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INTRODUÇÃO

Vivemos em um mundo globalizado, marcado por uma revolução


tecnológica que expande as fronteiras do conhecimento, altera as formas
de comunicação e impõe a criação de soluções inovadoras para problemas
complexos e inéditos. Ao mesmo tempo, vivemos em um país
extremamente plural com elevado nível de desigualdades socioculturais e
econômicas, o que significa que uma parcela significativa da população
não terá acesso a essas novas tecnologias e informações, portanto, não terá
oportunidade de aprender a lidar com tais exigências, ficando excluída
dessa nova realidade. Nesse contexto, alguns questionamentos se
colocam: quais são os impactos desse cenário para a educação das crianças
e dos jovens que vivem no Brasil? Como conciliar as demandas por um
novo modelo de cidadão e cidadã com a estrutura escolar e as limitações
das grades curriculares?
Para iniciarmos essa reflexão, propomos o seguinte exercício.
Imaginem que estamos no início do ano letivo em 2023. Uma professora
do ensino fundamental entra em uma sala de aula com 25 crianças
diferentes em aparência física, tamanho, postura, vestimenta,
corpulência, forma de se mover; em sexo, origem social, identidade
religiosa, nacional ou étnica; em capacidades de atenção e de trabalho;
em capacidade perceptiva, manual e gestual; em gostos e capacidades
criativas; em personalidade, caráter, atitudes, opiniões, interesses,
confiança em si; em desenvolvimento intelectual; em modos e
capacidades de relação e comunicação; em linguagem e cultura; em
saberes e experiências; em hábitos e modo de vida fora da escola; em
experiências e aquisições escolares anteriores; em sentimentos, projetos,
vontades, energias do momento.1

1
Situação inspirada na imagem descrita por Philippe Perrenoud, no seu livro A pedagogia
na escola das diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso (2001, p. 69).
Uma turma com esse perfil pode ser encontrada tanto em escolas públicas como particulares,
em certa medida. O espaço escolar costuma ser permeado pelas mesmas características socioculturais
e econômicas da sociedade em geral. Essa é, portanto, uma realidade inevitável. Mas como ensinar
os conteúdos, conhecimentos e valores tidos como universais para uma turma de estudantes com
tamanha multiplicidade de perfis? Como eles podem ser apreendidos e percebidos por todas e todos
de forma que possam contribuir para a sua formação enquanto cidadãs e cidadãos responsáveis e
capazes de transformar o mundo à sua volta? Afinal, como lidar com as diversidades presentes no
ambiente escolar?
Aprender a viver em um ambiente diverso e multifacetado é um dos principais desafios do
mundo contemporâneo, portanto, da educação. Alguns diriam que a construção de uma sociedade
mais justa e inclusiva requer que a escola seja um espaço de construção e valorização das
individualidades, do respeito para com as diferenças e que eduque para a pluralidade cultural,
ensinando a perceber o outro como ser legítimo, reconhecendo que possui uma história, uma
cultura, uma etnia (GADOTTI, 2000, p. 56). Outros, amparados por um paradigma liberal, diriam
que o conhecimento é universal, neutro e imparcial, e que, portanto, ele poderia ser transmitido
sempre da mesma forma, não importando as peculiaridades, origens e características de quem recebe
esse conhecimento, no caso, os estudantes.2
Para enfrentar esse dilema, é preciso conhecer as diversidades existentes no mundo de hoje,
especialmente no contexto nacional. Entender a natureza e as origens das diferenças entre grupos e
procurar compreender as suas relações é o que buscamos abordar neste curso.
A tarefa não é trivial, pois lidar com o diferente requer um esforço de respeito e tolerância, o
que nem sempre sabemos como exercitar e, em alguns casos, tampouco estamos dispostos a fazê-lo.
Por isso, falar em diversidade requer um debate amplo, transparente, sincero e pautado nos estudos
acadêmicos mais difundidos atualmente. Assim, convido-lhes a refletir com profundidade sobre as
diferenças e desigualdades existentes na nossa sociedade, a partir de um arcabouço teórico capaz de
fornecer subsídios para se compreender os conceitos fundamentais dessa discussão, as origens e a
natureza da diversidade e a sua aplicação no ambiente escolar.
É importante lembrar que um curso como este requer escolhas e recortes metodológicos, pois
não há como abordar todas as teorias existentes, tampouco todos os marcadores da diferença, nem
mesmo todos os casos possíveis envolvendo diversidade. Não porque eles não sejam importantes,
ao contrário, mas as limitações de tempo e espaço exigem que algumas teorias e modos de pensar o

2
Segundo Marlise Matos e Breno Cypriano (2008, p. 2), essa visão aproxima-se do sistema cartesiano de racionalidade,
vertente intelectual hegemônica que vigorou até o século XVIII. Para os autores, uma das características desse modelo
epistemológico é a insistência “no fato das faculdades da razão e da sensação serem, potencialmente, as mesmas em todos
os seres humanos, independente da cultura, classe, raça ou sexo/gênero; donde resulta entender que diferenças nas
situações dos seres humanos, ao invés de reconhecidas como fontes de visões alternativas sobre a realidade, são
consideradas impedimentos que devem ser ultrapassados por uma visão ‘neutra’ e ‘objetiva’”.
mundo sejam incluídas e outras não. Por essa razão, optamos por enfatizar aqui um substrato teórico
fundamental capaz de subsidiar a construção de um ferramental metodológico próprio para
fundamentar as decisões que venham a ser tomadas em contextos específicos.
Por isso, esperamos que aceitem abraçar o desafio de abrirmos um canal de reflexão sobre as
diversidades no espaço escolar pautado no estudo das principais abordagens teóricas
contemporâneas sobre o assunto, a fim de estimular a criação de um espaço de diálogo para
pensarmos soluções viáveis ao contexto de cada um e ao mesmo tempo adequadas para os desafios
que o mundo atual impõe. Com esse arcabouço teórico e algumas reflexões práticas, será menos
desafiador lidar com as situações cotidianas e os conflitos envolvendo a diversidade de pensamento,
de origem social, de raça, cor, etnia, de idade, de origem família, identidade religiosa.
Para alcançar os objetivos propostos, a apostila está estruturada em duas partes: uma mais
geral e conceitual, ao passo que a outra mais específica e focada nos variados tipos de diversidade.
A primeira parte está representada pelo módulo 1, que visa a fornecer um arcabouço teórico
e conceitual sobre as diversas noções de diversidade, a sua relação com os termos “diferença”,
“desigualdade”, “universalismo”, e com os referenciais teóricos do reconhecimento de direitos e
redistribuição de recursos, interseccionalidades para então passarmos à análise do que significa falar
em diversidade no contexto escolar.
A segunda parte do curso, por sua vez, destina-se ao estudo detalhado de alguns importantes
marcadores da diferença, e se estrutura em três módulos. No primeiro deles, módulo 2,
enfatizaremos a diversidade de gênero e identidade sexual, bem como as implicações decorrentes
desse modo de compreender a realidade social no âmbito educacional. Já o módulo 3 concerne às
diversidades étnico-raciais existentes no País, o seu arcabouço teórico e os consequentes desafios
que essa dinâmica social impõe ao contexto escolar. Por fim, o módulo 4 aborda diversidades
bastante evidenciadas no contexto educacional, como a diversidade de classe social, origem religiosa,
deficiência e diversidade cultural e linguística, que ganha ainda mais importância com a nova onda
de imigrações no País.
Antes de começar, fazemos uma última observação. Ao longo da apostila, você vai notar o
uso de uma linguagem inclusiva para se referir às pessoas. Isto é, mencionaremos “alunas e alunos”,
“professoras e professores” e, quando possível, utilizaremos termos neutros como a turma ou
estudantes. A intenção é que ao citarmos um grupo não utilizaremos a forma masculina como
sinônimo do que é “neutro” ou “universal”. A linguagem é um importante instrumento de poder e
dominação e, a depender do modo como escrevemos podemos reproduzir, por exemplo, assimetrias
de gênero. São justamente essas assimetrias que queremos evitar, especialmente em um curso que
pensa diversidade, inclusão e igualdade.
SUMÁRIO
MÓDULO I – NOÇÕES DE DIVERSIDADE: UMA INTRODUÇÃO CONCEITUAL ................................... 9

O QUE É DIVERSIDADE? ..................................................................................................................... 9


Diversidade versus diferença .................................................................................................. 11
Diferença e desigualdade: o debate sobre reconhecimento e redistribuição ................ 12
MARCADORES DA DIFERENÇA E INTERSECCIONALIDADES ........................................................ 15
O QUE É DIVERSIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR? ...................................................................... 18
Diversidade na política educacional brasileira .................................................................... 20

MÓDULO II – DIVERSIDADE DE GÊNERO E SEXUALIDADES ............................................................. 23

CONCEITOS DE GÊNERO ................................................................................................................. 24


GÊNERO E SEXUALIDADES .............................................................................................................. 33
GÊNERO E IDENTIDADE SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR ......................................................... 34
REPERCUSSÕES DA DIVERSIDADE DE GÊNERO NO CONCEITO DE FAMÍLIA ............................ 36

MÓDULO III – DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAIS................................................................................ 39

RACISMO NO BRASIL ....................................................................................................................... 42


MITO DA DEMOCRACIA RACIAL...................................................................................................... 44
DIVERSIDADES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO ......................................................................... 44

MÓDULO IV – DIVERSIDADES CULTURAIS, LINGUÍSTICAS, RELIGIOSAS E PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA ......................................................................................................................................... 47

DIVERSIDADE DE CRENÇA RELIGIOSA ........................................................................................... 47


DIVERSIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA DOS IMIGRANTES ...................................................... 51
Educação dos imigrantes no Brasil ....................................................................................... 53
PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E ENSINO INCLUSIVO.............................................. 55

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 58

PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 65
MÓDULO I – NOÇÕES DE DIVERSIDADE:
UMA INTRODUÇÃO CONCEITUAL

Para falar em diversidade no contexto escolar, é preciso, antes de tudo, entender o que
significa diversidade na sua acepção mais ampla. Por isso, o primeiro módulo do curso tem por
objetivo apresentar as diferentes noções de diversidade, com vistas a introduzir um arcabouço
teórico e conceitual que servirá de base para as reflexões e os debates dos módulos posteriores.
Não é possível tratar de diversidade sem abordar as distinções entre este e outros termos
correlatos, como diferenças, desigualdades, multiculturalismo e universalismo. Assim, mais do que
explicar o que significa diversidade, é fundamental dissociar o seu conceito de outros igualmente
relevantes.
Depois de abordar a discussão sobre marcadores da diferença e a relação entre eles,
enfatizando a abordagem teórico-metodológica chamada de interseccionalidade, chegaremos ao
tema da disciplina propriamente dito: a diversidade no contexto escolar. Além de apresentar como
a diversidade é tratada na política educacional brasileira, enfatizamos os desafios de se lidar com a
diversidade em diferentes momentos da vida escolar de uma criança/adolescente, quando são
moldadas a personalidade, a maneira de ser e de se relacionar com os outros. Nesta parte,
abordaremos o problema conhecido como bullying, que permeia o ambiente escolar e está
relacionado à não aceitação das pessoas com características próprias. A partir deste debate, o
propósito é refletir sobre como podemos ajudar a construir uma sociedade mais justa e inclusiva.

O que é diversidade?
Em um mundo globalizado, marcado pela revolução tecnológica, economia global,
padronização dos mercados de consumo, velocidade na disseminação de informações, há uma
tendência à universalização de certos valores, costumes e soluções para problemas comuns. A
globalização impõe uma redefinição de símbolos e significados culturais, que ganham uma feição
desconectada das origens, raízes e identidades de grupos, povos e nações.
Esse movimento de relativização das identidades culturais tem gerado certo desconforto na
última década. Nesse momento, reaparece o debate acerca do relativismo, ideia associada ao
multiculturalismo, às reivindicações identitárias e à valorização da diversidade cultural. Assim, por
mais paradoxal que possa parecer, o relativismo ressurge no contexto da globalização, desafiando o
universal em prol da retomada das particularidades socioculturais.
Ao analisar esse movimento, o sociólogo Renato Ortiz (2017) considera que a tensão entre o
universal e o particular; entre o comum e as diferenças, caracteriza o “espírito de nosso tempo”, que
é marcado pelo “mal-estar do universalismo”.3 Segundo o autor, “vivemos uma mudança do humor
dos tempos. As qualidades positivas, antes atribuídas ao universal, deslocam-se para o ‘pluralismo’
da diversidade”. A menção ao mito de Babel serve para ilustrar esse processo. Para Ortiz (2017),
Babel era visto na tradição europeia como uma situação desagradável, de incompreensão e
desentendimentos, uma vez que para superar a incomunicabilidade em face da multiplicidade de
idiomas, as pessoas tiveram de buscar uma língua universal capaz de estabelecer a paz entre os povos.
Por outro lado, quando se fala que a internet é uma Babel, essa é uma imagem positiva, que valoriza
as peculiaridades de cada pessoa, opinião, interesse.
Esse movimento de crescente afirmação das identidades aconteceu em diversas localidades,
mas “especialmente em sociedades geradas pelo colonialismo europeu, em que grupos e indivíduos
reafirmam seus particularismos locais e suas identidades étnicas, raciais, culturais ou religiosas”
(RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 17).
Fruto da crescente afirmação das pautas identitárias, a ideia de diversidade passou a ocupar
posição central no debate internacional e nacional, em especial nas discussões sobre o
desenvolvimento e na formulação de políticas públicas.
Diversidade não é um conceito unívoco, muito menos livre de disputas. Em geral, o termo
diversidade é construído em conjunto com outros termos, como o de diferença, desigualdade,
inclusão e exclusão, por vezes, confundindo-os.
Quando introduzida no debate sobre mercado de trabalho, a diversidade é entendida como
o reconhecimento das diferenças e a valorização da tolerância e respeito para que todas as pessoas
com diferentes características físicas, psicológicas, origem, gênero possam conviver. Esse tem sido o
uso mais disseminado do debate público.
Há autoras que acabam por conceituar diversidade a partir da sua relação com inclusão
(GREENE, 1993).
Um dos conceitos mais difundidos, especialmente entre os estudos no campo da educação, é
aquele que alia o termo diversidade à heterogeneidade de culturas que marcam a sociedade

3
As recentes divergências entre os países da Europa Ocidental sobre as políticas de imigração e o Brexit são alguns
exemplos bastante recentes que podem ilustrar esse mal-estar do universalismo.

10
contemporânea (GADDOTI, 1992; ABRAMOWICZ; RODRIGUES; CRUZ, 2011), e ao
multiculturalismo (SILVA; MOREIRA, 1995). Em outras palavras, falar em diversidade seria o
mesmo que falar em diversidade de culturas.
A evidente variedade de perspectivas que se expressam nas teorias e propostas relativas à
diversidade tornam esse campo de debate próspero tendo em vista a sua complexidade. A polissemia
terminológica produz uma série de disputas de sentidos, o que torna a proposta deste curso ainda
mais interessante e não menos desafiadora. O primeiro desafio que se coloca é entender as relações
entre diversidade de diferença.

Diversidade versus diferença


Como vimos, um dos usos mais corriqueiros da palavra diversidade geralmente remete à ideia
de respeito às diferenças. Acontece que diversidade e diferença são noções distintas, embora seja
comum ver esses termos sendo utilizados indistintamente. Há, portanto, diferentes noções e
concepções de diversidade e diferença.
Essas noções podem ser organizadas em três vertentes: a primeira trata as diferenças ou
diversidades como contradições que podem ser apaziguadas. Uma das formas de apaziguamento
seria a tolerância, que seria capaz de conter os conflitos e dilemas impostos pelo multiculturalismo.
A segunda vertente, denominada liberal ou neoliberal, usa a palavra diferença ou diversidade
como estratégia de ampliação das fronteiras do capital, pela maneira com que comercializa
territórios de existência, formas de vida, a partir de uma maquinaria de produção de subjetividades.
Por fim, a terceira perspectiva enfatiza as diferenças como produtoras de diferenças, as quais
não se podem apaziguar, já que não se trata de contradições.
Em geral, a indistinção conceitual entre diferença e diversidade esconde as desigualdades e,
fundamentalmente, as diferenças. Nesse sentido, Tatiane Rodrigues e Anete Abramowicz (2013)
fazem o seguinte alerta:

Sob o manto da diversidade, o reconhecimento das várias identidades e/ou


culturas é atravessado pela questão da tolerância, tão em voga, já que pedir
tolerância ainda significa manter intactas as hierarquias do que é
considerado hegemônico. [...] a diversidade foi entendida como uma
forma de governamento exercido pela política pública no campo da
cultura, como uma estratégia de apaziguamento das desigualdades e de
esvaziamento do campo da diferença, tendo como função borrar as
identidades e quebrar as hegemonias (RODRIGUES; ABRAMOWICZ,
2013, p. 18).

