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Abril de 2010
Venho de uma outra cultura e talvez nem tudo que eu disser será útil para seu
ambiente cultural. Por favor, aproveitem o que for útil e ignorem o que não for.
Vocês saberão melhor do que eu de que modo aplicar melhor a justiça
restaurativa e o processo circular. Partilharei com vocês os princípios gerais e a
estrutura da justiça restaurativa e dos círculos, e apresentarei alguns exemplos
do que tem sido realizado. No entanto, vocês são os portadores da experiência e
conhecimento que lhes permite conceber como estas ferramentas funcionarão
melhor para vocês.
Imagens
Gostaria de começar partilhando com vocês alguns quadros que darão uma idéia
geral sobre o assunto:
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com o jovem dentro do Círculo, ela pára, abre a porta do carro e diz para o
menino entrar. Ele entra no carro e se livra de um possível problema.
A justiça restaurativa é uma filosofia. Nas palavras de Dan Van Ness “Se o crime
é uma chaga, então a justiça é a cura”. E Howard Zehr identifica os princípios:
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• Foco no dano,
Com traduzir esses princípios para a ação? O que fazer se desejamos agir
restaurativamente? Howard Zehr oferece um método elegante e simples para
criar uma reação restaurativa simplesmente mudando as perguntas que fazemos
diante de uma ofensa.
O que devemos fazer a essa pessoa por ela ter desobedecido a lei?
O que essas pessoas precisam para começar a reparar o que está errado?
Quem deve participar do processo de determinar o que precisa ser feito para
reparar os danos?
Que processo colaborativo específico seria mais útil par determinar como reparar
os danos?
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Esse novo conjunto de perguntas também traz um novo entendimento do que
seja responsabilização. No corrente sistema de justiça juvenil a responsabilização
é entendida como “sofrer o castigo”. Você foi responsabilizado quando sofreu a
punição. Na estrutura restaurativa a responsabilização é definida como
“desempenhar ações para reparar o dano e compensar a vítima”. Tal mudança na
definição de responsabilização tira o ofensor do papel de recebedor passivo do
castigo e o coloca na posição de agente que endireito o que está errado. As
perguntas de Howard Zehr nos ajudam a esmiuçar os elementos da
responsabilização que definem responsabilidades de ação específicas a serem
assumidas pelos ofensores.
• Agir para mudar hábitos e estilos de vida que contribuem para a escolha de
cometer um crime (evitar que o mal se repita)
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As práticas de encontro presencial mais comuns são:
Mark, de nove anos, passou a ser alvo da atenção do serviço social porque
roubou 140 dólares de sua avó, uma motorista de táxi que deixava o dinheiro das
gorjetas jogado pela casa. Nos dois meses após esta queixa houve mais 13
queixas contra Mark. Seu comportamento saíra totalmente de controle.
Ele vivera com sua mãe durante os três primeiros anos de vida, período no qual
sofreu abusos físicos e sexuais por parte do namorado da mãe. Quando o juizado
de menores pediu para tirar a guarda da mãe, a avó veio buscá-lo, e o levou para
um outro estado onde ele passou a viver com sua irmã de seis anos. Cerca de
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um ano e meio antes do incidente do furto, a mãe de Mark, Colleen, veio morar
com eles. Ela tinha pouquíssima paciência e nenhuma capacitação como mãe. O
menino queria uma mãe, mas ela o rechaçava. A avó continuou a cargo da
criação, mesmo quando a mãe ocasionalmente tentava agir como tal, mas
também a avó não tinha a competência necessária. Embora a avó vivesse
naquele bairro há muitos anos, ela e Colleen viviam bastante isoladas.
Reuniu-se um Círculo para dar apoio à família e tentar entender seus problemas.
