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RESENHA DO LIVRO TROCANDO AS LENTES: UM NOVO FOCO SOBRE CRIME

E A JUSTIÇA, DO AUTOR HOWARD ZEHR.

Ana Carolina dos Santos Pinto

Howard Zehr, em sua obra Trocando as lentes nos leva a pensar no cerne da
vivência da vítima e do agressor. No início do livro, o autor faz a análise de um caso
em que um menino de 16 anos, num assalto malsucedido acaba cegando, com uma
face, sua vítima. Assim, ele analisa o crime sob o ponto de vista do agressor, da
mulher que sofreu a violência e da comunidade, bem como o processo de
recuperação da vítima.

Contudo, é válido ressaltar todo o contexto por trás do agressor – aquele


menino de 16 anos, mencionado anteriormente – este que veio de um contexto
familiar infeliz, onde provavelmente sofria abusos – físicos, psicológicos. O agressor,
traumatizado, acabou por se transformar em um criminoso e foi, portanto, tratado
como tal, ainda que absurdo, tratado como uma “aberração” estereotipada ao
extremo. Howard, ao falar do ofensor, ressalta a necessidade da responsabilização
do autor do fato, fazendo-o “compreender o impacto de seu comportamento, os
danos que causou”.

A vítima, por sua vez, viveu o papel de vítima mas suas necessidades
receberam pouquíssima ou nenhuma atenção aos olhos da sociedade. Conforme
mencionado pelo autor, a vítima passa por um processo doloroso ao viver o dia a dia
após o crime, ele diz que “o crime, como um câncer, rompe com o sentido de ordem
e significado, consequentemente, as vítimas de crime, como as vítimas de câncer,
procuram explicações”. E, nesta parte do livro, o autor deixa claro este processo. O
processo de culpabilizar o agressor, a si mesmo, aos outros e até mesmo a Deus
pelo ocorrido.

No livro "Trocando as Lentes: Um Novo Foco sobre o Crime e a Justiça" de


Howard Zehr, embora ofereça uma perspectiva desafiadora e inovadora sobre o
sistema de justiça, também suscita algumas críticas válidas.

A justiça restaurativa é um paradigma no campo da administração da justiça


que se diferencia do modelo tradicional punitivo. Enquanto o sistema penal
convencional muitas vezes se concentra na punição do infrator, a justiça restaurativa
busca, em vez disso, restaurar o equilíbrio quebrado pela transgressão. Esse
enfoque coloca um forte ênfase na reparação dos danos causados às vítimas, bem
como na reintegração do infrator na comunidade.

Em contraste com a abordagem retributiva, onde a pena é imposta como uma


resposta à infração, a justiça restaurativa busca entender as causas subjacentes do
comportamento criminoso e trabalhar na resolução dos conflitos. Envolve todas as
partes afetadas, incluindo vítimas, infratores e comunidade, em um processo
colaborativo de diálogo.

Um dos elementos-chave da justiça restaurativa é a ênfase na


responsabilização pessoal. Os infratores são incentivados a reconhecer e aceitar a
responsabilidade por suas ações, confrontando diretamente as consequências de
seu comportamento. Esse processo pode ser mediado por profissionais treinados,
criando um espaço seguro para a expressão de emoções, a compreensão mútua e a
busca de soluções construtivas.

Além disso, a justiça restaurativa busca reparar o dano causado à vítima. Isso
pode envolver restituição financeira, serviços comunitários ou outras formas de
compensação que ajudem a restaurar a dignidade e a sensação de segurança da
vítima.

No contexto da justiça restaurativa, a comunidade desempenha um papel


vital. A ideia é que a comunidade participe ativamente do processo de resolução de
conflitos, promovendo a cura coletiva e reintegrando o infrator à sociedade de
maneira significativa.

Essa abordagem não apenas busca soluções para casos específicos, mas
também visa prevenir futuros comportamentos criminosos, abordando as causas
fundamentais e promovendo uma cultura de responsabilidade e respeito mútuo.

Em resumo, a justiça restaurativa representa uma mudança de paradigma em


relação aos métodos tradicionais de administração da justiça, buscando não apenas
punir, mas restaurar relacionamentos, reparar danos e promover uma sociedade
mais justa e compassiva.
Uma crítica fundamental é que a abordagem proposta por Zehr, a justiça
restaurativa, embora inspiradora em teoria, pode ser difícil de implementar na
prática. O autor destaca casos de sucesso, mas muitas vezes parece não considerar
as complexidades e desafios que surgem ao tentar aplicar essa abordagem em uma
escala mais ampla. A justiça restaurativa depende fortemente da disposição de todas
as partes envolvidas em participar do processo de diálogo e reconciliação, o que
nem sempre é possível em situações de crime mais graves ou com infratores
persistentes.

Além disso, Zehr tende a ser idealista em sua avaliação da capacidade de


perdão e reconciliação em todos os casos, sem considerar adequadamente as
vítimas que podem não estar prontas para perdoar ou os infratores que podem não
demonstrar verdadeiro arrependimento.

Outra crítica é que o livro, em sua ânsia de promover a justiça restaurativa,


muitas vezes pinta o sistema de justiça tradicional como inerentemente falho e
ineficaz. Embora haja problemas evidentes no sistema de justiça convencional, essa
abordagem polarizada pode desconsiderar os esforços significativos de reforma e
melhoria dentro desse sistema.

Em resumo, "Trocando as Lentes" é um livro provocativo que oferece uma


perspectiva valiosa sobre a justiça restaurativa e a necessidade de repensar
abordagens convencionais ao crime. No entanto, é importante considerar suas
ideias com um olhar crítico, reconhecendo as limitações práticas e as nuances
envolvidas na implementação da justiça restaurativa.

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