
processos de aperfeiçoamento dos educadores, desde os que ainda não tenham
formação específica, até os que já estão habilitados para o trabalho com as crian­
ças de 0 a 6 anos.

Devemos lembrar sempre que a creche/pré-escola é uma instituição de


educação.
Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

VII - O ambiente de gestão democrática por parte dos educadores, a partir de liderança
responsável e de qualidade, deve garantir direitos básicos de crianças e suas famílias
à educação e cuidados, num contexto de atenção multidisciplinar com profissionais
necessários para o atendimento.

VIII - As Propostas Pedagógicas e os regimentos das Instituições de Educação Infantil devem,


em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias
educacionais, do uso do espaço físico, do horário e do calendário escolar, que possibilitem
a adoção, execução, avaliação e o aperfeiçoamento das diretrizes.

Para que todas as Diretrizes Curriculares sejam realizadas com sucesso são
indispensáveis o espírito de equipe e as condições básicas para planejar os usos
do espaço e do tempo escolar. Precisamos, portanto, estar sempre acertando
acordos, discutindo abertamente e em clima de cooperação.

Texto complementar
Ações complementares no estabelecimento de
critérios para credenciamento e funcionamento
de instituições de Educação Infantil
(ASSIS, 1998)

Há duas grandes ações complementares aos princípios que devem reger


a organização das Propostas Pedagógicas das instituições de Educação
Infantil:

a) estratégias para a formação prévia e a atualização em serviço dos edu-


cadores;

103
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

b) relação com as famílias das crianças e ações conjuntas em seu bene-


fício.

Quaisquer que sejam as instituições que se dedicam à Educação Infantil


com suas respectivas Propostas Pedagógicas, é indispensável que as mesmas
venham acompanhadas por planejamentos, estratégias e formas de avalia-
ção dos processos de aperfeiçoamento dos educadores, desde os que não
tenham formação específica, até os que estão credenciados para o trabalho
com as crianças dos zero aos seis anos.

O trabalho dos Conselhos deve ser o de diagnosticar situações, criar con-


dições de melhoria e supervisionar a qualidade da ação dos que educam e
cuidam das crianças em instituições de Educação Infantil.

Da mesma forma, atenção especial deve ser atribuída às maneiras pelas


quais as instituições se propõem ao trabalho com as famílias, seja no de-
senvolvimento, apoio, orientação, intervenção e supervisão em situações de
risco e conflito normal de atividades derivadas das Propostas Pedagógicas,
seja no diálogo, para as crianças.

Cabe às instituições de Educação Infantil, além de cuidar e educar com


qualidade e êxito, advogar sempre pela causa das crianças de zero a seis
anos e suas famílias.

Concluindo, seria bom relembrar o que o escritor Paulo Leminsky nos


propõe: “Nesta vida pode-se aprender três coisas de uma criança: estar sempre
alegre, nunca ficar inativo e chorar com força por tudo o que se quer.”

Dicas de estudo
Para você ampliar seus estudos, recomendo a leitura de dois diferentes sites:

<www.educ.ar> – é um portal educativo do Ministério da Educação Ciência e


Tecnologia da Argentina. Nele você poderá encontrar notícias, sugestões de ati-
vidades, textos etc.

<www.infanzia.com/asili.php> – é um site italiano que aborda questões diversas


e interessantes sobre creches.

104
Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

Atividades
1. O que é uma proposta pedagógica?

2. Com base nas orientações do MEC, como deve ser a estrutura básica de uma
proposta pedagógica?


105
Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil

Nós vamos estudar nesta aula o Referencial Curricular Nacional para a


Educação Infantil. Vocês já ouviram falar nesse documento? Trata-se de um
material elaborado e publicado pelo Ministério da Educação (MEC), em
1998. O próprio nome já explica que é uma referência para estruturação
de currículo, de caráter nacional, para a Educação Infantil. É um documen-
to que deve ser amplamente divulgado, por isso, vamos dedicar esta aula
para sua apresentação nos detalhes necessários.

Esse documento sofreu e ainda sofre críticas por parte de alguns edu-
cadores, porém é consenso quanto ao seu valor. Isso porque, como vocês
sabem, a Educação Infantil costuma ser posta em segundo plano e, nesse
caso, a publicação desse documento significou relevante avanço. Frente
aos raríssimos materiais que o MEC produziu sobre a Educação Infantil, o
Referencial acabou sendo um marco, em termos de reforçar a importância
da Educação Infantil.

É necessário ressaltar que todas as ideias e propostas contidas no Re-


ferencial são tão-somente sugestões. Ou seja, pretende-se que sirvam de
base para discussões ou que orientem os trabalhos a serem desenvolvidos.
Não há a obrigação de segui-las. É aí que se coloca a grande diferença com
relação às Diretrizes Curriculares Nacionais, estas sim são obrigatórias.

Vamos a um resumo do Referencial, isto é, descrever como foi estrutu-


rado esse documento, quais são os assuntos que aborda, quais as princi-
pais ideias e propostas.

O Referencial foi organizado em três volumes, sendo que o primeiro


livro, denominado de Introdução, apresenta uma reflexão sobre creches
e pré-escolas no Brasil. Logo no início, há o capítulo intitulado “Caracterís-
ticas do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil”. Ao final
deste capítulo, é apresentada uma tabela que nos mostra a situação das
crianças de 0 a 6 anos no Brasil, em 1995.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Frequência de creches e pré-escolaspor classes de rendimento (%)


Até 1 salário- De 1 a 2 salários- Mais de 2 salários-
Faixa de idade Total
-mínimo -mínimos -mínimos
0 a 6 anos 25,1 21,3 28,2 43,1
0 a 3 anos 7,6 5,4 7,4 19,0
4 a 6 anos 47,8 41,9 53,8 70,6

A informação fundamental é a seguinte: do total de crianças existentes na


faixa etária de 0 a 6 anos, apenas 25% estavam frequentando uma creche ou
uma pré-escola. E, se separarmos por faixa etária, vamos observar que somente
7,6% das crianças de 0 a 3 anos estavam indo para uma creche1. O percentual
aumenta significativamente na faixa das crianças de 4 a 6 anos: atinge 47,8%2.
Porém, o que mais perturba é quando verificamos esses dados com relação às
classes de rendimento familiar. Entre as famílias que recebem até um salário-
-mínimo, apenas 5,4% das crianças de 0 a 3 anos tinham acesso a uma creche e
42% a uma pré-escola. E esses números crescem à medida que aumenta a renda
familiar, por haver maior participação da rede privada de creches e pré-escolas.
No Referencial, ainda que se apresentem tais números, não há uma análise, ou um
comentário sequer sobre esses resultados, o que nos impede de saber a posição
oficial sobre essa realidade. Talvez seja que os números falem por si mesmos.

Na parte “Algumas considerações sobre creches e pré-escolas”, é apresenta-


do um breve histórico sobre as creches e pré-escolas, mostrando que a creche
nasceu como uma instituição assistencialista. Em seguida, afirma-se que, para
mudarmos essa concepção de educação assistencialista, precisamos “assumir
as especificidades da Educação Infantil, revendo as concepções de infância, as
relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do
Estado”. Reforça-se a ideia da necessidade de integração entre educar-cuidar.

Na parte denominada “A criança”, comenta-se sobre as diferentes concepções


de infância. Outra parte é sobre “Educar”, que significa, nos termos apresenta-
dos: “propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas
de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capa-
cidades infantis”. Podemos sintetizar que: o ato de educar é composto de cuidar,
brincar e aprender em situações orientadas.

Sobre as aprendizagens em situações orientadas, o Referencial apresenta as


seguintes condições gerais relativas às aprendizagens infantis: interação; diver-
sidade e individualidade; aprendizagem significativa e conhecimentos prévios;
1
Atualmente, 15% das crianças de 0 a 3 anos são atendidads em creches.
2
Na pré-escola o percentual atual é de 67%.

108
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

resolução de problemas; proximidade com as práticas sociais reais; educar crian-


ças com necessidades especiais.

Na parte “O professor de Educação Infantil”, afirma-se que vários estudos têm


mostrado que muitos dos profissionais de Educação Infantil no Brasil ainda não
têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condi-
ções bastante precárias. Aponta-se para a necessidade de que esses profissionais
tenham ou venham a ter uma formação inicial sólida e consistente, acompanhada
de adequada e permanente atualização em serviço. O professor de Educação In-
fantil deve, segundo o texto, estar comprometido com a prática educacional para
que seja capaz de responder às demandas das famílias e das crianças e saber tra-
balhar com questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis.

A partir do diagnóstico, realizado pelo MEC, das propostas pedagógicas e dos


currículos de Educação Infantil de vários estados e municípios brasileiros em 1996,
observou-se que há um grande desencontro entre os fundamentos teóricos ado-
tados e as orientações metodológicas. Ou seja, a maioria das propostas não deixa
claro como deve ser a articulação entre o que se deseja fazer e o que realmente se
faz. Por isso, a estrutura do Referencial Curricular Nacional foi pensada na intenção
de tornar visível essa articulação, relacionando objetivos gerais e específicos, con-
teúdos e orientações didáticas, conforme apresentamos abaixo.

 Organização por idade – 0 a 3 e 4 a 6 anos (embora, em alguns eixos, tenha


sido feita uma diferenciação para os primeiros 12 meses de vida da crian-
ça, considerando-se as especificidades dessa idade).

 Organização em âmbitos – de caráter instrumental e didático, há dois âm-


bitos de experiências: formação pessoal e social, e conhecimento do mun-
do. Vejamos como estão estruturados esses dois âmbitos:

Formação pessoal e social


Identidade e autonomia
0 a 3 anos 4 a 6 anos
autoestima nome
escolha imagem
faz de conta independência e autonomia
interação respeito à diversidade
imagem identidade de gênero
cuidados interação
segurança jogos e brincadeiras
cuidados pessoais

109
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Conhecimento de mundo
expressividade
Movimento
equílibrio e coordenação
o fazer musical
Música
apreciação musical
o fazer artístico
Artes visuais
apreciação em artes visuais
falar e escutar
Linguagem oral e escrita (4 a 6 anos) práticas de leitura
práticas de escrita
organização dos grupos
os lugares e suas paisagens
Natureza e sociedade (4 a 6 anos) objetos e processos de transformação
os seres vivos
os fenômenos da natureza
números e sistema de numeração
Matemática (4 a 6 anos) grandezas e medidas
espaço e formas

 Componentes curriculares – apresentam-se por meio dos objetivos, dos


conteúdos e das orientações didáticas.

Os objetivos explicitam as intenções educativas e estabelecem capa-


cidades que as crianças poderão desenvolver como consequência de
ações intencio­nais do professor; auxiliam na seleção de conteúdos e
meios didáticos.

Os conteúdos, por sua vez, significam que as diferentes aprendizagens se dão


por meio de sucessivas reorganizações do conhecimento. Não há aprendizagem
sem conteúdo. Nesses termos, há:

 conteúdos conceituais – conhecimento de conceitos, fatos e princípios;

 conteúdos procedimentais – significa saber fazer;

 conteúdos atitudinais – valores, atitudes e normas.

Os conteúdos se organizam em blocos dentro dos diferentes eixos de tra-


balho. Essa forma de organização pretende contemplar os aspectos essen-
ciais de cada eixo e ainda situar os variados conteúdos. É dado o seguinte
exemplo: “[...] é importante que o professor saiba, ao ler uma história para

110
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

as crianças, que está trabalhando não só a leitura, mas também a fala, a


escuta, e a escrita” (BRASIL, 1998a, p. 53). Sobre a seleção de conteúdos, é
destacado o fato de que eles devem estar ligados ao grau de significado
que têm para as crianças e para o professor. O documento também des-
taca a integração dos conteúdos e, para ilustrar essa ideia, vamos ver um
quadro de Salvador Dalí, chamado A Girafa em Chamas. O artista espanhol
faz uma sátira do ser humano, mostrando o homem como um armário
com gavetinhas. Como se a nossa vida e as nossas aprendizagens fossem
divididas por gavetas.

Domínio público.

A Girafa em Chamas, 1937. Salvador Dalí.

Com relação às orientações didáticas, remete-se ao “como fazer”, o que não


representa um modelo fechado que se define num único padrão de intervenção.
Assim, são explicitadas algumas condições:

 organização do tempo;

 organização do espaço e seleção dos materiais;

 observação, registro e avaliação formativa.

111
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

No capítulo dos “Objetivos Gerais da Educação Infantil” p. 63, são apresenta-


das oito diferentes capacidades que as crianças devem desenvolver a partir da
prática da Educação Infantil. São elas:

 desenvolver uma imagem positiva de si (independência e confiança);

 descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas poten­


cialidades e seus limites (hábitos de cuidado com a saúde e o bem-estar);

 estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças (comuni-


cação e interação social);

 estabelecer e ampliar as relações sociais (atitudes de ajuda e colabora-


ção);

 observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade (participante


ativo do ambiente);

 brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e ne-


cessidades;

 desenvolver e utilizar suas diferentes linguagens (corporal, musical, plás-


tica, oral e escrita);

 conhecer manifestações culturais demonstrando interesse, respeito e par-


ticipação, valorizando a diversidade.

Em outro capítulo, “A Instituição e o Projeto Educativo”, o Referencial Curricular


afirma que, para a elaboração do projeto educativo de instituições de Educação
Infantil, é preciso estar atento a duas dimensões complementares:

 condições externas – são as características socioculturais da comunidade e


as necessidades e expectativas da população atendida;

 condições internas – são a estrutura de funcionamento (horário, turmas


que atende etc.) e a proposta curricular (um dos elementos do projeto
educativo e deve ser realizada coletivamente).

Nas “Condições Internas”, há outros aspectos de grande relevância para o de-


senvolvimento do projeto pedagógico, que são:

1) ambiente institucional – cooperação e respeito entre profissionais e entre


estes e as famílias;

112
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

2) formação do coletivo institucional – clima democrático e pluralista;

3) espaço para formação continuada – deve fazer parte da rotina institucio-


nal e não pode ocorrer de forma esporádica;

4) espaço físico e recursos materiais – trata-se inclusive da acessibilidade dos


materiais. O uso frequente causa desgaste, a manutenção e a reposição
devem fazer parte da rotina;

5) versatilidade do espaço – pesquisas indicam que ambientes divididos em


pequenas áreas são melhores para crianças pequenas;

Critérios para formação de grupos de crianças: muitas instituições agrupam


as crianças por faixa etária. Essa forma de agrupamento está relacionada muito
mais a uma necessidade do trabalho dos adultos do que às necessidades da
criança. No Referencial, aconselha-se essa relação criança-adulto:

 0 a 12 meses – 6 crianças para 1 adulto (com ajudante);

 1 a 2 anos – 8 crianças para 1 adulto (com ajudante);

 2 a 3 anos – 15 crianças para 1 adulto;

 3 a 6 anos – 25 crianças para 1 adulto;

6) organização do tempo – rotina clara, compreensível e flexível;

7) ambientes de cuidados – planejamento dos cuidados e da vida cotidia-


na na instituição inicia-se pelo conhecimento prévio e constante sobre a
criança e suas peculiaridades;

8) parceria com as famílias – é muito importante devido às características


específicas da faixa etária das crianças atendidas, bem como as necessida-
des atuais de construção de uma sociedade mais democrática e pluralista.
Devemos observar o seguinte:

 respeito aos vários tipos de estruturas familiares – não há limites para os


arranjos familiares;

 acolhimento das diferentes culturas, valores e crenças sobre educação das


crianças – o trabalho com a diversidade e o convívio com a diferença pos-
sibilitam a ampliação de horizontes tanto para o professor como para a
criança;

113
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 estabelecimento de canais de comunicação – conselhos e associações;

 inclusão do conhecimento familiar no trabalho educativo – brincadeiras


preferidas pelos pais na infância, histórias de vida etc.;

 acolhimento das famílias e das crianças na instituição – a entrada na insti-


tuição é importante ao estabelecer uma relação de confiança com as famí-
lias, deixando claro que o objetivo é a parceria de cuidados e de educação,
visando sempre ao bem-estar da criança. A instituição deve ser flexível e
é muito importante realizar entrevista na hora da matrícula, além de dar
atenção especial aos primeiros dias da criança na instituição;

 substituição de professores – infelizmente, em muitas instituições, a ro-


tatividade de profissionais é uma realidade que precisa ser modificada,
estabelecendo formas de estabilidade;

 acolhimento de famílias com necessidades especiais – as famílias que por-


ventura tiverem dificuldades em cumprir qualquer uma de suas funções
para com as crianças deverão receber toda a ajuda possível das institui-
ções de Educação Infantil, da comunidade, do poder público para que me-
lhorem o desempenho junto às crianças.

São essas as questões fundamentais apresentadas no importante documen-


to do MEC, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que precisam
servir de balizamento mínimo à prática na Educação Infantil no nosso país.

Texto complementar
(PALHARES; MARTINEZ, 2000, p. 13-14)

A leitura do referencial é importante como subsídio para o debate na-


cional sobre a criança e sua educação. Ressaltamos, entretanto, que o refe-
rencial não contempla a questão das diversas camadas sociais. Em especial
na idade de 0 a 3 anos, para a qual se tem um vasto conhecimento sobre o
desenvolvimento infantil, mas pouco conhecimento sistematizado sobre a
educação de crianças pequenas em creche, o referencial parte de uma pro-
posta importante, real para as classes mais altas, mas não considera a maio-
ria da realidade das creches nas camadas populares – desconhece o valor
do trabalho que vem se realizando com essa população. É como se não se
conhecesse essa creche. É possível identificar, contudo, trechos do “Docu-

114
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

mento 2” (“Objetivos, Conteúdos e Orientações Didáticas”) que combinam o


subsídio teórico com exemplos completos, pertinentes, próximos da realida-
de das crianças, famílias e professores, que trazem ilustrações das situações
do cotidiano através de uma linguagem acessível.

Dica de estudo
Caso você tenha alguma dúvida sobre o Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil, você pode acessar o site: <www.klickeducacao.com.br>.

É um portal sobre educação de uma forma geral e, em especial, apresenta o


Guia de Educação Infantil, onde esclarece 31 dúvidas sobre o Referencial.

Atividades
1. Explique o que é o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

115
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

2. Como foi estruturado o Referencial?

3. Segundo o Referencial, como deve ser o professor da Educação Infantil?


116
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil


117
O planejamento das atividades
na Educação Infantil

Todos já observaram que na nossa vida planejamos muito: o que vamos


vestir para ir a algum lugar; o almoço que vamos oferecer para os nossos
amigos; uma viagem de férias; planejamos até mesmo o que vamos fazer
com o dinheiro do nosso 13.º salário. Não é verdade? Por que, então, não
iríamos planejar a nossa ação educativa? Na creche/pré-escola, o trabalho
educativo é intencional, por isso, deve ser planejado/programado.

Assim, nesta aula, vamos estudar o planejamento das atividades na Edu-


cação Infantil.

De uma forma simplificada, podemos dizer que o planejamento envol-


ve três fases: previsão, realização e avaliação.

Essas três fases não ocorrem de maneira estanque, elas podem acon-
tecer simultaneamente, ou seja, podemos estar realizando uma atividade
e, ao mesmo tempo, já estarmos fazendo a sua avaliação e pensando em
uma nova proposta.

Existem vários níveis de planejamento. O mais geral seria aquele que en-
volve toda a instituição, ou seja, que a vê como um todo. Inclui acordos sobre
aspectos setoriais da educação e permite controlar se toda a engrenagem
está funcionando. Sabemos que a ação educativa de cada professor tomada
individualmente não garante coerência, continuidade e compartilhamento
dos mesmos critérios. Por exemplo: a acolhida aos familiares e às crianças,
as normas relativas às refeições e a organização das áreas estruturadas nos
espaços de uso comum (interseção). Portanto, a realização de determinados
acordos entre as equipes de professores é fundamental.

É comum haver resistências com relação à execução dos planejamen-


tos de uma instituição, mas isso ocorre quando apenas alguns elaboram e
outros executam. Daí a importância do planejamento participativo. E o que
é isso? Basicamente, é quando o planejamento envolve direção, coordena-
ção, professores, funcionários, pais e alunos. Faz com que todos se sintam
responsáveis e, portanto, ativos, no processo de realização e avaliação.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Há também o planejamento mais específico: são os planos de atuação de


cada professor.

Segundo as educadoras espanholas Eulália Bassedas, Teresa Huguet e Isabel


Solé, no livro Aprender e Ensinar na Educação Infantil, alguns professores costu-
mam questionar se é mesmo necessário planejar, programar na Educação Infan-
til, já que com as crianças pequenas ocorrem tantas surpresas, acontecem fatos
interessantes que podem ser inseridos, pelo fato de as crianças serem tão dife-
rentes. A resposta é a seguinte: planejar na Educação Infantil tem a mesma uti-
lidade que planejar em qualquer outra etapa educativa, ou seja, permite prever
as condições mais adequadas para alcançar os objetivos propostos e permite
avaliar todo o processo. Resumindo: “o planejamento é uma reflexão sobre o que
se pretende, sobre como se faz e como se avalia”.

Entretanto, não deve o planejamento ser entendido como uma rotina que
precisa ser elaborada e seguida estritamente, sem poder ser alterada. Tampouco
deve-se considerar o planejamento algo meramente formal, que se elabora e
depois se guarda na gaveta. Planejar é um instrumento para ordenar e organizar
um ensino de qualidade.

Um importante desdobramento do planejamento é a programação de aula.


É um produto muito direto da professora ou do professor que o põe em prática.
Porém, pode-se compartilhar com outros professores, partindo de um projeto
comum, que dará mais segurança e confiança para o professor, ainda que cada
turma de alunos apresente peculiaridades que exigem decisões próprias e que
possivelmente não poderão ser divididas entre diversos professores.

É importante agora, apresentar algumas questões sobre as unidades de pro-


gramação na Educação Infantil.

A Educação Infantil compreende um conjunto de especificidades que variam


conforme as características dos seus alunos e que costumam ser bem diferencia-
das. Em termos gerais, podemos dizer que o professor da Educação Infantil fará
a sua programação pensando nos seguintes aspectos:

 hábitos e rotinas da vida cotidiana e de cuidado da criança;

 unidades temáticas, centros de interesse, projetos e laboratórios;

 cantinhos ou oficinas;

 passeios, festas da sala e outros eventos;

120
O planejamento das atividades na Educação Infantil

 atividades de recreio, de acolhida e de reencontro do grupo;

 atividades mais especializadas.

Todos esses aspectos ou atividades não têm a mesma natureza, nem as


mesmas características e isso deve ser considerado na hora de planejá-las. Exem-
plo: as atividades desenvolvidas em um Centro de Interesse têm um período
limitado de duração, já o almoço vai acontecer diariamente.

A programação nos três primeiros anos de vida da criança está condicionada


às suas necessidades, e é a partir delas que organizamos as atividades. Nesse
perío­do, as atividades relacionadas ao cuidado das crianças pequenas – o afeto,
a higiene, a alimentação, o descanso – determinam o tempo e as atividades da
sala.

É importante, portanto, parar, refletir e programar essas tarefas, no sentido


de tomar consciência dos objetivos e dos conteúdos que se pode alcançar, bem
como dos critérios que adotamos para valorizar o progresso da criança.

Vamos apresentar um exemplo de programação de atividade de cuidado, elabora-


do por B. Q. Borghi e L. Guerra em seu livro Manuale de Didattica per l’Asilo Nido.

Título: O almoço está servido!

Objeto: para crianças de aproximadamente dois anos.

Área que envolve: sociedade e natureza.

Objetivos: conhecer os lugares onde, normalmente, sentam-se as crianças;


adotar comportamentos adequados de acordo com o tipo de situação: tomar
sopa com colher, usar o guardanapo etc.; e reconhecer as relações de espaço
(perto, longe etc.).

Percurso didático: o momento do almoço pode se tornar uma situação rica


de experiências. A preparação da mesa pode revelar-se uma ótima ocasião para
uma série de atividades, tais como:

 conhecer o lugar onde são colocados à mesa os pratos, os talheres, os co-


pos, os guardanapos etc.;

 levar os pratos servidos até a criança que o educador indicou (“Leva este
prato para a Laura”).

121
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Instrumentos de controle: saber arrumar uma mesa e conhecer o próprio


lugar e o de seus colegas.

Vamos estudar agora a programação de outros âmbitos da atividade das


crian­ças e da intervenção educativa. É um tema trazido pelas educadoras espa-
nholas, que citamos há pouco, e que é muito importante ser apresentado.

A questão que se coloca é a seguinte:


Na Educação Infantil, à medida que as crianças crescem aumentam as necessidades de
conhecer, de atuar, de explorar e isso faz com que o professor estruture a sua intervenção
por meio de diversos âmbitos de experiências, isto é, o professor apresenta um conjunto de
atividades que se realizam em volta de um tema. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999)

Essas atividades podem receber muitos e diferentes nomes, e certamente


vocês sabem alguns desses nomes, de acordo com cada realidade. São conhe-
cidas como laboratórios, como centros de interesse ou como projetos. Existem
ainda outras atividades organizadas que costumam ser chamadas de “cantinhos”
ou “oficinas” e que podem ou não estar envolvidas com os temas.

Nesse sentido, com base no livro Aprender e Ensinar na Educação Infantil,


vamos mostrar alguns itens que nos ajudam a formular as nossas programações.
Vou ressaltar, porém, que não se trata de uma pauta fechada a ser seguida, mas
um auxílio para as reflexões que se fazem necessárias na hora de programarmos
nossas atividades.

Itens da programação
 Que lugar a atividade didática ocupa no conjunto do programa?

 Que perguntas-chave ou projetos devem ser considerados na organiza-


ção da atividade didática?

 Que respostas se espera dos alunos?

 O que pretendemos que eles aprendam com essa atividade?

 De quais recursos necessitamos?

 Como organizaremos a sala?

 Como organizaremos o tempo?

 Como realizaremos o acompanhamento, proporcionaremos a ajuda ne-


cessária e comprovaremos as aprendizagens realizadas?
122
O planejamento das atividades na Educação Infantil

Muitas vezes, podemos não ter todas as respostas em um primeiro momento,


mas durante e após a prática da atividade vamos ter mais clareza de seu sentido
e poderemos então ajustá-la segundo as necessidades surgidas. Em qualquer
caso, temos que prever atividades que sirvam para:

 motivar os alunos e ajudá-los a encontrar sentido no que estamos pro-


pondo;

 facilitar a exploração, o descobrimento e a compreensão dos conteúdos


novos;

 estabelecer uma síntese do trabalho realizado para que os alunos possam


relacionar o problema formulado com as respostas que foram encontradas.

Vamos agora demonstrar como podemos organizar alguns laboratórios em


nossas salas de aula, a partir das propostas apresentadas no livro Manuale di
Didattica per l’Asilo Nido de B. Q. Borghi e L. Guerra.

Laboratório da comunicação

Móveis e materiais
A organização física do laboratório deve permitir a realização de atividades
individuais e em pequenos grupos, com ou sem a direção do educador. Para esse
fim, é necessário que o laboratório possua:

 sofá e poltroninhas; tapete com almofadas; prateleiras onde possam ser


colocados livros, gravuras, gibis, jornais etc. em exposição e variando com
frequência; caixa-arquivo para guardar papéis, fotocópias, fotografias, en-
cartes publicitários etc.; lápis, canetas, colas, tesouras etc.; quadro-negro;
aparelho de som; CDs e fitas cassetes que podem estar vazios (e a criança
irá fazer gravações), ou com histórias e músicas.

Podemos desenvolver diferentes percursos didáticos com as crianças no la-


boratório da comunicação. Como sugestão, indicaria:

 O “projeto-biblioteca” (com exposição e classificação simplificada de livros,


funcionamento de empréstimo etc.).

123
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 O jogo da “banquinha” (com possibilidade de escolher os materiais – gibis,


jornais, revistas etc.) e podendo utilizá-los de diversas formas: folhear, re-
cortar, colorir, colar, rasgar etc.

 O “percurso pinacoteca” (consiste na organização de pequenos “percursos


visuais” de forma autônoma ou guiada).

Laboratório do ambiente

Móveis e materiais
Esse laboratório está voltado aos fenômenos e aos materiais vinculados ao
ambiente natural; as situações e os objetos relativos ao ambiente ­social que cir-
cunda diretamente a criança. Podem ser previstos:

 vários potes para jogos com água e com diferentes recursos ambientais
como, por exemplo: folhas, areia, conchas etc.; murais nas paredes para
“mostras”; aquário; pequenos instrumentos de jardinagem para cultiva-
ção de pequenas hortas e jardins.

No laboratório do ambiente, podemos realizar vários percursos didáticos


com as crianças. Algumas ideias:

 “Mostra” de recursos recolhidos no ambiente de “saída” (parque, praça,


mercado etc.).

 Coleção de materiais (tais como folhas, pinhas, pedrinhas etc.).

 Jogos de “compra e venda” (com a “construção” de um supermercado e repre-


sentação dos papéis de comprador, do vendedor, do empacotador etc.).

Laboratório da lógica

Móveis e materiais
Costuma-se organizar um espaço com a finalidade de desenvolvimento de
atividades, de preferência, individuais ou em pequenos grupos. Deve-se prever
a disponibilidade de:
124
O planejamento das atividades na Educação Infantil

 mesas e cadeiras, pequenos armários e potes para serem colocados os


materiais, área livre para atividades que necessitem de espaço no chão,
cordas e elásticos, massinha, cesto com jogos de construção e outros jo-
gos, e diferentes objetos e gravuras.

Que exemplos de recursos didáticos podemos criar? Sugiro uma série de


jogos:

 jogos de encaixe;

 jogos de encher e esvaziar;

 jogos de recolher e colecionar;

 jogos de classificação;

 jogos de seriação;

 jogos de transformação (seriam aqueles voltados ao quebrar, recortar, do-


brar, deslocar, encher, mudar de formas etc.).

Laboratório do corpo

Móveis e materiais
O laboratório deve ser organizado em um espaço relativamente amplo para
permitir atividades motoras adequadas. Os objetos ali colocados devem estar
guardados de maneira que haja possibilidade de eles serem usados em diferen-
tes atividades. Uma boa estrutura precisaria ter:

 brinquedos tipo playground, espelho grande na parede, tapete ou colcho-


netes de diferentes formas e cores, almofadas, sólidos geométricos feitos de
espuma, bastões, cordas, redes e túneis de diversos materiais e tamanhos.

E os percursos didáticos? Quais poderiam ser?

 jogos de coordenação motora;

 jogos de equilíbrio;

 jogos de precisão;

125
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 jogos de manipulação;

 jogos com o espelho.

Vamos ver agora uma outra forma de organizarmos laboratórios: segundo B.


Q. Borghi e L. Guerra são os laboratórios em mala. O que seria isso? É um labora-
tório ambulante, ou seja, organizado em malas de forma a permitir que se vá de
uma sala para outra, de uma escola para outra. Querem ver alguns exemplos?

A mala do aprendiz de feiticeiro


Uma mala com estrelas prateadas que contenha uma série de materiais para
as atividades do “aprendiz de feiticeiro”, que é um pouco cientista e um pouco
mago. Dentro dessa mala, vamos encontrar:

 as roupas do aprendiz de feiticeiro: capa, chapéu e varinha mágica;

 alguns instrumentos para a realização de experimentos do aprendiz de


feiticeiro.

É possível mover objetos com ímã? Segurar o ímã e tentar mexer alguns obje-
tos dispostos na superfície.

O ar: uma folha de papel fica no ar por mais tempo que uma bolinha de papel
amassada? Soltar as duas juntas!

Anilina na água: o que acontece quando você pinga anilina na água?

Objetos que flutuam: em potes plásticos transparentes, colocar diferentes ob-


jetos, alguns boiam e outros não.

Eletrizar objetos: o pente mágico! Passar um pente no cabelo e depois ver o


que acontece quando o coloca perto de pedacinhos de papel.

Jogos óticos: olhar diversamente – caleidoscópio, lupa etc.

A mala do confeiteiro
A mala é composta de uma chapeleira de cartolina, “disfarçada” de bolo, que
vai conter:

126
O planejamento das atividades na Educação Infantil

Roupas: chapéu e avental.

Instrumentos: prato, colher, bacias, batedeira manual etc.

Materiais: açúcar, fermento, farinha, chocolate em pó, chocolate granulado etc.

Como usar?

A mala é acompanhada de material didático mais ou menos estruturado:

 cartelas que representam, através de desenhos, as instruções para a pre-


paração de algumas receitas simples, utilizando os materiais que estão na
mala. Como seriam esses desenhos? Duas xícaras de trigo, uma colher de
fermento etc.;

 proposta de “unidades” ou “projetos” didáticos. Por exemplo, a proposta


de uma “festa de aniversário”. Deve prever: discussões com as crianças so-
bre que coisas são necessárias para realizar festa (convites, pratos, copos,
enfeites, balões etc.); pesquisa na mala dos materiais necessários para a
festa; a divisão das tarefas entre as crianças para a feitura do bolo e a orga-
nização da festa, utilizando a mala; realização da festa.

A programação dos cantinhos ou oficinas


Na hora de programarmos os cantinhos, é preciso considerar o interesse que
as crianças demonstram, como também a variedade dos materiais disponíveis.
De uma forma geral, como uma sugestão, podemos fazer uma classificação dos
vários tipos de cantinhos que podem ser oferecidos na nossa sala de aula:

 cantinho da biblioteca e da linguagem;

 cantinho do jogo simbólico;

 cantinho da elaboração, invenção e observação;

 cantinho de jogos de mesa;

 cantinho de artes plásticas e de habilidades manuais.

Convém combinar cantinhos que exigem a presença mais ativa do professor


e, ainda, aqueles que facilitam um trabalho mais autônomo das crianças.

