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Muitos
humor na mídia
chegam mesmo a dizer que determinado povo é inteligente
se é capaz de rir de si mesmo. A importância do riso pode ser
dimensionada pelos norte-americanos, que pagam absurdamente
mais a seus atores de séries de comédia de tv do que para aqueles
de dramas, mesmo que estes sejam consagrados e queridinhos do
grande público. Por exemplo, paga-se 1,225 milhão de dólares por
capítulo da série cômica Two and a half Men para o protagonista
Martin Sheen, enquanto Hugh Laurie, o badalado ator que interpreta
o personagem que dá nome ao drama House, recebe cerca de 450
mil dólares por episódio. Nota importante: a duração do capítulo
de comédias é de meia hora e a de dramas, uma hora.
Falamos de tv, de comédia, de drama, de Martin Sheen e do
inglês Hugh Laurie que, além de ser um conceituado ator, também
é guitarrista – e seria errado achar que em House não há humor, ele
existe sim, só que na forma de nonsense, como poderia explicar o
pensador Gilles Deleuze no seu tão bem-sucedido e importante
livro Lógica do Sentido. Ou seja, mesmo numa série dramática
cáustica, como a do médico que trata seus assistentes de forma
quase aterrorizante, uma “cócega” mental se dá quase a cada novo
diálogo. Bem diferente do riso escrachado e altamente elaborado
de Two and a half Men, cômico do começo ao fim.
Nesta altura deste texto o leitor “já” sabe que o tema do
presente dossiê é o humor, mais especificamente “Humor na
Mídia”. Apresento já minhas desculpas por utilizar exemplos norte-
americanos televisivos para ilustrar o alcance da presente seção,
mas o fiz tão somente para o leitor avaliar o quão importante é o
humor, não apenas para um veículo de comunicação poderoso,
como a tv, mas dentro da nossa própria vida. Nosso dossiê cobre
tanto o humor veiculado pelos jornais, como aquele feito na tv,
no rádio, na internet. Ele conta ainda com artigos internacionais
confeccionados especialmente para este número. Que saibamos, é
a primeira vez que uma revista universitária de cultura se debruça
sobre este tema.
Não poderíamos deixar de agradecer de público a Waldomiro
Vergueiro, da ECA-USP, que tanto se empenhou na organização
desta nossa alentada seção. Sem ele, este número não seria possível.
Francisco Costa
waldomiro vergueiro da sátira gráfica, analisando seus compo-
internacional.
formas de mídias, desde as mais tradicio- nos estudos dos gêneros, seu artigo identi-
nais, impressas, até as mais recentes, como fica várias similaridades entre o humor das
a internet. Em todas elas, o humor é uma tiras e as piadas, ajudando a firmar o co-
que adquire características próprias de- é trazida por Gêisa Fernandes D’Oliveira,
pendendo da mídia em que surge. que em seu artigo enfoca o humor de dois
Waldomiro Sevilla, que se debruça sobre os reflexos no entanto, afasta-se dos estudos de gênero
Vergueiro do humor gráfico no século XXI e busca e mergulha na teoria bakhtiniana como
é professor titular
da ECA-USP. traçar um modelo de compreensão geral fundamentação de seu texto.
humor gráfico e entramos no humor ra- gão, sobre o humor na internet, por seu
diofônico, área sobre a qual o autor tem caráter inovador e ambicioso, buscando
últimos anos. No artigo, ele dedica-se a ainda cercada por imprecisões e ques-
para a constituição do rádio como “o mais único texto a quatro mãos do volume,
vistas. Destaca-se, em seu texto, a análise da Revista USP deixa-nos satisfeitos por
pela revista Veja, em 1994, que é utilizada aos leitores da revista um amplo panorama
como exemplo dos desdobramentos que o sobre como o humor surge e se desen-
humor apresenta quando aplicado ao am- volve nas diversas produções midiáticas.
biente publicitário. Já Chantal Herskovic Por outro lado, não podemos deixar de
vai buscar num tipo de humor televisivo, salientar que eles representam apenas a
o dos desenhos animados, a sua temática ponta de um grande iceberg. Muito mais
principal. Com base em sua pesquisa de ainda resta a ser discutido, aprofundado,
mestrado, seu artigo enfoca as inovações proposto no que tange às relações entre
Simpsons, a mais longa série de animação que estes textos possam representar um
produzida na história da televisão mundial, desafio para que outros mais sejam de-
manuel barrero
é professor da
Universidade de
Sevilla, diretor da
revista eletrônica
Tebeosfera e autor de,
entre outros, La Risa
Periodística: Humor y
Sátira, de la Prensa a
Internet (Universidad
de Valencia).
RESUMO
ABSTRACT
Up to the present the tradition of satire has been establishing itself as an ex-
pression fundamentally linked to socio-political caricatures. However, it can
be seen as a medium due to its structure, its language specific to the context
in which it takes place, the quality of its discourse, and the empathy it breeds
in the receptor. In this essay we devise a model for a general understanding of
the graphic satire – by analyzing its components – and apply it to numerous
examples of international transcendence.
simultaneamente uma criação conceitual ou verbal e uma gráfica 1 “Vinheta” é um termo que
procede, etimologicamente,
ou desenhada, o que não significa o mesmo caso, por exemplo, de vignette, a imagem inseri-
da entre parágrafos de um
do riso analisado a partir de uma proposição fisiológica, nem de livro. Com o tempo, foi assi-
milada a qualquer ilustração
incluída dentro de um texto
diferentes tipos de humor que o ser humano manifesta em seu e, no fim das contas, assim
se denominam as imagens
comportamento. de humor gráfico e cada
uma das que fazem parte
da sequência de quadros
No presente ensaio propõe-se, primeiramente, a necessidade de um quadrinho. Entende-
remos aqui a vinheta como
de dividir o humor em parcelas, entendido este no sentido pano- unidade estrutural com uma
mensagem lexipitográfica,
servida ou não com textos e
râmico, para assim diferenciar o humorismo literário da sátira podendo conter várias ima-
gens ao mesmo tempo, não
desenhada, e poder tratar o humor gráfico separadamente. E meramente como contorno
aglutinador de imagens.
No Brasil, o termo para
entenderemos a partir de agora como obras de humor gráfico ou descrever essa estrutura
é quadrinho e no resto da
vinhetas1, aquelas “obras desenhadas e impressas para sua difusão América Latina, cuadritos.
em múltiplas cópias que contêm elementos expressão substantivamente diferentes dos
verboicônicos fixos e articulados linguisti- de outros meios.
camente entre si com o propósito de emitir Para compreender a conformação da vi-
um relato humorístico autônomo”. A im- nheta humorística é imprescindível separar
pressão e a difusão são condição necessária a cultura gráfica da iconográfica, e precisar
para admitir a existência desse meio (que o aparecimento da sátira gráfica entre os
não do modelo expressivo). Os elementos séculos XV a XVII, na qual se combinam
verbais sempre existem em uma construção imagens e textos com um fim determinado.
desse tipo, embora possam estar elididos; os Essa nova linguagem, com componente
icônicos são condição necessária. Usamos verboicônico e diferenciado da literatura
o conceito de relato de Genette, ou seja: exatamente por essa razão, formula-se como
um enunciado que implica um universo uma mensagem comunicativa possível de se
narrativo no qual intervêm pelo menos um analisar com as ferramentas da semiologia.
narrador, que relata uma ação, e um perso- Para estabelecer a condição como meio
nagem, através do qual se compreendem de comunicação de uma vinheta podemos
os fatos, embora ambos possam coincidir diferenciar conteúdo e expressão em cada
(Genette, 1989, pp. 75-90). Com autonomia uma das mensagens desse tipo, seguindo
queremos significar que não se trata de obras teorias linguísticas de Hjemslev (1971, pp.
condicionadas a uma construção linguística 118 e segs.), revisadas para o caso da história
anexa (um texto, outra ilustração) e que em quadrinhos de Jiménez Varea (2007, pp.
poderiam emitir mensagem similar, uma 287-93). Finalmente, para compreender
vez transferidas a outro suporte, inclusive seu funcionamento, nós nos remeteremos
outro meio. aos “componentes” previamente sistema-
Devemos, a seguir, diferenciar clara- tizados por Steimberg (2001, pp. 99-118)3
mente construções como a piada gráfica e as ou Álvarez Junco (2009, pp. 287-93)4, que
histórias em quadrinhos, que se encontram se ajustam a um modelo narratológico: a
em ambos os extremos do que habitual- concreção do objeto humorístico, a incon-
mente se entende por cartoon2. A piada gruência sobre o que trata, e a complei-
2 Em inglês, o termo cartoon
gráfica é uma construção lexipictográfica ção na interpretação final da mensagem.
se aplica a toda construção
desenhada na qual se plasma na mensagem que depende do texto, sendo Com concreção nos referimos ao efeito
um fato humorístico, trate-se a imagem complementar mas não neces- de concretizar, ou seja, à “encenação” da
de uma gag cômica ou uma
sequência de imagens des- sária para completá-lo. Nós consideramos mensagem em qualquer âmbito, e não só
tinadas ao entretenimento que a definição de vinheta exposta pode em um contexto sociopolítico, ao qual se
ligeiro ou infantil. Sua am-
plitude terminológica é tal se estender à de “história em quadrinhos” costuma aludir com “contextualização” (às
que vai desde as lâminas com transformando “um relato humorístico” em vezes com “tematização”). A concreção faz
uma imagem do século XVIII
até os desenhos animados “uma narração”, seja do gênero que for, e parte da “história” que a vinheta comunica,
do século XXI. acrescentando a condição de justaposição sempre ligada a um contexto determinado.