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Para essa matriz teórica, a utilização indiscriminada das palavras diferença e diversidade tem
produzido o esvaziamento político e social do que significa a diferença e a diversidade, utilizadas
como sinônimos. Falar de diversidade quase como o mesmo que falar da diferença resulta no
apagamento da diferença, pois tem por objetivo retirar a diferença da diversidade.
Nesse contexto, a diversidade tem-se caracterizado como uma política universalista de
maneira a contemplar o todo, todas as formas culturais, todas as culturas, como se estas pudessem
interagir sem grandes conflitos. Para Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011, p. 94), a diversidade
seria então o “campo esvaziado da diferença”. Consequentemente, defendem os autores, este campo
da diversidade também de alguma maneira é esvaziado, não pela diferença, mas pela desigualdade,
uma vez que há desigualdades irreconciliáveis, seja de poder, seja das classes sociais, mas isso é
obscurecido.
Essa mesma preocupação com o apagamento das diferenças foi levantada pela filósofa
educacional norte-americana Maxine Greene (1993). Ao procurar identificar o significado de
diversidade no contexto democrático, a autora se pergunta como é possível promover inclusão sem
o tipo de normalização que apaga as diferenças, forçando-as a serem reprimidas, mas ela não
responde diretamente a essa pergunta.

Diferença e desigualdade: o debate sobre reconhecimento e


redistribuição
“Temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser
diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Com essa frase, Boaventura de Souza Santos
(2006, p. 316), um dos mais influentes sociólogos da atualidade, apresenta um paradoxo entre os
sistemas da igualdade e da diferença. Termos que parecem inconciliáveis, à primeira vista, podem
combinar-se de forma a oferecer soluções à seguinte pergunta: como conciliar o exercício do direito
à igualdade com os anseios e as demandas dos mais variados grupos sociais?
Santos (2006) apresenta uma solução que contempla a necessidade de uma igualdade que
reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Essa afirmação evoca um dilema próprio da sociedade atual: como o processo da diversidade
deve levar em conta as diferenças sem fomentar ainda mais desigualdades? Para enfrentar esse
desafio, é preciso compreender as noções de diversidade e desigualdade e como elas se relacionam.
Devido às pressões sociais, o entendimento da diversidade como construção social
constituinte dos processos históricos, culturais, políticos, econômicos e educacionais começa a ter
mais espaço na sociedade, nos fóruns políticos, nas teorias sociais e educacionais.
São também os movimentos sociais, principalmente os de caráter identitário – indígenas,
negros, quilombolas, feministas, LGBT, povos do campo, pessoas com deficiência, povos e
comunidades tradicionais, entre outros –, que, a partir dos anos de 1980, no Brasil, contribuem
para a entrada do olhar afirmativo da diversidade na cena social. Eles reivindicam que a educação

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considere, nos seus níveis, etapas e modalidades, a relação entre desigualdades e diversidade.
Questionam o caráter perverso do capitalismo de acirrar não só as desigualdades no plano
econômico, mas também de tratar de forma desigual e inferiorizante os coletivos sociais
considerados diversos no decorrer da história.
A imbricação entre desigualdades e diversidade tem sofrido interpretações as mais diversas no
contexto das relações de poder, nas quais se inserem as lutas sociais. São interpretações advindas
tanto das políticas neoliberais que se acirraram no Brasil, nos países latino-americanos e em outros
contextos do mundo a partir dos anos de 1990, quanto das lutas por identidade e reconhecimento
desenvolvidas pelos próprios movimentos sociais, ações coletivas, organizações de caráter
emancipatório e novos sujeitos sociais no mesmo período.
No terceiro milênio é possível dizer que estamos diante de uma mudança política e
epistemológica, no que diz respeito ao entendimento sobre a imbricação entre desigualdades e
diversidade que vai além do campo educacional. Trata-se de uma inflexão em nível nacional e
internacional provocada por vários fatores, tais como: os questionamentos à globalização capitalista;
a construção de uma rede internacional contra-hegemônica; os conflitos étnicos e religiosos na
América Latina, na Europa e na Ásia; a formação e o fortalecimento das redes sociais e das novas
mídias com foco na emancipação social; as lutas nacionais e transnacionais pelo direito à terra e ao
território. Esses fatores se tornam mais incisivos quanto mais se intensificam, nacional e
internacionalmente, fenômenos como: neocolonialismo, racismo, xenofobia, sexismo, homofobia,
transfobia e violência religiosa.
A pressão histórica dos movimentos sociais, somada a um perfil mais progressista de setores
do Estado brasileiro nos últimos 10 anos, trouxe mudanças no trato da diversidade no contexto das
políticas públicas de caráter universal, desencadeando, inclusive, a implementação de políticas de
ações afirmativas. Contudo, um dos limites que ainda persiste está no fato de que a maioria dessas
ações ainda se limita às políticas de governo. Falta o seu enraizamento como políticas de Estado.
Mesmo assim, é possível afirmar que, nos últimos anos, no Brasil e na América Latina, com
avanços e limites, algumas dimensões da diversidade pleiteadas historicamente pelos movimentos
sociais e demais setores organizados da sociedade começam a fazer parte da pauta da agenda das
políticas públicas. Transformam-se em temas de debate e de disputa na arena política e na própria
produção intelectual.
É nesse contexto que a discussão sobre a justiça social passa a ocupar mais espaço na produção
teórica, na análise e na implementação das políticas públicas, entre elas, as educacionais.
A interação entre as noções de diferença e desigualdade ganharam um novo capítulo a partir
da década de 1990, resultante do debate desenvolvido pela teoria crítica social sobre
reconhecimento e redistribuição.
Desde 1995, o recente debate sobre reconhecimento, desencadeado alguns anos antes pelos
trabalhos de Charles Taylor e de Axel Honneth, ganhou novos contornos, com a introdução do
tema da redistribuição, por Nancy Fraser (1995). Com isso, muitos autores que antes se limitavam
a discutir problemas de reconhecimento tiveram de considerar nas suas formulações também

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problemas de redistribuição. Enquanto os debates sobre reconhecimento decorriam de
preocupações com problemas de identidade e diferença, a introdução no debate do tema da
redistribuição remetia, sobretudo, ao problema da igualdade social. Na verdade, a entrada de Fraser
no debate, em 1995, teve justamente a intenção de alertar para os limites das políticas de identidade
e para o abandono por setores dos movimentos sociais da luta por igualdade social.
Assim, o problema da relação entre reconhecimento de diretos e redistribuição de recursos
acabou por protagonizar um dos debates mais importantes em teoria social crítica na última década
do século XX e na primeira do século XXI, resultando com isso em uma extensa bibliografia, cuja
principal referência ainda é o livro Recognition or redistribution? A political-philosophical exchange
(FRASER; HONNETH, 2003), no qual Fraser e Honneth dialogam criticamente e apresentam as
suas respectivas formulações sobre o tema.
Honneth postula o reconhecimento como uma categoria moral abrangente que visa à formação
de uma personalidade intacta dos indivíduos no processo de socialização (HONNETH, 2003). Fraser
(2002), por sua vez, propõe um conceito de reconhecimento como status, de inspiração weberiana, que
procura diferenciar-se do reconhecimento como identidade, que ela atribui a Honneth.
No livro escrito em conjunto pelos autores, Nancy Fraser apresenta uma teoria
bidimensional, que abrange reconhecimento de direitos e distribuição de recursos, conferindo a
ambos os elementos pesos iguais. Em sua perspectiva, os elementos reconhecimento e distribuição
podem ser vistos de formas distintas, associando o primeiro ao “cultural” e o segundo, ao “material”.
Ambos os elementos, para a autora, refletem uma questão de justiça social.
Fraser afirma que a sua base normativa é a noção de paridade de participação, definida como
“uma justiça que requer arranjos que permitam todos os membros adultos da sociedade interagirem
como pares” (FRASER, 1997, p. 29).
Em contrapartida, Honneth propõe uma teoria unidimensional, que enfatiza apenas o
reconhecimento. Para ele, a redistribuição seria apenas uma forma de luta pelo reconhecimento.
Enquanto Fraser associa a distribuição ao elemento material, Honneth não reconhece a
possibilidade de o material expressar-se em si, mas apenas por meio do simbólico, representado na
luta pelo reconhecimento. Assim, o autor constrói um elo entre o material e o simbólico, uma vez
que, ao se autorreconhecerem como sujeitos do desrespeito, os indivíduos tornam possível a sua
luta por reconhecimento.
Honneth defende uma “teoria do reconhecimento suficientemente diferenciada”, tratando a
distribuição como decorrência do reconhecimento. Para o autor,

a formulação conceitual do reconhecimento é de central importância hoje,


não porque expressa os objetivos de um novo tipo de movimento social,
mas porque ela tem provado ser uma ferramenta apropriada para
categorialmente desvendar experiências sociais de injustiça como um todo
(HONNETH, 2003, p. 33)

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Ademais, vale ressaltar que, ao tratar de reconhecimento, Honneth refere-se ao
reconhecimento como identidade, atrelado à ideia de que se trata do reconhecimento do outro.
Esse aspecto, segundo o autor, é expressão de uma questão filosófica e psicológica, e não uma
questão social dada fora dos sujeitos. Fraser, por sua vez, entende reconhecimento não como
identidade, mas como mecanismo de superação. Nesta concepção, a redistribuição e o
reconhecimento não são paradigmas filosóficos, mas paradigmas de justiça, que informam as lutas
atuais da sociedade civil.
Ao examinar a polêmica Fraser-Honneth, Céli Pinto afirma que a melhor compreensão da
controvérsia entre os dois autores depende do entendimento acerca da noção de reconhecimento.

Fraser pode distinguir o reconhecimento da distribuição porque não associa


tais noções a atores, mas a princípios de justiça e a remédios, isto é, a políticas
públicas. Honneth, de forma diversa, parte de uma ação do ator que se
autodefine como objeto do reconhecimento. Esta ação exige a presença do
outro; trata-se, pois, de uma relação (PINTO, 2008, p. 43-44).

A despeito dessas divergências, os temas do reconhecimento e da redistribuição continuam


centrais para o debate teórico e político contemporâneo assim como para qualquer projeto voltado
à emancipação humana.

Marcadores da diferença e interseccionalidades


As discussões sobre os marcadores sociais da diferença são relativamente recentes.
Historicamente, essas abordagens têm o seu ponto de referência no “feminismo das diferenças”,
nascido nos Estados Unidos ao longo dos anos 1980. Essa vertente teórica surge como uma crítica
à miopia do feminismo vigente, voltado, segundo formularam diversas autoras, para as mulheres
brancas, anglófonas, heterossexuais, protestantes e de classe média. Essas vozes periféricas se
articulam também para propor uma epistemologia crítica capaz de superar as limitações teóricas
expressas nos binarismos homem/mulher, masculino/feminino, homo/hétero, tomados como
essencializadores e biologizantes.
O feminismo da diferença procura salientar que o sujeito é social e culturalmente constituído
em tramas discursivas nas quais gênero, raça, religião, nacionalidade, sexualidade e geração não são
variáveis independentes, mas se enfeixam de maneira que o eixo de diferenciação constitui o outro
ao mesmo tempo em que é constituído pelos demais. Esse debate avança e no final da década de

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1990 já reúne um escopo considerável de reflexões. Entre as contribuições teórico-conceituais
elaboradas naquele período vale reter as propostas pela feminista e socióloga indiana Avtar Brah.
Para a autora:

Nosso gênero é constituído e representado de maneira diferente segundo


nossa localização dentro de relações globais de poder. Nossa inserção nessas
relações globais de poder se realiza através de uma miríade de processos
econômicos, políticos e ideológicos. Dentro dessas estruturas de relações
sociais não existimos simplesmente como mulheres, mas como categorias
diferenciadas, tais como “mulheres da classe trabalhadora”, “mulheres
camponesas” ou “mulheres imigrantes” (BRAH, 2006, p. 341).

Três dessas propostas serão recortadas para os fins deste texto: a primeira delas é a de se pensar
a articulação dos marcadores sociais da diferença como prática, como um movimento transformador
de configurações relacionais. Opção metodológica que a autora considera mais produtiva do que as
apresentadas pelas grandes teorias, como o marxismo, por exemplo, que deu ênfase à classe em
detrimento de outros marcadores; ou alguns feminismos que encontraram no gênero um poder
explicativo que minimizava outros eixos de diferenciação constitutivos dos sujeitos.
Marcadores sociais da diferença podem ser entendidos como a classificação e diferenciação
de determinados indivíduos de forma estigmatizada.
A desigualdade entre homens e mulheres foi desafiada pela ideia de que a categoria mulheres
não poderia ser vista como um corpo monolítico, em que todas fossem iguais, independentemente
da raça, cor, etnia, idade, etc.
A primeira mulher a explicitar publicamente uma preocupação com a desigualdade de gênero
em uma perspectiva racial foi a escritora, ativista e abolicionista afro-americana Sojourner Truth. Em
1851, ela participou da Convenção dos Direitos da Mulher, em Ohio, nos Estados Unidos, e proferiu
um discurso histórico intitulado “E eu não sou uma mulher?”. Nesse discurso, ela questionava a
universalização da categoria mulher, dilema próprio do feminismo hegemônico. A sua narrativa era
uma forma de apontar para a invisibilidade que atingia as mulheres negras. Portanto, ela destacava a
necessidade de se perceberem as várias possibilidades de ser mulher, levando em conta as outras
intersecções como raça, orientação sexual, identidade de gênero e classe social.
O grupo feminista negro norte-americano Combahee River Collective (1977) entendia que
o movimento encabeçado pelas mulheres negras era necessário para que se pudesse “combater as
opressões simultâneas e múltiplas que enfrentam todas a mulheres de cor”, além de ser uma saída
para a extinção da pressão racial-sexual, pois “não existe uma coisa tal como uma opressão racial-
sexual que não seja somente racial ou somente sexual”.

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Essa preocupação em compreender as múltiplas formas de opressão impostas a algumas
mulheres – no caso, as mulheres negras – lançou as bases para uma ferramenta teórico-metodológica
que, mais de um século depois, passaria a ser conhecida como interseccionalidade.
Para Carla Akotirene (2019, p. 18), esse conceito é uma “sensibilidade analítica, pensada por
feministas negras” cujas experiências e reivindicações não eram observadas tanto pelo feminismo
branco quanto pelo movimento antirracista, focado nos homens negros.
O uso desse termo foi cunhado e utilizado metodologicamente pela primeira vez em 1989,
pela jurista estadunidense, Kimberlé Crenshaw, com a publicação do artigo “Demarginalizing the
intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory
and antirracist politics”. A ideia original de Crenshaw era que mulheres negras sofriam
discriminação de gênero e racial, ao mesmo tempo, no âmbito do trabalho. Tratava-se de uma
opressão com múltiplas faces, fazendo uma analogia com um cruzamento em uma estrada
(intersection). Ou seja, a via da raça não era independente da via do gênero: a mulher negra vivia
esse entrecruzamento na sua experiência, que não se resumia à soma de opressões individualmente
consideradas. O direito antidiscriminatório nos Estados Unidos à época, argumentava Crenshaw,
falhava em apreciar a intersecção, deixando social e juridicamente desassistidas mulheres negras
discriminadas nas relações de trabalho.
Segundo a autora, a interseccionalidade possibilita enxergar a colisão das estruturas, a
interação simultânea das opressões, além do fracasso do feminismo em contemplar mulheres negras,
já que ele reproduz o racismo.
Ferramenta teórico-analítica pensada por feministas negras, os estudos sobre a
interseccionalidade enfatizam o modo como a interação das opressões de gênero e raça impacta a
vida de mulheres negras (COLLINS, 2020; AKOTIRENE, 2019; CARNEIRO, 2009 e 2011;
HOOKS, 2015; GONZALES, 1984).
Nas palavras de Akotirene (2019, p. 19):

A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à


inseparabilidade do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado –
produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas
vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe,
modernos aparatos coloniais.

