Você está na página 1de 40

A História de Três Irmãos: Caim, Abel e Sete

O estudo sobre Caim e Abel é certamente um ponto controvertido no


livro de Gênesis. Para falar com franqueza, os primeiros 11 capítulos de
Gêneses têm caráter controvertido. É bem verdade que tais dificuldades
hermenêuticas não são insolúveis ou sem propostas de tratamento,
entretanto, ainda assim são cercadas de ceticismo.
Nossa proposta não é resolver problemas antigos a teologia, mas
refletir sobre a real problemática dessas dificuldades, considerar algumas
possibilidades para os mesmos casos e então propor uma conclusão
plausível para cada uma das dificuldades observadas. Observe, nosso
objetivo não é oferecer uma conclusão definitiva para tais assuntos, mas
uma que seja plausível.
Feito isso, trataremos da narrativa com devida atenção ao
relacionamento estabelecido entre Deus e suas criaturas conforme
observado pelo capítulo 4 de Gênesis.

Introdução

Como já temos dito, estudar o livro de Gênesis associa duas atitudes


do cristão que dele se aproxima: devoção e intelectualidade. Devoção,
pois nele encontram-se as palavras de Deus, suas orientações, ensinos e
exortações. Intelectualidade, pois nele também se encontram obstáculos
para a compreensão da verdade exposta em suas páginas. Portanto, é com
essa perspectiva que passamos a observar os seguintes aspectos do
capítulo 4 e 5 de Gênesis: (1) O Papel das Genealogias; (2) A oferta, (3) A
esposa de Caim.

1. O Papel e Significado das Genealogias em Gênesis:

“As genealogias bíblicas são numerosas, mas ainda assim são,


provavelmente, as porções mais frequentemente ignoradas da Bíblia. A
maioria das pessoas acha que as genealogias não são interessantes e
difíceis de aplicar às circunstâncias atuais[1]”

A princípio não podemos ignorar esse fato: As genealogias não são


interessantes a muitos leitores das escrituras, e de fato, são difíceis de
serem aplicadas a nossa vida com Deus. Por outro lado, o Deus que se
revela nessas páginas das escrituras deve ter um propósito com tal
inclusão, e por isso observamos tais porções com zelo e sabedoria.
O primeiro grande obstáculo à mente moderna sobre a validade das
escrituras repousa sobre as genealogias de Gênesis, não por serem
extensas ou aparentemente repetidas ou repetitivas, mas por conterem
afirmações de longevidade invejáveis aos adeptos da cosmética
antiguidade.

5 Os dias todos da vida de Adão foram novecentos e trinta anos; e


morreu (…) 8 Todos os dias de Sete foram novecentos e doze
anos; e morreu (…) 11 Todos os dias de Enos foram novecentos e
cinco anos; e morreu (…) 14 Todos os dias de Cainã foram
novecentos e dez anos; e morreu (…) 17 Todos os dias de
Maalalel foram oitocentos e noventa e cinco anos; e morreu (…)
20 Todos os dias de Jarede foram novecentos e sessenta e dois
anos; e morreu (…) 23 Todos os dias de Enoque foram trezentos e
sessenta e cinco anos (…) 27 Todos os dias de Metusalém foram
novecentos e sessenta e nove anos; e morreu (…) 31 Todos os dias
de Lameque foram setecentos e setenta e sete anos; e morreu.

A ordem seguida na genealogia é interessante: Gerar, viver e


morrer. Essa relação da existência humana é certamente bem retratada
por essas genealogias. O uso recorrente do verbo morrer (heb. muwth)
relembra com clareza a recomendação de Yahweh sobre a certeza da
morte, caso Adão desobedecesse. Todos os descendentes de Adão, com
possível exceção de Enoque, morreram fruto da desobediência de Adão.
Todos estão fadados a esse destino.
Contudo, as descrições de tempo observadas levantam sérias
dúvidas quanto ao relato de Moisés. Note que o personagem com menor
idade narrado viveu 365 anos! Aos olhos da nossa concepção de
longevidade esses dados são plenamente incompatíveis com a realidade da
humanidade. Por isso, algumas teorias foram anunciadas para
compreender esses dados.
A visão mais literal: A visão mais literal, em geral preza pela
validade numérica e conceitual das genealogias, entretanto, muitas
propostas foram feitas para Gn.5, observe:
Lutero sugeriu que a longevidade dos patriarcas anti-diluvianos se
dava em função de uma melhor dieta combinada com um corpo mais
saudável em função de pouco tempo da entrada do pecado[2]. Contudo,
essa visão causa severos problemas para a compreensão da vida tal
como está, sem contar no alto grau especulativo da proposta. Outro
detalhe é que, se o tempo da raça humana deteriora com o tempo em
função da presença do pecado, hoje deveríamos viver muito menos do que
temos vivido, sem contar no caso de culturas que, por meio do
desenvolvimento higiênico e sanitário, aumentaram sua expectativa de
vida nos últimos anos, o que contraria a proposta de Lutero.
Calvino entende o registro final de tempo depende do tempo total em
que os patriarcas viveram juntos[3]. Segundo essa interpretação Adão
teria vivido 130 anos (v.3) e sua família/tribo 930 anos (v.5) Entretanto,
Derek Kidner opõe-se veementemente à essa conclusão, pois “Enoque e
Noé são exceções fatais para a teoria, pois os dois são claramente
retratados como indivíduos até o fim[4]”.
Clyde Francisco cita a Lista de Reis Sumérios que chegou até nós
através de Berossus, um historiador grego. Nessa lista encontram-se 10
dignitários do período anti-diluviano e um dentre eles, à semelhança de
Enoque, não morre. De modo interessante, esse mesmo documento
demonstra que a longevidade desses homens era ainda maior que as
apresentada por Moisés. Para Clyde, existe alguma relação entre o relato
de Moisés e tal documento, embora não possa determinar qual, ou quão
grande teria sido tal influência. Segundo ele, “não há nenhuma forma de
provar que os patriarcas não viveram tanto tempo quanto o Velho
Testamento diz que viveram (…) Certamente os escritores bíblicos não
adicionaram ou subtraíram anos das genealogias que receberam. As idades
registradas refletem o contexto da tradição quando as fontes foram
compostas”. A proposta de Clyde embora nobre, por preservar a
literalidade do texto é fundamentada na edição do mesmo e na
dependência de um texto que não temos como saber se Moisés teve
acesso, ou até mesmo à tradição do mesmo.
Derek Kidner reconhece a existência de proposições similares a de
Moisés relativas a longevidade de seres humanos do passado, mas ao
contrário de Francisco, ele não as toma como interdependentes, mas como
demonstração de que, por meio de diferentes autores antigos, um fato
pode ter sido registrado. Observe o que diz: “Só podemos dizer que os
períodos de duração da vida devem ser entendidos literalmente. Talvez
valha a pena pensar que o nosso índice comum de crescimento não é o
único que se pode conceber; e também que várias raças tem tradições de
longevidade primitiva que poderiam provir de reminiscências
autênticas[5]”.
James Ussher entendeu que os anos apresentados em Gênesis de 5 a
11 são literais e conseguintes, e concluiu que Adão teria vindo a existir em
4004 anos antes de Cristo. O pressuposto fundamental dele é que as
genealogias são completas e não tem lacunas. Esse modo de interpretação
é provavelmente o mais rejeitado dentre todas as propostas.
Willian Henry Green demonstra que as genealogias bíblicas
normalmente apresentam lacunas, como essa apresentada em Gn.5.
Segundo ele, essa genealogia foi intencionalmente arranjada, em função
da clara estrutura existente. Em relação às genealogias de Gn.5-11, ele
atesta que “cada genealogia inclui dez nomes, sendo Noé o décimo
depois de Adão, e Terá o décimo de Noé. Todo fim tem um pai tendo três
filhos, como no caso da genealogia Canita (4.17-22). A genealogia de
Sete (cap.5) culmina no sétimo membro Enoque, que andou com Deus, e
ele não era, mas Deus o tomou para si. A genealogia Canita também
culmina no sétimo membro, Lameque, que era polígamo, vingativo e
cheio de arrogância [6]”. Esse tipo de arranjo certamente favorece a idéia
de que a intenção não foi uma genealogia cronológica, mas referencial.
John White Comb sugeriu que a longevidade dos seres humanos
estava ligada com as diferentes condições climáticas do período anti-
diluviano, baseado na idéia de um dossel de vapor de água que protegia a
terra da física e geneticamente nociva radiação solar. Concordam com
essa proposta Fazale Rana, Hugh Ross e Richard Deem.
Outros já sugeriram que as medidas de tempo não são
necessariamente as mesmas que temos hoje, e que é possível que o termo
“anos” fosse compreendido como “meses”. Assim, os 969 anos seriam
969 meses, ou cerca de 81 anos, o que tornaria compreensão do texto
muito mais aceitável. Contudo, se esse esquema fosse adotado para todos
os casos, Enoque teria apenas 5 anos (ou 65 meses) de idade quando gerou
Matusalém. Sobre esse tipo de tratamento, Kidner também diz: “É
igualmente infrutífera a idéia de que as unidades de tempo podem ter
mudado de sentido. Além de produzir novas dificuldades nos versos 12,
15, 21, falha completamente na cronologia pormenorizada que se acha
entre 7.6 e 8.13[7]”. Essa proposta tornaria a proposta de Gn.6.3 em um
absurdo.
Fazale Rana acredita que os anos dos personagens apresentados em
Gn.5 são literais em função da assertiva divina em 6.3, que afirma que em
função da maldade recorrente na humanidade, Deus resolveu reduzir a
vida do ser humano a 120 anos. Ele também defende que o avanço da
bioquímica pode sugerir modos pelos quais Deus pode ter permitido seres
humanos viverem tanto tempo. Segundo Rana, “cientistas descobriram
diversos distintivos bioquímicos que ou causam, o são associados com o
envelhecimento. Mesmo uma pequena alteração na química celular pode
ser responsável pelo envelhecimento, ou em alguns casos, aumentar a
expectativa de vida cerca de 50%[8]. Essas descobertas apontam para
diversas possibilidades pelas quais Deus permitiu a longevidade e então
alterou a expectativa da vida humana – simplesmente alterando a
bioquímica humana[9]”.
Norman Geisler se opõe a proposta de Calvino em função de que
linhas familiares não geram ou morrem, nem podem ser definidas por
“tiveram filhos e filhas”. Rejeita a noção de que o termo anos aqui teria
outra conotação, como sugerida por outros comentaristas. Entretanto, ele
concorda com Rana e defende que Gn.6.3 define que o termo anos, não
pode ser considerado de outro modo. Também defende que após o dilúvio
o tempo de vida do homem decresceu, como Gn.6.3 afirmou. Também
concorda com Clyde e Kidner ao defender que as escrituras não são as
únicas a apresentarem seres humanos com tamanha longevidade.
Entretanto, a proposta de Geisler é que os anos devem ser considerados
como anos lunares de 360 dias[10].
Embora possam existir outras proposições literais, podemos
compreender como se comportam aqueles que optam por uma cronologia
literal: Tentam tratar do texto como um todo e não deixar lacunas
hermenêuticas para trás, mas fundamentalmente, tratam dos números
como dados reais. Entretanto, isso não significa necessariamente que
todos sejam favoráveis à versão numérica do texto massorético, mas que
são favoráveis ao sentido literal do valor numérico. Sobre as diferentes
leituras desse texto falaremos com mais detalhes mais à frente.
A visão mais simbólica: A proposta mais simbólica, em geral, toma
os valores numéricos com significados diferenciados. Por exemplo,
Waltke sugere que o arranjo literário dessa passagem não pode ser um
acaso[11], ao passo que Plaut atesta que essa passagem demonstra uma
predileção para o simbolismo numérico[12]. Andrew Kvasnica atesta que
“essas opiniões estão relacionadas a prevalência dos números 7 e 10,
conhecidos respectivamentes em diversos textos do Oriente Médio Antigo
por sua perfeição e plenitude. A lista de 10 nomes em Gn.5 levou muitos a
ver uma indubitável e deliberada construção de nomes para se enquadrar
no esquema de um padrão de 10 gerações[13]”.
Existem diversas outras propostas simbólicas, mas o que se precisa
observar é que, independentemente do proponente, o fundamento
essencial é a consideração não literal dos números, seja pela conexão com
a “numerologia” antiga, ou com suposições aleatórias, as idéias sempre
giram em torno de valores não numéricos aos números ou à estrutura do
texto.
Uma proposta literal/simbólica: Essa proposta é uma adaptação dos
dois primeiros modos de interpretação. Kvasnica sugere que tal modo de
interpretação toma a estrutura como literal, mas os números relativos à
longevidade como organizada mediante um padrão numérico. Ou seja, não
trata-se de número exato de anos, mas de um arranjo numérico. Por
exemplo, a semelhança de Clyde Francisco, os proponentes dessa teoria
entendem que existe uma relação entre a Lista dos Reis Sumérios, porém,
estabelecem um arranjo literário para obra como um padrão para o
entendimento de Gênesis. Como, aparentemente, a alguns textos sumérios
tem predileção pelo número 60, muitos proponentes iniciaram com esse
número, embora, muitas outras propostas tenham sido feitas[14].
É importante dizer que tal proposta é uma alternativa frágil, uma vez
que não é possível determinar que tipo de influência, se é que existiu
alguma, dos antigos textos sumérios nos textos de Moisés. Muito embora
alguns comentaristas, como Wenham[15], achem a matemática
interessante, são muitos os comentaristas que rejeitam suas
conclusões[16].
Outro detalhe importante é que não parece prudente submeter o
entendimento das escrituras a outras literaturas antigas muito
provavelmente não relacionadas. Essa iniciativa, embora seja realizada
por pessoas altamente capazes, sugere que o sentido do texto é devido a
interpretações de textos que não se sabe se os leitores originais tiveram
acesso. Sem contar que o modo interpretativo desses documentos não é
unânime ou sem conflito. Portanto, é seguro afirmar que tal proposta não é
aceitável, embora difundida e aceita em alguns círculos teológicos.
A visão mítica: Essa é a visão menos honesta com o texto, pois
considera que os nomes tem alguma significância, mas os números são
mitos. Considerando que outros textos antigos continham números ainda
maiores que os encontrados em Gênesis (cf. 18.000; 36.000), Joseph
Jacobs entende que ele são adaptações dos relatos míticos antigos[17].
Westtermann prefere optar por uma declaração de grande antiguidade, e
portanto, descarta o valor numérico dos mesmos[18]. Seja como for, não
importam os números usados, o que se quer dizer é que eles viviam mais
que seus descendentes atuais e que o decréscimo do tempo demonstra a
falência da raça humana.
Contudo, se esse fosse a intenção de Moisés ele poderia ter usado
essas palavras, mas ele não o fez. Os números devem ter um significado
mais específico do que o vago valor assumido por esses que entendem que
trata-se de um relato real de detalhes míticos.
Conclusão: Antes de qualquer conclusão plausível, é importante
considerar alguns detalhes sobre as genealogias apresentada nas
escrituras:

1. Propósito: É digno de nota que as genealogias bíblicas não foram


escritas para uma análise cronológica como supôs James Ussher.
Também é importante dizer que a genealogia de Gn.5 não é uma
genealogia completa e que foi arranjada literariamente para conter uma
sequência de 10 gerações (Gn.5.3-), com ênfase especial no sétimo
descendente (Enoque, Lameque) sendo que o último sempre gerava três
filhos. Esse arranjo por outro lado não atesta seu simbolismo ou sentido
mitológico, mas que diante das informações que dispunha, o autor
organizou-as cronologicamente sem ocupar-se em oferecer uma
genealogia completa. Isso deve-se ao objetivo do autor, que não era
remontar exaustivamente a linhagem da humanidade, mas demonstrar a
formação de diferentes povos em função de diferentes personagens
históricos. Observe a declaração de Millan sobre o assunto: “As
genealogias bíblicas se dividem em três categorias principais de acordo
com sua finalidade: familiar, jurídico-político e religioso. Genealogia
Familiar (ou doméstica) são especialmente preocupadas com a herança
e os privilégios dos filhos primogênitos. Genealogias Jurídico-político
são essencialmente centradas em reivindicações para um cargo
hereditário, mas outros exemplos incluem o estabelecimento de
ascendência para a organização da terra, os agrupamentos territoriais e
serviço militar. Genealogias Religiosas eram utilizadas principalmente
para estabelecer a associação no sacerdócio levítico e Aarônico. A
função de uma genealogia determina em grande parte de sua estrutura e
organização. Em cada um desses casos, há pouca razão ou a
necessidade de dar uma lista completa de nomes, pois é ascendência, e
não o real número de gerações que é importante[19]”
2. Linguagem: Para compreender esse fato é importante recorrer à
distância da linguagem moderna e àquela usada em Gênesis. Por
exemplo, em nosso idioma nós temos termos como avô, pai, tio, primo
entre diversos outros para descrever relações familiares. Contudo, o
termo hebraico para “filho” (hb. Ben) poderia ser entendido como
filho, neto, bisneto ou até mesmo descendente. Do mesmo modo, o
termo hebraico para “pai” poderia significar pai, avô e até mesmo
progenitor. Tome por exemplo Gn28.13: “Eu sou o SENHOR, Deus de
Abraão, teu pai, e Deus de Isaque”. Note que Abraão não era pai Jacó,
mas avô. Do mesmo modo, o termo “gerou” (hb. Yalad), não implica
necessariamente na produção de um novo ser, mas na relação familiar
existente entre eles. Assim, não se deve tomar como determinante a
relação entre os substantivos ligados por tal verbo.
3. Abrangência: Outra percepção importante é que os nomes
apresentados são geralmente os mais importantes. A existência da
declaração “teve filhos e filhas” demonstra que muitos personagens
históricos não foram apresentados na genealogia. Portanto, deve se
considerar que Moisés, diante das informações que possuía, não
apresentou todas, mas optou por apresentar somente as que eram
relevantes para sua obra.
Tendo dito isso, podemos afirmar que as propostas que tendem ao
mito não devem ser consideradas como válidas, uma vez que reduzem as
escrituras a literaturas sem valor. Já as mais simbólicas são tão diversas
em proposição e análise que seria difícil manter por todo o Pentateuco o
mesmo critério de interpretação. A opção mais mista, entre o simbólico e
o literal parece uma alternativa covarde que não assume nem uma nem
outra opção.
Considerando as limitações de uma Genealogia, podemos assumir
com segurança que a leitura literal é preferida em relação às outras. Isso
não significa que não se tenha dificuldades com a mesma, mas que, dentre
as dificuldades hermenêuticas, é a que apresenta mais plausibilidade
escriturística. Diante da diversidade de opiniões sobre o assunto do ponto
de vista literal, deve-se dizer que as opções de Calvino, Lutero, Ussher,
Clyde e a que defende uma nova leitura quantitativa para o termo ano,
devem ser desconsideradas por não serem plausíveis. Já as opções que
tendem a uma visão mais científica (Comb, Rana) devem ser analisadas
com mais critério e objetividade, embora sejam particularmente
interessantes e não sejam excluam outras opções hermenêuticas. No que
se refere à comparação com textos sumérios antigos, a similaridade revela
não a dependência de Moisés aos mesmos, mas a declaração de fatos
verdadeiros (e exagerados) concebidos por outros autores antigos.
Portanto, entendo que a Genealogia de Gn.5 tem um papel mais
descritivo que cronológico, cuja ênfase não é a definição de gerações, mas
declaração de ascendência. O contraste entre a genealogia do cap.4 e 5
servem para demonstrar a distinção entre o povo eleito e as outras nações,
que paulatinamente pervertiam os ideais divinos estabelecidos na criação.

