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Introdução

A potência dos serviços de saúde para apoiar a mulher no andar da sua vida está colocada especialmente na atenção
básica, que, com a atuação da equipe multiprofissional, somada à tecnologia ali disponível para atender a maior parte
dos agravos de saúde da população, resolve a grande maioria dos problemas trazidos.
É muito importante que todos que estejam atuando na atenção básica saibam seus atributos fundamentais e
acessórios além e alguns aspectos próprios do cuidado neste nível de atenção.
Veremos a seguir, de como estas especialidades da atenção básica se relacionam com a saúde da mulher.
INTEGRALIDADE
A integralidade se expressa pela atenção à saúde das mulheres, sob a ótica da clínica ampliada, com a oferta de
cuidado à (e com a) pessoa, e não apenas a seu adoecimento. Isso inclui também a prestação de cuidados abrangentes,
que compreendem desde a promoção da saúde, a prevenção primária, o rastreamento e a detecção precoce de
doenças até a cura, a reabilitação e os cuidados paliativos, além da prevenção de intervenções e danos desnecessários
(prevenção quaternária). Isto é, o alcance da integralidade na Atenção Básica pressupõe a superação da restrição do
cuidado às mulheres a ações programáticas por meio do desenvolvimento de ações abrangentes de saúde e de acordo
com as necessidades de saúde das usuárias (BRASIL, 2016).
Ademais, a consulta com a mulher pode trazer a tona aspectos íntimos e com forte envolvimento de componente
psicológico e emocional. Cuidar integralmente da mulher é dar espaço para todas estas dimensões.
ORIENTAÇÃO FAMILIAR
Na abordagem integral da mulher, aspectos relacionados a sua inserção familiar podem ter grande relevância. Seja o
ciclo gravídico puerperal, aspectos relacionados à vida conjugal (e anticoncepção) e climatério.
Assim, o profissional da atenção básica deve estar atendo ao papel que a família exerce na saúde da mulher e
preparado para usar ferramentas de abordagem familiar no apoio integral à saúde da mulher.
COORDENAÇÃO DO CUIDADO
As questões relacionadas a saúde da mulher podem ser complexas e/ou demandarem trabalho de vários profissionais
– seja equipe de enfermagem na prevenção do colo uterino; seja necessidade de referência para outros níveis de
atenção por conta de um câncer ginecológico, ou ainda em casos de violência sexual.
Está se exercendo a coordenação do cuidado, portanto, por meio do um trabalho interdisciplinar na atenção básica,
utilizando-se de forma colaborativa e compartilhar de equipe do NASF que contenha ginecologista, ou ainda fazendo
parte da Rede de Atenção à Saúde.
ORIENTAÇÃO COMUNITÁRIA
O profissional da atenção básica deve estar atento aos aspectos relacionados a saúde do total das mulheres no
território onde atua. Ações que almejem a maior cobertura de exames preventivos para câncer ginecológico (colo e
mama) são necessários e devem considerar o perfil epidemiológico de população e a indicadores específicos de
mortalidade materno-infantil, por exemplo.
Ações de educação em saúde também atingem maior contingente de mulheres e devem ser realizadas respeitando os
preceitos da prevenção quaternária; ou seja, que não provoquem danos individuais por orientações e exames
desnecessários.
LONGITUDINALIDADE
Cuidar das pessoas (das mulheres, neste caso) no decorrer da vida, independente da presença ou não de doença, em
qualquer faixa etária, é um dos grandes potenciais da atenção básica. Uma criança, cuidada efetivamente durante seu
desenvolvimento, virará uma adolescente que tem suas demandas específicas, como abordagem da sexualidade e
anticoncepção. Durante a gravidez, puerpério, cuidado no climatério. Consultas de rotina, a equipe de saúde consolida
o vínculo com as mulheres, tendo grande potencial para ações preventivas, curativas e de educação em saúde.
ACESSO
Originalmente descrito por “Primeiro Contato”, no âmbito do SUS, o acesso faz parte das estratégias do acolhimento,
que pode ser entendido por diferentes perspectivas, tanto como um modo de organização do processo de trabalho
para ampliação do acesso e organização da demanda espontânea, assim como uma postura ético-política dos
profissionais, ao estabelecerem vínculo de cuidado com as usuárias, com respeito à autonomia das pessoas e
consideração das necessidades, desejos e interesses dos atores envolvidos no cuidado.
Veremos que para as queixas ginecológicas tratadas neste curso, bem como vários outros motivos de consulta, um
acesso facilitado é fundamental. Muitas vezes por trás de um problema que pode parecer simples, pode haver uma
importante demanda em saúde. Ou mesmo, uma queixa pode ser um problema grave de saúde.
CONCLUSÃO
Vimos até aqui o quanto cada atributo da atenção básica está relacionado ao cuidado das mulheres. Para além da
questão conceituais, há aspectos práticos organizacionais do funcionamento da atenção básica que determinam
diretamente a qualidade dos serviços prestados no que diz respeito ao cuidado das pessoas e, no caso deste curso, das
mulheres. Por exemplo: organização da demanda espontânea com possibilidade de exame ginecológico, formato de
anotação em prontuário (SOAP), estrutura para oferta de exames de colpocitologia oncótica ou relação com RAS e
possibilidade do trabalho da equipe de enfermagem para manejo clínico de problemas comuns.
Para orientar as ações dos profissionais de saúde, a utilização de protocolos de atenção exerce papel de destaque.
No que diz respeito à saúde da mulher, o Ministério da Saúde juntamente com o Hospital Sírio Libanês publicou em
2016 o protocolo de atenção a saúde das mulheres (Link). O protocolo cumpre uma função primordial de oferecer
respaldo ético-legal para a atuação dostrabalhadores da Atenção Básica, conforme disposto em suas atribuições
comuns e específicas constantes na PNAB, particularmente no que se refere aos profissionais de enfermagem.
Compondo a equipe mínima da Saúde da Família – juntamente com médico, técnicos em enfermagem e agentes
comunitários de saúde – e outras modalidades de equipes de Atenção Básica, enfermeiras e enfermeiros desenvolvem
atividades clínico-assistenciais e gerenciais, conforme as atribuições estabelecidas na Portaria no 2.488/2011,
obedecendo também à regulamentação do trabalho em enfermagem, estabelecida pela Lei n° 7.498/1986 e pelo
Decreto no 94.406/1987, bem como às Resoluções do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) no 159/1993 e no
358/2009. A ênfase aqui se justifica pelo fato de que, observadas as disposições legais da profissão, algumas de suas
atividades são referendadas pela existência de protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor
federal.
Este protoloco da atenção básica para Saúde das Mulheres destaca-se por levar em consideração os seguintes apectos
da atenção básica:
 - Centralidade na importância do acesso que é descrito como “acolhimento com escuta qualificada”, sempre a
primeira categoria dos fluxogramas e quadro-síntese;
 - Incorporação do conceito “motivo de contato”, descrito como motivo de consulta relacionados à Classificação
Internacional da Atenção Primária (CIAP);
 - Valorização da metodologia de registro em prontuário baseado em problema. As categorias dos quadros-
síntese, dispostas nas linhas, foram inspiradas nas notas de evolução (Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano –
SOAP), do modelo de Registro Clinico Orientado para o Problema (RCOP) – também adotado pelo Ministério da
Saúde no PEC do e-SUS AB.9, 10. O SOAP é um modelo de registro em saúde adequado para o cuidado na
Atenção Básica e para as diferentes praticas profissionais, cuja estrutura reflete a complexidade dos cuidados
básicos de saúde (favorecendo a continuidade, a integralidade e a coordenação do cuidado), com destaque para
suas categorias de problemas e avaliação (não restritas às categorias de “doença” e “diagnóstico”,
respectivamente), bem como de plano de cuidados (em suas dimensões de propedêutica, terapêutica, educativa
e de seguimento/acompanhamento).

CASO SEBASTIANA
Discussão de Caso
 
Como causas estruturais de Sangramento Uterino Anormal podemos ter as hiperplasias endometriais, além de
malignidades uterinas, tais como câncer de endométrio, de colo uterino, de tubas, de vagina ou de vulva.
I. Hiperplasias
 
As lesões precursoras de adenocarcinoma de endométrio apresentam quadro proliferativo irregular ou
complexos com alterações arquiteturais do endométrio, como diminuição da relação estroma-glândulas, que
podem mostrar brotamentos, dilatações, papilas e ramificações. Observam-se, também, alterações citológicas
e morfohistológicas que as diferenciam de proliferações endometriais fisiológicas.
Quanto mais atípica for a morfologia dessa hiperplasia, maior o risco de desenvolver carcinoma. Há vários
padrões histopatológicos, como hiperplasias císticas, simples, típica ou atípica. As hiperplasias de endométrio
com atipias são as de maior risco para gerar um adenocarcinoma endometrial.
Para simplificar, a Sociedade Internacional de Patologistas Ginecológicos e a Organização Mundial da Saúde
classificam as hiperplasias de acordo com o seu potencial de transformação em adenocarcinomas. Assim,
podem ser hiperplasias sem e com atipia, com as formas simples ou complexas.
As hiperplasias endometriais resultam da ação prolongada de estrógenos sem contraposição de progesterona,
e a possibilidade de progressão para adenocarcinoma varia de 15% a 30%, e leva entre 10 a 15 anos para se
manifestar. Na maioria dos casos, a progressão neoplásica ocorre com as hiperplasias complexas e atípicas.
 
II. Malignidades
O carcinoma do endométrio é um dos tumores mais frequentes na genitália feminina, em especial nos Estados
Unidos da América. No Brasil, corresponde a 11% de todos os tumores genitais malignos.
 