Sirma Bilge sintetiza o conceito de interseccionalidade, ao entendê-lo como uma “teoria


transdisciplinar que visa apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por
intermédio de um enfoque integrado” (BILGE, 2009, p. 70). Para a autora, o “enfoque
interseccional vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que
opera a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das
desigualdades sociais” (BILGE, 2009, p. 70).

17
Interseccionalidade é, portanto, “abordagem que afirma que os sistemas de raça, classe social,
gênero, sexualidade, etnia, nação e idade são características mutuamente construtivas de organização
social que moldam as experiências das mulheres negras e, por sua vez, são formadas por elas”
(COLLINS, 2019, p. 460). Ela afirma, ainda, esse fenômeno caracteriza-se por um “sistema de
opressão interligado”.

O que é diversidade no contexto escolar?


Após estudar os principais conceitos relacionados à noção de diversidade, tais como diferença,
desigualdades, reconhecimento, redistribuição, finalmente chegou a hora de entender o que
significa falar em diversidade no contexto educacional.
Para começar, observe as imagens a seguir.

Você já deve ter-se deparado com representações como essas em algum livro didático, em
materiais e informes publicitários e até mesmo em programas de televisão. As imagens de crianças
representando diferentes grupos étnico-raciais e crianças com necessidades especiais de mãos dadas

18
revelam a intenção de mostrar que pessoas diferentes podem conviver bem umas com as outras. Isso
reforça o valor das diferenças e de sociedades plurais, onde todas as pessoas estariam incluídas e
integradas, independentemente da sua origem social, raça, cor, etnia, gênero, identidade e
orientação sexual. Com isso, pretende-se mostrar o respeito ao diferente e à valorização do outro.
No âmbito educacional, essas imagens exercem também grande influência, pois representam
uma ideia de educação inclusiva, capaz de valorizar as diferenças e propor valores como respeito e
tolerância. Exercitar o respeito aos traços peculiares do outro é uma tarefa árdua, que precisa ser
praticada a todo momento em qualquer ambiente, incluindo as escolas.
Quando pensamos em formar pessoas para se tornarem cidadãos, logo lembramos do
ambiente escolar. Este é, por excelência, o lugar onde as pessoas aprendem valores sociais e
conteúdos curriculares, mas também aprendem a interagir com pessoas e a se relacionar com o
mundo. Dentro desse contexto, a educação infantil tem lugar de ainda mais destaque.
Segundo Ana Lúcia Goulart de Faria (2006, p. 87),

neste espaço da sociedade vivemos as mais distintas relações de poder:


gênero, classe, idade, étnicas. Desse modo é necessário estudar as relações
no contexto educativo da creche e pré-escolas onde confrontam-se adultos
– entre eles, professor/a, diretora, cozinheira, guarda, pai, mãe, secretário/a
de educação, prefeito/a, vereador/a, etc. –, confrontam-se crianças, entre
elas: menino, menina, mais velha, mais nova, negra, branca, judia, com
necessidades especiais, pobre, rica, de classe média, católica, umbandista,
ateia, “café com leite”, “quatro olhos”, etc.; e confrontam-se adultos e
crianças – a professora e as meninas, a professora e os meninos, o professor
(percentual bastante baixo, mas existente e com tendência a lento
crescimento) e os meninos, o professor e as meninas, o professor e a mãe
da menina.

Por isso, esse é um espaço propício para se pensar como lidar com as diferenças entre as
pessoas, ensinar valores como o respeito à diversidade e ao diferente. Não é só na educação infantil
que isso acontece, mas ao longo de toda a vida escolar, seja no ensino fundamental, médio e, quiçá,
no ensino superior, por isso o objetivo deste curso é pensar a diversidade no ambiente escolar.
E o que isso significa? Considerando a noção de diversidade entendida como a
heterogeneidade de culturas, desse ponto de partida avançamos na construção do que é diversidade
no ambiente educacional e como ela pode ser desenvolvida nos bancos escolares.
A integração de minorias sociais, étnicas e culturais no contexto escolar pressupõe a
construção de uma educação multicultural. A busca de um currículo capaz de assimilar diferentes
culturas está associada a um problema mais amplo, objeto deste curso: a capacidade de a educação
lidar com a diversidade.

19
Mas o que significa promover uma educação multicultural? O conceito de multiculturalismo
em educação refere-se a acepções que podem ter objetivos muito diversos. Segundo Sacristán
(1995), a educação multicultural pode ser empregada para reduzir os preconceitos de uma sociedade
para com algumas minorias étnicas; pode ser instrumentalizada para que a cultura dominante
assimile a cultura minoritária que tem menos oportunidades no sistema educacional; pode ser usada
para formular programas de ensino diferenciados para incluir diversos setores culturais de uma
sociedade, entre outros.
Uma das principais motivações para um ensino multicultural concerne à preocupação em
integrar grupos minoritários ou minorizados procedentes de outras culturas no sistema social, por
meio da educação, sem eliminar a cultura de procedência. A ideia é que isso seja realizado em um
sistema educacional único com um currículo comum para permitir uma real integração, ou ao
menos uma tentativa.
Uma ressalva, porém, é necessária: a pretensão de se criar um currículo capaz de abordar uma
visão multiétnica e multicultural pode ser vista, tanto pela cultura dominante como pelas culturas
dominadas, como uma ameaça à própria identidade que creem dever preservar. Essa visão multiétnica
e transcultural “afeta a identidade cultura e nacional de grupos e povos inteiros” (SACRISTÁN, 1995,
p. 93), por isso a tarefa de pensar a diversidade nesses ambientes não é simples.

Diversidade na política educacional brasileira


A inclusão em educação é fundamental para minimizar a exclusão no sistema educativo
brasileiro, e vai muito além da integração de pessoas com deficiência. Mônica Pereira dos Santos
afirma que, no campo da educação, “a inclusão chegou para reafirmar o maior princípio já
proposto internacionalmente: o princípio da educação de qualidade como um direito de todos”
(SANTOS, 2009).
A busca por uma educação voltada para a incorporação da diversidade cultural no cotidiano
pedagógico foi identificada nos anos 1980 e 1990, quando houve um progressivo reconhecimento
das diferentes culturas presentes no tecido social brasileiro e um forte questionamento do mito da
democracia racial (CANDAU; ANHORN, 2000, p. 2).
Esse movimento decorre da emergência de movimentos sociais protestando contra o regime
militar, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980. Os diferentes movimentos identitários
– negros, feministas, indígenas, homossexuais e outros –, reivindicavam o acesso aos direitos iguais,
apontando para a necessidade de se produzirem imagens e significados novos e próprios,
combatendo os preconceitos e estereótipos que justificavam a inferiorização desses grupos
(GONÇALVES; SILVA, 2003, p. 113).
A década de 1990 também foi marcada por um contexto reivindicatório em que diferentes
movimentos sociais denunciaram as práticas discriminatórias presentes na educação e exigiram
mudanças. A partir de então, a referência à diversidade passou a ser cada vez mais presente no

20
contexto político brasileiro, motivada pela pressão internacional de cumprimento dos acordos
internacionais de combate às desigualdades raciais, de gênero e outras, bem como por um contexto
interno de intensas reivindicações
A temática da diversidade tornou-se também nesse período um tema transversal do ponto de
vista curricular. Uma educação voltada para a incorporação da diversidade cultural no cotidiano
pedagógico tem emergido em debates e discussões nacionais e internacionais, buscando questionar
pressupostos teóricos e implicações pedagógicas e curriculares de uma educação voltada à
valorização da identidade múltipla no âmbito da educação formal.
Segundo Gonçalves e Silva (2003, p. 120),

tendo em vista que a cultura e sua transmissão contam, nas sociedades


contemporâneas, com poderoso suporte dos sistemas educacionais
(sistemas estes que consomem grande parte da vida dos indivíduos) e como
a educação, qualquer que ela seja, está integralmente centrada na cultura,
pode-se entender porque os multiculturalistas fizeram da instituição
escolar seu campo privilegiado de atuação.

O documento sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) é apresentado


como um currículo mínimo de conteúdos a serem ofertados no sistema educacional. Cabe destacar
as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais como uma política educacional dirigida para
uma educação na perspectiva da diversidade. Logo de início, o documento afirma que a educação
deve ser voltada para a cidadania, os vários termos como ética, meio ambiente, saúde, orientação
sexual, trabalho e consumo e pluralidade cultural são tratados como temas a serem incorporados,
seguindo uma conexão entre a realidade social dos estudantes e os saberes teóricos, aos campos
gerais do currículo.
O termo Pluralismo Cultural analiticamente é relativo às comunidades ou grupos diversos
que compartilham um espaço comum. Essas comunidades se diferenciam por religiões, línguas,
tradições, entre outros componentes que são interpretados como diversidade de culturas. Como
componente da diversidade, o texto ressalta o reconhecimento das diversas etnias e grupos migrantes
no País, como diversidade “etnocultural” (BRASIL, 1997, p. 117). Essa pluralidade é composta de
características interpretadas como étnicas e culturais, que, eventualmente, em dado contexto
causam desigualdades socioeconômicas, destacando que a diversidade implica uma livre expressão
das suas culturas.
Segundo o documento, o ensino da cultura na sua pluralidade deve atuar em três frentes:
conhecimento das culturas, reconhecimento social da diversidade cultural e combate à exclusão
social, fundamentados nos princípios da democracia e da igualdade social. Esse documento destaca
a postura do Estado brasileiro em reconhecer a existência da diversidade cultural e que esta deve ser
tomada no seu sentido pleno, embora seja indicada como um tema pontual a ser inserido no

21
currículo geral. Ou seja, todo o debate sobre as diferenças/diversidade foi realizado pela clave da
cultura, como se a cultura fosse a chave que abrisse todas as portas da compreensão e da
possibilidade de resolução dos conflitos a partir da aceitação, trocas ou diálogos culturais (BRASIL,
1997, p. 90-91).
De modo geral, os desafios da escola no que diz respeito à diversidade podem ser sintetizados
no seguinte trecho:

O grande desafio da escola é reconhecer a diversidade como parte


inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada
por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural
brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e
valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade.
Nesse sentido, a escola deve ser local de aprendizagem de que as regras do
espaço público permitem a coexistência, em igualdade, dos diferentes
(BRASIL, 1997).

Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação destaca, no seu art. 26, que os currículos
da educação básica – que compreende o ensino, fundamental e médio – “devem ter base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por
uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e dos educandos” (grifos nossos).
Como se viu, desde o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que elegeram a
pluralidade cultural como um dos temas transversais (BRASIL, 1997), o reconhecimento da
multiculturalidade e a perspectiva intercultural ganharam grande relevância social e educacional
(FLEURI, 2003, p.16).
O desenvolvimento do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI),
as políticas afirmativas raciais e das minorias étnicas, as diversas propostas de inclusão de pessoas
portadoras de necessidades especiais na escola regular e a ampliação e reconhecimento dos
movimentos de gênero mostram a incorporação da diversidade e do multiculturalismo nas políticas
públicas de forma geral e, em especial, nas políticas educacionais brasileiras, por essa razão daremos
seguimento ao debate sobre algumas dessas “diversidades” nos módulos seguintes.

22
MÓDULO II – DIVERSIDADE DE GÊNERO E
SEXUALIDADES

Ainda hoje, milhares de meninas são impedidas de frequentar escolas e ter acesso à educação
em determinadas regiões do globo, por exemplo, no Paquistão e no Afeganistão. Prática corriqueira
em diversos países é o casamento infantil, definido como uma união formal ou informal antes dos
18 anos de idade pela Organização das Nações Unidas (ONU), que afeta principalmente as
meninas.4 Situações como essas, em geral, decorrem da fragilidade dos direitos das meninas e
mulheres a educação, saúde, profissionalização, emprego, mobilidade e segurança, entre outros.5
Casos de mutilação genital feminina, concentrados principalmente em países da África e do Oriente
Médio, também fazem parte da realidade de cerca de 200 milhões de meninas e mulheres.
Alarmantes são os níveis de violência contra a mulher: cerca de 50% das mulheres assassinadas
em todo o mundo são vítimas dos cônjuges ou de homens da família. Mesmo diante desse cenário,
ainda há diversos países que não contam com leis que punem a violência contra a mulher no âmbito
familiar, concentrados na África Subsaariana, no Oriente Médio e no Norte da África.6
A violência física e psicológica não afeta apenas as mulheres, mas também pessoas LGBT+,
isto é, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. De acordo com relatório do Grupo Gay da Bahia, em
2018 morreram no Brasil 420 LGBT+ vítimas da homolesbotransfobia: 320 homicídios (76%) e

4
Cf. estudo do Banco Mundial. Casamento na infância e adolescência: a educação das meninas e a legislação brasileira.
Disponível em: <http://documents1.worldbank.org/curated/pt/657391558537190232/pdf/Casamento-na-Inf%C3%A2ncia-
e-Adolesc%C3%AAncia-A-Educa%C3%A7%C3%A3o-das-Meninas-e-a-Legisla%C3%A7%C3%A3o-Brasileira.pdf>.
5
Segundo dados da pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Situação Mundial da Infância 2016, com
dados levantados a partir de pesquisas de indicadores múltiplos e outros indicadores formulados e aplicados pelo
organismo em nível mundial. Disponível em: <https://plan.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Tirando-o-veu-estudo-
casamento-infantil-no-brasil-plan-international.pdf>.
6
Cf. CASTILLO, Elisa. A violência contra as mulheres no mundo em quatro mapas. El País, 24 nov. 2017. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/22/internacional/1511362733_867518.html>.
100 suicídios (24%), o que coloca o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias
sexuais, superando a quantidade de homossexuais e transexuais mortos nos 13 países do Oriente e
da África, onde há pena de morte contra os LGBT+.7
Ou seja, os dados revelam que pessoas ainda são mortas hoje no Brasil e no mundo pelo
simples fato de serem quem são, pelo simples fato de terem um corpo de mulher, por expressarem
o seu afeto por pessoas do mesmo sexo ou por terem uma identidade de gênero diferente do que é
considerado “normal”. Quando não são mortas, algumas são atacadas de forma violenta por
desafiarem o modelo vigente e lutarem por direitos básicos, como é o caso de Malala Yousafzai,
ativista laureada com o Prêmio Nobel da Paz, que lutava pelo acesso à educação na sua província
no nordeste do Paquistão, onde os talibãs locais impedem as jovens de frequentar a escola.
Todas essas formas de violação de direitos humanos retratam situações de violência de gênero
e identidade sexual, mas, afinal, o que significa gênero? O que é transgênero, cisgênero e transexual?
Como essas denominações são percebidas em uma sociedade e quais as implicações para cada grupo?

Conceitos de gênero
Como vimos no módulo 1, gênero é um marcador social da diferença. É com base nas
variadas concepções de gênero que se estruturam teorias capazes de compreender as relações sociais
que se estabelecem entre as pessoas e os papéis sociais atribuídos a cada uma delas, a depender das
características do seu gênero. Assim, mais do que uma categoria analítica, o gênero é uma premissa
teórica de que as relações sociais de gênero constituem uma variável relevante para a compreensão
da realidade e da estrutura social.
A noção de gênero tem protagonizado intensos debates na academia, no discurso político,
nos movimentos sociais e na mídia, e continua sendo um termo em disputa por diversas correntes
teóricas, que apresentam um amplo repertório de conceituações possíveis, cada qual com
perspectivas muito diferentes a respeito do que se entende por gênero.
De forma geral, porém, é possível afirmar que o conceito de gênero foi desenvolvido por
teóricas feministas para se contrapor à noção de sexo biológico. Enquanto o sexo é considerado um
atributo natural capaz de explicar a diferença que marca as relações entre homens e mulheres, o
gênero, por sua vez, é visto como uma construção social dessa diferença, e é, sobretudo, relacional
e historicamente situado (SCOTT, 1989).
Como dito acima, o conceito de gênero foi desenvolvido para se opor ao chamado
determinismo biológico, teoria usada para justificar as desigualdades entre homens e mulheres em
todos os espaços da vida social, incluindo a família, o ambiente de trabalho, a política e as

7
Cf. Relatório População Morta no Brasil, elaborado pelo Grupo Gay da Bahia em 2018 (GGB). Disponível em:
<https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-
bahia.pdf>.