3 Desde teorias prévias de de imagens. Dessa maneira, o conceito A incongruência se modula dentro do
Freud, Witz ou Kris, entre “historinha” (etimologicamente, “história “discurso” da vinheta e costuma ser trans-
outros, ajustando-as a um
modelo semiológico de curta”) englobaria as obras de humor gráfico gressora. Preferimos usar incongruência a
compreensão da imagem que superam a mera descrição (as caricatu- transgressão porque muitas obras satíricas
humorística em três planos:
quebra de isotopias no ras ou as ilustrações humorísticas com um quebram ou violam preceitos ou normas
cômico; desvio em direção texto elementar no rodapé, por exemplo) e estabelecidos (desde o gráfico até o político)
a um terceiro para com-
partilhar a inibição na piada;
compreenderia desde as proto-historinhas mas muitas outras vinhetas não. A incon-
tematização do sujeito com (construções de uma vinheta com enuncia- gruência nos permite ampliar o espectro a
sua criação humorística. do narrativo, ou com várias vinhetas, uma qualquer construção desprovida de lógica
4 Nessa obra, o autor esta- vez superados os pressupostos meramente ou de sentido, e essa subversão do sentido,
belece que a “configuração”
do humor gráfico se funda- descritivos das aves ou aleluias) até as his- ou “quebra de isotopias”, é comum a todas
menta em três aspectos: a tórias em quadrinhos atuais de toda índole, as obras humorísticas (o que concorda com
incorreção contextualizada,
a transgressão significativa e
sejam mudas ou não, sempre e quando os postulados de Luigi Pirandello (2002, pp.
a cumplicidade. comuniquem um relato com conteúdo e 95-130): “o cômico é exatamente advertir o
desde uma aproximação literária, lançando substância de conteúdo e da expressão de 6 Falamos de um leitor-espec-
tador porque o consumidor
mão das figuras propostas pelo Grupo μ ambos os elementos integrantes, os verbais de vinhetas lê ao mesmo
de Jacques Dubois (1993, pp. 231-61): os e os icônicos. tempo em que vê.
Figura 4
Reprodução
Reprodução
seu âmbito transgressor, com seu alcance
e sua vigência. Referimo-nos à vinheta de
Vauro Senesi mostrada publicamente em 9
de abril de 2009 em um programa da cadeia
televisiva RAI. Nela se vê umas casas em sonalidades ligados ao poder conservador Figura 6
ruínas e um homem com uma pá diante de (em 1994, por uma caricatura publicada em
uns caixões que, com gesto compungido, Il Venerdi di Repubblica; em 1997, por uma
completa a frase “Aumento delle cubature” imagem “anticatólica” publicada no jornal
(“aumento da lotação”) com o triste comen- Il Manifesto), o leitor compreenderá que o
tário “Dei cimiteri!” (“dos cemitérios!”) relato dessa vinheta centra-se em lamentar
(Figura 6). terrivelmente, a julgar pela expressão do
A imagem, seguindo nosso modelo coveiro (em quem se focaliza a narração),
tipológico, combina o humor negro com o lutuoso acontecimento sísmico, ao mesmo
sátira politizada, usando a adversidade com tempo em que se comenta obliquamente a
ironia para elaborar uma interpenetração política “catastrófica” de Berlusconi.
cujo foco é um personagem anônimo. Vauro, Nessa imagem, a compleição que o
colaborador habitual do popular programa leitor alheio à RAI efetua é equivocada
de televisão AnnoZero, foi admoestado se desconhece o âmbito satírico no qual
e despedido provisoriamente pela forma se movia o programa AnnoZero. Dessa
como essa vinheta tratava o terremoto que forma, a transgressão assalta o leitor que
ocorrera no dia 6 de abril na localidade de desconhece a postura ideológica do autor
L’Aquilla e que causou a morte de mais de frente ao governo, e é possível interpretar
300 pessoas. O diretor-geral da RAI, Mauro a composição como um ataque destinado à
Mais, avaliou que a imagem era ofensiva já memória dos sinistrados. Nada mais longe
que ia contra os sentimentos de compaixão da intencionalidade do autor, mas tirar a
pelos falecidos. vinheta fora do contexto emissor, a RAI,
A vinheta de Mauro, realmente, estava transforma-a automaticamente em uma
voltada a satirizar a polêmica em virtude gozação dirigida aos prejudicados, porque a
do chamado Plano Casa do governo con- figura do coveiro, na realidade incorporada
servador de Silvio Berlusconi, mediante o para o que chamamos de exultação, pode se
qual pretendia aumentar a superfície das transformar, aos olhos de outro público, no
moradias do país para impulsionar a cons- eixo de uma troça ao ultrapassar os limites
trução de moradias. espaciais, temporais ou temáticos para os
A contextualização da obra se faz ne- quais a sátira estava concebida.
cessária posto que, sabendo que Vauro é A vinheta de Vauro multiplicou seu al-
um autor mordaz ligado a uma ideologia cance nas televisões italianas e na Internet e,
comunista (membro do Comitato Centrale em consonância, intensificou sua gravidade
Del Partito dei Comunisti Italiani), que já satírica. Em parte, essa gravidade surgiu de
havia tido embates com membros ou per- uma compleição que carregava de culpa o
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Universidad de Valencia, 2010.
mara burkart
é professora de
História Social
Latino-Americana
da Faculdade de
Ciências Sociais da
Universidade de
Buenos Aires.
RESUMO
ABSTRACT
This article offers a foray into the leading Argentine graphic humor publications
of the 20th century; and reveals a prolific history and humor tradition. From
®
Caras y Caretas to HUM , Rico Tipo and Tía Vicenta, among others, a close
look is taken at when they came out and at their future; taking into account
their socio-political milieu, particularly in regard to the alternation between
democratic and authoritarian regimes.
tado nas caricaturas, nos cartoons, nas tiras cômicas e nas notas
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Waldomiro
Vergueiro
é professor titular
da ECA-USP.
RESUMO
ABSTRACT
The printing press did not arrive in Brazil before the transfer of the Portuguese
Royal Family to the country in 1808. From that time on, graphic humor has been
steadily present in Brazilian publications, not only for catering to the needs of an
illiterate population but also because of the work of some distinguished graphic
artists. Three of them, Ângelo Agostini, J. Carlos and Henfil, can be regarded as
exemplary in shaping the Brazilian graphic humor. They are analyzed in this
article, which seeks to discuss their individual influence in shaping a type of
graphic humor mirroring features of the Brazilian culture.
que muito cedo calou fundo entre os leitores. Este artigo busca
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paulo ramos
é jornalista e
pesquisador do
Núcleo de Pesquisas
de Histórias
em Quadrinhos
da ECA-USP.
RESUMO
ABSTRACT
On the circuit of production and distribution of comic strips it is usually said that
they are jokes narrated in comic-strip form. This research examines that assump-
tion; and shows that the two humor genres in fact have some points in common,
especially as regards textual strategies aimed at achieving comic effects.
apropriar do recurso virtual para reforçar sua gana por sexo, como
Reprodução
Aline, de Adão
Iturrusgarai
A leitura de que as tiras contenham uma Quem publica também tende a orientar os
piada é compartilhada por outros autores de leitores de que as coletâneas de tiras estabe
quadrinhos. Fernando Gonsales, criador das lecem diálogo com a piada. A editora lançou
tiras de Níquel Náusea, também publicadas mais de uma coleção que trazia a palavra
pela Folha de S. Paulo, explicita tal leitura piada no título, reunindo tiras de diferentes
em entrevista concedida para a Internet personagens, nacionais e estrangeiros (figu
(Faggion, 2010). Ele respondia à questão de ras 2 e 3). A pessoa que compra uma obra
se os seus personagens, a maioria animais, dessas tende a ser orientada de que aquele
reagiam como bichos ou como humanos. produto traz piadas feitas na forma de tiras.
“Acho legal mesclar as coisas. Vai depen Nota-se que o processo de circulação
der da piada. Antes eu nunca colocava um das tiras – produção, publicação e leitura
animal dirigindo um carro, por exemplo. – trabalha com a percepção de que elas são
Mas agora eu faço isso de vez em quando, semelhantes a uma piada. Pelo menos as tiras
se achar que a tira vai ficar legal.” Percebe-se de cunho humorístico, também chamadas
no depoimento de Gonsales que a huma de tiras cômicas. O diálogo entre os dois
nização dos personagens de suas histórias gêneros, aparentemente consensual, foi
dependeria da piada. investigado em estudo feito por nós em
Uma vez mais, evidencia-se que os 2007 e retomado de forma mais sucinta em
autores das tiras trabalham com a premissa 2009. A pesquisa se ancorou no campo dos
de que suas criações conteriam uma piada. estudos textuais da linguística e procurou
Salões e concursos de humor também cos analisar os dois gêneros, tanto no processo
tumam orientar os inscritos na categoria de produção como de construção do sentido.