127
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Haverá cantinhos que estarão presentes durante todo o ano e outros que
terão uma vida mais curta. Alguns cantinhos não variam quanto ao material,
às propostas e às intervenções do professor; outros, entretanto, mesmo que se
mantenham durante todo o ano letivo, passarão por modificações muito im-
portantes. Como, por exemplo, o cantinho da casinha pode ser organizado de
formas diferentes em determinados períodos de acordo com o que pode estar
sendo trabalhado em um projeto.

Texto complementar
Exemplo de programação
de uma unidade didática
(BORGHI; GUERRA, 1992, p. 201-202)

Para bebês entre 10 e 18 meses

Título: Vamos dar os primeiros passos!

Campo de experiência de referência: “a percepção e o movimento”; “o eu


e o outro”.

Definição dos espaços e dos materiais: os educadores organizam um am-


biente de movimento “macio”. Sobre um tapete, são colocadas almofadas
de espuma dura de diferentes tamanhos e formas. Alguns brinquedos são
postos no chão.

Objetivos:

 coordenação motora: engatinhar, ficar em pé, transpor pequenos obs-


táculos;

 equilíbrio estático: agarrar-se com apoio adequado, ficar sentada na


posição de cavalgar;

 interação sociomotora: receber objetos da mão de um adulto, dar ob-


jetos quando solicitados por um adulto.

Atividades: utilização livre do espaço e dos materiais. O espaço estrutura-


do é proposto às crianças. Os educadores envolvem as crianças em uma situ-

128
O planejamento das atividades na Educação Infantil

ação de brincadeira, rolando sobre o tapete, sentando nas almofadas como


se fosse em um cavalinho, escondendo-se atrás das almofadas e convidando
as crianças a fazerem o mesmo. O objetivo da brincadeira livre é perceber a
validade dos objetivos já formulados.

Dicas de estudo
Duas boas dicas de estudo para você:

 leitura da revista Pátio. Editada trimestralmente pela editora Artmed, traz


textos para a atualização e formação de profissionais da educação. A ses-
são Educação Infantil discute teorias e práticas pedagógicas atuais e de
destaque.

 leitura da edição especial da revista Nova Escola – PLANEJAMENTO. Aborda


a importância de um bom planejamento para a eficiência na aprendiza-
gem dos alunos, além de apresentar bons planos de aula, questões curri-
culares, projetos, modos de avaliar e opiniões de especialistas.

Atividades
1. Como deve ser entendido o planejamento na Educação Infantil?

129
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

2. O planejamento de uma forma simplificada envolve três fases. Quais são es-
tas fases?

3. O que é um planejamento participativo?


130
O planejamento das atividades na Educação Infantil


131
O trabalho com projetos

Quem já ouviu falar sobre o trabalho com projetos? Na Educação In-


fantil, esse tipo de trabalho tem sido bastante comentado nos últimos
tempos. É esse o assunto desta aula. Assunto que aqui será tratado tendo
como referência o livro de Abramowicz e Wajskop (1995) intitulado Cre-
ches: atividades para crianças de 0 a 6 anos, o texto “Organização do tempo
na escola infantil”, escrito por Maria Carmem Barbosa e Maria da Graça
Horn, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, do Ministério
da Educação (MEC) e também o livro As Cem Linguagens da Criança, de C.
Edwards, L. Grandini e G. Forman.

Vamos iniciar com a pergunta: o que são projetos no contexto do nosso


assunto?

Utilizamos o termo trabalho com projetos para nos referir a estudos


em profundidade sobre determinados tópicos, assumidos por pequenos
grupos de crianças. O trabalho com projetos tem como objetivo ajudar as
crianças a encontrarem um sentido mais profundo e completo dos acon-
tecimentos do seu próprio ambiente e das experiências que mereçam a
sua atenção.

Os projetos fazem parte do currículo da Educação Infantil. É através


deles, do ponto de vista pedagógico, que as crianças vão ser encorajadas a
tomar suas próprias decisões e a fazer suas próprias escolhas sobre a realiza-
ção de um trabalho, sempre em interação-cooperação com os seus colegas.
Acredita-se que o trabalho com projetos reforça na criança a sua autoesti-
ma, uma vez que ela passa a acreditar na sua capacidade de pensar, concluir
e criar, além de estimular o seu desejo de aprender cada vez mais.

De uma maneira geral, podemos dizer que o projeto é uma forma de


trabalho que envolve diferentes conteúdos e que costuma ser organizado
em torno de um tema. Pode-se dizer também que é a realização de um
estudo que será desenvolvido de acordo com a faixa etária das crianças.

Muitas vezes, os projetos são planejados para alcançar um determina-


do produto final e acabam tomando outro rumo, mudando de propostas
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

e de trajetória. Mas isso não importa, o que vale é que eles sempre geram novas
aprendizagens e às vezes até novos projetos. Essas mudanças, que são necessárias
em um projeto, dependem do professor. Ou seja, ele deve estar sempre atento,
observando cada etapa, e deve ser capaz de avaliar permanentemente o processo,
estando sempre aberto à possibilidade de reestruturação do trabalho proposto.

As atividades de um projeto podem incluir observação direta, perguntas a


pessoas e a especialistas, coleta de materiais, representação de observações, de
ideias, de memórias, de emoções, de imagens e de novos conhecimentos de
várias maneiras, incluindo a montagem de um teatro.

Vocês já devem estar perguntando: e como escolhemos o tema de um


projeto?

Não existe uma regra para essa definição. Mas nós podemos pensar em alguns
critérios que podem ser seguidos.

Os projetos podem ter como ponto de partida um fato acontecido na sala de


aula ou na comunidade, uma notícia de televisão, uma ideia que surgiu após a
leitura de um livro, ou a simples observação de fenômenos naturais. Esses temas
podem ser trazidos pelos professores, pelas crianças ou pelos pais... Às vezes,
eles podem surgir de uma situação inesperada, imprevisível!

O que é importante nós sabermos é que a ideia escolhida deve mobilizar o in-
teresse do grupo como um todo. Tanto as crianças quanto os professores devem
sentir-se atraídos pela questão. Vocês já se imaginaram conduzindo um projeto
sobre um assunto que acham chato? Iria ficar bem difícil, não é?

Os projetos podem ser realizados tanto nas creches quanto nas pré-escolas,
isto é, com bebês ou com crianças maiores. Os temas a serem trabalhados com
os bebês vão depender basicamente da observação que o professor faz da sua
turma de crianças. Assim, vai ser de acordo com essa leitura que o professor irá
escolher as atividades que podem ser importantes ao desenvolvimento das
crianças. Pode-se iniciar, por exemplo, por meio das atividades de exploração
dos materiais da sala, momento em que o professor observa, anota e, posterior-
mente, organiza atividades com um maior nível de complexidade e que geral-
mente se desenvolverão em torno de um eixo temático.

Para ficar mais claro, dou um exemplo de um projeto para bebês. Ele foi desen-
volvido para crianças de 1 a 2 anos de idade, em uma escola infantil da cidade de
Barcelona, na Espanha, por ocasião das Olimpíadas, descrito no texto já citado
de Barbosa e Horn. O nome do projeto é: “Aprendendo a mover-se no mundo”.

134
O trabalho com projetos

O projeto está voltado para o desenvolvimento motor e espacial das crianças


e pretende que elas realizem atividades em três diferentes espaços: na terra, no
ar e na água.

Assim, organiza-se o espaço para que as crianças possam se deslocar na


terra:

 rolando no tapete;

 rastejando no colchonete;

 andando de quatro” com almofadas;

 escalando rampas de madeira;

 passando pelo túnel: de pano, de espuma, de caixas de papelão;

 subindo e descendo escadas;

 descendo pelo escorregador;

 empurrando caixas e objetos;

 deslizando sobre um cobertor.

Possam também deslocar-se pelo ar:

 saltando;

 pendurando-se na barra;

 virando cambalhotas.

E desenvolvam atividades na água, sabendo:

 mergulhar;

 flutuar;

 saltar.

Agora, vamos apresentar um outro exemplo de projeto, realizado com um


grupo de crianças de 4 e 5 anos na pré-escola Ada Gobetti na cidade de Reggio
Emilia, na Itália. Esse projeto está descrito no texto “O que podemos aprender
com Reggio Emilia?”, de Lílian Katz (1999). Foi assumido um extenso estudo sobre
um supermercado cooperativo excepcionalmente grande naquela comunida-
de. Nós sabemos que um estudo de um mercadinho ou quitanda é um assunto

135
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

popular em muitas creches e pré-escolas. Porém, algumas características desse


projeto são especiais e merecem ser descritas e comentadas. Primeiramente, as
crianças realizaram várias visitas ao mercado, foram inclusive em um dia em que
este estava fechado. Observem o que as crianças comentaram após essa visita
ao supermercado fechado:

“Ele é tão grande quanto uma floresta.”

“A gente pode se perder dentro dele, como na Via Emilia.”

“É grande como a baleia de Pinóquio.”

“Parece uma piscina.”

“O homem no supermercado divide as coisas pela metade, metade em uma


prateleira e metade na outra.”

Assim, as crianças tiveram a oportunidade de observar com atenção as dife-


rentes características do local visitado (pesquisado), desenhar muitos dos obje-
tos e elementos que as impressionaram e andar pelos vários corredores, olhan-
do qualquer coisa interessante no ambiente. Após a visita, elas foram capazes de
realizar desenhos detalhados do supermercado: as fileiras de cestos, as caixas
registradoras, consumidores com ou sem cestos, com ou sem crianças ao lado,
balcões, e assim por diante.

Entretanto, os desenhos têm pouco significado sem a documentação feita


pelos professores daquilo que as crianças observaram, viveram e disseram sobre o
supermercado. Os professores gravaram os comentários e as discussões das crian-
ças e esse material ofereceu a eles possibilidade de conhecerem os níveis de en-
tendimento das crianças e seus enganos de percepção sobre os fatos cotidianos.

Vamos observar os comentários que as crianças fizeram sobre o supermerca-


do, a partir da seguinte pergunta: O que você gosta de fazer no supermercado?

 Empurrar o carrinho.

 Tocar nas mercadorias.

 Subir nas prateleiras.

 Correr para lá e para cá.

 Fazer perguntas a todo mundo.

 Comer pedaços de queijo.

136
O trabalho com projetos

 Saber o que está atrás das portas fechadas.

 Comprar de tudo.

 Olhar-me no espelho.

Num outro dia, as crianças voltaram ao supermercado para comprar, prestan-


do a devida atenção à preparação da lista de compras, pagando suas compras,
recebendo o troco e, então, usando os itens para a preparação da comida, ao re-
tornarem à escola. Algumas crianças entrevistaram o gerente e fizeram inúmeras
perguntas sobre o que significa ser o “chefe”.

Vejam quais foram os comentários das crianças relacionados ao gerente.

Questões sobre o gerente

 Quem é o gerente?

“Ele é aquele que dá o dinheiro para alguém.”

“Ele é um presidente.”

“Ele é aquele que fica vigiando para ver se alguém rouba o dinheiro.”

“Ele levanta-se cedo de manhã, abre as portas e organiza tudo.”

Questões ao gerente

“Você é um chefe?”

“Quantas pessoas você dirige?”

“Como você se tornou um gerente?”

“Você ganha mais dinheiro que os outros?”

As crianças também entregaram ao gerente sua “lista de solicitações”, refletin-


do suas opiniões sobre o que deveria ser acrescentado ao supermercado: uma
sala para assistir televisão, sanitários confortáveis, um playground, um local para
brincar com bonecas etc. Além disso, muitas crianças elaboraram suas próprias
criações de pacotes de cereais, biscoitos, caixas de detergentes e similares. Elas
também construíram um mercado na sala de aula e encenaram com prazer várias
situações, incluindo o que observaram sobre os objetos, as pessoas, e sobre os
acontecimentos no supermercado real.

137
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Um projeto sobre o supermercado local nos parece um assunto muito comum.


Por que um professor escolheria tal item? Por que não foi escolhido estudar uma
experiência bem diferente da que a criança está acostumada a viver? Isso não
ajudaria a estimular o interesse infantil?

A resposta é que quando o assunto de um projeto é muito familiar às crian-


ças, permite que elas contribuam no seu desenvolvimento, no sentido de sugerir
questões e linhas de investigação, além de possibilitar que as crianças assumam
maior responsabilidade pelo encaminhamento e orientação que o projeto terá.

Já se o tópico de um projeto é muito diferente e está fora de sua experiên-


cia direta, elas acabam por depender do professor para a maioria das questões,
ideias, informações, reflexões e planejamentos. As crianças pequenas dependem
dos adultos em muitos aspectos de suas vidas e de suas experiências de apren-
dizagem; entretanto, o trabalho com projetos é a parte do currículo na qual os
interesses, ­ideias, preferências e escolhas das crianças são privilegiadas.

Uma lição que devemos aprender é que até as crianças pequenas


[...] podem comunicar suas ideias, seus sentimentos, seu entendimento, sua imaginação e suas
observações por meio da representação visual [...] As representações impressionantes que as
crianças criam podem servir como base para hipóteses, discussões e argumentos, levando a
observações adicionais e a representações novas. (KATZ, 1999, p.43)

Através do trabalho com projetos, podemos ver como a criança pode se en-
volver de diferentes maneiras na busca de uma compreensão mais profunda de
tudo aquilo que está à sua volta.

Vamos continuar a nossa aula conhecendo mais um exemplo de projeto que


também se encontra descrito no livro As Cem Linguagens da Criança. Esse proje-
to foi chamado de “A multidão” e foi realizado na Pré-escola Diana, em Reggio
Emilia, Itália. Ele foi documentado por Vea Vecchi e supervisionado por Loris Ma-
laguzzi – grande educador italiano que idealizou o conhecido trabalho desen-
volvido em Reggio Emilia.

Trata-se de um projeto realizado com crianças de 4 a 5 anos e que, diferente-


mente do que estamos acostumados, teve início no final de um ano escolar. Na
Itália, os professores costumam permanecer com a mesma turma durante o ciclo
escolar (no caso, pré-escola é de 3 a 5 anos de idade). Assim, as férias de verão,
que são as mais longas, representam uma interrupção, mas os professores pro-
curam encontrar formas de manter vivo o interesse das crianças em aprender.
Para esse projeto, eles propuseram para os alunos que guardassem recordações
e fragmentos da experiência que teriam durante as férias. Essa ideia também foi

138
O trabalho com projetos

apresentada e discutida com os pais das crianças que concordaram em organizar


uma pequena caixa que seria levada junto com a família na viagem de férias a
fim de que as crianças pudessem guardar objetos, ou pequenos tesouros, como
uma pedrinha da montanha, uma concha da praia etc.

Ao retornarem para a escola, os professores pensavam que iriam ouvir histó-


rias sobre as aventuras ocorridas na praia ou nas montanhas, ou sobre peque-
nos, mas significativos momentos que envolviam barcos e ondas, porém, em vez
disso, as crianças naquela classe trouxeram uma perspectiva muito diferente.

Como as crianças conseguiam expressar-se com entusiasmo e os professores


foram capazes de fazer as perguntas corretas, houve a oportunidade de iniciar
uma proposta de aprendizagem diferente do que se esperava. O que aconte-
ceu foi mais ou menos assim: um menino disse, ao compartilhar sua experiência
que, “às vezes íamos ao píer. Caminhávamos por uma rua comprida estreita, com
lojas grudadas umas às outras, e onde fica abarrotado de pessoas à noite. Algu-
mas pessoas sobem a rua, outras descem. A gente não consegue ver nada, só
consegue ver uma multidão de pernas, braços e cabeças”.

Os professores, atentos à possibilidade de captar o novo, perceberam a pala-


vra multidão e perguntaram às outras crianças o que significava para elas. Atra-
vés dessa intervenção, foi possível descobrir que essa palavra se revelou incrivel-
mente rica nos significados que continha para as crianças. E os professores viram
ainda que a turma demonstrava uma excitação incomum com esse trabalho.
Vejamos o que algumas crianças disseram:

“É uma sacola cheia de pessoas amontoadas dentro.”

“É um monte de pessoas todas grudadas e perto umas das outras.”

“Existem pessoas que saltam sobre você e o empurram.”

“É como um lugar congestionado, quando é um feriado.”

“Existem montes de pessoas que estão indo ver uma partida de futebol. E só
tem homens mesmo.”

“É um monte de pessoas todas amontoadas juntas como quando elas vão


para pagar impostos.”

Depois da discussão em grupo, os professores pediram que as crianças dese-


nhassem seus pensamentos e palavras sobre a multidão. Quando eles viram os
desenhos das crianças, descobriram que o nível de representação dos desenhos

139
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

era inferior ao nível das descrições verbais. Assim, decidiram deixar o projeto de
lado por alguns dias, e passaram a pensar sobre algumas questões por exemplo,
porque isso acontecia com as crianças, como eles poderiam ajudá-las a integrar
suas diferentes linguagens simbólicas, o que fazer para que as crianças se cons-
cientizem de seu próprio processo de aprendizagem. Decidiram, assim, ler em voz
alta os comentários anteriores que as próprias crianças haviam feito (os professores
costumam gravar as discussões das crianças e, posteriormente, transcrevem suas
ideias) enquanto elas olhavam os desenhos. As crianças fizeram novos desenhos
e, dessa vez, a professora observou um avanço com relação ao vocabulário delas,
sendo que também as imagens tornaram-se mais elaboradas e detalhadas. Por
exemplo: uma menina, recordando quanto à palavra multidão, disse: “Ela vai para
a esquerda, para a direita, para a frente, e quando eles esquecem algo, eles voltam”.
Em seguida, a menina percebeu que suas afirmações não combinavam com seus
desenhos, já que as figuras no papel estavam todas voltadas para a frente. Sentiu-
-se incomodada e rapidamente deu a seguinte explicação: no desenho, ela havia
mostrado apenas um pedaço da multidão, com pessoas que não esque­ciam nada,
e que por isso elas estavam todas caminhando para a frente. Um outro menino re-
velou que em seu desenho todos olhavam para a frente, menos um cachorro que
estava de perfil e admitiu que só sabia desenhar cães desse modo. Outra criança
também falou sobre sua preocupação com seu desenho, explicando que, se as
pessoas continuassem caminhando para a frente, conforme ele havia desenhado,
elas acabariam se chocando contra a parede.

Surgiu, nesse momento, um grande desejo das crianças em aprender mais


sobre como desenhar pessoas de costas e de perfil. Coube então à professora a
tarefa de auxiliar, permitir que as crianças tivessem a oportunidade de realizar
essa vontade. Assim, ela pediu que uma menina ficasse de pé no meio da sala,
cercada por pequenos grupos de crianças colocadas em diferentes perspectivas,
onde podiam observá-la, descrever seu corpo e posição e desenhá-la a partir
de quatro ângulos: de frente, de costas, vista pela direita e pela esquerda. Dessa
forma, as crianças puderam aprender muito sobre o conceito de perspectiva.

É típico, nos trabalhos de projetos, a professora sair da escola com as crianças.


Por isso, todos foram ao centro da cidade observar e fotografar as pessoas se mo-
vimentando e tornando-se também “multidão”. Posteriormente, elas analisaram
as fotografias, e então, fizeram mais desenhos. A criança que só sabia desenhar
seu cão de perfil trouxe orgulhosa o desenho de crianças também de perfil.

O trabalho do projeto continuou com outras atividades que envolviam re-


corte, colagem, reduções de desenho por meio da fotocopiadora, confecções

140
O trabalho com projetos

de ma­rionetes, esculturas em argila, dramatizações e outras mais. E acabaram


concluindo sua exploração com um projeto coletivo no qual sobrepuseram em
uma caixa muitas de suas figuras para criarem uma multidão, exatamente como
a colega dissera, “que vai para a esquerda, para a direita, para a frente e então,
quando esquecem algo, elas voltam”.

Por meio desses exemplos, acredito ser possível compreendermos o quanto


as crianças são capazes de questionar, de criar, de encontrar soluções. O trabalho
com projetos permite o envolvimento conjunto de crianças e adultos, um com-
partilhar de conhecimentos e de descobertas.

Texto complementar

Uma abordagem multissimbólica ao ensino


(EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 306-309)

A abordagem ao ensino, em Reggio Emilia, é uma grande parte do que


torna o programa tão único e interessante. Partindo do manuscrito como um
todo, abstraímos uma lista de princípios ou diretrizes de ensino. Esse conjun-
to não é final ou exaustivo; esses itens são o melhor, em termos de resumo,
que podemos oferecer no momento. Dividimos esses princípios em seis ca-
tegorias. Uma vez que foram plenamente descritos no livro, aqui serão sim-
plesmente listados de um modo abre­viado. Por favor, considere esta seção
como um resumo de muitas das ideias cruciais do livro, assim como um con-
junto de lembretes para o professor, em sua prática.

Preparação do projeto
 Pense em termos de “reconhecimento”, em vez de “planejamento”.

 Use pequenos grupos de duas a seis crianças no trabalho em projetos.

 Dê liberdade a temas distantes da experiência cotidiana.

 Desafie as crianças a fazerem algo grande ou complicado.

 Não evite temas emocionalmente carregados.

 Apresente o projeto como uma necessidade a ser exibida e comentada.

141
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Esteja preparado para qualquer coisa, debatendo as possibilidades.

 Preveja de que maneira o conteúdo acadêmico pode surgir natural-


mente.

Estratégias de representação
 Peça que as crianças copiem representações de adultos, como mapas.

 Deixe que as crianças façam desenhos transmodais, como desenhos


de sons e sentimentos.

 Mostre às crianças fotos tiradas enquanto trabalham; estimule a reflexão.

 Use os primeiros desenhos como uma referência para melhorar repre-


sentações posteriores.

 Encoraje as crianças a fazerem seus primeiros esboços de modo casual


e rápido.

 Use os desenhos das crianças para esclarecer suas teorias ingênuas.

 Faça fotocópias dos ícones das crianças e os use em muitos contextos.

 Substitua as notações padronizadas por símbolos inventados pelas


crianças.

 Peça que as crianças inventem notações e sintaxe, por exemplo, para


representarem pegadas.

 Use um domínio simbólico para pressionar e desafiar um outro domínio.

 Integre desenhos a partir tanto da observação quanto da imaginação.

 Desenhe o mesmo objeto ou sistema a partir de diferentes perspectivas.

 Represente o mesmo objeto ao longo do tempo, por exemplo, som-


bras que se alongam, plantas que crescem.

Dinâmica de grupo
 Utilize, no nível adulto, os tipos de participação democrática, de apren-
dizagem cooperativa e de resolução de conflitos que está tentando
ensinar às crianças.

142
O trabalho com projetos

 Permita que as crianças comparem e critiquem o trabalho umas das


outras.

 Ajude a transformar diferenças de opinião em oportunidades para a


solução de problemas.

 Deixe que o sistema de relações do grupo seja um meio educacional.

 Experimente pequenos grupos com número variável de membros no


trabalho em projetos.

 Seja sensível às diferenças de gênero nos estilos de solução de pro-


blemas.

 Confie nas crianças para debaterem entre si até o fim.

 Use o senso de “nós” para melhorar a dinâmica social do projeto.

 Use o construtivismo social, apoiando o conflito construtivo.

 Faça uso do interesse das crianças por regras como um meio educa-
cional.

 Faça com que o projeto culmine em um evento para a comunidade


como um todo.

Estratégias didáticas
 Proporcione situações que desafiem as crianças intelectual e emocio-
nalmente.

 Sirva como escriba das crianças: escreva o que elas ditam.

 Ofereça réplicas em miniatura para apoiar o discurso das crianças.

 Deixe as crianças falarem sobre que representação comunica melhor.

 Deixe que as crianças selecionem e discutam que materiais funcionam


melhor.

 Ensine habilidades técnicas diretamente, por exemplo, quando traba-


lhando com argila.

 Comente sobre o trabalho, em vez de comentar sobre o nível de habi-


lidade das crianças.

143
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Desvie-se da falta de habilidades técnicas das crianças e vá diretamen-


te a seu pensamento, por exemplo, usando fotocópias.

 Combine objetos e materiais de formas inesperadas, por exemplo, tra-


ga o que pertence à rua para dentro da escola e o que geralmente está
dentro da escola para a rua.

 Aprenda com as crianças enquanto elas tentam aprender com você.

 Deixe que as crianças sigam um ritmo lento, sem apressá-las.

Objetivos cognitivos
 Encoraje as crianças a pensarem sobre aquilo que algo não é.

 Encoraje as crianças a pensarem acerca do que algo poderia ser.

 Encoraje as crianças a pensarem sobre relações recíprocas.

 Ajude as crianças a reemoldurarem o mundano e o comum.

 Saliente o conhecimento em profundidade de sistemas completos.

 Permita que as crianças discutam a natureza incompleta de seu trabalho.

Interpretação do trabalho das crianças


 Documente, documente, documente!

 Compartilhe sua documentação com os pais, com as crianças, com os


colegas e com o público.

 Assuma a perspectiva de um pesquisador.

 Encontre nas anotações de ontem problemas que podem ser apresen-


tados hoje.

 Reveja transcrições e fotos das crianças na presença delas.

 Encoraje as crianças para que trabalhem e retrabalhem uma represen-


tação.

 Trate todas as respostas como produtos de uma lógica a ser compre-


endida.

144
O trabalho com projetos

Dica de estudo
Uma boa dica de estudo para essa aula é a leitura da revista Zero-a-Seis, pu-
blicada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação na Pequena Infância
(Nupein) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A revista divulga
atividades de estudo e pesquisa da Educação Infantil não só produzidos por
professores e alunos da UFSC, como também aceita colaborações de autores de
outras instituições.

Atividades
1. O que significa trabalhar com projetos?

2. Escreva alguns dos objetivos do trabalho com projetos.

145
A inserção da
criança na creche

A entrada da criança em uma instituição educacional é um momento mar-


cante e, por isso, vamos falar agora sobre a inserção da criança na creche.

Imagino que vocês já devem estar se perguntando por que estou usando
esta palavra, inserção. Sei que o mais comum mesmo é usarmos o termo
adaptação. Mas, eu, assim como alguns educadores, não gosto muito da
palavra adaptação. Sabem por quê? Porque adaptação quer dizer acomo-
dação, ajustamento, ou seja, a aceitação, a submissão a uma determinada
situação. Educação não combina com submissão e, por isso, prefiro falar em
inserção, ou seja, a criança vai se inserir em uma instituição educativa.

Vamos iniciar falando sobre a separação.

É importante pensarmos que este momento de entrada da criança na


creche ou na pré-escola é, geralmente, a sua primeira experiência em termos
de separação da família. Ela vai conviver com pessoas – crianças e adultos
– até então totalmente estranhas para ela, terá que saber compartilhar os
materiais e o espaço, e irá aprender o que se faz nesse novo ambiente.

Analisando pela perspectiva dos pais, precisamos pensar que, para eles,
a ida da criança para a creche é, na maioria das vezes, uma decisão difícil,
acompanhada de vários conflitos. Em geral, há a necessidade do pai e da
mãe trabalharem fora e não poderem mais contar com o apoio dos avós,
mas eles ainda se sentem inseguros com relação a matricular seu filho em
uma instituição de Educação Infantil. Infelizmente, existe ainda a crença
de que o ideal e o “normal” para a criança é que ela seja cuidada pela mãe.
Esse pensamento, por vezes dominante, contribui para dificultar a separa-
ção dos pais com a criança.

Sabemos que, nos últimos anos, a pedagogia da creche vem sendo re-
vista e a questão da inserção da criança vem tendo papel de destaque.
Assim, as propostas educacionais vêm incluindo a inserção gradual da
criança, respeitando as suas exigências e a de seus pais, e também per-
mitindo que o professor conheça individualmente as novas crianças que
ingressam na creche.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Podemos dizer que a inserção de uma criança pequena em uma instituição,


como a creche ou a pré-escola, é um fato delicado por três motivos:

 existe uma dificuldade objetiva na separação entre pais e criança, e a am-


bientação em um novo contexto exige tempo e modo adequados;

 confiar uma criança à creche não é ainda considerado um fato “natural”, e


é visto quase sempre, inicialmente, como uma solução para uma necessi-
dade. Ainda existe pouca informação sobre a realidade da creche e sobre
seu funcionamento interno. Muitas pessoas ainda pensam que a criança
poderá ser privada de momentos afetivos importantes para o seu desen-
volvimento. E isso, já sabemos, é consequência do fato da creche ter nas-
cido como uma solução assistencialista e porque a opinião pública ainda
não conseguiu mudar totalmente essa imagem;

 muitas mulheres, nessa situação, vivem ainda com sentimento de culpa


de terem que deixar seu filho em uma creche, ficando sujeitas a pressões
psicológicas por parte da família ou da sociedade.

Bem, diante desse quadro, pergunto: será que esta separação afeta só a
criança? Na verdade, a quem atinge esta separação?

Afeta a criança, mas também toda a família. A reação da criança é sempre


mais evidente, mas os pais – e às vezes até outros membros da família – sofrem
muito durante a inserção da criança. Além de todo o envolvimento afetivo-
-emo­cional, há ainda a necessidade de reestruturação do cotidiano familiar, pois
novos horários e mudanças nos hábitos irão ocorrer. Por isso, é importante con-
siderarmos que a criança terá que demonstrar uma grande capacidade de acei-
tação do novo ambiente, mas a família, assim como os profissionais que atuam
na creche, também serão afetados pelos processos de inserção das crianças.

Mas por que a separação entre mãe e filho é ainda vista como um momen-
to de sofrimento? No texto “A inserção”, de Susana Mantovani e Nice Terzi (In:
BONDIOLI; MANTOVANI, 1998) explica-se que temos que ficar atentos para não
confundir sofrimento, trauma, com um certo “cansaço” de crescer, de enfrentar
as novidades. É bom lembrarmos que um certo nível de frustração às vezes é
necessário ao crescimento. Winnicott, psicólogo americano, dizia que a criança
precisava de uma mãe “suficientemente boa”, ou seja, que uma mãe não precisa
ser perfeita, e que é saudável que ela produza algumas frustrações, ou então, a
criança nunca conseguirá separar-se dela. Uma mãe que comete erros e que está
consciente de seu caráter humano é, provavelmente, uma mãe mais tolerante
com as imperfeições de seu filho.
148
A inserção da criança na creche

Agora vamos ver como costumam ser as reações da criança e da família no


momento da inserção.

Maria Clotilde Rosseti-Ferreira, Telma Vitória e Liliane Goulardins (1998) comen-


tam em seu texto “Quando a criança começa a frequentar a creche ou pré-escola”
que, apesar de existirem diferenças individuais, é comum os bebês, a partir dos
seis ou oito meses, estranharem pessoas diferentes do seu convívio e, assim, cho-
rarem protestando quando são separados daqueles que conhecem. O mesmo
acaba acontecendo com as crianças um pouco maiores que também costumam
reagir com protestos à separação. Porém, a partir dos dois ou três anos de idade, a
criança, em geral, já tem possibilidades de compreender melhor a situação, além
de demonstrar um maior interesse no envolvimento de brincadeiras com outras
crianças. Devemos compreender que as crian­ças, e em especial, as menores, ainda
não se expressam bem verbalmente e, por isso, manifestam seus sentimentos
por meio do corpo. É comum, portanto, que além de chorar elas possam adoecer,
recusar alimentos, dormir demais, irritar-se etc. Não se trata de um problema de
saúde, é apenas a sua maneira de expressar o que está sentindo.

Os pais, no entanto, ao observarem essas reações (choro, falta de apetite etc.),


demonstram preocupação. É comum eles fazerem perguntas como: “Minha filha
chorou muito depois que eu saí?”, “Ela dormiu bem hoje?”, “Meu filho comeu?”,
“Ele estava alegre?”, “Participou das atividades propostas?”. Essas perguntas de-
monstram preocupações importantes, e as respostas devem corresponder à ver-
dade. É claro que é fundamental que o professor explique aos pais que esses
comportamentos são formas muito comuns que a criança encontra para reagir
frente às novas situações. Por isso, eles não devem se preocupar caso a criança
não esteja agindo da sua maneira normal, natural.

Sem dúvida, o período de inserção da criança na creche ou na pré-escola é


muito especial. Rosseti-Ferreira, Vitória e Goulardins (1998) observaram que para
cada criança e cada família esse processo vai ocorrer de uma forma diferente.
Sabe-se que as pessoas ficam mais sensíveis nesta época e que essa sensibili-
dade deixa as pessoas mais atentas aos pequenos fatos que acontecem: sejam
comentários, gestos etc. E é exatamente essa sensibilidade que pode facilitar
ou dificultar as relações entre as pessoas. Facilitará se permitir que fiquem mais
flexíveis, mais abertas para ouvir o que os outros têm a dizer. Porém, vai dificultar
se a sensibilidade deixá-las muito ansiosas ou nervosas. Assim, é de grande valor
que as instituições de Educação Infantil tenham sempre em suas equipes pesso-
as disponíveis para conversar, orientar, ouvir as “histórias”, dar o seu apoio, seja a
uma criança, alguém da família ou até mesmo a um professor.

149
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Mas afinal, como propiciar a inserção?

Às vezes, a direção da instituição acha que o melhor é fazer um corte só, ou


seja, não permitir que a família acompanhe a criança e fique com ela na sala.
Assim, mesmo com choro e com gritos, o melhor é romper de uma só vez. Essa
forma pode evitar alguns conflitos com os familiares, mas é inadequada com
relação à integração da criança, pois deixa-se de discutir com a família aspectos
importantes na educação da criança.