Essa neoplasia tem apresentado, nos últimos anos, quase estabilidade nos seus níveis de incidência, porém
tem mostrado aumento expressivo em sua letalidade. Esse quadro se justifica pelo aumento da faixa etária das
mulheres acometidas e pelas alterações hormonais e nutricionais que culminam com obesidade. Consideram-
se pacientes de alto risco de morte aquelas com recidivas, portanto devem ser cuidadosamente
acompanhadas.
Mulheres expostas ao estímulo estrogênico contínuo após os 50 anos de idade, obesas, com hipertensão
arterial sistêmica, diabete melito, dieta rica em gorduras, nuliparidade, quadro de anovulação crônica ou
menopausa tardia são as que apresentam maiores fatores de risco para desenvolverem o carcinoma de
endométrio. Incluem-se nesse grupo, ainda, aquelas com história de câncer hereditário, especialmente
colorretal não polipoide, quadro em que há predisposição à mutação gênica de reparo do DNA.
Do ponto de vista anatomopatológico, distinguem-se dois tipos de carcinoma de endométrio. O tipo I é
hormônio-dependente e relaciona-se aos quadros hiperplásicos endometriais atípicos. Já o carcinoma de
endométrio de tipo II não depende do estímulo hormonal e ocorre em idades mais avançadas.
 
O carcinoma do endométrio é classificado em pelo menos sete formas histopatológicas diferentes:
endometrioide, seroso, mucinoso, de células claras, escamoso, misto e indiferenciado. Considera-se em cada
classe o grau de diferenciação G1, G2 e G3, segundo maior ou menor diferenciação celular.
 
Os tumores uterinos podem ter origem no colo do útero. Do ponto de vista histopatológico, podem ser de
linhagem escamosa, glandular, sarcomatosa e embrionária. Cada um tem uma característica clínica diferente,
mas o quadro clínico é bastante semelhante, com dor pélvica e sangramento genital anormal.
 
Diagnóstico
 
O arsenal diagnóstico vai procurar diferenciar as hiperplasias benignas, das ocorrências de malignidade. A
idade da mulher, sua história reprodutiva e exposição estrogênica, história familiar, além de sinais e sintomas
vão conduzir a investigação. Na forte suspeita de malignidade o exame principal, ou padrão ouro, é o
anatomopatológico do material endometrial. Veja a descrição que se segue.
 
I. Hiperplasia
O Sangramento Uterino Anormal caracteriza o quadro clínico nos extremos da vida reprodutiva, menacma e
pós-menopausa, pela influência hormonal estrogênica. Nessas circunstâncias, a ultrassonografia transvaginal
identificará pacientes com espessamento do eco endometrial, em especial acima de 8 mm, a serem
posteriormente investigadas do ponto de vista histopatológico. O diagnóstico pode ser corroborado com a
citologia endometrial por escovagem ou por lavado endometrial em 60% a 90% dos casos. Além disso, a
biópsia endometrial obtida com o auxílio da histeroscopia ou curetagem fornece análise anatomopatológica de
excelência para o diagnóstico.
 
Figura 1. Imagem histeroscópica de cavidade endometrial com endométrio espessado

O teste de progesterona pode provocar sangramento em até 20 dias após a tomada por 10 dias de
progesterona (10 mg/dia), via oral, quando houver estímulo estrogênico ativo.
 
II. Malignidades
Nos casos de malignidades, o Sangramento Uterino Anormal ocorre, na maioria das vezes, em pacientes com
idades entre 45 e 70 anos. O volume de sangramento pode variar de pequenos episódios, médios
sangramentos até intensas hemorragias, espontâneas ou relacionadas a pequenos traumas.
No caso de câncer do colo do útero, pode haver lesão vegetante de pequeno, médio ou grande porte,
associada à eliminação de conteúdo mucoso liquefeito e de mau odor. Nos casos de câncer de cavidade
endometrial, a mucorreia também pode acompanhar e alternar-se com o sangramento.
 
Figura 2. Neoplasia glandular endocervical. Imagem colposcópica.
 
Figura 3. Neoplasia escamosa cervical. Imagem colposcópica.
 
Figura 4. Cancer de colo do útero. Imagem colposcópica.

A dor no baixo ventre em peso ou cólica é comum em qualquer caso, irradiando-se para a região lombar ou
lombossacra e para membros inferiores. A perda de peso torna-se evidente nos casos mais avançados, e é
acompanhada de mau estado geral ou estado anêmico, devido ao sangramento.
Assim, a história clínica e os antecedentes familiares de neoplasias, uso irregular de hormônios, infecções
genitais virais ou outras comorbidades, como hipertensão, diabetes, obesidade, menopausa tardia, levantam a
suspeita inicial do diagnóstico.
Depois, o exame físico geral pode mostrar os estados de anemia, desidratação, abatimento geral, sensação de
cútis macerada e tonalidade cérea; ao exame ginecológico poderão ser observadas formações tumorais
vulvares, vaginais ou cervicais, além de, ao toque bimanual poder palpar e tocar massas avolumadas de corpo
uterino ou outras estruturas pélvicas. O exame de toque bimanual vaginal é muito importante, e o
complementar toque anorretal amplia as possibilidades diagnósticas.
O exame especular é extremamente útil no dimensionamento inicial da lesão do tratogenital inferior. É nessa
oportunidade que se coleta material para o exame citopatológico oncótico. Exames laboratoriais clínicos
dimensionam o quanto as pacientes encontram-se comprometidas do ponto de vista hematimétrico,
nutricional e metabólico, Ainda, há que se avaliar condições de coagulopatias associadas a neoplasias, funções
hepáticas e eventualmente níveis de marcador tumoral, como o CA-125, bem como condições infecciosas. A
colposcopia pode ser utilizada como método auxiliar na avaliação do comprometimento das paredes vaginais e
como método facilitador na escolha do melhor local para a coleta da biópsia, evitando-se área de necrose. Se a
malignidade for de cavidade uterina e não for visível no exame especular, a biópsia endocavitária impõe-se,
direcionada, se possível, por visualização histeroscópica.
 
Figura 5. Biópsia endometrial guiada por histeroscopia.
Os exames de imagens, como ultrassonografia transvaginal, tomografia computadorizada e especialmente a
ressonância magnética, quando viáveis, são armas de grande valia na definição do estadiamento das lesões
neoplásicas.
Entende-se por estadiamento o conjunto das informações obtidas com a avaliação clínica, instrumental e de
imagens, e também das informações obtidas em avaliações cirúrgicas. Estas, no conjunto, oferecem subsídios
para o correto estadiamento do caso ao diagnóstico. Sua maior finalidade é definir qual a melhor conduta a ser
adotada, qual a probabilidade de sucesso terapêutico e a sobrevida da paciente.
 
Mulheres na pós-menopausa, com sobrepeso, diabéticas, fazendo uso de tamoxifeno ou hormonioterapia,
com sinais de hiperestrogenismo, apresentam maior risco para câncer endometrial e devem realizar exame de
rastreamento endometrial por ultrassonografia, de preferência endovaginal, anualmente. Mulheres que
apresentarem Sangramento Uterino Anormal devem realizar rastreamento de adenocarcinoma endometrial,
com amostra para estudo histológico do endométrio.
 
Na UBS, é fundamental que o médico saiba detectar as pacientes de alto risco para neoplasia uterina, e até
mesmo faça o diagnóstico com base em citologia cervicovaginal ou biópsia endometrial. O tratamento deve
ser direcionado conforme os achados desses exames.
 

Tratamento
 
Aqui diferenciamos os tratamentos para uma patologia benigna de outra neoplásica maligna. Em ambos os
casos a informação segura e precisa para a mulher auxilia no melhor resultado a ser obtido. As perspectivas
reprodutivas ou mesmo psicológicas da mulher podem e devem ser consideradas para que as melhores
escolhas sejam feitas numa perspectiva de atenção integral, de qualidade e humanizada.
 
I. Hiperplasias
Na presença de hiperplasia endometrial sem atipias, o tratamento pode ser feito por curetagem uterina e
eliminação da causa de hiperestrogenismo.
A histerectomia total também pode ser indicada, se a paciente for de risco para carcinoma endometrial ou se
for seu desejo.
Caso se pretenda preservar o útero, pode ser indicado o uso de progestágenos: ou por via oral, por três a
quatro meses, ou até mesmo progestágeno local, com sistema intrauterino liberador de levonorgestrel, que
dura cinco anos.
 
Os progestágenos que podem ser utilizados são:
 Acetato de medroxiprogesterona: 20 mg a 30 mg ao dia;
 Acetato de megestrol: 40 mg a 60 mg por dia;;
 Acetato de ciproterona: 100 mg a 150 mg ao dia;
 Acetato de nomegestrol: 20 mg a 30 mg ao dia;
 Acetato de noretisterona: 20 mg a 30 mg ao dia;
 DIU medicado.
 
Após esse tempo de uso, deve-se certificar de que houve regressão da hiperplasia e fazer acompanhamento
ultrassonográfico semestral. Nos casos de hiperplasia com atipia, em mulheres que não desejam preservar o
útero, está indicada a histerectomia.
 
II. Malignidades
O câncer de colo do útero, em estados iniciais, pode ser tratado por meio de conização ou traquelectomia
radical com linfadenectomia por via laparoscópica. Nos casos ainda iniciais, pode-se realizar também a cirurgia
de Werthein-Meigs, que inclui histerectomia total, colpectomia parcial, parametrectomia até parede pélvica e
linfadenectomia pélvica.
 
O câncer de endométrio bem diferenciado, em estados iniciais, é tratado por histerectomia total abdominal,
salpingooforectomia bilateral, omentectomia. A linfadenectomia é indicada quando há estádio mais avançado
ou tumor indiferenciado. A indicação de quimioterapia ou radioterapia depende do estadiamento.
 
Agora que você chegou ao final da aula sobre malignidades e hiperplasias, não deixe de responder às questões
que preparamos para sedimentar os conhecimentos que você construiu até aqui.

