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DO DIREITO AO MÉTODO E

DO MÉTODO AO DIREITO
Deisy Ventura∗

A diversidade de nossas opiniões não decorre de que


alguns sejam mais razoáveis do que os outros, mas
somente de que conduzimos nossos pensamentos
por caminhos diversos, e não tomamos em
consideração as mesmas coisas.
René Descartes, Discurso do método (1637)

En tren con destino errado


Se va más lento que andando a pie
Jorge Drexler, Alto el fuego (1999)

INTRODUÇÃO

Todo ser humano conduz sua ação rotineira consoante um método ou


diferentes métodos – desde a ducha, a refeição ou o estacionamento, até a
pesquisa de ponta e o pensamento de vanguarda.

Amiúde, o faz inconscientemente, porque muita lucidez esfuma-se no


abismo que separa os significados comumente atribuídos à palavra método.
De simples “caminho para se atingir uma meta” ao solene “modo de agir
com disciplina, técnica e organização”, é como se a razão (que se refere
ao caminho) se tivesse burocratizado e a paixão (que atine à meta),
desaparecido.


Doutora em Direito da Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), Consultora Jurídica
da Secretaria do MERCOSUL (Montevidéu), Professora da Universidade Federal de Santa
Maria (RS), da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA) e do Mestrado em Direito
da Universidad de la República e do CLAEH (Montevidéu).
2

Logo, o primeiro passo para compreender a vital importância do


método é recuperar a sua banalidade, destituindo o adjetivo “metódico” de
qualquer conotação pejorativa. Valer-se de um método não é, como parece,
um aborrecimento ou uma restrição da liberdade1. Bem ao contrário, quem
não tem alternativas, não é livre. Mais triste, porém, é o destino de quem as
tem e as ignora ou despreza: é livre e não sabe.

Com efeito, nada mais corriqueiro do que a definição, por um sujeito,


de objetivos, imediatos ou distantes, e a pretensão de que se realizem
graças à determinada ação. A razão (como consciência)2 e a paixão (como
libido) 3 estão presentes tanto na definição das metas, como na escolha e na
travessia dos caminhos. Aqui se confrontam, com igual força, os limites
impostos pelos contextos vividos e o poder da vontade irresignada.

1
Este artigo, como qualquer outro, atribui arbitrariamente determinado sentido a palavras
que mereceram, historicamente, gigantesca produção científica, filosófica e literária. Assim,
a palavra liberdade aqui será usada simplesmente como possibilidade de escolha diante de
uma pluralidade de orientações possíveis. Não se trata da ausência de elementos
coercitivos, mas de uma margem de indeterminação, de um poder de escolha, apego ou
recusa. Ver, em particular, Henri Bergson, Essai sur les données immédiates de la
conscience, Paris: P.U.F., 1970, em particular o Capítulo III – edição eletrônica (texto
integral) em difusão gratuita disponível em <www.uqac.uquebec.ca>.
2
Aqui compreendida, em sentido largo, como a atividade mental que consiste em produzir
novas informações a partir de conhecimentos adquiridos e de informações fornecidas por
uma dada situação. Em sentido estrito, o raciocínio é a operação mental que permite, a
partir de proposições aceitas (premissas), afirmar a pertinência de outras proposições
(conclusões), Dictionnaire encyclopédique de l’éducation et de la formación, 2. ed., Paris:
Nathan, 1998, p. 497. Um debate racional, por exemplo, é uma discussão na qual os
interlocutores se puseram de acordo em precisar os critérios de validade do que se diz.
3
René Descartes escreve, em 1649, o texto fundador da idéia moderna de paixão: “o
principal efeito de todas as paixões nos homens é que elas incitam e dispõem sua alma a
querer coisas para as quais elas preparam seu corpo; de modo que o sentimento do medo
incita a querer fugir, o da bravura a querer combater, e assim sucessivamente” (art. 40), Les
passions de l’âme, Paris: Mozambook, 2001, p. 26 – edição eletrônica (texto integral) em
difusão gratuita disponível em <www.mozambook.net>. Sobre a evolução histórica do
conceito, ver a excelente coletânea organizada e apresentada por Mériam Korichi, Les
Passions, Série Corpus, Paris: Flammarion, 2000. No modesto âmbito deste artigo, paixão
significa o impulso que se manifesta independentemente da consciência e da vontade do
sujeito, que sofre dele um efeito cuja causa não domina totalmente. Será usada como
sinônimo de libido e de desejo, diferindo porém do sentimento (estado afetivo da
consciência que provém de uma certa reflexão ou julgamento) e da emoção (movimento
efêmero da consciência que se faz acompanhar de manifestações corporais). Salvo quando
a analogia é citada expressamente, o termo paixão aqui exclui totalmente sua dimensão
romântica e amorosa (o amor é “um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo.
Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que está lá fora. Amar é contribuir para o
mundo, cada contribuição sendo o traço vivo do eu que ama. (...) O amor é uma rede
lançada sobre a eternidade, o desejo é um estratagema para livrar-se da faina de tecer
redes”, Zygmunt Bauman, Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, Rio de
Janeiro: Zahar, 2004, p. 24-25).
3

Logo, compreender o que se faz, e a serviço de quais finalidades, é


um exercício de translucidez que permite, ademais de azeitar o
discernimento4, repensar continuamente as metas estabelecidas, ao tê-las
sempre presentes.

Pensar com consciência metodológica pode ser um passeio pela


estufa onde a razão fermenta, livre e eficiente, a serviço do querer. Seja ele
menos ou mais conformado com a realidade, o indivíduo percebe que os
logros não despencam das árvores: o “vitorioso”, no senso comum social, é
precisamente o sujeito que encontrou maneiras de colher os frutos,
reduzindo assim o peso relativo do “acaso”, do “divino”, da “sorte” ou da
“inspiração” na explicação de seu êxito ou fracasso.

Ao transpor este raciocínio elementar para o campo científico,


emergem, em cada nicho do saber, os nexos de causalidade entre a
seqüência de atos praticados e os resultados obtidos pelo sujeito que os
promoveu. O domínio dos métodos adquire, então, distinta dimensão
valorativa, e aparta o leigo do cientista.

A palavra metodologia, num mundo de quereres padronizados,


“vendidos” conjuntamente com os meios correspondentes, significa não mais
do que “corpo de regras e diligências estabelecidas para realizar uma
pesquisa” ou “parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela
própria recorre”. A noção de metodologia é rígida e modesta por ao menos
dois motivos: de um lado, o indivíduo dificilmente se reconhece na ciência;
de outro, ele se reconhece na vulgarização infame dos métodos como
receitas para alcançar metas.

4
“O inimigo da consciência não é somente o jugo do espírito pela cultura, ele também está
no interior do espírito (recuo, memória seletiva, mentira a si mesmo). Os avanços da
consciência não são mecanicamente ligados aos progressos do conhecimento, como
provam os extraordinários avanços do conhecimento científico, que determinaram, é certo,
progressos localizados de consciência, mas também falsas consciências (certeza de que o
mundo obedece a leis simples) e consciências mutiladas (encerradas em uma disciplina
particular). ... O pensamento aciona a inteligência e se esclarece pela reflexão
(consciência). A consciência controla o pensamento e a inteligência, mas necessita ser
controlada por elas. A consciência necessita ser controlada ou inspirada pela inteligência,
que por sua vez necessita de tomadas de consciência. Por isto, as múltiplas dificuldades
para que possa emergir uma consciência lúcida”, Edgar Morin, La méthode 5 – L’humanité
de l’humanité, L’identité humaine, Paris: Seuil, 2001, p. 103.
4

Quanto ao primeiro aspecto, o desenvolvimento da técnica, a serviço


dos imperativos da economia, exigiu uma impressionante evolução da
ciência, que gerou a cristalização dos saberes disciplinares. Ainda que os
mais importantes filósofos da ciência, no século XX, tenham aportado
densas e diversas leituras da relação entre a ciência e o método, o
conhecimento científico segue sendo somente aquele que resulta do uso e
pode ser testado por um método científico5. Ora, ainda que escolarizado, o
homem comum não se sente capaz de produzir ciência, e não raro sequer
compreende a ciência, apartado que está do jargão que expressa o método
científico em cada disciplina6.

No entanto, qualquer ser humano pode reconhecer-se no extremo


oposto. Fora da ciência, e às vezes dela disfarçados, há métodos para todos
os objetivos que se possa ter: curar-se de doenças, ser amado, enriquecer,
emagrecer, aprender, negociar, triunfar... A julgar pelo mercado editorial de
massas, por exemplo, a dúvida e o incerto não existem. A vida humana é
reduzida a receitas prontas, tanto do querer como do agir, num verdadeiro
fast food do pensamento7.

Distraídos de sua missão educativa, e inconscientes de sua


responsabilidade científica, os Cursos de Direito constituem um espaço
bastante peculiar do ensino superior. No passado, foram um viveiro de
atores sociais de relevo, provavelmente porque os conteúdos de suas
disciplinas vasculham o indivíduo, o Estado e a sociedade. A vida humana,

5
Embora cada disciplina disponha de seus métodos, o “método científico”, em geral, pode
ser definido como “o método pelo qual cientistas pretendem construir uma representação
precisa – ou seja, confiável, consistente e não arbitrária – do mundo à sua volta”, Ronaldo
Mota et al., Método Científico & Fronteiras do Conhecimento, Santa Maria: CESMA, 2003, p.
44.
6
Os juristas não escapam ao determinismo excludente. Entre muitos exemplos clássicos,
Fernando Carnellutti considera que “a metodologia não é outra coisa que a ciência que se
estuda a si mesma e assim encontra o seu método. Mas se também a metodologia é
ciência, ou melhor, se também a metodologia é ação, o problema do método apresenta-se
também à metodologia. Assim, aquilo que se pode chamar introspecção da ciência chega
até o infinito. [...] uma verdadeira circulação do pensamento que recorda a circulação do
sangue. Como a metodologia ajuda à ciência, a ciência serve à metodologia ou, em outras
palavras, esta última, ao descobrir a regra da ciência, descobre a sua própria regra”,
Metodologia do Direito, Campinas: Bookseller, 2002, p. 17.
7
No âmbito do ensino profissional, em particular, fazem grande sucesso os professores
ditos “pragmáticos”, que desovam uma sucessão de “dicas” do que “realmente funciona” na
“vida real”, quase sempre acompanhados do clássico “embora eu não concorde e saiba que
não deveria ser assim”.
5

em sua dimensão individual e coletiva, deveria passar inteira por estes


bancos, desde a elaboração dos parâmetros de conduta (sobretudo, a lei;
logo, a política), até o sistema de controle social (em particular, a
Administração Pública e o Poder Judiciário).

No entanto, os Cursos de Direito foram jogados a um pragmatismo


indigno até mesmo da formação meramente técnica. A efervescência política
e cultural ficou no passado, e deu lugar à regurgitação, não de uma
dogmática de cunho cientificista, mas sim do conhecimento previamente
mastigado dos manuais didáticos, associado à cuspida narrativa de práticas
profissionais nem sempre auspiciosas, por vezes travestidas de doutrina8.

Nos Cursos de Direito brasileiros, o auto-conhecimento e as


experiências são quase inexistentes: as pesquisas de campo não são
encorajadas, embora praticamente inexistam dados confiáveis sobre o
sistema judicial, sobre a produção legislativa, sobre as disfunções do
Estado, etc. Quanto ao aprofundamento teórico por meio da pesquisa
jurídica ou transdisciplinar, grassa, ainda, o paquidérmico antagonismo entre
teóricos e práticos, como se a teoria não iluminasse a ação, e a prática não
atualizasse a teoria.

