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A História de Três Irmãos
A História de Três Irmãos
Introdução
O texto de Gênesis parece não ser tão claro no que se refere a razão
da rejeição da oferta de Caim. Normalmente se entende que a razão da
rejeição é que tal oferta não teria sido uma oferta com sacrifício e por isso
sua oferta não foi aceita, ao passo que a de Abel teria sido aceita em pelo
mesmo motivo. John Walvoord defende essa opinião: “Embora a Bíblia
não apresente a razão dessa rejeição, enfatiza que é necessário um
sacrifício com derramamento de sangue, para o perdão dos pecados
(Hb.9.22)[20]”.
Considerando as escrituras como um todo, é fato que “sem
derramamento de sangue não há redenção dos pecados”. Por outro lado,
que evidências temos de que Caim saberia disso? Para respondermos a
essa pergunta, vamos realizar algumas considerações.
Condenação Universal do Pecado: Gênesis 3 nos ensina com clareza
que a sentença universal sobre o pecado já havia sido estabelecida. As
atitudes do casal no jardim demonstram que o relacionamento com Deus
havia sido rompido e que o pecado já se fizera presente em sua
constituição. Outro fato interessante é que Adão, criado à imagem de
Deus, gera filhos e filhas à sua própria imagem, o que suporta a idéia de
que os efeitos danosos do pecado se transmitiam de modo genealógico.
Essa situação da humanidade era irremediável por sua própria capacidade,
por outro lado, a Promessa de Deus evidenciava um descendente da
mulher como Salvador do poder da Serpente sobre os seres humanos.
A expectativa do Salvador: Em Gênesis 3.15 vemos a clara promessa
de Deus em resgatar o ser humano por meio de um varão, descendente da
mulher. Tal promessa veio antes da sentença de Adão e Eva, como
demonstração da Graça Misericordiosa de Deus. Ou seja, o modo pelo
qual Deus deseja salvar a humanidade está sendo anunciado, e diante do
todo, esse varão precisaria morrer, derramar seu sangue para que a
Redenção fosse completa.
A santidade de Deus: Outra informação que merece atenção é a clara
demonstração da santidade de Deus no Éden. Deus não convive com o ser
humano em pecado, e não aceita a humanidade no estado em que está. A
santidade de Deus não o permite aceitar o que não é santo. Por isso, é
necessário um modo pelo qual o homem possa se aproximar de Deus. Esse
modo normalmente parte Dele mesmo.
Informações conhecidas e não reveladas: Considerando os pontos
anteriores, parece óbvio que não seria qualquer atitude, atividade que
poderia colocar o homem e Deus em contato. Assim, que tipo de sacrifício
seria aceito por Deus? Tenho a impressão que Gn.3.21 prefigura esse tipo
de sacrifício. Entretanto, não há qualquer informação explícita no texto
que apresente esse fato. Aliás, é digno de nota que nenhuma referência ou
inferência a esse fato jamais acontece nas escrituras para apresentar esse
fato. As razões para isso podem estar relacionadas ao fato de que tal
informação parecia evidente e não precisava ser clarificada. Mas, ainda
assim, a conexão parece entre o conceito de sacrifício em Gn.4 exige que
alguma informação tenha sido oferecida por Deus a Caim e a Abel que
não teria sido registrada por Moisés. Tome o caso de Jó, que escreve antes
mesmo de Moisés nascer. Ele já conhecia o nome de Deus (Yahweh –
Jo.12.9), já esperava um Redentor Parente (Jó.19.25) que vive e por fim se
levantará sobre a terra, contudo sem qualquer descrição de onde teria
conseguido tal informação. Isso evidência que, ainda que Gn.3.21 não
possa ser fonte suficiente, o próprio Deus pode ter dado a conhecer que
tipo de sacrifício Ele esperava. Doutra sorte, de onde Abel tirara tal
informação? Seria apenas o caso de sorte? Entendo que não. Acredito que
tal informação era clara para ambos os irmãos, e que Caim resolveu
ignorar tal recomendação. Isso explica o modo como Deus fala sobre sua
atitude após a rejeição de sua oferta. Essa é a opinião de Matthew Finlay,
observe: “Ambos acreditavam em Deus. Ambos desejavam para adorá-Lo.
Caim trouxe uma oferta para Deus, mas não foi um sacrifício de sangue, e
Deus o rejeitou. Abel trouxe um cordeiro como sacrifício, e Deus o
aceitou. Por quê? Deus foi injusto? Não! Deus tinha revelado que somente
através de um sacrifício de sangue poderia pecadores abordagem de um
Deus santo, e Caim se recusou a fazer isso[21]”.
