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Bioquímica Metabólica

Autores: Prof. Enny Fernandes Silva


Profa. Maristela Tsujita
Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro
Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano
Professoras conteudistas: Enny Fernandes Silva / Maristela Tsujita

Enny Fernandes Silva Rio Preto (Famerp). É coordenadora do curso de Biomedicina


do campus Cidade Universitária da UNIP. Tem experiência
Graduada em Ciências Biológicas, modalidade médica, na área de bioquímica com ênfase em vias de sinalização,
pela Universidade de Santo Amaro (Unisa, 1981), é atuando principalmente nos seguintes temas: óxido nítrico,
especialista em clonagem em Bacillus subtillis pelo Public câncer, vias de sinalização, apoptose e adesão focal celular.
Heath Department of the City of New York (1982), mestre
em Bioquímica na área de biologia celular e molecular Maristela Tsujita
(1989) e doutora em Bioquímica na área de biologia celular
e molecular pela Universidade de São Paulo (USP, 2003). Graduada em Farmácia pela Universidade de São Paulo
Iniciou seu pós-doutorado na Faculdade de Medicina da (USP, 1999), é mestre (2004) e doutora (2016) em Análises
USP com o Dr. Roger Chammas, na área de adesão celular. Clínicas pela mesma instituição.

Foi chefe do Departamento de Engenharia Química na Trabalhou no laboratório de Imunopatologia da


Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP, 1994-2000), Fundação Pró-Sangue, hemocentro de São Paulo, onde atuou
onde também ministrou a disciplina de Bioquímica das no diagnóstico de neoplasias hematológicas por citometria
Fermentações para Engenharia Química, e Meio Ambiente de fluxo; e no banco de sangue do Hospital Sírio‑Libanês
para Engenharia Civil, Engenharia Mecânica, Engenharia como supervisora do laboratório de criopreservação de
Mecatrônica, Engenharia Metalúrgica, Engenharia Elétrica, células‑tronco para transplante de medula óssea. É professora
Engenharia Eletrotécnica e Engenharia Química. Foi de disciplinas dos cursos de Biomedicina, Enfermagem,
professora de Bioquímica Básica e Clínica no Instituto de Farmácia e Nutrição na UNIP. Além disso, é docente da
Pesquisa e Educação em Saúde de São Paulo (Ipesp). Desde disciplina Hematologia Clínica do curso de Especialização
1990 é professora de Bioquímica Estrutural, Bioquímica em Análises Clínicas da Faculdade de Medicina de São José
Metabólica, Bioquímica Clínica, Físico-química, Enzimologia, do Rio Preto (Famerp). Na área de pesquisa tem experiência
Patologia, Biotecnologia e Ciências do Ambiente/ em Bioquímica, com ênfase em sinalização celular, óxido
Saneamento na Universidade Paulista (UNIP). É responsável nítrico e câncer e em hematologia clínica no estudo do
pela disciplina de Bioquímica do curso de Especialização em nicho hematopoiético.
Análises Clínicas da Faculdade de Medicina de São José do

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586p Silva, Enny Fernandes.

Bioquímica Metabólica / Enny Fernandes Silva, Maristela Tsujita.


– São Paulo: Editora Sol, 2020.

164 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Enzimas. 2. Ácidos nucleicos. 3. Vitaminas. I. Silva, Enny


Fernandes. II. Tsujita, Maristela. III. Título.

CDU 577.1

U508.90 – 20

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Jaci Albuquerque
Juliana Muscovick
Sumário
Bioquímica Metabólica

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9
Unidade I
1 ENZIMAS ............................................................................................................................................................ 11
1.1 Classificação e nomenclatura ......................................................................................................... 14
1.2 Cinética enzimática: fatores que alteram a velocidade de uma
reação enzimática......................................................................................................................................... 15
1.3 Inibidores da atividade enzimática................................................................................................ 18
1.4 Gráficos de Lineweaver-Burk........................................................................................................... 20
1.5 Enzimas alostéricas e isoenzimas................................................................................................... 21
1.5.1 Enzimas alostéricas................................................................................................................................. 21
1.5.2 Isoenzimas.................................................................................................................................................. 21
1.6 Enzimologia clínica............................................................................................................................... 22
1.7 Erros metabólicos hereditários........................................................................................................ 23
1.7.1 Fenilcetonúria e albinismo................................................................................................................... 24
1.7.2 Albinismo.................................................................................................................................................... 25
1.7.3 Galactosemia............................................................................................................................................. 26
1.7.4 Doença de von Gierke ou glicogenose tipo I .............................................................................. 26
1.7.5 Cretinismo................................................................................................................................................... 26
2 CARBOIDRATOS................................................................................................................................................. 27
2.1 Digestão dos carboidratos................................................................................................................. 27
2.2 Transportadores de glicose................................................................................................................ 28
2.3 Glicólise..................................................................................................................................................... 30
2.4 Ciclo de Krebs.......................................................................................................................................... 39
2.5 Cadeia respiratória................................................................................................................................ 44
2.6 Metabolismo do glicogênio: glicogênese e glicogenólise.................................................... 48
2.7 Gliconeogênese...................................................................................................................................... 52
2.8 Via das pentoses.................................................................................................................................... 55
3 LIPÍDIOS................................................................................................................................................................ 57
3.1 Processo de liberação de lipídeos do tecido adiposo.............................................................. 58
3.2 Ciclo de Lynen........................................................................................................................................ 61
3.3 Aproveitamento do glicerol.............................................................................................................. 61
3.4 Regulação da lipólise........................................................................................................................... 62
3.5 Lipogênese ou biossíntese de ácidos graxos.............................................................................. 64
3.6 Formação de triglicerídeos................................................................................................................ 65
3.7 Regulação da síntese de ácidos graxos........................................................................................ 67
3.8 Cetogêsene ou síntese de corpos cetônicos............................................................................... 67
3.9 Síntese de corpos cetônicos.............................................................................................................. 68
3.10 Consequências da cetogênese....................................................................................................... 69
4 COLESTEROL....................................................................................................................................................... 71
4.1 Síntese de colesterol............................................................................................................................ 71
4.2 Principais etapas da síntese do colesterol................................................................................... 72
4.3 Regulação da síntese do colesterol................................................................................................ 72
4.4 Transporte do colesterol..................................................................................................................... 74
4.5 Degradação do colesterol ................................................................................................................. 75
4.6 Arteriosclerose........................................................................................................................................ 76

Unidade II
5 ÁCIDOS NUCLEICOS........................................................................................................................................ 82
5.1 Síntese de nucleotídeos e bases nitrogenadas.......................................................................... 84
5.2 Síntese de DNA (replicação ou duplicação)................................................................................ 84
5.3 Transcrição (síntese de RNA)............................................................................................................ 88
5.4 Transcrição reversa............................................................................................................................... 91
5.5 Degradação de DNA e RNA............................................................................................................... 92
5.6 Formação de ácido úrico.................................................................................................................... 93
6 AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS...................................................................................................................... 95
6.1 Síntese de aminoácidos...................................................................................................................... 95
6.2 Síntese de proteína (tradução)........................................................................................................ 95
6.2.1 Ativação de aminoácidos...................................................................................................................... 95
6.2.2 Iniciação...................................................................................................................................................... 96
6.2.3 Elongação.................................................................................................................................................... 96
6.2.4 Terminação................................................................................................................................................. 98
6.3 Inibidores da síntese de proteínas.................................................................................................. 99
6.4 Modificações pós-traducionais.....................................................................................................100
6.5 Degradação de proteínas e aminoácidos...................................................................................101
6.5.1 Transaminação........................................................................................................................................103
6.5.2 Desaminação...........................................................................................................................................105
6.5.3 Ciclo da ureia...........................................................................................................................................106

Unidade III
7 GRUPO HEME..................................................................................................................................................112
7.1 Estrutura química do grupo heme...............................................................................................113
7.2 Síntese do grupo heme.....................................................................................................................114
7.3 Porfirias...................................................................................................................................................116
7.4 Degradação do grupo heme...........................................................................................................118
8 VITAMINAS E SAIS MINERAIS....................................................................................................................121
8.1 Vitaminas................................................................................................................................................121
8.1.1 Vitamina A............................................................................................................................................... 122
8.1.2 Vitamina D............................................................................................................................................... 126
8.1.3 Vitamina E................................................................................................................................................ 130
8.1.4 Vitamina K............................................................................................................................................... 130
8.1.5 Complexo B............................................................................................................................................. 133
8.1.6 Vitamina C (ácido ascórbico)........................................................................................................... 139
8.2 Sais minerais..........................................................................................................................................141
8.2.1 Cálcio..........................................................................................................................................................141
8.2.2 Fósforo....................................................................................................................................................... 143
8.2.3 Magnésio.................................................................................................................................................. 143
8.2.4 Sódio, cloreto e potássio.................................................................................................................... 143
8.2.5 Ferro........................................................................................................................................................... 144
8.2.6 Zinco.......................................................................................................................................................... 144
8.2.7 Selênio....................................................................................................................................................... 144
8.2.8 Cobre.......................................................................................................................................................... 145
8.2.9 Iodo............................................................................................................................................................. 145
APRESENTAÇÃO

A bioquímica estuda as reações químicas e biológicas dos seres vivos. Essas reações são
fundamentais para o entendimento dos processos que permitem a manutenção da vida e o
desenvolvimento de tecnologias que permitem melhor qualidade de vida.

A presente disciplina tem como objetivo geral capacitar o aluno a entender os processos
bioquímicos que regulam a função celular e fornecer uma visão integrada do metabolismo
energético. O aluno terá conhecimentos a respeito das principais vias de síntese e degradação
de carboidratos, lipídios e proteínas. A disciplina também abordará conceitos fundamentais de
bioenergética, do grupo heme e das vitaminas e sais minerais.

INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, a bioquímica está presente na vida do ser humano, por exemplo, nos
processos fermentativos de produção de queijos e cervejas. Também nos deparamos com a bioquímica
nas conversas entre amigos ou quando é abordada em rádio, televisão e redes sociais. Inúmeras vezes
ouvimos informações a respeito de diabetes, emagrecimento, doença celíaca, intolerância à lactose
entre outras. Será que todas as informações veiculadas são verdadeiras? Por outro lado, é crescente o
interesse da comunidade científica e da população por essas informações.

A bioquímica está presente na indústria de alimentos, cosméticos, medicamentos, agricultura, medicina


diagnóstica, e cabe aqui destacar que o entendimento da estrutura do DNA (ácido desoxirribonucleico)
e a compreensão da importância do gene na síntese proteica foi o marco para o desenvolvimento da
biotecnologia, que engloba a produção de alimentos transgênicos, estudos com células-tronco, técnicas
de clonagem e fabricação de imunoterápicos.

Esta disciplina faz parte do currículo de muitos cursos da saúde, o que indica sua característica
multidisciplinar. Os conhecimentos aqui adquiridos são fundamentais para a formação dos profissionais
de saúde, uma vez que possibilita ao discente a compreensão dos processos biológicos a nível molecular,
o que viabiliza o entendimento dos mecanismos celulares.

O entendimento das reações orgânicas é imprescindível para a compreensão das reações de


anabolismo e catabolismo, entretanto, é importante que você tenha uma visão ampla sobre como essas
reações estão relacionadas, bem como do papel das enzimas e seu controle nessas reações.

9
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Unidade I
1 ENZIMAS

Enzimas são exemplos de proteínas, que coordenam as reações químicas, pois são responsáveis
pela catálise, isto é, deixam as reações mais rápidas. Apesar de serem exemplos de proteínas, não são
estudadas a fundo em bioquímica estrutural por seu papel importante no metabolismo. Hormônios
como insulina ou adrenalina, ATP, metabólitos como glicose, citrato, entre outros, podem ativar essas
enzimas ou inibi-las, controlando a velocidade das vias metabólicas e, por consequência, o metabolismo
como um todo. Se uma via for ativada, formará muito produto, e, ao contrário, pode não formar produto
suficiente para as reações subsequentes, e a via em questão ou esse determinado metabolismo (pode
ser de carboidrato, proteínas, lipídeos, heme) ficará prejudicado. Essa é a razão de estarmos estudando
enzimas nesse contexto da bioquímica metabólica: as enzimas irão comandar o metabolismo mediante
a substância (efetuador) que se ligará a ela.

Observação

As enzimas são proteínas, mas em 1981 foi descoberto um tipo com


características diferentes das já conhecidas: as ribozimas, moléculas de
RNA com capacidade autocatalítica semelhante às enzimas, também
chamada RNA catalítico, descritas em vírus, procariotos e em eucariotos.
Estão relacionadas com o processamento ou maturação do RNA e a síntese
de proteínas. Os pesquisadores Altman e Cech ganharam o Prêmio Nobel
de Química, em 1989, pela descoberta dos RNAs catalíticos. Acredita‑se
que podem ter papel na terapêutica de doenças, podendo ser usadas
na inativação de oncogenes celulares e de alguns retrovírus, como
o vírus da aids.

A função dessa pequena molécula de catalisar reações levou a


especulações sobre a origem da vida, e alguns cientistas acreditam que
a vida não teria começado a partir de proteínas, e sim no RNA, ou seja,
seria a primeira forma de vida na Terra e que depois teria sido englobada
por uma membrana celular, formando DNA e proteínas e, portanto, dando
início à primeira célula procariota.

11
Unidade I

Saiba mais

Para mais detalhes sobre enzimas e, especificamente, sobre ribozimas,


leia o artigo:

CECH, T. R. RNA as an enzyme. Scientific American, v. 255, n. 5,


p. 76-84, 1986.

Por definição, enzimas são catalizadores biológicos de alta especificidade. Mas o que significa isso?

• Catalizadores: aumentam a velocidade da reação.

• Biológico: provêm de um ser vivo.

• Alta especificidade: catalisam uma reação específica.

Para que ocorra o aumento da velocidade, a enzima deve promover a diminuição da energia de
ativação (energia necessária para que os reagentes cheguem ao estado de transição e ocorra a reação
química), tornando o caminho menor e mais rápido (figura a seguir).

Energia Estado de
transição

Ea sem catalisador

Ea com catalisador
Reagentes

Produtos

Caminho da reação
Figura 1 – Gráfico da energia versus caminho da reação;
com enzima, a energia para chegar no estado ativado é menor,
o que leva a uma maior velocidade para gerar produtos

12
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Podemos dizer que as enzimas alteram a velocidade e a energia de ativação, e não alteram
a natureza das reações (se a reação é endotérmica, não a torna exotérmica), não muda
as concentrações finais das reações (se é 1A → 1B não vai mudar para 1A → 100B) nem a
constante de equilíbrio (que depende das concentrações dos produtos e reagentes), entalpia
(ΔH) e entropia (ΔG).

O substrato (também chamado reagente) será a substância que irá se modificar pela ação da
enzima, logo após se ligar ao local especial chamado sítio ativo ou catalítico. Sabendo-se que
a enzima é uma molécula polipeptídica que apresenta estrutura terciária ou quaternária, enovelada,
ou seja, tem forma ou estrutura tridimensional globosa, como uma esfera que terá uma depressão
que se encaixa ao substrato, os aminoácidos do sítio ativo direcionam o substrato, o posicionam
corretamente no sítio ativo para que seja corretamente modificado, por exemplo: aminoácidos
negativos do sítio ativo da enzima posicionam regiões positivas do substrato de tal forma a
combinarem com esse local.
Enzima

Substrato

Sítio ativo

Figura 2 – Esquema de encaixe de um


substrato no sítio ativo da enzima

Para entender como se mede a quantidade da enzima (medida em concentração de atividade


enzimática: U/mL) em uma amostra biológica, temos que entender o que é atividade enzimática. Por
definição da bioquímica, segundo a International Union of Biochemistry and Molecular Biology (IUBMB)
e a International Union of Pure and Applied Chemistry (Iupac): 1 unidade (1U) de atividade enzimática
corresponde à quantidade de enzima que catalisa uma reação que formará 1 micromol de produto por
um determinado período de tempo em condições padrões.