2. A rejeição da oferta de Caim

O texto de Gênesis parece não ser tão claro no que se refere a razão
da rejeição da oferta de Caim. Normalmente se entende que a razão da
rejeição é que tal oferta não teria sido uma oferta com sacrifício e por isso
sua oferta não foi aceita, ao passo que a de Abel teria sido aceita em pelo
mesmo motivo. John Walvoord defende essa opinião: “Embora a Bíblia
não apresente a razão dessa rejeição, enfatiza que é necessário um
sacrifício com derramamento de sangue, para o perdão dos pecados
(Hb.9.22)[20]”.
Considerando as escrituras como um todo, é fato que “sem
derramamento de sangue não há redenção dos pecados”. Por outro lado,
que evidências temos de que Caim saberia disso? Para respondermos a
essa pergunta, vamos realizar algumas considerações.
Condenação Universal do Pecado: Gênesis 3 nos ensina com clareza
que a sentença universal sobre o pecado já havia sido estabelecida. As
atitudes do casal no jardim demonstram que o relacionamento com Deus
havia sido rompido e que o pecado já se fizera presente em sua
constituição. Outro fato interessante é que Adão, criado à imagem de
Deus, gera filhos e filhas à sua própria imagem, o que suporta a idéia de
que os efeitos danosos do pecado se transmitiam de modo genealógico.
Essa situação da humanidade era irremediável por sua própria capacidade,
por outro lado, a Promessa de Deus evidenciava um descendente da
mulher como Salvador do poder da Serpente sobre os seres humanos.
A expectativa do Salvador: Em Gênesis 3.15 vemos a clara promessa
de Deus em resgatar o ser humano por meio de um varão, descendente da
mulher. Tal promessa veio antes da sentença de Adão e Eva, como
demonstração da Graça Misericordiosa de Deus. Ou seja, o modo pelo
qual Deus deseja salvar a humanidade está sendo anunciado, e diante do
todo, esse varão precisaria morrer, derramar seu sangue para que a
Redenção fosse completa.
A santidade de Deus: Outra informação que merece atenção é a clara
demonstração da santidade de Deus no Éden. Deus não convive com o ser
humano em pecado, e não aceita a humanidade no estado em que está. A
santidade de Deus não o permite aceitar o que não é santo. Por isso, é
necessário um modo pelo qual o homem possa se aproximar de Deus. Esse
modo normalmente parte Dele mesmo.
Informações conhecidas e não reveladas: Considerando os pontos
anteriores, parece óbvio que não seria qualquer atitude, atividade que
poderia colocar o homem e Deus em contato. Assim, que tipo de sacrifício
seria aceito por Deus? Tenho a impressão que Gn.3.21 prefigura esse tipo
de sacrifício. Entretanto, não há qualquer informação explícita no texto
que apresente esse fato. Aliás, é digno de nota que nenhuma referência ou
inferência a esse fato jamais acontece nas escrituras para apresentar esse
fato. As razões para isso podem estar relacionadas ao fato de que tal
informação parecia evidente e não precisava ser clarificada. Mas, ainda
assim, a conexão parece entre o conceito de sacrifício em Gn.4 exige que
alguma informação tenha sido oferecida por Deus a Caim e a Abel que
não teria sido registrada por Moisés. Tome o caso de Jó, que escreve antes
mesmo de Moisés nascer. Ele já conhecia o nome de Deus (Yahweh –
Jo.12.9), já esperava um Redentor Parente (Jó.19.25) que vive e por fim se
levantará sobre a terra, contudo sem qualquer descrição de onde teria
conseguido tal informação. Isso evidência que, ainda que Gn.3.21 não
possa ser fonte suficiente, o próprio Deus pode ter dado a conhecer que
tipo de sacrifício Ele esperava. Doutra sorte, de onde Abel tirara tal
informação? Seria apenas o caso de sorte? Entendo que não. Acredito que
tal informação era clara para ambos os irmãos, e que Caim resolveu
ignorar tal recomendação. Isso explica o modo como Deus fala sobre sua
atitude após a rejeição de sua oferta. Essa é a opinião de Matthew Finlay,
observe: “Ambos acreditavam em Deus. Ambos desejavam para adorá-Lo.
Caim trouxe uma oferta para Deus, mas não foi um sacrifício de sangue, e
Deus o rejeitou. Abel trouxe um cordeiro como sacrifício, e Deus o
aceitou. Por quê? Deus foi injusto? Não! Deus tinha revelado que somente
através de um sacrifício de sangue poderia pecadores abordagem de um
Deus santo, e Caim se recusou a fazer isso[21]”.

Sobre o assunto, Walvoord acrescenta:

“A Caim é dito claramente que o caminho do perdão é através da


oferta de um sacrifício de sangue. A oferta de Abel dos primogênitos do
seu rebanho e da gordura deste (Gn 4:4) foi aceito. Sem dúvida, a oferta
refletiu a condição espiritual do proponente, mas o ponto é que os recursos
de iluminação de Deus a Caim, com base em revelação dada
anteriormente. Abel e Caim sabiam que tanto o sacrifício pelo pecado
deveria ser um animal especial, um cordeiro, um cordeiro particular, o
primogênito, e uma parte específica do cordeiro, a gordura. Esse
conhecimento pode vir apenas da revelação[22]”.
É bem verdade que Walvoord acresce uma dose maior de
especulação ao não oferecer qualquer evidência sobre o assunto, mas
aquelas que já temos demonstrado parecem suportar tal conclusão.
Contudo, é importante notar que o diálogo de Caim e Deus após a rejeição
trata mais de sua atitude que sua oferta. Observe:
“O Senhor disse que ele não olha com favor para Caim e sua oferta.
O texto não diz que Deus não olha com favor para a sua oferta; o caso era
tanto com Caim como com sua oferta. Assim, podemos supor que algo
estava errado com sua atitude. Este aspecto é reforçado pelo fato de que o
sistema levítico (que esta passagem antecipa no Pentateuco), onde vemos
uma ligação entre a atitude correta da fé do fiel, podemos assumir que é
importante aqui. Resumindo eu acho que a oferta de Caim não foi
oferecida em fé e melhor que ele poderia oferecer. Sua reação a Deus e
seu irmão indica raiva contra Deus, provavelmente porque ele foi exposto
como pecador elas ações justas do seu irmão e um questionamento sério
da obediência sincera sobre este assunto[23]”
Sobre o assunto, recomendamos o leitor observar essas considerações
nas observações à Genesis 4, pouco à frente.

3. A esposa de Caim
Apesar de a pergunta ser frequente e tida por alguns como sem
solução, a resposta parece relativamente simples. O parecer comum entre
os comentaristas é que Caim casou-se com uma de suas irmãs. Gary
Fisher, sobre isso diz:

Esta é uma das perguntas que sempre teimam em reaparecer,


algumas vezes usadas para tentar ridicularizar a Bíblia, na sua
descrição da criação. Mas, para aqueles que perguntam
honestamente, Gênesis 5:4 diz que Adão e Eva tiveram outros
filhos e filhas, além de Caim e Abel. É evidente que Caim
escolheu uma esposa entre suas irmãs, ou talvez sobrinhas.
Enquanto depois, o casamento com a própria irmã foi condenado
como fornicação (Levítico 18), isso foi permitido naqueles
primeiros tempos da terra, por causa da necessidade prática.
Atualmente, o casamento com qualquer parente próximo é
desaprovado, porque os filhos daqueles que se casam com
parentes próximos correm muito risco de serem retardados
mentais ou terem defeitos físicos. Isto é devido ao acúmulo dos
defeitos genéticos dos parentes próximos. Mas isto não teria
causado nenhum problema a Caim. Deus criou Adão e Eva
perfeitos. Naquelas primeiras gerações deve ter havido pouca
herança acumulada de defeitos a serem passados aos filho[24].

Alguns entendem que seria um absurdo esperar que Caim se casasse


com uma de suas irmãs, em função do tempo e da proximidade. Contudo,
Hugh Ross para ilustrar o desenvolvimento da humanidade naquele
período propõe a seguinte projeção:
Após a apresentação desses dados, Ross conclui:

“De acordo com um simples calculo matemático, se Caim esperou


para se casar quando ele tinha 200 anos, ele provavelmente tinha diversas
mulheres para escolher, fornecendo a migração para o leste em Nod com
outros membros de sua família[25]”
Tendo considerado que a longevidade em Gênesis é literal, a
existência de uma população que pudesse encontrar a Caim é possível,
sem contar que diante da quantidade de pessoas existentes não era
improvável que Caim encontrasse entre seus familiares uma esposa.
Infelizmente os dados de Ross são meramente especulativos e sua
proposição sobre o casamento de Caim fere um dado apresentado na
própria tabela. Segundo a tabela o primeiro filho chega aos 50 anos do pai,
mas a conclusão sugere que ele teria casado com 200. Ainda que tais
definições não tem o objetivo de serem definitivas, mas meramente
ilustrativas, ficamos com o conceito aqui: Se a longevidade é literal, o
casamento de Caim com uma sobrinha, irmã, não seria impossível, do
mesmo modo que uma cidade não seria irreal.

A. Caim e os frutos da Queda

A história de Caim não está demonstrada por acaso nas escrituras.


Sua atitude para com seu irmão serve como um claro ilustrativo dos
efeitos da queda sobre os seres humanos. Aquele ser criado para estar com
Deus, criado para amar, prefere sua distância de seu Criador e dá ao ódio
liberdade e os efeitos são completamente danosos. O que pretendemos
observar nesse estudo são as atitudes de Caim e Abel, sua relação para
com Deus e como Deus intervém de modo Misericordioso e Benevolente
com suas criaturas, mesmo após o pecado.
Coabitou: Não é novidade que as escrituras usam em muitos lugares
a expressão “Conhecer” para descrever o que a ARA definiu como
coabitou. As versões mais antigas em português (ARC, ARF, BRP) todas
optam pelo termo “conhecer” para descrever esse ato. As novas versões e
paráfrases já tornaram o sentido ainda mais claro que a ARA, como a
NTLH optou por descrever o ato como: “teve relações sexuais”. É bem
verdade que a ARA e a NTLH são assertivas no que se refere ao sentido
do termo, contudo, o termo hebraico tem um sentido mais aprofundado
desse relacionamento, e esse sentido merece ser relembrado em nossos
dias em que a sexualidade tem sido banalizada.
O termo empregado em hebraico é “yada’”, traduzido para grego na
LXX pelo termo “gnoskö”. Ambos expressam o sentido de conhecer
pessoalmente e profundamente e por isso é usado com freqüência como
um eufemismo para o relacionamento sexual. Entretanto, note que o termo
já havia sido usado 4x no capítulo anterior (Gn.3.5x2, 7, 22) e, por
conseguinte, não podemos descartar sua conotação mais primária aqui.
Todos os usos denotam informação, conhecimento, ciência, e em
particular nos versos 5 e 22 demonstram o conhecimento que Deus tem.
Por isso, e possível inferir que o nível de intimidade do primeiro casal ao
ser descrito por esse eufemismo é muito mais do que a atividade sexual
em si, é uma descrição de um relacionamento. É bem verdade que no
mesmo livro vamos encontrar o uso do mesmo eufemismo para descrever
atos perversos, como em Sodoma (Gn.19.5, 8) ou com as filhas de Ló
(19.33, 35), tendo a visualizar uma perversão no sentido do termo, de
relacionamento à atividade sexual, à medida que o pecado se alastrava na
humanidade. Seja como for, a ênfase do texto descreve a intimidade do
casal de modo eufemístico para demonstrar a procriação da humanidade
conforme esperada por Deus na Criação.
Concebeu e deu a luz: Essa expressão é importante pelo fato que
inaugura a expectativa do cumprimento da promessa: Um varão que
termine com o estrago feito pela serpente no Éden e que acabe com a
própria serpente. Seria muito inferir que essa era a expectativa do primeiro
casal? Provavelmente sim, observe a alegria de Eva em receber um filho
homem.
Com auxílio do Senhor: É bem verdade que a expressão hebraica
literalmente deveria ser traduzida como “Alcancei do Senhor um homem”,
embora Kidner entenda que a expressão possa ser entendida de outros
modos, como a ARA verteu[26]. Essa exaltação de Eva nos faz pensar que
era parte da expectativa de que a promessa divina estaria a ponto de
iniciar. Em suas notas nas Escrituras, Jonatas Edwards diz:
“Na expressão de Eva, é possível que ela tenha lançados os olhas nas
palavras de Deus, que sua semente iria pisar na cabeça da serpente e agora
vendo que ela tinha um filho, sua fé e esperança foram fortalecidas de que
a promessa deveria ser cumprida[27]”.
Calvino, do mesmo modo entende que o sentido genuíno do texto é a
expressão da fé de Eva que via em seu filho o cumprimento da promessa
de Deus feita no capítulo anterior, embora afirme que Eva estava
enganada quanto à pessoa que esperava, que não seria através de Caim,
mas de Cristo, que tal promessa seria levada à efeito[28] (Concordam com
esse parece, Barnes, Gill, Keil & Delitzsch).
Essa não é a opinião exclusiva para o assunto. Clarke chega a
considerar tal possibilidade, mas entende que o sentido é mais restrito,
pois entende que tal conclusão seria deveras avançada para aquele
período. Segundo ele, Eva apenas agradece as bênçãos de Deus[29]. John
Sailhamer entende que a exclamação de Eva não é tão positiva quando
Edwards nos faz pensar. Segundo ele, “as palavras de Eva foram
proferidas com orgulho de modo que como o Senhor criou o homem,
agora a mulher tinha criado um homem[30]”.
Entretanto, é importante notar que a expressão usada por Eva inclui o
nome de Deus, Yahweh. Observe que no discurso com a serpente ela o
teria chamado Deus de modo genérico (elohim), mas nesse verso faz
questão de chamá-lo pelo nome que tem. Nesse contexto, usar a expressão
“Deus de salvação” como reconhecimento de auxílio, certamente nos leva
a concluir que Eva demonstrava sua expectativa e fé, de receber por meio
das mãos de Yahweh a semente que pisaria a cabeça da serpente.
É interessante, que nesse sentido as expectativas do primeiro casal
seriam firmemente frustradas. David Merck, que defende tal opinião,
afirma:
“O descendente-Libertador da mulher tão esperado nasceu não como
semente de vida, mas de morte. Em vez de libertar da pena da morte, ele
se tornou um assassino! E o filho justo, em vez de esmagar a cabeça da
Serpente, foi esmagado pelo próprio irmão, que mostrou-se semente
(filho) da Serpente[31]”
Caim: Um interessante trocadilho acontece nessa sentença entre o
nome de Caim e a declaração de Eva sobre seu filho. Em hebraico, o
substantivo Caim (qayim) pode significar “consegui, alcancei, adquiri”, e
Eva usa a forma verbal desse substantivo ao dizer “Adquiri um varão”
(qanah). Considerando esse paralelo, Krell chega a dizer que Caim é o
nome hebraico do primeiro filho de Adão e Eva, mas que em português
seu nome seria “consegui”[32].