Joana
Preocupada como passaria estes 3 dias com desconforto vaginal, resolve procurar gerente da UBS que então solicita uma avaliação da enfermeira
da UBS.
Durante a consulta de enfermagem, Joana afirma que queixa-se de forte prurido vaginal, que teve início há dois dias. Além do prurido, apresenta
desconforto para urinar e saída de corrimento branco e grosso, porém sem cheiro ruim. Conta, ainda, que está tendo dor durante a relação sexual,
desde o início do quadro, achando que a vagina está muito ressecada e dolorida.
Ela fez exame preventivo há 2 meses que estava normal. Usa anticoncepcional combinado de baixa dose e sua última menstruação ocorreu há 15
dias. Está namorando há três anos e não tem parceiros diferentes. Não tem nenhum antecedente familiar ou pessoal importante.
Está com medo de ter alguma Doença Sexualmente Transmissível (DST) ou uma cistite Nega febre, dor abdominal e queda do estado geral. Diz,
também, que sente ardor para urinar apenas quando a urina encosta na pele. Ao ser questionada pela enfermeira sobre uso de medicações, informa
ter usado amoxicilina para tratamento de sinusite e que o esquema terminou há quatro dias
A enfermeira inicia o exame ginecológico, sem perceber dor à palpação abdominal e  exame da genitália externa observa a vulva bem hiperemiada,
com presença de fissuras entre os pequenos e grandes lábios e na fúrcula vaginal.
CASO JOANA

 
Discussão de Caso
 
A candidíase vulvovaginal é causada por fungos, em especial a Candida albicans. Em cerca de 15% dos casos,
o fungo pode ser de outra espécie, como a Candida glabrata e a Candida tropicalis que é uma das infecções
vaginais mais frequentes em países tropicais.   
[1] [2]

Estima-se que aproximadamente 75% das mulheres adultas apresentem pelo menos um episódio em sua vida
de candidíase vulvovaginal. Destas, 40% a 50% terão novos episódios e 5% permanecerão com candidíase
recorrente. [3]

Em geral, a vagina é colonizada por lactobacilos, chamados Bacilos de Doderlein, que produzem ácido lático
para acidificar o meio vaginal, impedindo que organismos patogênicos, como fungos e outras bactérias
patogênicas, colonizem a vagina. No entanto, a flora vaginal é complexa, e a candida pode estar presente sem
causar nenhum sintoma à hospedeira. Estima-se que entre 20% e 25% das mulheres tenham uma ou mais
espécies de candida no meio vaginal sem desenvolver a doença.  [4]

Desse modo, entender como o fungo deixa de ser um comensal da vagina e passa a causar a infecção
sintomática é fundamental para a compreensão da fisiopatologia da candidíase. Alguns fatores que alteram o
meio vaginal são responsáveis por essa mudança.
Essa situação ocorre com frequência em mulheres que usam antibióticos de amplo espectro, como as
cefalosporinas, para tratamento de diversas infecções, como sinusite, otite ou mesmo cistite. XU, J. et al. 
[5]

Os lactobacilos são eliminados pela antibioticoterapia, favorecendo, assim, a proliferação dos fungos. 
[6]
O uso de anticoncepcionais com elevadas doses de estrogênios e a gestação também favorecem a
candidíase. 
[7]

As alterações hormonais aumentam o glicogênio celular, que propicia a germinação e o crescimento da


candida. Ainda durante a gestação, o aumento da umidade e do calor local também criam as condições
necessárias para o desenvolvimento do fungo.   [8] [9]

O diabetes melito também é um fator predisponente à candidíase vulvovaginal, possivelmente por provocar o
aumento do glicogênio no conteúdo vaginal. A ingestão aumentada de carboidratos também provoca o
mesmo efeito.  [10]

Como outros fatores de risco podemos citar a higiene perineal inadequada, que pode provocar a
contaminação vaginal com germes intestinais, alterando a flora normal, a utilização de vestuário que promova
aumento de umidade e temperatura local, como roupas íntimas de tecido sintético, e, ainda, o uso contínuo de
absorventes higiêncos.  [11]

A candidíase vulvovaginal não é necessariamente uma DST, pois está relacionada com a diminuição da
resistência do organismo da pessoa acometida, mas essa via de contágio também pode ocorrer.  [12]

A principal queixa de mulheres com candidíase é o prurido vulvar e vaginal. Em geral, referem que esse
prurido piora antes da menstruação e durante o banho, após o uso de sabonetes. O prurido pode ser
desencadeado por antígenos do fungo. A melhora durante a relação sexual e a menstruação é explicada pelo
aumento do pH vaginal nessas situações. [13]

Junto com o prurido, é comum aparecer um corrimento branco, grosso, que muitas vezes se exterioriza pelo
intróito vaginal e apresenta-se com grumos, como se fosse leite coalhado, mas sem odor.
Figura 4: Intróito vulvar mostrando múltiplos grumos de candidíase.

Durante o exame ginecológico, pode-se identificar a vulva hiperemiada, por vezes com fissuras nos sulcos
labiais e descamação da pele.
Figura 5: Região perineal, perianal e vestibulovular apresentando hiperemia por corrimento fúngico.

As pacientes que se queixam de ardor à micção são as que apresentam escoriações decorrentes do ato de
coçar. Além disso, o contato da urina com a vulva lesada pode simular disúria e até mesmo urgência miccional
e polaciúria, dando a impressão de cistite. Outro sintoma possível é a dispareunia durante a relação sexual, em
decorrência do atrito com a vulva que apresenta maceração e fissuras.
No exame especular, o corrimento típico apresenta-se em placas, aderidas à mucosa vaginal, que também está
edemaciada e hiperemiada.

Figura 6: Intróito vaginal demonstrando a presença de grumos fúngicos e hiperemia.


Quando essas placas descolam da parede vaginal, podem aparecer pequenos pontos hemorrágicos. Nesses
casos, o corrimento branco pode adquirir alguns laivos de sangue. Durante o coito, é comum a paciente
apresentar dor e sangramento.
No entanto, é possível que a paciente com queixas típicas não apresente esse tipo de corrimento vaginal tão
característico.
Ainda devido ao processo inflamatório, pode ocorrer infecção bacteriana secundária, e o corrimento vaginal
pode tornar-se amarelado ou esverdeado, mas ainda com o aspecto grumoso. Em decorrência do processo
inflamatório intenso, o colo do útero pode apresentar aspecto de cervicite.

Figura 7: Aspecto colposcópico evidenciando múltiplas áreas hiperêmicas com dilatação vascular e sufusões hemorrágicas, rotuladas como colpite
mista.

Diagnóstico
 
 
Conforme descrito anteriormente, o corrimento causado pela candida corresponde a conteúdo branco, de
aspecto grumoso aderido às paredes vaginais, características avaliadas durante o exame especular (figura 7).
Exames Complementares Subsidiários
 
Para melhor identificar as características dos conteúdos vaginais, valemo-nos de exames complementares
subsidiários de fácil execução, não onerosos, utilizando materiais e instrumental acessíveis a quaisquer
ambulatórios médicos.
1. pHmetria
Para este procedimento, utiliza-se a fita de pHmetria, que apresenta possibilidade de alteração de cor segundo
a variação do pH dos líquidos com os quais entre em contato. Essa variação pode ser medida segundo escala
de cores da própria embalagem. (figura 8)
Para execução do teste, logo após o exame especular, aproxima-se a porção sensível da fita contra a parede
vaginal, pressionando-a ligeiramente para que se faça o máximo de contato possível, durante
aproximadamente 1 minuto. A seguir, aguardam-se alguns segundos de forma a definir a mudança de
coloração da fita, que será mensurada comparando-a com a escala presente na embalagem, anotando-se,
então, o resultado obtido. (figura 9)
Na candidíase, o pH do conteúdo vaginal varia de 3,5 a 4,5. 
[14]

2. Teste das aminas

Para complementar a avaliação, procedemos ao Teste de Whiff, também conhecido como teste do nariz ou
teste das aminas voláteis.
Com auxílio de um cotonete ou algodão, coleta-se pequena quantidade de conteúdo vaginal, aproxima-o do
nariz, e inspira-se delicadamente para sentir o odor da amostra obtida. (figura 10)

No vaginite por candida, não há característica especial do odor, que se mostra discretamente adocicado,
lembrando água sanitária ou caldo de maçã. Por vezes, é inodoro.
Para potencializar essa prova, recomenda-se pingar, sobre o material, pequena gota de Hidróxido de Potássio
(KOH), solução a 10%.
Na candidíase, não há variação de odor.

3. Exame a fresco

As provas realizadas até agora apenas sugerem as condições do conteúdo vaginal. Assim, para apurar a
interpretação do mesmo, procede-se ao exame a fresco. Com auxílio de espátula ou cotonete, colhe-se
pequena quantidade de conteúdo vaginal, o qual é espalhado sobre lâmina de vidro, pingando-se uma gota de
soro fisiológico sobre ele. Delicadamente cobre-se com lamínula, tomando-se cuidado para não formar grande
quantidade de bolhas de ar. Com o material assim preparado, leva-se a lâmina para exame em microscópio
óptico comum. Observa-se o material, inicialmente com oculares de 10x e objetiva de 10x, correspondendo a
campo de 100x de aumento. Localizando-se o melhor campo de avaliação, passa-se ao uso da objetiva de 40x,
que fornecerá imagem de 400x de aumento.

Na candidíase, destaca-se a presença de filamentos refringentes com brotamentos e entrecruzados entre si,
misturados às células superficiais. Observa-se ainda, presença variável de leucócitos, filamentos de muco,
poucos elementos bacterianos não específicos, ao lado de formações ovaladas pouco maior do que hemácias
e também refringentes, que são as leveduras.
   

   
Eventualmente, o exame a fresco não consegue definir adequadamente os componentes do conteúdo vaginal,
exigindo que se utilizem métodos laboratoriais de avaliação pouco mais sofisticados e de resultados não
imediatos, como o exame corado e a cultura de conteúdo.

4. Exame corado

Embora com boa ideia da composição do conteúdo vaginal, por vezes dúvidas se instalam, fazendo com que se
busque aprimorar a sua identificação. Isso é conseguido por meio do exame corado. Para tanto, coleta-se
amostra do conteúdo vaginal com espátula e faz-se esfregaço em lâmina de vidro, permitindo-se que seque ao
ar. Esse material é encaminhado ao laboratório para ser corado pela técnica de Gram e realizada a leitura dos
achados.