Existem muitas enzimas com especificidades diferentes para diferentes reações. Há ocasiões em
que se precisa ter sua atividade muito maior (mais rápida) ou menor (mais lenta), então as enzimas
precisam sofrer regulação da sua atividade ou velocidade por substâncias, como hormônios,
metabólitos, NADH, ATP, por exemplo, que irão modular sua velocidade, aumentando ou diminuindo
a velocidade de reações pertencentes a uma determinada via metabólica em que se insere.

13
Unidade I

Observação

Enzimologia é a parte da bioquímica que estuda o comportamento das


enzimas nas reações. Muitas reações são extremamente lentas, mas nosso
corpo precisa dos produtos imediatamente para outras reações, pois eles serão
substratos de outras enzimas, criando uma rede de reações que chamamos de
metabolismo (ou via metabólica). As enzimas, como as outras proteínas, podem
ser separadas para serem estudadas (por carga, tamanho ou solubilidade) e
usadas para várias finalidades, desde farmacológicas até para outros usos,
como, por exemplo, amaciamento da carne (feito pela bromelina encontrada no
abacaxi), amilase usada para branqueamento de peças de roupa e amaciamento
de tecidos, renina na coagulação de leite para obtenção de queijo etc.

Algumas enzimas requerem ligação a moléculas não proteicas chamadas cofatores, para que possam
exercer a sua atividade. Os cofatores são íons metálicos, como Ca2+, Zn2+, que irão para o sítio ativo
e estão envolvidos na reação catalítica. Pode acontecer de a enzima precisar de mais ajuda para a
catálise: as coenzimas, que são pequenas moléculas que transportam grupos químicos de um substrato
para outro. Alguns exemplos são as vitaminas do complexo B, compostos que não são sintetizados no
organismo (vêm da dieta), como riboflavina, tiamina e o ácido fólico, podendo ser encontradas também
em substâncias como NADH, NADPH, FADH2.

1.1 Classificação e nomenclatura

As enzimas são classificadas nos seguintes grupos, conforme o tipo de reação química que catalisam:

• Oxidorredutases: reações de oxidação-redução ou transferência de elétrons. Exemplo:


desidrogenases e oxidases.

• Transferases: transferência de grupos funcionais, como amina, fosfato, acil e carboxila. Exemplo:
quinases e transaminases.

• Hidrolases: reações de hidrólise. Exemplo: peptidases.

• Liases: reações de quebra de ligações covalentes e a remoção de moléculas de água, amônia e gás
carbônico. Exemplo: dehidratases e descarboxilases.

• Isomerases: reações de interconversão ou isomerização entre isômeros óticos ou geométricos


(cis/trans). Exemplo: epimerases.

• Ligases: reações de formação de novas moléculas a partir da ligação entre duas pré-existentes.
Exemplo: sintetases.

14
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Observação

As enzimas de restrição ou endonucleases de restrição são produzidas


por bactérias. Seu descobrimento aconteceu pois pesquisadores perceberam
que as bactérias resistiam à infeção dos vírus ou outras bactérias produzindo
enzimas que clivavam o DNA viral ou bacteriano, fragmentando-o em porções
inofensivas, por isso as chamam de tesouras moleculares. Essas enzimas não
conseguiam fazer o mesmo com o DNA da produtora, pois havia alguma
modificação nesse DNA (por exemplo, um grupamento acetil ou metil) que
não permitia o reconhecimento da endonuclease na bactéria que a produziu.

Atualmente são usadas comumente em biologia molecular,


principalmente quando se pensa em clonagem molecular. Essas enzimas
clivam em sequências específicas compostas por 4-6 nucleotídeos, por
exemplo, a enzima EcoRI (que tem esse nome por que vem de Escherichia
coli cepa RI), e tem como sequência de reconhecimento 5’GAATTC 3’CTTAAG.

1.2 Cinética enzimática: fatores que alteram a velocidade de uma


reação enzimática

A parte da enzimologia que estuda a velocidade das reações se chama cinética enzimática. Há
vários fatores que podem influenciar na reação enzimática, como quantidade de sais e composição
de solvente, mas entre os principais fatores que alteram a atividade ou velocidade das enzimas, estão:
temperatura, pH, concentração da enzima e do substrato.

• pH: cada enzima possui uma faixa de pH considerada ideal. Nessa faixa, a velocidade (atividade) é máxima.
Caso a enzima seja submetida a extremos, o pH pode sofrer desnaturação e perder a estrutura. Como
toda proteína, as enzimas também são sensíveis a variações de pH, mas podemos encontrar enzimas
que suportam faixas de pH extremamente baixos, entre 0,1 e 5,4, como bactérias acidófilas, como a
Helicobacter pylori, que pode colonizar a parede estomacal ou suportar faixas de pH entre 8,5 e 11,5
(chamadas bactérias alcalinófilas como a Vibrio cholerae) apresentando um crescimento ótimo em pH 9.
V
Vmax

pH ótimo pH

Figura 3 – Existe uma faixa de pH em que a


velocidade é máxima (temperatura ótima)

15
Unidade I

• Temperatura: cada enzima possui uma faixa de temperatura considerada ideal. Nessa faixa, a
velocidade (atividade) é máxima. Temperaturas extremamente altas podem desnaturar as enzimas,
enquanto temperaturas baixas (por exemplo, 0 °C) preservam sua atividade.

Vmax

Temperatura

Temperatura ótima

Figura 4 – O gráfico é semelhante ao do pH versus velocidade;


algumas espécies de bactérias encontradas em fontes
termais toleram temperaturas de até 110 °C

Observação

Certas bactérias, como Bacillus stearothermophilus (agora chamado


Geobacillus stearothermophilus), encontradas em pilhas de adubo
orgânico, crescem otimamente entre 65 °C e 75 °C. Os esporos dessa
bactéria são utilizados para validar os processos de esterilização nas
indústrias alimentícia e farmacêutica, sendo uma das principais
ferramentas da garantia de qualidade, pois controla o funcionamento
de autoclaves em laboratórios de microbiologia e processos de
esterilização em geral. Operações de esterilização em que ocorra
crescimento de esporos sobreviventes nesse indicador biológico (Bacillus
stearothermophilus), após passagem por autoclave, irão mostrar a
ineficiência da esterilização

O organismo mais importante a ser destruído em enlatados ou


em conserva é o microrganismo anaeróbio Clostridium botulinum,
pequenos bacilos gram-positivos capazes de produzir neurotoxina letal
muito potente que desencadeia paralisias musculares, podendo levar o
indivíduo a morte.

• Concentração da enzima: quanto maior a concentração da enzima, maior será a velocidade da


reação (por exemplo 1 ug de enzima = velocidade, 2 ug = 2 v, 3 ug = 3 v).

16
BIOQUÍMICA METABÓLICA

3v
2v
1v

1E 2E 3E [E]

Figura 5 – Gráfico da concentração da enzima ([E])


versus velocidade (V)

• Concentração do substrato: quanto maior a concentração da enzima e do substrato, maior será


a velocidade da reação.

Vmax V

Vmax/2

KM [S]

Figura 6 – Gráfico da concentração de substrato ([S]) versus velocidade;


esse gráfico foi descrito por Leonor Michaelis e Maud Menten, e
por essa razão é chamado gráfico de Michaelis e Menten

Nesse gráfico podemos verificar que quanto mais aumenta a quantidade de substrato, mais aumenta
a velocidade da enzima no substrato, quase chegando à velocidade máxima (falamos que tende a
determinado ponto, que há tendência, ao ponto de velocidade máxima).

Michaelis e Menten verificaram que há um ponto extremamente importante: é o ponto que converge
1
a metade da velocidade máxima ( Vmax) para uma quantidade de substrato, que se chama KM (KM = [S]).
2
Esse ponto se chama constante de Michaelis-Menten e é característico de cada enzima e pode ser
usado como uma medida da afinidade da enzima pelo substrato. Quanto menor o KM, mais forte é a
ligação do substrato pela enzima, ou seja, irá precisar de menor quantidade de substrato para chegar na
metade da velocidade máxima.

Em seus estudos com cinética enzimática, Michaelis-Menten descrevem o que ocorre numa reação
enzimática desta forma:

E +S ↔ ES → E + P

17
Unidade I

Analisando a reação, percebemos que a enzima (E) liga-se ao substrato (S) para formar um complexo
enzima-substrato (ES), que se separa em enzima e produto (P).

Sabendo-se que ocorre um equilíbrio químico, podemos igualar as velocidades e arrumar os


componentes chegando à equação de Michaelis e Menten, que mostra qual é a velocidade em qualquer
momento da reação, se soubermos parâmetros como Vmax, KM e [S]:

Vmax [ S]
v=
Km + [ S]

A representação gráfica da velocidade da reação em função da concentração de substrato é uma


1
hipérbole, onde da velocidade máxima corresponde ao KM, que é uma determinada concentração de
substrato ([S]). 2

1.3 Inibidores da atividade enzimática

Substâncias (que podem ser desde venenos até medicamentos) podem inibir a atividade da enzima.
Algumas substâncias tóxicas, como pesticidas, agrotóxicos, toxinas de plantas ou animais podem parar
completamente alguma enzima, e a reação em que ela age fica totalmente prejudicada, ocorrendo
o bloqueio de uma única reação que afetará toda a sequência de reações, pois não irá ser gerado o
produto que será substrato da outra reação seguinte.

Essa inibição enzimática pode ocorrer caso a enzima tenha sofrido alguma mutação e não esteja
fazendo a catálise corretamente, ou seja, sem controle hormonal ou de metabólitos que possam
modular sua velocidade. Nesse caso, medicamentos podem fazer essa função e diminuir drasticamente
sua velocidade, levando o paciente a ter vida normal, pois haverá controle da enzima.

Analisando-se onde e como é feita a ligação entre o inibidor e a enzima, podemos dividir os inibidores
em dois tipos: reversível e irreversível. Na inibição irreversível, a atividade enzimática é definitivamente
inativada, pois a ligação desse inibidor com a enzima é do tipo covalente (ligação forte e mais estável),
alterando a atividade catalítica de forma permanente. Esse inibidor é chamado de suicida, pois vai ser
degradado junto à enzima quando for o momento dela ser degradada.

Observação

O íon cianeto (CN−) é inibidor irreversível da enzima citocromo oxidase,


que é ligada ao processo de respiração celular. Caso inativada, a célula não
respira e morre.

Muitas mortes e envenenamentos são devidos ao mau uso de agrotóxicos


com carbamatos e organofosforados que são inibidores potentes da enzima

18
BIOQUÍMICA METABÓLICA

acetilcolinesterase (enzima que cliva a acetilcolina, neurotransmissor do


sistema nervoso). Acumulando acetilcolina na fenda sináptica ocorre
estimulação contínua dos receptores provocando desde lacrimejamento,
micção, diarreia até paralisia e hipertensão.

Várias plantas com flores muito bonitas são causadoras de


envenenamentos do gado brasileiro, como o cafezinho (Palicourea
marcgravii), uma das plantas tóxicas mais perigosas do Brasil. Também
é chamado café-bravo, café-do-mato, erva-brava, erva-de-gado,
erva‑de‑rato. Essa planta tem ácido monofluoracético, que inibe a enzima
aconitase do ciclo de Krebs, levando à falência respiratória e cardíaca do
gado e dos seres humanos.

Na inibição reversível, o inibidor se liga à enzima por ligações fracas, instáveis, que podem ser
facilmente rompidas, e a enzima volta a catalisar como antes. Nessa inibição iremos estudar a competitiva
e não competitiva.

Na inibição competitiva, como o próprio nome diz, o inibidor compete com o substrato pelo
sítio ativo, pois ambos têm uma estrutura muito parecida com a do substrato da enzima, e como
está em maior quantidade, ele é que toma o espaço no sítio ativo, e dessa forma a enzima não
catalisa o substrato. Então a afinidade (KM) da enzima para com o substrato irá ser modificada, mas a
velocidade máxima não.

Observação

As estatinas, fármacos hipolipemiantes que agem reduzindo os


níveis plasmáticos de colesterol total e LDL-C colesterol, e que auxiliam
no tratamento da aterosclerose, são um exemplo de medicamento que
tem como mecanismo de ação a inibição competitiva da HMG-CoA
redutase, enzima responsável pela formação de colesterol pelo fígado e,
consequentemente, pela formação das lipoproteínas plasmáticas, como,
por exemplo, LDL-C colesterol, diminuindo o processo de formação de
ateroma. Os pacientes devem periodicamente fazer exames laboratoriais
para controlar efeitos adversos no fígado ou músculos.

Outros exemplos são o fármaco alopurinol, que é inibidor da


enzima da síntese de ácido úrico, xantina oxidase, controlando a
doença gota úrica, e o metotrexato, fármaco antineoplásico que
impede a síntese de purinas e pirimidinas, e, portanto, DNA e RNA,
eficaz no tratamento de leucemias, pois inibe competitivamente a
enzima di‑hidrofolato redutase.

19
Unidade I

Na inibição não competitiva, o inibidor pode ligar-se tanto à enzima (em um sítio que não é o sítio
ativo) ou ao complexo enzima-substrato. Nesse caso, a ligação do inibidor com a enzima não impede
que haja a ligação da enzima com o substrato, ou seja, a afinidade não é modificada (KM), mas atrapalha
na velocidade de catálise bruscamente (muda a velocidade máxima) pois há mudança na forma da
enzima, impedindo a formação do produto da reação.

Observação

Como exemplo de inibição não competitiva, podemos citar medicamentos


do coquetel anti-aids (ou Haart – terapia antirretroviral altamente ativa),
aprovados pelo FDA: delavirdina (Rescriptor®), efavirenz (Sustiva®) e
nevirapina (Viramune®), sendo que a nevirapina é um dos poucos fármacos
utilizados para prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho.

São exemplos de inibidores não nucleosídeos da transcriptase


reversa do HIV (NNTRs) e afetam a reação que ocorreria no sítio ativo da
enzima do vírus.

Existem muitos tratamentos terapêuticos que se baseiam na inibição enzimática. Vários


antibióticos combatem infecções por bactérias através da inibição irreversível de enzimas desses
microrganismos. A penicilina, por exemplo, inibe a atividade da enzima transpeptidase, indispensável
à formação da parede celular bacteriana. Com a inativação dessa enzima, a bactéria não tem
como fabricar a parede celular, o que impede a sua reprodução. As células animais, por sua vez,
não utilizam essa enzima em seu metabolismo, por isso a penicilina não causa mal ao organismo
humano (exceto em situações de alergia). Quando não há mais bactéria, para‑se o medicamento.

1.4 Gráficos de Lineweaver-Burk

Os estudos enzimáticos geralmente são realizados com os gráficos de Michaelis-Menten


(gráficos de MM), mas, na prática, é difícil obter o valor da velocidade máxima (Vmax) com precisão
(lembra-se que há tendência de chegar à velocidade máxima?).