24
instituições de ensino. Embora ainda não fizesse menção ao termo “gênero”, a escritora inglesa
Mary Wollstonecraft (1759-1797) é uma das primeiras mulheres a expor as diversas facetas da
discriminação de gênero e já desafiava o determinismo biológico. No seu livro Vindicação dos direitos
da mulher, publicado originalmente em 1792, afirmou que, se as mulheres eram vistas como fracas,
“incapazes de se manterem sozinhas”, passivas e “objetos insignificantes de desejo”
(WOLLSTONECRAFT, 1982, p. 81-83), isso se devia não às capacidades naturais das mulheres,
mas à falta de oportunidades educacionais para elas e ao confinamento no ambiente doméstico.
Reforçando as ideias de Wollstonecraft, o filósofo e economista político John Stuart Mill
(1806-1873) defende a igualdade legal e social entre homens e mulheres. Em ensaio publicado em
1869, The Subjection of Women, ele afirma que “a subordinação legal de um sexo ao outro” é “errada
em si mesma, e agora um dos principais obstáculos ao aprimoramento humano” (MILL, 1980, p. 1).
Quase um século depois, a filósofa feminista Simone de Beauvoir (1908-1986) apresenta uma
das mais conhecidas críticas ao determinismo biológico, ao rejeitar a ideia de que os indivíduos
“nascem” homens e mulheres. No seu livro O segundo sexo, publicado em 1949, Beauvoir
desenvolveu uma teoria que nega a existência de características essenciais à mulher – “ninguém
nasce mulher” –, ao considerar que as mulheres se tornam mulheres aos olhos da sociedade
mediante a introjeção de atributos considerados femininos ao longo do processo de socialização –
“torna-se mulher”.
Nas suas palavras:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,


psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio
da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um
Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como
sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é,
primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que
efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das
partes sexuais que apreendem o universo (BEAUVOIR, 1980, p. 9).

É somente após a segunda metade do século XX que o termo gênero passa a ser empregado
pelas feministas com o sentido de construção social acerca do que é ser homem e mulher. Segundo
Haraway, o psicanalista Robert Stoller (1924-1991) foi um dos precursores da sua utilização, ao
falar de gênero para se referir aos diferentes papéis que as culturas atribuem a homens e mulheres
em oposição ao sexo, que se referiria tanto às características biológicas, quanto às diferenças
genéticas, hormonais, anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres (HARAWAY, 2004).

25
Essa distinção permite que um mesmo indivíduo tenha um sexo que não coincide com o
respectivo gênero, expresso pelo seu comportamento, pelas suas características pessoais, pela sua
forma de se colocar perante o mundo, etc. Além disso, com a emergência dos estudos sobre a
sexualidade, essa distinção se mostrou útil por permitir dissociar a prática sexual dos papéis sociais
atribuídos a homens e mulheres; gênero coloca a ênfase no sistema de relações que até pode incluir
o sexo, mas não é por ele diretamente determinado, nem determina diretamente a sexualidade
(SCOTT, 1989, p. 7).
Assim, o termo gênero costuma ser usado para denotar as capacidades, habilidades e
atitudes diferentes que as culturas associam à masculinidade e à feminilidade, formando
estereótipos sociais do masculino e do feminino, bem como o papel que esses estereótipos
desempenham na formação da identidade dos homens e das mulheres de uma dada sociedade
(ARAUJO, 2012, p. 59). Essas características, atitudes e habilidades são consideradas e
reconhecidas como masculinas ou femininas por um “ato de atribuição de valor simbólico”
(SEARLE, 1997) engendrado coletivamente.
O problema que se coloca é que, ao naturalizarmos certas habilidades ou características e as
percebermos como inatas aos seres, passamos a compreendê-las como imutáveis. Na verdade, o que
ocorre é que determinados papéis de gênero são atribuídos externamente a pessoas, as quais, dotadas
de consciência, interiorizam padrões culturais na sua psique ao longo da socialização.
Segundo Haraway (2004, p. 205), a primeira autora que tratou gênero como uma construção
cultural criada com liberdade, sem condicionamento biológico, nos termos de Araujo (2012, p.
64), foi a antropóloga Gayle Rubin, no ensaio “O tráfico de mulheres: notas sobre a economia
política do sexo”, publicado originalmente em 1985. Pautada em uma perspectiva construtivista,
ela analisa as causas da subordinação das mulheres.
A partir da análise do ritual da “troca de mulheres” feita por um grupo para realizar alianças com
outros – prática comum em algumas tribos – Rubin sustenta que a organização social do sexo repousa
em três pilares: o gênero, a heterossexualidade compulsória e a coerção da sexualidade feminina. Para a
autora, o gênero não existe naturalmente: ele é produzido por meio da atividade social, por meio do que
ela chama de sistema sexo-gênero, que transforma machos e fêmeas (o sexo) em homens e mulheres
(gênero) a partir da atribuição de diferenças de gênero que vão além da diferença biológica; e reprime
em cada gênero os traços de personalidade característicos do gênero oposto.
Já a heterossexualidade compulsória faz com o que o gênero não seja apenas relativo à
identidade, como também a quem o desejo sexual de cada um se direciona. Dessa forma, a raiz do
sexismo e da homofobia seria a mesma. Por fim, há a coerção da sexualidade feminina, que facilita as
trocas fazendo com que esta corresponda aos desejos daqueles que detêm o poder (RUBIN, 1993).
A historiadora inglesa Joan Scott inseriu-se com destaque no debate sobre o que é gênero com
o seu artigo “Gênero, uma categoria útil de análise histórica”, publicado em 1989. Nele, Scott
propõe que relações de gênero sejam compreendidas levando em conta os seus contextos históricos
e sociais próprios. Com base na crítica ao determinismo biológico, ela entende que não é necessário

26
encontrar uma “causalidade geral e universal” (SCOTT, 1989, p. 20) da desigualdade de gênero,
mas uma explicação significativa, tanto da formação dos sujeitos “masculinos” e “femininos” quanto
das organizações sociais em que se inserem.
Além disso, Scott considera importante “substituir a noção de que o poder social é unificado,
coerente e centralizado por alguma coisa [...] próxima do conceito foucaultiano de poder, entendido
como constelações dispersas de relações desiguais constituídas pelo discurso” (SCOTT, 1989, p.
20). Ou seja, ao invés de se pensar em um poder único responsável pela desigualdade, é mais
adequado investigar os diversos “poderes” existentes nas relações interpessoais e entendê-los de
acordo com o contexto dessas relações.
Scott também critica o binarismo de gênero, presente em várias das teorias sobre a
desigualdade de gênero. Esse fenômeno consiste na construção social de uma oposição binária entre
masculino e feminino e entre comportamentos, personalidades e inclinações de homens e mulheres,
perpetuada como um “aspecto permanente da condição humana” (SCOTT, 1989, p. 17).
Joan Scott sustenta que o binarismo de gênero traz consigo uma visão hierárquica que impõe
o masculino como superior. Para ela, as análises sobre desigualdades de gênero deveriam questionar
essa oposição, pois tomá-la como natural significa endossar a ideia de que o homem seria
hierarquicamente superior à mulher. Quando não se aceita o binarismo de gênero como natural, é
possível compreender melhor os arranjos de gênero presentes em outros períodos e outras culturas.
A antropóloga nigeriana Oyèrónkẹ Oyěwùmí mostra que a cultura yorubá, por exemplo, não
corresponde ao pressuposto de que as culturas “organizam seu mundo social segundo uma
percepção dos corpos humanos [...] como macho e fêmea” (OYĚWÙMÍ, 1998, p. 1053). A base
da organização social yorubá é a idade relativa: por exemplo, os seus pronomes não são flexionados
por gênero, e, sim, por idade, indicando quem na conversa é mais velho ou mais jovem.
Há outras sociedades que possuem três, quatro ou mais gêneros, aos quais são atribuídos
significados distintos dos da cultura ocidental. Os mähü do Havaí podem ser homens, mulheres ou
pessoas de “gênero indeterminado” (LLOSA, 2010). Os dineh do sudoeste americano possuem
quatro gêneros: mulher feminina, homem feminino, mulher masculina e homem masculino
(ESTRADA, 2011). Já nas culturas Zapotec, do sul do México, é comum a existência das muxes:
vistas como um terceiro gênero (CHIÑAS, 1995), são pessoas que foram consideradas homens no
nascimento e que se vestem e se comportam de acordo com padrões tradicionalmente percebidos
como femininos.
A partir das críticas ao determinismo biológico e ao binarismo de gênero, Scott aponta quatro
elementos que devem ser levados em conta em qualquer estudo que se proponha a investigar o papel
do gênero nas relações sociais.
O primeiro é o conjunto de símbolos disponíveis culturalmente, que evocam múltiplas e
contraditórias representações simbólicas sobre gênero.
O segundo elemento são os conceitos normativos, que prescrevem determinadas
interpretações daqueles símbolos e opõem – de forma binária – a ideia de masculino e feminino.

27
Tais normas costumam ser adotadas pela sociedade como se fossem consensos. É possível tomar como
exemplo a representação feminina na Bíblia católica: Eva e Maria são consideradas alegorias –
símbolos culturalmente disponíveis – sobre o caráter da mulher mesmo que tenham significados
opostos. Enquanto Maria é vista como pura e santificada, Eva é vista como impura e pecadora.
Embora os papéis exercidos por cada figura na mitologia católica pudessem ser interpretados de outra
forma, foi essa a interpretação que se consolidou historicamente, principalmente pelo papel exercido
pela Igreja Católica. Ao fixar uma interpretação como “correta”, cria-se um conceito normativo que,
por oposição, nega a possibilidade de interpretações alternativas, vistas como “erradas”.
O terceiro elemento listado pela autora é a permanência da representação binária dos gêneros:
isto é, a história é interpretada socialmente de forma a sugerir que os papéis de gênero vigentes em
um dado momento seriam naturais e imutáveis. Um exemplo é a prescrição da “restauração do
papel ‘tradicional’ das mulheres, supostamente mais autêntico, embora haja na realidade poucos
antecedentes históricos que testemunhariam a realização inconteste de tal papel” (SCOTT, 1989,
p. 22). Ou seja, a história é interpretada de forma a sugerir que as mulheres sempre desempenharam
o mesmo papel, mesmo que existam inúmeras evidências que desmintam essa visão. Por exemplo,
Williams (2000, p. 21) comenta que, antes do século XIX, era comum que mulheres
desempenhassem funções hoje consideradas masculinas: elas trabalhavam como barbeiras,
açougueiras, sapateiras, ferreiras e mestres-cervejeiras.
Por fim, o quarto e último elemento é a identidade subjetiva das pessoas, as quais são
construídas não sempre da mesma forma, mas a partir de relações sociais que se dão historicamente,
relacionadas a determinadas “atividades, organizações sociais e determinadas representações
culturais” (SCOTT, 1989, p. 1068). Ou seja, “sentir-se”, ou considerar-se, “homem” ou “mulher”
não é algo que depende de um desenvolvimento psicológico universal aos seres humanos de cada
sexo, mas das relações sociais específicas travadas entre eles.
Com base nessas observações, Scott propõe a sua própria definição sobre o que é gênero. Par
ela, gênero é “elemento constitutivo de relações sociais” e categoria utilizada para “significar as relações
de poder” (SCOTT, 1989, p. 20). Ou seja, de um lado, por meio de interações sociais, são construídas
percepções sobre gênero. Estas são então usadas para dar sentido àquelas mesmas interações.
De outro lado, o segundo papel desempenhado pelo gênero está ligado aos conceitos
normativos criados sobre as percepções acima. Com isso, a associação “masculino-superior,
feminino-inferior” é estendida analogicamente a outros contextos, ainda que pouco relacionados a
gênero. Em outras palavras, se a diferença sexual entre homens e mulheres é concebida em termos
de dominação e de controle, contextos que também envolvem situações de poder são tratados como
se envolvessem relações entre feminino e masculino.

28
Na sociedade ocidental, por exemplo, a força e a autoridade foram historicamente
identificadas como masculinas, enquanto os inimigos e a fraqueza são associados ao feminino:

A articulação do conceito de classe no século XIX baseava-se no gênero.


Quando, por exemplo, na França os reformadores burgueses descreviam
os operários em termos codificados como femininos (subordinados, fracos,
sexualmente explorados como as prostitutas), os dirigentes operários e
socialistas respondiam insistindo na posição masculina da classe operária
(produtores fortes, protetores das mulheres e das crianças). Os termos desse
discurso não diziam respeito explicitamente ao gênero, mas eram
reforçados na medida em que faziam referência a ele. A codificação de
gênero de certos termos estabelecia e “naturalizava” seus significados”
(SCOTT, 1989, p. 26-27)

Contudo, a autora mostra que as nossas ideias preconcebidas sobre gênero estão sujeitas a
constantes disputas políticas e reformulações na história. Reconhecer interpretações alternativas
historicamente negadas e reprimidas desse conceito ajuda a questionar os sensos comuns e
estereótipos construídos sobre conceitos normativos.
Da mesma forma, o surgimento de novos símbolos culturais pode mudar os significados até
então atribuídos às relações de gênero. Para ela, tais questionamentos farão

emergir uma história que oferecerá novas perspectivas a velhas questões


(por exemplo, como é imposto o poder político, qual é o impacto da guerra
sobre a sociedade), redefinirá as antigas questões em termos novos, [...]
tornará as mulheres visíveis como participantes ativas e estabelecerá uma
distância analítica entre a linguagem aparentemente fixada no passado e
nossa própria terminologia (SCOTT, 1989, p. 29).

Para Joan Scott, a utilização do gênero como categoria de análise histórica sempre traz consigo
um caráter político:

[E]ssa nova história abrirá possibilidades para a reflexão sobre as estratégias


políticas feministas atuais e o futuro (utópico) porque ela sugere que o
gênero tem que ser redefinido e reestruturado em conjunção com a visão
de igualdade política e social que inclui não só o sexo, mas também a classe
e a raça (SCOTT, 1989, p. 29).

29
Até o momento, as duas autoras mencionadas acima – Gayle Rubin e Joan Scott –
trabalharam com a distinção clássica entre sexo (natural) e gênero (socialmente construído). Embora
elas não considerem o sexo como um dado biológico universal e irreversível, essa distinção continua
sendo bastante utilizada nos seus textos fundamentais.
A filósofa Judith Butler, por sua vez, vai além e procura desconstruir a dicotomia sexo-gênero.
No seu livro “Problemas de gênero” (1990), ela afirma que o próprio sexo é socialmente construído.
Para Butler (2003, p. 25), “o gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural
de significado num sexo previamente dado [...] tem de designar também o aparato mesmo de
produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos”.
Embora tenha sido pioneira ao aprofundar essa discussão em vários aspectos, as ideias de
Butler se inserem em uma discussão iniciada anteriormente. Além do tratamento relativamente
incipiente dado à natureza da dicotomia sexo-gênero por Gayle Rubin, Joan Scott e outras teóricas
feministas, é importante chamar atenção ao filósofo francês Michel Foucault (1926-1984). No seu
livro “História da sexualidade” (1976), Foucault analisou “os modos pelos quais o sexo e a
sexualidade são construídos ao longo do tempo e das culturas” (SALIH, 2012, p. 19). Além disso,
é importante citar a obra de Eve Sedgwick (1950-2009), “Epistemologia do armário”, lançada em
1990, que levanta discussões similares.
De obras como a de Sedgwick e de Butler surgiu o que se chama de teoria queer: uma “aliança
(às vezes, incômoda) de teorias feministas, pós-estruturalistas e psicanalíticas que fecundavam e
orientavam a investigação que já vinha se fazendo sobre a categoria do sujeito” (SALIH, 2012, p.
19). A palavra queer originalmente significava “estranho” ou “esquisito”, e era usada como ofensa
dirigida a pessoas homoafetivas. A teoria e o movimento LGBT retomaram o termo como forma
de identificar de pessoas consideradas pela sociedade como “subversivas” devido à sua expressão de
gênero distinta daquela socialmente prescrita.
Salih (2012, p. 20) distingue a teoria queer de outros campos da seguinte forma:

Enquanto os estudos de gênero, os estudos gays e lésbicos e a teoria


feminista podem ter tomado a existência de “o sujeito” (isto é, o sujeito
gay, o sujeito lésbico, a “fêmea”, o sujeito “feminino”) como um
pressuposto, a teoria queer empreende uma investigação e uma
desconstrução dessas categorias, afirmando a indeterminação e a
instabilidade de todas as identidades sexuadas e generificadas.