1. A Religiosidade de Caim

Em poucas palavras, o livro de Gênesis nos apresenta Caim, com sua


profissão e religião. Talvez o interesse do autor não fosse uma descrição
detalhada sobre a vida dos irmãos, fato que podemos perceber na
exclamação de Eva que chamou um infante de homem, varão.
Lavrador da Terra: A descrição profissional de Caim é essa. Gill
entende que isso se deve à primogenitura de Caim, que por ser o primeiro
filho assume do pai a profissão de lavrar a terra[33]. Note que expressão
similar é usada em Gn.2.5 para descrever o trabalho de Adão como
lavrador da terra, ou aquele que trabalha com a terra. Embora nenhuma
explicação tenha sido dada para esse fato, a opção de Gill não é em si
mesma errônea, apenas especulativa.
Fim de uns tempos: A expressão usada pela ARA é uma tentativa de
se definir aquilo que o hebraico parece ter deixado sem definições. O uso
do substantivo “yom” para descrever tempo, como já demonstramos no
início do nosso comentário, não tem definição específica de tempo, e por
isso as traduções aqui não são unânimes. A ACF e ARC optaram por
verter esse texto por “ao cabo de dias”. A SBP optou por verter: “ao fim
dum certo tempo”. Seja qual for a tradução, o sentido aqui não é a
quantidade exata de tempo que se passara, mas que, em certa ocasião,
depois de algum tempo passado, Caim trouxe uma oferta ao Senhor.
Alguns, mais especifistas, entendem que a expressão deveria ser entendida
como “ao fim de dias”, como uma alusão ao Sábado[34], entretanto, tendo
a ver essa opção como um pouco especulativa demais.
Fruto da terra: Literalmente, Caim trouxe o resultado do seu
trabalho. Por ser lavrador da terra, trouxe o que a terra havia produzido
debaixo do seu esforço. Lembre-se que a terra após o pecado é maldita e
produz cardos e abrolhos, e que sem o trabalho braçal do ser humano não
seria possível o consumo. Era necessário a fadiga para que Caim pudesse
tirar da terra “os Frutos da Terra”. Diante disso, não se pode dizer que a
oferta em si tenha sido medíocre, nem resultado.
Uma oferta: O termo empregado aqui por Moisés não é o termo
técnico usado em Levítico para descrever uma oferta para oferta (hb.
qorban), mas um termo mais genérico, usado inclusive para descrever uma
oferta de cerais (hb. Minchah). Note que no segundo capítulo de Levítico,
Deus dá a Moisés uma legislação para tratar das ofertas de cereais, que
chamamos ofertas de dedicação: “Quando alguma pessoa fizer oferta de
manjares ao SENHOR, a sua oferta será de flor de farinha; nela, deitará
azeite e, sobre ela, porá incenso. Levá-la-á aos filhos de Arão, os
sacerdotes, um dos quais tomará dela um punhado da flor de farinha e do
seu azeite com todo o seu incenso e os queimará como porção memorial
sobre o altar; é oferta queimada, de aroma agradável ao SENHOR”. Essa
oferta a Yahweh seria queimada e teria aroma agradável a Deus. Isso tem
levado comentaristas a observarem que o problema não era a oferta em si
mesma, mas a atitude do ofertante[35]. Note que Deus não rejeitaria a
oferta em si, uma vez que Ele mesmo teria incluído tais ofertas como um
modo de oferta legítima.
Yahweh: É interessante observar que a oferta de Caim foi a Yahweh,
ou seja, uma manifestação de adoração. O texto é claro em dizer que Caim
trouxe uma oferta a Yahweh. Já temos dito que não há nenhuma menção
explícita de que tipo de sacrifício era esperado, mas temos por certo que
Gn.3.21 parece prefigurar que existe a exigência de derramamento de
sangue. É quase convenção que a oferta de Caim não foi aceita em função
da falta de derramamento de sangue da sua oferta a Yahweh, contudo,
temos que considerar que o texto não vai nessa direção. O texto diz que
Deus não se agradou de Caim e de sua oferta. Kidner nos lembra que
“tudo o que é explícito aqui é que Abel ofereceu a fina flor do seu rebanho
e que o espírito de Caim era arrogante[36]”. Sailhamer entende que o
texto, tomado como um todo, não nos ensina sobre que tipo de sacrifício é
aceitável a Deus, mas que tipo de atitude é necessária para se ofertar a
Yahweh[37]. Note que tanto a aprovação, quanto reprovação de Yahweh
iniciam com a declaração pessoal: “Agradou-se o SENHOR de Abel e de
sua oferta” (Gn.4.4); “ao passo que de Caim e de sua oferta não se
agradou” (Gn 4:5).
O que se pode concluir sobre a adoração de Caim? Vamos tecer
algumas possibilidades diante das observações que temos feito ao texto:
“Ele pode ter rejeitado uma informação explícita de Deus sobre como
Deus gostaria de ser adorado. Se esse é a ênfase principal do texto,
entendemos que o modo autônomo de Caim em ofertar nos alerta para o
fato de que Deus não quer ser adorado de qualquer jeito, mas que ele
espera de nós uma adoração específica. Deus não quer ser adorado com
sinceridade, mas do modo correto”.
Se a ênfase recai sobre a atitude de Caim, aprendemos que Deus não
se apraz da adoração desconexa com a atitude. Jonatas Edwards,
considerando essa possibilidade, afirma que Caim prefigura os
Fariseus[38], que faziam o que era certo do modo errado, eram peritos em
conhecer o que Deus esperava, mas não eram vazios por dentro, cheios de
morte.
É importante notar que Deus rejeita pessoas e modos de adoração não
compatíveis com a que Ele determinou como certa. O cristianismo e suas
desvirtudes na modernidade têm insistido que Deus aceita qualquer
adoração de qualquer coração, mas a história de Caim nos lembra que um
Deus Santo e Justo como Yahweh deve ser adorado, como Ele determinar
que deve ser adorado.
Observe a opinião de Merck:

“O problema maior com a oferta do Caim não era a oferta em si, mas
o seu coração. Não foi um ato de adoração em verdade (por não ser
autorizada por Deus) e não foi em espírito. O coração de Caim estava
errado! O texto enfatiza, “Mas com CAIM, e com sua oferta, Deus não se
agradou.” Algo no coração dele deixava a desejar . . . talvez fosse
rebeldia, talvez ressentimento, talvez indiferença, talvez apatia espiritual.
Talvez ficasse indignado que tinha que doar para um ser celestial invisível
o fruto do seu suor e labor. O que sabemos com certeza é que não foi de
coração mas “de boca para fora”que ele fez sua oferta. E os eventos que
seguem verificam esse fato. Quando repreendido por Deus, ele revela seu
desgosto, sua amargura, sua hostilidade diante do Criador. Algo horrível
está acontecendo no coração dele[39]”

2. A Rebeldia de Caim
A adoração vazia de Caim não foi suficiente para comprar o favor e a
benevolência de Deus. Embora Caim pudesse ter oferecido a Yahweh, ele
não tinha feito como era devido, e as escrituras demonstram como Caim
se rebelou contra o Senhor.
…de Caim e de sua oferta: Chamo a sua atenção a um detalhe já
apresentado: Deus não se agradou de Caim em primeiro lugar. Tenho a
impressão que a ordem de palavras aqui é significativa: Por não ter se
agradado de Caim a oferta que trouxera também não fora aceita. Tendo a
crer que a oferta segue o coração do ofertante. Não há oferta agradável se
não há um coração grato por trás da oferenda. Sobre isso, Calvino nos
instrui:
“Não se pode duvidar, que Caim comportou-se como os hipócritas
estão acostumados a fazer; ou seja, que ele queria apaziguar Deus, como
um cumprimento de uma dívida, através de sacrifícios externos, sem a
menor intenção de se dedicar a Deus. (…) Quando Deus vê tamanha
hipocrisia, combinada com brutal escárnio manifesto contra Ele mesmo,
não é surpreendente que ele odeie, seja incapaz de suportar, de onde
segue-se também, que ele rejeita com desprezo os trabalhos daqueles que
se afastam Dele[40]”.
É também importante olhar para as escrituras para verificarmos que
impressões essa história deixou sobre os autores sagrados. Em primeiro
lugar, deve-se lembrar do Apóstolo João, que diz que o problema com
Caim eram suas atitudes (1Jo.3.12). Entretanto, o autor de Hebreus
entende a rejeição de Deus estava ligada ao fato de que o sacrifício de
Caim não tinha sido excelente (Hb.11.4). O que podemos concluir com
isso é que, tanto o caráter de Caim estava em desacordo com a expectativa
de Deus quanto sua oferta. Com isso, aprendemos que tanto adoração e
comportamento estão intimamente ligados.
Irou-se sobremaneira: O texto não e claro em descrever como Deus
teria rejeitado sua oferta, mas é claro que, pela descrição do texto, Caim se
apercebeu da rejeição e isso lhe deixou irado. Contra quem Caim ficou
irado o texto não é plenamente claro, mas parece evidente que a ira de
Caim deu-se primeiramente contra Deus, mas que tenha se desenvolvido
contra seu irmão. É interessante que, do mesmo modo que a rejeição de
Deus pela oferta de Caim é visível para Caim, a ira de Caim contra Deus é
plenamente perceptível para Deus.
Descaiu o Semblante: A expressão descrita quase literalmente pela
ARA, descreve de modo figurado que a ira de Caim havia se tornado tão
evidente que seu semblante já o testemunhava. Note o contraste entre o
semblante descaído de Caim, e o rosto levantado de Deus como sinal de
bênção para o povo em Nm.6.26. O contraste entre os dois tipos de
semblante nos serve para descrever a situação de Caim como
profundamente irado.