O ideal é que a creche ou a pré-escola ofereça para as famílias um sistema


gradativo de inserção para cada criança. Assim, se for possível para os pais, a
criança, durante os primeiros dias, ficará na creche apenas algumas horas e gra-
dativamente este tempo vai sendo aumentado até chegar àquilo que os pais
desejam. Trata-se, assim, da organização de um planejamento de ingresso na
instituição: pode ser definido um calendário com os professores e com a família,
tomando-se o cuidado de não agrupar em uma mesma turma várias crianças
em períodos de inserção. Suponhamos que em uma determinada classe ingres-
sem oito novas crianças. Pode-se fazer um planejamento para que a cada dia a
professora receba apenas uma ou duas no turno da manhã, e outras duas crian-
ças no turno da tarde. No dia seguinte, pode-se receber mais duas e assim por
diante. Dessa forma, é possível para a professora dar uma maior atenção àquelas
crianças que estão ingressando na instituição.

É difícil sabermos quanto tempo vai durar esse período delicado, em que
todos os envolvidos – criança, família e professor – estão se conhecendo. Mas é
certo que se trata de uma fase, na qual é fundamental que os pais possam ficar
junto aos seus filhos, na sala, até que estes adquiram um pouco de confiança no
novo ambiente.

No entanto, parece aceitável a ideia de que não se deve mentir para a criança,
dizendo que os pais ficarão esperando do lado de fora, quando, na verdade, vão
embora. Os professores também não devem aceitar essa atitude dos pais. A crian-
ça precisa saber que seu pai e/ou a sua mãe necessita trabalhar, mas que voltará
mais tarde para apanhá-la. A criança, certamente, não aceitará essa explicação
e protestará, mas é melhor que saiba a verdade, expresse os seus sentimentos e
descubra com o tempo que os pais não estão enganando-a, pois voltam todos
os dias para buscá-la.

Precisamos entender também que nem todos os pais têm disponibilidade


de tempo, alguns não conseguem liberação do trabalho. Dessa forma, podemos
pensar em uma solução alternativa: chamar o irmão mais velho ou alguma outra

150
A inserção da criança na creche

pessoa na qual a criança confie (tia, avó, avô, babá). O importante é que se esta-
beleça esse elo entre a família e a creche.

Por isso, pais, mães e familiares devem ter o direito de circular nas depen-
dências da creche, recebendo todas as informações necessárias sobre a rotina
ali desenvolvida. Precisamos entender que, para muitos pais, independente da
sua situação socioeconômica, esse é um momento muito difícil e só vão ficar
tranquilos quando confiarem totalmente na instituição. Mas essa confiança não
acontece de um dia para o outro. Por isso, nós, professores, precisamos ter matu-
ridade profissional suficiente para compreender e auxiliar nesse processo.

Devemos pensar ainda na relação que se está iniciando entre o professor e


a criança. Aos poucos, vai havendo uma aproximação. O importante é não exa-
gerarmos no carinho, para não parecer um sentimento falso, respeitando o jeito
de ser de cada criança. Para ajudar nesse processo de conhecimento, é interes-
sante que o professor saiba de algumas particularidades da vida da criança, por
exemplo, de que histórias ela mais gosta, qual é o seu alimento preferido, se
tem algum bichinho de estimação etc. Também é importante que seja permitido
que a criança traga para a creche/pré-escola alguns objetos de sua preferência,
como brinquedos, chupeta, mochila, lancheira etc.

De uma forma gradual, a criança vai se acostumando com o novo ambiente, os


novos horários e as diferentes relações de amizade e convivência. Mas o que não
podemos deixar de considerar é que a creche precisa ser sempre fonte de prazer.

Vale ainda lembrar que a instituição de Educação Infantil é diferente do am-


biente familiar. Escola não é casa, assim como a professora não é uma segunda
mãe. Essa comparação é feita com grande frequência, e existem até nomes de
creches que procuram expressar esses sentimentos, tais como: Casinha da Vovó
ou Carinho da Mamãe. Sabemos bem que a professora não irá dar carinho igual
ao da mãe, nem ao da avó, e que o ambiente da creche também não vai ser
igual ao da família, nem pretende ser, não é mesmo? Portanto, é preciso tomar
cuidado para que, nesse momento de inserção da criança, não se faça essa com-
paração, ou melhor, esse é o momento certo para deixar clara a distinção que
existe entre casa e creche, sendo que um período de inserção bem conduzido
possibilita que pais e professores estabeleçam uma relação de confiança e de
respeito mútuo.

E, para finalizar, trago um exemplo de uma proposta metodológica de inser-


ção da criança na creche, descrita por Nadia Bulgarelli e Laura Restuccia Saitta
(1981), no livro Comunicazione Interpersonale e Inserimento del Bambino all’Asilo

151
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Nido, ainda não traduzido para o português, mas que significa “Comunicação
Interpessoal e Inserção da Criança à Creche”.

Pressupostos teóricos
 A inserção na creche é vista como uma experiência que “separa aquilo que
era unido e une aquilo que era separado”.

 A inserção é o início de uma relação a três: criança-pais-professores.

 A creche é um universo de comunicação interpessoal onde o comporta-


mento de cada pessoa influencia e é influenciado pelo comportamento
de outra pessoa.

 A comunicação é considerada fundamental na relação educativa.

Objetivos de uma boa inserção


Em relação às crianças:

 favorecer um distanciamento gradual do objeto de apego, ou seja, a famí-


lia ou a casa;

 favorecer o conhecimento do novo ambiente por meio da presença e da


mediação dos pais;

 favorecer o estabelecimento de relações com os professores e com


os colegas;

 favorecer a exploração do ambiente-creche e a curiosidade pelos jogos e


brinquedos.

Em relação aos pais:

 favorecer um distanciamento gradual do filho;

 favorecer o conhecimento do novo ambiente, da organização do dia e da


metodologia pedagógica;

 favorecer um relacionamento de colaboração e não de rivalidade com


os professores.

152
A inserção da criança na creche

Em relação aos professores:

 favorecer o conhecimento, por meio da observação, de cada criança na


sua relação com os seus pais;

 favorecer gradualmente a mudança de interesse das crianças – dos pais


para si mesmas e para os seus colegas;

 favorecer um relacionamento de colaboração e não de rivalidade com


os pais.

Estratégias (apresentadas segundo ordem cro-


nológica em que são realizadas)
 Reunião geral – acontece antes do início da inserção da criança e é realiza-
da com os pais. Nessa reunião, apresenta-se como é organizada a creche e
o que as crianças fazem durante o dia. Sugere-se a utilização de slides ou
filmes, já que esse material facilita muito a compreensão dos pais sobre o
funcionamento da creche.

 Entrevista não diretiva – também acontece antes da inserção da criança na


creche, é realizada com o pai e com a mãe e é conduzida por um ou dois
educadores, seguindo a técnica de Carl Rogers.

 Questionário – para obter da família dados particulares sobre a história e


os hábitos da criança.

 A inserção – conduzida através das seguintes estratégias:

 efetivada em pequenos grupos de crianças;

 com a presença do pai ou da mãe (essa presença deve ser solicitada


como regra e não deixada ao desejo de cada família);

 para os professores, é solicitado, principalmente, observar as dinâmi-


cas que se estabelecem entre pais e filhos;

 presença de jogos e brinquedos que terão dupla função: dar conforto


emocional às crianças (bonecas, bichinhos de pelúcia, brinquedos ma-
cios etc.) e atrair o interesse e a curiosidade das crianças.

153
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

O trabalho coletivo dos profissionais


 Definir coletivamente a proposta metodológica que será seguida para a
inserção da criança na creche, ou seja, definir os pressupostos teóricos, os
objetivos e as estratégias.

 Individualizar uma metodologia de trabalho comum a todos os profissionais.

 Avaliar a metodologia seguida, analisando cada item planejado.

Texto complementar
A entrevista com os pais antes da inserção
(BORGHI; GUERRA, 1992, p.101-103)

Primeira fase: a preparação


A entrevista deve articular-se entre os seguintes pontos:

 Os objetivos da entrevista

 manifestação do desejo de favorecer uma boa inserção a todas as


crianças;

 disponibilidade e interesse em conhecer as expectativas da família


com relação à creche;

 manifestação da necessidade de preparar bem cada situação para


que haja uma boa inserção da criança.

 Os objetivos da inserção

 apresentação dos problemas relativos à inserção;

 apresentação das formas possíveis de organização para o distan-


ciamento da criança com relação à família, e consequentemente, a
sua inserção na creche.

154
A inserção da criança na creche

 Os objetivos da creche

 explicitação das expectativas que os pais nutrem com relação à


creche;

 apresentação dos objetivos educativos e formativos deste serviço.

Segunda fase: a entrevista


 Informações sobre a criança e sua família

 que coisas a criança sabe fazer em casa; que coisas lhe agradam
mais; os jogos/brincadeiras que mais gosta;

 quais são as pessoas a quem ela é mais apegada; quais são as divi-
sões de tarefas, em família, com relação aos cuidados com a criança;

 quais são as experiências mais significativas desenvolvidas com a


criança em família; quais são os objetos da casa que mais a inte-
ressam;

 episódios particulares.

 A organização de um dia típico da família, da mãe e da criança

 breve descrição de um dia típico da criança, da mãe e do pai;

 quem fica mais tempo com a criança; para que coisas a criança se
volta à mãe e para quais ao pai;

 o que a criança mais gosta de fazer com o pai, com a mãe, com
outra pessoa;

 o que poderia eventualmente mudar.

 O relacionamento social da criança

 quais são as pessoas de referência da criança;

 que outras crianças ela conhece e costuma conviver;

 que outras pessoas ela conhece fora da família.

155
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 As pessoas de referência dos adultos

 em caso de necessidade, com quem seriam discutidos eventuais


problemas com relação à criança (pais, amigos, pediatra etc.).

 As expectativas com relação à creche

 o que a creche faz e o que é útil para a criança;

 o que a creche deveria fazer e que seria útil para a criança;

 o que a creche não deveria fazer;

 como os pais julgam que será a inserção da criança; quais serão as


suas reações;

 quais comportamentos deverá adotar o educador para melhorar o


acolhimento e a integração da criança.

Terceira fase: o registro


Serão anotadas todas as respostas dadas na 2.ª fase da entrevista.

Dica de estudo
Caso você queira conhecer mais sobre o processo de inserção da criança na
educação infantil, recomendo a leitura do trabalho “Adaptação Escolar no Con-
texto da Educação Infantil: o desafio de uma nova realidade”, de Luciana Agos-
tinho Rizo. Cadernos Camilliani: Cachoeiro do Itapemirim, v. 1, n. 1, p. 92-102,
dez., 2000. O resumo pode ser encontrando no site <www.inep.gov.br/pesquisa/
bbe-online/det.asp?cod=52979&type=P>.

No site <http://br.guiainfantil.com/home.html> você pode encontrar uma


área específica do tema “adaptação escolar”. Vale a pena dar uma olhada.

156
A inserção da criança na creche

Atividades
1. Por que a autora utilizou a palavra “inserção” e não “adaptação”?

2. Como propiciar a inserção da criança na creche/pré-escola?


157
Jogos e brincadeiras

Infância e brincar são termos muito próximos nos seus sentidos mais
amplos. As crianças sempre brincaram. Desde épocas mais antigas, as
crianças procuram conhecer o mundo por meio de adivinhas, faz de conta,
jogos com bolas, rodas, cordas e bonecos.

Podemos observar nas artes em geral que várias gerações deixaram re-
gistrados diferentes aspectos da vida cotidiana, nas quais se vê a presença
dos jogos, das brincadeiras e dos brinquedos. Existem muitos jogos tradi-
cionais, como a amarelinha, em que as regras podem variar ao longo do
tempo, mas os princípios do jogo permanecem os mesmos. Alguns desses
jogos existem há cem ou até mesmo mil anos.

O que é brincar para a criança?


A educadora Vera Lúcia dos Santos (1990), em seu texto “Promovendo
o desenvolvimento do faz de conta na Educação Infantil”, fala que, ao ob-
servarmos crianças brincando, ficamos impressionados com a forma como
elas são absorvidas por essa atividade. Como não se cansam? De onde
vem tanta energia? O que faz com que as crianças, mesmo esgotadas e
sem fôlego, continuem a correr para não serem pegas numa brincadeira
de “polícia e ladrão”, ou permaneçam escondidas num cantinho, apesar do
medo do escuro, num jogo de esconde-esconde?

A resposta é simples: a causa de tamanha entrega e envolvimento por


parte das crianças é o prazer e o divertimento que o brincar dá a elas.
Assim, podemos dizer que os jogos da criança pequena são fundamentais
para o seu desenvolvimento e para a aprendizagem, pois envolvem diver-
são e ao mesmo tempo uma postura de seriedade.

Se observarmos as atividades que a criança realiza, veremos que os


jogos e as brincadeiras podem estar presentes tanto no dia a dia das cre-
ches e pré-escolas quanto na vida doméstica das crianças. Consequente-
mente, os professores que souberem trabalhar com os jogos e brincadei-
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

ras em seus planejamentos poderão tornar suas propostas de atividades mais


adequadas à forma como as crianças pequenas se desenvolvem e aprendem.

A brincadeira é para a criança um espaço de investigação e construção de co-


nhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Brincar é uma forma de a criança
exercitar sua imaginação. A imaginação é uma forma que permite às crianças
relacionarem seus interesses e suas necessidades com a realidade de um mundo
que pouco conhecem.

A brincadeira é um espaço privilegiado de aprendizagem onde a criança age


como se fosse ­maior do que é na realidade. Ela realiza simbolicamente aquilo
que ainda não tem capacidade de fazer.

E agora, pergunto: as crianças brincam de boneca porque vão ser pais e


mães? Por que vão ser pais, os meninos podem brincar de bonecas e as meninas
de carrinho? Brincando, as crianças estão traçando o seu destino? Não, as crian-
ças brincam porque são hoje pessoas que vivem em um mundo onde estas e
outras relações estão presentes. Quando ficamos pensando a criança como um
projeto, como algo que ainda não é, acabamos procurando explicar suas brinca-
deiras pelo seu futuro. Essa preo­cupação em justificar as brincadeiras pelo futuro
é mais evidente quando se trata de jogos que envolvem a violência. Quando as
crianças brincam de matar, geram preocupação nos pais que pensam que seus
filhos são cruéis e podem se tornar adultos com instintos violentos. Mas obser-
vem que a criança, geralmente, ressuscita quem ela matou, ou troca de posição:
“agora quem vai morrer sou eu...”. Portanto, não existe o sentimento de extermí-
nio ou de maldade. Podem estar certos de que a violência e os preconceitos para
os nossos filhos são aqueles que vivenciamos sem perceber, por meio de gestos
e palavras no cotidiano, ou aqueles que permeiam a organização da sociedade
em que vivemos e que as crianças percebem com muita nitidez.

A relação entre sentimentos e brincadeiras


Sabemos que a brincadeira expressa a forma como uma criança reflete, or-
ganiza, desorganiza, constrói, destrói e reconstrói o seu mundo. É também um
espaço onde a criança pode expressar, de modo simbólico, suas fantasias, seus
desejos, medos, sentimentos agressivos e os conhecimentos que vai construin-
do a partir das experiências que vive.

Bruno Bettelheim (1988), em seu livro Uma Vida para seu Filho: pais bons o bas-
tante, fala que a brincadeira é uma ponte para a realidade e que nós, adultos, atra-

160
Jogos e brincadeiras

vés de uma brincadeira de criança, podemos compreender como ela vê e cons-


trói o mundo: quais são as suas preocupações, que problemas ela sente, como ela
gostaria que fosse a sua vida. Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldade
de colocar em palavras. Ele diz ainda que a criança escolhe a sua brincadeira de
acordo com os seus desejos, problemas e ansiedades. Ou seja, brincar é a sua lin-
guagem secreta que devemos respeitar mesmo que não a entendamos.

Nesse mesmo raciocínio, Vera Lúcia dos Santos, no texto citado anteriormen-
te, ao classificar os jogos simbólicos, fala do jogo do tipo “liquidação”. É quando
a criança busca superar situações desagradáveis. É como se ela zombasse de
suas próprias limitações e as enfraquecesse. Sensações de medo, dor ou tensão
podem ser superadas ao serem vivenciadas por meio da fantasia. Ela dá o se-
guinte exemplo: uma criança de dois anos e meio, impressionada com a história
dos três por­quinhos que tinha acabado de ouvir, começa a imitar o lobo mau e
solicita que a passagem que mais a amedrontou seja repetida novamente.

O desenvolvimento infantil e os jogos


Em cada momento do seu processo de desenvolvimento, a criança utiliza-se de
instrumentos diferentes e sempre adequados às suas condições de pensamento:
por volta dos três anos de idade, por exemplo, com o desenvolvimento da capa-
cidade simbólica do pensamento, o jogo simbólico (mais comumente conhecido
como jogo de “faz de conta”), passa a ser a atividade principal da criança.

À medida que ela cresce, as brincadeiras modificam-se, evoluem. Isso fica evi-
dente quando observamos crianças de idades diferentes brincando juntas. Em cada
estágio de desenvolvimento, os jogos infantis têm características específicas.

A seguir, vamos ver uma abordagem evolutiva dos jogos, baseada em estu-
dos realizados por Jean Piaget e apresentada pela professora Vera Lúcia Santos,
ainda no texto já citado. Observem que as faixas etárias e as fases não devem
ser delimitadas de maneira rígida, pois cada etapa conserva características das
etapas anteriores e antecipa outras, de etapas posteriores.

Vamos iniciar vendo os jogos de exercício. Os jogos de exercício, ou também


chamados jogos funcionais, têm início aproximadamente aos quatro meses de
idade, quando a criança começa a ter uma melhor coordenação da visão e da
apreensão. Assim, a criança vai, por meio da sua relação com os objetos, realizar
atividades lúdicas. Podemos observar que os bebês gostam de jogos de repetir
ações: sacudir um chocalho, balançar objetos pendentes sobre o berço. Assim,
os jogos de exercício são a primeira forma de brincadeira da criança.
161
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Imitar é importantíssimo para o desenvolvimento das atividades do bebê. É por


meio da imitação que a criança passa a assimilar o mundo que a rodeia e desen-
volve as suas potencialidades expressivas. Mas reparem que, nesta idade, a crian­
ça só imita o que está presente, ela não é ainda capaz de imaginar. O bebê gosta
de imitar movimentos simples que fazemos para ele, como abrir e fechar a boca
emitindo sons, ou brincar de esconde-esconde, quando nos escondemos atrás de
uma almofada e logo em seguida aparecemos. Percebam que, aos poucos, a crian-
ça tenderá a imitar a nossa atitude, tentando também se esconder e aparecer.

Essas atividades lúdicas não necessitam de qualquer técnica particular, são


simples exercícios. À medida que adquire mais mobilidade, a criança amplia seu
campo de exploração, pois já pode sentar-se e engatinhar, mantendo-se por
mais tempo em uma mesma atividade. Surgem, então, os jogos de manipulação
e os jogos de construção, ainda considerados jogos de exercício.

Os jogos de manipulação são praticados a partir do contato da criança com


diferentes materiais, movida pelo prazer que a sensação tátil proporciona. Exem-
plo: manipular diferentes densidades e texturas, como areia, barro, farinha, água,
tecidos etc.

Na mesma categoria dos jogos de exercício, os jogos de construção acontecem


quando a criança faz ordenações sobre os objetos. Esses jogos são responsáveis
por diferentes e importantes aquisições para o desenvolvimento motor e inte-
lectual da criança, tais como a classificação, a seriação, o equilíbrio, as noções de
quantidade, tamanho e peso, bem como a discriminação de formas e cores. Exem-
plos: amontoar, empilhar, enfileirar, separar, classificar diferentes materiais.

As crianças vão crescendo e a possibilidade de realizar novas brincadeiras vai


surgindo, mas elas não deixam de lado os jogos de exercício. Quando observa-
mos as brincadeiras das crianças, vemos que essa forma de brincar vai ficando
cada vez mais diversificada à medida que crescem.

Existem também os jogos de exercício que envolvem ações mentais, isto é, o


pensamento, como acontece nos jogos de combinações de palavras. Vamos ver
exemplos conhecidos: “Hoje é domingo pede cachimbo...”, ou “Um, dois, feijão com
arroz...”, ou “Lá em cima do piano...” etc. Vocês se lembram de outras parlendas?

Os jogos simbólicos ou “faz de conta”


Além dos jogos introduzidos pelo professor, ocorrem muitos outros, “inven-
tados” pelas crianças, frutos de sua imaginação, organizados de acordo com o
162
Jogos e brincadeiras

que ela vai aprendendo sobre o seu meio sociocultural. São os jogos simbólicos,
também chamados de “faz de conta”. Por meio deles, a criança expressa a sua
capacidade de representar dramaticamente.

Como vimos anteriormente, a criança bem pequena só é capaz de imitar um


modelo que esteja presente; ela não consegue ainda imaginar, fazer de conta.
Mais tarde, passará a imitar modelos ausentes, reproduzindo, assim, modelos
imaginados.

Entre 1 ano e meio e 3 anos de idade, a criança começa a imitar suas ações
cotidianas e passa a atribuir vida aos objetos. Ela, então, imita a si mesma: finge
que está chorando, toma banho de mentirinha etc.; e passa também a se distan-
ciar das suas ações quando, por exemplo, faz com que a boneca ou o patinho
tenham vida e respondam a seus desejos. É comum vermos uma criança, após
ter sido vestida pela mãe, pegar sua boneca e repetir o mesmo ritual, vestindo-a
e conversando animadamente com ela, não é?

As primeiras imitações que a criança faz do mundo adulto acontecem por meio
da sua observação e normalmente vai imitar modelos que estão próximos a ela,
ou seja, os pais, os irmãos, os avós e todas as outras pessoas que façam parte do
seu mundo. Ela vai, primeiramente, observar com atenção os gestos e as ações das
pessoas e, depois, de uma forma mais simplificada, vai reproduzi-los.

Assim, brincando, a criança cria situações imaginárias em que se comporta


como se estivesse agindo no mundo dos adultos. Como vimos acima, a criança
vai imaginar realizar coisas que os adultos podem e ela ainda não. Essa atitude
é chamada de compensação. Por exemplo, a criança brinca que está dirigindo
um automóvel, ou apagando um incêndio, ou cuidando de um doente. E ela
fará isso imitando as atitudes que observa nos adultos que realizam essas ações.
Irá, inclusive, preocupar-se em reproduzir detalhes, como o barulho do motor
do carro, ou da mangueira que apaga o fogo. O que motiva a brincadeira não
é o resultado das ações, isto é, transportar-se para um outro lugar, ou salvar a
vida de uma outra pessoa, mas o próprio processo da atividade. Assim, a criança
aprende agindo “como se fosse” alguma coisa ou alguém específico.

A criança deseja montar em um cavalo, mas não sabe como fazê-lo e ainda
não poderia de fato aprender, porque montar a cavalo é algo que está além de
sua capacidade. Então ela toma uma vassoura – um objeto do mundo ao qual
tem acesso – e a coloca no lugar do cavalo. A criança sabe que a vassoura con-
tinua sendo uma vassoura, enquanto brinca de “montar a cavalo”, mas no jogo,
embora conserve seu significado, a vassoura adquire um sentido diverso, um
sentido lúdico, o sentido de um cavalo.
163
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Essa atitude da criança de utilizar um objeto querendo simbolizar outro


chama-se transposição. A criança age com um determinado objeto (real), mas
utiliza-o com uma função (imaginária) diferente da habitual.

Quando uma criança brinca de médico, geralmente reproduz as formas de


agir de médicos que já a atenderam ou que atenderam pessoas com as quais
convive. A criança reproduz o que é típico, geralmente o que pode ser generali-
zado em uma situação. Quando é a mãe num jogo de casinha, a criança, além de
construir o espaço para a brincadeira e decidir qual será o enredo da atividade
(mãe que vai comprar a comida, ou que vai passear com o filho, ou que vai levá-
-lo ao cinema, ou que conta histórias), age como as mães agem em geral nessas
situações. Assim, no jogo de “faz de conta”, a criança experimenta diferentes
papéis sociais, funções sociais generalizadas a partir da observação do mundo
dos adultos.

Dos 4 aos 7 anos, a busca pela aproximação ao real vai caracterizar os jogos
simbólicos. A criança desejará imitar de forma mais coerente.

Segundo a professora Vera Lúcia dos Santos, no decorrer da fase do jogo simbó-
lico, existem três características fundamentais que evoluem simultaneamente:

1.ª) forte tendência à ordenação. As crianças preocupam-se em ordenar seus


jogos, escolhendo objetos de composição das cenas;

2.ª) evidencia-se a intenção de realismo que conduz o jogo para a imitação


exata do real. As crianças buscam objetos mais próximos dos objetos
­reais que funcionem como suporte para suas cenas;

3.ª) a capacidade de organização e o desenvolvimento da imitação acarreta-


rão maior diferenciação de papéis, propiciando o surgimento do verda-
deiro grupo de jogo.

Os jogos com regras


Sabemos que o processo de socialização da criança acelera-se à medida
em que ela vai crescendo e, assim, vai sendo capaz de participar de jogos com
regras. Para a realização desses jogos, é necessário que haja cooperação entre os
jogadores e isso exige, certamente, um nível de relações sociais mais elevado.

É possível observarmos que os jogos com regras se desenvolvem a partir das


brincadeiras simbólicas. Isto é, numa situação imaginária em que várias crianças
estão envolvidas e em que cada uma tem um papel que se integra com outras,

164
Jogos e brincadeiras

devendo saber se subordinar às regras que regem as funções de cada partici-


pante. Um exemplo: quando três ou quatro crianças decidem brincar juntas de
“pizzaria”, além de escolherem o lugar onde o jogo acontecerá, elas têm que de-
cidir quem será o “fazedor de pizzas”, quem será o “garçom”, se haverá o “dono
da pizzaria”, e quem serão os “fregueses”. Essas escolhas é que vão determinar o
desenrolar do jogo, e para que o jogo aconteça será necessário que cada partici-
pante se submeta às regras de ação relativas a cada função: “o dono da pizzaria
contratou o fazedor de pizzas, que entrega a pizza ao garçom, que por sua vez
atende o freguês”.

Bem, agora já sabemos que as brincadeiras e os jogos são espaços privile­


giados para o desenvolvimento infantil e para a sua aprendizagem. E qual é,
então, o papel do professor?

O papel do professor
Cientes da importância dos jogos e das brincadeiras na Educação Infantil, o
professor deve elaborar propostas de trabalho que incorporem as atividades
lúdicas.

Deve, também, propor jogos, brincadeiras. Não há necessidade de o jogo ser


espontâneo, idealizado pela criança. “O que faz do jogo um jogo é a liberdade de
ação física e mental da criança nessa atividade” (BRASIL, 1995b, p. 103).

Para que um professor introduza jogos no dia a dia de sua classe ou planeje
atividades lúdicas, é preciso, em primeiro lugar, que ele acredite que brincar é
essencial na aquisição de conhecimentos, no desenvolvimento da sociabilidade
e na construção da identidade.

Se o professor considerar importante incluir na rotina da classe um espaço


para os jogos e as brincadeiras, tanto nos horários de atividades no pátio como
nos momentos em que as crianças estão dentro da classe, deve procurar esta-
belecer para si mesmo qual será o seu papel, sua função, enquanto as crianças
brincam. A intervenção do professor deve se dar no sentido de mediar possíveis
conflitos, de abrir e socializar os espaços e objetos de uso comum, de estimular a
entrada de novas crianças em um jogo, ou como árbitro das regras acordadas.

A professora Vera Lúcia dos Santos diz que a atitude do professor é, sem
dúvida, decisiva no que se refere ao desenvolvimento do faz de conta. E em seu
texto, já citado anteriormente, ela destaca três funções diferenciadas que podem
ser assumidas pelo professor, conforme o desenrolar da brincadeira:
165
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

1.ª) função de observador, na qual o professor procura intervir o mínimo pos-


sível, de maneira a garantir a segurança e o direito à livre manifestação
de todos;

2.ª) função de catalisador, procurando, através da observação, descobrir as


necessidades e os desejos implícitos na brincadeira, para poder enrique-
cer o desenrolar de tal atividade;

3.ª) função de participante ativo nas brincadeiras, atuando como um media­


dor das relações que se estabelecem e das situações surgidas.

Texto complementar
Jogo e trabalho
(DANTAS, 1998, p. 85-87)

Brincar e jogar: dois termos distintos em português e fundidos nas lín-


guas de cuja cultura somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por
causa disso, frequentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psi-
cogenética que a nossa língua nos permite: brincar é anterior a jogar, con-
duta social que supõe regras. Brincar é forma mais livre e individual, que de-
signa as formas mais primitivas de exercício funcional, como a lalação. É esse
sentido mais arcaico que vou utilizar aqui.

O termo “lúdico” abrange os dois: a atividade individual e livre e a cole-


tiva e regrada. O que chama a atenção, quando pedimos a profissionais de
Educação Infantil sinônimos para ele, é a tendência a oferecer “prazeroso”
e nunca “livre”. “Ludicamente” é visto como prazerosamente, alegremente, e
não “livremente”. Isso, que considero uma distorção de consequências infe-
lizes, consiste em perceber o efeito e não a sua causa: o prazer é o resultado
do caráter livre, gratuito, e pode associar-se a qualquer atividade; inversa-
mente, a imposição pode retirar o prazer também a qualquer uma. Parece
impossível definir substancialmente o que é brincar: a natureza do compro-
misso com que é realizada transforma-a sutilmente em trabalho.

Resulta daí um paradoxo que pode levar os próprios defensores da pe-


dagogia do brinquedo a traírem seus próprios fins, quando o adulto se julga
autorizado a impor atividades, por ele consideradas prazerosas. Os “convites”

166
Jogos e brincadeiras

para participar de uma “brincadeira” são frequentemente convocações que


não preveem a recusa.

Parece, pois, necessário, ao pensar a educação pelo jogo, refletir simultane-


amente sobre a educação pelo trabalho, enfrentando o preconceito que entre
nós, por graves razões sociais, separa as ideias de infância da de trabalho.

Os fantasmas da exploração infantil e da consequente perda do direito à


educação escolar nos têm levado a deixar de lado as belas concepções de edu-
cadores como Freinet, Dewey, Makarenko, para os quais o trabalho, dentro do
ambiente escolar, pode constituir-se em poderoso instrumento educativo.

Esse esquecimento tem um efeito perverso: obrigada a absorver toda a


tarefa da Educação Infantil, a pedagogia do jogo se vê ameaçada de perder
o que tem de essencial, ameaçada por práticas utilitaristas e autoritárias. A
oferta do prazer parece constituir nova justificativa para a imposição adulta,
caracterizando a nova face, insidiosa e disfarçada, do autoritarismo.

É claro que substituir “prazer” por “liberdade” não facilita em nada a tarefa
de definir o lúdico. Nos dicionários filosóficos, liberdade confina com “onipo-
tência”, por um lado, e com “consciência” e racionalidade, por outro, tornan-
do inviável qualquer tentativa de entender a noção em sentido absoluto. Se
modestamente nos contentarmos em empregá-la com o sentido de alguma
possibilidade de escolha, teremos que nos referir a graus de liberdade que
começam com a possibilidade de recusar o convite adulto, e se ampliam na
medida em que se multiplicam as alternativas de atividade. Em uma sala
vazia, uma criança não pode exercer atividade livre; sua liberdade cresce
na medida em que lhe são oferecidas possibilidades de ação, isto é, opções.
Nesse sentido, a liberdade da criança não implica no aumento das ofertas
adequadas às suas competências em cada momento do desenvolvimento.
Povoar o espaço com jogos viáveis, passíveis de utilização autônoma, requer
um alto grau de conhecimento psicogenético.

Não estou afirmando que nenhuma atividade deve ser imposta: o equi-
líbrio entre o livre e o imposto precisa ser encontrado. Apenas digo que a
atividade imposta é trabalho, o que resulta simultaneamente em duas exi-
gências: a de não descaracterizar, poluir mesmo, o clima lúdico com a insin-
ceridade e a coação, e a de enfrentar a necessidade de incluir, desde o início,
a atividade instrumental e produtiva, ao lado da atividade lúdica, na educa-
ção. A dialética jogo-trabalho é indispensável à saúde de ambas as práticas:

167
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

pode resgatar a liberdade do jogo e o prazer do trabalho. Como sempre, as


próprias crianças sinalizam isso ao adulto sensível: não é rara a experiência
de, ao fabricar, com elas, o material para a realização de um jogo, vê-las mais
interessadas na produção do que na sua utilização posterior.

Dicas de estudo
Sobre jogos e brincadeiras recomendo a leitura complementar de dois
livros:

FRIEDMANN, Adriana et al. O Direito de Brincar: a brinquedoteca. São Paulo:


Scritta: ABRINQ, 1992. Aborda o direito de brincar, a vida na brinquedoteca e
como tornar a brinquedoteca uma realidade.

SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: sucata vira brinquedo. Porto
Alegre: Artmed, 1995. Você encontrará orientações claras e ilustradas sobre
como organizar esse espaço lúdico, com materiais atraentes e educativos com
baixo custo.

Atividades
1. Explique por que brincar é tão importante para a criança pequena.

168
Jogos e brincadeiras

2. De uma forma sucinta explique o papel do professor com relação aos jogos
e brincadeiras na Educação Infantil.

169
A disciplina na
Educação Infantil

Nesta aula, vamos apresentar um tema também muito importante


para a Educação Infantil que é a disciplina. Além das brigas, em uma sala
de aula é bastante comum ouvirmos reclamações das crianças ou todos
falando, gritando ou pedindo ajuda ao mesmo tempo. Quem de vocês
nunca presenciou uma cena destas? Temos também as crianças desaten-
tas que se distraem com tudo. E as crianças que se mexem demais, que
não param um só instante!