Portanto, Butler, uma das mais proeminentes teóricas queer, rejeitou o essencialismo – a
suposição de que a identidade humana é fixa e possui alguma “essência” primordial – e colocou-se,
assim como Rubin e Scott, dentro da tradição construtivista dos estudos sobre gênero. O seu
objetivo, contudo, não é encontrar os motivos da opressão da mulher a partir da investigação

30
antropológica, como Rubin, ou a partir do estudo da história, como Scott: a ideia aqui é descrever
os processos pelos quais o discurso e a linguagem constroem a identidade dos indivíduos.
Para fazer essa descrição, Butler empresta o método de análise “genealógica” de Foucault.8
Analisar o sujeito por meio dessa lente significa considerá-lo não como imutável, mas, sim, como
um ser dinâmico, criado a partir de instituições, discursos e práticas em determinados contextos e
situações específicos, e mais: partindo da premissa levantada anteriormente por Beauvoir de que
“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, “ser mulher” (o gênero) não seria algo que “somos”,
mas, sim, algo que “fazemos” (BUTLER, 1990, p. 25). O gênero, visto dessa forma, é um processo
que não tem origem nem fim: é um ato ou sequência de atos – um “fazer” – que ocorrem necessária
e continuamente, como uma performance em um palco teatral.
Contudo, isso não significa que essa performance seja realizada segundo a livre escolha do
“ator”: pelo contrário, esses atos são repetidos no interior de um quadro com regras bastante rígidas
(BUTLER, 1990, p. 33), que determinam quais performances serão aceitas e quais serão rejeitadas
socialmente. O gênero, portanto, deixa de ser uma elaboração da cultura sobre algo natural, e passa
a ser colocado pela autora como um conjunto de normas relativas à performance de um corpo,
necessárias para que uma pessoa seja culturalmente viável e inteligível e legitimada pela afirmação
de um sexo biológico anterior à cultura. Para ela, “o gênero aparece como uma pré-condição para
produzir e sustentar uma humanidade que se possa decifrar” (BUTLER, 2006, p. 14).
Há uma “ordem compulsória”, ou “matriz heterossexual”, que se reproduz socialmente de
forma a parecer natural, baseada na imposição da concordância entre sexo, gênero e orientação
sexual, com a heterossexualidade prescrita como “padrão” a todos. Segundo essa ordem, quando
um bebê nasce, a presença de um pênis, por exemplo, determinaria a sua inclusão em uma categoria,
a “masculina”, que determina o pertencimento a um determinado gênero (“homem”) e a aquisição
de uma orientação sexual específica (heterossexual).
Essa ordem determina um “cenário constritivo” para se fazer gênero:

Considerar o gênero como uma forma de fazer, uma atividade incessante


performada, em parte, sem o saber e sem a própria vontade, não implica
que seja uma atividade automática ou mecânica. Pelo contrário, é uma
prática de improvisação em um cenário constritivo. Ademais, o gênero
propriamente dito não se faz sozinho. Sempre se está fazendo com ou para
outro, ainda que o outro seja só imaginário (BUTLER, 2006, p. 13,
tradução nossa).

8
Nas suas palavras: “a genealogia não é a história dos eventos, mas a investigação das condições de emergência [...] daquilo
que é considerado como história: um momento de emergência não passa, em última análise, de uma fabricação” (BUTLER
apud SALIH, 2012, p. 21).

31
A partir da crítica dos conceitos de sexo e gênero, a autora questiona o “caráter pré-discursivo
do sexo”, dizendo que toda a nossa compreensão sobre o que é sexo também é socialmente construída
por meio de discursos que afirmam certas coisas como “verdades universais”. Com isso, Butler
desenvolve um raciocínio de Joan Scott, apresentado acima, de que “os significados atribuídos às
diferenças biológicas são socialmente construídos”. Para Butler, a própria ciência é uma das principais
fontes de atribuição de significados aos corpos, construindo discursos para encaixá-los nas categorias
binárias de masculino e feminino de forma inadequada: “Uma razoável porcentagem de dez por cento
da população tem variações cromossômicas que não se encaixam exatamente nos conjuntos de
categorias XX-fêmea e XY-macho” (BUTLER apud SALIH, 2012, p. 88).
O sexo, portanto, também é uma construção, feita a partir de discursos que não são
questionados também porque são dotados de autoridade científica. Contudo, para Butler, há uma
saída política para se demonstrar que o sexo é tão construído por discursos quanto o gênero: ambos
podem ser performados não como verdade, mas como paródia. A paródia revela como sexo e gênero
reproduzem-se por ações reiteradas socialmente e por meio da imitação, e que não há uma natureza
masculina ou feminina para além dos atos de homens e mulheres.
O exemplo mais conhecido de paródia do sexo e do gênero é o caso da prática do drag, que

revela, implicitamente, a estrutura imitativa do próprio gênero – bem


como a sua contingência [...] no lugar da lei da coerência heterossexual,
vemos o sexo e o gênero desnaturalizados por meio de uma performance
que confessa a sua distinção e dramatiza o mecanismo cultural da sua
unidade fabricada (BUTLER apud SALIH, 2012, p. 93).

Esse tipo de performance, para Butler, tem o potencial político de subverter a “matriz
heterossexual”, trazendo à tona o seu caráter histórica e socialmente variável.
Butler conclui “Problemas de gênero” frisando o que ela considera a tarefa primordial do
feminismo: descrever performances de gênero consideradas subversivas, ininteligíveis e impossíveis,
além de mostrar como, na verdade, elas são prova de que a expressão de gênero tem inúmeras
possibilidades:

A tarefa aqui não é celebrar toda e qualquer nova possibilidade [...], mas
redescrever as possibilidades que já existem, mas que existem dentro de
domínios culturais apontados como culturalmente ininteligíveis e
impossíveis. Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um
silogismo político, e se a política não fosse mais compreendida como um
conjunto de práticas derivadas dos supostos interesses de um conjunto de
sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria certamente das
ruínas da antiga. As configurações culturais do sexo e do gênero poderiam

32
então proliferar ou, melhor dizendo, sua proliferação atual poderia então
tornar-se articulável nos discursos que criam a vida cultural inteligível,
confundindo o próprio binarismo do sexo e denunciando sua não
naturalidade fundamental. Que outras estratégias locais para combater o
‘não inatural’ podem levar à desnaturalização de gênero como tal?
(BUTLER, 2003, p. 213-214).

Gênero e sexualidades
Depois de feito esse percurso sobre a evolução do conceito de gênero, vale ressaltar a sua
diferenciação com a sexualidade. Muitos consideram que a sexualidade é algo “dado” pela natureza,
inerente ao ser humano (LOURO, 2000). Tal concepção usualmente se pauta no corpo e na
suposição de que todos vivemos os nossos corpos, universalmente, da mesma forma. Acontece que
esse processo de reconhecimento da sexualidade não tem nada de natural, ao contrário, ele é
construído a partir da sua dimensão social e política, assim como o gênero.
Acontece que, assim como o gênero, a sexualidade é “uma invenção social, uma vez que se
constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que
normatizam, que instauram saberes, que produzem ‘verdades’” (LOURO, 2000, p. 6).
De acordo com Jaqueline Gomes de Jesus (2012), gênero corresponde a formas de uma
pessoa se identificar e ser identificada como homem ou como mulher. Já a orientação sexual diz
respeito à atração afetivossexual por alguém de algum(ns) gênero(s). Para a autora, “uma dimensão
não depende da outra, não há uma norma de orientação sexual em função do gênero das pessoas,
assim, nem todo homem e mulher é ‘naturalmente’ heterossexual” (JESUS, 2012, p. 12).
Em termos de gênero, é possível enquadrar os seres humanos como transgênero ou
“cisgênero”. Chamamos de cisgênero, ou de “cis”, as pessoas que se identificam com o gênero que
lhes foi atribuído no nascimento. Em contrapartida, as pessoas não cisgênero são aquelas que não
se identificam com o gênero que lhes foi determinado, como transgênero, ou trans.
Pessoas transgênero são como as cisgênero, podem ter qualquer orientação sexual, podendo
ser bissexual, heterossexual ou homossexual, dependendo do gênero que adota e do gênero com
relação ao qual se atrai afetivossexualmente. Por exemplo, mulheres transexuais que se atraem por
homens são heterossexuais, tal como os seus parceiros, e homens transexuais que se atraem por
mulheres também o são. Em contraposição, mulheres transexuais que se atraem por outras mulheres
são homossexuais, e homens transexuais que se atraem por outros homens também.
A transexualidade é uma questão de identidade, ao passo que a homossexualidade não.
Homossexuais se sentem atraídos por pessoas do mesmo gênero, e bissexuais por pessoas de
qualquer gênero, o que não se relaciona com a sua identidade de gênero, ou seja, não se questionam

33
quanto à sua identidade como homens ou mulheres e ao gênero que lhes foi atribuído quando
nasceram, ao contrário das pessoas transexuais e travestis (JESUS, 2012, p. 13).
Pessoas transexuais geralmente sentem que o seu corpo não está adequado à forma como
pensam e se sentem, e querem “corrigir” isso adequando o seu corpo à imagem de gênero que têm
de si. Isso pode ocorrer de várias formas, desde o uso de roupas, passando por tratamentos
hormonais e até procedimentos cirúrgicos.
Para a pessoa transexual, é imprescindível viver integralmente, exteriormente, como ela é por
dentro, seja na aceitação social e profissional do nome pelo qual ela se identifica ou no uso do
banheiro correspondente à sua identidade de gênero, entre outros aspectos. Isso ajuda na
consolidação da sua identidade. Além disso, uma pessoa transexual não precisa realizar qualquer
procedimento cirúrgico de transgenitalização para ser assim considerada, visto que o que determina
a identidade de gênero transexual é a forma como essas pessoas se identificam, e não o formato do
seu corpo.
As travestis, por sua vez, são pessoas que vivenciam papéis de gênero feminino, mas não se
reconhecem como homens ou mulheres, mas como membros de um terceiro gênero ou de um não
gênero. Vale ressaltar que a maioria das travestis, independentemente da forma como se reconhecem,
preferem ser tratadas no feminino. Por isso, falar “os travestis” é considerado um insulto.

Gênero e identidade sexual no ambiente escolar


Na escola, são comuns atividades que procuram dividir a turma em meninos e meninas.
Pedem-nos para fazer “fila de menino” e “fila de menina”; nas aulas de educação física, as meninas
e os meninos desenvolvem as atividades esportivas separadamente. Além disso, quantas vezes
ouvimos que “meninos vão melhor em matemática do que meninas” e que “arte é coisa de
meninas”? Assim, desde crianças, percebemos que o mundo é dividido entre feminino e masculino
e aprendemos também em qual dos dois lados devemos estar.
Gênero, como se viu, é um dispositivo cultural, constituído historicamente, que classifica e
posiciona o mundo a partir da relação entre o que se entende como feminino e masculino. É um
operador que cria sentido para as diferenças percebidas nos nossos corpos e articula pessoas,
emoções, práticas e coisas dentro de uma estrutura de poder.
Os arranjos de gênero colocados em prática na sociedade exercem uma força sobre toda a
nossa vida cotidiana. Eles criam expectativas a respeito de como devemos agir, do que pensar e do
que gostar. E se a menina não se sentir bem de batom ou se o menino odiar futebol? Qual é a
consequência de dizer que força é uma característica exclusiva de meninos? Significa que mulheres
não podem ser fortes ou, ainda, que meninos podem usar a força para obter aquilo que desejam?
(LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016).

34
Esses comportamentos esperados de cada pessoa na escola também são marcados por
expectativas de gênero. Quando dizemos que certas coisas são próprias de meninas e outras de
meninos, acabamos, mesmo sem querer, limitando as aprendizagens e as experiências de vida das
crianças ou dos adolescentes. Dizer que há “coisas de homem” ou “coisas de mulher” é muitas vezes
produto de estereótipos e hierarquias sociais, derivadas das características do corpo de uma pessoa.
Na educação infantil,9 momento da vida em que se dá a introdução de meninas e meninos
na vida social, estão muito presentes essas ideias que revelam as expectativas de gênero, de que tal
coisa é de menino e tal coisa é de menina. Por esta ser uma das primeiras oportunidades de a criança
ter contato com crianças oriundas de diversas classes sociais, religiões e etnias com valores distintos,
as professoras e os professores procuram ensinar algumas regras básicas de comportamento, que são
fruto do modo como a sociedade é construída.
Nesse contexto, a educação infantil também cuida do corpo da criança e o educa: ele é o
primeiro lugar marcado pelo adulto, em que se impõem à conduta dos pequenos os limites sociais
e psicológicos. O nosso corpo, os nossos gestos e as imagens corporais que sustentamos são frutos
da nossa cultura, das marcas e dos valores sociais por ela apreciados. O corpo é, portanto, uma
construção social que se dá nas relações entre as crianças e entre estas e os adultos, de acordo com
cada sociedade e cada cultura (VIANNA; FINCO, 2009, p. 271-272).
Os significados de gênero são impressos nos corpos de meninos e meninas de acordo com as
expectativas colocadas diariamente para as crianças, na forma como as professoras e os professores
interagem com elas. Os corpos de meninas e meninos passam, desde muito pequenos, por um
processo de feminilização e masculinização, responsável por torná-los “mocinhas” ou “moleques”
(FINCO, 2007). Ou seja, meninos e meninas desenvolvem os seus comportamentos e as suas
potencialidades a fim de corresponder às expectativas de um modo singular e unívoco de
masculinidade e de feminilidade na nossa sociedade.
Muitas vezes, instituições como família, creches e pré-escolas orientam e reforçam habilidades
específicas para cada sexo, transmitindo expectativas quanto ao tipo de desempenho intelectual
considerado “mais adequado”. Meninas e meninos são educados de modos muito diferentes, sejam
irmãos de uma mesma família, sejam alunos sentados na mesma sala, lendo os mesmos livros ou
ouvindo a mesma professora. A diferença está justamente nas formas aparentemente invisíveis com
que familiares, professoras e professores interagem com as crianças (VIANNA; FINCO, 2009).

9
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até
cinco anos de idade (art. 208, IV).