Hans Lineweaver e Dean Burk, analisando o gráfico de MM, perceberam que poderia ser realizada a
 1  1
   [ S] 
inversão de velocidade v e de substrato e dessa forma iria gerar uma reta a partir da curva
1
do gráfico de Michaelis Menten. Essa reta corta o eixo da velocidade mostrando o ponto , e dessa
Vmax
forma esse gráfico tem a grande vantagem sobre o gráfico de MM, pois o valor aparece com muita
 1 −1
clareza. Da mesma maneira, quando corta o eixo   , teremos o ponto e facilmente conseguimos
saber o valor de K .  [ S ]  K M
M

20
BIOQUÍMICA METABÓLICA

1
v
1
Vm
1
−1
[ S]
KM

Figura 7 – A linearização do gráfico de Michaelis-Menten gera uma reta que é o gráfico de Lineweaver-Burk,
 1   −1
em que podemos verificar o número exato da velocidade máxima  e o KM  
 Vmax   KM 

1.5 Enzimas alostéricas e isoenzimas

1.5.1 Enzimas alostéricas

São as chamadas enzimas marca-passo, pois elas controlam a velocidade de todas as reações de
uma determinada via. Não obedecem à cinética de Michaelis-Menten (a curva da velocidade versus [S]
é sigmoide (como é possível ver na figura a seguir).

V
Hipérbole (Michaelis‑Menten)

Sigmoide (alostérica)

[S]

Figura 8 – Representação das curvas das sigmoide e hipérbole


de enzimas do tipo Michaelis-Menten e alostérica

Essas enzimas têm, além do sítio ativo, outro sítio chamado alostérico ou regulatório, em que uma
substância (hormônio, ATP, NADH, metabólito) pode se ligar, e modificando o sítio ativo pode facilitar
(ativar) a enzima para uma reação ou atrapalhar a entrada do substrato na enzima (inibir).

1.5.2 Isoenzimas

São enzimas que diferem na sequência de aminoácidos, mas que catalisam a mesma reação química
em órgãos diferentes. Isso ocorre para que funcione de formas distintas em vários compartimentos
do corpo, ajustando a velocidade da reação para determinado metabolismo. Podemos citar a creatina
quinase (ou creatina cinase), o lactato desidrogenase e a fosfatase alcalina.

A creatina quinase é um dímero com dois tipos de subunidades, M (muscular) e B (cerebral). No


musculoesquelético, as duas subunidades são do tipo M (CPK3 ou CKMM), no cérebro as duas unidades
são do tipo B (CPK1 ou CKBB), mas no miocárdio encontramos as duas subunidades: M e B (CPK2
ou CKMB). Consegue-se separar os três tipos por diferentes mobilidades na eletroforese. Essa enzima
catalisa a formação de energia (ATP) a partir de creatina fosfato gerando creatinina.
21
Unidade I

A lactato desidrogenase (LD ou LDH) é tetramérica, ou seja, contém 4 subunidades de 2


tipos diferentes: H, para o coração e M para o musculoesquelético, gerando 5 formas dessas
isoenzimas: LDH1 (HHHH), presente no coração; LDH2 (HHHM), encontradas no miocárdio e
nos eritrócitos; LDH3 (HHMM), no cérebro e rim; LDH4 (HMMM); e, por fim, LDH5 (MMMM),
encontrada no fígado e musculoesquelético. Essa enzima catalisa a reação de piruvato para
lactato (reversível), dessa forma, podemos dizer que ela será acionada quando não tiver muita
oferta de oxigênio para a célula.

A fosfatase alcalina pode ser encontrada no osso, no fígado, no intestino e na placenta, durante a
gravidez. A fosfatase alcalina óssea é marcador da atividade osteoblástica, ou seja, destruição óssea, que
geralmente ocorre no câncer ósseo. A isoenzima de origem hepática (ALP1) é termoestável, enquanto
a fração óssea (ALP2) é inativada pelo calor. A determinação laboratorial da fosfatase alcalina, quando
analisada com outros parâmetros e outras enzimas, pode ajudar no diagnóstico de doenças de ossos ou
fígado. Essa enzima faz desfosforilação, ou seja, remove grupos fosfato de algumas moléculas, como
proteínas ou nucleotídeos e atua em pH alcalino.

1.6 Enzimologia clínica

Em algumas doenças, a atividade de certas enzimas é modificada, geralmente aumentadas


se comparadas ao normal. As enzimas podem ser quantificadas no plasma sanguíneo, líquido
cefalorraquidiano, urina e exsudatos, e sua atividade deve ser comparada ao valor de referência liberado
pelos laboratórios que comercializaram o kit de determinação da enzima.

Sua medida colabora com o auxílio diagnóstico nos processos patológicos, pois quando um órgão
tem alguma alteração (patologia), suas atividades são modificadas e liberadas para o exterior da célula
e daí para o sangue, como no caso de lesão tecidual provocada por processos patológicos que levam ao
aumento na permeabilidade celular ou morte da célula.

Observação

Embora a maioria das enzimas funcione dentro das células, há


algumas que funcionam no sangue como as relacionadas à formação e
degradação de coágulos.

Algumas enzimas são rotineiramente medidas em laboratório clínico, como no quadro a seguir:

22
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Quadro 1 – Apresentação de algumas enzimas e relação com algumas patologias

Enzima Patologia relacionada com o aumento no plasma


Amilase Enfermidade no pâncreas, parotidite
Creatina cinase (CK) Enfermidades musculares, cardíacas e cerebrais
Fosfatase ácida Enfermidades na próstata
Fosfatase alcalina Enfermidades hepáticas, doenças ósseas
Lactato desidrogenase (LD) Enfermidade hepática, cardíaca, renal, hemólise
Lipase Enfermidades pancreáticas
Gama glutamil transferase (γ GT) Enfermidades hepáticas
Transaminase glutâmico oxalacética (TGO ou AST) Enfermidades hepáticas, cardíacas, musculares, renais
Transaminase glutâmico pirúvica (TGP ou ALT) Enfermidades hepáticas

A amilase é uma enzima produzida pela glândula parótida ou pelo pâncreas, portanto, caso haja
aumento dessa enzima no sangue, poderá ser por patologia no pâncreas (por exemplo, pancreatite)
ou se tiver aumento no tamanho de uma ou mais glândulas salivares (geralmente a parótida, mas
pode ser também glândulas sublinguais ou submandibulares).

A enzima lipase é produzida no pâncreas e seu aumento no sangue, junto à amilase, denotam
com certeza problemas pancreáticos.

Fosfatase ácida é uma enzima produzida na próstata, e quando há aumento nesse local, há
extravasamento dessa enzima para o sangue. Apesar de ser um bom marcador de problemas
prostáticos, há uma glicoproteína chamada PSA, que é mais específico e mais sensível.

Gamaglutamiltransferase (γ-GT) é uma enzima hepática, que além de outras funções, transfere
aminoácidos e grupamento glutamil pela membrana celular para peptídeos.

TGO e TGP são enzimas encontradas em vários órgãos, mas principalmente no fígado. TGO é
encontrada dentro das mitocôndrias, enquanto TGP é citoplasmática. Quando há lesão hepática
é liberada, primariamente, a TGP, e quando essa lesão é grave, por exemplo, com necrose onde as
organelas são degradadas, a mitocôndria libera TGO no sangue.

Creatina cinase, lactato desidrogenase e fosfatase alcalina já foram explicadas no item Isoenzimas.

1.7 Erros metabólicos hereditários

Os erros inatos do metabolismo (EIM) ocorrem quando uma determinada enzima não é produzida
corretamente, geralmente por mutação no DNA que se prolifera para o RNAm e a proteína (enzima).
Esse defeito genético que levou a um defeito enzimático pode até interromper uma via metabólica, e
os produtos dessa via não serão sintetizados, levando às doenças metabólicas hereditárias (DMH), que
correspondem a cerca de 10% de todas as doenças genéticas.

23
Unidade I

Geralmente ao nascer, as crianças portadoras com EIM parecem normais e algum fator externo
inicia as manifestações agudas diagnosticadas em laboratório clínico. Dependendo do erro inato do
metabolismo e da substância acumulada, tem-se a terapêutica que vai desde dieta até transplante
de medula óssea.

1.7.1 Fenilcetonúria e albinismo

A fenilcetonúria é uma doença genética, autossômica e recessiva, em que a enzima fenilalanina hidroxilase
está mutada e dependendo do tipo de mutação poderá ocorrer a ausência ou deficiência desta enzima, que
não faria a transformação da fenilalanina em tirosina e, dessa forma, a via ficaria toda prejudicada.
• Fenilalanina
Fenilalanina hidroxilase
• Tirosina

• L‑Dopa

• Dopamina

• Norepinefrina

• Epinefrina

Figura 9 – Esquema da transformação de fenilalanina até adrenalina

Com esse aumento das moléculas de fenilalanina do sangue, ocorre a transformação destas em ácido
fenilpirúvico, que pode ir para a urina pelo sangue e para outros órgãos, mostrando-se tóxica, inclusive
no cérebro. Caso a doença não seja diagnosticada com o teste do pezinho (do Programa Nacional de
Triagem Neonatal do Ministério da Saúde), seu início poderá ser manifestado clinicamente em torno
do 3o ou 4o mês de vida, quando a criança começa a apresentar atraso global do desenvolvimento
neuropsicomotor, irritabilidade ou apatia, convulsões, coceiras crônicas, coloração esbranquiçada na
pele (hipopigmentação cutânea), e se não tratada, chega ao retardo mental.

Observação

Adoçantes artificiais, como sacarina, ciclamato de sódio, aspartame e


outros, são usados por diabéticos para substituir o açúcar, mas pessoas
que querem emagrecer utilizam esses produtos também. Alimentos light
são aqueles que têm uma redução de 25% de um ingrediente em relação
ao original. Alimentos diet são aqueles que não têm algum componente
nutricional, como gordura ou açúcar. Dessa forma, diabéticos não deveriam
consumir produtos light e sim diet.
24
BIOQUÍMICA METABÓLICA

O aspartame (criado nos Estados Unidos em 1965) é formado pela


união de dois aminoácidos: ácido aspártico e fenilalanina, resultando
em um produto doce que substitui o açúcar, mas fenilcetonúricos não
podem ingerir, pois já possuem fenilalanina no organismo, o que agravaria
muito sua condição

Caso faça corretamente a dieta livre de fenilalanina, a criança pode ter desenvolvimento e expectativa
de vidas normais.

1.7.2 Albinismo

O albinismo provém de falha na produção de melanina. Para que ocorra, tanto o pai como a
mãe irão passar os genes defeituosos para os filhos (herança autossômica recessiva). Sua natureza
genética afeta a atividade da enzima tirosinase, podendo ser classificado em: tirosinase-negativo
(quando não há produção de melanina) e tirosinase-positivo (quando há pequena produção de
melanina), e por consequência, ausência parcial ou total de pigmentos na pele, nos cabelos e nos
olhos. Esse pigmento serve como barreira natural contra as radiações solares e sua falta pode
provocar fotossensibilidade, queimaduras e câncer de pele. Não compromete o desenvolvimento
físico e mental de seus portadores.

O albinismo pode ocorrer também em animais (que sofrem mais facilmente o ataque de predadores
e da energia solar) e plantas (que não produzem pigmento clorofila e vivem com o armazenamento de
substâncias energéticas que estão presentes nas sementes).

• Fenilalanina

• Tirosina
Tirosinase
• L‑Dopa
Tirosinase

Melanina

Figura 10 – Esquema da produção de melanina e criança da raça negra e albina

25
Unidade I

Lembrete

O albinismo acomete seres humanos, animais e plantas.

1.7.3 Galactosemia

É a deficiência em enzimas que são usadas na conversão da galactose no sangue, entre elas a
galactose-1-fosfato-uridil transferase devido à herança autossômica recessiva. Após a amamentação,
aparecem vômitos, hepatomegalia, crescimento deficiente, letargia, diarreia e disfunção renal, que levam
à acidose metabólica. A restrição da galactose da dieta, que tem como fonte principal o carboidrato
lactose, é o tratamento principal.

1.7.4 Doença de von Gierke ou glicogenose tipo I

Esse distúrbio metabólico hereditário autossômico recessivo leva ao acúmulo de glicogênio por
causa da deficiência da enzima glicose-6-fosfatase, que é responsável por liberar glicose a partir do
glicogênio (glicogenólise), acumulando-o no fígado (leva a hepatomegalia) e nos rins (nefromegalia),
podendo acarretar convulsões, irritabilidade, tremores, desmaios. O diagnóstico ocorre por hipoglicemia,
aumento de ácido láctico, colesterol, ácidos graxos, triglicérides, fosfolípides e ácido úrico. O tratamento
é a prevenção da hipoglicemia e da acidose láctica, sendo que a dieta deve ter alimentos ricos em
glicose ou amido.

1.7.5 Cretinismo

A ausência do hormônio tiroxina (hormônio proteico com moléculas de iodo) afeta o amadurecimento
cerebral, levando à deficiência mental pelo hipotireoidismo congênito, que pode ser por deficiência
enzimática durante o desenvolvimento do hormônio da tireoide. É possível identificar a doença por
meio do teste do pezinho.

Epiglote

Cartilagem tireóidea
Glândulas
paratireóideas
superiores
Glândula tireóidea
Glândulas
paratireóideas inferiores
Traqueia

Figura 11 – Desenho esquematizado da tireoide

26
BIOQUÍMICA METABÓLICA

2 CARBOIDRATOS

Por que nos alimentamos? Nos alimentamos para gerar energia para nossas células. E de que modo
nossas células produzem energia? Elas produzem energia na forma de adenosina trifosfato (ATP) a partir
da oxidação de macronutrientes (carboidratos, lipídios e proteínas) por meio de reações que constituem
o metabolismo. Essas reações de degradação (catabolismo) dos macronutrientes em moléculas menores
e de construção (anabolismo) que permitem a formação de macromoléculas são reguladas por enzimas,
vitaminas, sais minerais e hormônios. Então estudaremos como essas reações químicas de conversão de
uma molécula em outra ocorrem em nossas células.

Metabolismo

Anabolismo Catabolismo

Construção de moléculas Degradação de moléculas


complexas a partir de mais complexas em
moléculas simples moléculas simples

Consumo de ATP Produção de ATP

Figura 12 – Interdependência do anabolismo e do catabolismo

Em bioquímica estrutural, cita-se como exemplo a ingestão de um café da manhã com pão, biscoitos,
bolo, mel e leite. Já sabemos como esses carboidratos são classificados quanto à complexidade, agora
iremos compreender a sua digestão até que possam atingir a corrente sanguínea e serem utilizados por
todas as células do organismo. Por questões didáticas, iremos estudar a digestão dos macronutrientes
de forma individualizada, mas ressaltamos que estes são digeridos ao mesmo tempo, às vezes não
compartilham o mesmo local de digestão e demandam enzimas distintas.

2.1 Digestão dos carboidratos

Na cavidade bucal, o amido é degradado em dextrinas de amido pela enzima alfa-amilase (ptialina),
que quebra as ligações α-1,4 da molécula de amido. No intestino, as moléculas de dextrina de amido
continuam a ser degradadas pela amilase pancreática em moléculas de maltose. E a maltose é hidrolisada
em duas moléculas de glicose. A glicose (monossacarídeo) pode ser absorvida para a corrente sanguínea
através das células do intestino delgado.

A digestão da sacarose (dissacarídeo) ocorre no intestino delgado na presença da enzima sacarase


e origina produtos como glicose e frutose (monossacarídeo), que são absorvidos para a corrente
sanguínea. O leite contém outro açúcar, a lactose, que também é um dissacarídeo, e a degradação
depende da lactase. Nesse caso, os produtos gerados são glicose e galactose. E a digestão da frutose?
É um monossacarídeo, então ela é prontamente absorvida pelas células intestinais.