Participaram do Círculo o próprio Mark, Colleen, a avó, a irmã Mary, uma amiga
da família, uma vizinha, as mães de dois amigos de Mark, um voluntário da
comunidade que pertencia a um programa de avós adotivos, um comissário
municipal envolvido com justiça juvenil, um terapeuta de saúde mental, membros
da Associação Cristã de Moços, um voluntário da rede de segurança da
comunidade, e o facilitador comunitário voluntário. As mães dos amigos de Mark
estavam furiosas porque achavam que Mark estava levando seus filhos para o
mal caminho. A vizinha inicialmente mostrou raiva e medo. Ela tinha feito uma
das primeiras queixas contra Mark. No Círculo, a vizinha revelou, chorosamente,
que seus próprios filhos tinham se metido em encrencas no passado. Seu marido
lhe dissera para não se envolver, mas ela não concordou, pois não conseguia ficar
ali vendo aquele menino ficar igual aos filhos dela.
Nos Círculos que se seguiram, mais informação sobre a família veio à tona. Mary,
agora com 15 anos, tinha um namorado que vivia na casa com aprovação de
Colleen e da avó. Membros do Círculo descobriram que ele tinha 32 anos, ficaram
muito alarmados, e denunciaram o fato à polícia. Mark sempre tinha marcas
roxas provocadas pelos beliscões que o namorado da irmã aplicava em pontos
sensíveis para fazer com que ele se comportasse. O Círculo descobriu que Mark
adorava case e providenciaram para que ele começasse a passear os cachorros
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de vários vizinhos regularmente. Descobriram também que Mary tinha um forte
sentimento de responsabilidade por seu irmão, como se fosse a mãe dele. O avô
adotivo incluiu Mary em algumas das atividades que fazia com Mark para que os
irmãos pudessem se relacionar num ambiente lúdico como irmãos.
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ofensor, apoiadores do ofensor e membros da comunidade interessados no caso
num diálogo estruturado sobre o que aconteceu, por que aconteceu, qual foi o
impacto, e o que é necessário para reparar o dano ou mal, impedindo que
aconteça de novo. Os participantes se sentam em círculo sem mesas ou outras
peças de mobiliário no meio. Um objeto, chamado bastão-de-fala circula pela
ordem entre os participantes, que falam somente quando estão segurando o
bastão-de-fala. A utilização desse bastão-de-fala reduz o papel do facilitador e
elimina as conversas paralelas ou interrupções, pois só ele define quem fala
enquanto os outros ouvem. O processo poderá acontecer em círculos diferentes,
um para vítima e outro para o ofensor antes que todos se reúnam para
determinar um plano de ação que trate das questões levantadas ao longo do
processo. Por consenso, o Círculo poderá estruturar a sentença do ofensor e
também estipular as responsabilidades dos membros da comunidade e dos
operadores de justiça como parte do acordo.
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Fundamento Estrutural do Círculo
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vez no Círculo. A intenção do Círculo é ajudá-los a caminhar na direção desses
valores e ensinamentos partindo da situação onde estavam no momento de
entrar no Círculo. Cada fase do processo circular atua no sentido de construir e
nutrir a capacidade dos participantes de agir segundo esses valores e
conhecimentos. Para ter sucesso na tarefa de apoiar o movimento dos
participantes nessa direção o processo circular deve ser um modelo desses
valores e conhecimentos de todo modo que seja possível.
O Círculo lança mão de seis elementos estruturais para criar o espaço definido
por esses valores e ensinamentos fundamentais. Esses elementos estruturais são
as ferramentas usadas pelo guardião/facilitador para tornarem os valores e
ensinamentos elementos funcionais num processo concreto, passível de ser
trabalhado, e que cria condições para um diálogo honesto e respeitoso que preza
cada voz e nutre relacionamentos.
Bastão de Fala – O bastão de fala é um objeto que tem sentido para o grupo e
passa de pessoa para pessoa na ordem em que estiverem sentados no círculo.
Só pode falar a pessoa que está segurando o bastão de fala. Essa pessoa terá a
atenção total de todos do Círculo e pode falar sem ser interrompida. A utilização
do bastão de fala viabiliza a expressão plena das emoções, a escuta qualificada,
reflexão cuidadosa, e um ritmo sem pressa. Além do mais, o bastão de fala cria
espaço para pessoas que acham difícil falar diante de um grupo, sem, no entanto,
que o seu detentor seja obrigado a falar. A escuta qualificada e fala respeitosa,
promovidas pelo uso do bastão de fala, criam segurança para falar verdades
difíceis.