“tiras” a fazerem os desenhos com cunho As conclusões pautam a exposição deste
cômico. É o caso do que faz o Salão de artigo, feita a seguir.
Humor de Paraguaçu Paulista, que define o
termo como “humor gráfico em sequência
curta de quadrinhos semelhantes às publi
cadas em jornais” (2010). O Concurso de OS GÊNEROS
Tiras Humorísticas, que teve sua segunda
edição em 2010, dá a seguinte síntese aos Um primeiro cuidado no tocante ao
interessados em se inscrever: estudo dos gêneros é perceber que eles são
construídos no processo sociointerativo, e
“[…] história em quadrinhos curta, con não modelos prontos, normativos. Para bem
tada em um ou mais quadros sequenciais, entender as piadas e as tiras cômicas – estas
que provoque humor ou riso por meio serão usadas também com o sinônimo tiras
da ironia ou comicidade. Pode ter con – é preciso observar quais são suas marcas
teúdo cartunístico (chiste intemporal) ou de produção e de circulação. Tal critério
assemelhar-se à charge (inspirada em fato metodológico se ancora na premissa de que
político da atualidade), ter personagem ambas, tiras e piadas, configuram gêneros
fixo ou conteúdo aleatório, traço realista autônomos, entendidos aqui na definição de
ou caricatural”. Bakhtin (2000), como “tipos relativamente
Pinduca, ambos
da Editora Abril
Figura 4
Tira da série
Níquel Náusea,
Reprodução
de Fernando
Gonsales
Figura 5
Tira da série
Turma do
Reprodução
Xaxado, de
Antônio Cedraz
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gêisa fernandes
d‘oliveira
é doutora em
Comunicação
pela Escola de
Comunicações e
Artes da USP.
RESUMO
ABSTRACT
Brazilian comics have always been oriented toward humor which, albeit remarka-
ble, has not forged just one identity. By exploring the works of cartoonists Mauricio
de Sousa and Laerte, this article seeks to discuss the developments of the use of
humor, and its role in shaping two different identity projects.
Reprodução
produtivo, baseado no desenho de estúdio,
que envolve a perda da autoria em prol da
assinatura, da “grife”.
Mauricio de Sousa continua sendo o
responsável por inovações no cenário de
quadrinhos brasileiro, como o projeto intitu-
lado Turma da Mônica Jovem, retratando os
célebres personagens em sua adolescência.
A proposta é fisgar o leitor fidelizado pela
“turminha”, tornando-se uma alternativa
aos cultuados quadrinhos japoneses.
A Turma da Mônica Jovem uniu o apelo
“exótico” do mangá ao conhecimento ad-
quirido das características dos personagens.
Boa parte do atrativo das histórias vem
justamente do jogo de correspondências
entre as peculiaridades infantis de cada um
(força da Mônica, gula da Magali, sujeira
do Cascão) e suas “novas identidades”.
O público passa a ser tratado como
mais um membro da equipe, interferindo
diretamente por meio de sites e blogs,
A trajetória de Mauricio de Sousa não só gramas nas áreas de saúde, educação, meio
ilustra a transformação de um desenhista em ambiente e cultura”2.
empresário, como também diz muito a res- Apesar da aparente linearidade de
peito da relação dos quadrinhos brasileiros sua carreira, no final dos anos 1960, o
com o binômio pedagogia/entretenimento. desenhista lançou no Jornal da Tarde um
Sua obra, um sucesso comercial, apesar personagem que fazia uso do humor de
de ter no humor um de seus principais forma contrária ao seu padrão. Explorando
ingredientes, possui fortes vínculos com o humor negro e não a costumeira linha
estratégias de ação voltadas à educação. afetuosa, Nico Demo não se encaixava
Há cerca de dez anos seus personagens na galeria de Mauricio de Sousa. Criado
são usados para a confecção de material a pedido do diretor, Mino Carta, em 1966,
2 Fonte: site do Instituto Cul-
tural Mauricio de Sousa de campanhas educativas do governo. O misto de gozador e azarado, a acidez de
(disponível em: http://www. objetivo, segundo a equipe, é “levar a filo- suas piadas e a ambiguidade de seu caráter
monica.com.br/institut/
fwelcome.htm; último aces-
sofia e a força de comunicação da ‘Turma foram responsáveis pela pronta rejeição
so em 22/9/2010). da Mônica’ para desenvolvimento de pro- ao personagem.
Figura 4
Nico Demo, 1968
Figura 6
O anti-herói e sua estratégia de sobrevivência. Nico Demo, 1975
Figura 8
Milagre adaptado ao cenário nacional
Figura 9
Hierarquia celestial, cenário brasileiro
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PUC-MG, Belo Horizonte, junho de 2009.
theophilo
augusto pinto
é doutorando do
Departamento de
História Social da
FFLCH-USP.
RESUMO
Nos primeiros quinze anos do rádio comercial no Brasil aparece o que chamamos
de a invenção da audiência radiofônica. Como consequência, alguns debates
entraram em pauta sobre a melhor maneira de se criar forma e conteúdo para
ele. Propomos uma reflexão, por meio de alguns programas humorísticos do
período, sobre como as representações do que seria “próprio” para o rádio
foram testadas, respeitadas e, às vezes, transgredidas, concentrando-nos num
episódio de 1947 envolvendo a marcha carnavalesca “Eu Quero É Rosetar”.
ABSTRACT
The first fifteen years of commercial radio broadcasting in Brazil saw what we
call the invention of the radio audience. As a result, some debates were carried
out concerning the best way to create its form and content. By analyzing some
comedy shows of that time, we advance some thoughts on how the representa-
tions of what was considered “appropriate” to the radio were tested, respected;
and sometimes breached. We will focus on a 1947 episode involving the Carnival
march “Eu quero é rosetar”.
que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca [e
no Brasil se deu por conta do decreto 21.111, de 1o de março de 1 Ver, entre outros: Goldfeder,
1980;Aguiar, 2007; Ferrareto,
1932, que permitiu a ocupação de 10% do tempo da transmissão 2001.
pela publicidade (Ferrareto, 2001, p. 102). como o jornal, mostrando a sensibilidade
Isso abriu a possibilidade para que a produção dos produtores em explorar esse novo meio
de programas radiofônicos contasse com de modo mais eficiente. Dentre outros,
uma verba assegurada, vinda da propaganda criaram-se termos para a assinatura, o tes-
comercial que os patrocinaria. No entanto, temunhal e, posteriormente, o spot (Silva,
esse espaço nem sempre foi visto com muito 1999, pp. 28-31). Esses nomes mostram
entusiasmo pelos anunciantes e houve, inclu- que o veículo começou a criar categorias
sive, quem se lembrasse do esforço para se para a publicidade distintas do que foram
convencer um patrocinador daqueles tempos. até então os anúncios em meios impressos
Exemplificando, tome-se o depoimento de e também em relação ao que se ouvia em
1976 de Saint Clair Lopes, ex-diretor da outros momentos. Além das categorias
Rádio Nacional. Nele, falou da dificuldade em si, a linguagem radiofônica vai sendo
que havia na década de 1930, quando a moldada de modo a ser mais eficiente na
Rádio Educadora, onde trabalhava, tinha promoção de seus produtos.
um transmissor de relativa baixa potência e, O rádio se difundiu por todo o territó-
portanto, muito sujeito a interferências. Para rio nacional e, durante a Segunda Guerra
conseguir patrocínio, essa interferência era Mundial, praticamente dobrou sua base
um grande empecilho, pois o patrocinador instalada3. Isso não passou despercebido
também era um ouvinte incomodado com a pelo Estado Novo, que criou o Departa-
má recepção. Diz ele, em entrevista: mento de Imprensa e Propaganda (DIP) e,
desde 1939, tentou controlar a mensagem
“De vez em quando o [patrocinador] Manuel radiofônica, na medida do possível. Além
Caramé chegava para mim dizendo [imitan- do rádio, imprensa, cinema e teatro foram
do o sotaque português] ‘eu não sei como vigiados com uma eficiência relativamente
eu mantenho este programa, porque é uma desigual (Goulart, 1990, p. 24). Se conse-
coisa terrível! […] Olha aqui, vocês têm guia intervir eficazmente no teatro de revista
lá, afinal de contas, uma estação de rádio (Velloso, 1998), no rádio essa eficácia pode
ou é um campo de bombardeio? Aquilo só ser mais questionável:
estoura, é só [faz um som imitando o ruído
do rádio], não se ouve nada!’ Era a estática “O DIP só conseguiu verba para apenas 19
da estaçãozinha de 100.000W [sic]. Mas, censores para o Rio de Janeiro, 12 deles
como saía o nome do dono do estabeleci- em tempo parcial. […] A popular estação
mento, ele pagava”2. comercial Rádio Mayrink Veiga, em com-
paração, empregava mais de 150 pessoas,
Passada essa fase inicial, o rádio foi se a maior parte em tempo integral, sem ter
firmando como o mais importante veículo de a pretensão de dirigir o desenvolvimento
comunicação de massa no Brasil, com suas cultural da nação” (McCann, 2004, p. 27).