3. A esposa de Caim
Apesar de a pergunta ser frequente e tida por alguns como sem
solução, a resposta parece relativamente simples. O parecer comum entre
os comentaristas é que Caim casou-se com uma de suas irmãs. Gary
Fisher, sobre isso diz:
1. A Religiosidade de Caim
“O problema maior com a oferta do Caim não era a oferta em si, mas
o seu coração. Não foi um ato de adoração em verdade (por não ser
autorizada por Deus) e não foi em espírito. O coração de Caim estava
errado! O texto enfatiza, “Mas com CAIM, e com sua oferta, Deus não se
agradou.” Algo no coração dele deixava a desejar . . . talvez fosse
rebeldia, talvez ressentimento, talvez indiferença, talvez apatia espiritual.
Talvez ficasse indignado que tinha que doar para um ser celestial invisível
o fruto do seu suor e labor. O que sabemos com certeza é que não foi de
coração mas “de boca para fora”que ele fez sua oferta. E os eventos que
seguem verificam esse fato. Quando repreendido por Deus, ele revela seu
desgosto, sua amargura, sua hostilidade diante do Criador. Algo horrível
está acontecendo no coração dele[39]”
2. A Rebeldia de Caim
A adoração vazia de Caim não foi suficiente para comprar o favor e a
benevolência de Deus. Embora Caim pudesse ter oferecido a Yahweh, ele
não tinha feito como era devido, e as escrituras demonstram como Caim
se rebelou contra o Senhor.
…de Caim e de sua oferta: Chamo a sua atenção a um detalhe já
apresentado: Deus não se agradou de Caim em primeiro lugar. Tenho a
impressão que a ordem de palavras aqui é significativa: Por não ter se
agradado de Caim a oferta que trouxera também não fora aceita. Tendo a
crer que a oferta segue o coração do ofertante. Não há oferta agradável se
não há um coração grato por trás da oferenda. Sobre isso, Calvino nos
instrui:
“Não se pode duvidar, que Caim comportou-se como os hipócritas
estão acostumados a fazer; ou seja, que ele queria apaziguar Deus, como
um cumprimento de uma dívida, através de sacrifícios externos, sem a
menor intenção de se dedicar a Deus. (…) Quando Deus vê tamanha
hipocrisia, combinada com brutal escárnio manifesto contra Ele mesmo,
não é surpreendente que ele odeie, seja incapaz de suportar, de onde
segue-se também, que ele rejeita com desprezo os trabalhos daqueles que
se afastam Dele[40]”.
É também importante olhar para as escrituras para verificarmos que
impressões essa história deixou sobre os autores sagrados. Em primeiro
lugar, deve-se lembrar do Apóstolo João, que diz que o problema com
Caim eram suas atitudes (1Jo.3.12). Entretanto, o autor de Hebreus
entende a rejeição de Deus estava ligada ao fato de que o sacrifício de
Caim não tinha sido excelente (Hb.11.4). O que podemos concluir com
isso é que, tanto o caráter de Caim estava em desacordo com a expectativa
de Deus quanto sua oferta. Com isso, aprendemos que tanto adoração e
comportamento estão intimamente ligados.
Irou-se sobremaneira: O texto não e claro em descrever como Deus
teria rejeitado sua oferta, mas é claro que, pela descrição do texto, Caim se
apercebeu da rejeição e isso lhe deixou irado. Contra quem Caim ficou
irado o texto não é plenamente claro, mas parece evidente que a ira de
Caim deu-se primeiramente contra Deus, mas que tenha se desenvolvido
contra seu irmão. É interessante que, do mesmo modo que a rejeição de
Deus pela oferta de Caim é visível para Caim, a ira de Caim contra Deus é
plenamente perceptível para Deus.
Descaiu o Semblante: A expressão descrita quase literalmente pela
ARA, descreve de modo figurado que a ira de Caim havia se tornado tão
evidente que seu semblante já o testemunhava. Note o contraste entre o
semblante descaído de Caim, e o rosto levantado de Deus como sinal de
bênção para o povo em Nm.6.26. O contraste entre os dois tipos de
semblante nos serve para descrever a situação de Caim como
profundamente irado.
3. Graça Preventiva
Note que, embora Caim tenha sido rejeitado do mesmo modo que sua
oferta, Deus não havia o abandonado. O texto continua a descrever uma
interação de Deus com Caim que reflete cuidado e graça.