Portanto, se malquista ou vilipendiada, é porque a Metodologia,


entre as disciplinas ministradas nos Cursos de Direito, desponta como
uma daquelas cuja utilidade é menos compreendida. Tratando-se de
deveres escolares ou pesquisa científica, pensa o aluno, qual seria o
interesse de um jurista, que sequer enquanto freqüenta o ensino superior se
reconhece como universitário?

O fato de que numerosos programas concebam a disciplina de


Metodologia como o “ensino” das normas vigentes sobre a elaboração de

8
Sabendo que o operador do direito exerce um contínuo exercício de interpretação, é
chocante, inclusive sob o prisma pragmático, que se possa imaginar o ensino reduzido à
descrição do mero ato operativo do direito. Já seria ruim que o conhecimento que informa a
interpretação fosse enciclopédico ou dicionarizado, e não aberto e crítico. Porém,
“provavelmente não existem mais juristas que tenham um conhecimento enciclopédico de
seu direito nacional, nem de suas práticas ou instituições. Mais sério ainda, a
instrumentalização recente da formação jurídica produziu uma geração de advogados que
sabem menos sobre a história, os fundamentos sociais, políticos ou econômicos de sua
tradição jurídica que os comparatistas que o estudam no exterior, que se desculpam por sua
subjetividade”, Daniel Jutras, “Énoncer l’indisible: le droit entre langues et traditions”, Revue
internationale de droit comparé, Ano 52, Nº 4, outubro-dezembro de 2000, p. 788.
6

trabalhos escritos, reduzindo o conteúdo da disciplina às regras que


emanam da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou
congêneres institucionais, corrobora a ojeriza que soem merecer as aulas de
Metodologia. É desolador testemunhar a ação de um profissional que
“ensina” qual a palavra a colocar em negrito ou itálico numa referência
bibliográfica, ou anima vigorosos debates sobre quantos centímetros deve
ter o tamanho da margem, quando uma citação longa é inserida no corpo de
um texto. Que desgosto o de ver burocratas do ensino, quase militarizados,
tomarem de assalto as disciplinas de Metodologia!

Clara está a importância de que a expressão formal da produção


acadêmica seja padronizada, sobretudo para facilitar sua compreensão e
difusão. Também é evidente que muitos alunos chegam semi-alfabetizados
aos bancos das Faculdades, e que seus trabalhos escritos podem estar tão
distantes do rigor quanto do asseio. Mas a função da disciplina de
Metodologia é atacar problemas anteriores, dos quais a confusão e o
desgrenho formais são apenas conseqüências.

Despertar a consciência, ordenar o pensamento sem aprisiona-


lo, exercitar o raciocínio, encontrar e triar a informação, desenvolver o
senso crítico, identificar metas, assimilar diferentes métodos,
potencializar a ação, sustentar a diversidade de enfoques e de
opiniões, produzir conhecimento, estes são os desafios
metodológicos.

Trata-se não tanto do ensino de determinados métodos mas,


sobretudo, do desenvolvimento da aptidão para aplicar, e mais adiante
adaptar ou até criar métodos que servem ao pensamento e à ação.

Por tudo isto, este artigo pretende apresentar a disciplina de


Metodologia no currículo dos Cursos de Direito como utensílio fundamental a
todas as demais disciplinas, e igualmente à futura atividade profissional,
quando da inserção do aluno no mercado de trabalho.

Rompe-se o automatismo da atividade de ensino e, em particular, de


avaliação, concebendo a Metodologia como um leque de modos de realizar
7

uma pretensão prévia e precisamente definida, e se humaniza uma prática


discente que se vem reduzindo a mecânico consumo9.

Assim, ao não ensinar o aluno a mobilizar sua razão conforme seus


objetivos, um Curso de Direito deixa de cumprir uma incontestável
obrigação: ainda que se pretenda, equivocadamente, uma mera
transmissora do conhecimento técnico, uma escola jurídica necessita
despertar no aluno a consciência das próprias metas e o domínio da vontade
(I) para, a seguir, torná-lo capaz de escolher ou forjar seus próprios
caminhos (II).

I – DO DIREITO AO QUERER SER

Passando a tropa em revista, Carlos Magno depara-se com uma


reluzente armadura branca. Uma voz a ele se apresenta como Agilulfo, o
cavaleiro inexistente. O imperador ordena ao cavaleiro que erga a viseira,
constata que o elmo está vazio e, estupefato, pergunta:

“ – E como é que está servindo, se não existe?


– Com força de vontade – respondeu Agilulfo – e fé em nossa santa causa!
– Certo, muito certo, bem explicado, é assim que se cumpre o próprio dever.
Bom, para alguém que não existe, está em excelente forma ! ”

De todo modo, Agilulfo era o último da fila e o imperador, “já velho,


tendia a eliminar da mente as questões complicadas”10.

A adorável metáfora de Calvino, extraída de um romance que narra as


agruras de batalhar sem existir, pode servir como introdução ao âmbito do

9
O automatismo é justamente o elemento que permite diferenciar o homem: “radical [...] é a
diferença entre a consciência do animal, mesmo o mais inteligente, e a consciência
humana. Pois a consciência corresponde exatamente ao poder de escolha do qual dispõe o
ser vivo; ela é co-extensiva à margem de ação possível que cerca a ação real: consciência
é sinônimo de invenção e de liberdade. Ora, no animal, a invenção nunca passa de uma
variação sobre o tema da rotina. Limitado pelos hábitos da espécie, ele chegará sem dúvida
a alargá-los por sua iniciativa individual; mas ele não escapa ao automatismo que por um
instante, somente o tempo de criar um novo automatismo: as portas da sua prisão se
fecham tão logo abertas; tentando romper suas correntes, ele consegue apenas estendê-
las. No homem, a consciência rebenta as correntes. No homem, e apenas no homem, ela
se liberta”, Henri Bergson, L’évolution créatrice, Paris: P.U.F., 1959, p. 178 – edição
eletrônica (texto integral) em difusão gratuita disponível em <www.uqac.uquebec.ca>.
10
Ítalo Calvino, O cavaleiro inexistente, São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 10.
8

querer na aprendizagem, processo que a ciência já provou ser


eminentemente volitivo, portanto, vinculado ao anseio, à disposição e ao
apetite.

Ora, disciplinas sem vontade são armaduras vazias, assim como a


vontade desarmada está fadada à inoperância. Mas a sociedade
escolarizada, a exemplo do velho imperador, segue eliminando da mente as
questões complicadas e sofrendo as conseqüências de seu autismo.

Que o aluno queira e saiba o que quer, resulta de uma nova vontade,
senão negação, ao menos evolução da anterior (1). Este processo culmina
necessariamente com a revalorização do saber como utensílio social,
produzida graças à vitalidade do processo educativo (2).

1. Construir a vontade

Não há clichê mais vergonhoso, no ambiente escolar, do que falar de


paixão na aprendizagem. A tal ponto se difundiu o discurso fácil do prazer de
aprender, que numerosas instituições se tornaram escravas do pretenso
desejo do aluno, reféns do experimentalismo e de atividades lúdicas.

Neste caso, baseada em meritórias teorias pedagógicas, é a escola


que se enquadra ao aluno, e não o aluno que se enquadra à escola. A fôrma
se molda, então, à massa. Os abetumados que saem deste forno põem em
questão, de modo recorrente, a efetiva funcionalidade do sistema escolar.

Entre formação e regurgitação, a pedagogia se rebaixa ao senso


comum para atrair e cativar o aluno, e adere, então, a uma cultura cujo
patrão é o gozo11. Ora, se não há mais dúvidas de que aprender depende de
uma decisão, que depende, por sua vez, da vontade, a paixão não é nada
mais do que o móvel que pode levar a esta decisão e à sua constância,
assim como ao extremo oposto.

11
Embora o gozo seja normalmente associado ao prazer sexual, aquele se encontra além
deste. A palavra pode ser usada para designar a repetição de um comportamento
desprovida da consciência de porquê fazê-lo, Charles Melman, O Homem sem Gravidade –
Gozar a qualquer preço, Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003, p. 204. Há, ainda, a
absoluta necessidade de exposição, para além do gozo: “não é mais possível hoje abrir uma
revista, admirar personagens ou heróis de nossa sociedade sem que eles estejam
marcados pelo estado específico de uma exibição do gozo”, ibid., p. 16.
9

Aqui há ao menos três problemas práticos e um grave equívoco de


fundo. No cotidiano, um efeito de saturação opera sobre o estudante,
causado pela descartabilidade sistêmica das rotinas que consome12. A
superficialidade de educadores apaixonados e apaixonantes (libertários pela
metade) desgasta o princípio do uso pedagógico do desejo, ao associá-lo ao
romantismo e à ineficácia. Há até mesmo uma ideologia do espetáculo para
enfrentar o dilúvio de informações, o frenesi de comunicação e a aceleração
do ritmo de vida contemporâneo, em detrimento da função precípua da
educação: a construção do pensamento e do sentimento13.

Particularmente em relação ao professor, há inquietantes percentuais


de profissionais acometidos pelo burnout (consumir-se em chamas)14. Trata-
se de um risco ocupacional a que estão expostas especialmente as pessoas
que trabalham em profissões que exigem contatos interpessoais muito
intensos. O burnout erige-se sobre expectativas elevadas e não realizadas,
sobretudo quando o professor teve um engajamento muito forte no início. A
falta de reconhecimento provoca a erosão gradual da energia e da
disposição, como conseqüência de um stress crônico e prolongado.

Do ponto de vista dos alunos, opera o equívoco de valorar um desejo


apenas porque é desejo, reproduzindo uma visão mítica do sentimento (ou
mesmo do prazer), já destroçada, senão pela psicanálise, pela

12
Tal efeito pode ser associado à toxicomania: “o sujeito se encontra num estado de
dependência da ativação, buscada por si só. A cessação desta ativação inapropriada
provoca uma falta. Os jovens se comportam como toxicômanos da agitação, da violência e
da perda do vínculo social. Ao mesmo tempo, produz-se, como nos mecanismos de
dependência toxicômana, uma hipersensibilidade dos receptores de dopamina. Quando um
neurotransmissor é secretado, ele precisa encontrar receptores para agir sobre as células-
alvo. Quando uma fonte de neurotransmissor se exaure, os receptores ampliam sua
resposta, multiplicam-se e se sensibilizam para tentar compensar o déficit. O mínimo
estímulo exógeno provoca, então, seja qual for seu interesse, uma reação inapropriada,
uma agitação, uma turbulência ligada à hiper-sensibilização do sistema”, Jean-Didier
Vincent, “Les neurones de l’ennui”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel, 2003, p. 16-17.
13
“Os pedagogos devem desconfiar da agitação ou da sedução, que não despertam o
aluno. O estudo é o teste da paciência, que corresponde à transferência da brutalidade
instintiva em direção do espírito, afastando a alienação do ódio”, Jacques Birouste, “L’ennui
plutôt que la haine”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel, 2003, p. 53. A seguir, o autor
pondera que o sucesso, junto a alunos a quem faltam modelos de identificação com os
professores e vias confiáveis para ter acesso a um futuro promissor, só pode ser obtido
quando se favorece “a volta da confiança nas aptidões intelectuais e sentimentais”, ibid., p.
56.
14
Marilda Lipp et al., O stress do professor, Campinas: Papirus, 2002, p. 65.
10

neurobiologia15. As ações cotidianas se inspiram muito menos de


sentimentos próprios, que são infinitamente móveis, do que das imagens
invariáveis às quais estes sentimentos aderem16. Não somente a
assimilação de padrões sentimentais pela cultura, como o poder do indivíduo
sobre si mesmo são aqui negligenciados17.