Ao pensarmos sobre como trabalhar a disciplina quando estamos li-


dando com crianças pequenas, precisamos analisar alguns aspectos: a
idade específica dessas crianças e, consequentemente, quais são as suas
capacidades e como iremos organizar as atividades que pretendemos re-
alizar. Assim, certamente, teremos uma maior participação.

Para Lenice Frazatto, em seu texto “Pensando a disciplina”, as crianças


da creche e pré-escola ainda não conseguem ficar paradas por muito
tempo, ouvindo longas explicações ou esperando para receber o material
que vão trabalhar. É interessante que, ao propor uma atividade, o profes-
sor já tenha preparado o material e o ambiente em que trabalhará com o
grupo e, sobretudo, seja objetivo e claro ao falar para as crianças que tipo
de atividade realizarão e como devem se comportar. Além disso, temos
que pensar o tempo de duração das atividades para as crianças dessa faixa
etária. Como a curiosidade é grande, elas estão constantemente se inte-
ressando por outras coisas e não podemos esquecer que a criança apren-
de agindo, brincando e se movimentando no espaço.

Além disso, a convivência necessita do estabelecimento de algumas


regras.

Regras de convivência
Essas regras vão auxiliar a criança na compreensão de como agir em
diferentes situações do seu dia a dia. É, portanto, responsabilidade do
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

professor explicar e aplicar algumas regras para os seus alunos. Os momentos


de conversa com todo o grupo, tais como as conversas de roda, são oportuni-
dades que merecem ser aproveitadas para a definição de regras essenciais, tais
como respeitar a vez do outro falar, como usar o banheiro etc. Após a discussão
e a conclusão do grupo, é interessante que essas regras sejam regis­tradas e que
fiquem disponibi­lizadas para todos, assim, quem precisar poderá recorrer ao
que foi predeterminado.

A autora.
Observem o cartaz preso na parede indicando o estabelecimento de algumas
regras de convivência. (Scuola Materna Anderlini – Modena – Itália).

Lenice Frazatto (1998) reforça o quanto é importante sabermos que quando


a criança participa da construção de regras, aprende a ser parte de um grupo, ao
mesmo tempo em que desenvolve sua autonomia. Mas, para isso, é necessário
que o professor tenha segurança sobre os limites da criança para cumprir essas
regras. Precisa também ser franco com as crianças, explicando porque algo pode
ou não ser feito. Não é preciso abrir mão da sua autoridade, mas é importante não
ser prepotente ou desvalorizar a criança que deixe de cumprir alguma regra.

Normas de convivência, hábitos de higiene e organização acompanham


sempre adultos e crianças durante a realização de qualquer tipo de atividade.
O professor precisa ter consciência que essas questões precisarão ser discutidas
muitas vezes com as crianças. Trata-se de um processo de interiorização, no qual
a criança aprende com o tempo e com a repetição. Por isso, é preciso ter paciên-
cia, constância e firmeza.

172
A disciplina na Educação Infantil

Não podemos deixar de lembrar que o exemplo dos pais e dos professores é
fundamental. A partir dele, as crianças se baseiam para construir as suas próprias
relações sociais.

Sempre que pensamos sobre disciplina, pensamos também sobre os limites.

É comum ouvirmos pais e educadores perguntando-se: quando e como colo-


car limites para as crianças? A insegurança é normal e é difícil alcançar o equilí-
brio entre a liberdade e a rigidez. É claro que também nesse caso não existe uma
receita a ser seguida. Mas podemos dizer que bom senso, equilíbrio, segurança
e clareza são fundamentais.

E o que são os limites? É quando definimos o que pode e o que não pode ser
feito em diferentes situações. Coloca-se limites quando se diz que não se pode atra-
vessar a rua correndo, nem se debruçar em uma janela, ou quando os pais mandam
seus filhos tomar banho ou arrumar a cama. Porém, no cotidiano, sabemos que nem
sempre as crianças seguem o que foi determinado. Como agir então?

É comum alguns pais comentarem que as crianças são mais obedientes na


escola do que em casa e, geralmente, eles querem saber porque isso acontece. É
que são dois diferentes ambientes sociais, as relações afetivas também são dife-
rentes e influenciam a forma como a criança vai reagir diante dos limites impos-
tos a ela. Cabe ressaltar aqui a importância da integração entre pais e professores.
A compreensão do trabalho pedagógico e da linha de pensamento educacional
da família é fundamental para todos: criança, educador e pais.

Conclui-se que os limites são fundamentais para todas as crianças, mas que
se deve saber como apresentá-los, considerando a sua idade, o seu modo de ser
e a situação específica.

À medida que os limites forem definidos com clareza e com a possibilidade


de serem cumpridos pela criança, o adulto estará pondo em prática a sua autori-
dade sem se transformar em um ditador.

E agora vamos falar um pouco sobre autonomia e liberdade.

Segundo Constance Kamii (BRASIL, 1995b), a essência da autonomia é que as


crianças se tornem aptas a tomar decisões por si mesmas. Mas a autonomia não
é a mesma coisa que a liberdade completa. Autonomia significa levar em con-
sideração os fatores relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos.
Não pode haver moralidade quando se considera apenas o próprio ponto de
vista. Quando uma pessoa leva em consideração o ponto de vista das outras, não
está mais livre para mentir, quebrar promessas e ser leviana.
173
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

No livro Creches: crianças, faz de conta & cia, a educadora Zilma de Oliveira e
sua equipe falam que:
As crianças devem e podem ter acesso a todos os objetos e locais da creche. Mas para que
isso aconteça é preciso permitir. Assim, elas podem fazer incursões na cozinha, conhecendo
como se prepara os alimentos e até auxiliando a cozinheira no enfeite de um bolo ou na
separação dos talheres. Podem também aprender muito com o(a) faxineiro(a) usando uma
vassoura pequena para ajudá-lo na limpeza. São sempre curiosas para saber como o zelador
corta a grama, ou a lavadeira pendura as fraldas nos varais. Evidentemente, não é possível
permitir trânsito livre a qualquer momento para todas as pessoas que convivem na creche. É
preciso que a criança aprenda os limites da instituição e do outro, para que ela desenvolva uma
autonomia responsável. Não é possível exigir das crianças nos primeiros quatro anos de vida
que se ajustem a regras que não são capazes de cumprir, nem a uma disciplina a qual não estão
preparadas para assimilar e muito menos que tal disciplina se assemelhe à disciplina escolar.
(OLIVEIRA et al., 1992, p. 99)

Castigos e recompensas
Constance Kamii fala que:
Se queremos que as crianças desenvolvam a autonomia moral, devemos reduzir nosso poder
adulto, abstendo-nos de usar recompensas e castigos e encorajando-as a construir por si
mesmas seus próprios valores morais. Por exemplo, a criança terá a possibilidade de pensar
sobre a importância da honestidade somente se, ao invés de ser punida por contar mentiras,
ela for confrontada com o fato de que outras pessoas não podem acreditar ou confiar nela.
(BRASIL, 1995b, p. 73)

Porém, sabemos que, na nossa vida cotidiana, é impossível evitarmos total-


mente os castigos, principalmente porque, em muitos casos, existe até o risco
de vida das crianças, como, por exemplo, o perigo de brincar com o fogo ou de
debruçar em uma janela de um andar alto em um edifício. O ideal é que não
precisemos punir a criança e sim, consigamos fazê-la compreender o porquê da
proibição. O mesmo ocorre com relação às recompensas, que também não de-
veriam ser utilizadas. A criança não precisa ser recompensada com um presente
ou com um elogio por aquilo que ela fez. O prazer de agir corretamente já é o
suficiente para ela.

Vamos encerrar esse tema falando sobre a experiência da Escola de Sum-


merhill e para isso nos basearemos no livro Liberdade sem Medo de Alexander
Neill (1980).

Summerhill
A escola de Summerhill foi fundada em 1921 e está situada na aldeia de
Leiston, na Inglaterra.
174
A disciplina na Educação Infantil

Alexander Neill e sua esposa, quando começaram a escola, tinham como ideia
principal fazer com que a escola se adaptasse às crianças, em lugar de fazer com
que as crianças se adaptassem à escola. Resolveram, então, fazer uma escola na
qual dariam às crianças a liberdade de serem elas próprias. Para fazer isso, tive-
ram de renunciar inteiramente à disciplina, à direção, à sugestão, ao treinamento
moral e à instrução religiosa.

Para Neill, Summerhill começou como uma escola experimental e agora é


uma escola de demonstração, pois comprova que a liberdade funciona.

A escola tem em média 45 alunos e as crianças são divididas em 3 grupos


etários. O mais novo vai dos 5 aos 7 anos, o intermediário dos 8 aos 10 e o mais
velho dos 11 aos 15. As crianças moram lá.

Eles são contra a escola que faz com que alunos ativos fiquem sentados nas
carteiras, estudando assuntos em sua maioria inúteis. Por isso, a frequência às
aulas é opcional. As crianças podem comparecer ou não, e isso durante anos, se
assim o desejarem. Há um horário, mas só para os professores. As crianças têm
aulas, habitualmente, de acordo com a sua idade, mas, às vezes, de acordo com
os seus interesses.

Segundo Neill, as crianças que entram em Summerhill pequenas assistem


às aulas desde o início, mas alunos provenientes de outras escolas juram que
jamais tornarão a aprender lições estúpidas em suas vidas. Brincam, andam de
bicicleta, mas não vão às aulas. Em geral, isso dura alguns meses. O tempo de
recuperação é proporcional ao ódio que trazem com relação à última escola que
frequentaram.

Para eles, o ensino em si mesmo não é tão importante quanto a personalida-


de e o caráter.

Em Summerhill, todos têm direitos iguais. Ninguém pode usar o piano de


cauda do Neill sem pedir a ele, e ele não tem licença para usar a bicicleta de um
dos garotos sem a sua permissão. Na Assembleia Geral da Escola, que acontece
todos os sábados à noite, o voto de uma criança de 5 anos conta tanto quanto o
voto do Neill que é o diretor.

A pergunta mais comum que os visitantes fazem é: “Mas a criança um dia não
se voltará contra a escola, culpando-a por não a ter feito estudar Matemática ou
Música?” A resposta é que a função da criança é viver sua própria vida, não a vida
que seus pais, angustiados, pensam que elas devem levar.

175
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Neill acredita que Summerhill é a escola mais feliz do mundo, onde as crianças
são saudáveis, livres e cujas vidas não estão contaminadas pelo medo e pelo ódio.

Texto complementar
Sobre a disciplina
(BETTELHEIM, 1988, p. 90-91)

[...] Uma criança fica mais impressionada com seus pais quando estes
agem naturalmente, sem ligar para o efeito; e o exemplo de autorrespeito é
tão irresistível que uma criança dificilmente pode evitar o desejo de emular
seus pais. Um pai que se respeita não precisa reforçar sua segurança, exigin-
do respeito de seu filho. Seguro de si, não se sentirá ameaçado em sua autori-
dade e aceitará que seu filho – por vezes – mostre falta de respeito para com
ele, sobretudo como as crianças pequenas tendem ocasionalmente a fazer.
Ele sabe que, se isso acontece, é devido à imaturidade de julgamento que o
tempo e a experiência por vezes corrigirão. Por outro lado, uma exigência de
respeito revela à criança um pai inseguro a quem falta a convicção de que
isso lhe será dado naturalmente. O que é exigido é dado, quando o é, de
má vontade, e é sempre experimentado, consciente ou inconscientemente,
como proveniente da insegurança interior da pessoa que exige. Quem gos-
taria de se formar à imagem de uma pessoa assim? Infelizmente, o filho de
pais inseguros quase sempre cresce como eles. Mesmo que ele não internali-
ze e, portanto, não adote a atitude de seus pais, a falta de pais autoconfiáveis
é suficiente para fazer a criança transformar-se num adulto inseguro.

Toda vez que um pai prega aquilo que não pratica, a lição fracassará re-
dondamente, no sentido de que não se generalizará além da instância espe-
cífica. Na verdade, quanto menos deliberada for a instrução dada pelo pai e
quanto mais ele viver consistentemente de acordo com seus próprios valo-
res, de forma natural, melhor.

[...] É instrutivo comparar os diferentes modos pelos quais os japoneses


e os ocidentais ensinam a seus filhos – controle baseado nas ordens pater-
nas, em nossa cultura; autocontrole baseado em seu próprio raciocínio, no
Japão. Recentemente, foi empreendido um estudo para descobrir por que os
jovens japoneses superavam os americanos academicamente. A compara-

176
A disciplina na Educação Infantil

ção de métodos de ensino, materiais etc., não forneceu qualquer pista; mas
quando os pesquisadores formularam a pergunta sobre controle paterno
ficou visível que havia divergências culturais radicais que pareciam explicar
as diferenças na realização acadêmica. Quando crianças ocidentais corriam
de um lado para o outro em supermercados, suas mães, frequentemente
demonstrando aborrecimento, lhes diziam: “Pare com isso,” quando não gri-
tavam com os filhos. No melhor dos casos, uma mãe diria: “Eu lhe disse para
não se comportar dessa maneira!” Uma mãe japonesa abstém-se tipicamen-
te de dizer ao filho o que fazer. Ao invés disso, perguntar-lhe-á: “Como é que
você acha que o dono se sente quando você corre de um lado para outro em
sua loja?” ou “Como é que você imagina que eu me sinto?”

Similarmente, uma mãe ocidental mandará seu filho comer alguma coisa,
ou lhe dirá que deve comê-la porque é bom para ele, enquanto uma mãe
japonesa perguntará: “Como é que você acha que se sente o homem que
cultivou esses legumes para você comer, quando você os rejeita?” ou “Como
é que você acha que se sentem essas cenouras que cresceram para você co-
mê-las, quando você não as come?” Assim, desde tenra idade diz-se à crian-
ça ocidental o que fazer, enquanto a criança japonesa é encorajada não só
a considerar os sentimentos dos outros – parte importante da socialização
japonesa, bem menos importante na socialização ocidental e, portanto, nos
preocupando menos aqui – mas a refletir sobre o seu comportamento, ao
invés de limitar-se a obedecer ordens.

Dica de estudo
Há um artigo intitulado “Escola da Ponte: o castigo é ficar a reflectir!!!” em que
se fala como a disciplina é tratada na Escola da Ponte em Portugal. É apenas uma
breve abordagem, mas que pode levantar muitos questionamentos e até a von-
tade de conhecer mais sobre essa escola. Para ter acesso ao texto, basta procu-
rar no seguinte endereço eletrônico: <http://professorasdesesperadas.blogspot.
com/2005/12/escola-da-ponte-o-castigo-ficar.html>.

177
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Atividades
1. No que o professor precisa pensar para trabalhar a disciplina na Educação
Infantil?

2. É possível definirmos limites para crianças pequenas? Como fazê-lo?


178
A disciplina na Educação Infantil


179
As políticas de formação
de professores para a Educação Infantil

Antes de começarmos a apresentar o assunto específico desta aula,


gostaria de explicar porque uso a denominação professor e não educador.
Até há alguns anos, utilizava sempre o termo educador para o trabalho
na Educação Infantil; achava que ele tinha um significado mais amplo,
que considerava a educação da criança de forma mais integral, e também
porque tinha receio que junto com a palavra professor viesse a ideia de
ensino fundamental, ou seja, que a educação baseada nos moldes da
escola para crianças do 1.º ao 5.º ano seria trazida para a Educação Infantil.
Por isso, defendia o uso do termo educador. No entanto, ouvi de colegas
uma outra justificativa para o uso da palavra professor. Trata-se de con-
templarmos toda uma história de lutas pela valorização da profissão e da
categoria profissional. O profissional de Educação Infantil, caso não fosse
considerado professor, deixaria de integrar esse grupo, perdendo as con-
quistas já realizadas e lutando sozinho por avanços comuns tão necessá-
rios. A questão da função educacional das instituições de atendimento a
crianças de 0 a 5 anos e a consequente influência na formação do profis-
sional que irá atuar nessa etapa da educação básica deve continuar a ser
discutida, mas não precisa necessariamente alterar o nome desse profis-
sional. Portanto, hoje, utilizo e defendo a nomenclatura professor para a
Educação Infantil.

Mas, vamos agora à situação da formação dos professores no Brasil.

No texto “Situação atual da Educação Infantil no Brasil”, escrito em


1998 por Angela Barreto, na época Coordenadora-geral de Educação
Infantil do MEC, afirma-se que, embora não existam dados completos
sobre os profissionais que atuam em creches e pré-escolas, diagnósticos
mostram que muitos desses profissionais não têm formação adequada,
recebem baixos salários e trabalham sob condições precárias. Estima-
-se que um percentual significativo dos que atuam em creches não tem
sequer o ensino fundamental e, em algumas capitais onde foram le-
vantados esses dados, o percentual foi de 35%. Imaginem, então, o que
acontecia no interior do Brasil.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Ainda neste documento, apresenta-se uma tabela (de 1996) com algumas in-
formações sobre os docentes que atuam na pré-escola.

1.º grau incompleto 1.º grau 2.º grau 3.º grau


Pré-escola 7,38% 8,69% 65,68% 18,25%

Vamos agora ver os dados apresentados pelo Censo Escolar de 2005 com
relação ao nível de formação dos profissionais com função docente no Brasil:

Curso Curso
Ensino Médio Ensino Superior
Fundamental Fundamental TOTAL
Completo Completo
Incompleto Completo
Creches 1402 1,62% 3686 4,27% 56166 65% 25078 29% 86332 100%
Pré-escolas 1300 0,42% 6097 1,97% 178187 56,6% 123760 40% 309344 100%

Pode-se perceber que durante esses nove anos (1996-2005), houve uma sig-
nificativa melhora com relação à formação dos professores que atuam nas pré-
-escolas, porém, assim como o número de matrículas das crianças na Educação
Infantil, a formação dos profissionais ainda precisa progredir muito.

Agora, podemos conhecer as leis nacionais sobre formação de professores


da Educação Infantil. Como essa questão é matéria de uma disciplina específica,
vou apenas explicitar o que define a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal (LDB), que é a nossa lei maior da educação.

Ela determina o seguinte:


Título VI, art. 62

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso
de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas
quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade
Normal.

Considerando a necessidade de um período de transição que permita incor-


porar os profissionais cuja escolaridade ainda não é a exigida e buscando propor-
cionar um tempo para adaptação das redes de ensino, essa mesma Lei dispõe:
Título IX, art. 87, § 4.º

Até o fim da década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível
superior ou formados por treinamento em serviço.

A lei não é absolutamente clara como deveria ser, deixando espaço para di-
ferentes interpretações. Após anos de discussão entre educadores, de como de-

182
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

veria ser a formação de nossos professores, o MEC iniciou uma série de reformu-
lações nos cursos de Pedagogia e acabou por excluir os Institutos Superiores de
Educação e o Curso Normal Superior.

A estrutura na qual estão organizados os atuais cursos de Pedagogia foi


definida em maio de 2006, quando o Conselho Nacional de Educação, instituiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura. Tais diretrizes aplicam-se à formação inicial para o exercício da
docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos
cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profis-
sional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais
sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

Voltando um pouco na história, podemos observar que a aprovação da Cons-


tituição de 1988, que reconheceu a Educação Infantil como parte integrante da
educação básica, com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, que re-
forçou o direito da criança de poder frequentar creches e pré-escolas, e com a
LDB, fez-se um marco histórico em termos legais, dando um impulso com rela-
ção às políticas públicas de Educação Infantil.

O Governo Federal, por meio do MEC e da Coordenação de Educação Infantil,


assumiu a sua responsabilidade e passou a organizar encontros, elaborar docu-
mentos e revistas com a participação de intelectuais e pesquisadores de renome
na área. Isso se deu especialmente entre 1994 e 1998. Durante esse período,
alguns importantes documentos foram elaborados, e quase todos destacam a
formação dos professores.

Em 1994, é divulgado um documento intitulado Política de Educação Infantil,


no qual são apresentadas as diretrizes gerais que orientarão as ações de Edu-
cação Infantil. Essas diretrizes estão organizadas em dois aspectos: as diretrizes
pedagógicas e as diretrizes para uma política de recursos humanos. Esta segun-
da diretriz, que é a que nos interessa nesse momento, apresenta as seguintes
ideias:

1) O profissional de Educação Infantil tem a função de educar e cuidar, de


forma integrada, da criança na faixa etária de zero a seis anos de idade.

2) A valorização do profissional de Educação Infantil, no que diz respeito às


condições de trabalho, plano de carreira, remuneração e formação, deve
ser garantida tanto aos que atuam nas creches quanto nas pré-escolas.

183
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

3) Formas regulares de formação e especialização, bem como mecanismos


de atualização dos profissionais de Educação Infantil, deverão ser assegu-
rados.

4) A formação inicial, em nível médio e superior, dos profissionais de Edu-


cação Infantil deverá contemplar em seu currículo conteúdos específicos
relativos a essa etapa educacional.

5) A formação do profissional de Educação Infantil, bem como a de seus for-


madores, deve ser orientada pelas diretrizes expressas neste documento.

6) Condições deverão ser criadas para que os profissionais de Educação In-


fantil que não possuem a qualificação mínima, de nível médio, obtenham-
-na no prazo máximo de 8 (oito) anos.

Apesar de nem todas essas ideias terem sido colocadas em prática, pode-
-se dizer que entre 1994 e 1998 houve uma maior mobilização com relação à
Educação Infantil do que no período posterior a 98. Isso aconteceu porque esses
encontros e publicações acabaram por estimular a constante discussão, atrain-
do mais a atenção dos educadores em geral e, principalmente, a opinião da so-
ciedade. Outro aspecto importante a ser observado no caminhar da Educação
Infantil é que essas políticas apresentadas não se caracterizam mais por ações
de caridade e voluntarismo, pelo menos é possível concordarmos com as ideias
ali expressas.

Mas, voltando às políticas do MEC, em abril de 1994 foi realizado um Encon-


tro Técnico sobre a Política de Formação do Profissional de Educação Infantil,
em Belo Horizonte. Dele participaram especialistas, profissionais do sistema de
ensino, universidades, agências de formação, organizações que atuam na área e
representantes dos conselhos de educação de âmbito federal e estadual. Fruto
desse encontro, foi publicado um documento chamado “Por uma política de for-
mação do profissional de Educação Infantil” (popularmente conhecido como o
Caderno Rosa, devido à cor da sua capa).

A realização desse encontro e a consequente publicação do documento foi


justificada em sua introdução, como resposta às diretrizes definidas na Política
de Educação Infantil. Vamos ver o texto propriamente dito:
[...] uma das ações prioritárias explicitadas na Política de Educação Infantil é a promoção da
formação e valorização dos profissionais da área, o que exige acordos e compromissos entre
as instâncias que prestam esse serviço, as agências formadoras e as representações desses
profissionais. Ao MEC cabe o papel de articulação e coordenação, além do apoio técnico e
financeiro a ações desenvolvidas nessa direção. (BRASIL, 1994b)

184
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

É importante observar que o MEC assume o seu papel. E, ao menos naquele


momento, estava tentando colocá-lo em prática.

Os temas apresentados e debatidos naquele encontro abordavam a relação


entre o currículo de Educação Infantil e a formação dos profissionais, o perfil e a
carreira do profissional da área e as alternativas para a sua formação nos cursos
de Ensino Médio, Supletivo e Ensino Superior e nos programas de capacitação
em serviço. Além das palestras realizadas, também aconteceram vários relatos
de experiências.

Outro importante documento do MEC, e que contempla a questão da forma-


ção dos professores, chama-se “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação
Infantil”. Publicado em 1996, trata-se de uma análise produzida por uma equipe
de trabalho, formada pelos próprios técnicos do MEC, todos com experiência
na área, e por cinco consultores, especialistas em Educação Infantil. Foram ana-
lisadas propostas pedagógicas e currículo para a educação da criança pequena
das diferentes regiões do país. Concluiu-se que, de um modo geral, as propostas
pedagógicas e os currículos não explicitam uma política articulada de recursos
humanos. Alguns nem ao menos fazem referência à sua necessidade, outros res-
saltam sua importância e, ainda, apontam diretrizes para a sua formulação. En-
tretanto, a maioria dessas situações não apresenta medidas concretas, alternati-
vas ou sugestões para a viabilização dessa política, tampouco menciona quem
serão seus formuladores, apenas evidencia sua existência.

Nas visitas realizadas pela equipe técnica, constatou-se que há ainda uma
situação bastante precária no que se refere aos profissionais que atuam mais di-
retamente com as crianças nas creches. Esses possuem, em sua maioria, apenas
o ensino fundamental. Muitos são bolsistas, sem vínculo empregatício algum.
Mesmo quando existe um plano de cargos e salários, o que sem dúvida significa
um avanço, a remuneração é baixa em relação à carga horária de trabalho exigi-
da. Acrescente-se a isso a contradição vivida por esses profissionais, ao convive-
rem, num mesmo espaço, com professores vinculados às secretarias de educa-
ção, que trabalham em classes de pré-escola nas creches, com melhor situação
funcional e trabalho diferenciado, tanto no que se refere à carga horária quanto
às atribuições.

Um aspecto interessante que foi constatado é que as poucas propostas que


vinculam salários à formação são as únicas que apresentam também um proje-
to de qualificação permanente de seus profissionais. Dessa maneira, mesmo que
de forma menos frequente e pouco sistemática, há uma busca das secretarias de
formarem, em serviço, seus professores. Ressalta-se a importância dessa iniciativa,
185
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

principalmente quando se leva em consideração a quase inexistência de cursos re-


gulares que habilitam os profissionais para a especificidade da Educação Infantil.

Ainda nas visitas, observou-se outra situação que revela precariedade: são os
recursos materiais e a dificuldade de acesso aos bens culturais por parte dos pro-
fessores/educadores. Em apenas alguns locais, os profissionais recebem material
de apoio ao seu trabalho, bem como publicações específicas sobre a produção
científica na área da Educação Infantil para compor a biblioteca de suas institui-
ções, além de videotecas à sua disposição.

No documento, há, no capítulo “Conclusões e Recomendações”, a questão


da formação aparecendo no item “Entraves e Dificuldades”, fazendo referência
à mobilidade/rotatividade dos profissionais que atuam na área. Essa situação
acarreta descontinuidade no processo formativo dos próprios profissionais e das
crianças. O outro ponto é quanto a não definição de responsabilidades na formu-
lação e na implementação de uma política de recursos humanos. Ou seja, nin-
guém sabe a quem cabe a responsabilidade de formar os profissionais. Também
se observou a inexistência de especificidade, nos concursos públicos, no que
concerne à Educação Infantil. Essa circunstância gera as conhecidas diferenças
entre os níveis de formação dos profissionais (monitores, recreadores, agentes
comunitários, atendentes etc. e os professores – geralmente de pré-escolas). Isso
foi observado em 1996, e ainda em 2009 continuamos a ver essas distorções.

Ainda no mesmo capítulo, mas no item “Algumas Recomendações”, das seis


recomendações feitas pela equipe de pesquisadores, quatro estão voltadas para
a questão da formação. São elas:

 Que as equipes das secretarias busquem caminhos para a sua qualifi-


cação profissional, tanto no que tange à especificidade pedagógica da
Educação Infantil, quanto no que se refere à sua gestão.

 Que sejam criados cursos de suplência ou outros que viabilizem a pro-


fissionalização dos educadores de creche que ainda não completaram
sua formação regular.

 Que nos concursos públicos para seleção de profissionais seja consi-


derada a especificidade da Educação Infantil.

 Que sejam criados mecanismos efetivos de fixação dos educadores no


âmbito da Educação Infantil, diminuindo a rotatividade desses profis-
sionais.

186
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

Essas recomendações são importantíssimas e precisamos segui-las tendo em


vista a necessária e urgente qualificação da Educação Infantil no Brasil.

Em dezembro de 1997, o MEC apresenta aos educadores um documento pre-


liminar para discussão sobre o tema, intitulado “Referencial Pedagógico-Curri-
cular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Ini­ciais do
Ensino Fundamental”.

Essa versão preliminar é definida como uma ação inicial de um processo de in-
terlocução com a comunidade educacional, pretendendo oferecer aos sistemas
estaduais e municipais de ensino uma meta de qualidade para a intervenção na
formação de professores. Esse documento foi organizado em quatro partes que
abordam os seguintes aspectos:

 1.ª parte: análise da situação atual da formação de professores.

Nessa parte, discute-se aspectos sobre a formação de nível médio, suas


propostas e suas grades curriculares, além da situação da formação do-
cente e da nova LDB.

 2.ª parte: repensar a formação de professores.

São discutidas questões como a natureza do trabalho do professor, o


professor prático-reflexivo, a formação e o desenvolvimento profissional
permanente, os pressupostos metodológicos da formação profissional, a
avaliação no processo de formação, o uso de recursos para potencializar a
formação de professores, a formação inicial, a formação continuada, a or-
ganização institucional das escolas de formação de professores, a constru-
ção de uma cultura profissional e alguns apontamentos sobre formação a
distância.

 3.ª parte: delineamentos de uma proposta de referencial pedagógico-


-curricular para a formação inicial de professores.

Constam as funções do professor, os objetivos gerais da formação de pro-


fessores da Educação Infantil e Séries Iniciais, e os âmbitos de conheci-
mento da formação de professores.

 4.ª parte: critérios para organização institucional e curricular da formação


de professores.

Esses critérios subdividem-se em: critérios para a formação inicial e para a


formação continuada.

187
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Em 1998, o MEC publicou o “Referencial Nacional para a Educação Infan-


til”, onde a questão da formação dos professores não teve destaque, havendo
apenas duas páginas que tratam sobre o professor e o seu perfil profissional.

Outro documento, também elaborado pelo MEC, e de grande importância


no cenário da educação infantil brasileira, foi publicado em 2006 e chama-se
“Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis
anos à Educação”. A intenção é de contribuir para um processo democrático de
implementação das políticas públicas para as crianças de zero a seis anos. 

Entre as diretrizes definidas pela Política Nacional de Educação Infantil, en-


contramos algumas voltadas diretamente à formação e à atuação do profissio-
nal que trabalha em creche/pré-escola, são elas:

 As professoras e professores e os outros profissionais que atuam na Educa-


ção Infantil exercem um papel socioeducativo, devendo ser qualificados
especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças de 0
a 6 anos.

 A formação inicial e a continuada das professoras e professores de Educa-


ção Infantil são direitos e devem ser asseguradas a todos pelos sistemas
de ensino com a inclusão nos planos de cargos e salários do magistério.

 Os sistemas de ensino devem assegurar a valorização de funcionários


não docentes (funcionários que não atuam em salas de atividades com
as crianças) que atuam nas instituições de Educação Infantil, promovendo
sua participação em programas de formação inicial e continuada.

 O processo de seleção e admissão de professoras e professores que atuam


nas redes pública e privada deve assegurar a formação específica na área
e mínima exigida por lei. Para os que atuam na rede pública, a admissão
deve ser por meio de concurso.

Já nos objetivos propostos pela política nacional de educação infantil, os pro-


fessores e a sua formação também são contemplados:

 Assegurar a valorização das professoras e professores de Educação Infan-


til, promovendo sua participação em Programas de Formação Inicial para
professores em exercício, garantindo, nas redes públicas, a inclusão nos
planos de cargos e salários do magistério.

188
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

 Garantir a valorização das professoras e professores da Educação Infantil


por meio de formação inicial e continuada e sua inclusão nos planos de
carreira do magistério.

 Garantir, nos programas de formação continuada para professoras e pro-


fessores de Educação Infantil, os conhecimentos específicos da área de
Educação Especial, necessários para a inclusão, nas instituições de Educa-
ção Infantil, de alunos com necessidades educacionais especiais.

 Garantir a valorização dos funcionários não docentes que atuam na Edu-


cação Infantil.

 Garantir a inclusão dos professores de Educação Infantil nos planos de car-


gos e salários do magistério.

Nas metas apresentadas, encontramos os seguintes itens que se referem aos


professores:

 Admitir somente novos profissionais na Educação Infantil que possuam a


titulação mínima em nível médio, modalidade Normal.

 Formar em nível médio, modalidade Normal, todos os professores em


exercício na Educação Infantil que não possuam a formação mínima exi-
gida por lei.

 Extinguir progressivamente os cargos de monitor, atendente, auxiliar, entre


outros, mesmo que ocupados por profissionais concursados em outras se-
cretarias ou na secretaria de Educação e que exercem funções docentes.

 Colocar em execução programa de formação em serviço, em cada muni-


cípio ou por grupos de município, preferencialmente em articulação com
instituições de ensino superior, para a atualização permanente e o apro-
fundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na Educa-
ção Infantil, bem como para a formação dos funcionários não docentes.

E, finalmente, nas estratégias apresentadas pela Política Nacional de Educa-


ção Infantil, lemos as seguintes propostas:

 Apoiar tecnicamente os estados, os municípios e o Distrito Federal para


que promovam a formação inicial dos professores em exercício na Educa-
ção Infantil que não possuem a formação mínima exigida por lei.

189
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Implementar o Programa de Formação Inicial para Professores em Exer-


cício na Educação Infantil (Proinfantil), incentivando a participação dos
estados, dos municípios e dos docentes.

 Colaborar para que a especificidade da Educação Infantil esteja assegura-


da no Programa Rede Nacional de Formação Continuada de Professores
da Educação Básica do Ministério da Educação.

 Implementar a Rede Nacional de Formação Continuada de professores da


Educação Básica.

 Apoiar técnica e financeiramente as secretarias estaduais e municipais de


Educação na promoção de programas de formação continuada.

 Valorizar e apoiar a formação dos professores em cursos de nível superior


com habilitação em Educação Infantil.