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começa e onde termina. A cerimônia inicial ajuda os participantes a relaxarem,
soltarem ansiedades não relacionadas ao Círculo, se concentrarem no seu estado
interno, atentarem para a interconexão e se abrirem para possibilidades
positivas. A cerimônia de fechamento celebra as contribuições do grupo e
relembra os participantes a sua ligação uns com os outros e com todo o universo.
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Outras Características Centrais dos Círculos
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bastão de fala, mas só o faz se houver um problema sério no processo que
demanda atenção imediata. A qualidade do processo é responsabilidade de todos
os participantes, e não apenas do guardião. Pelo fato dele se sentar como um
igual dentro do Círculo, e geralmente só falar quando recebe o bastão de fala,
tende-se a depender menos nele para soluções ou controle.
Tipos de Círculo
Tipos de Círculo
• Celebração
• Diálogo
• Aprendizado
• Compreensão
• Restabelecimento
• Apoio
• Reintegração
• Conflito
• Sentenciamento
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basicamente logística e convites. As pessoas usam tais Círculos para aniversários,
formaturas, prêmios, despedidas, e muitos outros eventos marcantes.
Círculos de Apoio – Este Círculo reúne pessoas significativas para dar apoio a
alguém que está passando por uma dificuldade em especial ou uma grande
mudança de vida. Os Círculos de Apoio em geral se reúnem regularmente ao
longo de determinado período de tempo. Eles podem, por consenso, desenvolver
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acordos ou planos, mas muitas vezes não são Círculos de tomada de decisão. Os
preparativos e a organização do primeiro Círculo são trabalhosos, mas os
subseqüentes nem tanto.
Círculos de Conflito – Este Círculo reúne partes em conflito para resolver suas
diferenças. A resolução se forma através de um acordo consensual. Nestes casos
é comum haver uma prolongada preparação individual. Também é possível lançar
mão de outros tipos de Círculo como preparação ao Círculo de Conflito. Em geral
é preciso investir muito tempo na construção de relacionamentos antes de
discutir as questões centrais. Estes Círculos são usados para resolver conflitos no
bairro, no local de trabalho, na escola, na igreja e nas famílias.
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É importante notar que muitas vezes estes objetivos se sobrepõem. A maioria
dos Círculos são em parte Círculos de Construção de Espírito Comunitário, e a
grande maioria produz o efeito de restabelecimento para alguns participantes. A
tipologia apenas marca o propósito primário de cada Círculo. Como se vê acima,
o processo circular pode abarcar vários tipos de Círculo na medida em que o
processo avança por suas várias etapas.
Por exemplo:
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da gangue recebeu o bastão de fala, expressou empatia e preocupação. “Eu sei
como você se sente cara. Sinto muito que seu primo morreu.”
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Da perspectiva do jovem:
Sua tarefa era escrever um texto sobre: Como você estava quando chegou ao
Círculo? Como pensava? Como se sentia? Depois deveria escrever sobre como
estava hoje. Como pensa agora? Como se sente agora? Como se relaciona com
as pessoas? Por fim, como se vê no futuro? Como se vê na comunidade, na
família? Como o Círculo ajudou?
Um menino e seu pai estão pescando. O menino diz ao pai: "pai, como você era
quando era mais jovem?" O pai respira fundo e diz: "Bem meu filho, eu não era a
pessoa que você vê hoje. Olha, eu era um adolescente perturbado. Eu não me
preocupava nem tinha remorso pelas coisas que eu fazia. Eu fazia o que queria.