Logo, a exaltação ao desejo minimiza não somente o fato de que ele


pode ser escuso, brutal ou frívolo, mas também negligencia a escravidão
moderna: quando não é o sujeito que guia seus desejos, e sim os desejos
que guiam o sujeito, exclui-se a possibilidade de projeto, em particular de um
urgente projeto de mudança social com o qual toda atividade educativa, se
civilizatória, deve estaria engajada. Com efeito, o desejar adulto deve ser um
trabalho18.

É bem verdade que, ao educar, o espontaneísmo pode ser menos


danoso que a arbitrariedade19, mas que futuro se pode esperar de

15
“Nossa percepção atual de núcleos e de circuitos nos quais as informações neuronais são
tratadas, abre numerosas hipóteses de trabalho que permitem considerar a existência de
mecanismos conscientes e voluntários que utilizariam a supressão, a racionalização ou a
reavaliação de dados para modificar as informações correspondentes”, Lucy Vincent, Petits
arrangements avec l’amour, Paris: Odile Jacob, 2005, p. 31. Nesta obra de alta
vulgarização, a autora descreve detalhadamente o processo cerebral de transformação do
enamoramento em vínculo afetivo estável. A narração de experiências acompanhadas pelo
estudo de imagens cerebrais indica claramente que “a emoção pode ser modulada por uma
decisão consciente”, em especial por meio de um esforço de concentração que cria ou
suprime circuitos entre os neurônios, e aumenta ou reduz a presença de substâncias
vinculadas ao prazer, como, por exemplo, a ocitocina, ibid., p. 34-36.
16
Henri Bergson, Essai sur les données immédiates de la conscience, Paris: P.U.F., 1970,
p. 77.
17
Ora, até o orgasmo é o efeito de uma decisão, seja ela consciente ou não, Catherine
Millet, La vie sexuelle de Catherine M., série Points, Paris: Seuil, 2002, p. 206. Com efeito,
Millet evoca a dimensão consciente do prazer e seus limites: “durante grande parte de
minha vida, tive relações sexuais com total indeterminação do prazer. Em primeiro lugar,
devo admitir que, para mim, que tive muitos parceiros, nenhuma solução é mais adequada
que a que procuro solitariamente. Neste exercício, controlo a ascensão do meu prazer
quase em milésimos de segundos, o que não é possível quando é preciso levar em conta o
ritmo do outro e que dependo também dos seus gestos, não apenas dos meus. Esboço
minha história”, idem, p. 206. A imaginação permite modificar os cenários e os atores,
corrigindo os rumos da excitação, pelo que “o prazer solitário é possível de narrar, o prazer
obtido na união é mais difícil. (...) O contrário de uma anestesia local que suprime a
sensibilidade mas permite manter o espírito acordado; meu corpo não é nada mais do que a
borda de um dilaceramento vivo, enquanto a consciência fica num estado de
entorpecimento”, p. 210-1.
18
Recorrendo à analogia com o amor, Alice Ferney pensa que “amar é um trabalho! Quero
dizer: uma ação, uma vontade, uma prestação.[...] Amar também é uma decisão”, in
Dominique Simonnet et al., Historia del Amor, Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2004, p. 158.
19
Sem esquecer que “a espontaneidade não está relacionada ao objeto, mas à imagem do
objeto, na qual a consciência pode muito bem ter uma participação criadora. Receptividade
11

profissionais formados a partir de seus desejos adolescentes, por sua vez


forjados, em geral, numa cultura da barbárie?20

Chega-se ao problema de fundo, que é, desafortunadamente,


peremptório: estruturar a aprendizagem sobre as regras do jogo de um
desejo pré-existente significa que a escola reproduzirá a cultura que inspira
este jogo, quando, na verdade, a escola deveria questiona-la e oferecer
algo, senão em troca, a mais. O que está em questão é “a relação entre a
nossa cultura e o trabalho de pensamento. É um problema de civilização e, a
seguir, um problema político no melhor sentido do termo”21.

Não é menor, por sua vez, o problema da auto-referência: o sujeito


tende a aderir apenas ao que ele já conhece, ou o que já faz parte do seu
ambiente22. Ao buscar o prazer do aluno, numa associação aventureira entre
educação e entretenimento, o professor pode ser forçado a legitimar, no
espaço educativo, idéias e práticas importadas de uma realidade cuja
reprodução não corresponde aos valores humanistas aos quais deve servir
um educador.

com respeito ao objeto e espontaneidade com respeito à imagem do objeto no sujeito


podem perfeitamente coexistir”, Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p. 21.
20
De regra, neste ponto, objeta-se a imutabilidade do caráter do indivíduo. Para Bergson,
porém, nosso caráter não é algo dado, senão a nossa própria evolução, em cada uma de
suas etapas, sobretudo em seus momentos mais intensos, que são os momentos de crise.
O autor considera vã a oposição entre o eu que sente e pensa, e o eu que age, e pueril a
conclusão de que um pode “pesar” mais do que o outro. O caráter é, portanto, livre, e por
isto há, entre nós mesmos e nossos atos realmente livres, “esta indefinível semelhança que
encontramos às vezes entre a obra e o artista”, Henri Bergson, Essai sur les données
immédiates de la conscience, Paris: P.U.F., 1970, p. 129-130.
21
Alain Vaillant, “L’écrivain ou le sublime potache”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel,
2003, p. 45. No mesmo sentido, o neurologista Antonio Damasio pondera: “aquilo que
chamamos de relações sociais ou cultura vem apenas de nossos cérebros. São os cérebros
que produzem e veiculam comportamentos, romances, poemas e leis. De uma certa
maneira, pode-se ver as regras sociais e éticas, as instituições como prolongamentos da
busca de equilíbrio que a evolução conduziu”, in “Oui, il y a une biologie des sentiments”,
L’Express, Paris, 7 de junho de 2004, p. 4.
22
Experiências com o uso de multimídia nas atividades de ensino, por exemplo, revelam
que o caráter mais ou menos explícito de títulos ou conceitos influi na escolha de uma
ferramenta pelos alunos: “nossos resultados reforçam a hipótese da dimensão autônoma e
cultural da atividade de utilizador de um sistema multimídia, no sentido de que o ator
estabelece uma relação assimétrica com o ambiente, agindo apenas com as características
pertinentes para sua organização interna, fazendo referência a sua situação cultural
individual e coletiva”, Serge Leblanc et al., “Autoréférence et exploitation opportuniste d’un
environnement hypermedia ‘ouvert’: étude de l’activité d’utilisateurs”, Savoirs – Revue
internationale de recherches en éducation et formation des adultes, 2004-6, Paris:
L’Harmattan, p. 96.
12

Por isto, ter em conta as expectativas dos alunos não significa pautar-
se por elas, tampouco tê-las como adversárias. É preciso ensiná-los a
desejar o que antes não desejavam: não somente o prazer imediato, mas
também o esforço; além do far niente, o trabalho; o espetáculo, mas
igualmente o exercício; nem sempre uma felicidade feita, às vezes a por
fazer – não para criar um desejo, mas para guiar uma vontade; não para
seduzir, mas para instruir23.

Ensinar, portanto, não impõe necessariamente negar, mas despertar


e ordenar (no sentido de pôr em ordem) desejos contingentes24 em benefício
de um querer ser, não raro pendente entre os alunos, ainda que
pretensamente adultos.

Melhor, então, trabalhar paixões desmistificadas, tomadas em sua


condição de vínculo social, tendo em conta a existência de diferentes
desejos: libido dominandi (desejo de dominação), libido sciendi (desejo de
saber) ou libido sentiendi (desejo sexual). Ainda que a fronteira entre os três
tipos de desejo seja tênue, o que interessa agora é manusear o desejo de
saber, com o qual nasce todo o ser humano, e é embotado ao longo das
diferentes etapas de sua formação.

Para tanto, é preciso superar a insistência, tanto a leiga como a


acadêmica, em perceber a paixão como algo alheio, senão oposto à razão25.
A paixão depende necessariamente de alguma forma de razão para
elaborar-se como tal. Isto não significa que o sujeito tenha consciência do
seu próprio desejo: dominar a paixão (não no sentido de reprimi-la, e sim de

23
André Comte-Sponville, “Philosophie de l’ennui”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel,
2003, p. 108-109.
24
Aqui se pode recorrer novamente à analogia entre o amor e o desejo: “o amor não é
democrático, não responde à justiça nem ao mérito. Segue sendo da ordem da preferência,
vale dizer, da escolha indevida de um ser em detrimento de outro”, Pascal Bruckner, in
Dominique Simonnet et al., Historia del Amor , Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica,
2004, p. 148.
25
Já em Rousseau, “o entendimento deve muito às paixões, que lhe devem muito também:
é por sua atividade que nossa razão se aperfeiçoa; nós buscamos conhecer apenas porque
nós desejamos gozar, e não é possível conceber porque aquele que não tivesse desejo
nem medo se daria ao trabalho de pensar”, Discours sur l’origine et les fondements de
l’inégalité parmi les hommes, Paris: Gallimard, 1995, p. 87. Para uma visão contemporânea
do problema, ver o instigante trabalho de Antonio Damasio sobre a integração dos dois
“mundos” que são a paixão e a razão, L’erreur de Descartes, Poche nº 40, Paris: Odile
Jacob, 2001.
13

ter o domínio de, ser apto a conduzi-la) depende da racionalização, ou seja,


da maneira como a razão é mobilizada26.

Neste momento, cabe tratar do pensamento como tomada de


consciência e possibilidade de julgamento da própria vontade que tende à
ação. Ao explicar as razões que a levaram a redigir sua última e inacabada
obra, na qual se debruça sobre as atividades do espírito, Hannah Arendt
conta que a idéia surgiu ao assistir o processo contra Eichmann, em
Jerusalém. Acusado de haver praticado atos monstruosos, ele não
demonstrava fortes convicções ideológicas, nem motivações malignas, mas
sim uma evidente falta de pensamento (o que não significa estupidez):

“A única diferença entre Eichmann e o resto da humanidade era


que ele a ignorava totalmente. Esta ausência de pensamento – tão
corrente na vida de todo dia, na qual dificilmente se tem tempo e
ainda menos vontade, de parar para pensar – que despertou meu
interesse. O mal (tanto por omissão como por ação) é possível
quando faltam não somente os ‘motivos repreensíveis’ (conforme
a terminologia legal) mas também os motivos, simplesmente, o
mínimo movimento de interesse ou de vontade? ...
... a atividade de pensar, por si só, o hábito de examinar tudo o
que vem a produzir-se ou chama a atenção, sem prejulgar seu
conteúdo específico ou suas conseqüências, esta atividade faz,
então, parte das condições que levam o homem a evitar o mal e
mesmo o condicionam negativamente em relação a ele?”27.

Assim, desenvolver no aluno o hábito de pensar criticamente sobre o


que faz ou deixa de fazer é, numa perspectiva coletiva, também um
imperativo ético. Entre as fontes mais daninhas da incompreensão, estão o
erro de comunicação (imprecisão da linguagem ou interpretação equívoca),
a indiferença (cálculo mental que impede o reconhecimento do dano
causado ou da desgraça alheia), a crença (do simples falseamento do
intelecto por teorias religiosas ao fundamentalismo), o egocentrismo (em

26
Philippe Choulet, La passion, Paris: Ellipses, 2004, p. 19. O autor preconiza: “nada de
desprezo pelo sentido forte de paixão, apesar das reservas. Mais vale ver esta potência
com a lucidez do geômetra, para nela reconhecer a periculosidade (ameaça da servidão) ou
as promessas (a criação de um mundo). E para fazer uma apologia racional das paixões,
uma ‘defesa e ilustração’ submetida a certas condições, para tratar das ‘grandezas e
misérias recorrentes’, é preciso, antes de mais nada, dizer que elas nada têm de diabólico”,
ibid., p. 11.
27
Hannah Arendt, La vie de l’esprit, Paris: P.U.F., 2005, p. 21-22.
14

particular, o auto-engano), a cegueira (o não querer ver cotidiano) e o medo


de compreender28.