Hifas de fungos e esporos são também detectados no exame corado, em meio a quantidade variável de
polimorfonucleares e células de descamação epitelial.

Figura 17: Exame citológico cérvico vaginal com coloração de hematoxilina-eosina, mostrando hifas (setas), esporos (círculo) e células pavimentadas
basofílicas (B) e eosinofílicas (E).

O esfregaço vaginal corado poderá ser avaliado segundo critérios de Nugent, atribuindo escores de acordo
com a morfologia, coloração e quantidade de microorganismos observados. O valor final é dado pela soma dos
escores de lactobacilos, de Gardnerella ou bacteroides, e de bacilos curvos.
5. Cultura para microorganismos aeróbios, anaeróbios ou fungos
Este método laboratorial não deve ser utilizado de rotina, pois os exames anteriores bastam para boas
conclusões diagnósticas. Entretanto, em casos de corrimentos recidivantes e não responsivos a tratamentos
anteriores, a cultura do conteúdo pode vir a auxiliar o tratamento. Há, entretanto, que se ter cuidado na
interpretação dos resultados, pois a microbiota normal da vagina é caracterizada por pluriagentes e o uso de
antibioticoterapia para qualquer corrimento genital não deve ser adotado, sob risco de alterar de modo
intenso o equilíbrio do ecossistema vaginal.
Quando esse método se faz necessário, coleta-se amostra do conteúdo vaginal com zaragatoa estéril,
cuidando-se para que não se toque na superfície do colo, visando evitar contaminação com secreção
endocervical. Esse instrumento é, então, mergulhado em pequeno frasco contendo meio de transporte que
será encaminhado ao laboratório para semeadura e processamento em meios de cultura especiais de acordo
com a intenção do exame.

 
No caso de infecções por fungos, meios específicos são necessários e habitualmente as culturas são mais
demoradas no seu tempo de proliferação. Portanto, este tipo de exame só será aplicado em situações de
quadros recidivantes e não responsivos a tratamentos anteriores.

Tratamento
 
O tratamento da candidíase vulvovaginal (CVV) concentra-se eminentemente na eliminação dos sintomas
irritativos comumente encontrados e na prevenção de recidivas. Baseia-se na implementação de medidas
gerais e medicamentosas que visam a transformar a infecção genital por Candida sp em colonização inócua.
Cerca de 7% dos casos diagnosticados como candidíase são, de fato, quadros de vaginose citolítica, condição
na qual o excesso de lactobacilos no meio vaginal repercute eventualmente com os mesmos sintomas. Porém,
os antifúngicos são desnecessários e ineficazes contra a vaginose citolítica, e uma terapia bem sucedida,
portanto, depende de um diagnóstico acurado. [11]

A taxa de sucesso do tratamento da candidíase aguda é de 80% a 85% em 1 ou 2 semanas, entretanto


aproximadamente 80% dos tratamentos medicamentosos para candidíase são atribuídos à automedicação,
pela utilização de cremes vaginais facilmente acessíveis sem prescrições médicas, o que deve ser
desencorajado, já que pode resultar em tratamentos errôneos e incompletos. Isto muitas vezes interfere no
reconhecimento de um quadro agudo e posterga a eficácia do tratamento. [12]

Dentre as orientações gerais para a mulher com CVV, a higiene genital tem papel importante na prevenção de
surtos agudos de repetição. Outras medidas têm se mostrado eficientes, como:
 Escolha de anticoncepcionais hormonais com menor dosagem estrogênica;
 Ajustes na dieta, como ingestão de alimentos pobres em açúcares;
 Ações para melhorar a resistência vulvovaginal, como a mudança de sabonetes, calcinhas, e para evitar
uso de absorventes diários.
Ventilação inadequada e roupas apertadas causam aumento da umidade vaginal e da temperatura local,
podendo causar infecções em vaginas já colonizadas.  [13][14]

A medicina alternativa, apesar de difundida por alguns profissionais como prática com efeitos positivos,
apresenta resultados controversos. Não há embasamento na literatura de que o uso de probióticos compostos
por lactobacilos ou de que iogurtes vaginais ou orais tenha efeito benéfico no tratamento da candidíase
vaginal.
[15]

O uso de duchas vaginais contendo solução diluída de bicarbonato de sódio mostra-se eficaz para
alcalinização do pH vaginal, melhorando indiretamente a infecção fúngica e a vaginose citolítica. 
[16]

São duas as classes de fungistáticos utilizados no tratamento da CVV:


 Polienos: Nistatina, Anfotericina B
 Imidazólicos: Fluconazol, Clotrimazol, Miconazol, Fenticonazol, Tioconazol, Terconazol, Butoconazol,
entre outros
Na candidíase não complicada, ou seja, casos esporádicos leves a moderados, provavelmente causados
por Candida albicans e em mulheres imunocompetentes, geralmente os regimes de tratamento com
imidazólicos tópicos por 7 dias são eficazes, associados à terapia oral única com fluconazol 150mg. Deve-se
orientar abstinência sexual durante o tratamento. 
[17][18]

Já os casos complicados de CVV estão representados por quadros intensos, pela candidíase de repetição ou
por aqueles causados por espécies não-albicans, além dos surtos que acometem mulheres imunossuprimidas e
com diabetes descompensado. Nestes casos, pode ser usado tratamento tópico mais prolongado, de 7 a 14
dias, associado ao fluconazol 150mg via oral nos dias 1, 4 e 7 (3 doses). Lembrando que em relação às cepas
de Candida glabrata, apenas 9% são susceptíveis ao fluconazol, portanto o tratamento indicado é com drogas
não-fluconazol. A nistatina é usada por período de 14 dias.[19]

O tratamento de manutenção é mandatório na candidíase de repetição, e deve se estender por 6 meses, com
o uso de fluconazol na dose semanal de 150mg via oral até completar este período.
São vários os tipos de tratamento para casos de candidíase de repetição, porém não existe padrão-ouro que
debele a infecção sem probabilidade de novas recidivas. A recidiva clínica e micológica que acontece em 15 a
30 dias do tratamento medicamentoso é devido à mesma cepa de Candida, a qual é representada em 96%
pela Candida albicans, extremamente sensível ao fluconazol.  [20]

Nas grávidas, as taxas de cura são melhores com os imidazólicos do que com os polienos e apenas a terapia
tópica deve ser utilizada, preferencialmente por 7 dias. A utilização de ácido bórico em supositórios ou óvulos,
quando comparado à nistatina e a imidazólicos, leva a índices de cura entre 40% a 100% nos casos
recidivantes. Provoca apenas sintomas leves como ardor vaginal (em menos de 10% dos casos), eritema
vaginal e corrimento aquoso durante o tratamento. É usado em supositórios ou óvulos, na dose de 600mg, 1
ou 2 vezes ao dia, por 14 dias. Não deve ser utilizado por mais tempo, a fim de evitar intoxicação crônica pelo
mesmo, que provoca anemia, alopecia, dermatite e até convulsões. Deve ser evitado no 1o trimestre de
gestação, pois o efeito teratogênico não pode ser excluído.[21]

A candidíase não é considerada uma doença sexualmente transmissível, cuja definição baseia-se em ser aquela
predominantemente adquirida por contato sexual. Portanto, não há necessidade de tratamento do parceiro de
mulheres com CVV. Deve ser, contudo, ressaltado que pode haver transmissão sexual e quadros de balanite,
caracterizados por hiperemia e descamação da glande peniana, o que requer tratamento por se tratar de
quadro sintomático masculino. [22]
CASO MARIA DA PENHA
Discussão de Caso
 
A toda perda sanguínea oriunda do corpo uterino na ausência de afecção orgânica, gestação ou causa
iatrogênica, dava-se a denominação de sangramento disfuncional do endométrio. Desde 2011, reunião de
consenso que definiu o Sistema de Classificação FIGO de Sangramento uterino anormal a nomenclatura
sangramento disfuncional teve seu uso desaconselhado devendo ser substituído por sangramento uterino
anormal por disfunção ovulatória (SUA-O).
O SUA-O, tem causa não estrutural e resulta de desequilíbrio hormonal entre eixo hipotálamo hipófise ovário
e o endométrio. É bastante frequente, está presente em 1/3 dos casos de sangramento genital. Predomina
nos períodos de adolescência e de transição menopausal, durando de 2 a 5 anos.
Na maioria das vezes, é causado por distúrbios da ovulação culminando em variações das taxas de estrógeno e
ou de progesterona endógenos. Nos casos de anovulação, há falta de progesterona e esse fato faz com que
haja sangramento irregular no tempo, na duração e na quantidade quando da deprivação estrogênica. Em
outros casos, há ovulação com presença de progesterona, porém desequilíbrios da fase lútea ou de
estabilidade glândula-estroma podem desencadear o sangramento. A intensificação de processos
proteolíticos, de fibrinólise do endométrio e de alteração de sensibilidade de receptores hormonais podem
ocorrer tanto em sangramentos disfuncionais ovulatórios quanto nos anovulatórios. A hemostasia desses
quadros ocorre na regeneração do endométrio.
O sangramento uterino anormal recebe nomenclaturas diferentes segundo as variações de duração,
quantidade e intervalos de sangramento. O termo hipermenorragia deve ser abolido, segundo o Sistema Figo,
sendo substituído por Sangramento Menstrual Acentuado. O antigo quadro de metrorragia, episódios de
perdas sanguíneas no decorrer do ciclo menstrual deve ser substituído por Sangramento intermenstrual,
independente da quantidade apresentada. Algumas desordens ovulatórias podem ter como fatores
desencadeadores hipotireoidismo, hiperprolactinemia, síndrome dos ovário policísticos, obesidade, perda de
peso irregular, estresse mental e exercícios acentuados de atletas de elite.
 