3. Graça Preventiva
Note que, embora Caim tenha sido rejeitado do mesmo modo que sua
oferta, Deus não havia o abandonado. O texto continua a descrever uma
interação de Deus com Caim que reflete cuidado e graça.
Por que andas irado? A aproximação de Deus nesse verso não o
apresenta como um Deus desinformado da razão do furor de Caim, muito
pelo contrário, de forma graciosa Deus aproxima-se de Caim para auxiliá-
lo com sua Ira. Sobre isso Barnes diz que “O Senhor ainda não desistiu de
Caim. Em grande misericórdia Deus interage com ele. Ele coloca uma
questão que demonstra que não há justa causa seus sentimentos[41]”.
Kidner vê nessa aproximação de Deus “Seu apelo para a razão e Seu
interesse pelo pecador [que] são assinalados tão vigorosamente como Seu
interesse pela verdade e pela justiça[42]”. Do mesmo modo que Deus se
apresenta como Justo nesse texto, ele também se apresenta como
Gracioso. A rejeição de Caim não era definitiva, a tal ponto que Ele
mesmo estava interessado na restauração de Caim.
Se procederes bem: Após sua graciosa aproximação, Deus também
deixa com Caim alguns conselhos práticos para enfrentar a situação que
tinha diante de si mesmo. Mas, o que poderia ser um bom procedimento
para o momento? É bem verdade que nenhuma instrução específica sobre
o assunto havia sido dada, mas tendo a crer que Caim teria entendido.
Deffinbuag sobre isso diz: “Ainda que não saibamos os pormenores do
que o “proceder bem” envolvia, Caim sabia. O problema de Caim não era
falta de instrução, mas insurreição e rebelião contra Deus[43]”. De fato,
essa expressão aponta, do meu ponto de vista, que a questão fundamental
da rejeição era o comportamento e não a oferta em si.
Contudo, não podemos deixar de considerar que o Deus Todo-
Conhecedor estava a falar com Caim e que proceder bem pode certamente
implicar em não fazer o que Caim parecia predisposto a. Barnes alude ao
fato de que Caim teria um caminho de retorno a uma postura aceitável
diante de Deus que incluiria reconsiderar seu modo de viver, de oferecer
ao Senhor com intenção correta[44].
Serás aceito: Uma breve nota deve ser feita aqui: “No hebraico,
aceito é literalmente um exaltar, expressão que pode indicar um semblante
sorridente contrariamente a um semblante carrancudo (descaído). Pode ser
que o sentido seja o de que o simples olhar para o rosto de Caim o traia;
mas provavelmente vai além, incluindo a promessa de restauração da parte
de Deus sobre uma mudança de coração[45]”.
E se não fizeres bem: O leitor poderia esperar aqui uma sentença de
Deus: “Se não fizeres bem, você morrerá”. Entretanto não é assim que
Deus procede para com Caim. Em primeiro lugar, devemos admitir que
ele já havia feito o que não era bom, com sua oferta arrogante. Contudo,
em seu diálogo, Deus evidência que ele poderia manter-se nesse caminho
errôneo, mas assegura que, embora não recomendável, isso não implicaria
em um caminho sem retorno Aliás, é digno de nota, que o caminho que
teria adotado até aqui ainda tinha retorno e Deus, graciosamente tinha se
aproximado de Caim para adverti-lo. Krell, sobre isso diz:

“Isto implica claramente que Caim sabia o que era certo. Ele sabia
que a qualidade da oferta a se levar e optou por não trazê-la. Ele
sabia que seu coração não estava adequado, mas ele optou por não
abordar a questão. No entanto, este versículo mostra também a
graça de Deus, pois Caim foi ainda convidado a apresentar a oferta
correta. Deus o avisou e queria que Caim “fizesse o bem”, mas
Caim endureceu o seu coração[46]”

O pecado jaz à porta: O alerta de Deus é claro: O pecado estará à


sua disposição para realizar todo o mal que intentar realizar. Ainda que
Caim optasse pela manutenção do seu estado de rebeldia isso não lhe
colocava em situação de homicida, ele ainda tinha a possibilidade de
controlar sua ira. O alerta de Deus era que “um terrível ato pecaminoso
estava perigosamente próximo; estava ali como um animal feroz,
esperando para saltar sobre ele[47]”. Deuffinbaug sobre isso diz que “se
Caim preferia ignorar a suave cutucada de Deus, que fique então
completamente ciente dos perigos à sua frente. O pecado jazia esperando
por ele como um animal à espreita. Queria controlá-lo, mas ele devia
dominá-lo. Caim tinha que tomar uma decisão e ficaria responsável por
sua escolha[48]”.

De forma prática essas instruções de Deus para Caim podem ser


entendidas como boas e más notícias, observe:

Más notícias:
O pecado está a nossa espera. A influência do mundo, da carne, do
Diabo sempre conspiram a favor da nossa queda. Tudo o que lhe falta é
oportunidade.
O pecado nos deseja, ou melhor, nossa carne deseja o pecado. Por
sermos conhecedores do bem e do mal, nos tornamos aptos a saber o
certo, mas desejamos o errado.

Boas Notícias:
Nós podemos dominar o pecado. A partir da salvação em Cristo,
somos habilitados a suportar a provação, uma vez que Deus conhece nossa
capacidade pessoal e não permitirá que uma tentação venha sobre nós a tal
ponto que não possamos suportar. Krell usa uma figura interessante para
descrever esse fato: “Quando a tentação bater à porta, nós pedimos para
que Jesus atenda[49]”.
Nós podemos nos humilhar e voltar a Deus. Ainda que um erro tenha
acontecido, como aconteceu com Caim, podemos ter a certeza que
podemos nos voltar a Deus humildemente arrependidos por nossas faltas e
prontos a aceitar Dele a devida punição graciosa que tem a oferecer para
nos purificar o caráter.

4. O assassinato de Abel
É interessante que a despeito de todos os alertas divinos Caim
manteve-se obstinado eu seu furor contra seu irmão. Sua completa
rejeição do conselho de Deus demonstra também que Caim dava pouco
valor às palavras de Deus. A ira já tinha tomado conta de sua vida e
capacidade de reflexão. Caim havia entrado naquele estágio de ignorância
provocada pelo aguçar do pecado em nossa vida. Trata-se daquele ponto
em que, tomado por ódio, tudo o que se pensa é em como descarregar a
raiva e o ódio.
Vamos ao Campo: Por que razão ir ao campo? Uma vez que
sabemos que o pecado de Caim é premeditado, temos por certo que ele
não está a oferecer um passeio ao campo. Alguns comentaristas tem visto
nisso uma declaração de cuidado preventivo de Caim que não queria que o
crime tivesse testemunhas. De fato, quanto mais longe das pessoas, mais
liberdade para apregoar sua ira Caim teria.

…se levantou Caim contra Abel: Merck vê no texto uma


demonstração do tamanho da ira de Caim quando o texto
demonstra por 7x que Abel era “seu irmão” (Gn.4.2, 8x2; 9x2, 10,
11)[50]. Essa descrição de relação entre Caim e Abel, como
acontece no texto sugere que a atitude de Caim era absurdamente
desprezível.
..e o matou: “Caim não agiu segundo o conselho divino. Ele não
mudou a sua oferta a Deus, tanto do ponto de vista dos
sentimentos internos como da forma exterior. Apesar de se falar-
lhe do céu, ele não vai ouvir (…). Quando eles estavam no campo
e, portanto, fora da vista, ele se levantou contra o seu irmão e o
matou. A ação foi realizada e não pode desfeita. Os motivos para
isso eram diversos. O egoísmo, o orgulho ferido, ciúmes, e uma
consciência culpada estavam todos em funcionamento (1Jo.3.12).
Aqui, então, é pecado após pecado, o que comprova a veracidade
do alerta dado na paciência misericordiosa de Deus[51]”.
A completa rejeição do conselho de Deus por Caim, fez com que
Merck encontrasse em Caim um pecador irado (v.5), teimosos (v.6-7) e
assassino cruel (v.8)[52]. Não é à toa que a reputação neotestamentária de
Caim é tão ruim. É importante notar que todos os acontecimentos narrados
no capítulo 4 são consequências anunciadas já na queda. A dissolução da
família, a queda do amor e a entrada do ódio eram esperadas. O
conhecimento do bem e o mal levou apenas o ser humano a frustração do
conhecimento do bem e da maldição do desejo do mal. Agora, aquele
homem que havia chegado como esperança e salvador, que pisaria na
cabeça da serpente, é agora aquele que matara seu irmão. Ao invés de
terminar com o domínio do inimigo, como parecia ser o esperado, ele
agora é um aliado do mesmo, plenamente dominado pelo pecado e pronto
a levá-lo às últimas consequências.