Deixar-se conduzir pela paixão, em lugar de conduzi-la, constitui


historicamente uma das maiores fontes de incompreensão e, não raro, da
barbárie29. Conduzir requer antes compreender. Para Edgar Morin, o
trabalho de compreensão coloca o sujeito que tenta compreender em total
assimetria com aquele que não pode ou não quer compreender,
notadamente com o fanático que não compreende nada – e que
evidentemente não consegue compreender a razão pela qual os demais não
o compreendem.

É como se a compreensão comportasse um vício terrível, que


conduzisse à fraqueza e à abdicação. Mas “compreender não é justificar. A
compreensão não desculpa nem acusa. A compreensão favorece o
julgamento intelectual, mas não impede a condenação moral”; assim,
compreender “conduz, não à impossibilidade de julgar, mas à necessidade
de tornar complexo nosso julgamento”30.

Importa que, uma vez acionada a consciência, diante do desejo


genuíno ou pretensamente espontâneo, de uma parte, e da razão fundada
nas idéias (ou no senso comum), de outra parte, a vontade (o querer ser
algo) possa se rebelar e guiar a ação31. Agir sobre a paixão não significa,

28
Edgar Morin, La méthode 6 – Éthique, Paris: Seuil, 2004, p. 130-134.
29
“Salvar a paixão das paixões, é apostar em sua capacidade de chegar à grandeza e ao
sublime. Nietzsche já dizia que somente a grande virtude poderia salvar a virtude das
pequenas virtudes, e a grande política salvar a política das políticas nacionalistas e
passionais. Escutemos, justamente, na voz dos filósofos e escritores, este chamado à
disciplina dos espíritos, que nos dá as chaves do aumento do campo de consciência, e da
verdadeira compreensão da liberdade como potência e realidade”, Philippe Choulet, La
passion, Paris: Ellipses, 2004, p. 11.
30
Edgar Morin, La méthode 6 – Éthique, Paris: Seuil, 2004, p. 135-136.
31
A identificação da vontade como um terceiro em relação à razão e à paixão é de Hannah
Arendt, La vie de l’esprit, Paris: P.U.F., 2005, p. 273. O texto original de Bergson, no qual
ela se baseia mas não cita diretamente, é instigante: “nos auto-interrogando
escrupulosamente, nós veremos que nos ocorre de pesar motivos, deliberar, quando, na
verdade, nossa decisão já foi tomada. Uma voz interior, quase imperceptível, murmura: ‘por
que esta deliberação?’ tu sabes qual será o resultado, e tu sabes bem o que tu vais fazer’.
Não importa! Parece que nos tentamos preservar o princípio do mecanicismo e a obedecer
as leis da associação de idéias. A intervenção brusca da vontade é como um golpe de
Estado do qual nossa inteligência teria o pressentimento, e que ela legitima
antecipadamente por uma deliberação regular. É verdade, porém, que se pode perguntar se
a vontade, ainda que ela queira por querer, não obedece a alguma razão decisiva, e se
15

porém, sufocá-la, mas sim dominá-la antes de ser sua vítima, o que supõe
uma educação da vontade.

Por conseguinte, o primeiro ensinamento a transmitir ao aluno é que o


desejo ou a falta de desejo de aprender está diretamente ligado aos
desafios de ser mais ou de ser menos, porque a atividade que leva ao
conhecimento não é desejável em si: ela se faz desejar somente por aqueles
que nela vêem uma maneira de existir, presente ou futura32. Neste sentido, é
preciso transformar em quadrado o tradicional triângulo aluno, professor e
instituição, adicionando a realidade como elemento incontornável da
aprendizagem.

2. Dominar o tédio

Quando se fala em incorporar a realidade às técnicas de ensino, não


se trata, de modo algum, de manusear elementos reais como
entretenimento. É preciso considerar que a chamada realidade não é jamais
uma realidade “em si”, mas o resultado de uma visão organizada que impõe
necessariamente uma interpretação33.

No âmbito deste artigo, a palavra realidade não tem um valor positivo


em si. Bem ao contrário, empregada em seu sentido vulgar de movimento do
mundo, constitui um universo a ser enfrentado e mudado. O importante,
aqui, é a correspondência entre o discurso e a realidade, evitando o desuso
do conhecimento, também responsável pelo desgaste do saber como valor,
em benefício do contínuo crescimento do pragmatismo vazio que congela as
estruturas do pensamento e da ação.

Portanto, toda instituição produz uma secreção de tédio ao mecanizar


seus procedimentos e ao se tornar indiferente à diversidade do real; o
professor, por sua vez, antes de se confrontar com seus alunos, deve se

querer por querer seria querer livremente”, Henri Bergson, Essai sur les données
immédiates de la conscience, Paris: P.U.F., 1970, p. 71-72.
32
François Flahault, “Sentiment d’exister et rapport au savoir”, in L’ennui à l’école, Paris:
Albin Michel, 2003, p. 59-60.
33
Gerard Fourez et al., Nos savoirs sur nos savoirs – Um lexique d’épistemologie pour
l’enseignement, Bruxelas: De Boeck, 1997, p. 45.
16

confrontar consigo mesmo, e pensar que convicção, que paixão ele vai
compartilhar34.

É por isto que toda a aula, inclusive a de metodologia, deve


necessariamente incluir alguns minutos de esclarecimento sobre os objetivos
de formação que por meio dela devem ser alcançados, e sua aplicabilidade
futura. Trata-se de vincular o estudante a um projeto de existência e levá-
lo, pouco a pouco, a fixar objetivos claros a longo prazo, o que naturalmente
fará com que sua vida universitária se transforme em caminho, desejado e
escolhido.

Neste particular, o tempo desempenha um papel importante. Estudar


e aprender implica aceitar que surgirão dificuldades e fazer esforços para
superá-las. Raramente, o prazer é imediato: quase sempre ele é adiado, e a
aula não é mais do que seu instrumento35. Aqui aparece, como desafio, a
imensa heterogeneidade da composição das salas de aula, que impõe ao
professor uma geometria variável de ritmo.

A cadência é um desafio maior, porque o ambiente de aprendizagem


está em total defasagem com a cultura de excitação que caracteriza os
jovens, que constituem a ampla maioria dos alunos dos Cursos de Direito.
Ao menos de início, os professores estão longe de ser seus modelos. O
tédio pode ser um sinal de luta entre a obrigação de estar presente e a
vontade de fazer outras coisas, mas é igualmente o sinal de um conflito de
valores36. Amorfos ou ausentes, hiperativos ou quase intratáveis, os
adolescentes raramente buscam um modelo profissional. Normalmente,
freqüentam a Faculdade para cumprir seu papel familiar, para incrementar
ou buscar um sustento futuro.

A mecânica do tédio se instala exatamente graças ao tempo quase


espacial, imenso e que parece não passar nunca, que separa o presente do
futuro. Neste ponto, podem ser úteis os estudos do psicanalista François

34
Alain Vaillant, “L’écrivain ou le sublime potache”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel,
2003, p. 44-45.
35
Marie-Noëlle Audigier, “Le défi des manuels: rendre le programme attrayant”, in L’ennui à
l’école, Paris: Albin Michel, 2003, p. 48.
36
Véronique Nahoum-Grappe, “L’ennui à l’adolescence”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin
Michel, 2003, p. 30.
17

Roustang, tratados a seguir37. Quando o indivíduo se entedia, o tempo


parece longo. Sem conseguir prever claramente o fim da espera (porque o
tempo do relógio não é o seu próprio tempo), nem de fazer outra coisa
senão esperar este fim, o sujeito se deixa ganhar pela impaciência, que logo
se transforma em aversão (origem latina da palavra). E anseia pelo
momento de retomar uma atividade que o absorva, para que o tempo que o
persegue volte para dentro do relógio. Inversamente ao tempo, porém, o
espaço se retrai: o indivíduo não pode mover-se de onde está, restando
apenas “voar” para outros lugares e fazer de conta que está presente.

A reação ordinária do ser humano, agora inimigo do tempo e do


espaço, é fugir do tédio, em lugar de enfrentá-lo e empurrar suas paredes.
Para não deixar que o vazio se instale, os indivíduos se esvaem em
atividades. A cultura não oferece outros caminhos senão o trabalho e o
lazer. O que importa é não deixar que o tempo se alongue, e deixe à mostra
a condição humana, que é pura incerteza.

Por conseguinte, nada é mais humano do que o tédio38, e não se trata


de eliminá-lo, mas sim de dominá-lo. É preciso, então, que o tempo e o
espaço deixem de ser inimigos do indivíduo. Roustang propõe quatro
exercícios para tanto: a presença, a espera, a paciência e a potência.

A presença parece natural, mas na verdade se aprende e se


desenvolve, mescla concentração em si e esquecimento do alheio. É uma
resistência à distração, à fuga e à angústia; uma luta para concentrar a
atenção no próprio corpo e no ambiente onde se está. A espera requer a
renúncia às questões quando e como o exercício vai terminar. A paciência é
a sensibilidade à alteração das nuanças do espaço e do tempo, uma tensão

37
“Reconduire l’ennui à sa source”, in L’ennui à l’école, Paris: Albin Michel, 2003, p. 21-28.
Ver igualmente La fin de la plainte, Paris: Odile Jacob, 2000.
38
Divergindo da famosa citação de Balzac, de que o tédio nasceu na universidade, que já
soube e ainda saberá fazê-la florescer e frutificar, Honoré de Balzac, La Comédie humanie, I
– I – 4, Un début dans la vie, Paris: Furne, 1845, p. 477 – edição eletrônica (texto integral)
disponível em <www.paris.fr/musees/balzac/furne/presentation.htm>. Entre abundantes
exemplos de mestres da literatura implacáveis com os estudos, há Flaubert: “eis-me de
saco cheio na aula, às 6 horas da manhã, sem ter o que fazer e tendo diante de mim a
agradável perspectiva de mais quatro horas assim. (...) eu tenho o coração mais vazio do
que uma bota. Eu não posso nem ler, nem escrever, nem pensar”, Carta à Ernest Chevalier,
Rouen, 23 de julho de 1839, Gustave Flaubert, Correspondance, Paris: Gallimard, 2004, p.
40.
18

em direção às bordas da impaciência. A consciência do tédio pode levar,


assim, ao coração e ao lugar da possibilidade, e transformar-se em potência:
o desperdício de energia próprio ao tédio é apto a converter-se em intensa
concentração. Em todos estes exercícios, a consciência do método – da
aula, do estudo, de pesquisa – é um aliado de peso.

Por outro lado, é bastante evidente que aluno adia a dor da evolução
como se o período da Faculdade fosse infinito39. É preciso resgatar, diante
do aluno, o vínculo entre a formação, como realidade presente, e o exercício
profissional, como realidade futura.

Neste sentido, causa estupor o autismo que leva milhares de


estudantes a pensar que a Faculdade é um fim em si mesmo. É como se a
presença física nas aulas, o recorta e cola de trabalhos graças à Internet, as
provas preparadas na véspera ou simplesmente coladas, não
sentenciassem de imediato seu pertencimento ao batalhão de não-
profissionais, ou seja, daqueles para quem o diploma em Direito nada
acrescentou, e seguem sobrevivendo graças à atividade que
desempenhavam anteriormente.

Há, porém, um contingente ainda mais curioso: o daqueles que,


depois de titulares de um diploma, resolvem formar-se. Aqui se encontram
os autodidatas e um vasto público de cursos preparatórios para concurso, ou
de cursos de atualização ou especialização. Via de regra, a consciência da
própria inaptidão profissional é despertada por uma experiência
desafortunada no mercado, ou pela simples constatação da impossibilidade
de inserir-se no mercado.