35
Repercussões da diversidade de gênero no conceito de
família
O conceito de família modifica-se ao longo da história e do contexto político e social em que
se insere. A família é considerada um núcleo fundamental na sociedade brasileira, fortemente
marcada pelas normas hegemônicas heterossexistas que ditam o ideal de família, de
comportamentos relacionados ao gênero e à orientação sexual. Apesar desse ideal de família, hoje
em dia observam-se outras configurações familiares, como as famílias monoparentais e
homoparentais.
Do ponto de vista jurídico, são consideradas famílias: (i) aquelas unidas pelo casamento entre
homem e mulher; (ii) aquelas constituídas pelo pai ou pela mãe e o (s) seu(s) filhos(as), conhecida
como família monoparental; e (iii) aquelas unidas pela união estável.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo da Justiça brasileira,
reconheceu como entidade familiar a união estável também para casais do mesmo sexo.10 No
julgamento das ações, os ministros entenderam que a norma constante do art. 1.723 do Código
Civil brasileiro – “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família” – não impede que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida
como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa foi a conclusão do Ministro Ayres
Britto, relator, que deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código
Civil para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,
pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como
sinônimo perfeito de família. O relator asseverou que esse reconhecimento deve ser feito de acordo
com as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
O ministro considerou que família é, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente
amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se, no espaço ideal das mais
duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a
credencia como base da sociedade (art. 226, caput, CF). Mencionou, ainda, as espécies de família
constitucionalmente previstas (art. 226, §§ 1º a 4º), a saber, a constituída pelo casamento e pela
união estável, bem como a monoparental.
Apesar dos conceitos sobre família que constam na legislação e nas decisões do STF sobre as
uniões entre pessoas do mesmo sexo, na visão de Fonseca (2005) é muito simplista ater-se ao
conceito jurídico de família, muitas vezes apenas reafirmando os modelos hegemônicos.
Diante da diversidade de configurações familiares, a família homoparental emerge com
grande visibilidade e reivindica direitos e serviços que a respeitem, mas será que as escolas e os

10
Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 132.

36
profissionais que nelas atuam estão preparados para lidar com a diversidade familiar e mais
especificamente com a família homoparental?
Quando falamos de famílias homoparentais, esbarramos na maioria das vezes com alguns
questionamentos de pessoas que não reconhecem essa configuração familiar como válida. “As
famílias homoparentais ameaçam a ordem hegemônica heterossexista na qual a felicidade afetiva e
sexual entre dois adultos e o bem-estar de crianças e adolescentes somente podem ser alcançados na
família formada pela união entre um homem e uma mulher” (FARIAS, 2015, p. 1481). Ao se
constatar que as famílias homoparentais podem contribuir igualmente para esses fins, uma parcela
da sociedade se sente ameaçada, com medo de ter as suas crenças e os seus valores questionados.
O preconceito em face dessa configuração familiar presente em uma sociedade é exercido
tanto por indivíduos quanto pelas instituições que nela atuam. Nesse contexto, a escola tem papel
central na análise dessa questão a fim de decidir se será um espaço de esclarecimento desse fenômeno
ou de disseminação do preconceito.
Considerando-se, contudo, a importância da boa relação entre escola e família para o bom
desenvolvimento e adaptação social da criança ou do adolescente, o reconhecimento e respeito da
escola em relação à família de uma criança ou um adolescente influencia diretamente no bem-estar
psicológico desse aluno ou dessa aluna, e também no comportamento dos seus pares.
Assim, é preciso refletir sobre como as configurações familiares não hegemônicas são vistas pela
sociedade e por estudantes. Lima (2011) denuncia a invisibilidade das famílias homoparentais na
sociedade. Em estudo realizado por Freitas e Dias (2012) com alunos do ensino médio – turma
convencional e EJA – em escolas estaduais da cidade de Natal, foram apresentadas figuras com
modelos de família nuclear, homoparental, monoparental masculina, monoparental feminina e um
casal sem filhos. Apenas 27% dos alunos de ensino médio da turma tradicional e 28% dos alunos do
ensino médio do EJA reconheceram a figura da família homoparental como configuração familiar.
Esse diagnóstico de invisibilidade e silenciamento em relação às famílias homoparentais
também foi identificado no estudo de Farias (2015), que mostra que as concepções sobre o conceito
de família e em relação à homossexualidade ainda influenciam fortemente o comportamento e a
aceitação social diante das famílias homoparentais. Para a autora, a falta de esclarecimentos e
reflexão sobre o tema é perpetuada na escola pelo não reconhecimento, pela invisibilidade e pelo
silêncio em relação aos membros dessas famílias, o que prejudica o diálogo e o reconhecimento
dessas configurações familiares. Assim, Farias (2015) sugere que a escola, como instituição que visa
preparar o indivíduo para a cidadania, não se pode abster do seu papel e deve rever as suas práticas
visando à atuação de forma respeitosa e responsável diante da sociedade contemporânea.

37
38
MÓDULO III – DIVERSIDADES
ÉTNICO-RACIAIS

Em julho de 2010, foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial no Brasil, com a finalidade
de garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos
étnicos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Esse mesmo
documento considera como discriminação étnico-racial toda:

Distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,


descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou
restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições,
de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social.

Ao refletir sobre as formas como as questões étnicas são tratadas no nosso País, é possível
evidenciar um cenário de tensão social, de luta por emancipação e de disputa por direitos como
alternativa para a consolidação da cidadania.
Apesar da existência de dispositivos jurídicos que criminalizam prática como racismo e
afirmam a valorização das diferenças, percebe-se que o preconceito e a discriminação estão presentas
na sociedade brasileira de múltiplas formas, sejam elas explícitas, sejam veladas.
Mesmo em um país tão miscigenado como o Brasil, e em pleno século XXI, ainda é comum
ouvir piadas sobre a distinção racial e ver casos de racismo nas ruas, nos campos de futebol, nas
praças, nas faculdades, nas escolas, no transporte público, nos estabelecimentos comerciais. Sem
falar nos dados demográficos que expressam a presença significativa da população negra entre os
menos escolarizados, entre a população carcerária, entre os que mais morrem no País.
Dadas as características do processo de desenvolvimento brasileiro, que produziu importantes
clivagens ao longo da história do País, há maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social nas
populações de cor ou raça preta, parda e indígena, como demonstram diferentes indicadores sociais
que vêm sendo divulgados nos últimos anos (Síntese de indicadores sociais: uma análise das
condições de vida da população brasileira, 2018, CENSO, 2012).
De acordo com dados de 2018, a taxa de analfabetismo entre pessoas negras de 15 ou mais
anos de idade é de 9,1%, contra 3,9% dos brancos. Entre 2016 e 2018, na população preta ou
parda, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade passou de 9,8% para 9,1%,
e a proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade com pelo menos o ensino médio completo
se ampliou de 37,3% para 40,3%. Ambos os indicadores, porém, permaneceram aquém dos
observados na população branca, cuja taxa de analfabetismo era 3,9%, e a proporção de pessoas
com pelo menos o ensino médio completo era 55,8%, considerando os mesmos grupos etários
mencionados, em 2018.11
A taxa de frequência escolar também é um indicativo importante de acesso à educação e
aponta desigualdades, em razão de cor ou raça, que se aprofundam para o não alcance de níveis de
ensino mais elevados, à medida que motivadores do atraso e da evasão escolar vão-se acumulando.
Em 2018, praticamente não havia diferença entre as proporções de crianças de seis a 10 anos de
idade brancas e pretas ou pardas cursando os anos iniciais do ensino fundamental (96,5% e 95,8%,
respectivamente), porém a proporção de jovens de 18 a 24 anos de idade de cor ou raça branca que
frequentavam ou já haviam concluído o ensino superior (36,1%) era quase o dobro da observada
entre aqueles de cor ou raça preta ou parda (18,3%).12
Em relação aos rendimentos de todas as fontes, a população preta ou parda, apesar de ser
maioria no Brasil (55,8%), em 2018, representou apenas 27,7% das pessoas quando se consideram
os 10% com os maiores rendimentos. Por outro lado, entre os 10% com os menores rendimentos,
observa-se uma sobrerrepresentação desse grupo, abarcando 75,2% dos indivíduos.13
Em suma, no que tange à educação e à distribuição de renda, os resultados mostraram que
é grande a diferença que separa os dois grupos populacionais: brancos e pretos ou pardos. A
relativa desvantagem da população de cor ou raça preta ou parda se verifica, também, em temas
como a violência.
No Brasil, a taxa de homicídios foi 16,0 entre as pessoas brancas e 43,4 entre as pretas ou
pardas a cada 100 mil habitantes em 2017. Em outras palavras, uma pessoa preta ou parda tinha
2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio intencional do que uma pessoa branca. A série
histórica revela ainda que, enquanto a taxa manteve-se estável na população branca entre 2012 e

11
Cf. Relatório “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil” do IBGE, publicado em 2019, p. 7. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf>. Acesso em: 7 jul. 2020.
12
IBGE, 2019, p. 7.
13
IBGE, 2019, p. 4.

40
2017, ela aumentou na população preta ou parda nesse mesmo período, passando de 37,2 para 43,4
homicídios por 100 mil habitantes desse grupo populacional.14
A taxa de homicídios da população preta ou parda superou a da população branca em todos
os grupos etários, contudo, é preciso destacar a violência letal a que os jovens pretos ou pardos de
15 a 29 anos estão submetidos: nesse grupo, a taxa chegou a 98,5 em 2017, contra 34,0 entre os
jovens brancos. Considerando os jovens pretos ou pardos do sexo masculino, a taxa chegou a atingir
185,0,15 o que denota que essa parcela da população morre muito no Brasil.
Além disso, dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam que entre os
presos, 61,7% são pretos ou pardos. Vale lembrar que 53,63% da população brasileira têm essa
característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, e representam 45,48% na
população em geral.16
Por ocasião do estudo “Desenvolvimento humano e desigualdades étnicas no Brasil: um
recado de final de século”, de Marcelo Paixão, a jornalista Flávia Oliveira destacou que “pobreza
tem cor no Brasil”, motivando a existência de dois “Brasis” muito diferentes entre si, tendo como
base os seguintes fatores:

a desigualdade racial no Brasil é tão intensa que, se o Índice de


desenvolvimento Humano (IDH) do país levasse em conta apenas os
dados da população branca, o país ocuparia a 48ª posição, a mesma da
Costa Rica, no ranking de 174 países elaborado pela Organização das
Nações Unidas (ONU). Isso significa que, se brancos e negros tivessem as
mesmas condições de vida, o país subiria 26 degraus na lista da ONU –
hoje, está em 74ª lugar. Em contrapartida, analisando-se apenas
informações sobre renda, educação e esperança de vida ao nascer dos
negros e mestiços, o IDH nacional despencaria para a 108ª posição,
igualando o Brasil à Argélia no relatório anual da ONU (OLIVEIRA apud
CARNEIRO, 2011, p. 57).

“O IDH para os afro-brasileiros é pior do que o dos países latino-americanos, exceto


Nicarágua, que vem logo atrás com 0,568. [...] Uma triste situação para o paraíso da democracia
racial” (SANT’ANNA; PAIXÃO, 1997, p. 33).

14
IBGE, 2019, p. 9.
15
IBGE, 2019, p. 10.
16
Cf. informações disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/cdhm/noticias/sistema-carcerario-brasileiro-negros-e-pobres-na-prisao>.

41
Quando falamos em diversidade étnico-racial, é fundamental tratarmos da população
indígena.17 No Brasil, há pelo menos 896.917 pessoas que se declaram como indígenas de 305
diferentes etnias.18 As condições de vida da população, como de praxe, vêm sofrendo profundas
mudanças. Mais recentemente, o desmatamento, a escassez de alimentos e o avanço das cidades
sobre as matas são alguns fatores que motivaram povos tradicionais a migrar para áreas urbanas.
Embora eles estejam em busca de melhores condições de vida, na cidade a maioria dos indígenas
vive em situação de pobreza, tem dificuldade de conseguir emprego, e a principal renda vem do
artesanato.19
Além disso, essa população tem enfrentado dificuldades para acessar os serviços públicos de
saúde, sofrendo preconceito e discriminação, em virtude especialmente do não conhecimento da
sua realidade.
Esses dados mostram que as desigualdades sociais vinculadas a questões étnico-raciais ainda
são marcantes no Brasil, negando-se, inclusive, a valorização das diferenças e o reconhecimento da
participação das populações de origem africana e indígena na cultura e na sociedade do Brasil. Esse
é um forte entrave para a cidadania e a democracia na contemporaneidade.

Racismo no Brasil
Para abordar o conceito de racismo, é preciso, antes de tudo, diferenciá-lo de preconceito e
discriminação. Embora algumas vezes esses termos sejam utilizados indistintamente, eles são
diferentes entre si.
Segundo Silvio de Almeida, o preconceito concerne à construção e definição de conceito
sobre determinada pessoa ou grupo, estabelecida por fatores históricos e sociais, ou seja, é uma
preconcepção que alguém faz da outra pessoa a partir das suas vivências e visões de mundo. A
discriminação, por sua vez, consiste em dar tratamento diferenciado em razão da raça, considerando
um referencial da teoria racial. Já o racismo, na visão do autor, pode ser definido como “uma forma
sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de

17
No Brasil, o reconhecimento constitucional dos direitos dos povos indígenas por parte do Estado brasileiro se deu pela
primeira vez em 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Desde então, diversas políticas públicas direcionadas
a esses povos vêm sendo criadas e implementadas, incluindo o estabelecimento do Subsistema de Atenção à Saúde dos
Povos Indígenas, em 1999. No tocante à produção de dados populacionais, a categoria “indígena” foi incluída na pergunta
sobre classificação de cor ou raça dos censos demográficos e de outras pesquisas de representatividade nacional realizadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na década de 1990, o que tem permitido uma significativa
ampliação do conhecimento acerca das características sociodemográficas dos indígenas no País.
18
Segundo dados do Censo 2010. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20506-
indigenas.html>.
19
Cf. PAIVA, Bianca; HEINEN, Maíra. Indígenas na cidade: pobreza e preconceito marcam condição de vida. Agência Brasil,
19 abr. 2017. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-04/indigenas-na-cidade-
pobreza-e-preconceito-marcam-condicao-de-vida>. Acesso em: 8 jul. 2020.

42
práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao
grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, p. 25).
Essa forma sistemática de discriminação com base na raça é um elemento estrutural da
sociedade brasileira, como sustenta Almeida (2018), no seu livro “O que é racismo estrutural?”. O
autor afirma que a estrutura social é racista, pois, conforme apontado, em todos os espaços têm-se
negros em condição subalternada, ora por violência estrutural (ausência de direitos), ora por
violência cultural (suposta incapacidade ou incivilidade) e ora por força institucional (controle
policial). As justificativas para a manutenção do elemento raça como fator de inferiorização dos
negros apenas são modificadas, mas, até o momento, nunca eliminadas.
Para o autor, o racismo é definido a partir de três concepções: (i) a individualista, pela qual o
racismo se apresenta como uma deficiência patológica, decorrente de preconceitos; (ii) a
institucional, pela qual se conferem privilégios e desvantagens a determinados grupos em razão da
raça, normalizando esses atos, por meio do poder e da dominação; e (iii) a estrutural que, diante do
modo “normal” com que o racismo está presente nas relações sociais, políticas, jurídicas e
econômicas, faz com que a responsabilização individual e institucional por atos racistas não extirpe
a reprodução da desigualdade racial.
No que diz respeito ao conceito de raça, Almeida (2018) sustenta que ele não é estático, mas
dependente das vigentes relações dos grupos sociais. Nesse sentido, Guimarães (2012, p. 52)
afirmou que muitos autores estudaram e construíram o conceito de raça, e quase todos concluíram
que a raça serve para garantir o funcionamento de normas sociais.
Achille Mbembe (2014, p. 66-67), fazendo referência a Foucault, afirmou que racismo e raça
são conceitos definidos pelo Estado, de tal forma que ele sempre utilizará tais definições para manter
a normalização dos crimes por ele praticados. Ou seja, o Estado, como responsável por definir as
práticas sociais em favor do grupo dominante, acaba por reproduzir o racismo.
Para Mbembe, foi no colonialismo que a racionalização da raça passou a servir como
fundamento de dominação. O Estado age em constante estado de exceção e estado de sítio,
reproduzindo guerra, homicídio, políticas de repressão e suicídio (ALMEIDA, 2018, p. 90). Como
exemplo concreto de reprodução das práticas racistas, o autor cita a dissertação de mestrado
defendida por Marielle Franco (ALMEIDA, 2018, p. 96-98) a qual sustenta que o elemento racial
está inserido nas ações de intervenção militares nas periferias do Rio de Janeiro, submetendo o
grupo estigmatizado a todas as mazelas sociais de subalternação.
Nesse contexto, o direito é o instrumento utilizado pelo Estado para legitimar condutas
racistas. Práticas como o apartheid, na África do Sul, e a legislação Jim Crow nos Estados Unidos
são exemplos da institucionalização da discriminação racial e a exclusão dos negros. Para alterar esse
cenário, os movimentos antirracistas assim como as declarações da ONU impulsionaram
transformações sociais voltados a modificar os sistemas jurídicos nacionais, banindo-se as normas
discriminatórias.