27
Unidade I

Lactose Amido Sacarose

α-amilase

Lactose Dextrinas de amido Sacarose

Lactase Amilase pancreática Sacarase

Glicose Maltose Glicose

+ Maltase +

Galactose Frutose Moléculas


simples
absorvidas
Glicose

Glicose

Figura 13 – Digestão de carboidratos

Saiba mais

Alguns indivíduos apresentam intolerância à lactose. A sua má absorção


ocorre em virtude da inatividade ou ineficiência da lactase. Os indivíduos
intolerantes à lactose apresentam flatulência, dores abdominais e diarreia.
Vale a pena a leitura do artigo:

DENG, Y. et al. Lactose intolerance in adults: biological mechanism


and dietary management. Nutrients, v. 7, n. 9, 8020-8035, 18 set. 2015.
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4586575/
pdf/nutrients-07-05380.pdf. Acesso em: 29 jun. 2020.

2.2 Transportadores de glicose

Uma vez na corrente sanguínea, como a glicose entra nas células? Ela não pode difundir-se
através dos poros da membrana, pois é muito grande. Seu peso molecular é de 180 kDa e o máximo
das partículas permeáveis é cerca de 100 kDa. Existem dois tipos de mecanismos de transporte de
glicose através da membrana: facilitado, mediado por transportadores de membrana específicos
(GLUT, do inglês glucose transporter), e o cotransporte, com o íon sódio (SGLT, do inglês sodium
glucose transporter).

28
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Glicose Na+

Célula

Na+
Glicose

K+

Transportador Sódio‑potássio
de glicose ATPase

Na+ K+

Figura 14 – Transportador de glicose

Existe uma família de transportadores (atualmente é proposta a existência de doze tipos de


transportadores) que diferem quanto às características funcionais e distribuição tecidual e que podem
transportar outros monossacarídeos, com estruturas semelhantes à da glicose, incluindo, especialmente,
a galactose. A maioria das células expressa um número diferente de GLUTs em proporções distintas. E a
atividade dos GLUTs pode ser regulada ou não pela insulina. Assim, a quantidade de glicose passível de se
difundir para o interior da maioria das células, na ausência de insulina, é insuficiente para o metabolismo
energético. Nessas células, o transporte de glicose é dependente de insulina (ver figura a seguir). Nos
hepatócitos e nos neurônios, a entrada de glicose também é mediada pelos GLUTs, entretanto, não é
dependente de insulina.

Glicose
Insulina
ligada ao
Receptor receptor
de insulina Transportador
de glicose Transportador
Insulina fechado de glicose
aberto

Célula Célula

Figura 15 – Entrada de glicose na célula mediada pela insulina

No epitélio intestinal e tubular renal, o transporte de glicose ocorre contra gradiente e acoplado
ao sódio na membrana apical das células através dos cotransportadores (SGLT1-SGLT2), com posterior
difusão facilitada para o interstício através de GLUTs presentes na membrana basolateral.
29
Unidade I

Vejamos as características de alguns GLUTs:

• O transportador de glicose tipo 1 (GLUT1) está amplamente distribuído pelas células, e realiza
o transporte basal de glicose celular. Está presente nos tecidos fetais, mas sua expressão está
diminuída nos tecidos adultos. Não tem atividade alterada pela presença da insulina.

• O transportador de glicose tipo 2 (GLUT2) está presente nos hepatócitos, células β pancreáticas,
mucosa intestinal e rins. Possui alta afinidade com a glicose e não tem atividade modulada pela
insulina. As células β pancreáticas detectam a variação da glicemia e iniciam automaticamente o
controle da secreção de insulina, e em reposta o fígado capta ou libera glicose.

• O transportador de glicose tipo 4 (GLUT4) é o mais abundante e está nas membranas celulares do
musculoesquelético, cardíaco e tecido adiposo. É dependente de insulina.

• O transportador de glicose tipo 5 (GLUT5) é uma proteína transportadora de frutose, com pequena
ou nenhuma afinidade pela glicose.

Desse modo, uma vez dentro das células, a glicose será utilizada com diferentes finalidades,
dependendo do estado metabólico do organismo, ou seja, absortivo, pós-absortivo ou em jejum.
A variação da glicemia (quantidade de glicose na corrente sanguínea) determina quais hormônios são
produzidos e quais reações químicas estão favorecidas.

Agora iremos estudar as vias metabólicas correspondentes ao metabolismo dos carboidratos.

2.3 Glicólise

No balanço geral da glicólise (C6H12O6), ela produz duas moléculas de piruvato ou ácido pirúvico
(C3H4O3), duas moléculas de ATP e duas moléculas de NADH, mas isso ocorre numa sequência de reações
no citosol das células.

Glicose

NAD+
2NADH
10 reações

ADP + Pi
2ATP

2 Piruvato

Figura 16 – Esquema simplificado da glicólise

30
BIOQUÍMICA METABÓLICA

O ácido pirúvico é um composto orgânico que contém três átomos de carbono (C3H4O3). Dissocia-se
em meio aquoso e forma o ânion piruvato, que é a forma sob a qual participa dos processos metabólicos.
O O
C C
OH O–
C O C O

CH3 CH3
H+
Ácido pirúvico Piruvato

Figura 17 – Diferença entre ácido pirúvico e piruvato

Observação

ATP é uma sigla usada para indicar a molécula de adenosina trifosfato


(adenosine triphosphate). A molécula de ATP é formada por uma base
nitrogenada adenina, uma ribose e por três grupos fosfato. A adenina
ligada à ribose é chamada adenosina. Quando a adenosina está ligada a
apenas dois grupos fosfato, temos a adenosina difosfato (ADP).
NH2
N
O O O N


O P O P O P O CH2 N N

H H
O– O– O–
H H
OH OH
ATP
NH2
N
O O N


O P O P O CH2 N N
O
H H
O– O–
H H
OH OH
ADP

Figura 18 – Moléculas de ATP e ADP

Nicotinamida adenina dinucleotídeo (NADH), em inglês (nicotinamide adenine dinucleotide) é


uma coenzima que pode estar no estado: NAD+ (oxidado) ou NADH (reduzido).

31
Unidade I

ADP ADP
Ribo Ribo
NAD+ + H+ + 2e+ NADH
N+ N
Redução
Oxidação
O O

H NH2 H H NH2

Figura 19 – Molécula de NADH; ribose (Ribo)

• Reação 1: uma vez dentro da célula, a glicose é modificada para que não possa sair. E isso é
possível a partir da reação de fosforilação pelo ATP, formando a glicose-6-fosfato. Essa reação é
catalisada pela enzima hexoquinase ou glicoquinase (ver figura a seguir). O fosfato adicionado
à glicose confere carga negativa à glicose e assim não permite que ela passe pela membrana
plasmática. O magnésio é o cofator dessa reação.
6 6
CH2OH Hexoquinase CH2O– P
H
5 O OH ou H
5 O OH
glicoquinase
4 1 4 1
OH H OH H
OH H ATP ADP OH H
3 2 3 2
H OH H OH
Glicose Glicose‑6‑fosfato

Figura 20 – Conversão de glicose em glicose-6-fosfato

O P dentro do círculo que aparece nas moléculas corresponde ao grupo fosfato PO4-3. E a seta para
cima indica que o ATP está sendo consumido na reação, e a seta para baixo indica que o ADP está sendo
formado pela reação.

A seta única da reação (→) indica que esta é irreversível. E quando a reação é reversível, pode ser

representada pelas seguintes setas: ↔ ou

• Reação 2: ocorre a isomerização da glicose à frutose. Isso é possível pela ação da enzima
fosfoglicoisomerase, que transforma a aldose da glicose em uma cetose.
6 6 1
CH2O– P P –OCH2 O CH2OH
H
5 O OH Fosfoglicoisomerase 5 2
4
OH H
1
H HO OH
OH H 4 3
3 2
H OH OH H
Glicose‑6‑fosfato Frutose‑6‑fosfato

Figura 21 – Conversão de glicose-6-fosfato em frutose-6-fosfato

32
BIOQUÍMICA METABÓLICA

• Reação 3: a frutose-6-fosfato é então fosforilada pelo ATP e se transforma em frutose‑1,6‑bisfosfato


com o auxílio da fosfofrutoquinase (FFK). Essa enzima é alostérica e é um dos pontos de regulação
da glicólise. O magnésio é o cofator dessa reação.
6 1 6 1
–OCH2 O CH2OH –OCH2 O CH2O–
5 2 5 2

HO OH Fosfofrutoquinase HO OH
H H
4 3 4 3

OH H ATP ADP OH H
Frutose‑6‑fosfato Frutose‑1,6‑bifosfato

Figura 22 – Conversão de frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bifosfato

• Reação 4: a frutose-1,6-bisfosfato é clivada em duas moléculas: di-hidroxiacetona fosfato e


gliceraldeído-3-fosfato. Essa reação é catalisada pela aldolase.
H C O
6 1
P –OCH2 O CH2O – P H C OH
5 2
Aldolase
CH2O P
H HO OH
4 3 Gliceraldeído 3‑fosfato
OH H
Frutose‑6‑fosfato +

CH2O P

C O

CH2OH
Di-hidroxiacetona fosfato

Figura 23 – Quebra da frutose-1,6-bifosfato em gliceraldeído-3-fosfato e di-hidroxiacetona fosfato

• Reação 5: apesar de serem formadas duas moléculas, é o gliceraldeído-3-fosfato que é


utilizado na continuação da glicólise; por isso é necessário que a di-hidroxiacetona seja
interconvertida a gliceraldeído-3-fosfato. Essa isomerização é catalisada pela triose-fosfato
isomerase. Observe que existe uma seta com duplo sentido na isomerização, isso indica que
o gliceraldeído-3-fosfato também pode ser convertido em di-hidroxiacetona, mas para que
isso não ocorra, ele é prontamente consumido, e a conversão da di-hidroxiacetona para
aldeído é favorecida.

33
Unidade I

CH2O P Triose-fosfato H C O
isomerase
C O H C OH

CH2OH CH2O P
Di-hidroxiacetona fosfato Gliceraldeído 3‑fosfato

Figura 24 – Isomerização da di-hidroxiacetona fosfato

• Reação 6: a molécula de gliceraldeído-3-fosfato é transformada em 1,3-disfosfoglicerato


(1,3-BPG), em uma reação catalisada pelo gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase. Observe
que uma molécula de NAD+ (coenzima no estado oxidado) foi reduzida a NADH (coenzima no
estado reduzido).
O

H C O Gliceraldeído 3–fosfato C O P
desidrogenase

H C OH H C OH

CH2O P NAD+ NADH CH2O P


Pi
Gliceraldeído 3‑fosfato 1,3–difosfoglicerato

Figura 25 – Conversão de gliceraldeído-3-fosfato em 1,3-difosfoglicerato

• Reação 7: é a primeira vez que forma um ATP. O 1,3-disfosfoglicerato se converte em


3-fosfoglicerato, em uma reação catalisada pelo fosfoglicerato quinase (veja figura a seguir).
A fosforilação ocorreu com a transferência do grupo fosfato diretamente do substrato. Essa reação
forma 2 ATP por molécula de glicose.
O

C O P Fosfoglicerato COO–
quinase

H C OH H C OH

CH2O P ADP ATP CH2O P


1,3–difosfoglicerato 3‑fosfoglicerato

Figura 26 – Conversão do 1,3-difosfoglicerato em 3-fosfoglicerato

• Reação 8: o fosfato do 3-fosfoglicerato é transferido do carbono 3 para o carbono 2, formando


o 2-fosfoglicerato. Isso ocorre por que o composto 3-fosfoglicerato possui baixo potencial de
transferência de substrato (veja figura a seguir). Para aumentar o seu potencial, o fosfato passa
da posição 3 para a posição 2.

34
BIOQUÍMICA METABÓLICA

COO– Fosfoglicerato COO–


mutase

H C OH H C O P

CH2O P CH2OH
3‑fosfoglicerato 2‑fosfoglicerato

Figura 27 – Mudança do radical fosfato da posição 3 para a posição 2

• Reação 9: para aumentar ainda mais seu potencial de transferência de fosfato, o 2-fosfoglicerato
se transforma em fosfoenolpiruvato.
COO– COO–
Enolase

H C O P C O P

CH2OH CH2
2‑fosfoglicerato Fosfoenolpiruvato

Figura 28 – Formação do fosfoenolpiruvato

• Reação 10: o fosfoenolpiruvato se transforma em piruvato por ação da piruvato quinase (veja
figura a seguir). Nessa reação, formam-se 2 ATP a partir do substrato. Essa reação é irreversível,
devido ao alto valor de ΔG.
O
COO– C
O–
C O P Piruvato quinase C O

CH2 CH3
ADP ATP
Fosfoenolpiruvato Piruvato

Figura 29 – Formação do piruvato

Após o estudo individual das reações, podemos agrupá-las em dois momentos distintos: a fase
preparatória da glicose e a de produção de energia.

A fase preparatória da glicólise inicia-se na glicose e origina gliceraldeído-3-fosfato e


di‑hidroxiacetona. Nessa fase são gastos ATPs em duas fosforilações. Essa fase termina com a quebra da
hexose em duas trioses.

35
Unidade I

Glicose
Hexoquinase ou glicoquinase
Gasto de ATP
Glicose 6‑fosfato
Fase preparatória
Fosfoglicoisomerase

Frutose 6‑fosfato
Fosfofrutoquinase
Gasto de ATP
Frutose 1,6‑dfosfato
Aldose

Di‑hidroxiacetona Gliceraldeído
fosfato 3‑fosfato Gasto de 2 moléculas de ATP
Triose‑fosfato
isomerase

Gliceraldeído
3-fosfato

Figura 30 – Fase preparatória da via glicolítica

Na de produção de energia: do gliceraldeído-3-fosfato até piruvato ocorrem duas reações de


fosforilação em nível de substrato. Isso significa que a reação transfere não só energia livre ao ADP, mas
também o próprio fosfato, necessário à síntese de 1 ATP.

2 (gliceraldeído 3-fosfato)
Gliceraldeído 3-fosfato
desidrogenase
Produção de 2NADH
2 (1,3-difosfoglicerato) Fase de produção
Fosfoglicerato quinase
Produção de 2 ATP
2 (3-fosfoglicerato)
Fosfoglicerato
mutase
2 (2-fosfoglicerato)
Enolase

2 (2-fosfoenolpiruvato)
Piruvato
Quinase
Produção de 2 moléculas de
Produção de 2 ATP ATP e de 2 moléculas de NADH
2 (Piruvato)

Figura 31 – Fase de produção de energia

36
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Observe que são formadas duas moléculas de NADH, que é um aceptor intermediário dos elétrons
formados nas reações de oxidação da via. O NADH é constantemente regenerado. E quando isso ocorre?
Nas próximas etapas de metabolização do piruvato.

O piruvato possui três destinos distintos dependendo da presença ou ausência de oxigênio. Na


presença de oxigênio (aerobiose), o piruvato produz dióxido de carbono, e em aerobiose os produtos
podem ser etanol ou ácido lático.

Glicose

Glicose

Condições 2 Piruvato Condições


anaeróbias anaeróbias
Condições
aeróbias
2 Etanol + 2CO2 2 Lactato
2 Acetil‑CoA

Ciclo de Krebs

4CO2 + 4H2O

Figura 32 – Destinos do piruvato nas células na presença ou ausência de oxigênio

Na respiração anaeróbica, ou fermentação, ocorre uma série de reações de degradação da glicose


para a obtenção de energia sem a utilização de O2. Esse processo irá ocorrer no citoplasma das células
e a formação de ATP não é eficiente, ou seja, menor quantidade de ATP é produzida em comparação com a
respiração aeróbica. Nesses casos, um mol de glicose irá gerar somente dois mols de ATP. Existem dois
tipos de fermentação: alcoólica e láctica (vejas as figuras a seguir).