Este querer tardio é um sintoma importante da disfunção do sistema


educativo, de sua incapacidade de alinhar o querer imediato do aluno ao

39
Não se trata apenas de ingenuidade ou inexperiência, mas também de insegurança ou
conservadorismo, porque a ilusão da falta de urgência justifica a acomodação. É como se
nunca fosse tarde demais para agir. Ora, “todo totalitarismo se baseia numa noção de
tempo infinito, de um tempo que se impõe como uma extrema duração. O tempo finito é a
consciência de um início e de um fim, mas com a convicção de que é possível um constante
renascimento, uma cadeia de inícios e começos. Esta experiência do tempo finito é uma
experiência humana do tempo baseada na liberdade. Entendo aqui a liberdade como o
poder de criação, como possibilidade de criar outras realidades além das existentes, como
esperança de ruptura com as realidades anteriores”, Fernando Bárcena, “El aprendizaje de
lo nuevo”, Revista Española de Pedagogía, Año LIX, No. 223, septiembre-diciembre 2002.
19

futuro querido ou que se está por querer. É também conseqüência da


desvalorização do professor, do estudo e do pensamento como elementos
necessários ao projeto individual do aluno. Nada mais nocivo do que a visão
de que o estudo não importa, mas a realidade, sim, é que ensina.

Em primeiro lugar, diante da crescente complexidade técnica do


Direito e da própria vida, a realidade não é assimilável sem prévia formação.
A sabedoria popular pode ser relevante no plano dos valores, mas o
exercício profissional baseado no empirismo e na experiência, na melhor das
hipóteses, é incapaz de superar a realidade, quando, na verdade, grande
parte do trabalho do lidador do Direito consiste justamente em encontrar
maneiras de reinventar situações reais.

Em segundo lugar, mesmo que excepcionalmente o aluno inapto se


tenha ardilosamente adaptado à realidade, o caso é ainda mais grave: há
não somente o risco coletivo, de que, por inépcia, cause dano à sociedade,
mas o risco individual, de que conclua, ao final da vida, que serviu a um
querer que não era o dele.

A metodologia é, assim, um utensílio valioso para exercitar


constantemente a definição consciente de objetivos, capazes de guiar o
desejo do aluno e de reiterar o escopo de cada atividade acadêmica, tendo
como pano de fundo a redefinição de seus modelos e valores, essencial à
formação. Uma vez estabelecidos os objetivos, é preciso enfrentar o
problema da diversidade de meios para alcançá-los.

II – DIFERENTES MÉTODOS PARA DIFERENTES DIREITOS

José Mujica, hoje Ministro de Estado, um dos nove reféns da ditadura


militar uruguaia, passou treze anos preso num poço, de onde era retirado
periodicamente para ser torturado. Quando foi libertado, em março de 1985,
assim expressou a divergências existentes no seio da força política à qual
pertencia.

“Há certas questões de método que salpicam a pureza da nossa


causa. Devemos ter claro que as diferenças entre a família
20

tupamara podem ser muito grandes, mas não o suficiente para


que não o tenhamos claro e definido. [...] as discrepâncias são
boas, ajudam a definir caminhos”40.

Homem do povo, que nunca freqüentou bancos universitários, Mujica


oferece um exemplo emblemático de associação entre método, diferença e
caminho. De suas palavras desprovidas de rigor formal, se pode reter
algumas idéias de rigor moral: o conteúdo valorativo que existe em cada
método (que pode eventualmente comprometer a pureza de uma causa); a
importância, não da medida da discordância, mas da consciência de que ela
existe; e a valoração positiva da divergência, numa perspectiva evolutiva.

Ditas idéias deveriam ser moeda corrente na universidade, mas quase


nunca o são. A divergência rapidamente se transforma em confronto, senão
em guerra de facções. As teorias se esgotam justamente porque se fecham,
refutam tudo que as contraria e com isto não se atualizam. No cotidiano do
ensino jurídico, porém, as divergências são pasteurizadas (entre correntes
doutrinárias ou jurisprudenciais, por exemplo) e os caminhos se oferecem
prontos.

A disciplina de metodologia deve ser percebida, antes de tudo, como


o modo de aprender direito – no sentido de apreender, refletir, tornar-se apto
a aplicar o apreendido num contexto real e, para alguns, transcender o
apreendido e inovar. Uma das razões que levam o aluno à compilação e à
memorização é justamente o medo de encontrar algo diferente ao escolher
um novo caminho (1). Quando ele está decidido, porém, a aprender, há um
conjunto de medidas que permitem pensar a ação e escolher o(s) método(s)
capazes de tornar mais útil a atividade empreendida (2).

1. Vencer o medo

A liberdade é muito mais difícil de gerir do que a submissão. Quando


surge um desafio, vem com ele a tentação de buscar refúgio em algum
objeto que supra, o mais rápido possível, um desejo que este mesmo objeto,
e não o sujeito, suscitou. No mundo escolar, aqui encontramos os temas

40
Apud María Ester Giglio, De tupamaro a ministro (El loco encanto de la sensatez), Buenos
Aires: Capital Intelectual, 2005, p. 9-10.
21

batidos, a cultura dos manuais didáticos (num universo que se resume ao


patético “para Fulano, para Beltrano”), os enfoques clássicos e as resenhas
intermináveis.

Há também os arremedos de ciência: os lamentáveis projetos


artificiais, que aplicam modelos de manuais de metodologia, quase sempre
elaborados por especialistas em ciências exatas ou ciências sociais outras, e
depois de mastigados, resultam em grotescos esboços de hipótese,
problema, marco teórico e, horror supremo, metodologia.

Uma das grandezas da escola é justamente a de se opor


vigorosamente à tendência de mimetismo descomprometido, mostrando que
o fazer é acessível, que as dificuldades podem ser superadas e que os
problemas se resolvem. É preciso ter claro que “o saber é modesto, mas
real, ele não determina a ação, mas ele pode guiá-la e a autonomia não se
confunde com o autismo”41.

Em outras palavras, se uma atividade é proposta ao aluno (seja de


ensino, pesquisa ou extensão), que a ela dedicará seu tempo, por que não
enfrentá-la realmente, e dela não tirar um efetivo proveito?

A primeira coragem necessária é a de abordar cada tema ou situação


para entendê-lo, renunciando a simplesmente repetir enunciados pré-
existentes. Neste sentido, há três aptidões básicas a desenvolver: o espírito
de análise, o espírito de síntese e o espírito crítico42.

O espírito de análise requer a habilidade de “decompor”


mentalmente o objeto, estudando-o “de longe” e “de perto”. Em se tratando
de um texto, primeiramente se promove um olhar global, depois frase a
frase, palavra a palavra. Numa situação, há que perceber o conjunto e, logo,
cada um de seus elementos. Para um enfoque jurídico, é preciso apreciar o
objeto em seu contexto geral (histórico, econômico, social, etc.) e a seguir
buscar todos os problemas jurídicos que ele pode suscitar.

41
Françoise Hatchuel, Savoir, apprendre, transmettre – Une approche psychanalytique du
rapport au savoir, Paris: La Découverte, 2005, p. 142.
42
O fio do raciocínio desenvolvido sobre os três espíritos se deve a Marie-Anne Cohendet,
Méthodes de travail, Paris: Montchrestien, 1998, p. 37-42.
22

Paralelamente, é imperioso adquirir o espírito de síntese. Ele pode


ser definido como a aptidão a reagrupar os elementos esparsos que se
encontram em torno de uma idéia ou situação. Requer o procedimento
inverso ao seguido na análise. Não se trata de dissecar uma idéia em
diversos elementos, mas de reunir numerosos elementos em torno de uma
idéia.

A síntese é determinada pelo tempo ou pelo espaço de que dispõe o


ator que a promove. O imenso exercício aqui é o de encontrar o que há de
relevante no objeto apreciado. Descartar o inútil ou o secundário requer a
capacidade de encontrar o principal, que por sua vez só existe caso a caso.
A tentação aqui é a de repetir enunciados inteiros ou concentrar-se nos
aspectos que se conhece melhor, ou ainda de aprofundar-se demasiado em
algum ponto interessante, fazendo com que a árvore esconda a floresta (no
caso, um panorama breve e correto da floresta).

No entanto, o objeto da reflexão jurídica é precisamente demonstrar


uma idéia essencial que permita compreender um fenômeno complexo.
Raramente é possível ou desejável dizer tudo. É preciso aprender a triar o
que é importante e o que é acessório. Trata-se de encontrar o elemento
fundamental, decisivo, a chave. Do poder de síntese depende em grande
parte a qualidade do trabalho do operador do direito.

Quanto ao espírito crítico, ao contrário do uso vulgar da palavra, não


se trata de formular julgamentos de valor, tampouco comentários negativos
ou infundados. Consiste na disposição de tomar um recuo em relação ao
objeto, a pôr em questão as aparências, as “evidências” e as idéias feitas. O
interrogar-se em permanência é típico do jurista, porque a melhor solução
não pode ser encontrada se a questão proposta não foi bem compreendida.

Por conseguinte, o senso crítico deve preceder a própria análise do


objeto: opera já em sua escolha, quando esta é possível, e orienta a própria
análise. Ele exclui a ação meramente descritiva, a pura repetição do que se
está vendo ou do que se leu.

Exercer o senso crítico permite, assim, avaliar a coerência dos


argumentos, a compatibilidade entre marcos regulatórios, e entre estes e
23

dadas condutas. Permite igualmente levar em conta as repercussões da


problemática e das eventuais soluções a ela atribuídas (ou a ausência de
soluções) sobre a vida social. É o caso dos efeitos perversos de
determinadas normas, ou a inaptidão à efetividade de certas medidas
judiciais.

Entretanto, o que é enunciado deve ser fundado sobre um raciocínio


preciso, rigoroso e franco. A franqueza não exclui nem a polidez nem a
prudência. Se o trabalho do jurista não é uma simples lista de
conhecimentos sobre um objeto, tampouco é um panfleto para defender ou
atacar dada posição. Há uma imensa diferença entre afirmar, por exemplo,
que uma norma é “ruim” (juízo valorativo), ou que ela é inconstitucional ou
colide com norma de mesma hierarquia (controle de legalidade), ou que ela
será de difícil aplicação (apreciação sobre a efetividade), que ela não é
desejada pela sociedade (consideração sobre a legitimidade), etc.

O jurista deve estar comprometido com seus princípios, não aferrado


a suas idéias. A própria sobrevivência e atualização de seus valores
depende da atualização e do questionamento permanentes.

O espírito crítico requer, ainda, a curiosidade e a coragem. A


curiosidade depende da abertura de espírito e do tino para encontrar novos
temas e novos enfoques43. Mas a coragem é essencial: é muito mais
perigoso pôr em causa as idéias batidas do que seguir os caminhos já
calcados pelas pegadas dos outros. O maior perigo não é o externo mas,
como sói ocorrer, o interno, porque o espírito crítico requer o esforço
constante de esquecer suas opiniões pré-existentes e de ser o mais
objetivo44 possível, para re-fundar sua convicção depois de cada análise.