É muito importante que o médico saiba diagnosticar corretamente o sangramento anormal e que afaste
doenças uterinas. A seguir, descubra como fazer o diagnóstico adequadamente

Diagnóstico
 
O diagnóstico baseia-se na anamnese e no exame físico. No interrogatório, procura-se identificar a quantidade
de sangramento pelo número de absorventes utilizados ao dia, com presença ou não de coágulos sanguíneos,
se há vazamentos noturnos. A própria paciente identifica a variação comparando o quadro atual com ciclos
anteriores. O intervalo regular entre os episódios de sangramento sugere tratar se de ciclos ovulatórios, caso
contrário definem se os anovulatórios. Ainda na anamnese, a pesquisa de transtornos emocionais, hábitos
como tabagismo e alcoolismo, podem indicar eventuais motivos para os quadros anovulatórios. O exame físico
geral e ginecológico, em geral, nada deve demonstrar de irregular, afastando quaisquer causas orgânicas.
Sinais clínicos de hirsutismo, acne, obesidade podem auxiliar no diagnóstico de anovulação. Alterações da
glândula tireoide, ou da palpação do baço podem sugerir causas de alteração hormonal ou de coagulopatia
como eventual causa de anovulia e de sangramento.
Por vezes, exames complementares são indicados para exclusão de causas orgânicas, como ultrassonografia e
exames laboratoriais. Os mais relevantes são: hematócrito, hemoglobina, teste de gravidez, determinação de
níveis séricos de TSH e prolactina, dosagens hormonais de 17-hidroxiprogesterona e de progesterona. Em
casos mais graves, pode se lançar mão de histeroscopia e biópsia de endométrio.
 
Após compreender a fisiopatologia do SUA-O e seu diagnóstico, vamos explicar agora como tratar essa
afecção.
 

Tratamento
 
O primeiro passo do tratamento é identificar a gravidade do sangramento e, se necessário, manter a
estabilidade hemodinâmica da paciente com reposição volêmica ou sanguínea.
Na fase aguda, recomenda-se utilizar succinato de estriol 20 mg endovenoso a cada 12 horas por no máximo
48 horas até diminuir o sangramento. Simultaneamente, introduzir pílula anticoncepcional combinada de
50mcg de etinilestradiol, 4 comprimidos ao dia, por mais 48 horas. Cessando o sangramento, manter com o
mesmo contraceptivo, 1 a 2 comprimidos ao dia, até completar 21 dias. Em seguida, deve haver descamação
endometrial mais uniforme em menor quantidade. Pode-se manter o contraceptivo, 1 vez ao dia, por mais 2 a
3 meses.
Caso não haja desejo de gravidez, a paciente pode ser mantida com contraceptivos orais combinado de menor
dose, sistema intrauterino liberador de progesterona ou contraceptivo de progesterona contínuo. Outra opção
é utilizar progesterona na segunda metade do ciclo, que promove descamação endometrial regular, porém,
não tem efeito contraceptivo. Caso haja desejo reprodutivo, está indicada a indução de ovulação.

Antonia
Durante a consulta contou que notou um corrimento amarelado, sem prurido. Está muito incomodada. Há aproximadamente 15 dias, começou a ter
dor também durante a relação sexual e agora, há uma semana, tem dor diária no baixo ventre. Acha que teve febre, mas não aferiu, e fez uso de
antiespasmódico para dor, mas não melhorou. Há dois anos se separou e agora está namorando. Faz uso de preservativo masculino
esporadicamente e fez a citologia cervicovaginal há seis meses (normal).
Usa DIU e diz que menstruou há 3 semanas.
No exame físico geral, Antônia está com a temperatura axilar de 37 oC, normotensa e eupneica. O exame do abdome evidencia dor à palpação
profunda na região do hipogástrio, mas com descompressão brusca negativa. Os ruídos estão presentes e normais.
A introdução do espéculo vaginal é dolorosa, pois as paredes vaginais estão hiperemiadas. O colo do útero encontra-se hiperemiado e observa-se
um corrimento amarelado exteriorizando-se pelo orifício externo do colo do útero. O fio do DIU está visível.
O médico explica para Antônia que ela está com uma inflamação no útero e que não irá remover o DIU. Inicia tratamento com antibióticos e
analgésicos e solicita exames complementares (hemograma, proteína C reativa, VHS, exame de urina), ultrassonografia transvaginal e faz a coleta
da secreção vaginal para pesquisa de gonococo e clamídia. 
A ultrassonografia fica pronta e pode ser visualizada a seguir:
O hemograma evidencia uma leucocitose discreta, sem desvio à esquerda. O exame de urina está normal, e o PCR e o VHS estão alterados.
O médico classifica a doença inflamatória pélvica como leve e decide fazer um tratamento ambulatorial. Prescreve Ceftriaxona 250 mg, IM,
dose única (que será feito no próprio pronto-socorro), e Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias (que será usado em casa). Avisa a Sra.
Antônia que ela não deve ter relação sexual neste período e que, se tiver febre ela deve retornar ir ao pronto socorro.
O namorado também será tratado com Azitromicina 1g, VO, dose única, e com Ciprofloxacina 500 mg, VO, dose única.
Após o término do tratamento, Antônia é orientada a voltar a UBS.

CASO ANTÔNIA DE SOUSA


 
Discussão de Caso
A Doença Inflamatória Pélvica Aguda (DIPA) é uma afecção inflamatória das estruturas do trato genital
superior em razão da ascensão de agentes bacterianos do trato genital inferior. Assim, podemos observar, de
acordo com o comprometimento anatômico, a ocorrência de endometrite, salpingite, salpingooforite e
pelviperitonite, além de peri-hepatite.
Os principais agentes etiológicos que causam a afecção, responsáveis entre 15% e 80% dos casos,
são Chlamydia sp, Neisseria sp e Mycoplasma. Também são comuns Ureaplasma urealyticum, Streptococcus beta
hemolítico do grupo A, anaeróbios, como Bacteroides fragilis e outros aeróbios. São infecções, em geral,
polimicrobianas.
A ascensão bacteriana pelo trato genital pode ser espontânea, na presença de Doença Sexualmente
Transmissível (DST), ou pode ocorrer após cirurgias ou manipulação do trato genital, como curetagem ou
inserção de DIU.
As sequelas da inflamação dos órgãos genitais internos podem levar à gestação ectópica, infertilidade e dor
pélvica crônica, em até 30% dos casos. Esses micro-organismos são chamados agentes primários, uma vez que
produzem alterações imunológicas e bioquímicas no trato genital superior que favorecem a instalação de
agentes secundários, tais como Gardnerella sp, Haemophilus sp, bacilos Gram-negativos provenientes do meio
externo e de constituintes da flora vaginal. Assim, pode-se considerar a DIP como afecção polimicrobiana.
Um número maior de parceiros sexuais e a ausência de uso de métodos de barreira contribuem para maior
incidência em jovens. O uso de contraceptivo hormonal, por diminuir a fluidez do muco cervical, pode ser
agente protetor. Por outro lado, o uso de dispositivos intrauterinos favorece o desenvolvimento de quadros
mais graves, em especial em presença de Fusobacterium sp e Peptostreptococcus sp.
A mortalidade por DIP na atualidade é baixa, porém a ocorrência de múltiplas sequelas torna o futuro
reprodutivo dessas pacientes muito inseguro.
 
Após essa introdução teórica sobre DIP, vamos entender um pouco mais como se faz o diagnóstico.

Figura 4. Abscesso tubo-ovariano à esquerda.

• Estágio IV: abscesso tubo-ovariano roto ou sinais de choque séptico.;


 
O Ministério da Saúde do Brasil recomenda o diagnóstico clínico baseado no encontro de três critérios
maiores, MAIS um critério menor OU um critério elaborado (Quadro 1).
 
Quadro 1 – Critérios para diagnósticos de DIPA (BRASIL, 2005)

CRITÉRIOS MAIORES
Dor no abdome inferior
Dor à palpação dos anexos
Dor à mobilização do colo uterino
CRITÉRIOS MENORES
Temperatura axilar maior que 37,8 °C
Secreção vaginal ou cervical anormal
Massa pélvica
Mais de 5 leucócitos por campo de imersão em secreção de endocérvice
Hemograma infeccioso (leucocitose)
Proteína C reativa ou velocidade de hemossedimentação elevada
Comprovação laboratorial de infecção cervical pelo gonococo, clamídia ou micoplasmas
CRITÉRIOS ELABORADOS
Evidência histopatológica de endometrite
Presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas em estudo de imagem (ultrassonografia
pélvica)
Laparoscopia com evidências de DIP

Diagnóstico
 
Exames Subsidiários
 
Os exames laboratoriais complementares auxiliam no diagnóstico. Nos casos agudos, o hemograma mostra
leucocitose e desvio à esquerda, e há aumento da hemossedimentação e dos leucócitos no conteúdo vaginal,
prova de atividade inflamatória elevada, como aumento de proteína C reativa.
A cultura de esfregaços endocervicais em meio Thayer-Martin é considerada ideal na confirmação diagnóstica
de infecção de trato genital inferior por gonorreia. Para a pesquisa de Chlamydia, a semeadura, em meios
apropriados McCoy ou HeLa, de cultura de células suscetíveis é possível, porém pouco utilizada.
O exame citológico dos conteúdos de uretra e de colo uterino pode identificar a presença de clamídia na fase
aguda como células contendo corpúsculos citoplasmático que lembram chapéu de mexicano (Figura 5) e, no
caso de gonorreia, a presença de diplococos intracelulares gram-negativos (Figura 6).

Figura 5. Citologia cervicovaginal mostrando células infectadas


por clamídia, com aspecto de “chapéu mexicano”
Figura 6. Diplococos intracelulares gram negativos em
esfregação de secreção endocervical compatíveis com gonorreia.
 