Nessa altura da minha vida eu perdi alguém muito importante para mim. Eu não
sabia o que fazer. Não ligava mais para a vida nem para nada. Eu queria que a
morte chegasse a qualquer minuto e estava bem com isso. Eu me metia em
brigas e não ligava se machucasse alguém no meu caminho. Eu tinha o pavio
muito curto e estourava à toa. Meu pai sempre estava bêbado e gritava comigo e
com as suas tias e com sua avó. Toda noite eu tinha que aturar isso. Sua avó era
a única trabalhando e seu avô só bebendo. Minha infância foi roubada de mim por
causa das coisas que ele fazia". O menino perguntou ao pai: "pai, porque você
tinha tanta raiva da vida?" O pai falou: "Filho eu perdi meu melhor amigo ele era
como um irmão, minha mãe era a única que sustentava a família, eu tinha um
pai que gostava mais de beber do que da família dele. Depois tive problemas com
a lei, mas não importa o que, sempre era só minha mãe que ficava do meu lado.
Eles me puseram num programa chamado círculo". O menino perguntou: “O que
é círculo?” O pai respondeu: "é um recomeço filho". Eu comecei ali olhando para
caras que eu desprezava e depois me vi gostando deles e nunca mais esqueci.
Cheguei com uma atitude destruidora e muito provocante. Com o passar do
tempo eu fui me abrindo e perdi a vontade de brigar. Era difícil acreditar que
essas pessoas estranhas tinham se transformado na minha família.
"Então meu filho o homem que você está vendo é bem diferente do que era”,
disse o pai. “Meu filho, levou tempo para eu virar a pessoa que você está vendo
hoje” disse o pai. “Sou muito mais maduro e achei um jeito de controlar a raiva e
o ódio. Não tenho mais vontade de morrer nem machucar os outros pois meu
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filho, as palavras são mais fortes que socos. Minha visão da vida é a maior
mudança porque, meu filho, porque é a vida a coisa mais importante. Rezo toda
noite para você seguir o caminho certo e Deus desviar você do caminho que eu
estava. Hoje eu assumo responsabilidade pelas minhas ações pois ninguém é
homem antes de fazer isso meu filho. Se algum dia você vir que está caindo ou
escorregando na vida, sempre se levante mais forte do que nunca. Hoje eu sei
dar valor a tudo que o círculo me ensinou. Eu não seria quem eu sou hoje se não
fosse por eles. Aprendi a ficar longe de encrencas e distinguir o certo do errado.
Além disso, aprendi a corrigir os erros que fiz nessa vida. Esse homem aqui
aprendeu que precisa ser honesto com as pessoas que importam porque a
verdade liberta. A vida era dura comigo porque eu fazia que ela fosse dura. As
pessoas te querem bem meu filho mesmo quando parece que não elas querem
sim. Tudo na vida é possível basta acreditar em você como eu acreditei e será
feito. Eu agora tenho paz em mim e não espero mais que a morte venha me
buscar. Criei laços com gente desconhecida que eu chamo de família. O mais
importante que aprendi foi que leva tempo para mudar e para ser respeitado
você precisa conquistar porque não vem de graça”. O menino ficou ali sentado
espantado com essas palavras de sabedoria e conhecimento. E também chocado
por saber o que o pai tinha sido.
“É meu filho a vida é cheia de surpresas. Me diga meu filho o que você quer da
vida?”. Bem, pai, quero ser um ótimo pai e ter um emprego na polícia. Quero
também ter uma boa casa com um bom terreno. E que meus filhos sejam criados
para serem crianças bem comportadas na sociedade. Uma mulher bonita que
cuide das crianças enquanto eu cuido de todo o resto. Acho que é isso pai. Ah, e
ser respeitado como você é.
Conclusão
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Somos todos profundamente interligados. No longo prazo, não há escapatória.
Aquilo que está acontecendo aos outros nos afetará mais cedo ou mais tarde.
Adotar esta visão de mundo significa uma mudança enorme de perspective, ao
menos para os norte-americanos. Significa que jamais podemos nos beneficiar a
custa dos outros. Significa que não há saída fácil evitando o conflito ou ignorando
os problemas. Mas essa visão pode também representar uma disposição
extremamente positive. Significa que jamais estamos sozinhos. Significa que
sempre pertencemos – não importa o que aconteça.
O medo de não pertencer ou a dor de sentir que não pertencemos está na raiz de
boa parte da violência e do mal no mundo. Viver como se todos pertencessem
talvez seja a melhor medida de prevenção da violência que jamais possamos
conceber.
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