5. A confrontação e punição divina

É interessante que a despeito de todos os alertas divinos Caim


manteve-se obstinado eu seu furor contra seu irmão. Sua completa
rejeição do conselho de Deus demonstra também que Caim dava pouco
valor às palavras de Deus. Entretanto, Deus não o deixa sem punição, e
por ter graciosamente avisado a Caim do perigo do pecado, Deus
aproxima-se a agora como inquisidor.
Onde está Abel, teu irmão? Do mesmo modo que Deus havia se
aproximado de seus pais no Éden, Deus aproximasse de Caim. Tenho a
impressão Deus inicia suas conversas com perguntas na expectativa de
que suas criaturas tenha a oportunidade de se arrepender. Note que Deus
tem plena ciência do que havia acontecido, mas não inicia sua conversa
com a punição, mas com uma pergunta reveladora. Sobre isso Gill diz:
“Essa pergunta é feita, não por não saber onde ele estava, mas na intenção
de trazer Caim à convicção e confissão do seu pecado, para tocar sua
consciência com ela, e enchê-lo de remorso por isso[53]”.
Não sei: Embora a pergunta de Deus a Caim relembre o cuidado de
Deus em trazer Adão ao arrependimento no Éden, a resposta de Caim
reflete um avanço significativo do poder do pecado em sua constituição.
Barnes sobre isso fala que a “resposta de Caim revela um recurso
desesperado de falsidade, uma alienação total do sentimento, a extinção
do amor fraterno, a predominância desse egoísmo que congela carinho e
desperta o ódio[54]”. Keil & Delitzsch afirmam que o ato de desafiar a
Deus “cresce com o pecado, e a punição acompanha a culpa. Adão e Eva
temeram diante de Deus, (…) Caim corajosamente nega [o pecado][55]”.
Sou eu tutor de meu irmão? A mentira deslavada é apresentada, e
como se não bastasse, ele acresce a ela um alto teor de sarcasmo: “Sou eu
tutor de meu irmão?”. Deffinbaug sobre isso diz: “A insolência de Caim é
incrível. Não só ele mente ao negar qualquer conhecimento sobre o
paradeiro de seu irmão, mas parece censurar a Deus pela pergunta. Pode
até mesmo haver um jogo sarcástico nas palavras para dar a impressão de:
‘Não sei. Deverei eu pastorear o pastor?[56]’[57]”.
Que fizeste? Mais uma vez Deus age misericordiosamente.
Considerando a situação do diálogo, Krell afirma que “se eu fosse Deus,
eu teria consumido Caim exatamente onde ele estava! Mas não o Senhor!
Em vez disso, Ele pergunta a Caim uma questão de acompanhamento que
é a mesma pergunta Ele perguntou Eve (3:13): “O que você fez?”[58]”.
No lugar de Deus já teria perdido a paciência, como Krell, mas Deus
mantém sua longanimidade e seu diálogo e caminha para a realização de
sua disciplina. Deffinbaug, sobre isso nos diz:

“O solo foi amaldiçoado por causa de Adão e Eva (Gn. 3:17).


Agora a terra é manchada com o sangue de um homem, e que foi
espalhado por seu irmão. Esse sangue agora clama a Deus por
justiça (4:10). Deus, então, confronta Caim com seu pecado. O
tempo para arrependimento já passou e agora a sentença é dada a
Caim pelo Juiz da terra[59]”.

És maldito sobre a terra: A sentença iniciada por Yahweh contém


claras evidências de seu Juízo. É Calvino que diz: “Caim, depois de ter
sido condenado pelo crime, o julgamento é agora pronunciado contra ele.
E em primeiro lugar, Deus constitui a terra do ministro de sua vingança,
por ter sido contaminada pelo parricídio ímpio e horrível[60]”.
Quando lavrares a terra: É interessante que Deus inicia a sentença
de Caim com o que ele supostamente tinha de melhor, o seu trabalho
como lavrador. A terra já havia sido amaldiçoada, e tal maldição teria
intensificado seu trabalho. Mas, com a maldição proferida por Deus, nem
no seu trabalho Caim poderia ter prazer novamente. É Deffinbaug que diz:

“Caim tinha sido abençoado com um “polegar verde”. Ele tentou


se aproximar de Deus através do fruto de seu trabalho. Agora
Deus o amaldiçoou bem onde residia sua força e seu pecado.
Nunca mais Caim seria capaz de se sustentar pelo cultivo do solo.
Enquanto que Adão teve que obter seu sustento pelo suor de seu
rosto (3:19), Caim não poderia nem sobreviver pela agricultura.
Para ele a maldição do capítulo três foi intensificada. Para Adão a
agricultura foi difícil; para Caim foi desastrosa[61]”

Keil & Delitzsch nos lembram que tal punição não era demasiada,
pois “a terra foi obrigada a beber o sangue inocente, [e] ela se rebela
contra o assassino, e quando ele cultivá-la, ela irá retirar a sua força, de
modo que a terra não possa produzir[62]”. Se o homem havia sido criado
para encontrar no trabalho satisfação, Caim está fadado a nem nisto ter
satisfação. “Ele foi banido para uma parte menos produtiva da terra,
removida da presença de Deus e da sociedade de seu pai e sua mãe, e
abandonado a uma vida errante e incerteza. A sentença de morte já tinha
sido pronunciada sobre o homem[63]”.

…serás fugitivo e errante pela terra: O aspecto final da punição de


Deus para Caim seria a vida de um “vagabundo”. O termo
hebraico usado para descrever o castigo de Caim como fugitivo é
o mesmo termo que Deus emprega para destinar o povo de Israel
no futuro a vagar pelo deserto. O sentido é claramente um
desalojar de Caim, para que perca os benefícios da vida próxima a
família (com quem ele parece não conviver bem) para que viva à
mercê da benevolência de outras pessoas, pois sua sentença de
morte já estava lançada. Dois substantivos similares são usados
nessa sentença e o sentido é reforçar a idéia. Invés de se tomar
como duas características como a ARA fez, seria adequado tomá-
las como descrição de uma mesma ação, como a BJ: “Serás
fugitivo errante”.

Não posso suportá-lo: Ao ouvir sua sentença Caim admite ser


demasiadamente pesado o seu fardo. A questão de Caim era que a punição
parecia desproporcional com o crime, e como poderíamos esperar, Caim
está unicamente preocupado consigo mesmo. Observe que em uma
pequena sentença (v.13-14) ele conseguiu empregar o pronome pessoal 7x
vezes. Sobre isso Krell diz:

“Tudo com o que Caim se preocupava era ele mesmo. Não foi
medo ou reverência a Deus, não para lamentar a perda de vidas
inocentes, não há tristeza pelo pecado, e nenhum pensamento para
os seus pais que perderam um filho tragicamente com o
assassinato e estaria perdendo uma outra por causa da rebelião.
Houve apenas uma preocupação consigo mesmo. O assassino tem
medo de ser morto[64]”.

É interessante que o assassino tenha medo de morrer, mas é um fato


que o pecador tem que encarar. O mentiroso sempre está alerta a mentira,
o infiel sempre desconfiado, o ladrão sempre receoso. O pecado marca de
tal forma o pecador que o que ele faz para outros, espera receber de
outros. É por isso que Deffinbaug diz:

“As palavras de Caim soam familiares a qualquer pai. Às vezes


uma criança está sinceramente triste por sua desobediência. Em
outras está apenas triste por ter sido pega, e lamenta amargamente
a severidade do castigo que vai receber. Tudo o que Caim faz é
repetir amargamente sua sentença, e expressar seu medo de que os
homens o tratem da mesma maneira que ele tratou seu irmão[65]”.

Qualquer que matar a Caim: Apesar da punição, Deus também


ofereceu uma promessa. A declaração não era uma garantia de que Caim
não seria assassinado, mas de que, aquele que o matasse, teria sobre si a
vingança punitiva de Deus multiplicada por sete. Isso significa que a
punição contra essa pessoa será “sete vezes maior do que Caim, ou seja,
ele deve ser extremamente punido; a vingança deve ser tomada sobre ele
de uma forma muito visível, e em outro patamar, mais elevado[66]”. O
targum de Onkelos sugere que a punição será em sete gerações, o que
demonstra que o entendimento da passagem era de uma vingança ainda
maior contra Caim. O sentido dessa punição demonstra para Caim que,
embora ele mesmo não tenha dado valor a vida humana, Deus a valoriza
de tal modo que garante que Caim não seja morto.
Pôs o Yahweh um sinal: A demonstração da Graça de Deus avança
ainda mais, pois além de assegurar que o assassinato de Caim seria
vingado pelo próprio Deus, Yahweh coloca um sinal em Caim com o
objetivo de protegê-lo de pessoas que o encontrassem. Não temos certeza
de que tipo de sinal o texto está nos falando. Três propostas são
oferecidas: (1) Um sinal físico, como quem sabe uma marca na pele, uma
espécie de tatuagem. (2) Um evento; um sinal como um evento que
relembre os homens do valor da vida humana; (3) Antigos rabinos
chegaram a afirmar que um cachorro iria ao lado de Caim como proteção.
Embora não saibamos com exatidão que tipo de sinal é esse, é certo que o
objetivo esse sinal era a proteção da vida de Caim, que protege a Caim da
recriminação.
E saiu Caim da presença de Yahweh: O retrato final da sentença de
Caim é similar ao que vemos em Adão e Eva, que foram colocados fora
do Éden, mas de Caim é dito que ele foi expulso da Presença de Yahweh.
A impressão que temos com essa declaração é que Deus encaminhou
Caim a vaguear pela terra, e ele foi. Agora sem alternativas, Caim parece
ter cumprido a primeira ordem de Deus. “A retirada de Caim da
proximidade do afeto dos pais, dos relacionamentos familiares, e da
manifestação divina, deve ter sido acompanhada de profundo e ulterior
sentimento de arrependimento e remorso. Mas um profundo e recorrente
transgressor e ele deve sofrer as consequências[67]”.
Terra de Node: “O nome Node denota uma terra de transição e
exílio, em contraste com Éden, a terra do deleite, onde Yahweh andava
com o homem[68]”. “Alguns sugerem que este versículo deve ser assim
traduzido: ‘e Caim saiu da presença do Senhor, a leste do Éden, e habitou
como um errante na terra’; assim a maldição pronunciada sobre ele em
Gn.4.12, foi realizada[69]”.

B. Abel Sacrifício e Martírio


O outro filho de Adão e Eva apresentados nessa narrativa parece não
ter tido especial atenção, como o seu próprio nome parece sugerir. O
termo hebraico que origina o nome Abel é “hebel”, que no texto não é
definido, mas é entendido como sopro, vaidade e alguns pensam que isso
se refere à sua vida de poucos anos sobre a terra. Tenho a impressão que
Abel é assim denominado em função de uma expectativa já suprida por
Caim, como o descendente da mulher que findaria o domínio da serpente.
Note que nenhuma declaração a respeito de Abel é dada no texto.
Sobre Caim, Eva apresenta uma bela afeição, ao passo que nada mais se
diz se não que Abel era pastor de ovelhas. A completa faltar de
informações, além de nome e profissão, nos faz pensar que Caim tinha
sido o filho esperado e que Abel teria vindo como consequência natural da
existência humana.
Alguns pensam que Caim e Abel eram gêmeos[70], opção que não
parece descrever a situação dos irmãos. O que se tem por certo é que a
história de Caim e Abel parece iniciar a visão bíblica de que nenhum
primogênito seria de fato o filho de quem Deus se apraz, ou escolhe, até
que O Primogênito da Criação apareceu sobre a terra, Deus encarnado.