Na ausência desses achados, testes de imunofluorescência indireta, métodos imunoenzimáticos e técnicas de
reação de polimerase em cadeia (PCR) podem ser acionados. As técnicas de PCR são tidas como padrão-ouro
para ambas as infecções.
Na suspeita de abscesso tubo-ovariano, a ultrassonografia por via endovaginal pode ser útil para o
diagnóstico, pois permite a avaliação das características das estruturas anexiais, como o tamanho da lesão e a
presença de coleções pélvicas.
Em casos de dúvida diagnóstica, a laparoscopia pode auxiliar e já iniciar o tratamento, com drenagem de
coleções purulentas e retirada de abscessos.
Como diagnóstico diferencial, chama-se a atenção para os casos de apendicite, abdome agudo hemorrágico
decorrentes de gravidez ectópica ou cisto ovariano roto ou de causa vascular, como a torção anexial.
 
Diagnóstico feito, é necessário tratar a paciente e seu parceiro. A seguir, expomos o tratamento adequado da
DIP, recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil.

Tratamento
 
Ante o diagnóstico clínico de DIPA, o tratamento deve ser instituído imediatamente, para evitar complicações
e sequelas decorrentes da infecção dos órgãos genitais internos. Portanto, os objetivos do tratamento são
curar a infecção, preservar a função reprodutiva e até mesmo a vida da paciente, nos casos mais graves.
Os antibióticos escolhidos devem ser efetivos contra gonococo, clamídia, gardnerella, estreptococos e
anaeróbios, portanto devem cobrir amplo espectro microbiano.
É importante avaliar a gravidade do quadro clínico, para optar por tratamento ambulatorial ou em regime de
internação hospitalar.
 
Tratamento ambulatorial
O tratamento ambulatorial é indicado em casos de quadro clínico mais leve, sem sinais de abdome agudo
(estádio 1).
Como medidas gerais, indica-se repouso, abstinência sexual, analgésicos, anti-inflamatórios, antitérmicos e
antieméticos. Recomenda-se a retirada do DIU, se a paciente for usuária, após ao menos 6 horas de
antibioticoterapia.
Os esquemas de antibioticoterpia preconizados são:
 Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única MAIS Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias;
 Cefoxitina 2 g, IM, dose única MAIS Probenecide 1 g, VO, dose única MAIS Doxiciclina 100 mg, VO,
12/12 horas por 14 dias;
 Ofloxacina 400 mg, VO, 12/12 horas MAIS Metronidazol 500 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias;
 Ofloxacina 400 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias MAIS Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas por 14
dias MAIS Metronidazol 500 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias;
 Ampicilina 3,5 g, VO, dose única, antecedida em meia hora por Probenecide 1 g, VO, dose
única MAIS Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas por 14 dias MAIS Metronidazol 500 mg, VO, 12/12
horas por 14 dias.
 
Tratamento Primeira opção Segunda opção Terceira opção
 
Ceftriaxona 500mg, IM,
 
dose única
 Ceftriaxona 500mg, IM, dose única
MAIS
 MAIS
Doxiciclina 100mg,1
 Doxiciclina 100mg,1 comprimido,
comprimido, VO,
 Ambulatorial  VO, 2xdia,por 14 dias  
2xdia,por 14 dias
 MAIS
MAIS
 Metronidazol 250mg, 2
Metronidazol 250mg, 2
comprimidos, VO, 2xdia, por 14 dias
comprimidos, VO, 2xdia,
 
por 14 dias
 
       
 Hospitalar   Cefoxitina 2g, IV, 4xdia, Clindamicina 900mg, IV, 3xdia, por Ampicillina/sulbactam 3g, IV,
14 dias
por 14 dias 4xdias, por 14 dias
 MAIS
 MAIS  MAIS
 Gentamicina (IV ou IM): dose de
 Doxiciclina 100mg, 1  Doxicidina 100mg, 1
ataque 2mg/kg; dose de
comprimido, VO, 2xdia, comprimido, VO, 2xdia, por 14
manutenção: 3-5mg/kg/dia, por 14
por 14 dias dias
dias
   
 
Quadro 1: Tratamento DIPA (Fonte: Brasil, 2015).

 
 
Table2. First-Line Antimicrobial Tretment Recommended By The Centers for Disease Control and Prevention
(CDC) for Pelvic Inflammatory Disease.
Outpatient regimen for mild-to-moderate pelvic inflammatory disease
Doxycycline (100mg orally twice daily for 2 wk) with or without metronidazole (500mg orally twice daily for 2
wk).
plus one of the following:
Ceftriaxone (250mg intramuscularly in a single dose)
Cefoxitin (2g intramuscularly) with probenicid (1g orally) concurrently in a single dose
Other parenteral third-generation cephalosporin (cefotaxime or ceftizoxime)
 
Inpatient regimen for moderate-to-severe pelvic inflammatory disease with or without turbo-ovarian abscess
 
One of the following:
Cefotetan (2g intravenously every 12 hr) plus doxycycline (100mg orally or intravenously every 12hr)
Cefoxitin (2g intravenously every 6hr) plus doxycycline (100mg orally or intravenously every 12hr)
Clindamycin (900mg intravenously every 8hr) plus gentamicin (3 to 5mg per Kilogram of body weight
intravenously once daily)
 
Quadro 2: Tratamento Antimicrobial prospoto por Brunham, Gottlieb e Paavonen (Fonte: Brunham, Gottlieb e Paavonen, 2015).

 
 
A paciente deve ser reavaliada em 48h a 72h após o início do tratamento. Os sintomas dolorosos e a febre
devem desaparecer nesse prazo. Caso isso não ocorra, o diagnóstico deve ser reavaliado em centro
especializado, possivelmente por meio de laparoscopia diagnóstica.

Tratamento hospitalar
 
Está indicada internação para tratamento nos casos de:
 Estado geral comprometido;
 Náuseas e vômitos incoercíveis;
 Suspeita de abscesso tubo-ovariano;
 Quadro grave com sinais de peritonite, náusea, vômito ou febre alta;
 Gravidez;
 Imunodeficiência (portadora do HIV com níveis baixos de CD4, ou em uso de terapia imunossupressiva,
ou outros quadros debilitantes);
 Ausência de resposta adequada ao tratamento ambulatorial;
 Intolerância ou incapacidade de aderir ao tratamento ambulatorial;
 Impossibilidade de seguimento em 48h a 72h.
 
Também estão indicadas medidas gerais: repouso, abstinência sexual, analgésicos, anti-inflamatórios,
antitérmicos e antieméticos.
O esquema de antibioticoterapia endovenoso deve ser mantido por mais 48h após o último pico febril,
visando à melhora do estado geral. Após isso, a paciente deve manter o tratamento ambulatorial.
 
Opções de antibioticoterapia:
 Estágio 2 (salpingite com irritação peritoneal):
o Gentamicina 60-80 mg, EV, 8/8 horas MAIS Penicilina G Cristalina 5 milhões UI, EV, 4/4 horas;
o Gentamicina 60-80 mg, EV, 8/8 horas MAIS Clindamicina 600-900 mg, EV, 8/8 horas;
o Gentamicina 60-80 mg, EV, 8/8 horas MAIS Metronidazol 500 mg, EV, 8/8 horas.
 
Superada a fase aguda, iniciar tratamento ambulatorial: Doxiciclina 100 mg, VO, 12/12 horas por 10 dias.
 
 Estágio 3 (salpingite aguda com oclusão tubária ou abscesso tubo-ovariano:
o Gentamicina 60-80 mg, EV, 8/8 horas MAIS Clindamicina 600-900 mg, EV, 8/8 horas MAIS
Penicilina G Cristalina 5 milhões UI, EV, 4/4 horas;
o Gentamicina 60-80 mg, EV, de 8/8 horas MAIS Metronidazol 500 mg, EV, 8/8 horas MAIS
Penicilina G Cristalina 5 milhões UI, EV, 4/4 horas;
o Gentamicina 60-80 mg, EV, 8/8 horas MAIS Tianfenicol 750 mg, EV, 8/8 horas MAIS Penicilina G
Cristalina 5 milhões UI, EV, 4/4 horas.
 
Superada a fase aguda, iniciar tratamento ambulatorial: Ofloxacina 400 mg, VO, 12/12 horas por 10 dias.
 
 Estágio 4 (abscesso tubo-ovariano roto ou sinais de choque séptico):
o Antibioticoterapia igual à do estágio 3;
o Cirurgia para drenagem de abscesso.
 
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico está indicado em casos de:
 
Falha do tratamento clínico;
 Presença de massa pélvica que persiste ou aumenta, apesar do tratamento clínico;
 Suspeita de rotura de abscesso tubo-ovariano;
 Hemoperitônio;
 Presença de abscesso de fundo de saco de Douglas.
 
Observações: deve-se observar que se está diante de uma doença inflamatória pélvica de provável
transmissão sexual, o que necessita de abordagem ampla da paciente e seu parceiro. Tanto tratando o
parceiro da infecção sexualmente transmissível (IST), como avaliando laboratorialmente a presença de outras
IST.
 
 Tratar todos os parceiros com Azitromicina 1 g, VO, dose única mais Ciprofloxacina 500 mg, VO, dose
única;
 Colher, sempre que possível, e após orientação e aconselhamento, sorologia para sífilis, hepatite B e
HIV;
 Reavaliar a paciente a cada 3 meses durante o primeiro ano.
 Reavaliar a paciente a cada 3 meses durante o primeiro ano.

CASO SONIA

Discussão de Caso
 
Também conhecida como cólica menstrual, a dismenorreia é a sensação dolorosa aguda cíclica com períodos
de acalmia, associada ao fluxo menstrual, que ocorre preferencialmente em jovens. Sua incidência é pouco
conhecida, mas estima-se que ocorra em mais da metade das adolescentes e, em 10% dos casos, é
incapacitante.
 
A dismenorreia pode ser classificada em:
 
. Primária ou idiopática, quando ocorre na ausência de alterações orgânicas. Tem-se procurado associar às
teorias de causas miometriais por ação de prostaglandinas ou de vasopressina, levando à contração muscular,
ou ainda psicogênicas e/ou endócrinas.
 