novelas, programas musicais, jornalísticos
e humorísticos. É a chamada Era de Ouro Independentemente da eficiência, o que
2 Depoimento dado a Lou- do rádio. Vários autores que a narraram se pretende apreender dessas afirmações é
rival Marques para a co- veem na publicidade a grande alavanca que o que se dizia no rádio preocupava a
memoração dos quarenta
anos da Rádio Nacional, em que sustentou a maioria dos programas diversos setores. A rádio Mayrink Veiga,
1976. (Note-se que esse radiofônicos de então. Por exemplo, foi por citada acima, ainda era a mais forte emissora
depoimento tem elementos
para além do meramente
conta da publicidade que um dos primeiros na cidade do Rio de Janeiro, mas aos poucos
verbal, pois quem fala muda e mais duradouros programas, o Programa deixou esse posto para a emergente Rádio
o tom da voz e cria ruídos
do Casé, se manteve, colocando inclusive Nacional, pertencente às empresas incorpo-
com a boca para pontuar
aquilo que fala.) anúncios musicais como o jingle para a radas ao patrimônio da União desde 1939,
3 Durante o Estado Novo, os Padaria Bragança, considerado o primeiro coincidentemente o mesmo ano da criação
receptores no Brasil subiram do gênero no Brasil (Casé, 1995, pp. 48- do DIP. Toda essa movimentação estava
de 357.921, em 1939, para
659.762, em 1942 (Goulart,
9). Anúncios sonoros sofreram alterações articulada à construção de uma identidade
1990, pp. 19-20). em relação a outros meios de comunicação nacional que poderia ser grandemente re-
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AER204 – PRK-30 no 1
AER227 – Hotel de Pimpinela no 1
AER243 – Rádio Almanaque Kolynos no1
AER283 – Alvarenga e Ranchinho no 2
AER360 – O horário dos cartazes
AER400 – Depoimento de Saint Clair Lopes b
AER330 – A história do Repórter Esso
AER399 – Depoimento de Floriano Faissal no 2
AER579 – Aquarelas do Mundo no 13
TALVANI LANGE
é doutor em Ciências
da Comunicação
pela ECA-USP.
RESUMO
ABSTRACT
Based upon documentary library research and on interviews, this text presents
a theoretical reflection applied to humor in advertising and its relations to the
printing press. Intertextuality is a paramount factor in analyzing those relations.
To carry out that analysis and to theoretically develop this article, a print ad of
Veja magazine of February 1994 edition is taken as an example.
Fonte: 3o Anuário de Criação do Clube de Criação de São Paulo, 1978 (disponível em: http://ccsp.com.br/anuarios/pop_pecas.
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•••
CHANTAL
HERSKOVIC
é mestre em Artes
pela Universidade
Federal de Minas
Gerais.
RESUMO
ABSTRACT
This study analyzes The Simpsons animated series – a sitcom in cartoon for-
mat appealing to both adult and juvenile audiences – as a television program
featuring criticisms which lampoon contemporary society. The Simpsons show
was chosen as the object of our study because it is a milestone in the history
of television for being the longest running primetime comedy series; and also
because it has spurred the primetime comeback of cartoons more oriented
to an adult audience. When analyzing the series, we can see that some of its
main characteristics are the meta-texts, satires and critiques to society, as well
as a self-criticism towards the series itself or towards the medium in which it is
transmitted.
Reprodução
Maggie, Lisa e
ação e aventura, até suspense e drama.
Marge É um desenho animado apresentado sob
os mais diversos pontos de vista, enredos
em que fez apontamentos sobre aspectos e ideologias. Nunca houve nada similar
dessa mesma sociedade, como um sinal de na programação televisiva ocidental e na
alerta sobre o rumo que ela está tomando história da animação e dos seriados, tanto
e como seus indivíduos estão se afastando animados como em live-action1. O progra-
do conceito de cidadania e perdendo suas ma Os Simpsons é inovador em seu formato
identidades culturais. de desenho animado, em sua abordagem
Através de roteiros bem desenvolvidos, de assuntos diversos, da crítica social,
1 Live-action é o termo utiliza-
do para programas ou filmes a série consegue atingir diversas camadas sátiras e paródias, no desenvolvimento
feitos com atores reais. sociais e faixas etárias, e também diferentes e aprofundamento de seus personagens
2 O que resultou em produ- audiências, trazendo à superfície temas e dilemas e em seu elenco crescente, o
ções acadêmicas e publica-
ções, como, por exemplo,
como corrupção política e violência urba- que chama a atenção do olhar acadêmico
a abordagem crítica sobre na, ao mesmo tempo em que aborda assun- e o torna objeto de pesquisa em diversos
filosofia no livro Os Simpsons
tos como homossexualidade, os sistemas campos de estudo2.
e a Filosofia, de Aeon J. Sko-
ble, MarkT. Conard eWilliam dos planos de saúde públicos e privados e o Enquanto pai e filho (Homer e Bart)
Irwin, que tem como objeti- sistema de ensino deficitário. Além de fazer são individualistas, preocupados consigo
vo difundir o estudo dessa
área para leitores em geral uma leitura mais crítica da vida em família, mesmos, Marge, a mãe, é a mediadora da
e estudantes de graduação. com seus conflitos emocionais e desaven- família e, em algumas outras situações que
Esse é um exemplo de como
a riqueza de argumentos da ças, em Os Simpsons nenhum personagem envolvem a comunidade, a filha Lisa repre-
série pode resultar em des- é perfeito, e uma grande parte vive como senta uma alternativa para uma sociedade
dobramentos de pesquisas
sob o olhar sério da análise
indivíduos autocentrados e alienados dos que se encontra à beira da estagnação po-
crítica. acontecimentos a sua volta. Centrada no lítica, econômica e cultural, através da luta
núcleo familiar e nas pessoas da cidade, por seus princípios e observações.
Em Os Simpsons, é possível perceber as
mudanças pelas quais a sociedade contem-
porânea está passando, e como um seriado
com uma estrutura de reiteração consegue,
através da sátira e da paródia, revelar um
retrato dessa sociedade e de seus anseios.
A série faz referências e alusões ao
cinema e à literatura, e tem na apropriação
uma ferramenta para se desenvolver um
roteiro com conteúdo crítico e espirituoso,
mostrando a convivência em família e em
grupos de indivíduos que formam a socie-
dade e comunidade de Springfield. A cidade
de Os Simpsons pode ser interpretada como
toda e qualquer cidade da cultura ocidental.
Reprodução
Reprodução
Reprodução
capa da revista
Rolling Stone
na Internet, seus seriados, que podem ser anúncios satíricos espalhados pelos am-
acessados para exibição online. Em sites bientes que os personagens frequentam e
de compartilhamento de arquivos, a maior a Internet, em que Homer Simpson uma
parte desses seriados é disponibilizada vez chegou a criar um site polêmico sobre
ilegalmente para download. É uma busca a vida de certos habitantes de Springfield
por entretenimento de forma legal e ilegal e em que Marge ficou viciada em um jogo
por parte dos espectadores. de fantasia com avatares.
A influência da televisão na sociedade é Os personagens da série estão inseridos
um tema frequente na série. Os Simpsons, na cultura da mídia e de forma satírica mos-
em suas sátiras e paródias, está sempre se tram a importância dada pela sociedade aos
autocitando no programa e citando a televi- programas de televisão. Por exemplo, em
são e o impacto da mídia na sociedade oci- certo episódio o reality show John e Kate
dental. Assim sendo, há outros programas + 8 foi parodiado quando os personagens
de televisão dentro da série e suas próprias Apu e Manjula viraram pais de oito bebês.
celebridades. Um exemplo é a abertura do Em outra ocasião, Homer Simpson estreia
seriado, que mostra uma sequência em que um programa de bate-papo com seus colegas
os personagens se dirigem para casa no final Lenny e Carl. E ainda em outro episódio,
do dia e de suas atividades para sentarem Lisa e Bart participam de um programa
no sofá da sala e assistirem à televisão. Em jornalístico infantil. A série está sempre
muitas ocasiões, a televisão é mostrada apontando como a questão de aparecer na TV
como o centro das atenções dos persona- torna uma pessoa uma celebridade, mesmo
gens Homer e Bart. Além da televisão, as que passageira. E, muitas vezes, o que leva
outras formas de mídia estão presentes no o personagem a um programa televisivo e a
programa: o rádio, a estação KBBL, da uma breve fama são ideias sem fundamen-
qual Bart Simpson ganha um elefante em to, banais e grosseiras ou sensacionalistas.
certa ocasião, as animações de Comichão e Quando Homer é convidado para o programa
Coçadinha, que estão presentes na televisão, especial da Nasa, é devido a sua aparente
no cinema e em merchandise, os diversos proximidade com uma visão estereotipada
Reprodução
Krusty, o palhaço, Sideshow Mel, o ajudante
de Krusty, Sideshow Bob, o antigo ajudante
de Krusty, que tentou incriminá-lo e assas-
sinar Bart Simpson, Mr. Teeny, o macaco Apesar de todo o sucesso e das visitas de Uma paródia da
treinado de Krusty, que trabalha também celebridades ao programa, os primeiros epi-
logomarca da
como seu motorista, o prefeito Quimby, sódios eram focados no cotidiano familiar,
sempre envolvido em algum ato ilícito, no dia a dia dos personagens e nas relações
rede Starbucks
Loureen Lumpkin, a cantora de country familiares. Depois de alguns episódios é que com o palhaço
music lançada por Homer Simpson, o ator as críticas e referências feitas à sociedade, Krusty e
Troy McLure e o dono da usina nuclear, à política e aos acontecimentos atuais se um selo de
Montgomery Burns, que tem grande influ- tornaram mais frequentes, despertando até
aprovação
ência local em diversos sentidos. mesmo situações polêmicas, como foi o
A série brinca igualmente com a questão caso do episódio “Feitiço de Lisa” (“Blame Krusty: “Não
das celebridades instantâneas. Em mais de it on Lisa”), que se passa na cidade do Rio é apenas
uma ocasião, Bart Simpson está ao lado de de Janeiro. bom! É bom o
Krusty e dentro do estúdio de televisão do
suficiente!”