 Promover e apoiar financeiramente a formação em serviço dos profissio-


nais não docentes que atuam nas instituições de Educação Infantil.

 Apoiar técnica e financeiramente os municípios e o Distrito Federal para


que promovam a habilitação dos dirigentes das instituições de Educação
Infantil.

Como se pode perceber, o MEC, finalmente, preocupou-se e assumiu a sua


responsabilidade com a Educação Infantil no Brasil. Precisamos agora, acom-
panhar e reivindicar, caso necessário, a real efetivação de todas essas diretrizes,
objetivos, metas e estratégias.

De todos os itens acima citados e que constam da Política Nacional de Edu-


cação Infantil, em termos de formação dos profissionais, devemos destacar o
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício em Educação Infan-
til – Proinfantil. Percebe-se que há uma preocupação com os milhares de profis-
sionais que trabalham na Educação Infantil e que ainda não têm a formação
mínima exigida. Trata-se de um curso a distância, em nível médio e na modali-
dade Normal, em parceria com os estados e os municípios. Os objetivos a serem
alcançados pelo Proinfantil são:

 habilitar em magistério para a Educação Infantil os professores em exercí-


cio, de acordo com a legislação vigente;

 elevar o nível de conhecimento e aprimorar a prática pedagógica dos do-


centes;

190
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

 valorizar o magistério oferecendo condições de crescimento profissional


e pessoal do professor;

 contribuir para a qualidade social da educação das crianças com idade


entre 0 e 6 anos nas Instituições de Educação Infantil.

Para encerrar nossa aula, gostaria de apresentar um artigo publicado na Folha


de São Paulo, pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Na época, lembro que me deixou
esperançosa, pois pensei: ainda tem gente valorizando a Educação Infantil e, prin-
cipalmente, denunciando a falta de políticas para essa área. Vamos ler.

Texto complementar
É tão fácil aniquilar mentes brilhantes
(DIMENSTEIN, 2002)

Passei a semana inteira provocado por algumas linhas do artigo do médico


Drauzio Varella, intitulado “Raízes biológicas da violência” e publicado nesta
Folha. Ao analisar os impactos da violência no cérebro com base nas recen-
tes descobertas da neurociência, ele afirmou o que aconteceria se alguém
tapasse durante um mês o olho de uma criança recém-nascida: aquele olho
jamais teria visão.

A falta de estímulos luminosos naquele estágio de vida impede que os


neurônios formem conexões indispensáveis para a visão. Essa é a imagem
que melhor ilustra o fato, hoje inquestionável, de que a fase de vida dos
zero aos três anos é decisiva para o futuro de um indivíduo e interfere, no
mínimo, na sua capacidade de aprendizado e, por tabela, na sua produtivi-
dade profissional.

Traduzindo: assim como precisa da luz para formar a visão, a criança preci-
sa também de brincadeiras, de jogos educativos, de conversas e, mais tarde,
de ouvir histórias que a ajudem a se preparar, até mesmo neurologicamente,
para aprender – sem esses estímulos, ela vai carregar para sempre uma “defi-
ciência visual”, mesmo que os olhos funcionem perfeitamente.

Esse é um dos fatores, entre tantos, que ajudam a entender uma pesquisa
divulgada na semana passada (Indicador de Alfabetismo Funcional), basea-

191
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

da em 2 000 entrevistas realizadas em todo o país: entre os brasileiros de 15


a 64 anos, apenas 24% conseguem ler e entender um livro. Encontrou-se tal
resultado após a aplicação de testes com questões relacionadas a um texto
submetido aos entrevistados. Conclusão: o indivíduo vê, mas não enxerga.

A cadeia da ignorância no Brasil começa literalmente no berço – e só a


ignorância política explica por que a Educação Infantil (creche e pré-escola)
não está no topo da agenda nacional nem é um assunto mencionado por
nenhum (vamos repetir, nenhum) candidato a governador ou a presidente.

Vamos aos fatos.

De acordo com dados oficiais, cerca de 30% das cidades brasileiras não
têm creches; as médias nas regiões Norte e Nordeste são evidentemente
mais elevadas. Das creches existentes, apenas 24% têm fraldários. Oficinas
de arte e música, recursos pedagógicos indispensáveis, são oferecidas por só
15% dos estabelecimentos.

“Existe a noção absurda de que as crianças dessa faixa etária requerem


apenas cuidados com a saúde, com a higiene e com a educação”, comenta
Vital Didoret, especialista em Educação Infantil e integrante da Organização
Mundial para a Educação Pré-Escolar.

Isso se explica, mais uma vez, pela desinformação. Dados do Inep (Institu-
to Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais): só 11,3% dos profissionais
de creches públicas têm diploma de ensino superior. Na pré-escola (frequen-
tada por crianças de quatro a seis anos de idade), a situação é melhor, mas
apenas ligeiramente melhor: são 24% os profissionais de nível superior.

Foram matriculados nas redes públicas e particulares de Educação Infan-


til de todo o país 6 milhões de crianças. Dessas matrículas, só 18% foram para
as creches – justamente para esses estabelecimentos que deveriam cuidar
daquela fase neurologicamente relevante, de zero a três anos de idade. “As
demandas por creches são muito altas e não existe atendimento suficiente,
principalmente nas regiões em que grande parte das mulheres está no mer-
cado de trabalho”, diz Vital.

Nem precisamos ir muito longe geograficamente. Tomemos o caso da


cidade de São Paulo. De acordo com Vital, 200 mil crianças estariam sem
creche. Muitas mães nem sequer procuram pelo serviço, porque sabem que
não existem vagas.

192
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

O que temos é o seguinte: é pouca gente atendida em Educação Infantil,


muito menos nas creches. Quem é atendido é, no geral, mal atendido: as
instalações são precárias, os profissionais são despreparados, falta material
pedagógico. É o tal olho tapado.

Agregue-se a isso o fato de as famílias das crianças de baixa renda terem


baixo repertório cultural, não terem o hábito de leitura – até porque, como
mostrou a pesquisa da semana passada, sabem ler, mas não entendem o
que leem. Com frequência, crianças pequenas cuidam em casa das crianças
ainda menores.

Da educação pré-escolar, o estudante sem recursos vai para um ensino


público que está longe, muito longe de resolver os buracos que já vieram do
berço. Na maioria das vezes, consegue até mesmo ampliá-los.

Não é preciso ter uma mente brilhante para perceber que a miséria e a
desigualdade social se reproduzem na oportunidade que alguém, ao nascer,
tem ou não de “ver” novas perspectivas. Como a cegueira intelectual não é
privilégio dos mais pobres, o tema da educação de zero a seis anos ainda
está na escuridão.

PS – Para quem quiser aprofundar-se no assunto, existe na página do Apren-


diz um dossiê sobre a educação pré-escolar: <www.uol.com.br/aprendiz/n_
colunas/g_dimenstein/index.html>.

Dica de estudo
É importante você fazer a leitura do Programa Inicial para Professores em
Exercício na Educação Infantil – Proinfantil, divulgado pelo MEC. Para isso, você
pode acessar o site: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/guia-
geral.pdf>.

Outra boa dica de estudo é a revista Aprender On-line, cuja versão eletrônica
está disponível em: <www.uol.com.br/aprendiz/aprenderonline>. É uma revista
bimestral, da ONG Cidade Escola Aprendiz e traz artigos, ensaios, entrevistas e
sessões sobre a educação no mundo.

193
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Atividades
1. O que diz a LDB sobre a formação de professores da Educação Infantil?

2. Em dezembro de 1997, o MEC apresenta para discussão com a comunidade


educacional um documento sobre a formação de professores. Qual é esse
documento e sobre o que ele trata?

194
As políticas de formação de professores para a Educação Infantil


195
A formação do professor

Nesta aula, vamos discutir e analisar como deve ser a formação do pro-
fessor, num sentido mais amplo.

Considero aqui tanto a formação inicial quanto a em serviço, esta


também chamada de atualização ou aperfeiçoamento. A perspectiva é a
de que nenhuma formação tem fim. Nós nos educamos e nos formamos
durante toda a vida.

Sempre que penso sobre o perfil do nosso professor, não consigo deixar
de me remeter a um livro em especial, chamado A Arte de Formar-se, escri-
to pelo teólogo e educador João Batista Libanio (2001). E nesta aula vou
me pautar fundamentalmente em aspectos apresentados por esse impor-
tante autor que, para mim, descreve a essência de uma proposta para a
formação de professores. Assim, durante este capítulo, utilizarei inúmeras
frases retiradas sempre desse livro e, por isso, citarei apenas as páginas.

Vamos começar compreendendo melhor a palavra formar. Ela traz o


termo forma ou, se quisermos, a ideia ainda mais forte fôrma. Nos dois
casos, está implícito que existe um molde anterior a ser aplicado ao aluno.
Por isso, o autor explica que tentou corrigir um pouco esta carga etimoló-
gica da palavra formar, transformando-a em formar-se. O pronome refle-
xivo se, ajuda a acabar com a ideia de passividade. Formar-se é, portanto,
um “processo educativo” que está nas mãos do próprio formando, que
respeita a sua singularidade e que busca ampliar as suas qualidades na
intenção de transformar a sociedade em que vive.

A proposta de Libanio foi inspirada, em suas grandes linhas, no relató-


rio organizado por J. Delors, a pedido da Unesco, em que são apontados
quatro pilares da formação: aprender a conhecer e a pensar, aprender a
fazer, aprender a conviver com os outros, e aprender a ser.

Como aprender a conhecer e a pensar


Como formar uma inteligência crítica, bem-estruturada, em vez de um
“armazém entulhado de conhecimentos” (p.15)?
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

A cultura da informação
Estamos diante de uma geração que tem acesso a muitas informações. Nunca
as anteriores tiveram as mesmas facilidades de informação. Em horas, ou talvez
minutos, produzem-se mais publicações que em um ano ou em décadas na
Idade Média. Um CD pode carregar uma enciclopédia. As dificuldades de infor-
mações que os escritores antigos tinham desapareceram. Hoje, nos conectamos
pela internet com mais de um bilhão de possíveis “portais” informativos. Como
afirma Libanio (2001, p.18): “A inteligência e a memória navegam com a velo-
cidade parecida com a da luz, de modo que nada se lhe adere. É pura sensa-
ção. Adrenalina em vez de pensamento”. Nesse momento, entra o que significa
aprender a conhecer, aprender a pensar.

Aprender a relacionar e a contextualizar


O segredo de aprender a conhecer é saber estabelecer relações e contextua-
lizar. É perceber que cada conhecimento pertence a um conjunto e se situa em
determinado contexto. Esse conjunto ou contexto, por sua vez, liga-se a outro
conjunto e contexto, e assim por diante. Em vez de pensar o real como pequenos
pedaços de conhecimentos, sabe-o como mosaico. Em vez de linearidade das
coisas, entende-as na sua complexidade (com + plexas = tecidas juntas).

Há um pensar e saber cada vez mais especializado, mais compartimentaliza-


do. Quanto mais as disciplinas se entregam ao trabalho de acumular conheci-
mentos, independentemente umas das outras ciências, tanto mais necessário se
torna o esforço de criar uma atitude de aprender buscando a articulação. “Com-
plexidade não significa dispersão, mas conexão entre os elementos” (p. 21).

Um especialista num só campo torna-se um “perigo” para a sociedade humana.


Edgar Morin, pensador francês, falava que “ninguém pode ser um grande econo-
mista se for somente economista” (apud LIBANIO, p. 22), “um economista que
só é economista torna-se prejudicial e pode constituir um verdadeiro perigo”
(apud LIBANIO, p. 22). Dito de uma maneira mais simples, aprender a conhecer é
a pessoa considerar-se uma ilha num arquipélago: para não ficar perdida e isola-
da, constrói tantas pontes possíveis para as outras ilhas, a ponto de perceber-se
ao final numa rede de relações de saber.

198
A formação do professor

Há ainda um outro aspecto apresentado por Libanio (2001, p. 20):


O pensamento não se perde nunca no momentâneo. Em vez de dizer que só existe o presente,
afirma-se o contrário. O presente não existe. Ele é passado condensado e é futuro anunciado.
Vê-lo sempre assim é aprender a conhecer.

Um outro segredo da arte de pensar é saber fazer-se perguntas. Pensa quem


sabe perguntar-se a si e à realidade. Onde há respostas prontas, fixas, não há
espaço para pensar. É preciso saber problematizar. O processo educativo é, pois,
o jogo de levantar perguntas, buscar respostas, e sobre elas continuar pergun-
tando. Não se trata de fazer simples perguntas informativas. Não é um exercício
formal, escolar. “A dúvida verdadeira brota de uma inteligência que percebe a
complexidade da realidade e a pequenez de suas respostas” (p. 24).

Reconhecimento de si nas obras literárias


Quantas vezes, lendo os grandes romances, poesias, ou vendo filmes clás-
sicos, acordamos para problemas fundamentais da vida humana. Aprendemos
a pensar em profundidade sobre o amor, a morte, a liberdade, o sofrimento, a
injustiça e tantas outras experiências básicas da condição humana. As obras lite-
rárias permitem que dialoguemos com elas pela leitura. “Ler é imenso privilégio.
Aprende-se a pensar lendo os pensadores” (p. 25).

A lição das coisas e dos objetos


O mundo atual tem produzido tal abundância de objetos que eles afogam
nosso sentido das coisas. Os objetos são fugazes, produzidos para satisfazer as
infinitas necessidades que temos e criamos, ora com verdade, ora artificial e da-
nosamente. Já as coisas despertam a curiosidade por conhecê-las, não simples-
mente nas suas leis físicas e químicas, mas, sobretudo, na sua simbologia.

As coisas educam-nos o sentido de observação. Isolados diante de monitores


de TV e internet, nossos sentidos vivem dos estímulos artificiais, virtuais.

“Educar a observação é caminho do pensar” (p. 26). “A maior lição das coisas
é ensinar-nos a contemplar. Só sabe conhecer e pensar quem aprendeu a con-
templar” (p. 27).

199
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Aprender a analisar e sintetizar


“Pensar é analisar e sintetizar, separar e unir” (p. 28). A inteligência analítica
procura perceber a distinção de uma coisa e outra. Procura as suas diferenças, ou
seja, as separa. A inteligência sintética tenta recuperar dessas análises os pontos
em comum, de aproximação. “Habituar-se à dialética do sim e do não, cria uma
argúcia de pensar” (p. 29).

Capacidade de relacionar
“Relacionar é superar uma visão dualista que pensa o mundo sempre dividi-
damente entre sujeito e objeto, matéria e espírito, razão e emoção, feminino e
masculino, mente e corpo, educar e aprender etc.” (p. 31). Devemos mostrar a re-
lação existente entre cada uma dessas questões, em vez de fixar-nos na ruptura,
na separação, na divisão.

Saber viver num mundo de incertezas


O mundo antigo caracterizava-se pela busca de certezas que eram dadas
pelos dogmas, pelas verdades eternas e definitivas. Ao desabar tal universo,
parecia que entrávamos em um mundo de incertezas. As ciências modernas
ocuparam este campo deixado vazio e garantiram as certezas. Tudo o que fosse
cientificamente comprovado se constituía na verdade. A palavra científico ad-
quiriu verdadeira magia. A crise da pretensão da verdade e certeza absoluta por
parte das ciências, técnicas e progresso moderno se instalou por obra da física
quântica, da teoria da relatividade, da teoria do caos, da sociologia do conheci-
mento, da psicanálise e de tantos outros fatores.

A incerteza estabeleceu-se definitivamente no campo do conhecimento.


Rompe-se a evidência da relação causa e efeito, de modo que uma causa produz
efeitos diversos conforme as circunstâncias e de forma imprevisível.

Superação do dogmatismo
Vivemos, pois, num mundo de incertezas teóricas. As teorias aproximam-se
da realidade sem nunca esgotá-las, sempre à espera de correções. Aprender a
conhecer e a pensar nesse mundo exige abandonar todo dogmatismo. Todas

200
A formação do professor

essas atitudes que nos ensinam a pensar e a conhecer implicam consequências


práticas, ou seja, conduzem-nos ao “como aprender a fazer”.

Como aprender a fazer

A perspectiva histórica
Enquanto se vive num presente, entendido como mera repetição do passado,
não se aprende ainda a fazer. Pois se faz exatamente como se vinha fazendo até
então. No momento em que, porém, perdemos a mera visão continuísta, pode-
mos fazer uma crítica ao passado. Importante é captarmos essa dinâmica, pró-
pria da modernidade que é: “ensina-nos a fazer”.

Podemos dizer que a pós-modernidade criou um bloqueio da consciência his-


tórica. “O passado é ignorado e o futuro não é levado em consideração. Então se
fixa no puro presente” (p. 45). Dessa perspectiva, não se aprende a fazer, porque
o fazer não tem muita importância. Dissolve-se no presente. Não tem densidade
de futuro. Faz-nos lembrar um título do livro de um filósofo americano chamado
Marshall Berman, publicado em fins da década de 1980: Tudo que é Sólido Des-
mancha no Ar.

A perspectiva ética
Essa perspectiva significa apurar o senso de responsabilidade. Quanto mais
percebemos o alcance (efeitos) de nosso pensamento e de nosso agir, maior res-
ponsabilidade assumimos.

Duplo aprendizado de uma técnica


Há duas maneiras de aprender uma técnica. Ver feita e reproduzir é o modo
mais comum. É a primazia do mundo taylorista, fordista, que Charles Chaplin
ridicularizou em seu clássico filme Tempos Modernos. O operário aprende um
procedimento e o repete interminavelmente, sem o poder de pensar, e é literal-
mente “engolido” pela máquina. O nível de escolaridade dificulta que as pessoas
ultrapassem esse aprendizado repetitivo.

201
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Há um segundo modo diferente de aprender a fazer. Passa-se de uma simples


qualificação em vista de determinadas tarefas para uma competência criativa de
caráter mais amplo. Cada vez se exigirá maior capacidade dos trabalhadores.

Relação mútua entre aprender a fazer e aprender a


conhecer
Aprender a fazer influencia aprender a conhecer. Cria-se uma capacidade
criativa de articulação entre conhecimento e prática. A prática modifica o co-
nhecimento, e este, por sua vez, gera sempre novas práticas. Isso quer dizer que
o progresso do conhecimento traz inovações no agir, e as mudanças no agir
exigem reformulações do conhecimento.

Estratégia e reflexividade
Edgar Morin faz uma distinção entre as duas atitudes de aprender o feito e de
aprender a fazer. Chama a primeira de programação, e a segunda, de estratégia.
O programa determina de antemão o que se quer fazer, com objetivos e meios
bem-definidos e identificados. Sua eficácia dependerá das condições favoráveis
para a sua realização. O imprevisto o paralisa. A estratégia, porém, é diferente.
Mesmo que tenha objetivos previstos, desenvolve ações em interação com o
ambiente incerto, aproveitando toda informação que capta durante o percurso.

Como aprender a viver com os outros


O mundo atual é marcado pelo individualismo, pela violência, por conflitos,
por racismo, por intransigências religiosas, por fanatismos. Tudo isso nos impede
de viver juntos. A arte de formar-se é desafiada a ser antídoto de tanto veneno.

Aprender a ser tolerante


Uma primeira lição da convivência é a tolerância. Sabemos os inúmeros e
marcantes episódios da história passada e recente de intolerância e seus efeitos
sobre grupos particulares e para a humanidade em geral.

202
A formação do professor

A tolerância teórica tem dois níveis: o das ideias e o das práticas. A sociedade
moderna democrática defende o direito à liberdade de pensamento e de ex-
pressão. A tolerância encontra seu limite na intolerância e na irracionalidade das
ideias defendidas. Existe um paradoxo da tolerância: não se pode ser tolerante
com as teorias e práticas intolerantes e que ameaçam o convívio humano.

Semelhantemente, na educação, a tolerância não pode ser ilimitada. Há ­ideias


e práticas que a colocam em perigo em sua própria convivência. Nesse caso, a
tolerância impediria o educar para viver juntos. É uma questão difícil e delicada.
Em princípio, os limites da tolerância deveriam nascer do consenso racional do
grupo que se defende de sua destruição. E tal consenso nasce de um diálogo em
que as razões transparentes convençam seus membros.

A ameaça do individualismo
O lugar para aprender a conviver é por meio da vida em grupo, em equipe,
em comunidade, a começar pela família. Tais experiências estão ameaçadas em
sua raiz pela perda do espírito comunitário. Há, antes de tudo, a primazia do
individualismo exacerbado.

Comunitarismo de evento e grupos afins


Também existe uma ilusão de comunidade em duas formas de comunitaris-
mo: experiências comunitárias isoladas e comunidades afins.

Muitos encontros de jovens podem reduzir-se a momentos emocionais de


vivência comunitária. São verdadeiros acontecimentos isolados, que encontram
neles mesmos seu início, meio e fim. Não estabelecem nenhuma sequência em
suas vidas. Não se relacionam para “fora”. Predomina nesses eventos isolados a
dimensão emocional.

Outro tipo de deturpação da experiência comunitária dos jovens se caracteri-


za pela busca de grupos pequenos afins. Criam-se “tribos”, em que se suprimem
as diferenças para viver uma mesmidade que não questiona. Toda voz dissonante
ou não entra no grupo ou é excluída. Esses grupos fechados, que proliferam no
mundo juvenil, também não educam para a convivência aberta e social. Muitas
vezes provocam o contrário: ações de agressão ao outro. Aprender a viver juntos
exige precisamente a capacidade de administrar o conflito, as divergências, as
diferenças.

203
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

A descoberta do valor de si e dos outros


Aprender a viver juntos passa por uma dupla descoberta: a do valor próprio
e a do valor dos outros. Sem essa perspectiva do autorreconhecimento e do re-
conhecimento do outro, não há a condição do viver juntos. Senhores e escravos
não convivem. Uns dominam, outros submetem-se. “A consciência de uma igual-
dade radical na diferença dos talentos é a base do viver juntos” (p. 66).

Sociedade da informação e trabalho em equipe


Vivemos e caminhamos ainda mais para uma sociedade da informação e da
comunicação. Dificilmente uma pessoa consegue dominar as informações neces-
sárias para muitas tarefas. Nessa circunstância, entra o trabalho em grupo. Quem
não aprender a viver junto com os outros não se encontrará habilitado para desen-
volver esse tipo de tarefa em que as informações necessitam circular. A capacida-
de comunicativa das pessoas para criarem equipes de trabalho se torna absoluta-
mente imprescindível.

Experiência de convívio
Para as crianças e os jovens aprenderem a viver juntos, os professores pre-
cisam propiciar-lhes, experiências de convívio e, dentro delas, refletir com eles
sobre a sua conduta. Há muitas alternativas para se experimentar a vida em
grupos. A educação dispõe de muitas possibilidades de formar seus alunos
no espírito comunitário com a ajuda vigilante do professor. Seu olhar crítico
deve orientar-se numa dupla direção, observando tanto os defeitos, as falhas,
os limites, como as qualidades, as habilidades que os alunos revelam na expe-
riência do grupo.

Os extremos da supervalorização de si mesmo e do complexo de inferiori-


dade dificultam a convivência. Pelo contrário, só o jogo equilibrado do autoco-
nhecimento de suas riquezas e de seus limites permite a alguém estabelecer
relações sadias com os companheiros. Nem a mitificação, nem o endeusamento
de um colega ou líder, nem também uma desestima ajudam o entrosamento
entre as pessoas. Aprender a conviver é saber manter um olhar crítico, vigilante,
lúcido sobre si e sobre os outros, na dupla faceta de reconhecimento dos valores
e das limitações.

204
A formação do professor

Como aprender a ser

Unilateralismo da cultura ocidental


A sociedade ocidental costuma valorizar fortemente um só ângulo, deixando
outros de lado. Normalmente, predomina a valorização intelectual das pessoas
em detrimento de outras qualidades. Os colégios e cursinhos disputam clientes
ostentando os alunos classificados em primeiro lugar nos diferentes vestibula-
res. Tornou-se óbvio que merece salários mais elevados um engenheiro que um
operário. E a razão aventada é porque o engenheiro estudou mais. Nem sempre
se pergunta se o professor tem reais qualidades humanas, afetivas, de equilí-
brio psíquico, de empatia, de acolhida dos alunos. Quanto à própria inteligência,
supervaloriza-se um dos seus aspectos. Os critérios de promoção se fazem por
meio de exames que exigem certo tipo de inteligência lógica, de memória, de
capacidade dedutiva. O lado estético, artístico, imaginativo é menos valorizado,
a não ser para a carreira de Artes. É essa a concepção unilateral da inteligência. O
ser humano é reduzido a uma de suas dimensões.

Desenvolvimento integral da pessoa humana


Aprender a ser é uma resposta a esses extremos, procurando o desenvol-
vimento integral, total, da pessoa humana: espírito e corpo. E, nessa dupla di-
mensão fundamental, leva-se em consideração a inteligência, a sensibilidade, o
sentido estético, a responsabilidade, a espiritualidade e tantas outras realidades
constitutivas da pessoa humana.

Dimensão geracional
Pela primeira vez na história da humanidade, o ser humano tem a possibili-
dade física de destruir toda a vida. Portanto, carrega uma responsabilidade que
envolve as gerações futuras.

Sem chegar à dramaticidade de destruir toda a vida, existe o risco crescente


de ir lentamente estragando, destruindo, empobrecendo a Terra, de modo que
as gerações futuras pagarão por pecados que não cometeram. Aprende-se a ser
para a realidade presente e vindoura num espírito ético.

205
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

A dialética do ser e ter


Tornou-se lugar comum a oposição entre ser e ter. Não precisa de muita filo-
sofia para perceber que somos diferentemente do que temos. “O ter nos agrega.
O ser nos constitui” (p. 84).

“Aprender a ter é ocultar-se atrás das coisas. Aprender a ser é despojar-se das
coisas para revelar o próprio ser” (p. 84).

O ocultamento de si
Uma das maneiras comuns de ocultamento do próprio ser é “representar”
papéis. O que no mundo do teatro é arte, na vida real é fragilidade psíquica.
Temendo ser rejeitado em sua própria pessoa – o ser humano tem horror da re-
jeição –, oculta-a sob a capa de uma imagem para poder atribuir a rejeição a ela
e não a si. Não se expondo, a pessoa não pode ser, na verdade, nem amada nem
rejeitada. Prefere renunciar ao amor a ser excluída.

“Aprender a ser é saber enfrentar-se na verdade de si” (p. 86).

Enfrentamento da mídia e da cultura moderna


“Aprender a ser hoje implica uma tarefa singular de saber situar-se diante da
terrível força inculcadora dos novos meios de comunicação” (p. 88). “Implica ne-
cessariamente uma postura crítica diante dessa cultura massificada, vulgarizada,
banalizada” (p. 90).

Em seu livro, Libanio (2001) compara o ser humano a uma casa de dois anda-
res com janelas abertas ou fechadas para a realidade. No andar de baixo, estão
as cinco janelas dos sentidos. Elas abrem-se para as maravilhas da vista, do sabor,
do ouvido, do olfato e do tato. Mas aprender a ser é mais. Temos um andar supe-
rior, onde, para ele, existem quatro janelas: a da beleza, a da verdade, a do bem
e a da transcendência. Howard Gardner (1998), em seu livro O Verdadeiro, o Bom
e o Belo também compartilha essa forma de pensar o ser humano. Temos a esté-
tica, a filosofia, a ética e a religião, para Libanio. Delas descortinamos horizontes
ainda mais amplos e belos. Quanto mais abertas estiverem e quanto mais olhar-
mos através delas, mais felizes seremos.

206
A formação do professor

O mundo dos sentidos


O conjunto dos sentidos dá o equilíbrio ao ser humano. A natureza é o espaço
privilegiado para que possamos deixá-los alargar-se em sua função. O desequilí-
brio da cultura atual advém da maneira como os sentidos são bombardea­dos e
estimulados fora de toda medida. Em vez de repouso, as pessoas são agitadas e
provocadas a um prazer pesado, sem alegria e felicidade. O prazer dos sentidos
só existe na justa medida. Se se come e se bebe em demasia, se o perfume é
muito forte, se o ruído ultrapassa a quota dos decibéis, se o tocar se extrema, o
prazer transforma-se em desprazer.

A dimensão da beleza
“Da janela da beleza, da estética, apreciamos a realidade com outros olhos. A
estética humaniza-nos” (p. 94). Aprender a ser inclui um cultivo às expressões de
beleza. Na educação, deveria haver uma preocupação para que tudo que cercas-
se a crian­ça fosse o mais belo possível, mesmo em situação de pobreza.

A dimensão da verdade
A verdade funda-se no próprio ser das coisas. A nossa inteligência está orien­
tada para a verdade. Nela descansa e se satisfaz. A mentira, o erro, a falsidade
podem enganar-nos, trazer-nos benefícios materiais transitórios. Mas, no fundo,
o nosso ser rejeita-os radicalmente.

A dimensão do bem
“A janela que nos abre para o bem é a ética” (p. 98).

O bem pertence às instituições básicas do ser humano. Percebemos que é


bom tudo o que nos aperfeiçoa, que nos faz também bons. É praticando o bem
que nos tornamos bons. Ética não é unicamente coisa de gente adulta. Deve ser
algo a acompanhar toda a vida. Há tentativas de elaborar textos de ética para a
criança com a finalidade de ir criando nela essa atitude de cuidar do seu agir.

207
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Tanto mais importante é aprender a ser, educando-se eticamente, quanto


mais forte é a crise atual de valores. A crise de valores tem dupla face: teórica e
prática. Teórica, questiona-se realmente a validade dos valores. Prática, não se
discutem os valores. Um caso típico são condutas racistas, que não podem ser
defendidas teoricamente – no Brasil, é crime –, mas são praticadas sub-repticia-
mente. A aprendizagem deve focalizar a coerência entre a conduta e os princí-
pios que se defendem, para que não haja contradição entre ambos.

Conclusão
Todos os pilares – conhecer, fazer, conviver e ser – estão precedidos de um
único verbo: aprender a. O desafio está em entrar nessa dinâmica. Formar é pre-
cisamente ajudar as pessoas a descobrir esse processo criativo de aprender a e ir
atualizando-o nos diversos pilares. As pessoas nunca sairão prontas de nenhuma
etapa formativa, mas adquirirão a atitude formativa para conduzi-la até o fim da
sua vida.

Texto complementar
(GARDNER, 1998, p. 290-293)

[...]

Esta é, pois, em resumo, a situação enfrentada por toda parte pelos edu-
cadores. Todos os seres humanos habitam, mais ou menos, o mesmo cére-
bro, mente e corpo. Certos horários e capacidades – e incapacidades – estão
incorporados a nossa espécie. Ao mesmo tempo, como consequência dos
caprichos da história e da geografia, nascemos sob condições que variam
imensamente, sujeitas à influência de normas e valores que podem ser pro-
fundamente discrepantes entre si. Aos educadores cumpre respeitar coer-
ções universais. Cumpre-lhes ao mesmo tempo, criar jovens que possam
interagir com sua sociedade num dado momento histórico e, além disso,
transmitir seus principais preceitos e práticas a sucessivas gerações. Foi isso,
de fato, o que eu (hoje mais idoso) procurei fazer neste livro.

As enormes mudanças que ocorrem no mundo ampliam essa tarefa. De-


vemos preparar-nos para viver num mundo cujos contornos não podemos

208
A formação do professor

antever. A melhor preparação a meu ver, consiste em entender profunda-


mente os dados que se acumularam ao longo de milênios sobre o mundo e
sobre a experiência humana. Veio-me à lembrança um diálogo entre o escri-
tor T. S. Eliot e um colega mais jovem. O colega sugeriu a Eliot que as pessoas
modernas sabem muito mais do que as antigas. Eliot concordou, mas depois
acrescentou com característica rispidez: “e elas são o que nós sabemos”.

Uma vez mais, a minha visão


Como “terra firme” para este esforço através de águas turbulentas, reverti
à consideração de um trio de antigos critérios: o que é verdadeiro (e o que
é falso), o que é belo (e o que nao é) e o que é bom (e o que é condenável).
Com adequadas reservas, designei temas que se qualificam para conside-
ração especial, no âmbito de nossa cultura ocidental: a teoria da evolução,
a música de Mozart e os eventos do Holocausto. Defendi a tese de que os
indivíduos em nossa sociedade deviam adquirir um entendimento cabal
de temas como esses; e o completo domínio de tais assuntos só pode ser
alcançado se estivermos dispostos a dedicar tempo e energia à sua explora-
ção. Ao mesmo tempo, sublinhei que essas escolhas são apenas ilustrativas.
(Infelizmente, isso não impedirá que algumas pessoas emprestem ao meu
trabalho uma interpretação errônea; os que consultarem as resenhas críticas
lerão, sem dúvida, em algum ponto que o curófilo Howard Gardner decretou
um currículo baseado em três de suas obsessões pessoais.)

Assim, tratarei de dizer uma vez mais: é importante que uma cultura
identifique as verdades, belezas e virtudes a que dá valor, e que dedique
portanto, recursos para inculcar seu entendimento nos jovens estudantes.
Em última instância, os indivíduos devem chegar às suas próprias sínteses
dessas virtudes e – gostaria de nutrir tal esperança – dedicar-se a fazer vir-
tuosas contribuições que enriqueçam o mundo em que vivem.

Dois fatos imponentes complicam essa tarefa. Em primeiro lugar, o enten-


dimento é difícil de realizar, e os obstáculos para adquiri-lo são formidáveis.
Em segundo lugar, na medida em que possuem mentes de diferentes espé-
cies, os indivíduos representam a informação e o conhecimento de modos
idiossincrásicos. No futuro, para a educação conseguir maior êxito com
maior número de indivíduos, terá que afirmar-se e fundamentar-se nessas
duas considerações.