O
OH
C OH
Glicólise +4H+ + 4e– → CH +2CO2
C6H12O6 2 2
C O
CH3
C H3
Álcool etílico
Ácido pirúvico (Etanol)

Figura 33 – Fermentação alcoólica

37
Unidade I

O O

C OH C OH
Glicólise +4H+ + 4e– → 2
C6H12O6 2
C O H C OH

CH3 CH3
Ácido pirúvico Ácido lático

Figura 34 – Fermentação lática

Na fermentação alcoólica que ocorre principalmente nas leveduras e em vários outros


microrganismos, é possível a produção de vinho e cerveja, por exemplo. Na primeira etapa, o piruvato
é descarboxilado pela ação da piruvato descarboxilase, gerando aldeído acético, que na sequência é
reduzido a etanol pela ação da enzima álcool desidrogenase, com a concomitante formação de NAD+,
por meio da regeneração de um NADH.

Na respiração aeróbica, o processo é mais eficiente e acontece nas mitocôndrias das células. Vamos
relembrar a estrutura dessa organela.

Crista
mitocondrial

Matriz ou
estroma

Ribossomo
Membrana Membrana
interna externa

Figura 35 – Mitocôndria

Nessa forma de obtenção de energia, ocorre a produção de 38 mols de ATP com apenas 1 mol de glicose.
Quase todos os seres vivos utilizam a respiração celular aeróbica como processo de obtenção de energia para
suas diversas atividades.
38
BIOQUÍMICA METABÓLICA

2.4 Ciclo de Krebs

O ciclo de Krebs (CK) também é conhecido como ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo do ácido
cítrico e ocorre na matriz mitocondrial. É uma sequência de reações nas quais acontece a oxidação de
moléculas e como consequência ocorre a liberação de elétrons que serão utilizados na cadeia respiratória
para a obtenção de ATP. A representação das reações está em forma de um ciclo.

Cada volta do ciclo de Krebs produz 3 moléculas de NADH, 1 FADH2 e 1 GTP. Entretanto, quando uma
molécula de glicose inicia a glicólise aeróbia, são geradas 2 moléculas de piruvato, que se convertem em
acetil-CoA e, por isso, consideramos que duas moléculas de acetil-CoA iniciam esse ciclo.
Acetil‑CoA

Oxaloacetato Citrato

Malato Isocitrato

α‑cetoglutarato
Fumarato

Succinil‑CoA
Succinato

Figura 36 – Intermediários do ciclo de Krebs

Saiba mais

O funcionamento do ciclo de Krebs foi descrito pelo biólogo, médico


e químico alemão Hans Adolf Krebs, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel em
1953. Você pode conhecer sua história na indicação a seguir:

HANS KREBS. Biográfico. The Nobel Prize. Nobel Media AB, 2020.
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1953/krebs/
biographical/. Acesso em: 30 jun. 2020.

39
Unidade I

Figura 37 – Hans Adolf Krebs

É importante que o processo global de produção de energia que está na forma de moléculas de NADH
e FADH2 seja compreendido. Agora observe em quais etapas ocorrerá a produção dessas coenzimas no
estado reduzido.
Acetil‑CoA

Citrato sintase
Oxaloacetato Citrato
NADH
Malato Aconitase
desidrogenase
Malato Isocitrato
Isocitrato
desidrogenase NADH
Fumarase CO2
α‑cetoglutarato
Fumarato Complexo
a‑cetoglutarato
Succinato desidrogenase
FADH2 desidrogenase NADH
Succinil‑CoA Succinil‑CoA CO2
Succinato
sintetase

GTP

Figura 38 – Produção de coenzimas (NADH e FADH2), GTP e CO2 no ciclo de Krebs

Para que ocorra o ciclo de Krebs, é necessário que a molécula de piruvato sintetizada na glicólise seja
transformada em acetil-CoA na mitocôndria por ação da piruvato desidrogenase.

40
BIOQUÍMICA METABÓLICA

O
C CO2 Coenzima A
O–
C O C O
CoA NAD+ NADH
CH3 CH3
Piruvato Acetil‑CoA

Figura 39 – Conversão de piruvato em acetil-CoA

Agora vejamos detalhadamente as oito reações que compõem o ciclo de Krebs.

• Reação 1: síntese do citrato. O acetil-CoA inicia o ciclo de Krebs, reage com o oxaloacetato,
na presença do citrato sintase e forma citrato. Observe a soma de carbonos. O citrato tem seis
carbonos, quatro carbonos provenientes do oxaloacetato e dois carbonos do acetil-CoA.

COO– H2C COO–

Coenzima A C O Citrato HO C COO–


sintase
C O + CH2 H C COO–
H2O Coenzima A
CH3 COO– H2C
Acetil‑CoA Oxaloacetato Citrato

Figura 40 – Formação do citrato

• Reação 2: isomerização do citrato em isocitrato. O citrato formado é então isomerizado a


isocitrato, o que facilita sua descarboxilação em uma reação catalisada pela aconitase.
H2C COO– H2C COO–
Aconitase
HO C COO– HO C COO–

H C COO– H C COO–

H2C OH
Citrato Isocitrato

Figura 41 – Isomerização do citrato

• Reação 3: descarboxilação oxidativa do isocitrato. O isocitrato formado sofre descarboxilação,


catalisada pelo isocitrato desidrogenase, para formar o α-cetoglutarato. Utiliza o NADH como
transportador de dois hidrogênios liberados na reação, havendo o desprendimento de uma
molécula de CO2.

41
Unidade I

H2C COO– Isocitrato H2C COO–


desidrogenase
HO C COO– H C H

H C COO– NAD+ NADH C COO–


CO2
OH O
Isocitrato a‑cetoglutarato

Figura 42 – Descarboxilação oxidativa do isocitrato

• Reação 4: descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato a succinil-CoA. O a-cetoglutarato também


sofre descarboxilação, catalisada pelo complexo a-cetoglutarato desidrogenase, formando um
intermediário, o succinilcoenzima-A (succinil-CoA). Esse complexo também utiliza o NADH como
transportador de dois hidrogênios liberados na reação, havendo o desprendimento de mais uma
molécula de dióxido de carbono.
H2C COO– H2C COO–
Complexo de a‑cetoglutarato
H C H desidrogenase H C H + CO2

C COO– NAD+ NADH C S‑CoA


CoA‑SH
O O
a‑cetoglutarato Succinil‑CoA

Figura 43 – Descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato

• Reação 5: formação de um GTP a partir do substrato. A enzima succinil-CoA catalisa a quebra da


succinil-CoA, o que permite a liberação de energia na forma de um GTP (figura anterior). O GTP
pode transferir o seu Pi para um ADP, formando um ATP. Essa é a única etapa do ciclo em que
ocorre a formação de um composto pronto de alta energia.
H2C COO– H2C COO–
Isocitrato
H C H desidrogenase H C H

C S‑CoA H C H
GDP GTP
O COO–
Coenzima A
Succinil‑CoA Succinato

Figura 44 – Formação de GTP

• Reação 6: desidrogenação do succinato. É formado o fumarato, pela ação do succinato


desidrogenase, que utiliza o FADH2 como transportador de dois hidrogênios liberados na reação.
A coenzima A retorna ao pool inicial da mitocôndria. E finalmente ocorrem reações que permitem

42
BIOQUÍMICA METABÓLICA

a regeneração do oxaloacetato. O succinato sofre uma série de reações de oxidação, hidratação e


uma segunda oxidação para a formação do oxaloacetato.
H2C COO– COO–
Succinato
H C H desidrogenase H C

H C H H C
FAD FADH2
COO– O
Succinato Fumarato

Figura 45 – Desidrogenação do succinato

• Reação 7: hidratação do fumarato. A fumarase catalisa a hidratação do fumarato e ocorre a


produção do malato.
COO– COO–

H C Fumarase H C H

H C H C OH

COO- COO–
Fumarato Malato

Figura 46 – Hidratação do fumarato

• Reação 8: desidrogenação do malato. A malato desidrogenase catalisa a oxidação do malato em


oxalacetato e utiliza o NADH como transportador de dois hidrogênios liberados na reação.
COO– COO–
Malato
H C H desidrogenase H C H

H C OH C O
NAD+ NADH
COO– COO–

Malato Oxaloacetato

Figura 47 – Desidrogenação do malato

Agora, vamos entender a quantidade de moléculas de ATP, NADH e FADH2 produzidas considerando
uma molécula de glicose em glicólise aeróbia.

43
Unidade I

Quadro 2 – Produtos formados a partir de uma


molécula de glicose em glicólise aeróbia

Combustão aeróbia de 1
Etapa molécula de glicose
2 ATP
Glicólise 2 NADH
Conversão do piruvato em acetil-AcoA 2 NADH
6 NADH
Ciclo de Krebs 2 FADH2
2 GTP

Lembrete

Cada volta do ciclo de Krebs produz 3 moléculas de NADH, 1 FADH2


e 1 GTP. Entretanto, quando uma molécula de glicose inicia a glicólise
aeróbia, são geradas 2 moléculas de piruvato. Estas se convertem em acetil-
CoA e por isso consideramos que duas moléculas de acetil-CoA iniciam
o ciclo de Krebs.

E como a atividade do ciclo de Krebs é controlada? A partir da razão NAD/NADH, que, por sua vez,
é dependente da quantidade de ADP e ATP celular. Além disso, algumas enzimas do ciclo também são
reguladas, como é o caso do citrato sintetase, que é inibido alostericamente pelo ATP, e do isocitrato
desidrogenase, que é ativado pelo ADP e inativado pelo ATP e o NADH. A succinato desidrogenase é
inibida pelo oxaloacetato, e a sua disponibilidade é controlada pela malato desidrogenase, que depende
da razão NADH/NAD.

Você deve ter percebido que no ciclo de Krebs houve produção de muitas moléculas de NADH e
FADH2, mas como elas irão originar ATP? Essa produção irá acontecer na cadeia respiratória, que é nosso
próximo assunto.

2.5 Cadeia respiratória

Os componentes da cadeia respiratória são denominados complexos (I, II, III e IV) e estão
localizados na membrana interna da mitocôndria. Na figura a seguir estão representados: o complexo I
(NADH‑ubiquinona oxidorredutase), o complexo II (succinato-ubiquinona oxidoreductase), o
complexo III (ubiquinol-citocromo-c oxidoreductase) e, finalmente, o complexo IV (citocromo-c oxidase).
Os complexos I e II estão conectados pela coenzima Q (CoQ), e o citocromo c conecta os complexos III e IV.

44
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Espaço intermembranas

I C
III IV

CoQ Membrana
interna

II

Matriz mitocondrial

Figura 48 – Representação esquemática dos complexos da cadeia respiratória


mitocondrial; complexos I, II, III e IV, coenzima Q (CoQ) e citocromo C

Os complexos I, III e IV funcionam como uma bomba de prótons. Estes acumulam-se no espaço
intermembranas e geram uma diferença de potencial eletroquímico, que é utilizado pela ATP sintase
na formação de ATP, a partir de ADP e Pi. Esses componentes, bem como a bomba de ATP sintetase,
formam o sistema de fosforilação oxidativa que sintetiza ATP. A função geral da cadeia respiratória
é a oxidação de NADH e FADH2, provenientes das diversas vias metabólicas (carboidratos, lipídios e
proteínas), bem como o transporte de equivalentes reduzidos ao longo de uma série de transportadores
para o aceitador final, o oxigênio. Como os elétrons são transportados ao longo da cadeia? Os elétrons
ao serem transportados, e muitos dos complexos, utilizam a energia para bombear prótons da matriz
mitocondrial para o espaço intermembranar, formando um gradiente de prótons.

Todos os elétrons que entram na cadeia de transporte vêm das moléculas de NADH e FADH. O NADH
doa eficientemente seus elétrons em reações redox, isto é, seus elétrons estão em um alto nível de energia,
portanto ele pode transferir seus elétrons diretamente para o complexo I, voltando a ser NAD+. Conforme
os elétrons percorrem o complexo I em uma série de reações redox, energia é liberada e o complexo usa
essa energia para bombear prótons da matriz para o espaço intermembranar. O FADH não é bom doador
de elétrons em comparação ao NADH, isto é, seus elétrons estão em um nível de energia mais baixa, então
não pode transferir seus elétrons para o complexo I. Em vez disso, ele os leva pela cadeia de transporte
até o complexo II, que não bombeia prótons através da membrana. Isso justifica porque cada molécula de
FADH faz com que menos prótons sejam bombeados do que cada molécula de NADH.
Menor potencial de redução Espaço intermembranas

I C
III IV
e–
e– e–
CoQ e– Membrana
interna
II

e–
e– e– Matriz mitocondrial

NADH Succinato Maior potencial de redução

Figura 49 – Transferência de elétrons na cadeia respiratória

45
Unidade I

À exceção desses dois primeiros complexos, NADH e FADH, os elétrons percorrem exatamente
a mesma rota. Tanto o complexo I quanto o complexo II passam seus elétrons para a ubiquinona
(Q), que é reduzida e forma QH. Essa molécula atravessa a membrana e entrega os elétrons ao
complexo III. Conforme os elétrons percorrem o complexo III, mais íons H+ são bombeados através da
membrana, e os elétrons são finalmente entregues a outro carreador denominado citocromo C (cit C).
O cit C transporta os elétrons até o complexo IV, onde um último grupo de íons H+ é bombeado
através da membrana. O complexo IV passa os elétrons para o oxigênio, que se divide em dois
átomos e aceitam prótons da matriz, formando água. São necessários quatro elétrons para reduzir
cada molécula de O2, e duas moléculas de água são formadas no processo.

O trabalho dos complexos I, III, e IV é extremante importante. À medida que os elétrons se


movem para níveis de energia mais baixos, os complexos capturam a energia liberada e a
utilizam para bombear íons H+ da matriz para o espaço intermembranas. Esse bombeamento
forma um gradiente eletroquímico através da membrana mitocondrial interna, denominado de
força próton‑motiva. Os prótons não podem atravessar diretamente a bicamada fosfolipídica da
membrana, pois o interior desta é muito hidrofóbico. Então os prótons H+ se movem a favor de seu
gradiente de concentração com auxílio de proteínas de canal que formam túneis hidrofílicos através
da membrana. Na membrana mitocondrial interna, íons H+ têm apenas um canal disponível: uma
proteína transmembranar conhecida como ATP sintase. À medida que a ATP sintase transforma a
energia, ela catalisa a adição de um fosfato ao ADP, capturando a energia do gradiente de prótons
na forma de ATP.

Espaço entre
a membrana Proteína transportadora
externa e interna de elétrons H+ H2+ H+ H+

Membrana
interna da e e e
mitocôndria

Matriz da NADH + H+
mitocôndria ATP sintetase
½O2 + 2e– + 2H+ ou ATP sintase
H+
NAD+
H2O
ADP + P ATP

Figura 50 – Cadeia transportadora de elétrons

E quantos ATPs por glicose são produzidos na respiração celular? Se você pesquisar, irá encontrar
respostas ligeiramente diferentes. E isso acontece porque muitos autores consideram a energia
necessária para transportar o ADP para dentro e o ATP para fora da mitocôndria.

Aqui vamos considerar 38 mols de ATP para cada molécula de glicose. Para calcular o saldo de
ATP, vamos considerar que cada molécula de NADH que libera elétrons durante a cadeia respiratória

46
BIOQUÍMICA METABÓLICA

produz 3 moléculas de ATP. E os elétrons carreados pelas moléculas de FADH2 produzem apenas
2 ATPs. Sendo assim, temos:

Quadro 3 – Saldo de ATP a partir de uma molécula de glicose em glicólise aeróbia

Reação(ões) Saldo ATP


2 NADH 6
Glicólise 2 ATP 2
Piruvato → acetil-CoA 2 NADH 6
6 NADH 18
Ciclo de Krebs 2 FADH2 4
2 GTP 2
Saldo 38

O que são os inibidores e desacopladores da cadeia respiratória?