43
A curiosidade é precisamente uma das características naturais mais embotadas pelo
ensino, quando na verdade é das mais humanas: “nossa alma é feita para pensar, quer
dizer para perceber: ora, um tal ser deve ter curiosidade; pois como todas as coisas estão
numa cadeia onde cada idéia precede uma e segue outra, não se pode jamais ter uma coisa
sem desejar outra; e se não temos desejo por esta, não teremos nenhum prazer com
aquela”, Montesquieu, Essai sur le goût ou réflexions sur les causes du plaisir, 1757, item III,
edição eletrônica (texto integral) em difusão gratuita disponível em <www.bmlisieux.com>.
44
Sob o prisma positivista, a subjetividade opõe-se à objetividade. Um discurso seria
subjetivo quando um indivíduo ou uma coletividade o influenciou. Seria objetivo quando
reflete o mundo “tal como ele é”. Diferentemente, para o construtivismo, todo o discurso é
marcado pelas intenções do sujeito que o estrutura: objetividade (respeito a critérios
estabelecidos previamente) e subjetividade (percepção individual ou coletiva) são
24

Quando se fala da metodologia a adotar no âmbito de uma atividade,


em particular de pesquisa, geralmente as duas estrelas dos projetos
elaborados pelos alunos são o método dedutivo e o método indutivo. A
maioria dos alunos não tem idéia, visivelmente, do que se trata, e aqui uma
vez mais pode ser útil buscar no reconhecimento da banalidade dos
raciocínios a compreensão do método.

A indução é uma operação mental no curso da qual o sujeito passa de


observações múltiplas ao enunciado de uma norma ou de um modelo (como
esquema, imagem ou discurso organizado que representa a complexidade
de uma situação abordada), que dá conta das referidas observações45.
Trata-se, então, de uma generalização, que passa do particular ao geral. A
questão aqui é de saber se é possível, partindo de observações específicas,
chegar a uma regra ou modelo que seria “provado” pelo que se observou.

Nos textos acadêmicos, a indução se expressa por frases do tipo “as


experiências provam que ...” ou “as estatísticas relevam que ...”. Um
elemento “real” ou “concreto” vem em socorro, então, da idéia enunciada. O
risco de generalizar o que é peculiar, e com isto falsear a percepção sobre a
realidade, é, porém, de monta. Os elementos da realidade jamais são
totalizantes. Mas o uso contemporâneo da indução se admite, desde que se
entenda que numerosos modelos podem dar conta de uma determinada
série de observações. Ou seja, de que o resultado do raciocínio indutivo não
é mais do que uma possibilidade, ao lado de muitas outras.

Quanto à dedução, presume a existência de um modelo ou


representação prévio de uma situação46. Raciocina-se mais sobre o modelo
do que sobre a situação real, e se examina quais as conseqüências que
podem dele decorrer. Assim, as normas ou propriedades de um objeto são
reconhecidas a partir de uma teoria que é aceita pelo sujeito que pensa.
Para comprovar a pertinência deste modelo, há que verificar se as

complementares, Gerard Fourez et al., Nos savoirs sur nos savoirs – Um lexique
épistemologique pour l’enseignement, Bruxelas: De Boeck, 1997, p. 79-80.
45
Gerard Fourez et al., Nos savoirs sur nos savoirs – Um lexique épistemologique pour
l’enseignement, Bruxelas: De Boeck, 1997, p. 59-60.
46
Gerard Fourez et al., Nos savoirs sur nos savoirs – Um lexique épistemologique pour
l’enseignement, Bruxelas: De Boeck, 1997, p. 60-61.
25

conseqüências dele deduzidas podem ser comprovadas pela


experimentação ou pela aferição da realidade.

Estes dois raciocínios são elementares e servem diariamente aos


indivíduos, escolarizados ou não. Eles estão diretamente relacionados à
manipulação da realidade ou, dito de outro modo, ao uso dos exemplos.
Durante uma intervenção oral, o uso de exemplos torna mais acessível e
mais vibrante o discurso que pretende veicular uma idéia ou propor uma
solução. É comum que o interlocutor passe da teoria à prática, numa atitude
dedutiva, e logo da prática à teoria, num gesto indutivo, como é o caso do
tripé clássico de observação, teorização e aplicação.

No âmbito de um projeto de pesquisa, contudo, a questão se


dimensiona do modo distinto. Declarar no projeto que o método a ser usado
será indutivo ou dedutivo implica dizer se o eixo do trabalho se estrutura em
torno da indução ou da dedução, sendo de todo irrelevante saber se, ao
longo da exposição dos argumentos, serão usados raciocínios indutivos ou
dedutivos (normalmente se usa os dois). Mas como identificar o eixo de uma
pesquisa ou da resposta a um caso prático?

Com efeito, a questão anterior à definição do método é a identificação


do problema, abandonado aqui o sentido pejorativo vulgarmente atribuído à
palavra. Árdua, porém, é a tarefa de conceituar um problema porque ele, por
natureza, aparece caso a caso47. Trata-se da identificação de uma aparente

47
Durante anos, usei a metáfora de Montezuma para explicar a problematização. Todavia,
descrever como ele cravava a mão no peito de uma virgem para arrancar o seu coração,
ainda batendo, em sacrifício ao Sol que pensava estar esfriando, não me parecia a maneira
mais delicada de ensinar, embora a imagem contivesse elementos úteis como a coragem e
a pulsação. Mais tarde, observando o processo de fabricação do conhaque, encontrei uma
imagem mais sofisticada deste processo mental tão difícil de representar. A destilação é um
método químico que separa os ingredientes puros de uma substância composta, graças ao
manejo das distintas temperaturas de ebulição de seus componentes. O álcool é uma das
muitas substâncias que resultam da fermentação do açúcar natural das frutas. O conhaque
resulta da dupla destilação do vinho branco, feito com uvas colhidas na região francesa de
Cognac (delimitada por um decreto que regula o direito ao uso do nome de conhaque, a
appelation d’origine). O alambique de cobre mantém a mesma forma há três séculos. O
vinho não filtrado entra na caldeira e é levado à ebulição. Na parte superior da caldeira há
uma cúpula (chapiteau) na qual esbarram e se acumulam os vapores alcoólicos. Dali eles
deslizam por um tubo fino (col de cygne), até chegar a uma serpentina cuja refrigeração os
transforma novamente em líquido (brouillis), sendo descartados o caldo que resta na
caldeira, assim como os primeiros vapores (têtes, de elevado teor alcoólico) e os últimos
(queues, de baixo teor). O brouillis é novamente lançado à caldeira para a segunda
destilação (bonne chauffe), que comporta uma ainda mais criteriosa operação de “corte” por
meio da temperatura, retendo apenas o “coração” dos vapores (também chamado de
26

contradição que precisa ser superada, apta a gerar um esforço de


elucidação de um paradoxo, que se oponha a uma opinião superficial, ao
senso comum ou a um discurso dogmático sobre o objeto.

Assim, o problema diferencia-se do tema porque é este em


movimento. Se o objeto abordado é x, o problema será x em relação a y. Os
textos ou as falas que são ditas “não são problematizadas” constituem
justamente a mera descrição do objeto abordado, que conduz a repetições,
colagens ou opiniões infundadas.

Desnecessário dizer o quanto este exercício acadêmico é essencial


para a formação do profissional do Direito, cuja atividade consiste
essencialmente em identificar um problema, pesquisar nas fontes
pertinentes, pensar alternativas e soluções, e externa-las por escrito ou
oralmente.

Neste diapasão, a habilidade de formular problemas pertinentes,


capaz de consagrar uma carreira acadêmica, depende não somente do
exercício constante do raciocínio por meio do método, mas de uma cultura
geral disciplinadamente construída e atualizada, do domínio cirúrgico da
linguagem, da abertura de espírito fundada na humildade e de uma
vivacidade diante das urgências da realidade que somente o engajamento
oportuniza.

Entretanto, a dificuldade de encontrar um problema não raro se deve


mais a fugas que a obstáculos. No mundo do fácil, porque buscar o difícil?

Depurar uma situação até chegar a seu núcleo e problematiza-lo,


quase sempre leva o aluno a constatações nem sempre agradáveis sobre a
realidade, que desmistificam os saberes disciplinares que lhes são
transmitidos, pondo por terra tanto a visão totalizante do direito (eis que o
mundo real não cabe no mundo jurídico) como a crença no sistema político,
administrativo e judicial48.

“espírito” ou “alma”). Assim, formular um problema é forjar um caldo de teoria e prática do


qual se retira apenas o coração, para depurá-lo e melhorá-lo graças a uma espécie de
destilação mental. O método seria a técnica da destilação.
48
Para não referir os conflitos com o meio social e familiar que o questionamento de certos
valores pode ocasionar e para os quais o professor deve estar preparado. A coragem de
superar a matriz cultural originária e renovar o próprio espírito é, porém, uma das
27

Pensar a vida abertamente, em particular nos temas complexos e


candentes que carecem da atenção do jurista, invoca desde logo a dúvida,
confronta com a impotência individual do sujeito e revela a necessidade de
operar no plano coletivo para obter soluções duradouras. Em outras
palavras, rompe com a ilusão de um possível “mundo próprio” e com a idéia
de que um projeto de felicidade pode se abster da dimensão coletiva49.

Aqui, as alternativas de abordagem teórica e de proposição de


soluções práticas flertam com a ideologia – neste caso, tomada como
discurso que se apresenta como uma representação adequada do mundo,
mais legitimador do que descritivo, que motiva pessoas e legitima práticas.
Ora, é evidente que o discurso científico possui uma dimensão ideológica,
mas ao precisar os critérios que o orientam, pode evitar o efeito de engano
ou dissimulação. Este é um imperativo ético não somente da ciência, mas do
pensamento.

Dupla, então, a coragem necessária: de enfrentar um tema pertinente


de forma inovadora, e de esclarecer antecipadamente os parâmetros
utilizados para tanto. Cabe ao professor reiterar este compromisso diante do
aluno, e pensar com ele, a cada atividade, a validade de seu método e os
limites de sua ação, porque a ética nunca está garantida: “ela não é um bem
do qual se é proprietário, ele deve regenerar-se incessantemente, porque o
que não se regenera, degenera”50.

características marcantes dos que buscam o saber: “todas as opiniões que eu havia reunido
até agora como crédito, o melhor que eu tinha a fazer de uma vez por todas era suprimi-las,
a fim de substitui-las por outras melhores, ou pelas mesmas quando eu as tivesse ajustado
ao nível da razão. E eu acreditei firmemente que por este meio eu conseguiria conduzir
minha vida muito melhor se eu não a construísse sobre velhos fundamentos, e se eu não
me apoiasse apenas sobre estes princípios dos quais me deixei persuadir em minha
juventude sem jamais ter examinado se eles eram verdadeiros”, Discours de la méthode,
Paris: Mozambook, 2001, p. 20 – edição eletrônica (texto integral) em difusão gratuita
disponível em <www.mozambook.net>.
49
Do mesmo modo que muitos suportam sua própria vida graças ao auto-engano, a
sociedade de consumo gera um fenômeno coletivo de inverdade. Carmen González Marín
escreveu um fascinante ensaio sobre as relações entre as dimensões individual e coletiva
da mentira: “parece que o engano compartilhado é mais suportável, ou que o engano
coletivo deixa de sê-lo para cada um em particular. (...) Somos, por acaso, vítimas –
interessadas? – do maior dos enganos, o de assumir que há dois mundos – o mundo dos
que falam e atuam e são os responsáveis, e o mundo dos que somente olham e portanto
não o são?”, De la mentira, Madri: Antonio Machado Libros, 2001, respectivamente p. 128 e
p. 137.
50
Edgar Morin, La méthode 6 – Éthique, Paris: Seuil, 2004, p. 224-225.
28

Por tudo isto, é pouco provável que os métodos dedutivo ou indutivo,


empregados no âmbito de disciplinas estanques, sejam capazes de oferecer
as melhores abordagens jurídicas. A seguir, serão desenvolvidas algumas
técnicas que podem auxiliar o aluno a melhor instrumentalizar sua ação por
meio do pensamento, graças a um arsenal metodológico interdisciplinar.

2. Pensar a ação

Em seu sentido comum, o adjetivo cartesiano é pejorativo: designa o


espírito sistemático em excesso, em oposição ao intuitivo. No âmbito
acadêmico, porém, ainda que duramente criticado, o Discurso do Método, de
René Descartes (1637)51, segue uma referência incontornável do
pensamento filosófico52.