43
Além disso, vale ressaltar que as próprias instituições de justiça reproduzem comportamentos
e práticas racistas, ao resistir em reconhecer casos de racismo, mesmo que tais instituições se
considerem racionalmente neutras. Essa forma de atuação judicial é respaldada por fatores culturais,
quando parte expressiva da sociedade considera ofensas raciais como “piada”, como parte de um
suposto espírito irreverente próprio da cultura popular.
Há inúmeros casos de racismo no Brasil e no mundo que ficaram muito conhecidos. Um dos
mais recentes de que se teve notícia foi o trágico caso de George Floyd, um homem negro morto
por um policial branco em Mineápolis, nos Estados Unidos, em junho de 2020. Casos de violência
policial contra pessoas negras são muito comuns tanto lá quanto aqui no Brasil. Casos como esse
mostram como a sociedade e o Estado ainda não estão aptos para lidar com o diferente, aquele que
tem a cor de pele diferente da branca. Diante disso, conhecer o racismo e as formas pelas quais ele
estrutura a sociedade permite pensar em formas eficientes para a sua mitigação.

Mito da democracia racial


Com base nos estudos sobre desigualdade racial, foi criada a expressão democracia racial,
entendida como o respeito a qualquer raça e etnia, afirmando positivamente as diferenças e o
povo mestiço.
A negação do racismo e a evolução do conceito de democracia racial se aperfeiçoaram com
o conceito de meritocracia, segundo o qual os negros que se esforçarem poderão usufruir de
direitos iguais aos dos brancos. Tal conceito, na prática, apenas serviu para a manutenção da
desigualdade entre brancos e negros. Nesse sentido, Almeida (2018) aponta que o mito da
democracia racial é largamente disseminado, pois serve de argumento para apontar as políticas de
combate ao racismo como desnecessárias, com habituais alegações de que todas as pessoas
possuem as mesmas oportunidades.

Diversidades étnico-raciais na educação


No debate educacional contemporâneo destacam-se duas dimensões (RODRIGUES, 2011,
p. 11), a saber: a primeira, a interlocução entre educação e “raça”, a qual se relaciona com a busca
de uma educação mais equitativa, que tem como pressuposto a extinção das desigualdades
educacionais proporcionadas pela articulação de má distribuição da riqueza econômica e não
reconhecimento adequado de grupos sociais partícipes da nossa formação social; a segunda está
relacionada à mudança na forma de atuação do Estado, pressionado pela ação política do
movimento negro brasileiro que, desde o seu ressurgimento em 1978, denunciava a discriminação
racial e o racismo e, ao mesmo tempo, clamava por educação pública de qualidade.

44
No primeiro caso, a questão dos conteúdos curriculares, a formação de professores e as
condições estruturais da educação básica pública no Brasil compõem, sem prejuízo de outras
dimensões, o núcleo dos debates nas últimas décadas. No segundo caso, a centralidade que a
educação escolar adquire para o desenvolvimento nacional, desde a última década do século
anterior, vem transformando essa política pública no principal instrumento de inclusão social tanto
na perspectiva de vários movimentos sociais, quanto no discurso das autoridades estatais nos seus
diferentes níveis.
A alteração da Lei de Diretrizes e Base da Educação Brasileira (LDB) provocada pela Lei nº
10.639, de 9 de janeiro de 2003, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – de acordo
com a homologação, em 18 de maio de 2004, do Parecer nº 03/2004, de 10 de março, do Conselho
Pleno do Conselho Nacional de Educação, aprovando o projeto de resolução dessas diretrizes que
as acompanham – podem ser consideradas um novo marco na história da educação do País. No seu
conjunto, elas representam transformações substantivas que refletem mudanças sociais profundas
na forma como a nossa sociedade se autoimagina e se representa enquanto uma comunidade.
Segundo Valter Roberto Silvério e Cristina Teodoro Trinidad (2012), a obrigatoriedade da
educação das relações étnico-raciais e do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em
toda a educação básica “é resultado do reconhecimento da discriminação racial e do racismo, como
constitutivos de nossa formação social, e permite desvendar as contribuições das culturas africanas
na constituição de nossa brasilidade para além do trabalho escravo”.

45
46
MÓDULO IV – DIVERSIDADES CULTURAIS,
LINGUÍSTICAS, RELIGIOSAS E PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA

Depois de tratar das diversidades de gênero e raça, o quarto módulo visa a ampliar o quadro
de diversidades que estão muito presentes no ambiente escolar brasileira. A primeira versa sobre a
inclusão de pessoas com deficiência no ambiente educacional, explicitando os parâmetros legais a
serem observados para garantir o direito à educação dessas crianças e adolescentes. Em seguida,
abordamos a diversidade de corpos, como a gordofobia, por exemplo. Neste módulo, procuramos
abordar também a inclusão de filhos de imigrantes nas escolas, que acabam sofrendo discriminação
em virtude de seu modo de falar e de sua cultura. Além disso, abordamos a diversidade de crença
religiosa e as suas implicações no ambiente educacional.
A intenção é promover uma compreensão mais aprofundada dessas diversidades para que os
gestores educacionais possam lidar com as eventuais práticas de bullying contra pessoas com as
características acima e criar diretrizes capazes de incluir estas pessoas no ambiente escolar,
promovendo a sua integração.

Diversidade de crença religiosa


Historicamente, o Brasil é um país de muitas religiões. O processo de colonização, baseado
na coexistência de brancos, índios e negros, fez com que houvesse, desde o período colonial, certa
diversidade de religiões praticadas no País. Embora essa diversidade estivesse presente, algumas
religiões se sobrepuseram às outras, o que acabou por acarretar um processo de invisibilização e
marginalização de diversas outras crenças.
Religiões de matriz africana, por exemplo, “foram, ao longo da história brasileira, perseguidas e
proibidas em determinados momentos e continuadamente rotuladas como crendices, seitas e feitiçarias.
Foram desrespeitadas, criminalizadas e alvo de perseguições” (DHESCA BRASIL, 2010, p. 3).
Atualmente, o Brasil é composto de uma maioria católica e evangélica,20 mas diversas outras
religiões são praticadas no País, como umbanda, candomblé, espiritismo, judaísmo, budismo,
islamismo e hinduísmo, entre tantas outras.
A Constituição Federal de 1988 garante o respeito a essa pluralidade a partir da liberdade
de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (art. 5º, VI). Essa
previsão reflete a categorização oficial do Brasil como um país laico. A laicidade se caracteriza pela
separação entre o Estado e a religião, de maneira que as religiões não devem ser um fator de
interferência nas decisões estatais e devem ser igualmente tratadas, sem que uma seja beneficiada ou
privilegiada em detrimento de outras.
A legislação prevê a igualdade de tratamento entre as religiões, mas na prática, as diferenças
de crenças e o domínio a partir da imposição etnocêntrica ocidental levam muitas vezes a um cenário
de intolerância religiosa. Como aponta Junqueira (2018, p. 7), “muitas vezes, certos grupos
humanos tornam o outro diferente para fazê-lo inimigo, para dominá-lo”.
Cada religião possui as suas particularidades, os seus símbolos, a sua forma de se comunicar,
de crer, de expressar essa crença ao mundo. Quando uma religião se sobrepõe a outra, expõe-se ao
mundo como a crença mais correta, barreiras são criadas entre os indivíduos, e a exclusão passa a se
manifestar, o que acentua o processo de dominação de alguns grupos sobre outros, homogeneizando
uma cultura que na realidade é plural, diversa.
A questão religiosa é abordada na legislação brasileira desde a Constituição de 1824, que
previa no seu art. 5º a religião católica apostólica romana como a religião do Império. A
Constituição de 1891 instituiu a liberdade religiosa, de maneira que o Estado deixou de considerar
uma religião como a oficial, e passou a prever que o ensino ministrado nos estabelecimentos
públicos deveria ser laico. O Decreto nº 19.941 de 1931 e as Constituições de 1934 (art. 153),
1937 (art. 133) e 1946 (art. 168), 1967 (art. 168), passaram a abordar a temática do ensino religioso
nas escolas. Também previram o ensino religioso a LDB de 1961 (art. 97) e de 1971 (art. 7º).
A discussão sobre as religiões nas escolas também está prevista pela Constituição de 1988, no
seu art. 210, e pela LDB, no seu art. 33. Em relação à redação da LDB de 1996, havia a previsão
de ensino religioso em caráter confessional e interconfessional. Em 1997, esse texto passou por
alteração por meio da Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997, ganhando nova redação. Ambos os
dispositivos – CF/1988 e LDB – preveem o ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas
públicas de ensino fundamental brasileiras.

20
50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos e 10% não têm religião, diz Datafolha. G1, 13 jan. 2020. Disponível
em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-
10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml>. Acesso em: 20 jul. 2020.

48
CF, art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito
aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

LDB, art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte


integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado
o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer
formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para
a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do
ensino religioso. (grifo nosso)

Importante ponto apresentado pela LDB, após a alteração, é o respeito à diversidade cultural
e religiosa no Brasil.
No ano de 2010, as Resoluções CNE/CEB nº 4 e CNE/CEB nº 7 passaram a reconhecer o
ensino religioso com parte de uma das cinco áreas de conhecimento do ensino fundamental. O
ensino religioso também está atualmente previsto na Base Nacional Comum Curricular. De acordo
com a BNCC, ele deverá atender os seguintes objetivos:

a) Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e


estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos
educandos; b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de
consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos
humanos; c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para
o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o
respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com
a Constituição Federal; d) Contribuir para que os educandos construam
seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da
cidadania (p. 436).

49
Outro importante ponto a ser ressaltado é a inclusão no ano de 2019 de dispositivo que prevê
o respeito a preceitos religiosos que vedam o exercício de atividades em determinados dias,
conforme previsto no art. 7º-A da mesma lei.

Art. 7º-A, da LDB; Ao aluno regularmente matriculado em instituição de


ensino pública ou privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da
liberdade de consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e
motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia
em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de tais
atividades, devendo-se lhe atribuir, a critério da instituição e sem custos
para o aluno, uma das seguintes prestações alternativas, nos termos do
inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição Federal: (Incluído pela Lei
nº 13.796, de 2019)
I - prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser realizada em data
alternativa, no turno de estudo do aluno ou em outro horário agendado
com sua anuência expressa; (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019)
II - trabalho escrito ou outra modalidade de atividade de pesquisa, com
tema, objetivo e data de entrega definidos pela instituição de
ensino. (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) [...].

Considerando essas previsões, é papel das escolas considerar a pluralidade de crenças


existentes no Brasil. A escola deve promover a diversidade religiosa e o combate à discriminação e
à intolerância, visto que a intolerância afeta o bem-estar, a aprendizagem e a autoestima dos
estudantes, o que prejudica o desempenho escolar, trazendo como consequências a repetência, a
evasão escolar ou a transferência para outras escolas.21
De acordo com o Informe Preliminar Missão Educação e Racismo no Brasil, Eixo
Intolerância Religiosa na Educação, a intolerância religiosa tem-se manifestado nas escolas
brasileiras, podendo ser definida da seguinte maneira:

a intolerância religiosa é uma ação de intransigência em relação às outras


religiões e, em relação às religiões de matriz africana, inscreve-se na
dimensão do racismo que marca a história de pessoas negras, de sua
descendência africana e de sua cultura no Brasil. Dessa maneira, as
manifestações de menosprezo e os ataques a adeptos de religiões de matriz
africana somam-se aos apelidos depreciativos, às brincadeiras e piadas

21
Disponível em: <https://www.institutounibanco.org.br/aprendizagem-em-foco/33>. Acesso em: 20 jul. 2020.

50
alusivas à cor da pele, à ridicularização de traços físicos, que expressam a
intolerância racial e revelam as muitas faces do racismo brasileiro
(DHESCA BRASIL, 2010, p. 3).

O debate, o diálogo, a visibilidade e o respeito às diferentes religiões no espaço escolar


propiciarão, além de uma educação mais democrática nesse ambiente, o desenvolvimento de uma
sociedade mais inclusiva e plural, que reconheça as diferentes crenças como parte da convivência
entre as pessoas, e não como um fator de exclusão e de disseminação da intolerância.

Diversidade cultural e linguística dos imigrantes


O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multiétnica tomando-se por base
uma imensa diversidade de culturas. Foram vários os povos que deram origem a essa pluralidade
que encontramos em terras brasileiras. Indígenas, negros de diferentes regiões do continente
africano, portugueses, espanhóis, judeus, italianos, alemães, japoneses e árabes. A combinação de
diversas etnias levou a uma formação do povo brasileiro que atualmente é composta de 42,7% de
brancos, 9,4% de pretos, 46,8% de pardos e 1,1 % de amarelos e indígenas.22
Essas categorizações, todavia, não expressam a enorme diversidade étnica presente no Brasil.
Quando olhamos para os indígenas, por exemplo, não há apenas uma etnia que os caracteriza.
Segundo dados disponibilizados pelo IBGE, foram contabilizadas 305 diferentes etnias entre os
povos indígenas e 274 diferentes línguas.23 Nesse contexto, é preciso considerar os imigrantes que
desde a virada do milênio têm chegado ao Brasil. De acordo com dados da Polícia Federal, órgão
que controla a entrada e saída do País, a população estrangeira no Brasil representa cerca de 750
mil pessoas.24 Embora não sejam numericamente tão representativos como os demais grupos, fato
é que essas pessoas possuem uma história, uma língua, uma cultura, uma origem social própria e
precisam ser também consideradas dentro das etnias presentes na realidade brasileira.
Reconhecer a nossa diversidade étnica e variedade de identidades culturais – aqueles aspectos
das nossas identidades que surgem do nosso pertencimento a culturas étnicas, raciais, linguísticas,
religiosas, nacionais – é o primeiro passo para se pensar em uma educação que seja capaz de refletir
sobre o multiculturalismo.

22
Cf. IBGE. Disponível em:

<https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html>. Acesso em: 21 maio 2020.


23
Cf. IBGE. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/20506-indigenas.html>. Acesso
em: 23 maio 2020.
24
Em um universo de 207 milhões de habitantes, isso equivale a 0,4% da população. Em 10 anos, número de imigrantes
aumenta 160% no Brasil, diz PF. G1. Disponível em: <www.portalG1.globo.com>. Considerando a entrada recente de cerca
de 60 mil venezuelanos e as ondas imigratórias de haitianos e bolivianos nas últimas décadas, a concentração de pessoas
nascidas fora do País hoje é das menores da sua história.