. Secundária, quando decorre de alteração orgânica, como endometriose, leiomioma, doença inflamatória
pélvica, estenose de canal cervical. Algumas mulheres associam o surgimento da cólica menstrual ao uso de
dispositivos intrauterinos, ou ao uso de doses elevadas de progestagênios.
 
A cólica menstrual primária surge de seis meses a dois anos após o início das menstruações e ocorre pouco
antes do início do sangramento menstrual, com intensidade variável, desaparecendo paulatinamente nos dias
que se seguem. Com frequência, observa-se acentuado componente psicogênico, podem ocorrer sintomas
gastrointestinais paralelos e associação com quadro de tensão pré-menstrual, caracterizada por nervosismo,
náuseas, fadiga, cefaleia e outros sintomas.
A cólica menstrual costuma aparecer nos ciclos ovulatórios. Quando a sensação dolorosa associa-se a ciclos
menstruais anovulatórios, ou quando não responde ao tratamento clínico deve-se pesquisar alterações
orgânicas, tais como endometriose, leiomioma e doença inflamatória pélvica.
Pode ser classificada de acordo com a gravidade dos sintomas e a necessidade de tratamento, conforme
mostrado no Quadro 1.
 
Sintomas
Grau Definição Condição de trabalho Analgésicos
sistêmicos
 0  Menstruação não dolorosa  Não atinge  Não  Não necessários
 Menstruação dolorosa que raramente
 1  Raramente afetada  Não  Raramente necessários
interfere na  atividade normal
 Menstruação dolorosa que interfere nas Moderadamente
 2  Poucos  Necessários
atividades  diárias afetada
 Menstruação dolorosa que impede as  Necessários, mas a
 3  Impedida  Evidentes
atividades  diárias resposta é insuficiente
Sistema de gradação da dismenorreia de acordo com a intensidade dos sintomas
Fonte: adaptado de Andersch e Milsom (1982).
 
Depois dessas informações sobre dismenorreia, vamos entender um pouco mais sobre como fazer o
diagnóstico.

Diagnóstico
 
O diagnóstico da dismenorreia é baseado na história clínica do paciente e no exame físico. Raramente é
necessário algum exame subsidiário.
O quadro típico da dismenorreia é o de dor que se inicia até seis meses após a menarca, em ciclos ovulatórios,
com duração aproximada de 48h, e tem as características de cólica que irradia para as costas ou pernas.
Nesses casos, o exame físico é absolutamente normal.
Exames de imagens ou laboratoriais complementares são desnecessários nesses casos de queixa típica e
exame físico ginecológico normal.
Para pacientes que já fizeram vários tratamentos e não obtiveram melhora, podem estar indicados exames de
imagem, como ultrassonografia pélvica ou ressonância magnética pélvica, para a pesquisa das causas da
dismenorreia secundária.
 
Nesse momento, você já é capaz de reconhecer e diagnosticar um caso de dismenorreia. Portanto, agora
deverá ser capaz de propor o tratamento mais adequado, como discutiremos a seguir.

Tratamento
 
O tratamento da cólica menstrual pode ser feito por diferentes modalidades terapêuticas. Destacam-se as
opções medicamentosas, complementares e cirúrgicas.
 
I. Tratamento medicamentoso
 
 a) Analgésicos e antiespasmódicos:
 Os analgésicos não inibidores das prostaglandinas, como dipirona ou paracetamol, não apresentam
efeitos colaterais associados ao uso de anti-inflamatórios não hormonais e são úteis para o alívio da dor
aguda. Os antiespasmódicos, como o brometo de N-butilescopolamina, têm efeitos anticolinérgico e
relaxante muscular, portanto são considerados opções de tratamento ao episódio doloroso.

  
 b) Anti-inflamatórios não hormonais:
 Os anti-inflamatórios mais utilizados no tratamento da dismenorreia primária são os derivados do ácido
fenilpropiônico (ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno), do ácido enólico (piroxicam, meloxicam) e do
fenamato (ácido mefenâmico).
 Essa classe de medicamentos inibe a produção de prostaglandinas e é altamente eficaz no tratamento da
dismenorreia primária. No entanto, quadros gastrointestinais podem diminuir a adesão ao tratamento.

 As drogas, doses e período de uso estão descritos no Quadro 2.
 
Droga Dose Período de uso
Ibuprofeno 400 mg 8/8 horas Iniciar 3 dias antes do dia esperado da menstruação
Naproxeno 275 mg 6/6 horas Iniciar 3 dias antes do dia esperado da menstruação
Cetoprofeno 50 mg 8/8 horas Iniciar 3 dias antes do dia esperado da menstruação
Flufenamato 200 mg 6/6 horas Iniciar com o começo do fluxo
Piroxicam 40 mg a cada 24 horas Iniciar com o começo do fluxo
Ácido mefenâmico 250 mg 6/6 horas Iniciar 1 a 2 dias antes da menstruaçao
Quadro 2 – Drogas, doses e período de uso no tratamento da dismenorreia

 
c) Contraceptivos hormonais:
O uso de contraceptivos hormonais é o método de preferência para o tratamento da dismenorreia primária
em mulheres que desejam anticoncepção.
Esses contraceptivos atuam na redução do endométrio e bloqueio da ovulação, o que diminui a síntese de
prostaglandinas. Em determinados casos, é necessário seu uso por alguns meses antes de se obter o resultado
ótimo, portanto analgésicos ou anti-inflamatórios podem ser necessários no início do uso da pílula
anticoncepcional.
Implantes de progesterona ou sistema intrauterino de levonorgestrel também são eficazes no tratamento da
dismenorreia. No entanto, nem sempre se indica seu uso em adolescentes, devendo cada caso ser estudado
de forma individual.
 

Tratamento
 
 
II. Técnicas complementares
 
a) Exercícios físicos:
Recomenda-se a realização de exercícios físicos regulares para a liberação de endorfinas e serotoninas, que
diminuem a dor. Exercícios de alongamento, técnicas de relaxamento, ioga e Pilates vêm sendo recomendados
nesses casos, no entanto as evidências de sucesso terapêutico não são claras na literatura. Como exercícios
são, de um modo geral, saudáveis, podemos indicá-los a essas jovens como adjuvantes ao tratamento
medicamentoso.
 
b) Dieta e suplementos:
Os estudos que abordam a relação entre dieta e dor pélvica são escassos. A ingestão de óleo de peixe e de
Ômega 3 aparentemente tem relação com a melhora dos quadros de dor, assim como o uso de vitamina B1,
na dose de 100 mg ao dia. Porém, de acordo com a literatura, as evidências são fracas.
 
c) Acupuntura:
O estímulo de terminações nervosas sensoriais cutâneas ativa vias neurais centrais, melhorando a dor em
muitos casos. Há evidência de menor uso de analgésicos por mulheres tratadas com acupuntura.
 
d) Fisioterapia:
Técnicas fisioterapêuticas podem ser empregadas com sucesso no tratamento da dismenorreia primária, tais
como eletroterapia, terapia manual e cinesioterapia.
A estimulação elétrica transcutânea, também conhecida por TENS, proporciona alívio da dor por meio de
impulsos que saturam os neurônios do corno dorsal da medula e bloqueiam impulsos dolorosos.
 
 
III. Tratamento cirúrgico
 
O tratamento cirúrgico não é indicado na dismenorreia primária, sendo reservado para casos resistentes que
possivelmente tenham causa secundária causando a dor, como endometriose, miomas e aderências.
 
Agora que você chegou ao final da aula sobre dismenorreia, não deixe de responder às questões que
preparamos para sedimentar os conhecimentos que você construiu até aqui.

Mariana
Na semana seguinte, Mariana retorna para consulta de enfermagem.
A enfermeira faz o exame ginecológico e observa que a vulva apresenta aspecto normal, sem alterações de pele ou de pilificação. No exame
especular é detectada a saída de secreção translúcida, viscosa, em grande quantidade. Não tem odor. O colo do útero está epitelizado, com orifício
circular e entreaberto. É possível identificar saída de secreção viscosa pelo orifício do colo.
A enfermeira chama o médico para discutir o caso e fazer o toque vaginal. Ele se apresenta e explica a oportunidade de completar  o exame
ginecológico. Mariana compreende e aceita. Ao realizar o exame, ele observa que o útero está em anteversão, mas com tamanho normal e sem dor.
O anexo direito encontra-se aumentado e ligeiramente doloroso. O anexo esquerdo é palpável e está com tamanho e consistência normal.
A enfermeira e o médico discutem o caso e concluem que a paciente está no período ovulatório, por isso o conteúdo vaginal está aumentado, e que,
provavelmente, há um cisto folicular no ovário direito, compatível com folículo pré-ovulatório. Com isso, orientam Mariana sobre ovulação, período
fértil e risco de gravidez, lembrando-a de se proteger contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Faz coleta de exame de colpocitologia
oncótica.
Após receber as orientações, Mariana entende as mudanças cíclicas e normais de seu corpo, tranquilizando-se a respeito da secreção vaginal. A
enfermeira aproveita para orientar sobre hábitos saudáveis, alimentação, atividade física, lazer e coloca a UBS à sua disposição caso precise de
preservativos ou anticoncepcionais quando voltar a ter relações sexuais. Orientam-na a chamar a mãe e avó para consultas de rotina na UBS, pois
não aparecem há mais de um ano.

CASO MARIANA
Discussão de Caso
 
O conteúdo vaginal fisiológico apresenta características cíclicas, sem odor, sem sintomas irritativos, de cor
clara ou transparente. É comum que piore no período ovulatório, quando o muco cervical se torna mais
abundante pelo efeito estrogênico e chega a molhar a roupa íntima. Nessa fase do ciclo, a secreção vaginal
é viscosa e clara, semelhante à clara de ovo crua.

Figura 2: Conteúdo vaginal fisiológico.