Os inibidores são drogas que inibem o transporte de elétrons. O resultado dessa ação é a
paralisação do transporte de elétrons e das vias metabólicas que dependem da cadeia para a
reoxidação das coenzimas. No quadro a seguir, encontram-se exemplos de inibidores da cadeia de
transporte de elétrons.

Quadro 4 – Exemplos de inibidores da cadeia respiratória

Inibidor Local de atuação


Rotenona (inseticida) Complexo I
Barbitúricos (hipnóticos) Complexo I
Malonato (inibidor da succinato desidrogenase) Complexo II
Antimicina A (antibiótico) Complexo III
Azida, cianeto e monóxido de carbono Complexo IV

Já os desacopladores são substâncias que desvinculam o fluxo de elétrons do transporte


contra gradiente de prótons. O processo torna-se energeticamente mais favorável e sua
velocidade aumenta. Nesse caso, o consumo de oxigênio torna-se maior. Substâncias
lipofílicas como o DNP (2,4-dinitrofenol) são capazes de dissociar o transporte de elétrons
da fosforilação oxidativa. No passado, há cerca de cinquenta anos, o DNP era usado como
medicação para emagrecimento. Por que ele ajuda a perder peso? O dinitrofenol interrompe
o gradiente de prótons e reduz a síntese de ATP. Assim, a maior parte dos alimentos ingeridos
não pode ser utilizada para produção de ATP, portanto ocorre a perda de peso. Imagine uma
quantidade excessiva de DNP. Isso poderia levar a uma produção insuficiente de ATP para
garantir a homeostasia. Uma pequena mudança na concentração de DNP poderia levar o
indivíduo à morte.

47
Unidade I

2.6 Metabolismo do glicogênio: glicogênese e glicogenólise

O glicogênio é um polissacarídeo de reserva animal essencial para o funcionamento adequado do


metabolismo, sendo composto por subunidades de glicose e ramificações entre 8 a 12 monômeros, em
média (figura a seguir). Pode ser encontrado principalmente no fígado e no músculo, seus principais
locais de reserva.

a(1,4)

a(1,6)

Figura 51 – Molécula de glicogênio

Lembrete

O glicogênio é um polissacarídeo formado pela união de moléculas de


α-glicose. Possui cadeia ramificada com ligações α (1 → 4) e α (1 → 6) nos
pontos de ramificação.

A demandas celulares são atendidas pelas vias de síntese e degradação de glicogênio, que são
denominadas glicogênese e glicogenólise, respectivamente.

Glicogênio

Glicogenólise Glicogênese

Glicose

Figura 52 – Glicogênese e glicogenólise

A regulação do metabolismo do glicogênio é distinta nos tecidos musculares e hepático. O glicogênio


muscular tem como finalidade atender às demandas somente para a contração do próprio músculo, enquanto
o glicogênio hepático tem por finalidade controlar a glicemia e fornecer glicose para os demais tecidos.

48
BIOQUÍMICA METABÓLICA

A síntese de glicogênio ocorre mais intensamente no fígado e no músculo. O fígado armazena o


excesso de glicose em glicogênio para ser utilizado na forma de glicose quando requisitado. O músculo
armazena apenas para consumo próprio, e só utiliza durante o exercício quando há necessidade de
energia rápida.

A glicogênese é o conjunto de reações que permitem a formação do glicogênio a partir de


moléculas de glicose. Na glicogênese, as moléculas de glicose unem-se através das hidroxilas livres. Na
sequência de reações, a glicose se transforma de glicose-6-fosfato, que sofre isomerização por ação da
fosfoglicomutase e origina glicose-1-fosfato. Nessa etapa, a glicose-1-fosfato origina a glicose-UDP.
A enzima que utiliza a glicose para formar o glicogênio é a glicogênio sintase. Entretanto essa enzima
precisa de um resíduo iniciador, ou primer, para começar a ligar as moléculas de glicose. A glicose se
liga a esse primer quando está na forma ativa, e essa ativação depende de ATP e UTP (uridina trifosfato).
Vejamos a ordem das reações:

• Reação 1: glicose + ATP → glicose 6-fosfato + ADP + H+

• Reação 2: glicose 6-fosfato ↔ glicose 1-fosfato

• Reação 3: glicose 1-fosfato + UTP ↔ UDP- glicose + PPi

A reação a seguir esquematiza o alongamento do primer de glicogênio pela adição de UDP-glicose.


Essa reação é catalisada por glicogênio sintase.

(Glicogênio)n resíduos + UDP-glicose → (glicogênio)n + 1 resíduo + UDP

Entretanto, a glicogênio sintase catalisa apenas as ligações glicosídicas α-1,4. Para a formação das
ligações α-1,6, outra enzima ramificadora será necessária para realizar a transferência de 6 a 7 resíduos
de glicose da molécula linear para a parte mais nova (interna) que está sendo formada.

Enzima
ramificadora

a(1,6)

Figura 53 – Formação das ramificações do glicogênio

49
Unidade I

Observação

As glicogenoses são doenças raras relacionadas ao armazenamento


de glicogênio e são causadas por deficiências das enzimas envolvidas
na síntese ou degradação do glicogênio. As deficiências podem
ocorrer no fígado ou músculos e causar hipoglicemia ou deposição de
glicogênio nos tecidos.

À medida que a célula necessita de glicose, o estoque de glicogênio é mobilizado e moléculas


de glicose são liberadas. Esse processo é denominado glicogenólise e consiste na remoção dos
resíduos de glicose terminal. A glicogenólise se processa pela ação de três sistemas enzimáticos:
glicogênio fosforilase, transferase e enzima desramificadora. A regulação da glicogenólise ocorre
essencialmente pela enzima glicogênio fosforilase.

Inicialmente, a fosforilase catalisa a quebra das ligações glicosídicas α-1,4 pela adição de
fosfato inorgânico nos resíduos de glicose das extremidades das cadeias. Esse processo prossegue
até restarem quatro resíduos de glicose. Em seguida, outra enzima é acionada, a transferase, que
transfere os resíduos de glicose para uma cadeia vizinha, na qual a fosforilase pode continuar a
ação. Ao chegar na ligação da ramificação, uma terceira enzima é necessária, a desramificadora,
que quebra a ligação do tipo α-1,6.

+
Fosforilase Transferase Enzima
desramificadora Glicose

Glicogênio Glicogênio Glicogênio Glicogênio

Figura 54 – Glicogenólise, ação das enzimas fosforilase, transferase e desramificadora

No fígado, a glicose 6-fosfato é transformada em glicose por meio da ação da enzima glicose
6-fosfatase e enviada para a corrente sanguínea para a manutenção da glicemia. Já no músculo, a
glicose 1-fosfato é transformada em glicose 6-fosfato, entretanto, em virtude da ausência da
enzima glicose 6-fosfatase, a glicose pode não sair do músculo, ou seja, só poderá gerar energia através
da glicólise anaeróbia.

50
BIOQUÍMICA METABÓLICA

A. B.
Músculo

Glicogênio
Fígado Glicogênio

Glicose 6‑fosfato
Glicose 6‑fosfato
Glicose
Glicose

Energia

Corrente sanguínea

Figura 55 – Glicogenólise: (A) no fígado: a glicose produzida regula a glicemia;


(B) no músculo: a glicose produzida é utilizada como fonte energética para o próprio músculo

Os principais reguladores do metabolismo do glicogênio são os hormônios insulina e glucagon, e


as enzimas marca-passo glicogênio sintase e glicogênio fosforilase, que participam, respectivamente,
da síntese e da degradação desse polissacarídeo. Quando os níveis de ATP celular estão normais e
a glicose está excedente, a própria concentração de glicose 6-fosfato, assim como a insulina, ativam a
enzima glicogênio sintase, o que favorece a síntese do glicogênio. Inversamente, quando os níveis de
ATP e glicose estiverem reduzidos, a insulina deixa de ser produzida, e hormônios tais como glucagon
e adrenalina aumentam em concentração, ativando a enzima de membrana denominada adenilato
ciclase (AC), que, por sua vez, transforma ATP em AMP cíclico. Este age como segundo mensageiro e
promove a ativação da enzima glicogênio fosforilase e inibição da enzima glicogênio sintase. Desse
modo, ocorre a glicogenólise.
Adrenalina
glucagon
Primer Glicogênio +

Glicogênio
Glicogênio fosforilase Adrenilato
sintase ciclase
+ – +
+

AMP cíclico ATP


Glicose - UDP Insulina
Glicose 6‑fosfato

Glicose 1‑fosfato

Figura 56 – Regulação do metabolismo do glicogênio

51
Unidade I

A glicogenólise hepática é um processo altamente eficaz, entretanto as reservas logo são exauridas.
E quando a reserva de glicogênio hepático já foi utilizada, como ocorre a manutenção da glicemia?
Quando há diminuição da glicemia, o organismo consegue produzir sua própria glicose a partir de
fontes que não são carboidratos por uma sequência de reações denominadas gliconeogênese. E quais
são essas fontes? São aminoácidos glicogênicos, lactato, piruvato e glicerol. Os aminoácidos cetogênicos
fornecem diretamente acetil-CoA e, portanto, não fornecem substratos para essa via metabólica, mas
estimulam a produção de energia para o ciclo de Krebs. Já os ácidos graxos não fornecem substratos para
a gliconeogênese, pois o acetil-CoA é utilizado diretamente para a produção de energia, ou é deslocado
para o citoplasma para a produção de colesterol ou corpos cetônicos. Entretanto a degradação dos
triglicerídeos (TG) libera glicerol, que pode ser utilizado como substrato para a gliconeogênese.

2.7 Gliconeogênese

A gliconeogênese é um conjunto de reações que ocorrem principalmente no fígado e em menor


quantidade no rim. Permite a síntese de glicose a partir de substâncias que não são carboidratos, tais
como glicerol, aminoácidos e lactato. O cérebro humano requer cerca de 120 g de glicose por dia.
O sistema nervoso, eritrócitos, testículos, medula renal e tecidos embriônicos também utilizam a glicose
como principal fonte de energia. Assim, quando a glicemia diminui, os estoques de glicogênio hepático
e muscular são degradados, como vimos anteriormente. Mas pode ser que esse suprimento de glicose
não seja suficiente. Assim, entre as refeições e durante longos jejuns, ou após exercícios vigorosos, o
glicogênio é depletado, o que também ocorre quando há deficiência do suprimento de glicose pela dieta
ou por dificuldade na absorção pelas células. Nessas situações, o organismo precisa sintetizar glicose a
partir de precursores que não sejam carboidratos.

O lactato produzido no musculoesquelético em exercício é liberado no sangue. No ciclo de Cori (figura


anterior), a glicose oriunda do sangue é convertida pelo músculo em exercício em lactato, que é difundido
para o sangue. Esse lactato é captado pelo fígado e reconvertido em glicose, pela via da gliconeogênese,
que é liberta de volta para a circulação. Lembre-se de que o músculo não tem a enzima glicose-6-fosfatase,
exclusiva do hepatócito. Assim a glicose formada é utilizada somente no próprio músculo.

Fermentação
láctica
Glicose Lactato Músculo

Glicose Lactato
Sangue

Glicose Lactato Fígado

Figura 57 – Esquema do ciclo de Cori

52
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Saiba mais

Gerty Cori, nascida na República Tcheca e pesquisadora nos Estados


Unidos, juntamente ao seu marido, Carl Cori, descobriram o ciclo de Cori.
O casal ganhou o Prêmio Nobel de 1947 pela descoberta, tornando Cori a
primeira mulher a receber um Nobel em fisiologia ou medicina. Conheça
a trajetória dessa cientista inspiradora em:

GERTY CORI. Biográfico. The Nobel Prize. Nobel Media AB, 2020.
Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1947/cori-gt/
biographical/. Acesso em: 30 jun. 2020.

Figura 58 – Gerty Cori

Entre os aminoácidos utilizados na gliconeogênese, a alanina é o mais importante a ser convertido


em intermediários glicolíticos. Durante o jejum prolongado ou inanição, a alanina e outros aminoácidos
são liberados das proteínas dos músculos esqueléticos. A alanina é transportada para o fígado, onde
sofre transaminação para gerar piruvato. O piruvato, por meio da gliconeogênese, forma glicose, que
pode retornar aos músculos ou ser degradada pela via glicolítica. O mecanismo é chamado ciclo da
glicose-alanina e, também, transporta amônia (NH4+) ao fígado para a síntese da ureia.

A princípio, poderíamos imaginar que a gliconeogênese é uma via reversa da glicólise, mas não
é, pois existem reações irreversíveis. A gliconeogênese não pode utilizar a via reserva da glicólise,
pois as fosforilações da primeira fase (conversão de glicose em glicose-6-fosfato e a conversão de
frutose‑1,6‑fosfato em frutose-1,6-bi-fosfato) e a formação de piruvato a partir do fosfoenol-piruvato,
são reações irreversíveis (veja a figura a seguir). Então, na gliconeogênese, existem três barreiras
energéticas específicas que precisam ser contornadas. Vejamos quais são essas reações:

53
Unidade I

• Reação 1: conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato. O piruvato (que está no citoplasma)


atravessa as membranas mitocondriais e na matriz mitocondrial é convertido a oxalacetato.
O oxaloacetato não pode atravessar a membrana, e por isso é reduzido pelo NADH em malato,
e este, então, pode ser liberado para o citoplasma. No citoplasma, o malato é oxidado pelo
NAD+, gerando, novamente, o oxalacetato, que é convertido em fosfoenol-piruvato pela enzima
fosfoenol-piruvato-carboxiquinase, cujo doador de Pi é um GTP.

• Reação 2: conversão de frutose-1,6-difosfato em frutose-6-fosfato. Nessa etapa é necessária a


enzima frutose-1,6-difosfatase, que remove o grupo fosfato do C1 da frutose por hidrólise.

• Reação 3: conversão de glicose-6-fosfato em glicose livre. Nessa etapa é necessária a enzima


glicose-6-fosfatase que está presente nos hepatócitos. Lembre-se de que essa reação ocorre
também na glicogenólise e permite que o fígado controle a glicemia plasmática.
A) B)
Glicose
ATP Glicose
Glicoquinase Pi
ADP Glicoquinase 6‑fosfatase
Glicose‑6‑P
Glicose‑6‑P

Frutose‑6‑P
ATP Frutose‑6‑P
Fosfofrutoquinase Pi
ADP Frutose 6‑difosfatase
Frutose‑1,6‑P Frutose‑1,6‑P

DHAP Gliceraldeído‑3‑P DHAP Gliceraldeído‑3‑P


NAD+
NADH NAD+
NADH NADH
1,3‑Difosfoglicerato NAD+
ADP Glicerol‑3‑P
ATP ADP
Fosfoenolpiruvato Lactato
3‑Fosfoglicerato ATP
GDP
Glicerol Piruvato
GTP carboxiquinase Piruvato
2‑Fosfoglicerato
Oxalacetato

Fosfoenolpiruvato Malato Piruvato Aminoácidos


carboxilase
ADP
Piruvato quinase
ATP
Piruvato Oxalacetato
NADH
Ciclo
NAD+ Acetil‑CoA Malato de
Piruvato desidrogenase Krebs
Lactato
Ciclo Aminoácidos
de
Krebs

Figura 59 – (A) reações da gliconeogênese: em vermelho, as etapas que necessitam de enzimas que diferem da glicólise;
(B) reações da glicólise: em vermelho, as enzimas que diferem da gliconeogênese

54
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Essas três reações permitem a formação dos intermediários do ciclo de Krebs, que são produzidos
pelo catabolismo dos aminoácidos (citrato, isocitrato, α-cetoglutarato, succinato, fumarato e malato),
assim como os que fornecem piruvato, podem produzir oxalacetato e fornecer glicose através
da gliconeogênese.