209
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Na discussão central deste livro, abordei diretamente a questão de como


os estudantes podem adquirir um entendimento mais profundo de temas
e tópicos significativos. Procuro converter as diferenças individuais em alia-
das, em vez de entraves à nossa educação. Se gastamos tempo em tópicos
importantes, podemos abordá-los através de numerosos pontos de entrada;
podemos traçar várias analogias; e podemos até captar as ideias essenciais
desses tópicos num certo número de linguagens-modelo. O resultado de
tal educação plurifurcada deve ser um corpo discente que, como um todo,
adquiriu um profundo entendimento. E, igualmente importante, esses estu-
dantes terão obtido uma ideia do que significa – e que sensação produz –
entender tópicos importantes.

Um tal insight representa uma etapa crucial. Desse ponto em diante, os


estudantes podem aplicar o teste do entendimento a outras questões e
temas tanto de suas culturas como de outras. E talvez, depois de provar o
doce fruto do entendimento, os estudantes fiquem motivados para continu-
ar sendo “exploradores do saber” – talvez até “criadores de saber” – pelo resto
da vida.

Esta é minha visão da educação – a educação que eu gostaria para todos


os seres humanos. Acredito que tal educação produziria indivíduos que
sentem ter um compromisso com a sua comunidade e com o mundo em
geral. Talvez numa comunidade pequena e relativamente homogênea pos-
samos obter consenso em torno de uma educação elaborada precisamente
de acordo com as diretrizes que descrevi no livro.

Mas a vida é curta e os indivíduos discordam profundamente sobre essas


questões. Assim, concluí ser sensato oferecer diferentes roteiros educacio-
nais para os membros de uma determinada comunidade, país ou cultura. Es-
tudantes, professores, famílias, membros da comunidade e autores de planos
de ação podem repartir-se de acordo com os roteiros que favorecem.

[...]

210
A formação do professor

Dicas de estudo
Para ampliar o estudo, sugiro assistir a dois filmes:

Ser e Ter (Être et Avoir) – trata-se de um documentário que conta uma história
de um professor e seu amor pelas crianças e pela educação. Sozinho, ele alfabeti-
za e ensina valores às crianças de quatro a onze anos de idade em uma pequena
escola rural da França. Diferentes situações, algumas engraçadas, outras emocio-
nantes, mostram a importância de se ter determinação, vontade e paixão na vida
e, em especial na sua profissão.

Ficha técnica:

 Direção: Nicolas Philibert

 País-ano: França – 2002

 Duração: 104 minutos

Nenhum a Menos – mostra a saga de uma professora substituta que tenta


manter seus alunos na escola em uma pequena aldeia da China. É um filme que
aborda a evasão escolar (um problema que atinge um grande número de esco-
las no mundo), além de oferecer ainda várias fontes para uma visão mais apro-
fundada da crise na educação.

Ficha técnica:

 Direção: Zhang Yimou

 País-ano: China – 1999

 Duração: 100 minutos

Atividades
1. Por que o autor do livro A Arte de Formar-se, João Batista Libanio, escolheu o
verbo formar-se?

211
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

2. Quais são os quatro pilares da formação apresentados pela Unesco no rela-


tório de J. Delors e os seus significados?

212
A formação do professor


213
A participação da família

Nesta aula, vamos apresentar e discutir uma condição especial no traba-


lho pedagógico com crian­ças pequenas que é a participação da família.

Na educação da criança de 0 a 6 anos, o contato permanente entre


os pais, as mães e os professores costuma ser mais frequente do que em
outras etapas. Esse relacionamento é, porém, um dos aspectos mais difí-
ceis do trabalho da creche, tanto quanto é também fundamental para o
desenvolvimento das crianças e para a evolução da imagem das institui-
ções de Educação Infantil.

Vamos começar analisando: o relacionamento entre adultos que com-


partilham a educação da criança.

De certa maneira, é de se esperar que esta tarefa de educar uma mesma


criança de forma compartilhada, a partir de contextos tão diferentes como
a casa e a creche, acabe fazendo com que surjam dificuldades e conflitos.

Quando ouvimos os professores falarem dos pais das crianças, um dos


problemas mais citados é com relação a uma série de comportamentos e
atitudes dos pais que eles consideram equivocados e que afetam direta
e negativamente a educação das crianças e, por isso, ofendem os edu-
cadores. O interessante a observar é que essas queixas costumam ser as
mesmas em qualquer creche, o que nos mostra que se trata de uma difi-
culdade generalizada.

Costuma-se ouvir as seguintes reclamações:

 “os pais não respeitam as regras que a creche pede que sejam segui-
das. Por exemplo: não ­enviam as roupas extras que são solicitadas;
trazem ou pegam as crianças em horários incertos”;

 “os pais têm comportamentos não desejados pelos professores, tais


como: não confiam quando o professor diz que a criança não cho-
rou depois que ele saiu, ou só querem saber se a criança dormiu e
comeu e não se interessam pelas outras atividades. Atrapalham o
horário de entrada e saída com perguntas sem importância”;
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 “os pais educam mal as crianças em casa, isto é, permitem que a criança
coma só o que ela quer; acostumam a criança a dormir no colo; quando a
criança chora e faz birra, cedem aos seus desejos”.

É preciso, no entanto, compreendermos que esse relacionamento pais-pro-


fessores envolve alguns sentimentos característicos, tais como: medo dos julga-
mentos, disputas sobre quem conhece melhor a criança, sentimento de culpa
dos pais e, de outro lado, superioridade dos professores.

Mesmo que difícil, espera-se que a creche consiga promover entre professo-
res e pais uma integração, uma colaboração mútua que passa pela confiança e
pelo conhecimento, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento harmônico
das crianças.

Vamos ver agora: alguns motivos para compartilhar a educação.

Segundo as educadoras espanholas Bassedas, Huguet e Solé (1999), no livro


Aprender e Ensinar na Educação Infantil, as relações entre a família e o profes-
sor devem concretizar o objetivo geral de compartilhar a ação educativa. Elas
apresentam uma proposta que pretende pôr em prática algumas questões
consideradas de grande importância na educação das crianças pequenas.
Vamos, então, conhecer essas ideias.

Conhecer a criança
Conhecer a criança envolve diferentes contatos nos quais é possível aprofun-
dar algumas impressões iniciais, deixar de lado outras e criar novas.

Pais e mães aprendem a conhecer novas dimensões de seu filho, pois não há
dúvidas que a creche representa uma ampliação do meio social em que a criança
vive e, portanto, instrumento de seu desenvolvimento. Tudo passa a ser diferen-
te para a criança: outros adultos, outros companheiros, espaços físicos, objetos
etc. Os pais vão poder ver seu filho, portanto, a partir de um novo ângulo.

Nesse momento em que se procura conhecer a criança, é possível acontecer


de dar “rótulos” a ela (“é uma criança agitada, mal-educada, faz tudo errado, é de-
satenta”) e, por isso, é importante que os adultos que a educam e com ela convi-
vem tenham consciência desse “perigo” e tomem todo o cuidado para não trans-
mitir essas classificações à criança. Devemos pensar que a criança pode mudar e
que precisamos estar abertos a essas novas possibilidades de ser e de agir.

216
A participação da família

Estamos falando de um conhecimento progressivo e mútuo, comprometido


em auxiliar e orientar pais e professores na busca de uma compreensão mais
ampla da criança. Além disso, acredita-se que esta relação entre os pais, as mães
e os professores contribui para que todos sintam-se colaboradores e interessa-
dos em oferecer a melhor educação para a criança.

Estabelecer critérios educativos comuns


Esse conhecimento compartilhado entre pais e professores vai permitir que
sejam estabelecidos critérios educativos comuns. Isto é, apesar dos contextos
sociais diferentes – casa e escola – é importante que existam acordos com rela-
ção a determinadas proibições e permissões. Essa coerência irá contribuir para o
desenvolvimento da criança.

Não podemos esquecer, no entanto, que cada família é diferente, que não
existe um modelo padrão de família e que, por isso, não adianta querermos que
todas reajam da mesma maneira às nossas solicitações. Esse fato quase sempre
gera comparações e isso em nada vai ajudar a criança.

Oferecer modelos de intervenção


e de relação com as crianças
Outra questão de grande valor para que a educação da criança seja com-
partilhada com os pais é a oportunidade que temos na creche/pré-escola de
mostrarmos para a família como as crianças se relacionam com outras pessoas
adultas. Eles poderão ver que ela reage diferentemente do modo como reagiria
na sua casa. É comum os pais ficarem impressionados quando presenciam seu
filho guardando os brinquedos, obedecendo prontamente o professor e tendo
outras atitudes que não costuma ter em casa.

Os pais podem aprender a partir desses modelos, compreendendo melhor


seu filho e percebendo a possibilidade de modificar seu modo de agir.

Ajudar a conhecer a função educativa da creche


A instituição de Educação Infantil deve abrir as suas portas para os pais das
crianças. É fundamental que as famílias tenham a oportunidade de saber como

217
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

é o funcionamento da creche/pré-escola e que possam reconhecer e valorizar o


profissional da educação, em especial, aquele que tem conhecimentos específi-
cos para educar crianças pequenas.

É claro que não é possível pais e mães entrarem e saírem da creche/pré-esco-


la a qualquer momento. Tampouco é possível que eles interfiram permanente-
mente no funcionamento da instituição. Por isso, a participação da família pre-
cisa ter delimitações de horários e de espaços, garantindo, assim, um adequado
atendimento aos pais e às crianças.

Existem diferentes maneiras de os pais participarem, de se envolverem no


trabalho da creche. É o que veremos a seguir.

Formas de trabalho da creche com a família

Formas individuais
Para conhecer melhor cada família, seu modo de vida, o sistema de educação
da criança; para estabelecer a compreensão mútua e a confiança necessária, os
professores das creches e pré-escolas podem utilizar algumas formas de traba-
lho individual com os pais, tais como:

 a entrevista antes da inserção da criança;

 os contatos informais e cotidianos;

 as entrevistas solicitadas.

Geralmente, quando os pais matriculam os filhos em uma creche ou pré-


-escola, preenchem um formulário com informações essencialmente burocráti-
cas, como nome, endereço, profissão etc. Porém, existe ainda a possibilidade de
que, após esse primeiro contato, seja realizado outro: uma entrevista (qualitativa)
antes da inserção da criança. O objetivo dessa entrevista é iniciar um trabalho de
conhecimento mútuo – família e instituição – e de colaboração entre ambas as
partes. Conforme a faixa etária da criança, os conteúdos e os objetivos da en-
trevista podem variar. No caso dos bebês, pode-se pretender conhecer alguns
costumes da criança para que o professor possa agir mais próximo aos hábitos
de cada aluno. Já com as crianças um pouco maiores, provavelmente as informa-
ções que mais lhe interessam referem-se a como está a criança em casa, como é
o seu dia habitual, quais as expectativas que a família tem da creche etc.
218
A participação da família

E, finalmente, é bom não esquecer que esse processo de conhecimento é


longo, e que, portanto, não vai ser em uma entrevista que vamos encerrá-lo.

Os contatos informais e cotidianos são importantes por várias razões, pois per-
mitem um conhecimento progressivo das pessoas que estão envolvidas com a
educação da criança; ajudam os pais a tranquilizarem-se e a verem com seguran-
ça a permanência do seu filho na creche e, ainda, a própria criança pode ver que
as pessoas adultas significativas para ela têm coisas a conversar, relacionam-se.

Essas conversas informais com os pais ou com outras pessoas da família cos-
tumam acontecer no horário da entrada da criança e também na hora da saída.
Esses encontros costumam ser breves, porém têm uma grande importância, pois
satisfazem os pais e possibilitam a construção de uma relação de confiança com
o professor.

As entrevistas solicitadas podem acontecer sempre que a creche/pré-escola


ou a família sentirem necessidade de discutir algum assunto específico de ma-
neira mais detalhada, e também de forma sistematizada, ou seja, os professores
marcam com cada família momentos para conversar sobre o desenvolvimento
da criança na creche. As educadoras Bassedas, Huguet e Solé (1999) apresentam
um quadro em que levantam “aspectos que devem estar presentes na prepara-
ção da entrevista”.

Por que é preciso fazer a entrevista?

As finalidades mais habituais são: compartilhar a visão sobre a criança; infor-


mar os pais sobre a evolução que a criança está seguindo na creche; chegar a
acordos com a família para reconduzir o processo de aprendizagem da criança.

A quem se convoca?

O que será feito? Quanto tempo deve durar?

Onde fazer a entrevista?

Como deve ser a ambientação e o clima da entrevista?

É comum os professores chamarem os pais para uma conversa quando se


detecta algum problema. É claro que, nesses casos, é de grande valor essa pos-
sibilidade de relacionamento e de troca de ideias, mas é também importante
lembrarmos que podemos chamar os pais para dar boas notícias.

Por outro lado, a família pode também, em um dado momento, pedir uma
entrevista para saber sobre algum assunto específico que a está preocupando,
219
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

para saber sobre o seu filho ou filha, ou apenas para trocar ideias. Sob qualquer
hipótese, o mais importante é que o professor vá conversar com os pais com
toda a disponibilidade necessária para escutar, para entender o ponto de vista
deles, as suas ansiedades, e orientá-los da melhor maneira possível.

É importante fazer, no mínimo, uma entrevista individual durante o ano escolar.


A ideia é que sejam entrevistas interativas, isto é, que não pretendam apenas dar
informações, mas analisar junto com a família o desenvolvimento da criança.

Formas coletivas
As reuniões podem ser realizadas com os pais de todas as crianças da creche
ou por turma, de acordo com o objetivo do encontro. Podem também ser dirigi-
das pelos profissionais da própria instituição – professor, diretor, psicólogo, entre
outros – ou então por profissionais convidados pela creche, como, por exemplo,
um fonoaudiólogo, um sociólogo, um assistente social, para falar sobre algum
assunto específico.

De qualquer forma, as reuniões precisam ser bem planejadas: anunciadas


previamente, em horários minimamente adequados para os pais e profissio-
nais, definindo duração, linguagem adequada, exemplos práticos, entre outros
pontos.

Outras formas de participação dos pais


Além das formas individuais de entrevistas e conversas, e das reuniões, os
pais podem ter outros canais de participação. Vou citar alguns, mas com certeza
devem existir muitos outros e de grande valor.

Um deles é por meio da representação dos pais nos Conselhos ou Associa-


ções. A forma como essa representação vai ocorrer, a definição das competên-
cias e das atribuições que os pais representantes assumirão poderá ser bem va-
riada e dependerá da organização de cada instituição.

Outra forma de possibilitar a participação dos pais no trabalho realizado pela


creche é por meio de exposições, murais ou outros métodos visuais. Pode-se
permitir que os pais vejam e conheçam os seguintes pontos:

220
A participação da família

 os projetos e trabalhos realizados pelas crianças (fotos, explicações sim-


ples, exposição dos próprios trabalhos);

 calendário das atividades especiais de um determinado período;

 informações relativas ao quadro de pessoal com as devidas qualificações;

 informações relativas à estrutura e ao funcionamento da creche;

 avisos importantes;

 indicação de peças de teatro ou outro evento interessante para as crianças


e as famílias, que esteja acontecendo na cidade.

As cadernetas, agendas ou diários são também um instrumento de funda-


mental importância. Elas servem para que família e professores possam trocar
informações diárias, independentemente da possibilidade de encontro pessoal.

Os pais e a família, em geral, podem participar também através da integração


dos seus conhecimentos nos projetos e trabalhos desenvolvidos com as crianças
na creche. Eles podem, por exemplo, vir falar para as crianças sobre o seu traba-
lho, ou ajudar na confecção de fantasias, contribuir com ideias para a organiza-
ção de uma peça de teatro etc.

E, finalmente, uma das formas mais comuns é a participação dos pais nas
festas: bingo, bazar, baile, festa junina, entre outras.

São muitas as formas de participação dos pais nas creches/pré-escolas; todas,


individualmente e/ou em conjunto, repercutem, sem dúvida, favoravelmente ao
desenvolvimento da criança.

Vamos agora ler dois textos. O primeiro é um trecho do livro À Procura da


Dimensão Perdida, escrito pela educadora americana Giordana Rabitti (1999),
que realizou algumas pesquisas na cidade de Reggio Emilia, na Itália. Ao relatar
sua vivência na pré-escola La Villetta, ela fala do envolvimento dos pais no tra-
balho lá desenvolvido. O segundo texto, escrito pelo educador italiano Adriano
Bonomi (1998), analisa o relacionamento entre educadores e pais a partir de um
novo ângulo.

221
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Texto complementar
A aprovação dos pais – a gestão social
(RABITTI, 1999, p. 155-156)

O alto número de pedidos de matrícula, a elevada participação nos en-


contros e nas atividades promovidas pela escola, as declarações públicas
sobre a qualidade da ação educacional em andamento mostram o quanto
os pais aprovam a abordagem educacional que se realiza na Villetta e nas
demais escolas do Projeto.

[...] Os pais das escolas municipais de Reggio Emilia não exercem pressões
para obter um currículo mais preocupado com a aquisição de habilidades “es-
colares”, como a leitura ou a escrita. Parecem, ao contrário, partilhar a aborda-
gem educacional escolhida, baseada numa ideia holística da criança, e que se
coloca como objetivo facilitar o desenvolvimento da personalidade através da
aquisição de múltiplas habilidades nas muitas linguagens possíveis.

Um elemento que me parece ter um papel importante, nesse partilhar fina-


lidades entre a escola e as famílias, é a atenção que a escola dedica à participa-
ção dos pais. “Digamos que os pais entram na escola ainda antes que os filhos”,
disse-me Carla, referindo-se às diversas oportunidades oferecidas às famílias
de visitar as escolas antes do início das matrículas. E os pais, mais tarde, têm
muitas oportunidades de discutir e negociar finalidades e currículo escolar. Já
vimos quanto as famílias têm contribuído à reforma do ambiente da Villetta
e quanto cuidado têm os educadores da escola ao predispor o ambiente de
forma a poder “comunicar” aos pais, através da exposição dos produtos de ati-
vidades coletivas e individuais. Os pais entendem, assim, que seus filhos são
importantes. “Não é possível ter um pai interessado, se não houver um profes-
sor interessado e uma criança interessada”, sintetizou Amélia.

Os encontros entre pais e professores não são formalidades burocráticas,


como frequentemente ocorrem nas escolas italianas; as opiniões dos pais têm
peso. Certamente isso implica que os professores devem “entrar em jogo”, para
usar as palavras de Giovanni, que esclarece: “Não é que os pais não reconhe-
çam em nós o profissionalismo; pelo contrário, querem discutir conosco, obter
informações sobre o comportamento do filho na escola, comparar a menina
em casa e na escola. [...] Trata-se de encontrar sistemas eficazes de diálogo”.

222
A participação da família

O relacionamento entre educadores e pais


(BONOMI, 1998, p. 161-163)

Compartilhar com adultos o crescimento e a educação de uma criança


pequena envolve a prática de uma dinâmica relacional complexa. A criança,
como objeto comum de cuidados e atenções, mas também de expectativas
e avaliações, é fonte de um tipo particular de experiência conflitante entre
os adultos.

[...] Atualmente está mais claro o caráter crucial que o relacionamento


educadoras-pais possui sobre a evolução da imagem e da ideia de creche e
sobre o significado do profissionalismo da educadora.

Também é evidente que esse é um dos aspectos mais problemáticos e


difíceis da vida da creche e um dos pontos onde mais se solicita um trabalho
de reflexão e pesquisa.

No interior da história e da evolução das creches, esse problema encon-


trou posições específicas e diversidade de importância em relação à imagem
de si e das tarefas que a creche estava elaborando. São basicamente três as
modalidades perseguidas, mesmo de maneira entrelaçada, nos anos passa-
dos, na tentativa de estabelecer, por parte das educadoras (compreendidas
coletivamente como grupo), um relacionamento “satisfatório” com os pais.

Uma primeira modalidade é a que se resume ao objetivo da “participação


social”. Esperava-se que os pais participassem da vida da creche como sujei-
tos coletivos, solidários com a nova experiência educacional que a creche
poderia inaugurar, defensores e aliados nas reivindicações das educadoras
em relação às administrações, como auxílio contra “os inimigos da creche”.

Os próprios pais, pelo menos uma parte deles, podiam reencontrar-se


nessa imagem, já que deviam defender a própria escolha de levar a crian-
ça para a creche, mesmo como escolha de progresso contra um modo de
pensar tradicional que desconfiava de qualquer distanciamento da criança
pequena da família. Além disso, nessa fase, as modalidades que expressa-
vam necessidades e aspirações assumiam rapidamente formas coletivas e
criavam a necessidade urgente de posicionamento.

Uma segunda modalidade, que se tornou rapidamente dominante,


era caracterizada por um comportamento para com os pais do tipo “didá-

223
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

tico-educacional”. Os pais eram convidados a encontrar-se com as edu-


cadoras no “terreno” destas últimas. O objetivo explícito ou implícito do
encontrar-se era o de mostrar aos pais as coisas interessantes e importantes
para o desenvolvimento que as suas crianças realizavam na creche, quando
não, mais sutilmente, o de impressionar os pais a respeito do quanto eram
capazes as suas crianças com a condução das educadoras.

Em tudo isso não existia frequentemente a possibilidade de uma troca,


visto que a experiência do pai com o filho não encontrava espaço, senão
como campo de autocrítica em relação ao modelo educacional proposto
pela creche.

O relacionamento educadoras-pais, fixado nesse modelo, revelava-se se-


guidamente frustrante para ambos os interlocutores.

A participação dos pais era sempre mais escassa e as educadoras sen-


tiam-se desencorajadas, já que seus esforços não produziam os resultados
esperados.

Sem dúvida, atrás desse posicionamento, havia uma ideia dominante de


creche não como lugar de encontro entre diversas experiências e práticas
relacionais e educacionais, mas como local que adquiria valor enquanto ofe-
recia à criança mais estímulos, mais ocasiões de aprendizagem, mais espaços
e materiais, mais impulsos para a autonomia.

Naturalmente, nas competências profissionais das educadoras havia


muito mais, mas isso era somente o que elas conseguiam explicitar, visto
que a imagem consciente do seu próprio profissionalismo também se ligava
mais estreitamente àquela imagem das especialistas nas atividades didático-
-educacionais para a criança pequena, e não àquela de especialistas na admi-
nistração de relacionamentos complexos como os de educador-criança-pai.

A terceira modalidade, mais marginal, e muitas vezes contemporanea-


mente presente nas duas primeiras, era uma tentativa de envolvimento dos
pais no plano da colaboração prática. A solicitação implícita era a de uma
contribuição do pai para a comunidade da creche. Ele poderia participar ofe-
recendo materiais úteis para as brincadeiras das crianças ou, se possuísse
competências mais específicas, construir jogos ou equipamentos destinados
ao uso de todas as crianças.

224
A participação da família

[...] Um outro momento particular, do qual os pais participam diretamen-


te e com a própria presença na vida da creche, é a ocasião da festa. O ani-
versário do filho só para ele, as festas de Natal, de Carnaval, da primavera ou
antes das férias de todo o grupo.

São ocasiões prazerosas e divertidas, embora às vezes um pouco confu-


sas, que rompem com a rotina cotidiana das educadoras e talvez possuam
também a função, devido ao fato de serem extraordinárias, de assegurar a
todos que os pais, as educadoras e as crianças podem ficar juntos.

Essa reconstrução, mesmo que simplificada e parcial, de como foi tema-


tizado nestes anos o relacionamento das educadoras de creche com os pais
detecta, pelo menos nas suas grandes linhas, o motivo dominante de seus
esforços e de suas intenções.

É o que se pode definir como uma tentativa de “envolvimento ideológico”,


isto é, o esforço de envolver e fazer com que os pais participem das várias
ideologias da creche: a educacional, a institucional e organizacional, a social,
deixando de lado, por ser muito complexo e conflitante, o aspecto relacio-
nal, do confronto entre indivíduos empenhados, a partir de pontos de vista
diversos, em uma experiência com a criança.

Todavia, junto com a evolução da imagem profissional das educadoras,


e com a identificação desse profissionalismo específico da creche como
competência na gestão de relacionamentos entre adultos, e entre estes e
as crianças, o espaço para enfrentar o aspecto delicado e complexo do re-
lacionamento com os pais ampliou-se notavelmente. De um problema im-
plícito e um tanto escondido, vivenciado, mas não mencionado, tornou-se,
para as educadoras, objeto sobre o qual a exigência de reflexão e confronto
é sempre mais urgente.

Dica de estudo
Uma boa dica de estudo é a leitura da entrevista com a psicóloga e educa-
dora Rosely Sayão sobre as deficiências da prática educacional na educação
infantil brasileira, abordando também a participação da família na educação.
Essa entrevista pode ser lida no site: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.
asp?codigo=12613>.

225
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Conhecer o site <www.maecomfilhos.com.br/home/> é outra forma de


você ampliar seus conhecimentos sobre questões que envolvem a família e a
educação.

Atividades
1. Por que na Educação Infantil a participação da família é um aspecto muito
importante, mas também bastante difícil?

2. Escreva a respeito de algumas formas de trabalho da creche com a família.

226
A participação da família


227
A gestão social

O assunto gestão social tem forte ligação com a participação da família


no trabalho desenvolvido na creche, mas a partir de um outro enfoque.

Em primeiro lugar, vamos entender o que é gestão social. A palavra


gestão significa gerência, administração. Desse modo, vamos discutir
sobre a administração social da creche/pré-escola.

E o que é uma administração social?

Podemos dizer que é quando um grupo de pessoas torna-se responsá-


vel pela condução dos serviços oferecidos em uma determinada institui-
ção. No caso específico das creches e pré-escolas, trata-se da participação
mais direta dos pais, dos profissionais e da comunidade na administra-
ção dessas instituições. Por isso, a relação com o tema participação dos
pais. Sabemos que todas aquelas diferentes formas de envolvimento das
famílias no trabalho da creche contribuem também para a gestão social,
e existe um outro enfoque: a ideia do coletivo, do social. A preocupação
maior é com relação à educação e o cuidado de todas as crianças, o que
abrange todas as famílias e todos os educadores da creche (educadores,
pois inclui-se não só os professores, mas também os funcionários, a direção
e outros profissionais envolvidos no processo de educação das crianças).

Esse grupo composto de crianças, familiares e educadores é insepará-


vel nas suas relações, de tal forma que o bem-estar ou desconforto de um
afeta o bem-estar ou desconforto do outro. E, ainda, temos que considerar
estes três componentes inseridos em um contexto maior que é a socieda-
de, vista, assim, como o quarto componente.

A creche, portanto, não é compreendida como uma instituição separada,


mas que está em constante interação com a realidade econômica e social.

Desenvolver um trabalho de gestão social não quer dizer adotar um


método de administração. Trata-se de uma concepção de prática educa-
cional, um valor ético que envolve todos os aspectos da experiência edu-
cativa. É um trabalho participativo e que tem uma maneira especial de
relacionar-se com as pessoas e as instituições.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Essa ideia faz parte de um projeto educacional que valoriza uma intensa re-
lação comunicativa entre educadores, pais, crianças e sociedade, reforçando os
conceitos de relação e de solidariedade.

Bem, agora já sabemos o que é gestão social. Então, vamos pensar mais além:
por que trabalhar com gestão social?

Aqui cabe explicar que, apesar de ser possível fazer gestão social em uma
instituição privada, é menos comum, principalmente com relação aos aspectos
financeiros. Assim, a ênfase dada a esse tipo de trabalho refere-se às instituições
públicas.

Podemos dizer que as lutas de alguns grupos em defesa de seus direitos são
grandes propulsoras da gestão social. As pessoas, após anos de reivindicações,
quando conseguem ter a sua creche, por exemplo, querem participar da sua ad-
ministração, sentem-se responsáveis por aquele equipamento social. Desejam
se comprometer diretamente com aquilo que conquistaram e isso acontece por
meio da gestão social.

Outro motivo para trabalhar de forma participativa decorre da maior possibili-


dade de responder às amplas e complexas necessidades das famílias, educadores
e cidadãos em geral com relação ao tipo de serviço que será oferecido na creche.

E é claro, com o envolvimento de todos, em especial da comunidade, cria-se


um reconhecimento social, ou seja, a creche/pré-escola é vista como parte es-
sencial da vida daquelas famílias, como resposta positiva às suas expectativas.
Não é um equipamento que a prefeitura construiu, equipou, contratou profis-
sionais e definiu como iria funcionar, e que muitas vezes não apresenta elos com
a realidade daquelas pessoas que vivem naquele bairro. A comunidade, como
dito, sente-se responsável pela integridade daquele equipamento social.

No Brasil, acompanhando a nossa história política, ainda não temos uma his-
tória longa e muito rica de experiências de gestão social. Em São Paulo, o Mo-
vimento de Luta por Creches foi bastante significativo, mas, à medida em que
o Estado foi se antecipando às demandas e oferecendo novas creches, o Movi-
mento se esvaziou e a participação na gestão também diminuiu.

É mais comum conhecermos experiências interessantes de gestão social


em escolas, apesar de sabermos que nas instituições de Educação Infantil a sua
realização é facilitada, primeiramente porque não existe preocupação com
notas, aprovações, diplomas etc., e segundo porque a relação entre pais, filhos e
educadores é naturalmente mais intensa, devido à faixa etária das crianças.

230
A gestão social

Mas, façamos uma pergunta: por que é difícil administrar a creche de uma forma
participativa? Diria que existem algumas razões para isso.

Uma delas é ainda a falta de consciência dos pais e dos educadores com rela-
ção à importância e o valor da gestão social. Além disso, as famílias de nível so-
cioeconômico baixo muitas vezes acreditam que não são capazes, e os pais com
uma melhor condição de vida costumam afirmar não terem tempo, acham que
seria apenas mais uma “tarefa” a ser realizada num cotidiano difícil. Em ambos os
casos, não há verdade.

Por parte dos profissionais que trabalham nas creches e pré-escolas, existe
grande resistência pela dificuldade de relacionamento e de conseguir trabalhar
de forma democrática. Às vezes, é muito mais fácil obedecer, seguir ordens,
sem responsabilizar-se pela decisão tomada do que ouvir, opinar, discutir e
conseguir definir.

Realmente, trabalhar em grupo pode ser muito mais difícil, mas é com cer-
teza muito mais enriquecedor e acredito que quem aprende a trabalhar dessa
forma (corresponsabilidade) nunca mais conseguirá voltar à outra.

Mas ainda falta responder a uma pergunta fundamental: como trabalhar a


gestão social?

Para isso, não há uma receita a ser seguida. Deve-se acreditar na capacidade,
na diversidade e na criatividade das pessoas. Ou seja, não é possível ter uma
única resposta, porque cada situação, cada circunstância vai exigir diferentes
propostas.

Mas nem por isso devemos desconhecer outras experiências. O importante


é sempre refletir sobre elas, isto é, saber selecionar o que existe de semelhante
com a nossa realidade e com a nossa forma de pensar, para, então, poder ir além,
e criar os nossos próprios caminhos.

Um exemplo muito interessante é a experiência com as pré-escolas públicas


da cidade de Modena, na Itália. No livro Qualidade em Educação Infantil, o autor
Quinto Borghi (1998), coordenador pedagógico da Prefeitura de Modena, des-
creve o trabalho lá realizado.

Vamos então conhecer como é exercida a gestão social dessas pré-escolas.


Para isso, vou me basear neste texto e também na minha própria experiência,
uma vez que pude realizar pesquisa naquela cidade.

231
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Quinto Borghi aponta três finalidades básicas no modelo das pré-escolas mu-
nicipais de Modena, as quais foram sendo adquiridas com o passar do tempo e
sendo aos poucos incorporadas:

1.ª) Uma pré-escola para a criança: a atenção é concentrada na identidade da


criança, na sua condição de sujeito de direitos diversos, na consciência de
si mesma, na íntima relação com a sua família e a sua cultura de origem.

2.ª) Uma pré-escola das experiências e dos conhecimentos: enfoca-se alguns


conteúdos significativos da experiência – a educação linguística, artística,
científica e motora.

3.ª) Uma pré-escola baseada na participação e integrada com a cidade: pres-


ta-se muita atenção à relação com as famílias e à gestão social e também
à intenção de se ter uma cidade autenticamente comprometida com a
educação. Uma “cidade educadora”.

Neste momento, interessa-nos mais de perto a terceira finalidade, a que se


refere à participação social e à integração com a cidade.

Essa finalidade considera dois aspectos importantes do amplo e bem-articu-


lado projeto do município de Modena: o primeiro refere-se à gestão social, ou
seja, à modalidade de participação dos pais na organização e gestão de alguns
momentos da vida escolar, e o segundo refere-se à relação das pré-escolas com
os recursos educativos da cidade.

A cidade de Modena possui uma longa tradição na promoção de políticas


de infância. Lá a pré-escola foi desejada e promovida diretamente pela vontade
dos seus cidadãos e, portanto, a participação na gestão é algo que foi sempre
considerado como desdobramento natural.

Porém, a administração municipal percebeu a necessidade, cada vez mais ur-


gente, de repensar e renovar a política de infância, especialmente os problemas
relacionados com a participação das famílias e com a gestão social dos serviços.

Alguns problemas iniciais foram identificados. Os primeiros entusiasmos que


impulsionaram as ações foram, posteriormente, entrando em processo de ­crise,
até o ponto em que se tornou evidente para todos a dificuldade que represen-
tava a participação na vida da pré-escola e na gestão social. Entre as diversas
razões, destacam-se:

232
A gestão social

 no início, a participação dos pais não era apenas desejável, mas indispen-
sável. Mas, aos poucos, os serviços para a infância foram inevitavelmente
tendo um caráter mais formal e passaram a assumir cada vez mais sozi-
nhos as responsabilidades;

 os pais não queriam limitar-se a dar o seu aval a decisões que já haviam
sido tomadas por outros. Reivindicavam a gestão direta e participante.