1. A Adoração de Abel
O que podemos perceber é que, a semelhança de Caim, Abel também
se aproximou de Deus com sua oferta. Entretanto a descrição de sua oferta
é tanto diferente do que se vê com Caim.
Pastor de Ovelhas: “Abel era um pastor de ovelhas (2), uma
profissão nobre, pois numa época em que os homens ainda não comiam
carne (veja 9.3), ovelhas serviriam para pelo menos 2 propósitos: 1)
Cobrir a nudez do homem, que tem precedente no próprio ato de Deus
(3.21) e 2) Servir de oferta, um sacrifício pelo pecado, também conforme
o modelo de Deus (3.21)”[71].
Primícias de seu Rebanho: Note que a oferta de Abel foi similar a
oferta feita por seu irmão Caim. Caim era lavrador e ofereceu o fruto do
seu trabalho. Abel era pastor de ovelhas e trouxe a Yahweh o fruto do seu
trabalho. Por outro lado, note que o silêncio agora é sobre a qualidade da
oferta dada por Caim. A oferta de Abel era uma oferta das suas primícias.
O termo hebraico “bekowrah” é usado poucas vezes no AT, e
normalmente significa primogênito (Gn.43.33), ou até mesmo
primogenitura (Gn.25.31). O sentido expresso aqui é bem captado pelas
antigas versões portuguesas que verte a expressão como “primogênitos do
seu rebanho”. A idéia que se tem desse texto é que Abel trouxe o que
tinha de melhor. Seria isso um contraste com a oferta de Caim? Diante do
caráter que Caim apresenta nesse capítulo não seria de se estranhar que
sua oferta tivesse sido de baixa qualidade. Contudo, sobre isso, podemos
apenas inferir. O que é certo é que Abel ofereceu do que tinha de melhor.
Yahweh se agradou de Abel e sua oferta: Como já temos
demonstrado, Deus se agrada primeiramente de Abel e conseqüentemente
de sua oferta. Isso me sugere que tal ordem é importante: A aceitação da
oferta depende do coração do ofertante. Como Abel pode perceber que
Deus aceitou sua oferta? O texto não especifica e muitas especulações são
feitas sobre o assunto. “O olhar do Senhor em todo caso, é um sinal
visível de satisfação. É opinião comum e antiga que o fogo consumiu o
sacrifício de Abel e, assim, mostrou que foi gentilmente aceitou[72]”. Seja
como for, tanto aprovação como reprovação foram claramente percebidos
por Caim e Abel.

2. A Reputação Bíblica de Abel


O texto de Gênesis 4 nos oferece poucas informações sobre Abel,
contudo sua reputação transcende as páginas do Antigo Testamento.
Autores neotestamentário ao lançarem os seus olhos sobre o AT
encontraram em Abel definições de um homem digno de atenção. Sua fé,
oferta, atitude e caráter são apresentados no NT como declaração de um
homem justo.
Diante disso, comentaristas tem afirmado que Abel é, sem dúvidas,
um exemplo para os cristãos em todos os tempos. Merckh, por exemplo,
entende que Abel “representa o povo de Deus, fiel, com coração sincero,
inocente, que adora a Deus em espírito e verdade, resplandescendo como
luzeiros no mundo pervertido e corrupto[73]”.
Caráter: Ainda sobre Abel, Jesus afirma: “Por isso, eis que eu vos
envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros
açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade para
que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o
sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a
quem matastes entre o santuário e o altar” (Mt.23.34-35). Com esses dois
versos aprendemos:
Que Jesus reputava a Abel como um profeta: “eis que eu vos envio
profetas”. Não sabemos ao certo que tipo de profeta ele teria sido,
mas o fato de Jesus iniciar por Abel e finalizar com Zacaraias
(uma impressionante demonstração da extensão do Canon vétero-
testamentário) confirma a idéia que Jesus tinha a respeito de Abel.

Que Jesus reputava a Abel como um mártir: “o sangue justo


derramado sobre a terra”. Abel é listado como o primeiro que morreu,
cujo sangue será Vingado por Deus (Ap.6.9-10).
Que Jesus reputava Abel como Justo: “o sangue justo derramado
sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias”.
Duas vezes Jesus usa o termo “justo” (Gr. diakiós) para descrever a Abel,
uma vez em referência a seu sangue e outro em relação a sua pessoa.
Oferta: No que se refere à sua oferta, o autor de Hebreus nos diz:
“Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim;
pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus
quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto,
ainda fala” (Hb.11.4). Desse texto retiramos as seguintes observações:

O autor de Hebreus entendeu que o sacrifício de Abel teria sido


mais excelente, o que sugere a diferença de qualidade entre as
ofertas. Alguns tem objetado à essa conclusão, em função de que o
uso normal do adjetivo “pleíona” descreve algo maior em
quantidade (Mt.21.36; Mc.12.43; Lc.21.3). Contudo, o sentido
qualitativo do termo é claramente encontrado no NT (Mt.6.25;
12.41, 42; Mc.12.33; Lc.11.31, 32; 12.23) e perfeitamente
concebido aqui em Hebreus.

O autor de Hebreus defende que Abel, em função da sua oferta, teria


o testemunho de ser justo. De onde proveio tal testemunho? O autor de
Hebreu diz que sua oferta, apesar de ter sido ele morto, ainda fala. Ou
seja, o exemplo registrado em Gênesis serve como fundamento para se
descrever Abel como um homem justo. O termo justo (Gr. dikaiós)
descreve uma pessoa honesta, boa, reta. Essa definição do caráter de Abel
é confirmado pela opinião de Jesus a seu respeito.
O autor de Hebreus confirma o fato de que a oferta de Abel fora
aprovada por Deus. Na verdade o termo que descreve aprovação é
testemunhar (Gr.martureö). O sentido aqui é que Deus testificou sua oferta
e a aceitou.
O autor de Hebreus também defende que a oferta de Abel teria sido
pela fé. É bem possível que Abel tenha sido fiel a Deus no exercício de
sua adoração, ao passo que seur irmão teria inventado seu próprio modo
de adorar a Yahweh.
Atitudes: Sobre Abel, o apóstolo João diz: “Porque a mensagem que
ouvistes desde o princípio é esta: que nos amemos uns aos outros não
segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o
assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas”
(1Jo.3.11-12). A equiparação que João oferece entre Caim e Abel
demonstram ao menos que as atitudes de Abel seguiam seu caráter,
conforme já demonstrado por Jesus e o autor de Hebreus. Era de se
esperar que um homem cujo caráter é justo, que suas ações seguissem seu
caráter.

C. Sete: Manutenção e Graça de Deus


Um dos detalhes que não se vê em Gênesis 4 é a reação dos pais,
Adão e Eva, ao perderem em um curto período de tempo, dois filhos. Ao
matar Abel, Caim é feito vaguear pela terra como errante e distante de
seus familiares. É bem verdade que Adão e Eva tiveram filhos e filhas,
contudo Moisés lança luz sobre mais um dos seus filhos: Sete.

1. Deus Renova a Esperança


A impressão que temos ao ler Gn.4 é que aparentemente a promessa
de Gn.3.15 parece estar mais longe do cumprimento do que se esperava.
Enquanto as expectativas de Eva pareciam favorecer Caim como o
descendente que terminaria o domínio da serpente, ele acabou por se
tornar o assassino de seu irmão.
“Esta passagem completa o relato da família de Adão. Desse ponto
em diante, nós geralmente encontramos com duas linhas paralelas da
narrativa, como a família humana está dividida em dois grandes ramos,
com interesses opostos e tendências. A principal linha refere-se ao resto
da raça que está em termos de reconciliação aberto com Deus, enquanto
uma linha colateral demonstra, tanto quanto necessário, o estado daqueles
que partiram do conhecimento e no amor do Deus verdadeiro[74]”
…a quem pois o nome de Sete: É interessante notar que o trocadilho
realizado por Eva ao fala sobre Caim, acontece doutra forma aqui. O
termo hebraico “Sheth”, que foi transliterado como descrição do nome de
Sete, é uma forma similar do verbo “Shyit” que significa apontado,
indicado, concedido. Assim, mais uma vez o nome do descendente de
Adão tem alguma relação com a declaração de Eva. “Eva esperou pela
salvação através de seu primeiro filho, Caim. Certamente não viria dele ou
de seus descendentes. Nem poderia vir de Abel. Mas um outro filho foi
dado, cujo nome, Sete, significa “apontado” (ou nomeado). Ele não foi
apenas um substituto para Abel (verso 25), ele foi o descendente através
do qual nasceria o Salvador[75]”. Sobre isso, Clarke completa:

“Eva deve ter recebido, nesta ocasião, alguma comunicação divina,


mais como ela poderia saber que o filho foi nomeado no lugar de Abel,
para continuar essa linha de santo pelo qual o Messias estava para vir? Daí
se vê que a linha do Messias foi determinado desde o início, e que não foi
corrigido pela primeira vez nos dias de Abraão, a promessa era então
apenas renovado, e que o ramo de sua família designada por que a linha
foi sagrado deve ser prosseguido. E é digno de nota, que a posteridade de
Sete só continuou após o dilúvio, quando todas as outras famílias da terra
foram destruídos[76]”

Deus me concedeu outro descendente: Um detalhe interessante é


observado aqui: Eva não usa o nome de Deus. Alguns tem sugerido que
sua fala representa uma certa decepção, e por isso evita o nome do Senhor.
Contudo, segundo a narrativa é perceptível que ela está aliviada com a
possibilidade de ver a promessa de Gn.3.15 cumprida pelo substituto de
Abel. O uso do termo mais genérico para descrever a Deus (hb. Elohim)
apenas demonstra como esses dois termos são intercambiáveis. Keil &
Delitzsch vêem ainda outra razão para o fato:

“O que Caim (maldade humana) tira dela [Eva], Elohim (onipotência


divina) havia restaurado restaurado. Devido a essa antítese que chama o
doador Elohim, em vez do Yahweh, e não porque as suas esperanças
tinham sido, infelizmente, deprimidas por sua experiência dolorosa em
conexão com o primogênito[77]”
2. Deus restaura a verdadeira Adoração
A narrativa de Abel e Caim demonstra um fato interessante: ainda
que os seres humanos em sua estrema vileza e maldade possam agir contra
os propósitos de Deus, o Soberano Senhor, Yahweh, detém o controle de
toda a história e está comprometido em cumprir sua palavra e por isso
Seus Planos não são frutrados. Ainda que Caim intentasse contra o
Senhor, Yahweh age misericordiosamente com Caim e com seus pais,
dando-lhe um filho que seria progenitor de um povo que passou a invocar
o nome do Senhor.
…pôs o nome Enos: A descrição da curta genealogia apresentada de
Sete no capítulo 4 serve como ilustração da distinção entre a descendência
de Caim e Abel. Enquanto os descendentes de Caim são marcados pela
maldade, vingança, sentimento de soberba e assassinato, a descendência
de Sete, o substituto de Caim, é marcado pela verdadeira adoração a
Yahweh. Tudo o que sabemos sobre Enos é que ele é conectado com Sete
e Noé, sendo considerado na maior genealogia do povo de Yahweh em
1Crônicas (1Cr.1.1) e associado a Cristo em sua genealogia (Lc.3.38).
Essa relação entre Sete e Cristo demonstra historicamente que a promessa
de Deus foi plenamente cumprida e demonstra definitivamente que Seus
Planos não podem ser frustrados (Jo.42.2).
É interessante que alguns comentaristas, como Keil & Delitzsch,
defendem que o nome de Enos deriva de um verbo que significa ser fraco,
frágil o que designa a sua condição frágil e mortal. Sobre o assunto, ainda
acrescenta que “neste nome, portanto, o sentimento e o conhecimento da
fraqueza humana e sua fragilidade foram expressos”[78].
Invocar o Nome do Senhor: O que significa a expressão “invocar o
nome do Senhor” é fruto de debates. Uma opinião interessante é que a
partir de Enos, os seres humanos passaram se chamarem pelo nome do
Senhor. Ou seja, não trata-se primeiramente de uma adoração, mas de uma
identidade adoradora. Sobre isso Clarke diz: “os homens começaram a
chamar-se pelo nome do Senhor, essas palavras demonstram que no tempo
de Enos os verdadeiros seguidores de Deus começaram a distinguir-se, e
ser distinguido por outros, pela denominação de filhos de Deus[79]”.
Ross opta por ver nessa expressão da proclamação do nome de
Yahweh[80]. Uma vez que o termo hebraico “shem” (nome) é seguida do
nome próprio Yahweh, e que o mesmo termo é empregado para descrever
o caráter ou atributos de uma pessoa (Is.9.6), pode-se supor que o texto
trata da proclamação da Pessoa e Caráter de Yahweh. Walter Elwell, de
modo similar, entende que o texto fala da adoração pública a Yahweh.
Para ele o texto trata da inauguração da verdadeira adoração a Yahweh
(Gn.12.8, 13.4; 16.13; 21.33; 26.25) [81]. Wlatke entende que pelo fato de
Enos significar fraqueza, fragilidade, a humanidade voltou-se para Deus
em adoração (Sl.149.6) [82]. Finalmente, Krell entende que todas essas
declarações aponta para o fato de que o homem não irá voltar-se a Deus
enquanto não reconhecer sua fragilidade e inabilidade de agradar a Deus
em sua própria força. Assim, “o primogênito de Caim e seus sucessores
foram pioneiros na civilização, enquanto o primogênito e seus sucessores
foram pioneiros na adoração[83]”.
Seja como for, em Enos vemos o início da progressão da fé, que
suponho ter sido passada desde Adão. O fato de o texto dar a entender que
os homens passaram a se considerar filhos de Deus, certamente será
elucidativo no capítulo 6, onde muitas dificuldades também são
apresentadas.

[1] MILLAN, John, The Genesis Genealogy.


(http://www.reasons.org/genesis-genealogies).
[2] LUTERO, Martinho, The Creation: A Commentary on the First Five
Chapters of the Book of Genesis. Pp.449. IN: KVASNICA, Andrew P.,
The Ages of the Antediluvian Patriarchs In Genesis 5.
(http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[3] CALVINO, João, Commentary on Genesis.
(http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.html).
[4] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.78
[5] IDEM, Ibid.
[6] GREEN, Willian Henry, Are there gaps in the biblical genealogies?
(http://www.reasons.org/are-there-gaps-biblical-genealogies).
[7] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.78.
[8] Simon Melov et al., “Extension of Life Span with Superoxide
Dismutase/Catalase Mimetics,” Science 289 (2000), 1567-69. Judith
Campisi, “Aging, Chromatin, and Food Restriction—Connecting the
Dots,” Science 289 (2000), 2062-63. “Science Switched Sides: Part 1,”
Facts for Faith 1 (Q1 2000), 29. Hugh Ross, The Genesis Question:
Scientific Advances and the Accuracy of Genesis (Colorado Springs:
NavPress, 1998), 119-21.
[9] FAZALE, Rana, ROSS, Hugh, DEEM, Richard, Long life spam:
“Adam lived 930 years and then died”. (http://www.reasons.org/long-life-
spans-adam-lived-930-years-and-then-he-died).
[10] GEISLER, Norman, HOWE, Thomas, Manual Popular de Dúvidas,
Enigmas e “Contradições” da Bíblia. Pp.44.
[11] WALTKE, Bruce K., Genesis, 114. IN: KVASNICA, Andrew P.,
The Ages of the Antediluvian Patriarchs In Genesis 5.
(http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[12] PLAUT, W. Gunther, The Torah: A Modern Commentary: Genesis,
55. IN: KVASNICA, Andrew P., The Ages of the Antediluvian Patriarchs
In Genesis 5. (http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[13] KVASNICA, Andrew P., The Ages of the Antediluvian Patriarchs In
Genesis 5. (http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[14] IDEM.
[15] Wenham, Genesis 1-15, 133.
[16] Hasel, “The Meaning of the Chronogenealogies of Genesis 5 and 11,”
65. Esse autor entende que a relação parece forçada..
[17] JACOBS, Joseph, “Chronology” – Jewish Encyclopedia, 66-67. IN:
KVASNICA, Andrew P., The Ages of the Antediluvian Patriarchs In
Genesis 5. (http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[18] WESTERMANN, Genesis 1-11: A Commentary, 354. IN:
KVASNICA, Andrew P., The Ages of the Antediluvian Patriarchs In
Genesis 5. (http://bible.org/article/ages-antediluvian-patriarchs-genesis-
5#P18_3332).
[19] GREEN, Willian Henry, Are there gaps in the biblical genealogies?
(http://www.reasons.org/are-there-gaps-biblical-genealogies).
[20] WALVOORD, John, F., Todas as profecias da Bíblia. Pp.20.
[21] FINLAY, Matthew, Salvation from sin.
(http://bible.org/seriespage/chapter-ten-salvation-sin)
[22] WALVOORD, John F., Series in Christology—Part 4: The
Preincarnate Son of God. (http://bible.org/seriespage/series-christology
%E2%80%94part-4-preincarnate-son-god).
[23] http://bible.org/question/why-did-god-have-no-respect-offering-cain
[24] FISHER, Gary, Onde Caim encontrou sua esposa?
(http://www.estudosdabiblia.net/bd16.htm)
[25] ROSS, Hugh, Finding a wife for Cain.
(http://www.reasons.org/finding-wife-cain-0).
[26] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.69.
[27] EDWARDS, Jonathan, Notes on The Scriptures. (e-sword.net).
[28] CALVINO, João, Commentary on Genesis.
(http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.html).
[29] CLARKE, Adam, Adam Clarke`s Commentary on the Bible.
(http://www.godrules.net/library/clarke/clarke.htm)
[30] SAILHAMER, John, Genesis. Pp.60.
[31] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[32] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26).
[33] GILL, John, Gill`s Exposition of the entire Bible.
(http://www.freegrace.net/gill/).
[34] Jamieson, Fausset, Brown, John Gill, Adam Clarke
[35] Cf. NET Bible notes (http://net.bible.org/bible.php?
book=Gen&chapter=4), Kidner, pp.70.
[36] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.70.
[37] SAILHAMER, John, Genesis. Pp.60.
[38] EDWARDS, Jonathan, Notes on The Scriptures. (e-sword.net).
[39] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[40] CALVINO, João, Commentary on Genesis.
(http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.html).
[41] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[42] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.70.
[43] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26).
[44] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[45] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.70.
[46] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26).
[47] KEVAN, E.F., Gênesis – Novo Comentário da Bíblia. Vol.1, pp.88.
[48] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[49] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26).
[50] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[51] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[52] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[53] GILL, John, Gill`s Exposition of the entire Bible.
(http://www.freegrace.net/gill/).
[54] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[55] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[56] Gerhard VonRad, Genesis (Philadephia: The Westminster Press,
1972), p. 106.
[57] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[58] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26)
[59] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[60] CALVINO, João, Commentary on Genesis.
(http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.html).
[61] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[62] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[63] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[64] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26)
[65] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[66] GILL, John, Gill`s Exposition of the entire Bible.
(http://www.freegrace.net/gill/).
[67] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[68] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[69] CLARKE, Adam, Adam Clarke`s Commentary on the Bible.
(http://www.godrules.net/library/clarke/clarke.htm)
[70] Adam Clarke, John Gill apresenta a possibilidade.
[71] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[72] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[73] MERCK, David, A História de 3 irmãos.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?
option=com_content&task=view&id=194&Itemid=108)
[74] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[75] DEFFINBAUG, Bob, The fruits of the Fall. Bible.org
(http://bible.org/seriespage/fruits-fall-genesis-41-26)
[76] CLARKE, Adam, Adam Clarke`s Commentary on the Bible.
(http://www.godrules.net/library/clarke/clarke.htm)
[77] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[78] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[79] CLARKE, Adam, Adam Clarke`s Commentary on the Bible.
(http://www.godrules.net/library/clarke/clarke.htm)
[80] Uso desta expressão no Pentateuco apoia mais a ideia da proclamação
mais do a da oração (cf. Gn 12:8; Êxodo 34:6, Levítico 1:1). O significado
do [termo hebraico] shem, “nome”, também exige a interpretação, já que a
palavra é, na verdade, seguido do nome próprio. A palavra “nome”
também se refere a características ou atributos (ver Isaías 9:6). A ideia
desta linha é que as pessoas começaram a fazer a proclamação sobre a
natureza do Senhor (“começou a fazer a proclamação do Senhor por
nome”).. Ross, Creation & Blessing, 169. IN: KRELL, Keith, Raising
Cain (Genesis 4.1-26). (http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-
41-26)
[81] Muito antes de Deus revelar-se plenamente como o Senhor a um
povo chamado Israel (Ex 3:6), ou até mesmo para os patriarcas, há pelo
menos um pequeno grupo de pessoas que compreender a identidade do
verdadeiro Deus. Cf. Walter A. Elwell, ed., Evangelical Commentary on
the Bible (Grand Rapids: Baker, 1989), Electronic Ed. IN: KRELL, Keith,
Raising Cain (Genesis 4.1-26). (http://bible.org/seriespage/raising-cain-
genesis-41-26)
[82] Waltke, Genesis, 101. IN: IN: KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis
4.1-26). (http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26)
[83] KRELL, Keith, Raising Cain (Genesis 4.1-26).
(http://bible.org/seriespage/raising-cain-genesis-41-26)

Você também pode gostar