As reações da gliconeogênese são estimuladas por glucagon, epinefrina e cortisol.

Como vimos até agora, as células dos tecidos animais degradam a glicose 6-fosfato na via glicolítica
até piruvato. Grande parte desse piruvato é oxidada a acetil-CoA, que, por sua vez, será oxidado no ciclo
de Krebs levando à formação de ATP. Entretanto a glicose-6-fosfato também pode ser utilizada por uma
via alternativa, conhecida como via das pentoses ou via do 6-fofo-gliconato. Vamos estudar a via das
pentoses a seguir.

2.8 Via das pentoses

Essa via tem algumas características importantes: ocorre no citoplasma, não há geração de ATP, mas
há produção de NADPH e pentoses.

A via das pentoses é composta por duas fases: oxidativa e não oxidativa (veja figuras a seguir).
Durante a fase oxidativa, as moléculas de glicose-6-fosfato são oxidadas por moléculas de NADP+
pela enzima glicose-6-fosfato-desidrogenase (G6PD) com formação de moléculas NADPH e 6-fosfato-
gliconato. Essas moléculas de 6-fosfo-gliconato também são oxidadas, gerando ainda mais moléculas
de NADPH, moléculas de CO2 e ribulose-5-fosfato.
Glicose-6-fosfato
NADP+ Glicose-6-fosfato
NADPH desidrogenase
6-fosfoglucono-δ-lactona
H2O
H+ 6-fosfogliconolactonase

6-fosfogliconato
NADP+
NADPH
CO2
Ribulose-5-fosfato

Fase não oxidativa


Figura 60 – Fase oxidativa da via das pentoses

A partir desse ponto, as reações são não oxidativas, e a ribulose-5-fosfato, por isomerização, passa
para a forma de ribose-5-fosfato. Parte da ribose-5-fosfato continua no processo de isomerização,
gerando a xilulose-5-fosfato. Essas pentoses podem gerar novas moléculas de glicose-6-fosfato. E qual
via metabólica pode ocorrer a partir da glicose-6-fosfato? Ela pode ser utilizada tanto na via de pentoses
como em todas as vias de metabolismo da glicose. Durante a fase não oxidativa, são geradas moléculas
de glicose-6-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato, que são intermediários da via glicolítica.
55
Unidade I

Ribulose-5-fosfato

Ribulose-fosfato-3-epimerase Ribulose-fosfato-isomerase

Xilulose-5-fosfato Ribose-5-fosfato

Transquetolase

Sedoeptulose-7-fosfato Gliceraldeído-3-fosfato

Transaldolase

Eritrose-4-fosfato

Transcetolase

Gliceraldeído-3-fosfato Frutose-6-fosfato

Frutose-6-fosfato

Figura 61 – Fase não oxidativa da glicólise

A G6PD é uma enzima citoplasmática presente nos tecidos, mas é no metabolismo das
hemácias que a G-6-PD exerce suas funções de destaque. A G6PD tem papel essencial no
metabolismo das hemácias, tanto na obtenção de energia a partir da glicose quanto na sua
proteção contra a ação de agentes oxidantes por manter uma proteína denominada glutationa
no estado reduzido. Mutações no gene da G6PD geram defeito enzimático nas hemácias, que
podem causar anemia hemolítica.

Saiba mais

Você pode se aprofundar nesse assunto lendo o artigo:

MONTEIRO, W. M. et al. G6PD deficiency in Latin America: systematic


review on prevalence and variants. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz,
v. 109, n. 5, p. 553-568, ago. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0074-02762014005040123&lng=en
&nrm=iso&tlng=en. Acesso em: 1º jul. 2020.

Agora vamos detalhar as reações químicas:

56
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Síntese de
ácidos nucleicos
H
H C OH
H C O H
H C OH HO C OH H C OH
H C O H C O O H C O
H C OH H C OH H C H HO C H
H C OH H C OH H C OH H C OH
H C OH H C OH H C OH H C OH
CH2O– P CH2O– P CH2O– P CH2O– P
Ribulose-5-fosfato Ribulose-5-fosfato Eritrose-4-fosfato Xilulose-5-fosfato

NADPH + H+
NADPH + H
+

H O NADP+ H O NADP+ H H
C C H C OH H C OH CH2OH
H C OH H C OH CO2 H C O H C O C O
HO C H H2O HO C H H C OH HO C H HO C H
H C OH H C OH H C OH H C OH H C O H C OH H C O
H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH H C OH
CH2O– P CH2O– P CH2O– P CH2O– P CH2O– P CH2O– P CH2O–
Glicose-6-fosfato Glicose-6-fosfato Ribulose-5-fosfato Xilulose-5-fosfato Gliceraldeído-3-fosfato Frutose-6-fosfato Gliceraldeído-3-fosfato

Fase oxidativa Fase não oxidativa

Figura 62 – Reações da via das pentoses

Observamos, assim, que há um intercâmbio entre as vias, de acordo com as necessidades da célula.
E a entrada da glicose-6-fosfato na via das pentoses ou na via glicolítica depende das necessidades
momentâneas da célula, assim como da relação entre as concentrações de NADPH e NADP+ ([NADPH]/
[NADP+]). Quando a concentração de NAPDH é maior do que a de NADP+, ocorre inibição alostérica
da primeira enzima da via, a glicose 6-P desidrogenase, e, portanto, mais glicose 6-P está disponível
para a glicólise.

Exemplo de aplicação

De acordo com o explicitado até aqui, por que os indivíduos com deficiência de G6PD não podem
usar drogas oxidativas?

Pacientes com anemia por deficiência de G6PD devem evitar exposição a fármacos ou outras
substâncias que produzam peróxido e causem a oxidação da hemoglobina e das membranas das hemácias.
Entre os fármacos que podem ser o gatilho da hemólise estão: salicilatos, primaquina, nitrofuranos,
alguns derivados da vitamina K, e fenazopiridina.

3 LIPÍDIOS

Os lipídeos ingeridos ou fabricados por nosso corpo ficarão armazenados nos adipócitos, pois
serão grande fonte de energia para quase todas as nossas células, e quando nós precisamos de ATP
(energia) para funções vitais e não temos de onde retirar (por exemplo, do glicogênio de estoque ou da
alimentação), são os lipídeos que serão nossa reserva maior de energia. Como eles são apolares, não há

57
Unidade I

água ao seu redor, podemos até dizer que são anidros, então, quando estocados, não há aumento de
volume pela presença de água (ou seja, há maior peso seco), dessa forma, quando sofrerem o processo
de oxidação completa, irão gerar 9 kcal/g, muito mais se comparado a 4 kcal/g de carboidratos e
4 kcal/g de proteínas.

Os triglicérides encontrados na corrente circulatória provêm de dois locais: alimentação e produção


do próprio corpo. Como já explicado em bioquímica estrutural, a lipoproteína VLDL e LDL levam os TG até
o tecido adiposo e, chegando lá, a enzima lipoproteína lipase hidrolisa os triacilgliceróis ou triglicérides
que estão nas lipoproteínas, para que possam entrar nas células adiposas e serem armazenados.

De certa forma, descreveremos os processos de emagrecimento ou perda de gordura ou queima de


gordura (lipólise) e engorda (lipogênese). O processo de lipólise ocorre quando não há disponibilidade
de alimento ou durante a prática de exercícios físicos, resultando na redução da gordura corporal,
enquanto o outro seria o inverso.

Observação

Assim como o colesterol, todos nós temos triglicérides no sangue e


não há problema algum nisso, pelo contrário, pois tem função importante
em todas as células, mas em quantidades muito altas, triglicerídeos com
níveis iguais ou superiores a 400 mg/dL, estão relacionados a um maior
risco cardiovascular, obesidade, esteatose hepática (gordura no fígado) e
pancreatite, entre outras patologias.

Na alimentação, eles estão disponíveis nos alimentos ricos em carboidratos


simples (açúcar, farinha branca etc.) e nos gordurosos − principalmente de
origem animal, como carnes, leite integral e queijos amarelos.

Variações nas dietas, na atividade física, no uso de bebidas alcoólicas e certos medicamentos são as
causas mais frequentes de grandes variações dos níveis de triglicérides.

3.1 Processo de liberação de lipídeos do tecido adiposo

Com o jejum superior a 8 horas, os triglicerídeos começam a ser degradados. Em resposta ao nível
baixo de glicose no sangue os triglicerídeos (TG) dos adipócitos serão clivados pela enzima marca‑passo
lipase hormônio sensível (LHS). Ela é ativada pelos hormônios glucagon ou epinefrina (também
chamada adrenalina), que em uma reação em sequência (ou reação em cadeia) ligam-se em receptores
de membrana dos adipócitos, ativam a proteína G que está no citoplasma, que ativa a enzima adenilato
ciclase (AC), presente na membrana plasmática do adipócito, aumentando a concentração intracelular
de AMP cíclico (AMPc) pela reação ATP → AMPc + PPi. O AMPc fosforila, que coloca radical fosfato, uma
proteína quinase dependente de AMPc, ativando a enzima LHS que irá hidrolisar os triacilglicerol em ácido
graxo e glicerol que saem da célula. O cérebro e as hemácias não utilizam TGs (triglicerídeos) como fonte
energética, só utilizam glicose, e o cérebro também pode usar além da glicose os corpos cetônicos (CC).
58
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Os ácidos graxos, que são liberados dos adipócitos, são transportados pelo sangue ligados à albumina
e serão utilizados por musculoesquelético, coração e fígado como fonte energética.

[Glicose] sg Hormônios glocagon ou epinefrina

Sangue

Membrana celular
Receptor do adipócito

Proteína G
Adenilato ciclase

ATP → AMPc + PPI

Proteína quinase

LHS TG

AG +
glicerol

Figura 63 – Esquema da ativação do AMPc e sua implicação na lise de triglicerídeos

Lembrete

O cérebro e as hemácias não utilizam TGs (triglicerídeos) como fonte


energética, só glicose, e o cérebro também pode usar além da glicose os
corpos cetônicos (CC).

Os TGs irão liberar ácidos graxos livres (AGLs) e glicerol no citoplasma, e os AGLs deverão entrar
nas mitocôndrias das células-alvo para gerar ATP. Mas, para isso, deverão passar as duas membranas
mitocondriais: a externa e a interna chegando na matriz mitocondrial.

Primeiro os AGL de cadeia longa são ativados (reação onde é gasto 1 ATP até AMP, que em termos de
análise de gasto de energia, podemos contar gasto de 2 ATPs por que foram gastas duas ligações ricas
em fosfato, e depois se ligam à coenzima A se transformando em acil-CoA, como demonstrado a seguir:

Ácido graxo + ATP + CoA → Acil-CoA + AMP + PPi

59
Unidade I

Os acil-CoA se ligam à carnitina, liberando a coenzima A, e se transformam em AG-carnitina ou


acil‑carnitina. A carnitina é uma molécula transportadora, como uma lançadeira, pois a membrana
interna da mitocôndria é impermeável à coenzima A e à acil-CoA, e a carnitina disfarça o ácido graxo (AG), que
consegue passar pelo espaço intermembranar e chegando à matriz mitocondrial (figura a seguir). Nesse
local ocorre a ligação novamente à coenzima A e se inicia a chamada β-oxidação ou ciclo de Lynen.
O

R C Carnitina + CoA

Carnitina
Espaço intermembranoso aciltransferase II

O
O
Carnitina + R C CoA
CoA + R C Carnitina

Carnitina
aciltransferase I

R C CoA Matriz
mitocondrial
+
Carnitina

Figura 64 – Esquema da passagem do ácido graxo (AG) pela membrana da mitocôndria auxiliada pela carnitina

Observação

A carnitina (3-hidroxi 4-trimetilaminobutanoato) é um composto


sintetizado pelo organismo, sendo que a L-carnitina (isômero na forma
ativa da carnitina) é sintetizada principalmente no fígado, nos rins e no
cérebro, a partir de dois aminoácidos essenciais: lisina e metionina, além de
ferro, ácido ascórbico (ou vitamina C), niacina (ou vitamina B3) e piridoxina
(ou vitamina B6). Alimentos de origem animal, como carne vermelha
e os derivados do leite podem ser fontes exógenas de carnitina. Esta é
transportada até o coração e o musculoesquelético para exercer sua função
de ajuda no transporte do AGL para atravessar a membrana da mitocôndria.
60
BIOQUÍMICA METABÓLICA

3.2 Ciclo de Lynen

Nesse compartimento (matriz mitocondrial) ocorrerá oxidação (reação com o oxigênio) na posição β
da molécula de acil-CoA.

Consiste em uma sequência de quatro reações que resultam na saída de dois carbonos de uma cadeia de
ácidos graxos e que consta de uma desidrogenação que produz 1 FADH2, uma hidratação, outra desidrogenação
com a produção de NADH + H+, terminando com uma clivagem (reação irreversível), em que ocorre a liberação
de 1 molécula de acetil-CoA que inicia o ciclo de Krebs, liberando NADH + H+, FADH2 e uma molécula de AGL com
dois carbonos a menos, o que irá iniciar essas reações novamente, por isso se chama ciclo de Lynen (bioquímico
que descobriu esse processo), recomeçando o ciclo a partir da desidrogenação e formação de FADH2.

Se o AG tiver cadeia par de carbonos, terminará em 4 carbonos que se dividem em 2 moléculas


de 2 carbonos (2 acetil-CoA). Para a maioria dos mamíferos, os ácidos graxos com cadeias ímpares são
raros, mas são encontrados em ruminantes. Nesse caso, o término será com 5 carbonos (número ímpar),
o que liberará uma molécula de 2 carbonos (acetil-CoA) e uma molécula de 3 carbonos (propionil-CoA),
convertido a succinil-CoA, intermediário do ciclo de Krebs. A oxidação dos ácidos graxos com número
ímpar de carbonos é difícil de ocorrer em seres humanos, portanto não iremos nos ater a ela.

Caso o AG tiver duplas ligações, essas deverão ser clivadas antes do início do ciclo de Lynen, usando
para isso uma molécula de NADPH+ H+ para desfazer cada dupla ligação.

Lembrete

A oxidação dos ácidos graxos com número ímpar de carbonos é difícil


de ocorrer em seres humanos.

3.3 Aproveitamento do glicerol

O glicerol proveniente da degradação dos triglicerídeos não pode ser reaproveitado pelos adipócitos, que
não têm a enzima gliceroquinase, sendo então liberado no sangue e metabolizado no fígado, onde há essa
enzima. O glicerol é convertido a glicerol-3-fosfato pela transferência de um grupo fosfato do ATP e depois
transformado em di-hidroxiacetona fosfato, um intermediário da glicose ou da gliconeogênese (figura a
seguir). Dependendo do estado fisiológico do organismo, o glicerol toma o caminho da glicólise hepática,
ou o caminho da gliconeogênese do fígado. Representa cerca de 5% da energia dos TG e 95% vem dos AG.
H2C OH H2C OH
Glicerol 3‑fosfato
desidrogenase
H2C OH H2C O

H2C O P H2C O P
NAD+ NADH + H+
Glicerol 3‑fosfato Di-hidroxicetona
fosfato

Figura 65 – Reação do glicerol-3p em di-hidroxicetona fosfato

61
Unidade I

3.4 Regulação da lipólise

Como não ocorre a entrada de glicose nas células, o corpo acredita que não há oferta de glicose para
o sangue, dessa forma tenta aumentar a quantidade de glicose no sangue para que entre nas células
com o aumento dos níveis dos hormônios glucagon, adrenalina e GH (hormônio de crescimento), que
são caracterizados como hormônios lipolíticos e hiperglicêmicos. No momento que há necessidade de
energia e não tem carboidratos (no caso: glicose), deverão ser oxidados os triglicerídeos até ácidos
graxos e glicerol, que em sua maioria, estão no interior dos adipócitos do tecido adiposo branco e
representam as principais reservas de energia nos mamíferos. Nesse momento, podemos dizer que irá
iniciar o processo de lipólise (lise = quebra + lipo = lipídeos).