Assim, a administração municipal decidiu aprovar um novo regulamento que


pretendeu não apenas restabelecer, mas, principalmente, dar um novo vigor à
participação dos pais na gestão.

Tem-se, portanto, a consciência de que a coletividade, em especial as famílias


das crianças das creches/pré-escolas, devem estar cada vez mais em melhores
condições para continuar reconhecendo, analisando e resolvendo os problemas
da infância.

Surgia, assim, a Renovação das Modalidades de Participação e de Gestão


Social. Essas novas modalidades são consideradas dentro de uma reflexão mais
ampla, na qual se integrem tanto as políticas de infância como as diferentes
formas de organizar e administrar as pré-escolas.

No que se refere às dificuldades dos pais, constatou-se a importância de pres-


tar atenção a alguns aspectos em especial e, assim, foram definidas algumas di-
retrizes para a superação das dificuldades com pais, quais sejam:

 conseguir que a participação da família seja significativa e percebida pe-


los pais como um fato importante. Não pode ser vista como um “dever”
ou como um instrumento para ratificar opções já realizadas por outros, e
sim como o envolvimento direto na construção do projeto educativo dos
próprios filhos;

 garantir os instrumentos necessários para a participação, por meio de uma


boa “estrutura organizacional” e mediante a colocação à disposição de to-
dos os recursos (informações, esclarecimentos, materiais etc.) que sejam
necessários para obter uma participação eficaz;

 fazer com que a participação seja tão eficiente quanto possível; e os pais
tenham, consequentemente, a possibilidade de “ter peso” e de sentirem-
-se competentes;

 prestar atenção tanto ao número de participantes como à motivação para


participar. Sabemos bem que a participação dos pais é mais elevada nos
233
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

casos em que as reuniões são organizadas com pequenos grupos (encon-


tros de aula, ou, inclusive, em momentos de organizar grupos de trabalho).
Sabemos também que a participação é forte quando o participante está
convencido de que a sua cooperação é solicitada para algo claro e que as
tarefas que ele deve realizar são de utilidade e representam uma melhoria
concreta para as crianças, para os pais ou para o serviço como um todo.

Vamos agora ao projeto denominado “A cidade das crianças”, também apre-


sentado por Quinto Borghi no texto “As escolas infantis municipais de Modena
I: o modelo.”

A política da administração municipal de Modena baseia-se na ideia de im-


plementação de uma autêntica cidade educadora. A proposta parte do princípio
de que as cidades atuais podem ser analisadas de muitos e diferentes pontos de
vista: a cidade do tráfego, a cidade do comércio, a cidade do trabalho e dos ser-
viços. Por que, então, não promover uma política que parta do ponto de vista da
“cidade das crianças”, do ponto de vista da educação? E como seria esta cidade?
Seria, como afirma o texto, “à medida das crianças, ou seja, que responda à diver-
sidade de direitos que possuem”. Teria, então, espaços para jogos, para a sociali-
zação, a exploração, entre outros.

Os espaços das cidades, em geral, são os espaços da desigualdade, onde alguns


são claramente privilegiados, como, por exemplo: os espaços para os adultos com-
parados aos espaços para as crianças, os espaços para a indústria em relação aos
espaços para os momentos de lazer, os espaços para os automóveis diante dos espa-
ços para as pessoas, os espaços para o comércio diante dos espaços para a cultura.

Também os tempos das cidades estão caracterizados pela desigualdade, em


que cada um é prisioneiro de seu “próprio” tempo.

O projeto A cidade das crianças quer ser, ao invés de “a cidade proibida, a


cidade que aceita”. Esquematicamente podemos apresentar os seguintes âmbi-
tos de ação:

Projetos que buscam o aperfeiçoamento dos serviços para a infância

 O reforço e o aperfeiçoamento das creches e pré-escolas.

 Projetos de continuidade vertical e horizontal.

234
A gestão social

 Aperfeiçoamento da gestão social.

 A realização de planos de formação permanente dos professores.

 Projetos especiais: centro infantil permanente no hospital; “centros de jo-


gos”, “centros para as famílias”, jardins e parques abertos.

Projetos que se referem à cidade como aula didática e laboratório educativo

 Centro de documentação educativa.

 Proposta de itinerários didáticos.

 Iniciativas diversas de atualização.

Projetos referentes ao planejamento dos espaços da cidade

 A qualidade do planejamento urbano.

 A cultura e a memória da cidade.

 As redes de serviços.

 O ambiente saudável.

 As diferenças.

A administração pública estabeleceu uma Comissão dos Espaços, compos-


ta por diversos profissionais que atuam no município (arquitetos, engenheiros,
responsáveis culturais, pedagogos, economistas e técnicos da administração). O
objetivo da comissão é chegar a formular propostas e analisar projetos dirigidos
ao planejamento ou replanejamento da cidade (mobiliário urbano, reorganiza-
ção dos parques, rees­tru­turação das áreas em desuso, recuperação de espaços
no centro histórico, entre outros) para garantir os direitos de acesso e de utiliza-
ção dos espaços pelas crianças.

Essa é, sem dúvida, uma referência interessante para inserirmos nas nossas
comunidades, observando cada realidade existente, porém com o objetivo de
seguirmos formas mais avançadas de gestão social das creches e pré-escolas.

235
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Texto complementar
Envolvimento na participação –
envolvimento na direção
(UNESCO, 2002, p. 181 e 183)

Há envolvimento na participação quando, além de outros membros da


comunidade, os pais oriundos de diferentes meios étnicos, culturais, linguís-
ticos e religiosos são convidados, regularmente, a se associarem ao pessoal e
às crianças, tomando parte ativa nos programas de ECPI1. É evidente que os
pais são consultados como grupo sobre todas as questões que dizem respeito
ao programa. [...] No envolvimento participativo, os pais poderão acompanhar
os filhos nas visitas fora da instituição, ajudar na manutenção e renovação das
instalações e dos pisos, além de participarem das atividades culturais [...]. O en-
volvimento participativo pode ser formalizado, por exemplo, através de acor-
dos e contratos centro/domicílio, como ocorre na Itália ou Finlândia, ou pode
ser exigido para obter financiamentos especiais – por exemplo, o Zorgverbre-
ding na Comunidade Flamenga da Bélgica ou o Sure Start no Reino Unido.
O programa Head Start nos Estados Unidos da América torna obrigatório o
desenvolvimento de programas de voluntariado para ajudar nos serviços. A
participação de voluntários – pais, moradores e membros da comunidade –
foi um meio eficaz de mobilizar os recursos da comunidade para fortalecer
os serviços. Os voluntários contribuem para reduzir a razão adulto-criança,
permitem recrutar adultos bilíngues necessários para as crianças e pais não
anglófonos e ajudam as crianças portadoras de deficiência. Além disso, cerca
de um terço do pessoal remunerado é composto pelos pais das crianças que
participam ou já participaram do programa Head Start.

O envolvimento na direção vai além do envolvimento formal anteriormen-


te apresentado, devido à sua intensidade e à responsabilidade reconhecida
aos pais nas tomadas de decisão. O envolvimento na diretoria está presente
em um grande número de países, tais como Noruega, Reino Unido e Suécia,
por meio de cooperativas e grupos recreativos presididos pelos pais, organi-
zações em que eles estão envolvidos na focalização dos programas, nas ativi-
dades, na contratação de pessoal e nas decisões orçamentárias relativas à es-
1
A sigla ECPI quer dizer Educação e Cuidado da Primeira Infância e inclui todas as modalidades que garantem a educação e cuida­do das
crianças com idade inferior à da escolaridade obri­gatória, seja qual for a estrutura, o financiamento, os horários de funcionamento ou o
conteúdo dos programas.

236
A gestão social

trutura de ECPI. Durante o ano, é comum que os pais passem várias semanas
envolvidos ativamente em toda uma série de atividades. Na Dinamarca, eles
constituem a maioria nos conselhos de administração dos jardins de infância
e das creches domiciliares. Além disso, às comissões de pais dos centros de
ECPI municipais, é reconhecido pela legislação o direito de exercerem sua
influência sobre os princípios orientadores do trabalho da estrutura de ECPI
e sobre a utilização do orçamento; também podem fazer recomendações à
autoridade local no que diz respeito à contratação de pessoal. Nas creches
domiciliares (guarda familiar), os pais têm o direito de exercer sua influência
sobre os princípios orientadores do trabalho dos prestadores de serviço, do
mesmo modo que sobre a utilização do orçamento. Em cada centro para
crianças, na Noruega, deve existir, além de um conselho de pais para defen-
der os interesses comuns de todos os pais no nível da gestão, um comitê
de coordenação dos pais, do pessoal e dos proprietários para agir como um
Conselho e garantir boas relações entre o barnehage (jardim de infância) e
a comunidade local. Na Holanda, os serviços subvencionados de ECPI e as
escolas de ensino fundamental devem ter uma estrutura de “codireção”, ga-
rantida pelos pais para que estes tenham direito a voto. Nos Estados Unidos
da América, a legislação federal relativa a Head Start reconhece o direito dos
pais de participarem das decisões concernentes aos programas. Um Comitê
de Pais e um Grupo de Decisão Política constituído por pais e representantes
da comunidade participam das decisões sobre o planejamento e a implan-
tação do programa Head Start. Assim, o envolvimento na direção promove
a responsabilização dos pais e pode ser um canal para reunir os membros
da comunidade em torno de iniciativas que visam satisfazer as necessidades
mais prementes das crianças.

Difícil decolagem – vinte anos depois


de lançado, conceito de cidades educadoras
ainda sofre resistências
(CHUPIN, 2009)

Em 1989, há 20 anos, Barcelona lançava o conceito de cidade educadora.


Nessa esteira, criava uma rede internacional de municípios determinados a
fazer da educação o centro de suas propostas políticas.

237
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Segundo esse conceito, cada artéria, instituição, administração ou empresa


teria por responsabilidade, coletiva e solidariamente, a formação dos cidadãos.
É um sonho um pouco louco dos 400 vereadores das municipalidades que
aderiram à Associação Internacional das Cidades Educadoras (Aive), uma rede
que pretende, em escala local e além, reforçar a democracia participativa.

A ideia foi gestada no início dos anos 1990, quando Pasqual Maragall, o pre-
feito da capital catalã, criou, com vistas aos Jogos Olímpicos de 1992, canteiros
de renovação em todas as áreas: urbanismo, cultura, transporte. A cidade
de Gaudi tomava pé de uma vez da modernidade, ficando entre as grandes
metrópoles do século 21. “Quando nos candidatamos para acolher os Jogos
Olímpicos”, lembra-se Pilar Figueras, secretária-geral da associação, “Pasqual
Maragall achava que devíamos refletir sobre uma ligação cidade-educação.
Nós éramos poucos, entre os quais a pedagoga Marta Mafa, figura histórica
do movimento catalão de renovação pedagógica, a organizar um congresso
e a reunir políticos que compartilhavam daquela ideia de que a cidade é um
agente educador”. Foi estabelecida uma carta que definia em 20 pontos o
que devia ser uma cidade educadora, pois se todas as cidades são educativas,
poucas são também educadoras. A ideia central era que uma cidade, por sua
estrutura, por sua organização espacial e social, envia mensagens positivas ou
negativas, cujos prolongamentos educativos são evidentes.

Desabrochar, agora
Porém, essa concepção enfrenta, como assume a própria Pilar Figueras, re-
sistências no corpo das administrações. “As pessoas que não se sentem reco-
nhecidas como agentes educativos se julgam, em princípio, pouco implicadas:
os responsáveis pelo meio ambiente, pelas finanças, pela pavimentação, pela
habitação, saúde, sem falar do setor privado. No entanto, todos esses agentes
desenvolvem tarefas que têm uma incidência educativa. Convidamos as cida-
des a participar dessa descoberta ajudando-as a desenvolver essa nem sempre
nítida noção de educação.” Para fazer isso, o comitê executivo, com sede em
Barcelona, trabalha na elaboração de um programa piloto de formação.

Desde abril de 2008, um grupo de especialistas enviados para sete ci-


dades da rede (Rosário, Quito, Medelín, Santa Cruz della Sierra, Córdoba,
Budapeste e Rennes) trabalha na elaboração das propostas em termos de
conteúdo e de metodologia que possam sugerir vias, caminhos, métodos,
enfim, um percurso.

238
A gestão social

Esse esforço de formalização vai se juntar às iniciativas já arquivadas


no banco de dados da associação, onde cada um pode buscar inspiração
e contatar diretamente a pessoa responsável pelas experiências descritas.
“As autoridades locais multiplicam as relações internacionais para conhecer
soluções adotadas alhures, resolver tal ou qual dificuldade ou colocar em
prática a construção de uma ludoteca, a realização de um livreto dedicado às
famílias e aos professores, a instauração de um conselho municipal de crian-
ças, o lançamento de uma semana de aprendizagem ou ainda a abertura de
uma casa intergeradora.” Do local ao global e reciprocamente.

Dica de estudo
Para você conhecer mais, recomendo que acesse o portal Escola Conectada
<http://www.escola2000.org.br/pesquise/texto/textos_categoria.aspx>. Sobre o
tema Comunidade Escolar, você encontrará textos que abordam a função do dire-
tor, a gestão compartilhada e outros mais.

Atividades
1. O que é gestão social?

239
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

2. Por que trabalhar com gestão social?


240
A gestão social


241
Educação de crianças
com necessidades especiais

A educação de crianças com necessidades especiais tem sido muito


discutida nos últimos tempos. É uma questão bastante importante e que
todos nós, professores, temos que conhecer.

A partir de movimentos internacionais e da própria Lei de Diretrizes e


Bases (LDB), surgiu no Brasil um forte movimento defendendo o direito à
educação para todas as crianças, independentemente de classe, etnia ou
gênero, incluindo aquelas que apresentam significativas diferenças físicas,
sensoriais e intelectuais, decorrentes de fatores inatos ou adquiridos, de
caráter temporário ou permanente, e que apresentam, portanto, necessi-
dades educacionais especiais.

Antigamente, as crianças eram chamadas de “deficientes” e eram aten-


didas em salas ou escolas diferenciadas, separadas das escolas para alunos
“normais”. Hoje, já não se aceita mais essa nomenclatura: são crianças porta-
doras de necessidades especiais e, segundo o artigo 58 da LDB, a educação
desses alunos deve ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino.

Precisamos assim, de uma política efetiva e de um pouco de bom


senso. O primeiro passo seria que todos os brasileiros, independente de
serem ou não professores, tomassem consciência de que essas crianças
têm os mesmos direitos que todas as outras, ou seja, devem ter uma
educação compreendida como capaz de garantir a satisfação das ne-
cessidades básicas e essenciais ao seu processo de desenvolvimento e
aprendizagem. Depois, poderíamos analisar cada caso. Não adianta co-
locar as crianças na escola regular se os professores não sabem como
trabalhar com elas e a escola não dispõe de materiais, equipamentos e
profissionais indispensáveis a uma educação de qualidade. Isso nunca
vai ser inclusão, e não vai ser o melhor para essa criança.

Vamos agora apresentar uma proposta de inclusão elaborada por


R. Bonfiglioli e A. Volpicella, extraída do livro Manuale di Didattica per la
Scuola Materna.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Necessidade de um projeto didático


A creche/pré-escola, para realizar uma efetiva integração das crianças com
necessidades educacionais especiais, precisa dispor de um projeto didático arti-
culado, como “parte integrante da programação”.

É necessário, portanto, que, dentro da programação, o professor elabore um


projeto integrado, voltado de maneira específica às crianças com necessidades
especiais. Esse projeto visa ao alcance da autonomia e da identidade da criança
e a sua aquisição de competências nos setores motor, perceptivo, linguístico e
intelectual. Isso ocorrerá por meio da organização prévia de metodologias espe-
cíficas e estratégias que permitem a individualização dos percursos educativos.

A programação desses percursos individuais, com tempos e modos diferen-


ciados, é uma condição indispensável para garantir à criança com necessidades
especiais a possibilidade de “ser reconhecida e de reconhecer-se como membro
ativo na comunidade escolar” e de assumir, portanto, o papel de protagonista do
próprio processo pessoal de crescimento.

A criança com défice é portadora de problemas complexos de natureza indi-


vidual e social, que vamos enfrentar e resolver não somente no plano terapêuti-
co e de reabilitação, mas também, e sobretudo, no plano formativo e educativo.

Necessidade de uma dupla reestruturação


A solução dos problemas de inclusão de uma criança com necessidades es-
peciais exige uma dupla reestruturação: organizativo-estrutural e pedagógico-
-didática.

No plano organizativo-estrutural, a escola de Educação Infantil deve:

 equipar-se para consentir à criança uma boa ambientação na realidade


escolar (eliminação das barreiras arquitetônicas, disponibilidade de equi-
pamentos e de laboratórios especializados);

 estabelecer oportunas relações com as instituições sociais e de saúde da


região para planejar o trabalho “contínuo” e, desse modo, limitar a frag-
mentação das intervenções;

 estabelecer relações com a família para ajudá-la e apoiá-la na difícil tarefa


de educar uma criança com necessidades especiais;

244
Educação de crianças com necessidades especiais

 tornar flexíveis os tempos e os espaços de trabalho para permitir a diversi-


ficação das intervenções educativas e de reabilitação.

No plano pedagógico-didático, é necessário que a creche/pré-escola preveja


momentos de entrosamento entre família, professores de turmas, professores
de apoio, profissionais especializados, dirigentes escolares, pessoal não docente
e pessoal auxiliar, para programar as intervenções de modo integrado. O difícil
e complexo trabalho em equipe pode, se conduzido de maneira científica, con-
sistir em:

 observar sistematicamente a criança de vários pontos de vista (psicofísico,


cognitivo, relacional);

 interferir fortemente para diminuir as descompensações e favorecer pos-


síveis recuperações;

 controlar a eficácia e a eficiência das modalidades operacionais para proje-


tar e desenvolver posteriores intervenções integradas e individualizadas.

Integração da equipe
Esse ponto constitui, sem dúvida, um dos problemas mais delicados da in-
tervenção educativa. Falta de confiança, divergências e incompreensões são
cotidianamente levantadas pelas partes envolvidas, e não é enfatizando ou mi-
nimizando o papel de uma ou de outra estrutura que se pode alcançar soluções
produtivas para a inclusão e o desenvolvimento da criança. Só por meio de um
real processo de interação entre as instituições formativas – coordenadas pela
creche/pré-escola, lugar privilegiado das intervenções educativas – é possível
programar e realizar projetos efetivamente integrados.

A programação de projetos integrados necessita de um preventivo e bem


realizado diagnóstico que permita o conhecimento dos eventuais défices e a
individualização das capacidades potenciais, fornecendo os dados-base para o
prognóstico e o plano de tratamento. Nessa fase, intervêm todos os profissionais
da equipe e cada um, em relação às suas próprias competências, formula um
parecer sobre a natureza do défice e das possíveis formas de intervenção.

O momento importante e fundamental para a formulação do diagnóstico


operacional é aquele da comparação de cada parecer, que consente em estabe-
lecer uma linha única de intervenção, evitando fragmentação e contradição. Isso

245
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

significa, da parte de todos os profissionais, a máxima atenção sobre os seguin-


tes aspectos:

 estruturais, para conhecer a origem e a natureza da lesão;

 reabilitativos, para individualizar o tipo de amplitude do défice e para reco-


nhecer o resíduo potencial e as suas possibilidades de desenvolvimento;

 relacionais, para verificar os níveis de autoconstrução da identidade e da


autonomia da criança;

 cognitivos, para estabelecer o nível de aquisição de competências.

Desse modo, portanto, o trabalho em equipe requer que cada profissional


trabalhe valorizando ao máximo as próprias competências específicas e, ao
mesmo tempo, que as traduza nas diferentes direções, fazendo confluir para um
projeto comum.

Nesse quadro, o professor, de turma ou de apoio, projetando um plano edu-


cativo individualizado (direto à criança com necessidades especiais), dentro da
mais geral programação didática voltada a todas as crianças da turma, torna con-
cretamente realizável a integração da criança com problemas (que tem tempos,
ritmos e modos de desenvolvimento/aprendizagem particulares) no grupo dos
seus pares.

Algumas dificuldades
Frequentemente, acontece da criança com défice ser percebida pelos seus
colegas de escola como elemento passivo, que perturba, desestabiliza e, por
isso, seja rejeitada, de forma mais ou menos consciente. Na relação entre os “nor-
mais” e os “diferentes”, é possível verificar, então, o principal fator responsável
pelo frequente sentido de desvalorização vivido pelas crianças com necessida-
des especiais, já que elas próprias veem a sua diversidade em termos negativos,
uma vez que é também negativa a imagem que os outros têm delas. O professor,
por isso, percebendo os diferentes interesses, capacidades, ritmos evolutivos e
origens socioculturais das crianças, deve estruturar as próprias intervenções de
modo a estabelecer com todos os alunos uma relação de valorização personali-
zada, aberta, baseada na estima e no respeito recíprocos.

Um outro problema fundamental que o professor deve enfrentar e resolver


cotidianamente é aquele de levantar em cada criança fortes motivações positi-

246
Educação de crianças com necessidades especiais

vas nos confrontos das atividades que eles devem desenvolver, capaz de torná-
-los aptos a automotivarem as ações e desenvolverem, gradualmente e progres-
sivamente, a capacidade de autouso sobre todos os planos: desde o jogo até a
atividade propriamente cognitiva, da vida na comunidade até aquela em família
e no âmbito social, em que deve aprender a viver de modo sempre mais ativo e
consciente.

Em termos de políticas públicas para a educação das crianças de 0 a 6 anos


com necessidades especiais, é preciso conhecermos um documento que foi di-
vulgado pelo MEC, no ano de 2001. É quase um complemento do Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil, inclusive tem o mesmo desenho de
capa. Mas o subtítulo é: Estratégias e orientações para a educação de crianças
com necessidades educacionais especiais.

Apresento agora uma síntese do que contém esse documento mostrando


cada capítulo.

Na Introdução, entre as diversas razões que justificam a implementação de


tais orientações e estratégias, é apresentada a do movimento mundial em prol
do paradigma da inclusão educacional, originado na “Conferência Mundial de
Educação para Todos”, na Tailândia, em 1990, e que foi depois confirmado na De-
claração de Salamanca, em 1994. Esse compromisso foi também assumido pelo
Ministério da Educação do Brasil.

Ainda na Introdução, é explicado que esse documento apresenta subsídios


em três vertentes:

 Garantir o acesso e a permanência, com êxito, das crianças com neces­


sidades educacionais especiais na Educação Infantil da rede regular de
ensino (creches e pré-escolas).

 Organizar e redimensionar os programas de estimulação precoce e das


classes pré-escolares pertencentes às instituições de educação especial.

 Apoiar o processo de transição dos alunos atendidos anteriormente nos


centros de educação especial para a rede regular de ensino, por meio de
ações integradas de apoio à inclusão.

O primeiro capítulo chama-se “Fundamentação teórica”. Afirma que o para-


digma anterior propunha uma visão assistencialista, de educação compensató-
ria e preparatória. Rompendo então com esse pensamento, surge a visão integral
do desenvolvimento, na qual o aluno é considerado pessoa autônoma, inserida

247
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

num determinado contexto social, histórico e cultural. Daí a necessidade de im-


plementação de uma Pedagogia voltada para a diversidade e as necessidades
específicas do aluno em diferentes contextos, com a adoção de estratégias pe-
dagógicas diferenciadas que possam beneficiar a todos os alunos.

Como “Fundamentação legal”, o documento cita o apoio legal que existe hoje
no Brasil, em especial a Constituição e a LDB.

No terceiro capítulo são apresentados os “Princípios”. Dentre os nove princí-


pios que devem guiar o trabalho com as crianças de 0 a 6 anos que necessitam
de atendimento especial, destacaria os seguintes:

 A educação especial é modalidade do sistema educacional que deve ser


oferecida e ampliada na rede regular de ensino para educandos com ne-
cessidades educacionais especiais.

 Incluir conteúdos básicos referentes aos alunos com necessidades educa-


cionais especiais nos cursos de formação inicial e continuada dos profes-
sores, entre outros promovidos pelas instituições formadoras.

 Proporcionar a formação de equipe de profissionais das áreas de educa-


ção, saúde e assistência social para atuarem de forma transdisciplinar no
processo de avaliação e para colaborar na elaboração de projetos, progra-
mas e planejamentos educacionais.

 Garantir o direito da família de ter acesso à informação, ao apoio e à orien-


tação sobre seu filho, participando do processo de desenvolvimento e
aprendizagem e da tomada de decisões quanto aos programas e plane-
jamentos educacionais.

Na parte denominada “Caracterização dos educandos”, afirma-se que a educa-


ção especial abrange, além das dificuldades de aprendizagem relacionadas a con-
dições, disfunções, limitações ou defi­ciências, também aquelas não vinculadas a
uma causa orgânica específica. Nessa perspectiva, as necessidades educacionais
especiais – caracterizadas por dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limita-
ção no processo de desenvolvimento – são compreendidas como decorrência de:

 deficiência mental, visual, auditiva, física/motora e múltipla;

 condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos e psi-


quiátricos;

 superdotação/altas habilidades.

248
Educação de crianças com necessidades especiais

O capítulo 5 trata da “Educação especial no âmbito da Educação Infantil”. Neste


capítulo é explicado que certas necessidades educacionais são comuns a todos
os alunos, e os professores conhecem muitas estratégias para dar-lhes respostas.
Outras necessidades educacionais podem requerer uma série de recursos e apoios
de caráter mais especializado para que o aluno tenha acesso ao currículo. Uma
criança com deficiência visual, por exemplo, não teria problemas para aprender
Matemática, Português, Ciências, se lhe fosse ensinado o Braille ou lhe fossem pro-
porcionados recursos óticos e materiais específicos. Algumas necessidades edu-
cacionais requerem mais tempo para aprender conteúdos; outras, como as dos
surdos, requerem a utilização de outros recursos (como a língua de sinais) para
permitir o acesso aos conteúdos.

Nessa parte do documento, é definido o conceito de escola inclusiva: “É


aquela ligada à modificação da estrutura, do funcionamento e da resposta edu-
cativa que se deve dar a todas as diferenças individuais, inclusive as associadas
a alguma deficiência.”

Esse capítulo se divide em dois itens:

 O primeiro é Orientações gerais para creches e pré-escolas. Afirma-se que,


segundo um levantamento demográfico de crianças, do nascimento aos
seis anos, há um percentual significativo de alunos com necessidades
educacionais especiais. E para que essa população possa ser atendida nas
creches e pré-escolas é preciso dar apoio a elas, e nesse sentido é listada
uma série de ações fundamentais para que isso ocorra.

 O segundo item é Orientações e redimensionamento dos programas de


atendimento especializado e apoio às necessidades educacionais especiais.
Essas orientações e o redimensionamento dos programas foram apresen-
tados destacando alguns aspectos.

 Conceituação e objetivo: explica-se o que é um programa de atendi-


mento e apoio especia­lizado e qual é o seu objetivo.

 Planejamento e organização dos programas de atendimento especializa-


do: destacam-se algumas medidas que permitem delinear os objetivos
a serem atingidos e analisar os recursos necessários e disponíveis para
a realização dos programas.

 Locais de atendimento: indica os locais que são mais comumente utili-


zados.

249
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

 Avaliação e atendimento: são sintetizados os processos de avaliação e


de intervenção.

 Recursos humanos: ressalta-se a necessidade de a equipe ter uma es-


trutura organizacional flexível para poder adaptar-se às diferentes ne-
cessidades e recursos existentes em cada local. Além disso, fala-se da
importância da coesão da equipe e da abordagem interdisciplinar. Em
seguida, são apresentadas as funções comuns aos membros da equipe
e as funções específicas do professor.

 Conteúdos curriculares: aponta-se como base o Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil, que, ao ser desenvolvido, pode ser
flexibilizado, ou seja, adequado às necessidades educacionais espe-
ciais das crianças.

 Recursos materiais: o atendimento especializado deve ser realizado em


espaços físicos adequados ou adaptados, contendo mobiliário, mate-
rial pedagógico e equipamentos apropriados ao trabalho a ser desen-
volvido, de acordo com as necessidades da criança.

O 6.º capítulo é: “Interface das áreas de educação, saúde e assistência social”.


Segundo afirma-se, para implantar ou implementar o modelo de inclusão na
Educação Infantil, é necessário que haja um compromisso efetivo entre as áreas
de educação, saúde e assistência social.

Assim, concluímos uma discussão sobre esse importante tema com a pers-
pectiva do trabalho intenso dos educadores em ampliar a viabilidade de inclu-
são das crianças com necessidades especiais nas creches e pré-escolas no Brasil,
apresentando o final do documento do MEC, no qual são apresentadas cinco
recomendações gerais.

 Elaborar estratégias viáveis para a realização de cursos de educação con-


tinuada para profissionais da Educação Infantil na perspectiva da escola
inclusiva.

 Viabilizar a discussão e reflexão desse documento entre todos os parceiros.

 Garantir a acessibilidade às instituições de Educação Infantil.

 Criar estratégias para estabelecer parcerias entre as áreas de educação,


saúde e assistência social.

250
Educação de crianças com necessidades especiais

 Orientar as famílias carentes para solicitarem à assistência social recursos


e equipamentos para alunos que necessitarem.

Leiam agora um artigo publicado pela revista Nova Escola, sobre o tema da
educação de crianças com necessidades especiais.

Texto complementar
Respeito é fundamental
(GENTILE, 2002)

Cerca de 10% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, seja


física, mental ou sensorial. Muitas pessoas apresentam necessidades espe-
ciais de aprendizagem, o que está longe de ser um impeditivo para a vida.
Todas elas vão desenvolver habilidades e dar sua contribuição social sempre
que tiverem oportunidade de conviver com não deficientes.

Infelizmente, é comum os portadores de necessidades especiais serem


mal recebidos no grupo. [...] Ajude seus alunos a vencer preconceitos e subs-
tituir sentimentos como medo, pena, raiva ou repulsa, por empatia, solida-
riedade e respeito. As atividades foram elaboradas com base nas orientações
da Sorri-Brasil, federação de entidades não governamentais que promove a
integração social de pessoas portadoras de deficiência.

Atividades
Comece a aula perguntando aos alunos se eles conhecem dois seres vivos
iguais. [...] Se alguém responder que existem gêmeos idênticos, questione as
diferenças de temperamento que geralmente esses irmãos apresentam.

Incite um debate: como seria o mundo se todos fossem iguais, pensassem


da mesma maneira, tivessem os mesmos gostos, desejos e sonhos, e agissem
do mesmo modo? Mostre as vantagens de as pessoas serem diferentes, pois
isso origina diversas contribuições para a sociedade.

[...] Pergunte se os estudantes conhecem algum portador de deficiência.


Peça que eles contem quem são essas pessoas, como é o relacionamento
com elas e que tipo de sentimentos elas despertam. Anote os comentários
no quadro-negro.

251
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

A seguir, proponha exercícios de vivência emocional. Divida a classe em


pares. Cada dupla deve optar por um tipo de deficiência (motora, visual, au-
ditiva, mental ou múltipla). Os alunos devem passar alguns minutos como
um portador de deficiência, alternando os papéis de deficiente e acompa-
nhante. Algumas sugestões:

 Deficiência visual – explorar a sala de aula ou outro ambiente da esco-


la de olhos vendados, com a ajuda do colega.

 Deficiência auditiva – assistir a um programa de televisão sem som. O


que eles apreendem observando só as imagens?

 Deficiência na fala – tentar passar, através de mímica, uma mensagem


para o colega.

 Deficiência motora – deve ser abordada em brincadeiras como corrida


do saco ou corrida do ovo na colher, nas quais ora o aluno estará com
as pernas, ora com os braços imobilizados.

 Deficiência múltipla – associar dois ou mais tipos de deficiências.

Com a classe novamente reunida, pergunte aos alunos como eles se sen-
tiram ao ficar com um dos membros ou sentidos sem função. Como o colega
ajudou ou atrapalhou? Questione a turma se houve alguma mudança em
relação aos sentimentos citados no início da discussão e, principalmente, o
que aprenderam com a experiência.

Solicite uma pesquisa em revistas, jornais e internet sobre pessoas que


nasceram com deficiência ou que a tenham adquirido depois de um aci-
dente. Como elas desenvolvem suas atividades e superam as dificuldades?
Exemplos: o locutor Osmar Santos e os atores, Gerson Brenner e Flávio Silvi-
no, além de atletas da paraolimpíada.

Dicas de estudo
Para você ampliar seus conhecimentos sobre a educação de crianças com
necessidades especiais, indico a visita aos seguintes sites:

<www.inclusao.com.br> – apresenta informações sobre o projeto que é desen-


volvido na Creche Coepe (Centro de Orientação e Encaminhamento ao Pequeno
Deficiente), além de informações sobre educação inclusiva.

252
Educação de crianças com necessidades especiais

<www.members.tripod.com/les_boutons_d_or> – escrito em francês, é um site


de uma escola belga especializada no atendimento de crianças com necessi-
dades especiais.

<www.saci.org.br> – a Rede SACI atua como facilitadora da comunicação e da


difusão de informações sobre deficiência, visando a estimular a inclusão social e
digital, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania das pessoas
com deficiência.

Atividades
1. Como o professor deve elaborar um projeto integrado que esteja voltado
especificamente para as crianças com necessidades especiais?