Observar a viscosidade de muco cervical(a).
Após o pico ovulatório, torna-se mais leitosa e espessa, em decorrência do estímulo progestacional que
aumenta a descamação celular das paredes vaginais  [1]

Figura 3: Muco cervical opaco(a) compatível com segunda


fase do ciclo menstrual. Colo do útero epitelizado(b).

Esse tipo de corrimento é resultante não apenas do muco cervical, mas também das secreções das glândulas
vestibulares (Skene e Bartholin), da descamação normal de células epiteliais da parede vaginal e da
transudação desse epitélio.
É sabido que o corpo humano convive harmoniosamente com amplo espectro de flora bacteriana, que exerce,
muitas vezes, efeito protetor contra as demais bactérias patogênicas.  [2]
Isto é o que ocorre no meio vaginal. Existe, na secreção vaginal normal, uma variedade de bactérias,
particularmente do grupo de lactobacilos. Durante a vida reprodutiva, os estrogênios circulantes promovem
grande concentração de glicogênio nas células vaginais. Os lactobacilos convertem o glicogênio em ácido
lático, acidificando o meio vaginal, que apresenta pH entre 4 e 4,5, o que impede a proliferação de outras
bactérias potencialmente causadoras de infecções sintomáticas, como a Gardnerella vaginalis.     
[3] [4] [5]

Os lactobacilos também produzem outras substâncias antimicrobianas, como o peróxido de hidrogênio


(H2O2) e as bacteriocininas, capazes de inibir ou eliminar microrganismos anaeróbicos. 
[6]

É importante ressaltar que a flora vaginal varia ao longo das diferentes fases do ciclo menstrual e do período
de gestação, e em razão do uso de anticoncepcionais ou antibióticos, de duchas, de preservativo e da
frequência de atividade sexual, entre outros fatores.
A flora vaginal começa a se desenvolver logo após o nascimento. Nas duas primeiras semanas de vida, devido
aos estrogênios maternos, a recém-nascida apresenta pH vaginal ácido. Em seguida, devido ao
hipoestrogenismo na infância, há colonização vaginal por anaeróbios, cocos e difteroides com pH alto. Após a
puberdade, o pico estrogênico promove o desenvolvimento dos lactobacilos, que passam a acidificar a flora
vaginal.   
[7] [8]

Na gestação, há um aumento significativo dos lactobacilos, similar ao observado no menacme. Já no


climatério, o hipoestrogenismo diminui significativamente a população de lactobacilos, desencadeando a
colonização por anaeróbios, atrofia da mucosa vaginal e aumento do pH.
Por exemplo, ao realizar o exame físico, não são encontradas alterações inflamatórias nas paredes vaginais
nem no colo do útero. A secreção vaginal é clara ou transparente, muitas vezes viscosa, e com frequência
pode-se observar sua saída pelo orifício do colo (muco cervical).
Já no período fértil, não é raro que se observe a presença de cisto folicular ou lúteo em um dos ovários,
acompanhado de dor em baixo ventre (dor do meio ou dor da ovulação). Isso pode ser observado no exame
físico pelo toque vaginal ou por ultrassonografia
Figura 4: Imagem anecóica em ovário sugestivo de cisto folicular(a).

No exame a fresco, identificam-se células de descamação vaginal em meio a lactobacilos, também conhecidos
como Bacilos de Doderlein
Figura 5: Bacilos de Doderlein.

É comum serem observados alguns polimorfonucleares.


Esse tipo de corrimento vaginal não tem necessidade de ser tratado, cabendo apenas orientações à paciente.
 

Diagnóstico
 

Conteúdo fisiológico
Conforme descrito anteriormente, o conteúdo vaginal fisiológico corresponde a conteúdo de aspecto
inespecífico, fluido, mais ou menos cristalino ou espesso, de acordo com a fase do ciclo menstrual durante o
menacma. Essas características são avaliadas durante o exame especular.

Exames Complementares Subsidiários

Para melhor identificar as características dos conteúdos vaginais, valemo-nos de exames complementares
subsidiários de fácil execução e não onerosos.
1. pHmetria
Para este procedimento, utiliza-se a fita de pHmetria, que apresenta possibilidade de alteração de cor segundo
a variação do pH dos líquidos com os quais entre em contato. Essa variação pode ser medida segundo escala
de cores da própria embalagem. (figura 6)

Para execução do teste, logo após o exame especular, aproxima-se a porção sensível da fita contra a parede
vaginal, pressionando-a ligeiramente para que se faça o máximo de contato possível, durante
aproximadamente 1 minuto. A seguir, aguardam-se alguns segundos de forma a definir a mudança de
coloração da fita, que será mensurada comparando-a com a escala presente na embalagem, anotando-se,
então, o resultado obtido. Atenção: pH é escrito com p minúsculo e H maiúsculo. (figura 7)
Para considerar conteúdo fisiológico, a variação do pH do conteúdo vaginal é de 4,0 a 4,5. 
[9]

2. Teste das aminas

Para complementar a avaliação, procedemos ao Teste de Whiff, também conhecido como teste do nariz ou
teste das aminas voláteis.
Com auxílio de um cotonete ou algodão, coleta-se pequena quantidade de conteúdo vaginal, aproxima-o do
nariz, e inspira-o delicadamente para sentir o odor da amostra obtida. (figura 8)
No caso do conteúdo fisiológico, não há característica especial do odor, que mostra-se discretamente
adocicado, não específico ou inodoro.
Para potencializar essa prova, recomenda-se pingar, sobre o material, pequena gota de Hidróxido de Potássio
(KOH), solução a 10%. (figura 9)
No conteúdo fisiológico, não há variação de odor, mas eventualmente acentua-se leve toque de odor
amoniacal.

3. Exame a fresco
As provas realizadas até agora apenas sugerem as condições do conteúdo vaginal. Assim, para apurar a
interpretação do mesmo, procede-se ao exame a fresco. Com auxílio de espátula ou cotonete, colhe-se
pequena quantidade de conteúdo vaginal, o qual é espalhado sobre lâmina de vidro, pingando-se uma gota de
soro fisiológico sobre ele. Delicadamente, cobre-se com lamínula, tomando-se cuidado para não formar
quantidade de bolhas de ar. Com o material assim preparado, leva-se a lâmina para exame em microscópio
óptico comum. Observa-se o material, inicialmente com oculares de 10x e objetiva de 10x, correspondendo a
campo de 100x de aumento. Localizando-se o melhor campo de avaliação, passa-se ao uso da objetiva de 40x,
que fornecerá imagem de 400x de aumento.
   

   
No conteúdo vaginal fisiológico, observa-se maior ou menor predomínio de células pavimentosas, íntegras,
outras parcialmente lisadas, presença de raros leucócitos, eventualmente hemácias, filamentos de muco,
poucos elementos bacterianos não específicos, ausência de hifas ou de leveduras de fungos.
Eventualmente, o exame a fresco não consegue definir adequadamente os componentes do conteúdo vaginal,
exigindo que se utilizem métodos laboratoriais de avaliação pouco mais sofisticados e de resultados não
imediatos, como o exame corado e a cultura de conteúdo.
4. Exame corado
Embora com boa ideia da composição do conteúdo vaginal, por vezes dúvidas se instalam, fazendo com que se
busque aprimorar a sua identificação. Isso é conseguido por meio do exame corado. Para tanto, coleta-se
amostra do conteúdo vaginal com espátula e faz-se esfregaço em lâmina de vidro, permitindo-se que seque ao
ar. Esse material é encaminhado ao laboratório para ser corado pela técnica de Gram e realizada a leitura dos
achados.

No conteúdo vaginal fisiológico, confirmam-se os achados do exame a fresco no que se refere à presença de
células pavimentosas, filamentos de muco. As bactérias agora podem ser identificadas como gram-positivas ou
gram-negativas segundo variem sua coloração rosa ou violeta. Pode-se identificar, ainda, a presença de bacilos
gram-positivos, os bacilos de Doderlein ou Lactobacillus sp, componentes habituais do ambiente vaginal
saudável.
O esfregaço vaginal corado poderá ser avaliado segundo critérios de Nugent, atribuindo escores de acordo
com a morfologia, coloração e quantidade de microorganismos observados. O valor final é dado pela soma dos
escores de lactobacilos, de Gardnerella vaginalis ou bacteroides, e de bacilos curvos (Tabela 1).
[10]

Tabela 1. Critérios de Nugent para avaliação da flora vaginal


Gardnerella
Lactobacilos Bacilos curvos
vaginallis ou
Escore (no/campo (Mobiluncus)
bacteróides
1000x) (no/campo 1000x) (no/campo 1000x)
0 4+ 0 0
1 3+ 1+ 1+ ou 2+
2 2+ 2+ 3+ ou 4+
3 1+ 3+  
4 0 4+  
Escores entre 0 e 3 correspondem à flora normal; entre 4 e 6, à flora intermediária e entre 7 e 10, à vaginose
bacteriana.
5. Cultura para microorganismos aeróbios, anaeróbios ou fungos
Este método laboratorial não deve ser utilizado de rotina, pois os exames anteriores bastam para boas
conclusões diagnósticas. Entretanto, em casos de corrimentos recidivantes e não responsivos a tratamentos
anteriores, a cultura do conteúdo pode vir a auxiliar o tratamento. Há, entretanto, que se ter cuidado na
interpretação dos resultados, pois a microbiota normal da vagina é caracterizada por pluriagentes e o uso de
antibioticoterapia para qualquer corrimento genital não deve ser adotado, sob risco de alterar de modo
intenso o equilíbrio do ecossistema vaginal.
Quando esse método se faz necessário, coleta-se amostra do conteúdo vaginal com zaragatoa estéril,
cuidando-se para que não se toque na superfície do colo, visando evitar contaminação com secreção
endocervical. Esse instrumento é, então, mergulhado em pequeno frasco contendo meio de transporte que
será encaminhado ao laboratório para semeadura e processamento em meios de cultura especiais, de acordo
com a intenção do exame.
Este método não se aplica nos casos de corrimentos fisiológicos por ser desnecessário, uma vez que não há
agente patogênico.

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