Para Descartes, todo método consiste na ordem e na disposição das


coisas em relação às quais é preciso voltar o olhar do espírito, para
descobrir alguma “verdade”. Para compreender as proposições mais
complicadas e obscuras, seria preciso levá-las gradualmente às mais
simples e, a seguir, partindo da intuição das mais simples, elevar-se pelos
mesmos degraus ao conhecimento de todas as outras (Regra V).

Para distinguir as coisas mais simples daquelas que são complicadas


e para buscar com ordem, seria preciso, em cada série de coisas das quais
nós deduzimos diretamente algumas verdades de outras verdades, ver qual
é a coisa mais simples, e como todas as outras coisas dela são mais, menos
ou igualmente distantes (Regra VI).

A seguir, seria necessário servir-se de todos os socorros que podem


prestar o entendimento, a imaginação, o sentido e a memória, seja para ter a
intuição distinta das proposições simples, seja para bem comparar as coisas
que se busca com aquelas que se conhece, a fim de descobri-las, seja para

51
Paris: Mozambook, 2001 – edição eletrônica (texto integral) em difusão gratuita disponível
em <www.mozambook.net.
52
Entre tantos, Descartes foi criticado por Pascal, Spinoza e Leibniz, e influenciou
pensadores como Husserl, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty. Para compreender o alcance
de sua obra, ver, em particular, Pierre Guenancia, Lire Descartes, Paris: Gallimard, 2000.
29

encontrar as coisas que devem ser comparadas entre elas, de sorte que não
se possa esquecer nenhum dos meios disponíveis ao homem (Regra XII).

Enfim, quando se compreende uma questão, cumpre abstrair de todo


conceito supérfluo, simplificá-la o máximo possível, e dividi-la por meio da
enumeração em partes (Regra XIII).

Embora os juristas contemporâneos reconheçam a inexistência da


verdade em direito, a herança cartesiana marca profundamente a prática
profissional e a produção científica francesa. Um jurista francês se
reconhece por seu extraordinário poder de síntese, expresso em textos e
falas estruturados invariavelmente em duas ou três partes, sub-divididos em
igual número de sub-partes (o plano, que equivale ao “esqueleto” do texto,
seu índice ou sumário).

Não se trata de um molde artificial que esclerosa o pensamento mas,


bem ao contrário, de um instrumento que visa a uma demonstração clara e
coerente, que permite ressaltar o que se vai dizer ou escrever, como o ritmo
está para a música, os versos para o poeta, os atos para o autor de teatro53.

O plano expressa diretamente o problema escolhido e permite tratar


todo o tema, mas nada além do tema. O problema é anunciado ao final da
introdução (deflorando-o o mínimo possível), para demonstrar sua
pertinência ao longo do exercício. Ao final de uma intervenção oral e escrita,
o interlocutor deve reter a idéia central, e não apenas memorizar um detalhe.
Através do plano, ele é capaz de ver a floresta, e não apenas a árvore.
Assim, o jurista francês anuncia de antemão o que fará, permitindo assim
que o interlocutor julgue tanto se efetivamente fez o prometido, como a
pertinência do que foi prometido.

Se este relato parece ser o de um forte condicionamento, senão uma


coerção, é preciso reconhecer que, na atualidade, sequer as visões mais
vanguardistas da ciência renunciam ao método e que a influência francesa
corre mundo, graças a autores que deram uma nova dimensão à
compreensão da vida, em particular, ao papel da educação.

53
Marie-Anne Cohendet, Méthodes de travail, Paris: Montchrestien, 1998, p. 112-3.
30

É o caso de Edgar Morin, que fez do método o grande canteiro de


obras de seu pensamento54. Para o autor, a palavra método deve ser
fielmente concebida em seu sentido originário, e não no derivado, degradado
pela ciência clássica, para quem o método é um corpus de receitas, de
aplicações quase mecânicas, que exclui o sujeito do seu exercício. O
método necessita estratégia, iniciativa, invenção, arte; é uma práxis
fenomênica, subjetiva, concreta, que necessita de um paradigma teórico,
mas que pode regenerar este paradigma. O método é o pleno emprego
das qualidades do sujeito e se torna central e vital

“ - quando há necessariamente, ativamente, o reconhecimento e a


presença de um sujeito capaz de pesquisar, conhecer, pensar;
- quando a experiência não é uma fonte clara, não equívoca de
conhecimento;
- quando se sabe que o conhecimento não é a acumulação de
dados ou informações, mas sua organização;
- quando a lógica perde o seu valor perfeito e absoluto;
- quando a sociedade e a cultura nos permitem de duvidar da
ciência em lugar de fundamentar o tabu da crença;
- quando se sabe que a teoria é sempre aberta e inacabada;
- quando se sabe que a teoria necessita da crítica da teoria e da
teoria da crítica;
- quando há incerteza e tensão no conhecimento;
- quando o conhecimento revela e faz renascer ignorâncias e
interrogações”55.

Por tudo isto, importa escolher um método, e não este ou aquele


método. Como o saber se organiza historicamente por meio de disciplinas,
cada disciplina possui seus métodos, e tende a valorar somente o que se
produz por intermédio de sua metodologia. A realidade, porém, ultrapassa
qualquer disciplina. Se é verdade que toda abordagem da realidade é
sempre parcial, a abordagem disciplinar é quase inútil, tanto é o que lhe
escapa.

54
Entre as diversas edições brasileiras, a Editora Sulina, de Porto Alegre, publicou
recentemente uma caixa com os seis volumes de O Método (I – A natureza da natureza, II -
A vida da vida, III – O conhecimento do conhecimento, IV – As idéias, V – A humanidade da
humanidade e V – A ética). Embora as traduções brasileiras de Morin sejam sofríveis e por
vezes o façam parecer um estouvado, o domínio de sua obra é incontornável para quem
leciona metodologia.
55
Edgar Morin, Science avec conscience, Paris: Fayard, 1990, p. 312-3.
31

Mais importante do que aderir a determinado método, portanto, é que


o sujeito saiba o que está fazendo e que o seu fazer decorra de uma escolha
consciente. A seguir, serão referidas algumas técnicas que permitem aplicar
a concepção de método aqui desenvolvida. Mas é imprescindível salientar
que a boa metodologia é sempre individual e casuística.

Em primeiro lugar, cabe lembrar que a atitude do aluno depende em


muito da consciência metodológica transmitida pelo professor, que deve
deixar claro, antes de cada aula, a meta eleita e o caminho a percorrer,
como sugere a seguinte tabela.

Construir um enfoque para a aula56

- Para que tipo de alunos?


- Com quais objetivos – para desenvolver, em particular, que competências?
- Com que representações globais do projeto a realizar, do objeto a tratar, da situação a resolver?
- De acordo com quais seqüências? Com que articulações entre elas?
- Com quais conteúdos disciplinares? Quais as interações entre eles?

- Com que pessoas e recursos?


- De acordo com qual programação? Dentro de quais prazos? Investindo quantas horas de curso?
- Almejando qual eventual produção?
- Com que modalidades de avaliação?

De nada adianta adotar globalmente uma metodologia e estipular


previamente uma programação de classe, para efeitos formais, se o
professor não tem claro, a cada encontro, que etapa está realizando. Dita
inconsciência compromete o rendimento do aluno, mas igualmente
impossibilita a auto-avaliação, fazendo com que as correções de rumo
venham ser tardias ou infrutíferas.

Em relação às atividades do aluno, sejam elas de pesquisa ou de


prática profissional, são comprovadamente mais estimulantes, educativos e
profícuos os enfoques interdisciplinares. A diferença fundamental entre um
enfoque disciplinar e um enfoque interdisciplinar é que o primeiro produz um

56
Elaborado com base em Gerard Fourez (Dir.), Approches didactiques de
l’interdisciplinarité, Bruxelles: De Boeck, 2002, p. 109.
32

saber organizado em torno das tradições de uma disciplina científica,


enquanto o segundo se estrutura em relação a uma situação precisa.

Já a pluri e a multidisciplinariedade se constituem pela reunião de


diversas disciplinas em torno de um problema, sem que haja um ponto de
vista integrador ou federativo. A transdisciplinariedade é, por sua vez, a
transferência de um modelo, conceito ou método de uma disciplina a outra, o
que consiste num exercício bem mais complexo.

Recuperando o conceito de interdisciplinariedade, se trata de construir


um saber próprio graças ao emprego de métodos de diferentes disciplinas
para esclarecer uma situação precisa. Enfoques interdisciplinares podem ser
desenvolvidos nos termos sugeridos pela tabela a seguir.

Construir um enfoque interdisciplinar57

1. Problematizar a abordagem - Formular o problema perguntando: “de quê se trata”?


- Precisar o projeto: os contextos, as finalidades, os destinatários, o
produto visado
2. Fazer emergir o clichê Coletar aquilo que vem à mente de modo espontâneo sobre o problema
3. Estabelecer o panorama Imaginar aquilo que poderia ter em conta por meio de:
- elaboração de uma grade de análise, graças à feitura de listas de atores,
de condicionantes (valores, normas, códigos, modelos, obstáculos), de
desafios, de tensões e controvérsias, de escolhas e cenários possíveis
- identificação das caixas pretas58 a abrir, das disciplinas a mobilizar, dos
especialistas a consultar
- se possível, verificações in loco, pela sensibilidade que o contato físico
pode desenvolver
4. Definir o enfoque e passar à Definir aquilo que realmente será levado em conta, por meio de
pesquisa - seleção dos aspectos que serão integrados à síntese final
- hierarquização dos dados obtidos
- escolha das caixas pretas que serão abertas
- abertura das caixas pretas escolhidas e descoberta de “princípios
disciplinares”
5. Elaborar uma representação Testar a representação feita e eventualmente ajusta-la.
complexa ou síntese final

57
Elaborado com base em Gerard Fourez (Dir.), Approches didactiques de
l’interdisciplinarité, Bruxelles: De Boeck, 2002, p. 89.
58
Em física e em epistemologia, chama-se caixa preta um objeto, uma situação ou uma
noção teórica que se utiliza sem saber exatamente como ela funciona. Abrir uma caixa preta
significa investigar seu funcionamento, embora fosse possível dela fazer uso sem
compreendê-la. Para proceder a esta abertura, normalmente se pede ajuda a um
especialista ou a uma comunidade especializada (científica ou profissional), Gerard Fourez
et al., Nos savoirs sur nos savoirs – Um lexique épistemologique pour l’enseignement,
Bruxelas: De Boeck, 1997, p. 89.
33

É importante destacar que, ao estabelecer o panorama, ou seja, ao


mapear o que se pode ter em conta para tratar o tema, o sujeito identifica as
disciplinas a mobilizar. Isto significa que a abordagem interdisciplinar não
dispensa o conhecimento das disciplinas. Bem ao contrário, o presume.
É curioso ver professores que criticam os alunos por sua ignorância, mas
não dominam mais do que sua própria disciplina.

Do mesmo modo que o aluno, o professor precisa deter, com


segurança, os conhecimentos correspondentes à formação básica prevista
pelo currículo, que consiste no acervo mínimo para o exercício profissional.
O imperativo da especialização tem gerado a ilusão de que o
aprofundamento de uma disciplina é suficiente, e a vida a desmente de um
golpe. A especialidade do professor não o dispensa de uma visão jurídica
global, a mesma que está sendo transmitida ao aluno durante os anos em
que freqüenta o ensino superior, que, aliás, é bastante modesta em relação
ao que o conhecimento humano já foi capaz de gerar.

Operando a intersecção de distintos conhecimentos e sensibilidades,


claro está que cada atividade interdisciplinar merece um projeto, ainda que
este se realize mental e/ou informalmente. A insegurança que deriva da
produção individual de um método pode ser compensada pelo gesto
constante de auto-avaliação, que transforma o uso do método num exercício
ainda mais profícuo.