Canal 6. Ele chega a conquistar o emprego
de ajudante de Krusty depois de conseguir O CONTEÚDO EM OS
um pão doce para o palhaço, roubando-o
de Kent Brockman. Porém, Bart é chamado SIMPSONS: UM REFLEXO DA
para fazer parte do elenco para uma das pia-
das de Krusty e, por acidente, derruba todo CONTEMPORANEIDADE A série dentro
o cenário. Ele declara: “Eu não fiz isso!”,
quando todos o tinham visto e a imagem Ao contrário das séries dos anos 1950,
da série:
chegou a ser registrada no programa ao vivo que ressaltavam um determinado tipo de Comichão e
revelando que ele havia derrubado tudo. valores e a família nuclear bem-comportada Coçadinha
Com essa frase, Bart fica famoso, gerando
uma febre do garoto “eu não fiz isso” em
toda a cidade de Springfield.
Além das celebridades de Springfield,
a série recebe também, por convite, outras
personalidades, como Alec Baldwin, Sting,
Tom Jones, membros da banda Rolling
Stones, o astronauta Buzz Audrin, Paul
McCartney e sua esposa Linda, e muitos
outros que andaram pelas ruas da série. Nos
anos 1990, década em que o programa Os
Simpsons consolidou seu lugar como série
de sucesso no horário nobre, Springfield
era o lugar para se estar do jet set interna-
cional. Porém, são os produtores da série
que decidem quem poderá visitar a família
Reprodução
“Não sou apenas eu. Muitos roteiristas talen- Inicialmente, buscava-se um tom emo-
tosos trabalham no programa, metade deles cional nos personagens e nos conflitos. Os
vem de Harvard. E você sabe que, quando argumentos se referiam a situações reais
você estuda semiótica através do espelho e cotidianas dentro da sociedade atual.
(Through the Looking Glass) ou assiste a No decorrer dos anos, a série passou a
todos os episódios de Jornada nas Estrelas, fazer diversas relações a outros textos, e
você precisa fazer isso valer a pena, então durante as primeiras temporadas começou
você joga muitas referências em qualquer a fazer pequenas citações intertextuais;
coisa que vá fazer depois na vida”7. porém, com a popularidade do programa
e a aceitação do público devido a tais
Uma equipe de roteiristas com um citações, elas passaram a ser cada vez
amplo inventário imagético e referencial mais frequentes.
teórico a respeito da mídia e da sociedade A intertextualidade e a apropriação de
cria episódios que fazem um retrato de uma elementos de outras obras com o objetivo de
cultura local com alcance global, apesar satirizar, parodiar, ironizar ou homenagear
das inúmeras referências, permitindo que determinados autores, gêneros e estilos
6 O que justifica as diversas tanto um espectador ingênuo quanto um passaram a ser recorrentes na série. Citações
referências a universidades
como Harvard, Yale e Prin- espectador crítico aprecie os episódios. que começaram como um jogo intelectual
ceton, feitas através dos É através do formato de cartoon sit entre os roteiristas e conhecedores de
episódios da série animada,
também conhecida por ser com que os roteiristas podem trabalhar e literatura, cinema e televisão tornaram-se
liberal. aprofundar pontos de vista, apontar temas elementos essenciais ao programa e aos
7 Tradução feita pela autora. controversos e fazer críticas à sociedade, seus sucessores e criou-se uma relação de
BIBLIOGRAFIA
octavio
carvalho
aragão
é professor adjunto
da Escola de
Comunicação da
Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
RESUMO
ABSTRACT
From the semantics of the Brazilian neologism cartum [from the English word
cartoon] to its adapting to the electronic media, this article addresses its singu-
larities as regards form and social and political themes of the Brazilian graphic
humor. Based on the theories by Violette Morin and Scott McCloud – that trace the
relations between text and images – this article pinpoints where each disjunction
breeds humor. It also emphasizes how the target audience is defined and how it
relates to the publishing vehicles.
brasileira, uma vez que essa palavra, nas demais línguas, não é
Imagens 1 e 2
Tabelas: função e inversão antinômica
Funções
Inversão antinômica
em mim
no mar
Pensar mim/mar
diante de mim
do mar
Imagem 4
Charge
Fonte: Jaguar, O Dia, 28 de outubro de 2002
BIBLIOGRAFIA
gêisa fernandes
d‘oliveira
é doutora em
Comunicação pela
ECA-USP.
Waldomiro
Vergueiro
é professor titular
da ECA-USP.
RESUMO
ABSTRACT
BIBLIOGRAFIA
roberto romano
é professor do
Departamento de
Filosofia do Instituto
de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp
e autor de, entre
outros, O Caldeirão de
Medeia (Perspectiva).
em demasia. É preciso aprender a julgar os
textos para não lhes dar consideração maior
do que a merecida. Os estadistas, pessoas
prudentes, não costumam escrever pois as
lguns pensadores como Paul Virillo suas linhas poderiam ser examinadas com
definem a vida contemporânea muito rigor pelos pósteros. Se escrevem,
com o signo da velocidade. tentam ser exímios na arte das letras. É assim
Outros a determinam pelo vín- que Sócrates enquadra o invento chamado
culo entre a ordem particular escrita. Esta seria ideada pelo deus Teuth
e pública com o espetáculo. que, por sua vez, a comunicara ao faraó
O fato é que as duas vias se Thamus, soberano de Tebas. O rei não se
encontram quando refleti- entusiasma com o feito e diz temer que a
mos sobre o barulho que escrita, em vez de tornar as pessoas sábias
nos enlouquece a cada as prejudique, fazendo-as crer que pensam
instante. Estradas e o que enxergam nas letras. E temos o mais
ruas insuportá- conhecido símile entre artes e texto, lugar
veis ao ouvido, divertimentos que fariam comum da Grécia clássica, entre palavras
o alarido das bacantes parecer murmúrio, redigidas e as artes:
cultos religiosos efetuados aos berros, tanto
em igrejas ortodoxas quanto nas reformadas, “Os produtos da escrita são como os da
tom de voz humana mais próximo aos urros pintura. Interroguem os quadros; eles
das selvas. Não apenas a nossa cultura se responderão por majestoso silêncio. In-
pauta pela espacialização: o sentido do terroguem os livros; eles sempre darão a
tempo, a escuta, se perde a cada átimo numa mesma resposta. Vocês podem acreditar, ao
ciranda infinda. Em tal cacofonia, o sentido escutá-los, que eles são muito sábios. Mas,
lógico das palavras se dissolve com rapidez uma vez escrito, um discurso gira por todos
inédita e percebemos o quanto o discurso, os lados, nas mãos dos que o compreen-
em todos os âmbitos, se banaliza e decai dem como daqueles para os quais eles não
nas formas da propaganda e da histeria. foram escritos. Ele nem sabe a quem falar
Não existem mais comícios políticos, são ou diante de quem calar. Desprezado ou
poucas as procissões religiosas, mas o ri- atacado injustamente, ele sempre precisa de
tual satânico da incomunicação anuncia o um pai que o socorra; pois ele não resiste
reinado de máquinas inteligentes e usuários nem ajuda a si mesmo”.