2. As educadoras italianas Bonfiglioli e Volpicella falam que “a solução dos pro-


blemas de inclusão de uma criança com necessidades especiais exige uma
dupla reestruturação: organizativo-estrutural e pedagógico-didática”. Expli-
que esta proposta.


253
Transformação da
prática pedagógica

Nesta aula defini algumas questões fundamentais na Educação Infantil,


para comentar um pouco sobre cada uma delas.

Primeiramente quero afirmar que não existe uma ordem de prioridade


entre as questões, e também que não é uma seleção fechada e imutável.
Podemos, tranquilamente, mudar de ideia com o tempo, já que as mu-
danças fazem parte de todo processo de educação e formação. O que não
pode acontecer é pararmos de refletir, de nos questionarmos e de dese-
jarmos melhorar.

A primeira questão que considero fundamental na Educação Infantil é


a indissociabilidade do educar e do cuidar. Tenho percebido que, entre os
professores e os profissionais, que atuam com a criança pequena, já existe
clareza com relação a essa ideia de que não se pode separar a educação
do cuidado quando falamos em Educação Infantil. Porém, ainda é preciso
que toda a sociedade absorva essa ideia.

Vale ressaltar que, a não compreensão de que a Educação Infantil é


composta de educação e cuidado, leva à ideia assistencial de creche. Ou
seja, quem acredita que na creche só se cuida da criança, ainda a vê como
instituição essencialmente assistencialista.

Ainda é comum assistirmos nas campanhas políticas no Brasil a oferta


de vagas em creches para permitir que as crianças fiquem em um “lugar
seguro e, assim, as mães possam trabalhar fora”. Poucos falam em quali-
dade dos professores, materiais pedagógicos, espaços adequados etc. No
extremo, mas verdadeiro, ainda há a visão assistencialista, comparando a
creche com orfanato e asilo.

Por isso, precisamos, mais do que nunca, reforçar e repassar essa mu-
dança de concepção. É claro que é importantíssimo os professores com-
preenderem essa indissociabilidade e complementaridade da educação e
do cuidado, e assim, realmente mudarem a sua prática, mas não podemos
deixar de lado a opinião da população. Mais do que mudar a nossa prática
pedagógica, temos que ampliar as nossas discussões para podermos ser
devidamente valorizados.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

Uma outra questão que considero fundamental na Educação Infantil é a or-


ganização do espaço físico. Refiro-me não só à organização da sala de aula, mas
também ao espaço físico fora dela.

Começaria ressaltando a importância de deixarmos de pensar só em “par-


quinho” quando nos referimos ao espaço externo da creche/pré-escola. Sem
dúvida, as crianças adoram brinquedos como balanço, escorregador, gangorra.
E não estou falando em deixar de ter tais brinquedos. Mas existem muitas outras
formas interessantes e criativas da criança poder se divertir ao ar livre e que são
pouco exploradas.

Já citamos algumas ideias, como: labirinto de plantas, pista de triciclo, cabana,


casa na árvore, chuveiros grandes, torneiras e mangueiras para brincar com água,
anfiteatros, entre outros mais. O que é interessante é não pararmos de criar e es-
tarmos sempre atentos a novas formas de organizar as áreas externas.

Com relação à estruturação da sala de aula, não me canso de afirmar o quanto


ela é importante e o quanto retrata a concepção de educação do professor. Sei
que essa mudança não é fácil de realizar, principalmente por alterar a forma de
trabalhar do professor, mas é desafiante e com resultados extraordinários para o
desenvolvimento da criança.

Hoje não podemos mais aceitar salas de aula com mesas enfileiradas, ou
mesmo organizadas somente com mesas e cadeiras, nas quais vemos ainda a
mesa do professor, como se o ideal fosse ele ficar ali sentado. Vocês já viram
crianças pequenas ficarem sentadas quietas o tempo todo? Felizmente, isso não
existe, a não ser que tenham sido “obrigadas” ou “treinadas” para ficarem assim.
As crianças precisam se movimentar, conversar, criar novas maneiras de realizar
uma mesma atividade. É assim que elas constroem o seu conhecimento, é assim
que se desenvolvem!

Por isso, as salas de aula devem ser pensadas e organizadas de forma que, em
determinados momentos do dia, seja permitido à criança escolher suas ativida-
des, que ela ainda possa decidir se quer trabalhar em grupo ou sozinha. Certa-
mente, com essa estrutura da sala de aula, vamos poder acabar com os terríveis
momentos de espera. É totalmente inconcebível deixar todas as outras crianças
de uma turma sentadas esperando enquanto duas tomam banho, escovam os
dentes ou arrumam suas mochilas. O mesmo vai acontecer durante os horá-
rios de entrada e saída das crianças. Pois, se a organização da sala permitir, elas
podem ficar fazendo determinadas atividades, de acordo com o seu interesse
naquele momento, enquanto os seus colegas vão saindo ou chegando.

256
Transformação da prática pedagógica

Ainda sobre o espaço físico, é importante ressaltar a questão da decoração


das salas de aula. Enfeitar e arrumar a sala é imprescindível, mas deixar de lado
aqueles desenhos já tão conhecidos das crianças, como os Ursinhos Carinhosos,
a Minnie e o Mickey, os Power Rangers, os Pokemóns e tantos outros. Os alunos
de vocês já têm acesso mais do que suficiente a todos esses personagens atra-
vés da televisão, das festas de aniversário, dos brinquedos etc. Mostrem para
eles que existem outras imagens bonitas, que podem encontrar beleza em uma
gravura da arte moderna, da arte antiga, do folclore e até mesmo na arte que as
próprias crianças fazem nos seus trabalhos diários.

Lembrem-se sempre desta frase: diga-me como você organiza a sua sala de
aula e eu direi que tipo de professor você é e qual é a sua concepção de educação.

E, para finalizar essa questão, tenho que falar sobre as janelas das salas de
aula. Já comentei sobre o fato de que, em alguns lugares, constroem-se creches
cujas janelas das salas são lá no alto, de forma que as crianças não vejam o que se
passa lá fora. E é impossível acreditar que o melhor para a criança é ser excluída
da possibilidade de visão externa. Numa visita a uma creche, vi que os professo-
res cobriam as janelas das salas com papel opaco. Primeiro, pensei que poderia
ser devido ao sol, já que não havia cortinas, mas, quando perguntei o motivo, a
resposta foi o que eu temia: – “é que, como passam algumas pessoas por ali, nós
achamos melhor cobrir para não atrapalhar as crianças”. Mas, pergunto: atrapa-
lhar no quê? Talvez seja porque as crianças deixem, por alguns momentos, de
fazer determinadas atividades para ficarem olhando pela janela. Mas, qual é o
problema se isso acontecer? No que esta criança vai ser prejudicada? Será que
ela não pode ter o direito, de nesta sua idade, preferir ficar olhando as pessoas
passar ao invés de fazer uma outra coisa? Espero que sempre pensem nisso.

Vamos ver então um outro aspecto fundamental na Educação Infantil: a


função do professor.

Aqui, faço questão de ressaltar que não compreendo o professor da Educa-


ção Infantil como uma pessoa que será o ponto central da sala de aula. Ou seja,
os alunos estão sempre à espera da determinação do professor; todas as ativi-
dades dependem da ordem dele e todas as crianças fazem a mesma coisa, ao
mesmo tempo.

Na minha concepção de Educação Infantil, a função do professor é outra. Ele


deve, primeiramente, observar e ouvir os seus alunos, para poder planejar as
atividades que irá oferecer. Portanto, uma das suas principais funções é plane-
jar. Isso significa conhecer muito bem o desenvolvimento infantil, as diferentes

257
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

formas pelas quais a criança aprende a ter sensibilidade e criatividade para de-
senvolver o seu plano de trabalho.

Nessa perspectiva, é fundamental que o professor se preocupe em prepa-


rar o ambiente. Planejar e definir como vai estruturar as áreas da sua sala de
aula. E, depois, saber acompanhar as crianças de forma a interagir com elas
de uma maneira personalizada, isto é, por meio de pequenos grupos ou até
individualmente.

O professor é aquela pessoa que deve ter olhos de todos os lados, tem que
estar atento a tudo, e interferir em determinados momentos, não sempre. Às
vezes, é importante deixar as crianças resolverem seus problemas ou suas dúvi-
das entre elas.

Costumo falar que, para um professor saber se está conseguindo realizar


um bom trabalho, precisa fazer o seguinte teste: sem avisar aos alunos, saia por
alguns minutos da sala de aula e veja o que acontece. Se as crianças continuarem
a realizar suas atividades sem a menor preocupação, ou até mesmo sem perce-
ber que você não está na sala, é um ótimo sinal. Continue assim, seus alunos
são independentes e você não é a peça central da sala. Mas, se ao contrário, eles
ficarem perdidos e saírem atrás de você, é hora de parar e repensar a sua função,
e essa relação de dependência.

É também importante que o professor esteja sempre pensando em como


desenvolver a autonomia de seus alunos, mas para isso não existe uma regra. É
preciso apenas estar atento às necessidades e criar alternativas. Veja o exemplo
a seguir.

Em uma pré-escola, onde as crianças ficavam em tempo integral, algumas


tinham vontade de fazer um lanche no meio do período da manhã e outras
crianças não. As professoras não gostavam da ideia de interromper as ativida-
des e também queriam respeitar as diferentes necessidades das crianças e de-
senvolver a sua autonomia. Assim, organizaram o lanche da manhã da seguinte
forma: em um determinado horário, por exemplo, das 9 às 10 horas, elas dei-
xavam uma jarra de suco e uma bandeja com sanduíches sobre um balcão. Ao
lado desse balcão, elas colocavam uma mesa com um número de cadeiras. E
explicaram para as crianças: quem desejar comer ou beber alguma coisa, pode ir
até ao balcão, servir-se e sentar à mesa que está ao lado para fazer o seu lanche.
As normas são estas: enquanto estiver a comida ali, é permitido lanchar. Haverá
uma hora em que os professores irão retirar o lanche, isso quer dizer que acabou
o horário, e que então deverão esperar a hora do almoço. Só é permitido comer

258
Transformação da prática pedagógica

sentado à mesa, não se pode comer andando pela sala. Existe um determinado
número de cadeiras, e assim, se todas estiverem ocupadas, a criança deve espe-
rar desocupar uma para poder começar a lanchar. Quem se levanta deve deixar
o seu lugar limpo e arrumado. E isso dava muito certo!

Era uma turma composta de crianças de diferentes faixas etárias, entre 3 a 6


anos. Isso tudo acontecia em um clima de tranquilidade, e de forma muito orga-
nizada, além, é claro, de estar sendo desenvolvida a autonomia das crianças e
respeitadas as suas diferentes necessidades.

A próxima questão fundamental a ser considerada na Educação Infantil é a


compreensão do papel da família.

Sabemos muito bem o quanto é difícil trabalhar de forma integrada com as


famílias. Sabemos também que não podemos generalizar, que sempre irão exis-
tir os pais ótimos, compreensivos, participantes e delicados, e aqueles mais di-
fíceis, sempre insatisfeitos, que não valorizam o nosso trabalho, ou que não se
interessam e cooperam muito pouco.

A despeito de qualquer dificuldade, a integração com as famílias é funda-


mental. Não é possível conceber uma creche/pré-escola com qualidade se não
houver uma preocupação com o envolvimento das famílias.

O que quero deixar registrado é o quanto é importante a compreensão do


papel da família na educação das crianças nas creches e pré-escolas.

Não se pode deixar de lado uma outra questão fundamental: a formação do


professor.

Vimos que a formação do professor está sempre acontecendo, pois nós, como
seres humanos, estamos sempre em processo de formação.

De tudo o que estudamos a respeito de como deve ser o perfil do professor,


gostaria de ressaltar aqui a ideia de aprender a questionar. Estou certa de que
muita coisa mudaria em nossas vidas e no nosso mundo se procurássemos com-
preender mais e melhor o que se passa ao nosso redor, o porquê de muitas das
nossas ações. Desenvolver, permanentemente, a noção da não alienação.

Para finalizar, gostaria de reforçar a seguinte questão: necessidade de se ter


muito mais.

Estou certa de que nós, professores da Educação Infantil, temos ainda uma
árdua tarefa pela frente, pois existe muita coisa a ser feita e melhorada no Brasil. É

259
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

preciso termos a consciência de que as mudanças só irão ocorrer se lutarmos por


elas. Precisamos estar dispostos a aceitar riscos por aquilo em que acreditamos.

A Educação Infantil precisa em definitivo de uma política nacional que defina


recursos financeiros em montante expressivo, estímulo para mais pesquisas,
mais articulações entre instituições públicas nacionais e internacionais, buscan-
do avanços na área. Precisamos de governantes que se comprometam e efetiva-
mente se envolvam com a Educação Infantil na perspectiva de construir um país
desenvolvido, e que as ilegalidades cometidas tenham o caminho da denúncia,
da proibição e da correção. Imagino que concordamos com isso.

Mas, ao mesmo tempo, vocês podem estar perguntando: e o que podemos


fazer?

Primeiramente, não nos conformarmos, ou seja, lutarmos pelo que acredi-


tamos, sabendo dos importantes efeitos para o desenvolvimento da nossa so-
ciedade quando a Educação Infantil tiver o valor social que se exige. Para isso,
é extremamente necessário estarmos profissionalmente preparados, com argu-
mentos bem embasados, para definirmos e orientarmos os direitos sociais nessa
área. Importante, ainda, é organizar grupos e entidades que apoiam o desenvol-
vimento da Educação Infantil, que passa pela ampliação das redes públicas de
creches e pré-escolas, pela melhoria nas condições físicas das unidades de Edu-
cação Infantil, por melhores condições de trabalho para os profissionais da área,
pelos avanços na formação dos professores e demais profissionais, pelo estímulo
e garantia à participação dos pais, entre outros posicionamentos.

Encerro com uma poesia escrita pelo grande educador italiano Loris Malaguzzi
e que se encontra traduzida no livro As Cem Linguagens da Criança.

Texto complementar
Ao contrário, as cem existem
(MALAGUZZI, Loris apud EDWARDS et al., 1999, p.v)
A criança
é feita de cem.
A criança tem
cem mãos

260
Transformação da prática pedagógica

cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar
as maravilhas de amar.
Cem alegrias
para cantar e compreender.
Cem mundos
para descobrir.
Cem mundos
para inventar.
Cem mundos
para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e depois cem cem cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
de pensar sem as mãos
de fazer sem a cabeça
de escutar e de não falar
de compreender sem alegrias
de amar e maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra

261
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

a razão e o sonho
são coisas
que não estão juntas.
Dizem-lhe:
que as cem não existem.
A criança diz:
ao contrário, as cem existem.

Dicas de estudo
O portal <www.unesco.org.br> apresenta projetos desenvolvidos pela Unesco
no Brasil e no mundo, com destaque para as atividades desenvolvidas nas áreas de
educação, ciências, cultura e comunicação. Você pode também através desse site
ficar a par das notícias, eventos, informações bibliográficas etc. ligados à Unesco.

Não deixe de ler os inúmeros e interessantes artigos publicados no site


<www.revistapatio.com.br/conteudo_exclusivo.aspx> sobre educação infantil.
Vale a pena!!

Atividades
1. Quais foram os temas selecionados como fundamentais na prática de um
professor de Educação Infantil?

262
Transformação da prática pedagógica

2. Com relação à organização do espaço físico, quais são os pontos que preci-
sam ser ressaltados como essenciais nas propostas de Educação Infantil?

263
Gabarito

Condições para a qualidade


1. A partir do conhecimento vivenciado ou até mesmo lido em jornais/
revistas, o aluno deverá citar, pelo menos, uma política voltada para a
infância que tenha sido declarada, mas não realizada. Dois exemplos
possíveis: a exigência de formação em nível superior para os educado-
res que atuam em creches/pré-escolas; vagas disponíveis em creches
para crianças cujas famílias são de origem socioeconômica baixa.

2. É possível justificarmos esta importância a partir de dois aspectos: o


primeiro é referente à necessidade de se ter um nivelamento de co-
nhecimentos entre profissionais com diferentes níveis de formação; e,
o segundo aspecto é com relação ao acompanhamento contínuo de
revisões teóricas e de mudanças que ocorrem no mundo social.

Indicadores da qualidade
1. Porque é difícil para as famílias em geral, e em especial, para as famílias
de origem socioeconômica baixa conseguirem cumprir algumas das
exigências impostas pela creche. Como exemplo de critérios rígidos,
podemos citar: a inflexibilidade de horários de entrada e saída das
crianças e a exigência de uniformes e materiais.

2. Porque não podemos dizer que uma determinada instituição de Edu-


cação Infantil tem qualidade se ela não trabalha de forma efetiva a
sua relação com os pais das crianças, que apesar de ser uma relação
complexa é fundamental para o desenvolvimento de um projeto pe-
dagógico.

A ideia de infância e a sua escola


1. Primeira: a criança-adulto ou infância negada. Período em que não
existia um sentimento de infância, isto é, não havia uma consciência
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

da particularidade infantil. Segunda: a criança-filho-aluno ou a infância ins-


titucionalizada. A criança torna-se centro de atenção das famílias e há uma
preocupação com o seu futuro, porém, a educação passa a ser de responsa-
bilidade das escolas que por sua vez, tinham regimes disciplinares rígidos.
Terceira: a criança-sujeito social, sujeito de direitos. A criança passa a ser con-
siderada em seus direitos infantis, porém a realidade ainda nos mostra que
existem diferentes infâncias e que isso reflete nesses direitos.

2. O aluno deverá analisar a sua realidade e verificar se onde ele vive existem
crianças pertencentes a famílias com nível socioeconômico alto que brinca e
estuda; se há crianças que ajudam na renda familiar e que por isso nem sem-
pre podem estudar também; se na cidade infelizmente ainda encontram-se
crianças pedindo esmolas e ou ainda, se existem crianças que trabalham aju-
dando seus pais e assim, aprendendo uma profissão.

A história das creches


1. O aluno irá escolher três das seguintes experiências: Escola do Tricô, fundada
em 1767 pelo Padre Oberlin, na França. Estava voltada ao atendimento de
crianças a partir de dois anos de idade e atendia filhos de pais trabalhado-
res e que não tinham onde deixá-las durante o horário do trabalho. A Esco-
la Infantil, criada na Escócia por Robert Owen, que se preocupava com as
condições de vida dos seus empregados, uma vez que alguns deles tinham
apenas seis anos de idade. Fröbel, na Alemanha, criou os Jardins de Infância
que tinha uma visão única sobre a natureza da infância. Na Itália, Maria Mon-
tessori criou para filhos de operários a Casa dei Bambini e, na Inglaterra, as
irmãs MacMillan organizaram um programa de atendimento às crianças que
levavam uma vida pouco saudável.

2. A Teoria da Privação Cultural, ou também chamada de Educação Compen-


satória, baseava-se na ideia de que só a criança de classe média poderia ser
considerada como modelo. Como consequência, as crianças de origem eco-
nômica e social mais baixa, eram vistas como “carentes”, “inferiores” e porta-
doras de uma privação cultural. A solução para esse “mal” seria a Educação
Compensatória, que passaria a ser oferecida nas creches/pré-escolas.

A organização do espaço na Educação Infantil – I


1. Porque ao influenciar o comportamento das pessoas, define como o educa-
dor irá organizar os ambientes de acordo com os objetivos que ele pretende
266
Gabarito

atingir. É possível perceber traços de uma proposta pedagógica através da


organização dos espaços.

2. Elementos contextuais: o ambiente, a escola e a sala de aula. Elementos pes-


soais: as crianças e os professores.

3. A sala de aula deve ser decorada de tal forma que eduque a sensibilidade
estética das crianças. Isto é, a decoração deve ser compreendida como con-
teúdo de aprendizagem, através da harmonia das cores, das formas, e do
sentido que existirá naqueles materiais e objetos para as crianças.

A organização do espaço na Educação Infantil – II


1. Os principais critérios são: estruturação por áreas, delimitação clara das áreas,
transformação ou conversibilidade, favorecimento da autonomia da criança,
segurança, diversidade, polivalência, sensibilidade estética e pluralidade.

2. Espaços semiabertos – as crianças gostam de ficar em subgrupos e preferem


os ambientes delimitados e com divisões baixas. Interagem com as outras
crianças e procuram os adultos para solicitar algum apoio. Espaços abertos:
as interações entre crianças são raras e elas tendem a permanecer em volta
do adulto, porém com pouca interação com ele. Espaço fechado: as crianças
temem ficar em lugares onde não conseguem ver o adulto, assim, optam por
ficar ao seu redor. Quase não há interação com outras crianças.

A rotina na Educação Infantil


1. A rotina diária é importante para a criança porque sabemos que ela é capaz
de se situar no tempo e no espaço, e assim, poderá distinguir os diferentes
momentos que acontecem na creche/pré-escola. Quando há em uma ins-
tituição educacional a estrutura de uma rotina, a criança pode se apropriar
desse conhecimento e participar mais ativamente das atividades, isto é, ela
pode dar sugestões, propor mudanças, esperar e se organizar para o início
da atividade etc. Isso significa que uma rotina adequada auxilia no desenvol-
vimento infantil, permitindo que ela estruture sua independência, sua auto-
nomia e estimula a socialização.

267
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

2. Os quatro grupos são:

 atividades de organização coletiva: são os momentos de atividades orga-


nizados coletivamente e acontecem de forma diferente de acordo com a
faixa etária das crianças. Para as menores, a interferência do adulto é fun-
damental, pois, é ele quem deve planejar as atividades que serão desen-
volvidas e organizar o ambiente de forma adequada. Já as crianças maio-
res podem participar e interferir na organização das atividades coletivas e,
em muitos casos, atuar diretamente, assumindo funções que geralmente
só os adultos fazem.

 atividades de cuidado pessoal: trata-se da não divisão entre cuidar e edu-


car. É fundamental compreendermos que todas as atividades voltadas ao
cuidado das crianças são também atividades pedagógicas/educativas.

 atividades dirigidas: são as atividades em que é responsabilidade do pro-


fessor definir e encaminhar o seu desenvolvimento. À medida que aumen-
ta a idade das crianças, aumenta também a possibilidade de atividades
dirigidas e a porcentagem de tempo voltada para a sua realização.

 atividades livres: não devem ser compreendidas como atividades em que


não há interferência do professor. Trata-se de momentos pré-estabelecidos
no planejamento do professor, isto é, pensados e preparados previamente
por ele. As atividades livres devem fazer parte da programação diária das
crianças que frequentam creches/pré-escolas.

Elaboração da proposta pedagógica:


Diretrizes Curriculares Nacionais
1. Segundo a educadora Sonia Kramer, a proposta pedagógica é um convite,
um desafio, uma aposta. Uma aposta, porque sendo ou não parte de uma
política pública, contém sempre um projeto político de sociedade e um con-
ceito de cidadania, de educação e cultura. É um caminho a ser construído e,
portanto, contém valores e subjetividade, o que a torna sempre única.

2. Em uma sugestão de modelo de roteiro elaborado pelo MEC, uma propos-


ta pedagógica deve ter as seguintes partes: as condições de produção do

268
Gabarito

documento; os fundamentos teóricos das propostas; a estrutura, organiza-


ção e funcionamento da Educação Infantil, a política de valorização e pro-
fissionalização dos recursos humanos e também a articulação com outras
instâncias educacionais e culturais.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil


1. Trata-se de um documento elaborado pelo Ministério da Educação (MEC)
em 1998, como material de referência para a estruturação de currículo da
Educação Infantil em todo o território brasileiro.

2. O Referencial foi organizado em três volumes: o primeiro, denominado “In-


trodução”, o segundo, intitulado “Formação Pessoal e Social” e o terceiro, cha-
mado de “Conhecimento de Mundo”.

3. O professor deve estar comprometido com a prática educacional para que


ele possa responder de forma satisfatória às demandas das famílias e das
crianças. Precisa também ser capaz de trabalhar com questões específicas
relativas aos cuidados e aprendizagens infantis. Para que isso aconteça, é
necessário que o professor tenha uma formação inicial sólida e consistente,
acompanhada de adequada e permanente atualização em serviço.

O planejamento das atividades na Educação Infantil


1. O planejamento na Educação Infantil é um instrumento que auxilia na ordena-
ção e na organização de um ensino de qualidade. É uma reflexão sobre o que
se pretende, sobre como se faz e como se avalia. O planejamento não pode
ser considerado como uma rotina que precisa ser elaborada e seguida estrita-
mente, sem poder ser alterada. Também não deve ser considerado como algo
meramente formal, que se elabora e depois, guarda-se na gaveta.

2. As fases são: previsão, realização e avaliação. Essas etapas não precisam ocor-
rer separadamente; elas podem acontecer simultaneamente ou não.

3. É quando o planejamento envolve direção, coordenação, professores, fun-


cionários, pais e alunos. Isso faz com que todos se sintam responsáveis e,
portanto, ativos, no processo de realização e avaliação.

269
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

O trabalho com projetos


1. Significa que o professor quer desenvolver com seus alunos estudos em pro-
fundidade. Estes trabalhos poderão ser realizados por pequenos grupos de
crianças. Trata-se de uma forma de trabalhar que envolve diferentes conteú-
dos e que costuma ser organizado em torno de um tema.

2. Ajudar as crianças a encontrarem um sentido mais profundo e completo dos


acontecimentos do seu próprio ambiente e das experiências que mereçam a
sua atenção.

Durante o desenvolvimento de um projeto as crianças vão ser encorajadas


a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas sobre
a realização de um trabalho, sempre em interação/cooperação com os seus
colegas e professores, havendo um compartilhar de conhecimentos e des-
cobertas. Além disso, o trabalho com projetos reforça na criança a sua auto-
estima, uma vez que ela passa a acreditar na sua capacidade de pensar, con-
cluir e criar, além de estimular o seu desejo de aprender cada vez mais.

A inserção da criança na creche


1. Porque a palavra adaptação está ligada ao sentido de acomodação, ajusta-
mento, isto é, aceitação e submissão. Esses conceitos não combinam com
educação e, por isso, é preferível falarmos em inserção, já que é o momento
em que a criança vai se inserir em um novo ambiente educacional.

2. A melhor forma de inserir uma criança na creche/pré-escola é através de um


sistema gradativo. Isto é, a família ficará junto à criança na creche durante
algumas horas e irá gradativamente, diminuindo a quantidade de tempo.

Jogos e brincadeiras
1. Porque a brincadeira é um espaço privilegiado de aprendizagem. É também
um espaço de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma
e sobre o mundo. Brincar é uma forma de a criança exercitar sua imagina-
ção e a imaginação é uma forma que permite às crianças relacionarem seus
interesses e suas necessidades com a realidade de um mundo que pouco
conhecem.

270
Gabarito

2. O professor que compreender a importância dos jogos e das brincadeiras no


desenvolvimento infantil irá elaborar propostas de trabalho que incorporem
atividades lúdicas. É preciso porém, que o professor procure sempre estabe-
lecer para si mesmo, qual será o seu papel, sua função, enquanto as crianças
brincam. A intervenção do professor deve se dar no sentido de mediar pos-
síveis conflitos, de abrir e socializar os espaços e os objetos de uso comum,
de estimular a entrada de novas crianças em um jogo, ou como árbitro das
regras acordadas.

A disciplina na Educação Infantil


1. É preciso que o professor primeiramente, pense na idade específica das
crianças, quais são as suas capacidades e como ele pretende organizar as
atividades que deseja realizar. Também é importante que o professor defina
algumas regras de convivência com as crianças.

2. Sim, é possível definirmos para as crianças – mesmo que pequenas –, o que


ela pode e o que não pode fazer de acordo com a situação (é bom lembrar
que a criança deve ter possibilidade de cumprir tais limites). Porém, não há
uma receita a ser seguida; mas, bom senso, equilíbrio, segurança e clareza
são fundamentais na hora de explicarmos para a criança os limites e os mo-
tivos pelos quais permite-se ou não uma determinada coisa.

As políticas de formação de professores para a Educação Infantil


1. A LDB em seu artigo 62 determina que “A formação de docentes para atuar
na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, ad-
mitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em
nível médio, na modalidade Normal”. Já no artigo 87, § 4.º, nas Disposições
Transitórias, a LDB diz: “até o fim da década da Educação somente serão ad-
mitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treina-
mento em serviço”.

2. O documento em questão foi intitulado de “Referencial Pedagógico-Curri-


cular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais
do Ensino Fundamental”. Foi organizado em quatro partes com as seguintes
abordagens: análise da situação atual da formação de professores; repensar

271
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

a formação de professores; delineamento de uma proposta de referencial


pedagógico-curricular para a formação inicial de professores e critérios para
a organização institucional e curricular da formação de professores.

A formação do professor
1. O autor explica que no termo “forma” ou “fôrma”, está implícito que existe um
molde anterior a ser aplicado ao aluno. Assim, ele tentou corrigir um pouco
esta carga etimológica da palavra formar, transformando-a em “formar-se”.
Segundo ele, o pronome reflexivo se, ajuda a acabar com a ideia de passivi-
dade. Formar-se é, portanto, um processo educativo que está nas mãos do
próprio formando, que respeita a sua singularidade e que busca ampliar as
suas qualidades na intenção de transformar a sociedade em que vive.

2. Os quatro pilares são:

 aprender a conhecer e a pensar: significa formar uma inteligência crítica,


bem-estruturada e não apenas ter um grande número de informações;

 aprender a fazer: o processo de aprender a conhecer e a pensar implica


em consequências práticas, isto é, é preciso saber fazer;

 aprender a conviver com os outros: é a superação do individualismo, o


declínio da violência e dos conflitos, permitindo vivermos juntos;

 aprender a ser: é a mais difícil tarefa educativa; implica uma concepção in-
tegral do ser humano e o desenvolvimento de todas as suas dimensões.

A participação da família
1. A participação da família é importante primeiramente porque para essa
faixa etária das crianças o contato entre pais, mães e professores costuma
ser mais frequente. Esse relacionamento é fundamental para o desenvolvi-
mento infantil e para a evolução da imagem das instituições de Educação
Infantil. Ao mesmo tempo, trata-se de uma relação que envolve a tarefa de
educar uma mesma criança de forma compartilhada e a partir de contextos
tão diferentes como a casa e a creche; isso acaba, de uma maneira geral,
por gerar dificuldades e conflitos.

2. Existem diferentes formas de se trabalhar com as famílias das crianças. Pode-


mos dizer que há formas individuais e coletivas. Individualmente podemos
272
Gabarito

realizar entrevistas com os pais antes da inserção da criança na instituição;


podemos ter contatos informais no dia a dia da creche; além de organizar-
mos entrevistas previamente solicitadas, seja pela creche, seja pela família.
Já de forma coletiva, os pais podem participar de reuniões e palestras; par-
ticipar dos Conselhos ou Associações; podem conhecer melhor o trabalho
da creche através da leitura de murais; participando das festas e de projetos
especiais.

A gestão social
1. É quando um grupo de pessoas torna-se responsável pela condução dos
serviços oferecidos em uma determinada instituição. No caso das creches e
pré-escolas trata-se da participação mais direta dos pais, dos profissionais e
da comunidade na administração dessas instituições. A gestão social é uma
concepção de prática educacional, é um valor ético que envolve todos os
aspectos da experiência educativa que valoriza uma intensa relação comu-
nicativa entre educadores, pais e sociedade.

2. Apesar de ser possível ser feita gestão social em instituições privadas, o mais
comum é elas acontecerem em instituições públicas, principalmente devido
aos aspectos financeiros. Através da gestão social, isto é, trabalhando de forma
participativa, é maior a possibilidade de oferecer serviços mais adequados às
necessidades das famílias, dos educadores e dos cidadãos em geral. Também,
com o envolvimento de todos, em especial da comunidade, cria-se um reco-
nhecimento social, ou seja, a creche/pré-escola é vista como parte essencial da
vida daquelas famílias e como resposta positiva às suas expectativas.

Educação de crianças com necessidades especiais


1. Para que o projeto seja realmente integrado, o professor precisa elaborá-lo
dentro da programação normal. Esse projeto visa ao alcance da autonomia
e da identidade da criança e sua aquisição de competências nos setores mo-
tor, perceptivo, linguístico e intelectual. A implantação do projeto acontece-
rá por meio da organização prévia de metodologias específicas e estratégias
que permitem a individualização dos percursos educativos.

2. A reestruturação de ordem organizativo-estrutural requer que a instituição


de Educação Infantil tenha equipamentos adequados para que a criança
possa ter uma boa ambientação; que estabeleça relações com as instituições

273
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Educação Infantil

sociais e de saúde da região para planejar um trabalho “contínuo”; que esta-


beleça relações com as famílias a fim de ajudá-las e apoiá-las na educação;
e que torne flexíveis os tempos e os espaços de trabalho para que haja uma
diversificação das intervenções educativas e de reabilitação. Para a rees-
truturação pedagógico-didática, o fundamental é que a creche/pré-escola
consiga desenvolver um projeto integrado, e para isso é preciso que sejam
previstos momentos de entrosamento entre família, professores de turmas,
professores de apoio, profissionais especializados, dirigentes escolares, pes-
soal não docente e pessoal auxiliar.

Transformação da prática pedagógica


1. A indissociabilidade do educar e do cuidar; a organização do espaço físico; a fun-
ção do professor; a compreensão do papel da família na educação das crianças
pequenas; a formação do professor e a necessidade de se ter muito mais.

2. As diferentes formas de se pensar os espaços externos das creches/pré-escolas;


a estruturação da sala de aula (que permitam à criança escolher suas ativida-
des ou se ela quer trabalhar sozinha ou em grupo etc.); atenção e cuidado com
a decoração da sala de aula (evitar desenhos de personagens que as crianças
já conhecem); e as janelas da sala de aula (permitir que as crianças vejam o que
se passa fora da sala).

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