Por que andas irado? A aproximação de Deus nesse verso não o
apresenta como um Deus desinformado da razão do furor de Caim, muito
pelo contrário, de forma graciosa Deus aproxima-se de Caim para auxiliá-
lo com sua Ira. Sobre isso Barnes diz que “O Senhor ainda não desistiu de
Caim. Em grande misericórdia Deus interage com ele. Ele coloca uma
questão que demonstra que não há justa causa seus sentimentos[41]”.
Kidner vê nessa aproximação de Deus “Seu apelo para a razão e Seu
interesse pelo pecador [que] são assinalados tão vigorosamente como Seu
interesse pela verdade e pela justiça[42]”. Do mesmo modo que Deus se
apresenta como Justo nesse texto, ele também se apresenta como
Gracioso. A rejeição de Caim não era definitiva, a tal ponto que Ele
mesmo estava interessado na restauração de Caim.
Se procederes bem: Após sua graciosa aproximação, Deus também
deixa com Caim alguns conselhos práticos para enfrentar a situação que
tinha diante de si mesmo. Mas, o que poderia ser um bom procedimento
para o momento? É bem verdade que nenhuma instrução específica sobre
o assunto havia sido dada, mas tendo a crer que Caim teria entendido.
Deffinbuag sobre isso diz: “Ainda que não saibamos os pormenores do
que o “proceder bem” envolvia, Caim sabia. O problema de Caim não era
falta de instrução, mas insurreição e rebelião contra Deus[43]”. De fato,
essa expressão aponta, do meu ponto de vista, que a questão fundamental
da rejeição era o comportamento e não a oferta em si.
Contudo, não podemos deixar de considerar que o Deus Todo-
Conhecedor estava a falar com Caim e que proceder bem pode certamente
implicar em não fazer o que Caim parecia predisposto a. Barnes alude ao
fato de que Caim teria um caminho de retorno a uma postura aceitável
diante de Deus que incluiria reconsiderar seu modo de viver, de oferecer
ao Senhor com intenção correta[44].
Serás aceito: Uma breve nota deve ser feita aqui: “No hebraico,
aceito é literalmente um exaltar, expressão que pode indicar um semblante
sorridente contrariamente a um semblante carrancudo (descaído). Pode ser
que o sentido seja o de que o simples olhar para o rosto de Caim o traia;
mas provavelmente vai além, incluindo a promessa de restauração da parte
de Deus sobre uma mudança de coração[45]”.
E se não fizeres bem: O leitor poderia esperar aqui uma sentença de
Deus: “Se não fizeres bem, você morrerá”. Entretanto não é assim que
Deus procede para com Caim. Em primeiro lugar, devemos admitir que
ele já havia feito o que não era bom, com sua oferta arrogante. Contudo,
em seu diálogo, Deus evidência que ele poderia manter-se nesse caminho
errôneo, mas assegura que, embora não recomendável, isso não implicaria
em um caminho sem retorno Aliás, é digno de nota, que o caminho que
teria adotado até aqui ainda tinha retorno e Deus, graciosamente tinha se
aproximado de Caim para adverti-lo. Krell, sobre isso diz:
“Isto implica claramente que Caim sabia o que era certo. Ele sabia
que a qualidade da oferta a se levar e optou por não trazê-la. Ele
sabia que seu coração não estava adequado, mas ele optou por não
abordar a questão. No entanto, este versículo mostra também a
graça de Deus, pois Caim foi ainda convidado a apresentar a oferta
correta. Deus o avisou e queria que Caim “fizesse o bem”, mas
Caim endureceu o seu coração[46]”
Más notícias:
O pecado está a nossa espera. A influência do mundo, da carne, do
Diabo sempre conspiram a favor da nossa queda. Tudo o que lhe falta é
oportunidade.
O pecado nos deseja, ou melhor, nossa carne deseja o pecado. Por
sermos conhecedores do bem e do mal, nos tornamos aptos a saber o
certo, mas desejamos o errado.
Boas Notícias:
Nós podemos dominar o pecado. A partir da salvação em Cristo,
somos habilitados a suportar a provação, uma vez que Deus conhece nossa
capacidade pessoal e não permitirá que uma tentação venha sobre nós a tal
ponto que não possamos suportar. Krell usa uma figura interessante para
descrever esse fato: “Quando a tentação bater à porta, nós pedimos para
que Jesus atenda[49]”.
Nós podemos nos humilhar e voltar a Deus. Ainda que um erro tenha
acontecido, como aconteceu com Caim, podemos ter a certeza que
podemos nos voltar a Deus humildemente arrependidos por nossas faltas e
prontos a aceitar Dele a devida punição graciosa que tem a oferecer para
nos purificar o caráter.