“humanos” a cada hora menos atilados. As
mônadas, dizia Leibniz, não têm portas O poeta, o prosador, todos corrigem o
nem janelas. No mesmo ímpeto em que que escrevem. Mas todos eles precisam da
nos fechamos numa jaula definida como palavra interior, e devem cultivá-la com
tecnosfera, perdemos a capacidade de falar enorme atenção para merecer o nome de
e de ouvir. As linhas que seguem pretendem filósofo, o amante da sabedoria.
ser uma pequena meditação sobre tal lado Saltemos os milênios que nos separam de
de nossa existência, em pleno século XXI. Sócrates e consultemos Camille Mauclair,
A poesia contemporânea exprime o silêncio o amigo de Mallarmé: “O credo do artista
numa espécie de paranoia da palavra escri- moderno é o silêncio”. Também Octavio
ta, desconfiança renovada em indefinidos Paz: “A atividade poética nasce do desespero
modos desde Platão. Sabemos a crítica do diante da impotência da palavra e culmina
faraó Thamus ao deus Teuth, o fabricante no reconhecimento da onipotência do si-
das letras. Sócrates, no Fedro (pp. 274-61), lêncio”. O mundo moderno, ainda segundo
recorda que em tempos pretéritos muitos sá- Paz, é presa do “discurso do afásico”. Com
bios escreveram sobre a retórica, incluindo o esfacelamento da teologia e do sistema
Por motivos editoriais, as notas
a refinada Safo. No entender de Sócrates, newtoniano do universo, a escrita que
se encontram no final do texto. um de seus interlocutores, Lísias, escreve deles falava também se desintegra, sendo
NOTAS
1 Um trabalho sugestivo, ainda em nossos dias, é o de M. H. Abrams (1971). Em meu livro, Silêncio e Ruído, a Sátira em Denis Diderot (Romano,
1997), analiso o campo em questão. Antes dele, no livro Conservadorismo Romântico (Romano, 1997) e em Corpo e Cristal, Mar Romântico
(Romano, 1985), examino o plano mais amplo em que o problema da fala e da imagem se instala. Quanto à ordem do discurso teológico e
da imagem, a discuto em Brasil, Igreja Contra Estado (Romano, 1979). Autores como Alcir Lenharo (1986) ampliaram as minhas observações
em sentido histórico, aplicado à produção cultural brasileira.
2 O trecho citado encontra-se no capítulo cujo título é “O Poder das Palavras”.
3 Peri adoleskias (De garrulitate). Uso aqui a edição das Moralia da Loeb Classical Library, volume VI, trad.W. C. Helmbold (Cambridge, Harvard
University Press, 1970), pp. 396 e segs.
4 Brincando com termos de medicina, Plutarco diz que o nome da doença do falador é asingesia, ou seja, impossibilidade de manter silêncio.
O outro lado da mesma doença seria a anekoía, inabilidade para escutar. Resulta numa doença, também nomeada por Plutarco, a diarréousi,
diarreia da língua. Nota de Helmbold.
5 Sobre o tema, a bibliografia é imensa. Não pretendo discutir tais pontos que exigem competência e cautelas próprias. Uma análise cuidadosa
encontra-se nos textos de Pedro Lain Entralgo. Refiro-me especialmente ao seu livro: La Relación Médico-enfermo. Historia y Teoria (Entralgo,
1983), “[…] o silêncio é como o húmus em que germinam e assumem sentido as palavras pronunciadas, quando estas são algo mais do que
simples algaravia gárrula, quando a fala, Rede diria Heidegger, não se transformou em Gerede (palavrório)” (Entralgo, 1983, p. 313). Outro
escrito do mesmo autor trata desse problema: La Curación por la Palabra en La Antiguedad Clásica (Entralgo, 1987). Particular proveito para
nosso tema fornecem as páginas l54 e segs. “[…] para Platão, o agente catártico que a ‘doença da alma’ requer é a palavra idônea e eficaz.
Impondo evidências ou infundindo persuasões, a expressão verbal de quem saiba ao mesmo tempo ser professor e médico – ‘psicagogo’,
diria Platão – é capaz de reordenar as almas que sofrem de ametria e reintegrá-las em seu verdadeiro ser” (Entralgo, 1987, pp. 154-5).
Para a imagem, cf. Louis P. (1945): “Le Discours”. Também Taillardat (1965), “Le Flot des Paroles” e “Le Bavardage”.
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MILTON TORRES
é diplomata e doutor
em História pela USP.
ao tempo de Dom João V, pela inclusão
dos cacauais do Madeira e da courama do
Piauí. Tal progresso é, pois, extensivo. O
longo reinado do Fidelíssimo mantinha,
sobre a colônia, visão estritamente fiscal.
Nenhum investimento oneroso de parte
da Coroa. O rei reinava com as ordens; o
regular, pela sua formação, uma espécie de
militar da inteligência no espaço transatlân-
tico; enlaçavam-nos as relações estritas do
padroado. Amiúde, os prelados das ordens
comunicam-se com o soberano ou com o
Conselho Ultramarino. No caso particular
da Amazônia Ocidental, tocou aos carme-
litas de Belém a consolidação do espaço
ocupado no Rio Negro e no Solimões. E
contava o rei com os seus índios mansos,
droguismo do vale eufemismo para os índios frecheiros a
amazônico nos sé- serviço do estamento, que deslocava para
culos XVII e XVIII funções punitivas, por vezes do distante
e a plantation ma- Ceará às plagas úmidas do Amazonas.
ranhense do arroz e O Fidelíssimo vela pela coleção dos tri-
do algodão de finais butos, mas não articula planos de integração
do século XVIII a – antes até de fechamento de rios e de certas
meados do XIX nun- vias de acesso, temeroso do descaminho do
ca geraram rendas comparáveis às dos ouro. A sua administração é burocrática e
grandes dias da agroindústria açucareira miúda, ainda que assaz eficiente na políti-
de Pernambuco e do Recôncavo Baiano, ca externa, em particular na ocupação ou
já muito elevadas na década de 1580. Nem consolidação de espaços coloniais, tal foi o
o tabaco nortenho se nivelou, em qualquer caso da bacia do Solimões, iniciada ao fim
tempo, ao de Cachoeira da Bahia no reinado do governo de seu pai. Mesma e maliciosa
de Dom João V. Nem aquelas especiarias política no caso da negociação do tratado
do sertão, às da Ásia tropical; a identidade de Madri, feita sobre o vicioso “mapa das
do nome vulgar de certas drogas, tal como Cortes”, habilmente impingido ao fraco e
o cravo das terras nortenhas, extraído da desinformado Fernando VI de Espanha, e no
casca, representa planta diversa, de muito qual a Vila Boa de Goiás era posta dentro do
menor valor de mercado que o cravo das meridiano de Tordesilhas, e Cuiabá, muito
Molucas, este florífero. Também a canela, menos a ocidente do que a carta afigurava.
ademais de produzida em outras partes do Tais eram, em realidade, os expedientes da
Brasil, era o espécime de casca espessa, diplomacia da época.
diverso e muito menos procurado que o de Revelam os despachos – Dom Pedro II e
casca fina, do Ceilão – Ceilão e Molucas Dom João V – certa diferenciação. De um a
cedo ocupados pelos flamengos. Assim, a outro dos monarcas, restringe-se o diálogo
renda dos produtos florestais do Norte (onde com as câmaras, enquanto aumentam os des-
incluo genericamente o Maranhão, hoje pachos aos governadores-gerais, ouvidores
parte do Meio-Norte, quando, em realidade, e autoridades fazendárias, representantes
o Maranhão é muito mais Norte, e o seu par, imediatos da Coroa. Mais minucioso e
o Piauí, é muito mais Nordeste) permanecia mais autoritário, Dom João V favorece,
incomensuravelmente aquém das áreas em princípio, as funções burocráticas. O
monocultoras do Brasil no século XVII. Há seu espírito minucioso e contabilista mais
progressos a registrar na economia nortenha sopesa os gastos que o investimento pro-
JOSÉ DE PAULA
RAMOS JR.
é professor do
Departamento de
Jornalismo
e Editoração da
ECA-USP.
enganado 2” (Freyre, 1975, p. 24). Mas
não foi a decepção com o protestantismo
que dissipou o sonho de ser missionário.
Os estudos e a vida acadêmica abriram
perspectivas novas e fascinantes, que
levaram o jovem a descobrir sua vocação
de escritor.
DEFINIÇÃO DE ROTA
erminados os estudos secun- Em Baylor, o estudante brasileiro cha-
dários no Colégio Americano mou a atenção do professor de literatura
Gilreath, de Recife (PE), aos inglesa e comparada A. J. Armstrong, respei-
dezessete anos de idade, Gilberto tado internacionalmente como especialista
Freyre (1900-87) embarca para na poesia de Robert Browning. No curso de
os Estados Unidos da Améri- Armstrong, o aluno descobre no ensaio o
ca, onde permanece de 1918 a gênero em que poderia se realizar. Gilberto
1922. Primeiro em Waco, Texas, Freyre já se decidira pelo conhecimento do
cursa a Universidade de Baylor, bachare- homem e da sociedade como seu objeto
lando-se em Artes, com especialização em geral de estudo, mas sentia que a abordagem
Ciências Políticas e Sociais; depois, realiza científica, embora valiosa, seria insuficiente
estudos pós-graduados na Universidade de para o esclarecimento de inúmeras questões.