51
O termo do multiculturalismo precisa ser analisado a partir das condições sociais e
econômicas concretas de cada sociedade. Em alguns países europeus, o currículo multicultural nos
sistemas educacionais atuais tem sido formulado em virtude dos movimentos migratórios,
consequência da descolonização e da saída de mão de obra dos países subdesenvolvidos para os de
economias mais atrativas nas quais possam sobreviver.
Segundo Sacristán (1995, p. 94), nesse processo “tem havido uma certa assimilação dos
imigrados aos usos sociais e à economia, mas não se suprimiu a cultura de origem, que serve
inclusive para a coesão e a manutenção da identidade diante da marginalização e da rejeição”.
Ao ter de receber e escolarizar os descendentes dos imigrantes, as instituições de ensino se
deparam com alunos de costumes, formas de pensar e valores que contrastam com a cultura que é
reproduzida pelos currículos atuais dos sistemas educacionais. Exemplo disso é o caso da proibição
do uso do véu islâmico nas escolas francesas.25
Situações como essa tendem a continuar ocorrendo, especialmente se considerarmos que os
movimentos migratórios tendem a existir enquanto perdurarem os conflitos armados e uma forte
divisão entre ricos e pobres que não podem viver nos seus lugares de origem. Nessas condições
sociais, o multiculturalismo será um desafio importante das políticas escolares e do currículo.
Será também um desafio quando, em um sistema educacional, ou em uma mesma escola,
confluem populações com religiões diferentes ou línguas diferentes. Ou seja, o problema do
multiculturalismo se coloca como a necessidade de incorporar as minorias discriminadas.
Como já delineado anteriormente no tópico 1.3, há propostas teóricas no sentido de formular
uma educação multicultural.
Do ponto de vista prático, Sacristán (1995) destaca que um currículo multicultural está
relacionado a dois propósitos distintos: (i) o primeiro seria criar programas e práticas dirigidas para
aprimorar o rendimento escolar de grupos étnicos ou de imigrantes; enquanto que o (ii) segundo
estaria associado às atividades didáticas voltadas a proporcionar a todos os estudantes conhecimento
sobre as culturas de grupos étnicos minoritários, com o intuito de estimular a compreensão e a
tolerância entre grupos culturais, fomentando a construção de uma visão não etnocêntrica do mundo.
Nesse sentido, a LDB estabelece que o ensino será ministrado levando em consideração a
diversidade étnico-racial (art. 3º, XII). Essa normativa tem um duplo significado: que a educação
deve ser pautada pelo respeito aos diversos grupos étnico-raciais existentes na sociedade, bem como
o currículo escolar deve abordar a história de diversas culturas, como forma de estimular o
conhecimento e o respeito em relação a elas.

25
Em fevereiro de 2004, a Assembleia Nacional da França – a Câmara Baixa do Parlamento francês – aprovou uma lei que
proíbe estudantes de usarem peças de vestuário, como véus islâmicos ou outros símbolos religiosos, nas escolas públicas
do país. A proibição também inclui solidéus judaicos e crucifixos cristãos “grandes”. Ver: França veta uso de véu islâmico
na escola. Folha de S. Paulo, 11 fev. 2004. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1102200405.htm>.

52
Mas como isso está sendo aplicado, especialmente em relação aos imigrantes? Ou seja, em
que medida o direto à educação desse público tem sido efetivado? Antes de responder a essa
pergunta, é primordial entender qual é o cenário da educação dos imigrantes no País.

Educação dos imigrantes no Brasil


O número de matrículas de alunos de outras nacionalidades em escolas brasileiras mais do
que dobrou em oito anos, considerado o período entre 2008 e 2016. Em 2008, foram 34 mil
matrículas registradas de imigrantes ou refugiados, enquanto em 2016 o dado saltou para quase 73
mil, isso em um universo de cerca de 50 milhões de estudantes. As informações são do levantamento
feito pelo Instituto Unibanco com base nos dados do Censo Escolar (BRASIL, 2016), que é
realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
vinculado ao Ministério da Educação.
Segundo o levantamento, a rede pública de ensino é a que mais acolhe esses estudantes: 64%
do total. Os dados do censo também mostram que os latinos representam mais de 40% dos alunos
estrangeiros no Brasil, concentrando-se principalmente na rede pública, seguidos pelos europeus,
asiáticos e norte-americanos.
As redes de ensino ainda oferecem poucas orientações de caráter pedagógico ou relacionadas
ao recebimento dos imigrantes aos profissionais das escolas. A barreira da língua é considerada a
primeira grande dificuldade, ainda mais se considerar que o Brasil é o único país que fala português
na América. A legislação determina que estrangeiros têm direito ao acesso à educação da mesma
forma que as crianças e os adolescentes brasileiros, conforme expresso pela Constituição Federal
(arts. 5º e 6º), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 53º ao 55º), pela LDB (arts. 2º e
3º) e pela Lei da Migração (arts. 3º e 4º). A Lei dos Refugiados (Lei nº 9.474, de 22 de julho de
1997) garante, ainda, que a falta de documentos não pode impedir o acesso ao ensino.
Ainda, de acordo com o Censo Escolar, São Paulo é o estado que mais recebe matrículas de
alunos de outras nacionalidades: 34,5% do total do País, seguido do Paraná, com 10,7% e Minas
Gerais, com 10,6%. Em São Paulo, os estudantes se dividem em mais de 80 nacionalidades.
Segundo os dados do Cadastro do Aluno da Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, em
novembro de 2017, a rede contabilizava 10.298 estrangeiros matriculados. Entre eles, estão mais
de 4 mil bolivianos, 1,2 mil japoneses, cerca de 550 angolanos e 540 haitianos.
De acordo com os dados do Censo Escolar, entre 2007 e 2009, 10 mil novos alunos
estrangeiros passaram a frequentar as salas de aula das escolas brasileiras, totalizando 38 mil
estudantes na educação básica da rede pública. Naquele momento, já se reconhecia que o aumento
representava um desafio para as instituições, que recebem os imigrantes. Muitos sofrem com
preconceito e bullying e têm dificuldade para fazer amigos e se integrar à cultura brasileira. Os
pais que estão em situação irregular têm medo de serem descobertos e vergonha de se expor às
outras famílias.

53
Em 2015, os haitianos lideraram o ranking de chegada ao País pelo segundo ano consecutivo.
De acordo com os dados da Polícia Federal, foram 14.535 haitianos registrados naquele ano. A
nacionalidade é a que mais se destaca pelo crescimento nos últimos anos. Em 2011, segundo a
Polícia Federal, apenas 481 haitianos deram entrada no País, ou seja, houve um aumento de mais
de 30 vezes em um período de menos de cinco anos. Dado a esse crescimento, a migração de
haitianos ganhou destaque nas estatísticas e na imprensa brasileira mais recentemente. Tal situação
ocorreu após a crise humanitária no Haiti, em decorrência do terremoto de 2010, bem como a
instabilidade econômica e política do país.
Os bolivianos também mantiveram a posição de 2014 para 2015, ocupando o segundo lugar
na lista dos imigrantes. Foram 8.407 registros no País em 2014, o que representou uma queda de
32% em relação aos dados de 2011, quando 12.465 bolivianos entraram no Brasil. Em 2015, eles
foram seguidos pelos colombianos (7.653), argentinos (6.147), chineses (5.798), portugueses
(4.861) paraguaios (4.841) e norte-americanos (4.747).26
Apresentados esses dados gerais sobre a educação dos imigrantes no Brasil, cumpre verificar
como os imigrantes são acolhidos pelo sistema educacional.
O estudo de Dalila Andrade Oliveira (2020) conclui que o estudante estrangeiro, ou o imigrante,
tem sido um sujeito ausente nas políticas educacionais no País, a partir de alguns estudos empíricos
Souza e Senna (2016), baseadas em duas pesquisas que retratam a inclusão de imigrantes em
escolas públicas de duas fronteiras brasileiras, uma na Região Norte do País, na cidade de Bonfim
(Roraima) e outra na Região Sul, em Foz do Iguaçu (Paraná), encontram uma realidade velada,
principalmente, no que tange à formação de professores para aquela região e a falta de políticas, que
reconheçam pluralidade, fomentando o processo de exclusão.
Santos, Santos e Cotinguiba (2017), por sua vez, demonstram as dificuldades enfrentadas por
dois grupos; por um lado, pela equipe pedagógica e por outro, pelas crianças haitianas na cidade de
Porto Velho, capital de Rondônia (Região Norte), diante da ausência de políticas públicas
concernentes à inserção social de crianças imigrantes no ambiente escolar. Os dois grupos ressaltam
que a barreira linguística e a inexistência de uma política migratória são os principais fatores que
dificultam a inserção das crianças haitianas, no sistema formal de ensino.
No seu estudo, Cunha (2015) analisa as implicações do processo de escolarização das crianças
imigrantes ou filhas de imigrantes no Brasil, nos dias de hoje, com movimentos migratórios
recentes, em especial, os bolivianos na cidade de São Paulo e os haitianos que se concentram nas
Regiões Sul e Sudeste do País. Ela conclui que as crianças se deparam com diversas dificuldades no
dia a dia escolar, principalmente, na relação com os colegas brasileiros e na negação da cultura dos
seus ancestrais.

26
Cf. OTTOBONI, Julio. Imigrantes ou refugiados aumentam nas escolas brasileiras. Agência Envolverde, 20 fev. 2018.
Disponível em: <http://envolverde.cartacapital.com.br/estudantes-imigrantes-ou-refugiados-aumentam-112-em-8-anos-
nas-escolas-brasileiras>.

54
O autor considera que isso gera um choque de cultura e de gerações dentro das famílias de
imigrantes, o que atribui à falta de uma política de inclusão voltada para o aluno imigrante na sala
de aula, e também na comunidade na qual a sua família escolheu para se estabelecer em um novo
território. Resultados semelhantes são encontrados pelas autoras Magalhães e Schilling (2012), que
buscam entender como está sendo realizado o direito humano à educação para imigrantes da
Bolívia, que vivem em São Paulo entre a complexidade das migrações internacionais e as tensões
relativas à universalização de direitos em sociedades desiguais e discriminatórias.
A partir desses estudos, nota-se que essa é mais uma situação que merece atenção de
educadoras e educadores em todo o País, de modo a poder efetivar-se um ensino que promova a
diversidade cultural, étnica e linguística, integrando pessoas que saem dos seus países em busca de
condições melhores em lugares totalmente desconhecidos e que precisam de acolhimento e inclusão.

Pessoas com necessidades especiais e ensino inclusivo


A educação de pessoas com deficiência ou necessidades especiais foi marcada por uma história
de discriminação e desigualdades.
Na época da colonização do País, a educação do deficiente era praticamente inexistente, sendo
pouco a pouco desenvolvida com o apoio de pessoas interessadas. A educação do deficiente se
concentrava basicamente no ensino de trabalhos manuais, na tentativa de garantir-lhes meios de
subsistência e assim isentar o Estado de uma futura dependência desses cidadãos (JANUZZI, 2004).
A abordagem que fundamentava o conceito de deficiência naquele momento era o modelo
médico, que perdurou até meados de 1930, quando foi gradualmente substituído pela Pedagogia e
Psicologia, especialmente pela ação dos educadores Norberto Souza Pinto e Helena Antipoff.
Durante o predomínio das ciências médicas, destaca-se a presença dos asilos, das classes
anexas aos hospitais psiquiátricos – ilustrando as primeiras preocupações com a pedagogia para o
ensino especial – e mais adiante, das classes anexas às escolas regulares.
Em 1890, após a realização de uma reforma nos métodos educacionais do Instituto Benjamim
Constant – anteriormente denominado Imperial Instituto dos Meninos Cegos –, o eixo científico
começa a ser um pouco valorizado no ensino do deficiente. A referência para a normalidade passa
a ser o posicionamento no rendimento escolar, e não havia qualquer orientação que balizasse o
tratamento dos ditos “anormais”. Assim, embora a ênfase fosse a educação em coletividade, os
alunos com desenvolvimento atípico eram segregados em diferentes salas de aula para que não
ocorressem interferências no ritmo de aprendizado dos demais alunos. Durante esse período
histórico, a educação tinha por objetivo evitar que deficientes não educados se tornassem criminosos
ou perturbadores da ordem social.

55
A partir do início do século XX, a sociedade civil começa a engajar-se nas causas a favor do
deficiente e cria centros de reabilitação e clínicas psicopedagógicas, porém ainda mantendo as classes
anexas aos hospitais.
Na década de 1960, destaca-se a criação da primeira LDB, que apresenta uma inovação em
relação ao modelo vigente anteriormente: prever que os alunos com deficiências estivessem inseridos
“quando possível” na educação regular. Caso não fosse possível inseri-los nas salas regulares, havia
a previsão de uso de serviços especiais. Mesmo com a legalização da integração do indivíduo com
necessidades especiais no ensino regular, já predominava a atuação do setor privado nos serviços
educacionais de atendimento ao deficiente, inclusive filantrópicos, reforçando a ideia de educação
para camadas mais favorecidas da sociedade.
Para honrar o compromisso de universalização do ensino fundamental, desde a década de
1990, o País tem buscado implantar um sistema educacional inclusivo, por meio da criação de uma
série de políticas inclusivas, especialmente voltadas a estudantes com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Uma dessas políticas é a denominada
“educação inclusiva” que, mais explicitamente a partir de 2003, dissemina a ideia de que a escola
regular/comum é o lugar de todas as crianças (KASSAR, 2016, p. 1227).
Em 2007, essa perspectiva é reforçada com o Programa de Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais, que conduz à organização de um modelo de “sistema educacional inclusivo”
(BRASIL, 2007b), e com o direcionamento de recursos à escola com a dupla matrícula de alunos
que recebem atendimento educacional especializado nas salas de recursos (BRASIL, 2007a).
Outro mecanismo utilizado para o alcance da universalização escolar com foco nos alunos
com deficiências foi a implantação de busca ativa de crianças de zero a 18 anos para recebimento
do Benefício da Prestação Continuada (BPC) na escola. Fruto de parceria entre o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde e a
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o programa, iniciado em 2007, tem
por objetivo

garantir que os beneficiários do BPC, com idade até 18 anos, tenham


assegurado o seu direito de frequentar a rede regular de ensino e conviver
com os demais alunos. Desta forma, não apenas garante a realização de um
direito básico das pessoas com deficiência, como também contribui para
tornar a escola mais democrática e o direito à diversidade na escola mais
amplo (BRASIL, 2010, p. 5).

Recentemente, a LDB (Lei Federal nº 9.394, de 1996) passou por algumas modificações, no
sentido de fortalecer o direito à educação especial para aqueles que assim necessitam. Educação
especial é a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,

56
para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, conforme disposto no art. 58 da lei.
A lei, no seu art. 4º, III, consagrou que é dever do Estado garantir o “atendimento
educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e
modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”. É, portanto, dever do Estado oferecer
educação especial ao longo da vida dessas pessoas, começando pela educação infantil.
De acordo com o art. 59 do mesmo diploma legal, os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, diversos requisitos, tais como: (i) currículos, métodos, técnicas, recursos educativos
e organização específicos, para atender às suas necessidades; (ii) terminalidade específica para
aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em
virtude das suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para
os superdotados; (iii) professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para
atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração
desses educandos nas classes comuns; (iv) educação especial para o trabalho, visando à sua efetiva
integração na vida em sociedade; e (v) acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais
suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Merece destaque o fato de que a legislação estabelece ser preferível que pessoas com as
características acima sejam integradas nas classes comuns de ensino regular, distanciando-se do
modelo proposto no início do século XX, que preferia a separação dos alunos em estabelecimentos
distintos. Caso isso não seja possível em razão das condições específicas dos alunos, contudo, o
atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, como dispõem os
§1º e 2º, do art. 58 da LDB.
Trata-se de uma mudança de paradigma no que concerne à educação especial. Enquanto a
crença anterior era de que o atendimento ideal deveria ocorrer em locais específicos e separados
daqueles destinados à população em geral, atualmente, há uma percepção de que os espaços mais
adequados são os espaços comuns.
A despeito disso, há estudos que apontam para situações de fracasso de alunos com
deficiências nas escolas comuns, inclusive quando todos os quesitos previstos pela legislação
educacional estão presentes, quais sejam, professores especializados, salas adaptadas e número de
alunos reduzidos por sala, entre outros (GONÇALVES, 2008; KASSAR, 2006; PLETSCH, 2010).
Isso mostra que houve avanços importantes para incluir pessoas com deficiência e
necessidades especiais nas escolas, especialmente a partir da década de 1990, mas ainda há muito
por conquistar para se assegurar o efetivo direito à educação a essas crianças e esses adolescentes.

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PROFESSOR-AUTOR
Luciana de Oliveira Ramos é doutora em Direito Constitucional, pela Universidade de São
Paulo (FDUSP), mestra em Ciência Política, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), e possui graduação em Direito, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi pesquisadora visitante no Center For
American Women and Politics, da Universidade Estadual de New Jersey (Rutgers University), em
2014. Atua como professora na FGV Direito SP e coordenadora de Pesquisa Jurídica Aplicada na
mesma instituição. Integra o Núcleo de Justiça e Constituição e o Grupo de Pesquisa em Direito,
Gênero e Identidade da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.

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