Grade de auto-avaliação de competências interdisciplinares59

C r it ério s I nd ic ado res


Formular e Eu posso formular Eu posso formular Eu posso esboçar os Eu posso distinguir o
contextualizar a com minhas palavras claramente, por limites da pesquisa projeto teórico (a
problemática a situação da qual escrito ou oralmente, em função das quatro representação
parto, perguntando as quatro dimensões dimensões citadas e visada) do projeto
“de quê se trata” e “o que determinam a assim precisar o prático (a ação a
quê terei em conta”. representação projeto. conduzir).
interdisciplinar:
contextos,
destinatários,
finalidades, produção
visada.

59
Elaborado com base em Gerard Fourez (Dir.), Approches didactiques de
l’interdisciplinarité, Bruxelles: De Boeck, 2002, p. 161-162.
34

Dominar o método Eu conheço as Eu posso fazer o Eu conheço os Eu posso identificar


etapas da inventário das parâmetros da grade as caixas pretas a
metodologia de principais de análise elaborada abrir, as disciplinas a
construção de um representações quando estabeleci o mobilizar e os
campo espontâneas que panorama e sei especialistas a quem
interdisciplinar. surgiram na aula utiliza-la. consultar em função
graças a uma do problema
“tempestade escolhido.
cerebral”.
Eu posso reajustar o Eu posso fazer uma Eu posso hierarquizar A partir do panorama,
panorama conforme síntese parcial do os dados listados, dar eu posso estabelecer
as novas panorama. prioridades às buscas um plano de trabalho
perspectivas surgidas a conduzir, e então de pesquisa, tendo
de, por exemplo, uma escolher as caixas em conta o tempo
verificação in loco. pretas que vou abrir, disponível.
de acordo com as
finalidades do projeto.
Produzir uma síntese Eu posso apresentar, Eu posso estabelecer Eu posso estabelecer Eu posso
apropriada por escrito ou correlações entre um plano ou um compreender e fazer
oralmente, uma diferentes pontos de esquema sistêmico, compreender todos
síntese da pesquisa vista disciplinares articulando os os enunciados
já realizada. e/ou dimensões do diferentes pontos da usados na síntese.
problema. síntese.
Utilizar as disciplinas Eu posso empregar Eu compreendo e Eu sou capaz de Eu posso valer-me da
adequadamente as posso explicitar os relacionar as caixas precisão das
disciplinas, com conceitos, leis, pretas abertas para disciplinas quando é
vocabulário e modelos e saberes evidenciar as útil, mas sem me
linguagem próprios às disciplinas interações, as perder em questões
adequados. usadas. tensões e os pontos que interessam
de vista divergentes. apenas aos
especialistas.
Consultar fontes e Eu posso elaborar um Eu posso conduzir Eu estou aberto a Eu posso reformular
especialistas questionário uma entrevista sem novas perspectivas as informações que
pertinente em função me afastar de meus que se abram ao recolhi num texto
do problema do qual objetivos. longo da entrevista, coerente, em função
parto. que possam trazer- do projeto.
me um enfoque
diferente do problema
de partida.
Eu posso tomar uma Eu posso fazer uma Eu tomei o cuidado de confrontar diversas
distância crítica em coleta de fontes fontes ou pontos de vista, sem desconsiderar
relação às relacionadas ao os interesses representados por cada uma
informações problema e classifica- delas.
recolhidas. las racionalmente.
Refletir sobre o Eu posso precisar as Eu posso tomar um Eu posso estabelecer Eu posso avaliar a
aspecto disciplinas de onde recuo e analisar a os limites de adequação da
epistemológico provém os diferentes maneira pela qual o “validade” da representação em
dados. trabalho representação relação ao problema
interdisciplinar foi produzida. do qual parti.
conduzido.
Eu posso diferenciar, Eu posso explicar o Eu testei a representação produzida,
na representação o que significa confrontando-a com situações precisas e/ou
que é descrição, “negociar uma mostrando-a a um outro especialista disciplinar.
interpretação, representação” e eu
argumentação ou posso mostrar um ou
escolha de ação. outro ponto no qual a
síntese produzida foi
negociada.
35

É especialmente interessante o que os autores desta tabela previram


como exercício de auto-avaliação relativamente ao método. A primeira
metodologia que importa é a da própria construção de um enfoque
interdisciplinar. As primeiras quatro competências são pura consciência,
enquanto as quatro seguintes são exercícios do raciocínio que dependem
das qualidades mencionadas nas partes anteriores deste artigo: reajustar,
sintetizar, hierarquizar, escolher, estabelecer um plano. Por esta razão,
ensinar metodologia começando pelo projeto é como ensinar a andar uma
criança que não tem chão.

Mais do que avaliar as próprias competências, o aluno deve ter


especial cuidado na elaboração da síntese de sua atividade, porque é por
ela, e não por suas boas intenções, que será julgado.

Ficha metodológica para a redação da síntese de uma pesquisa60

1. A (re)formulação do problema

A Introdução à síntese descreve, com precisão, de que se trata a pesquisa? Qual é o seu objeto?
Foram indicados os desafios da pesquisa, suas finalidades e seus destinatários?
As controvérsias ou as questões conexas ao tema da pesquisa foram referidas ?

2. A adequação do conteúdo ao problema, às finalidades, aos destinatários

A pesquisa e a síntese correspondem ao problema proposto?


A pesquisa e a síntese correspondem às finalidades pretendidas?
Foram excluídas as informações parasitas, as pistas divergentes em relação ao problema e às
finalidades?
O conteúdo da síntese (tom, nível da linguagem, grau de precisão) adapta-se aos destinatários
visados e à utilização que dela será feita?
O título do trabalho é adequado ao objeto da pesquisa e ao conteúdo da síntese?
O problema de partida constitui o fio condutor do conjunto da síntese?

3. O rigor do conteúdo

A pesquisa é profunda ou contentou-se das primeiras informações disponíveis sobre o tema?


As conclusões da pesquisa, os argumentos e os exemplos levam em consideração as posições de
referência dos especialistas reconhecidos nesta matéria?
Evitou-se interpretar fontes ou juízos de valor fora de seu contexto?
Foram demonstradas ou ilustradas as idéias apresentadas no trabalho?

60
Elaborado com base em Gerard Fourez (Dir.), Approches didactiques de
l’interdisciplinarité, Bruxelles: De Boeck, 2002, p. 234-235.
36

Evitou-se generalizações abusivas a partir de um só exemplo ou caso referido?


Foram eliminadas do texto as afirmações peremptórias (sem dúvida alguma, sempre, nunca, etc.)?

4. A coerência do conteúdo

Evitou-se a reunião artificial de dados sob a forma de “copiar-colar”?


Construiu-se o texto de acordo com um plano prévio e uma progressão argumentativa?
Foram bem geridas as transições entre as partes da síntese?
Foi dada atenção à utilização de liames lógicos, de procedimentos de retomada de aspectos
lançados e de antecipação de idéias necessárias à compreensão do desenvolvimento posterior?
Evitou-se contradições internas do texto?

5. A distância crítica

Foram consultadas diversas fontes?


Foram confrontadas posições diferentes?
Foram analisados os argumentos expostos nas fontes?
Ousou-se opor novos argumentos ao encontrados nas fontes?
Não houve abuso de citações ou de falácias de autoridade?

6. O respeito às convenções

Foram lidas e respeitadas as recomendações do Orientador?


Foram respeitadas as convenções em matéria de citações e de referências bibliográficas?
Houve um esforço para que o texto se tornasse de mais agradável leitura para os destinatários?

7. A apropriação pessoal do trabalho

Foram reformuladas de modo pessoal, ao sintetiza-las, as informações coletadas?


Evitou-se plagiar uma fonte consultada?
Tomou-se iniciativas ou manifestou-se autonomia na realização do trabalho?
O autor é capaz de expor os resultados da pesquisa?
O autor é capaz de defender suas conclusões diante de um interlocutor?
O autor propõe uma interpretação, um julgamento, uma tomada de posição pessoal?

A vantagem desta ficha é que contém, ademais de indicadores de


avaliação metodológica, elementos éticos importantes, descritos numa
linguagem singela. Ela pode ser adaptada para exercícios outros além da
pesquisa, tanto por alunos como por professores.
37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Descartes, as maiores almas são capazes tanto dos maiores


vícios como das maiores virtudes. Também ao contrário das aparências,
aqueles que andam mais lentamente podem avançar muito mais, quando
seguem sempre o caminho certo, ao contrário dos que correm e dele se
distanciam61. Assim, o método, em substância, consiste em prática, não em
teoria, e esta prática se exprime sobretudo por uma escolha.

Daqui se pode reter, entre tantas outras e em guisa de conclusão,


duas idéias-chave. A primeira, despudoradamente axiológica, permite
reconhecer que embora um professor se auto-repute “bom”, sua auto-
referência positiva é inútil quando ele simplesmente responsabiliza o sistema
de ensino pelos infortúnios de sua atividade, e se curva ao visível fracasso
contemporâneo do ensino superior.

Ora, enquanto não se alcança a meta, é preciso reinventar o caminho.


Porém, o experimentalismo deve dar lugar ao profissionalismo (recorrendo à
técnica, senão à tecnologia). O professor não pode contentar-se com sua
suposta bondade. Uma vez mais, se recorre à pluma de Ítalo Calvino: “assim
passavam os dias em Terralba, e os nossos sentimentos se tornavam
incolores e obtusos, pois nos sentíamos como perdidos entre maldades e
virtudes igualmente desumanas”62.

De uma vez por todas, os professores apaixonados e engajados


devem assumir o fardo da excelência técnica, em relação aos conteúdos e
ao método; devem ousar apresentar o homem sábio como modelo, e
defender o saber como um valor. O bom soldado desarmado para pouco
serve, sobretudo ao lado de um exército que não sabe porquê está lutando.

A segunda e derradeira idéia-chave a retirar da máxima de Descartes


é a imagem de que o importante numa viagem é o destino, não a velocidade.
Metaforicamente, a atividade de ensino, pesquisa ou extensão pode ser
pensada como um deslocamento no tempo e no espaço, cujo combustível é
61
Discours de la méthode, Paris: Mozambook, 2001, p. 8 – edição eletrônica (texto integral)
em difusão gratuita disponível em <www.mozambook.net>.
62
O Visconde partido ao meio, São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 90.
38

a paixão, e o veículo, a razão. Se a vontade é a ignição e o projeto o destino,


o método é sem dúvida a direção.

A propósito, a canção de Jorge Drexler citada na epígrafe deste


artigo, termina com o sintomático verso “y no será porque quiera que estoy
dejando marchar tu tren”. Se eu pude chegar à plataforma da estação, mas
ainda assim me separo do que desejo, ou me falta caminho (não me sinto
capaz de andar), ou me falta meta (não me sinto à altura do meu querer).
Sou, então, meio homem – como um caldo ácido refugado voluntariamente
na destilação – e ofendo, com minha covardia, todo aquele que jamais teve
a chance de ser livre e de transformar-se em alguém melhor.

Num mundo degradado e degradante, onde as causas parecem


sempre externas – e a mediocridade grassa por meio de falsas evidências,
do estilo “eu gostaria que fosse diferente, mas nada posso fazer” –,
embarcar no trem do pensamento e escolher um destino ousado é também
uma forma de resgatar a ambição que o homem depositou historicamente no
saber. No caso dos Cursos de Direito, em particular, mais do que uma
ambição acadêmica ou profissional, viajar com os olhos abertos gera uma
possibilidade para a ambição de justiça, que talvez devesse ser, por
vocação, nosso melhor caminho e única meta.

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