Colúmbia (Nova York), onde obtém o grau Insatisfeito com as limitações das ciências
de mestre com a dissertação Social Life in sociais, da história, da antropologia e de
Brazil in the Middle of the 19th Century. outras especialidades, Gilberto Freyre viu na
Viaja, então, para a Europa e frequenta aulas liberdade metodológica do ensaio o melhor
e conferências em Oxford e na Sorbonne. meio para realizar o trabalho de compreen-
Em 1923, volta ao Recife. são daquele objeto, embora naquela quadra
Quando partiu para o estrangeiro, o ainda ainda não soubesse qual, especificamente,
menino sonhava tornar-se missionário entre seria esse. Com certeza, haveria de ser algo
os índios do Brasil após a conclusão dos ligado ao Brasil.
estudos universitários. Tal disposição de O que ficou definido no período de
espírito decorria da influência protestante Baylor foi a decisão de tornar-se escritor,
recebida no colégio americano, de orien- interessado na investigação do homem e da
tação batista, e da profunda impressão que sociedade brasileira, por meio do ensaio,
lhe causaram as ideias de Tolstoi para um gênero sem o qual “estaríamos muito po-
cristianismo renovado e vivo, anticlerical, bres com relação a problemas básicos do
fundado na fraternidade, que ligaria “os Homem e da Sociedade que a ciência dos
homens acima de classes e raças; e fazendo Comte, dos Spencer e dos Tylor não parece
que a gente mais instruída vá ao povo e lhe capaz de esclarecer só por caminhos e por
leve a sua luz”1 (Freyre, 1975, p. 11). métodos científicos”3 (Freyre, 1975, p. 27).
1 Nota datada de Recife, 1916.
O contato direto com a sociedade norte- Por meio do ensaio, poderia mover-se
2 Nota datada de Nova York,
1918. -americana o fez reavaliar logo a opinião livremente entre as diversas ciências. Além
sobre o cristianismo evangélico, que, disso, aos olhos do atento leitor de Carlyle –
3 Nota de Waco, 1918.
ingenuamente, chegou a julgar antibur- que, para conhecer o homem, inspirava-
4 “[…] a scientific interest and
a poetic on alike inspire us in guês. “Eu via no Cristianismo evangélico -se igualmente no interesse científico e
this matter [conhecimento um Cristianismo que seria um bem para na consideração poética da matéria4 –, o
do homem pelo homem]”
(apud Freyre, 1975, p. 27. o Brasil por ser antiburguês e não por ser gênero ainda possuía outra grande virtude:
Nota de Waco, 1918). anticatólico. Vejo que estava um tanto permitia a articulação do discurso científico
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evaldo piolli
é sociólogo e
professor da
Universidade
Federal dos Vales
do Jequitinhonha e
Mucuri (MG).
trabalho tornou-se, em nossos dias, uma categoria
central nas relações entre os indivíduos e a socie-
dade, ou seja, um elemento-chave na constituição
da identidade social, assumindo significações que
vão além da simples venda da força de trabalho
por salário. O plano de vida idealizado, a visibi-
lidade, o reconhecimento social, a inserção em
grupos, o acesso a direitos sociais e ao consumo
envolvem o sentido de autorrealização dos sujeitos. Porém, é diante
do real do trabalho1 que o plano idealizado pelo indivíduo pode
encontrar, ou não, condições de canalização.
Desse modo, não se pode descartar, como essencial para a cons-
trução da identidade, as influências da organização do trabalho.
No processo do desenvolvimento e expansão do capitalismo, a
exploração visível vai sendo sucedida pela interiorização das restrições
(coerções). Isso se dá com a emergência das classes médias, a canali-
zação e a institucionalização dos conflitos, a linguagem normalizada e
unificada da “boa administração” (Pagès et al., 1987). Tais fenômenos
não significaram o desaparecimento das contradições, nem mesmo
sua atenuação, mas, antes, a modificação do sistema de controle da
sociedade e das empresas capitalistas, sua extensão a novas zonas,
em face das mudanças do sistema produtivo e das condições da luta.
Marcuse (1981) deu grande contribuição à abordagem sociológica
do trabalho ao apropriar-se, de forma crítica, das categorias psicana-
líticas. Ele utiliza a categoria freudiana do princípio da realidade para
elucidar o processo repressivo e a submissão humana na sociedade
industrial avançada. A maior repressão estaria relacionada às pulsões
do trabalho alienado, o qual criou a base material da civilização.
Tal trabalho dificilmente conflui com as inclinações e necessida-
des individuais, tendo sido imposto ao homem como algo penoso e
desagradável, o que permanece nos dias de hoje.
No entanto, para Marcuse (1981), é o princípio de desempenho
que, para além do princípio de realidade, surge como um tipo de
repressão sobre as pulsões que molda os homens e produz a confor-
mação desses de acordo com o aparato técnico, econômico e político
da dominação. A organização do trabalho na sociedade industrial
produz a imposição de todos os requisitos de repressão necessários 1 O conceito de “real do
trabalho” será explicado
à convivência social no sentido amplo. mais adiante.
A colonização do mundo da vida (ra- O que facilitou esse processo foi a troca
zão comunicativa) pelo mundo sistêmico de um sistema inconsciente do tipo paternal
(razão instrumental) promove alterações por um sistema tipo maternal. A organização
na atribuição do sentido, perturbações e surge associada a uma imagem inconsciente
patologias (Habermas, 1989). O trabalho, feminina, dentro da qual se perde o medo do
pois, é uma importante expressão disso. pai, ao mesmo tempo em que se manifesta,
Sua centralidade, como principal fonte de no trabalhador, o medo de perder o amor
reconhecimento, gera a dependência dos maternal. Tal regressão inconsciente, na
indivíduos, os quais, sem esse reconheci- busca do reconhecimento, fica nítida nas
mento podem até mesmo sucumbir. políticas de recursos humanos e gestão de
As organizações medeiam, de forma pessoas (Pagès et al., 1987)
constante, as contradições dos grupos so- A ideologia da organização é bem
ciais internos e externos que delas partici- mais aceita quanto mais se inscreve nas
pam. Os dirigentes, por sua vez, se tornam práticas econômicas. A mobilidade social
sujeitos necessários e estratégicos à repro- e a progressão na carreira são atreladas,
dução e à perpetuação dessas contradições, principalmente, às políticas de recursos
sendo, de fato, seus agentes mediadores humanos, pois facilitam a adesão ideoló-
contingentes, pois a própria capacidade gica e psicológica que reforça o poder da
de encobrir, ocultar, faz parte de sua ação empresa e demais organizações modernas.
mediadora. A eficácia das mediações resi- Essas práticas facilitam a interiorização,
de na capacidade de antecipar conflitos, o pelos indivíduos, das normas dos valores.
que é uma característica das organizações As contradições vivenciadas pelos
hipermodernas. trabalhadores ficam, portanto, latentes e
As organizações desenvolvem a do- inconscientes. Elas são transformadas e
2 Sobre a subjetividade hu-
minação psicológica (manipulação do absorvidas na política contraditória da
mana no trabalho, Lukács
diz que “a contradição que inconsciente) sobre os seus trabalhadores. organização que individualiza os conflitos
aqui se manifesta entre a Elas modelam a fundo as estruturas de perso- coletivos. O indivíduo isola-se dos demais
subjectividade e a objecti-
vidade dos sistemas formais nalidade, pois se tornam máquinas de prazer trabalhadores interiorizando ou mesmo
modernos e racionalistas, o e de angústias, oferta e retirada do amor. A introjetando as restrições, as coerções e
emaranhado e os equívocos
contidos nos seus conceitos organização torna-se o lugar privilegiado da os estímulos, transformados em angústia
de sujeito e objecto, a identificação, da projeção e da introjeção. e prazer.
incompatibilidade entre a
sua essência de sistemas por
É com ela que os trabalhadores mantêm A idealização do eu e as projeções nar-
‘nós’‘produzidos’ e a sua ne- relações infantis de submissão e revolta. císicas são canalizadas para o âmbito do
cessidade fatalista estranha
Trata-se, pois, de uma alienação explo- trabalho dentro das organizações. A busca
ao homem e dele afastada
são apenas a formulação rada pela organização do trabalho, pelo jogo do reconhecimento e proteção é canalizada
lógica e metodológica do da motivação e do desejo. Uma alienação para o trabalho e forja um novo sentido, um
estado da sociedade mo-
derna: porque, por um no sentido psiquiátrico, também, de subs- sentido alienado da vida.
lado, os homens quebram, tituição da vontade própria do sujeito pela De acordo com Lukács (1989)2, o traba-
dissolvem e abandonam
cada vez mais as ligações do objeto. Uma alienação, portanto, que lho, sob tais condições, é objetivado, criado
simplesmente ‘naturais’, passa pelas ideologias defensivas, de modo e organizado por outras pessoas e nele há
irracionais ‘efectivas’, mas,
por outro lado e simultane-
que o trabalhador acaba por confundir com sujeição e alienação humana. Para que ele
amente, levantam em redor seus desejos a injunção organizacional que funcione plenamente é preciso que seja
de si, nesta realidade criada
substitui o arbítrio. Vencido pela vontade aceito como parte da natureza das coisas
por eles próprios e ‘pro-
duzida’ por eles ‘próprios’, contida na organização do trabalho, ele e não como produto da ação histórica dos
uma espécie de segunda acaba por usar todos os seus esforços para homens.
natureza cujo desenrolar
se lhes opõe com a mesma tolerar esse enxerto contra sua natureza, ao O mundo burguês do trabalho e da
impiedosa conformidade às invés de fazer triunfar sua vontade. “Insta- economia passará a ser um espaço privile-
leis que outrora os tornavam
forças naturais irracionais lado o circuito, é a fadiga que assegura sua giado onde o indivíduo exercerá um certo
(mais precisamente:relações perenidade, espécie de chave, necessária domínio, um certo poder, como o de criar
sociais que lhes apareciam
sob essa forma)” (Lukács,
para fechar o cadeado do círculo vicioso” objetos, bens e riquezas. Sem efetivamente
1989, p. 145). (Dejours, 1999, p. 137). exercer um controle sobre sua vida, o que
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MARCELLO MOREIRA
é professor de
Literatura Brasileira e
de História Literária
do Departamento de
Estudos Linguísticos
e Literários da
Universidade Estadual
do Sudoeste
da Bahia (UESB).
da composição e que o auditório teria de
reconhecer ao ouvir ou ler o poema para
apresentar-se como detentor das disposições
cognitivas e perceptuais que tornariam sua
apropriação legítima? Tem pertinência, ao
falar-se da recepção da poesia composta nos
séculos XVI e XVII, uma categoria do juízo
tal como “legitimidade” de apropriação?