4. O assassinato de Abel
É interessante que a despeito de todos os alertas divinos Caim
manteve-se obstinado eu seu furor contra seu irmão. Sua completa
rejeição do conselho de Deus demonstra também que Caim dava pouco
valor às palavras de Deus. A ira já tinha tomado conta de sua vida e
capacidade de reflexão. Caim havia entrado naquele estágio de ignorância
provocada pelo aguçar do pecado em nossa vida. Trata-se daquele ponto
em que, tomado por ódio, tudo o que se pensa é em como descarregar a
raiva e o ódio.
Vamos ao Campo: Por que razão ir ao campo? Uma vez que
sabemos que o pecado de Caim é premeditado, temos por certo que ele
não está a oferecer um passeio ao campo. Alguns comentaristas tem visto
nisso uma declaração de cuidado preventivo de Caim que não queria que o
crime tivesse testemunhas. De fato, quanto mais longe das pessoas, mais
liberdade para apregoar sua ira Caim teria.
Keil & Delitzsch nos lembram que tal punição não era demasiada,
pois “a terra foi obrigada a beber o sangue inocente, [e] ela se rebela
contra o assassino, e quando ele cultivá-la, ela irá retirar a sua força, de
modo que a terra não possa produzir[62]”. Se o homem havia sido criado
para encontrar no trabalho satisfação, Caim está fadado a nem nisto ter
satisfação. “Ele foi banido para uma parte menos produtiva da terra,
removida da presença de Deus e da sociedade de seu pai e sua mãe, e
abandonado a uma vida errante e incerteza. A sentença de morte já tinha
sido pronunciada sobre o homem[63]”.
“Tudo com o que Caim se preocupava era ele mesmo. Não foi
medo ou reverência a Deus, não para lamentar a perda de vidas
inocentes, não há tristeza pelo pecado, e nenhum pensamento para
os seus pais que perderam um filho tragicamente com o
assassinato e estaria perdendo uma outra por causa da rebelião.
Houve apenas uma preocupação consigo mesmo. O assassino tem
medo de ser morto[64]”.
1. A Adoração de Abel
O que podemos perceber é que, a semelhança de Caim, Abel também
se aproximou de Deus com sua oferta. Entretanto a descrição de sua oferta
é tanto diferente do que se vê com Caim.
Pastor de Ovelhas: “Abel era um pastor de ovelhas (2), uma
profissão nobre, pois numa época em que os homens ainda não comiam
carne (veja 9.3), ovelhas serviriam para pelo menos 2 propósitos: 1)
Cobrir a nudez do homem, que tem precedente no próprio ato de Deus
(3.21) e 2) Servir de oferta, um sacrifício pelo pecado, também conforme
o modelo de Deus (3.21)”[71].
Primícias de seu Rebanho: Note que a oferta de Abel foi similar a
oferta feita por seu irmão Caim. Caim era lavrador e ofereceu o fruto do
seu trabalho. Abel era pastor de ovelhas e trouxe a Yahweh o fruto do seu
trabalho. Por outro lado, note que o silêncio agora é sobre a qualidade da
oferta dada por Caim. A oferta de Abel era uma oferta das suas primícias.
O termo hebraico “bekowrah” é usado poucas vezes no AT, e
normalmente significa primogênito (Gn.43.33), ou até mesmo
primogenitura (Gn.25.31). O sentido expresso aqui é bem captado pelas
antigas versões portuguesas que verte a expressão como “primogênitos do
seu rebanho”. A idéia que se tem desse texto é que Abel trouxe o que
tinha de melhor. Seria isso um contraste com a oferta de Caim? Diante do
caráter que Caim apresenta nesse capítulo não seria de se estranhar que
sua oferta tivesse sido de baixa qualidade. Contudo, sobre isso, podemos
apenas inferir. O que é certo é que Abel ofereceu do que tinha de melhor.
Yahweh se agradou de Abel e sua oferta: Como já temos
demonstrado, Deus se agrada primeiramente de Abel e conseqüentemente
de sua oferta. Isso me sugere que tal ordem é importante: A aceitação da
oferta depende do coração do ofertante. Como Abel pode perceber que
Deus aceitou sua oferta? O texto não especifica e muitas especulações são
feitas sobre o assunto. “O olhar do Senhor em todo caso, é um sinal
visível de satisfação. É opinião comum e antiga que o fogo consumiu o
sacrifício de Abel e, assim, mostrou que foi gentilmente aceitou[72]”. Seja
como for, tanto aprovação como reprovação foram claramente percebidos
por Caim e Abel.