As questões acima apresentadas não
bjetiva-se, aqui, são as únicas que devem nortear uma pes-
apresentar uma quisa sobre a poesia laudatória, mas se nos
análise de poe- apresentam como centrais para qualquer
ma composto na proposta de compreensão de vários gêneros
segunda metade ditos exornativos ao tempo de sua produção
do século XVII, e recepção primeiras, conquanto não possa-
de autoria de Ma- mos, em um artigo curto como o que ora se
nuel Botelho de escreve, responder a todas as questões acima
Oliveira, poeta que, em seu livro, Música levantadas. Em outros estudos já publicados
do Parnasso, impresso em 1705, mais es- sobre a poesia laudatória, tentamos respon-
pecificamente na dedicatória ao duque do der, mesmo que de forma precária, a algumas
Cadaval, Nuno Álvares Pereira de Melo, das questões postas acima, embora algumas
afirma ter sido o primeiro poeta brasileiro delas estejam até agora à espera de resposta.
a fazer imprimir os seus versos. O que a Condição inevitável de uma pesquisa que se
análise visa a demonstrar é como a poesia faz por partes e de forma sempre precária.
laudatória, mais especificamente o panegíri- Procuraremos tratar por ora do modo opina-
co, produz a figuração de caracteres agentes tivo de figuração dos caracteres agentes e de
por meio da aplicação ao discurso da noção como a elocução, no louvor, é constitutiva
de “verossimilhança”, que equivale àquela da figuração. Em um estudo breve como o
de “opinião”, tal como já definida por Gerard que se escreve, a argumentação apresenta
Genette, atualizando tipos e não sujeitos, evidente caráter indutivo, em que se poderia
conquanto se predique aqueles pela aposição supor o apagamento, por parte do pesquisa-
de nomes próprios. Referem-se outrossim dor, de toda a diversidade em prol de uma
alguns usos civis possíveis do panegírico homogeneidade – procedimental, derivada
ao tempo de sua produção. do regramento a que os poemas estavam
então sujeitos, é o que a crítica aqui toma
como pressuposto – que, contrariamente ao
que se afirma, não existiria nos poemas, mas
INTRODUÇÃO apenas no discurso acerca deles. Poder-se-ia
pensar que o acúmulo de dados, extraídos
Principiamos este estudo por um con- de novos testemunhos, poderia vir a minar
junto de questões que julgamos central para os resultados a que chegamos. Esperamos
uma melhor compreensão da poesia laudató- demonstrar, em trabalho mais alentado
ria: ela implica um gosto dessueto que, não que ora escrevemos sobre o louvor, que o
sendo o nosso, pode ser compreendido por procedimento indutivo por nós adotado não
uma pesquisa de cunho histórico? Quais são implica, por razões a serem demonstradas
as condições em que se produz esse gosto? ulteriormente, a falência de nossa proposta
E quais são as formas de apropriação dessa de análise, já que uma taxonomia de análise,
poesia ajuizadas legítimas por seu auditório como, por exemplo, “o louvor”, deriva de
coevo? A apropriação implicaria o conhe- uma classificação dos discursos por gêneros
cimento de um código, de preceitos que – judiciário, deliberativo, epidítico –, de prá-
teriam sido atualizados pelo poeta quando ticas de composição e de usos civis dos dis-
bibliografia
Traição. Um Jesuíta
a Serviço do Brasil
Holandês Processado
pela Inquisição, de
Ronaldo Vainfas, São
Paulo, Companhia
das Letras, 2008,
384 p.
FRANS LEONARD
SCHALKWIJK
é professor
aposentado na
Holanda, doutor em
Teologia e autor de,
entre outros, Igreja
e Estado no Brasil
Holandês (Cultura
Cristã).
inquisidores de perto.
TAMIS PARRON
é mestre em História
Social pela FFLCH-
USP e organizador
de Cartas a Favor da
Escravidão (Hedra).
rário específico – O Uraguai, de Basílio
da Gama – com as práticas e os discursos
culturais do reinado de D. José I (1750-77).
uma crônica de 10 de Por trás da coerência metodológica, um fio
janeiro de 1884, Ma- temático ainda une Mecenato Pombalino e
chado de Assis contou a O Altar & o Trono, e eis que é o conflito
história de um camarista entre o Estado e a Igreja na longa duração
de D. João VI, o conde que marcou a passagem do Antigo Regime
de Parati, punido com para o mundo contemporâneo. Quem já
o uso de um hábito da conhece o primeiro estudo de Teixeira não
igreja católica por ser deixará de notar sua escolha por textos que
maçônico, e comentou: “De certo modo, preconizam a autonomia do Estado em face
foi uma antecipação do conflito que mais da igreja romana ou de suas instituições,
tarde levou dois bispos aos tribunais, com a como o fariam o poema épico de Gama e
diferença que aquilo que o Conde de Parati a novela de Machado. Mas não se trata de
só pôde fazer obrigado foi justamente o preferências. O Altar & o Trono parece,
que a maçonaria queria fazer por vontade antes, o ponto de chegada de uma trajetória
própria: – andar de hábito. Não penso nisto intelectual coerente, fundada em métodos
que me não lembre do nome que em geral e temas bem delimitados.
teve esse famoso conflito […]. Lembra-se
o leitor? Questão epíscopo-maçônica”1.
O trecho, que indicia a presença viva da
Questão Religiosa, ocorrida dez anos antes, POÉTICA CULTURAL E OS EIXOS
no espaço público do Segundo Reinado
nos anos 1880, reforça o argumento geral NARRATIVOS DE O ALIENISTA
de O Altar & o Trono, de Ivan Teixeira,
o mais recente estudo sobre O Alienista Segundo Ivan Teixeira, a narrativa sobre
(1881-82). Até agora, a narrativa vinha as experiências de Simão Bacamarte na
sendo entendida como encenação de uma pequena Itaguaí seria a encenação alegórica
crítica impiedosa à ciência quando dotada de uma disputa pelo poder, na qual estariam
do poder absoluto de conceituar as patolo- envolvidos o Estado e a Igreja, como dito
gias e realizar sua terapêutica. De hoje em acima, mas também a ciência e o binômio
diante, é provável que não seja lida senão política-povo. Em sua perspectiva teórica,
como alegoria da disputa mais ampla pelo sintetizada no primeiro capítulo do livro
poder, sobretudo entre o Estado e a Igreja, (“Teatro do Mundo & Pressupostos da
durante o processo de formação de uma Encenação”), tais categorias não devem
cidade. Uma alegoria motivada justamente ser apreendidas como absolutas nem trans-
pela Questão Religiosa. -históricas, pois adquirem sentido apenas
Apenas comprovada, a hipótese já daria em um quadro de referências culturalmente
ao livro merecidos títulos. Mas o autor ainda definido. Por “Povo” e seu correlato “rebe-
acresceu estudos que vão muito além da lei- lião popular”, por exemplo, não se imagina
tura intrínseca de O Alienista, relacionando o estouro libertário dos oprimidos contra a
a obra com diversas questões pungentes do estrutura social que os explora – primeiro
tempo e com a revista A Estação, na qual sentido que ocorre à mente do pesquisador
a novela foi publicada pela primeira vez e atual –, mas sim o significado de “rebelião
em que Machado de Assis atuou por quase popular” no horizonte de expectativas dos
duas décadas (1879-98). Procedeu, assim, agentes discursivos da época. Dir-se-ia
a uma análise cultural que dá continuidade o mesmo para Estado, Igreja e Ciência,
1 Machado de Assis, Obra à sua outra pesquisa de fôlego, Mecenato conceitos cujo conteúdo só um esforço
Completa, Rio de Janeiro,
José Aguilar, 1962, vol. III, p.
Pombalino e Poesia Neoclássica (Edusp, de arqueologia de textos a eles correlatos
427. 1999), em que relacionara um texto lite- poderia fixar. Nesse tipo de análise, a que
Desenho de
Ângelo Agostini
publicado
na Revista
Ilustrada, 1876