Observação

A oxidação de ácidos graxos insaturados fornece menos energia


que a oxidação dos ácidos graxos saturados, pois deverá ocorrer a
quebra da dupla antes do começar o ciclo de Lynen pela liberação de
hidrogênio pelo NADPH.

A enzima lipase hormônio sensível (LHS) é inibida pelo hormônio insulina e ativada por glucagon,
adrenalina e GH, além dos glicocorticoides, e fará o trabalho de quebra dos TGs e, ao passarem pela
membrana celular do adipócito, irão para a corrente sanguínea, se ligam à albumina e são transportados
para vários tecidos do organismo, como rins, tecido adiposo marrom, coração e, principalmente, fígado
e musculoesquelético. Chegando nesses órgãos, o TG será liberado pela lipoproteína lipase presente em
cada um deles e sofrerá catabolismo.

Exemplo de aplicação

Quantos ATPs geram um ácido graxo de 16C, saturados, se forem oxidados até CO2 e H2O?

Para o AG entrar na célula, é gasto 1 ATP.

Cada volta no ciclo de Lynen gera 1 NADH + H+ (correspondente a 3 ATPs) + 1 FADH2 (correspondente
a 2 ATP), portanto 5 ATPs por volta, se são feitas 7 voltas teremos 35 ATPs no total.

Se em cada volta do ciclo de Lynen ou β-oxidação libera 1 acetil-CoA, serão liberadas 8 moléculas
no total.

Cada molécula faz 1 ciclo de Krebs gerando 1 GTP (= 1 ATP), 3 NADH + H+ (3 × 3 ATPs = 9 ATPs)
e 1 FADH2 ( 2 ATP), total de 12 ATPs por volta, então, serão 8 voltas (por que teremos 8 acetil-CoA),
portanto um total de 96 ATP.

Saldo final de ATP: 35 + 96 = 131 ATPs – 2 ATPs. Total é de 129 ATP (ver figura a seguir).
62
BIOQUÍMICA METABÓLICA

acil‑CoA com número par


de carbonos (16 carbonos)

Primeira volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (14) acetil‑CoA

Segunda volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (12) acetil‑CoA

Terceira volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (10) acetil‑CoA

Quarta volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (8) acetil‑CoA

Quinta volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (6) acetil‑CoA

Sexta volta

+
acil‑CoA com 2 carbonos a menos (4) acetil‑CoA

Sétima volta

acetil‑CoA acetil‑CoA

Figura 66 – Esquema da oxidação de um ácido graxo de 16 C sem saturações

63
Unidade I

Quando a principal fonte de energia para o organismo (glicose), se esgota, os ácidos graxos devem
ser oxidados para liberar energia.

Observação

Existem distúrbios da oxidação dos ácidos graxos (DOAG) por causa de


deficiências genéticas em que o organismo é incapaz de oxidar os ácidos
graxos para produzir energia, devido à ausência ou mau funcionamento
de uma enzima específica dessa via, e, portanto, não tem disponibilidade
de energia. Um exemplo desses distúrbios é a síndrome da morte súbita
do lactente, doença autossômica recessiva que apresenta maior incidência
em brancos de origem norte-europeia (Reino Unido, Holanda, Países
Escandinavos, Alemanha), provocada por uma mutação pontual (adenina
substituída pela guanina em um gene de uma das enzimas do ciclo de Lynen).
Se manifesta com hipoglicemia (sem corpos cetônicos), vômitos, letargia e
alterações mentais, incluindo o coma e ainda cardiomiopatia e miopatia.

Grandes quantidades de ácidos graxos com 6-12 carbonos podem


ser excretadas pela urina (ácidos orgânicos urinários) e analisados em
cromatografia gasosa, como diagnóstico da doença, além de se analisar
o perfil de acilcarnitinas quantitativo e dosagens de carnitina total e livre
no plasma. O tratamento consta em evitar o jejum por 4-6 horas, fato que
leva à hipoglicemia e letargia, necessitando de hospitalização. Múltiplas
refeições com alimentos pobres em gordura e ricos em carboidratos e
uso de suplementos de L-carnitina são pontos principais do tratamento
dessas enfermidades.

3.5 Lipogênese ou biossíntese de ácidos graxos

O ato de engordar era importante no passado, na época das cavernas, para os seres humanos, pois
levaria à sobrevivência quando não houvesse comida. Mas atualmente a oferta de comida é grande e
então a capacidade de armazenar gordura não é tão apreciada como antes, levando até à obesidade.

A lipogênese ocorre no fígado, nos rins, no cérebro, no pulmão, nas glândulas mamárias e no tecido
adiposo, é uma via citoplasmática, anaeróbica, sendo sua molécula precursora o acetil-CoA proveniente,
por exemplo, do metabolismo de carboidrato.

Quando ocorre ingestão de dietas hipercalóricas com carboidratos e/ou proteínas em excesso,
formam-se várias moléculas de acetil-CoA que iniciam o ciclo de Krebs com a formação de muitas
moléculas de GTP, NADH + H+ e FADH2, que na fosforilação oxidativa irão gerar muitas moléculas de ATP.

Quando o ATP está sendo produzido em excesso, não é mais necessário girar o ciclo de Krebs, então
uma das enzimas marca-passo do ciclo de Krebs, a isocitrato desidrogenase, é inibida aumentando o
64
BIOQUÍMICA METABÓLICA

nível de citrato (integrante do CK). O aumento de citrato e ATP favorece a síntese de ácidos graxos, pois
essa molécula é permeável à membrana mitocondrial e extravasa para o citosol, onde é transformado
em acetil-CoA (molécula que inicia a lipogênese e não consegue passar a membrana mitocondrial)
e ácido oxalacético, e esse último é transformado em malato no próprio citosol. O malato passa a
piruvato, que retorna à mitocôndria.
Carboidratos e proteínas

Mitocôndria Piruvato Citossol

Acetil-CoA

Oxaloacetato Citrato Citrato

Oxaloacetato Acetil‑CoA
Malato Ciclo de Isocitrato
Krebs
a‑cetoglutarato
Fumarato
NADPH Ácido graxo
Succiil‑CoA
Succinato Piruvato

Figura 67 – Esquema da saída de citrato da mitocôndria em direção ao citosol

A primeira reação da síntese de AG é a formação de malonil-CoA a partir da carboxilação (adição


de carbono) de acetil-CoA pela enzima acetil-CoA carboxilase (enzima marca-passo da lipogenese).
Usando energia derivada da hidrólise de ATP, na primeira etapa, um CO2 é ligado a um resíduo de biotina
(vitamina com função de coenzima), e transferido para acetil-Co-A. O recém-formado malonil-CoA (com
3 carbonos) e é ligado à proteína carregadora de acila (ACP), que reúne várias enzimas formando uma
roda-gigante (um complexo multienzimático), então chamada malonil-ACP. As reações que ocorrem são
a perda da coenzima A e a ligação desse malonil-ACP a outra acetil-CoA, e depois da saída de 1 CO2, será
gasto 1 NADPH (proveniente da via das pentoses), saída de água, e gasto de mais 1 NADPH, gerando um
AG inicial de 4C, saturados ligados ao ACP. Para que esse pequeno AG seja alongado deverá ter a reação
com outros malonil-CoA repetidamente, e as reações descritas anteriormente.

3.6 Formação de triglicerídeos

Os triglicerídeos são produzidos no retículo endoplasmático dos diferentes órgãos que são
responsáveis pela síntese de lipídeos. Os ácidos graxos sintetizados na lipogênese se combinam por
reação de esterificação com uma molécula de glicerol que deve estar na forma de glicerofosfato para
gerar triglicerídeos, que é a forma de armazenamento de lipídeos nos adipócitos.

No fígado, a gliceroquinase que está ativa no fígado e não no tecido adiposo transforma o
glicerol em 3-glicerofosfato. Como no tecido adiposo, a síntese de triglicérides não ocorre por meio

65
Unidade I

da enzima gliceroquinase, que não existe nesse tecido, então o glicerofosfato é obtido através da
fosfodi‑hidroxicetona, que com a ajuda da enzima glicerofosfato desidrogenase transforma o glicerol
em fosfodi-hidroxicetona, proveniente da via glicolítica ou da via das pentoses, e depois em
3-glicerofosfato resultando em triglicérides.

O glicerofosfato se transforma em ácido fosfatídico (figura a seguir), que origina um diacilglicerol e,


depois, o último acil-CoA será unido e se transformará em triacilglicerol.

O
O H2C O O R1
R2 C O CH O

C O P O–
H2
O–

Figura 68 – Esquema de um ácido fosfatídico (glicerol + 2 AG)

Os TGs recém-formados no fígado são transportados para as células adiposas através de junção
com lipoproteínas (VLDL ou LDL), pois, como é lipossolúvel ou hidrofóbico, não se dissolve no sangue
(líquido com predominância de água). Quando a lipoproteína chega até a célula adiposa, a enzima
lipoproteína lipase (ativada pela insulina) presente nos órgãos (músculo adiposo, cardíaco e esquelético)
cliva seu conteúdo, e os ácidos graxos resultantes se difundem pela membrana da célula adiposa, pois
são lipossolúveis e a membrana é lipoproteica, se juntando novamente no interior da célula adiposa se
tornando novamente TGs e armazenando-se no seu interior.

Exemplo de aplicação

Qual seria a explicação para a reação global da síntese de lipídeos de 16 C saturados?

8 acetil-CoA + 14 NADPH + 14 H+ + 7 ATP > ácido palmítico + 14 NADP+ + 7 ADP + 7 Pi + 7 H2O

Um acetil-CoA se junta com um acetil que se transformou em malonil-CoA, o qual perde 1 carbono.
A cada volta na via de síntese dos AGs, a molécula ganha dois carbonos do malonil-CoA (que tem
3 carbonos, mas sempre irá perder 1 carbono), até a formação do palmitato (ao ácido palmítico se não
estiver ionizado), liberando a coenzima A.

Então: 1 molécula de acetil-CoA + 7 moléculas de malonil-CoA (que eram acetil-CoA); ao


todo 8 acetil-CoA.

Cada vez que entra um malonil-CoA, significa 1 volta, portanto 7 voltas.

Se em cada volta gasta 2 NADPH + H+ e 1 ATPs que será hidrolisado em 7 voltas, serão 14 NADPH
+ H+ e 7 APTs.

66
BIOQUÍMICA METABÓLICA

3.7 Regulação da síntese de ácidos graxos

A síntese de ácidos graxos tem entre outras funções o armazenamento de gorduras para utilização
posterior. Portanto, fica claro que a insulina, que é um hormônio que induz armazenamento, seja
estimuladora da síntese de malonil-CoA e consequentemente de ácidos graxos. Os hormônios
glucagon e epinefrina são liberados quando se faz necessário a disponibilidade de energia para as
células, portanto é lógico pensar que esses hormônios inibirão a síntese de ácidos graxos. O excesso de
ácidos graxos formado fará um feedback negativo na transformação de acetil-CoA em malonil‑CoA,
modulando dessa forma a produção de ácidos graxos, e o citrato (precursor do acetil-CoA) em excesso
fará um feedback positivo estimulando a formação de malonil-CoA a partir de acetil-CoA, que, dessa
forma, impedirá o acúmulo de citrato.

Na hiperglicemia, a insulina ativa as vias hipoglicemiantes, que são a glicólise ativada pela insulina e
inibida pelo glucagon, inativada pelos produtos malonil glicogênese e a via das pentoses, e a lipogênese,
por isso é chamado hormônio hipoglicemiante e lipogênico. As enzimas marca-passo acetil-CoA
carboxilase-CoA e palmitoil-CoA (AG com 16 C), ativadas pelo citrato, são inativadas devido à presença
de adrenalina/glucagon.

Quando há grande produção de ATP, tanto ciclo de Krebs e cadeia respiratória são bloqueados,
causando o acúmulo de acetil-CoA dentro da mitocôndria, que irá sair para o citoplasma na forma
de citrato (pois a membrana é impermeável a acetil-CoA) e através da enzima citrato liase, presente
no citoplasma celular, voltará a ser acetil-CoA.

3.8 Cetogêsene ou síntese de corpos cetônicos

A cetogênese é um mecanismo que ocorre na matriz mitocondrial hepática e desvia o excesso de


acetil-CoA formado na quebra dos AG em corpos cetônicos (CC). Esse processo ocorre no fígado e é
dependente da enzima HMG-CoA sintase.

Após a sua formação no tecido hepático, os corpos cetônicos são exportados para outras partes do
corpo, tais como músculo, cérebro e córtex renal. Apesar de outros órgãos, como coração e córtex renal,
oxidarem AG, também podem usar CC para obter energia.

O fígado não tem enzimas para transformar acetoacetato em acetil-CoA, e, portanto, usam os AG
como fonte de energia. As células nervosas, em compensação, não têm enzimas para fazer β-oxidação,
dependem de glicose e CC, e as hemácias também dependem de glicose unicamente, pois não podem
utilizar corpos cetônicos já que serão utilizados na mitocôndria (ciclo de Krebs).

Em períodos de jejum, dieta de restrição de carboidratos, exercícios intensos prolongados, alcoolismo


ou em diabetes mellitus tipo 1 não tratada são formadas grandes quantidades de CC, porque a quantidade
excessiva de acetil-CoA não pode ser convertida em glicose.

O fato de proteínas influenciarem a quantidade de CC no corpo é explicado, já que a acetil-CoA e


a acetoacetil-CoA podem vir do catabolismo dos aminoácidos fenilalanina, isoleucina, leucina, lisina,
67
Unidade I

tirosina, triptofano, treonina e os aminoácidos leucina e lisina, que são exclusivamente cetogênicos, pois
se transformam em componentes do ciclo de Krebs.

3.9 Síntese de corpos cetônicos

Na síntese de colesterol, ocorre a junção de acetoacetil-CoA e acetil-CoA resultando em HMG


Co-A, reação que é catalisada pela enzima HMG-CoA-sintase. Com o excesso de acetil Co-A e a não
necessidade de sintetizar colesterol ocorrerá clivagem da HMG-CoA, formando acetoacetato (corpo
cetônico) e acetil-CoA.
O O O O OH O
HMG‑CoA
sintase
H3C C CH2 C CoA + H3C C CoA O C CH2 C CH2 C CoA
Acetoacetil‑CoA Acetil‑CoA
CH3
H2O Coenzima A HMG‑CoA

O OH O O O O
HMG‑CoA
liase
O C CH2 C CH2 C CoA H3C C CH2 C O– + H3C C CoA

CH3 Acetoacetato Acetil‑CoA


HMG‑CoA

O O HMG‑CoA O
liase
H3C C CH2 C O– H3C C CH3
Acetoacetato Acetona
CO2

O O b‑hidroxibutirato OH O
desidrogenase
H3C C CH2 C O– CH3 C CH2 C O
Acetoacetato CH3
NADH + H+ NAD+
b‑hidroxibutirato

Figura 69 – Esquema da formação de corpos cetônicos (CC)

Os CC são solúveis em água e rapidamente o acetoacetato vai para a corrente sanguínea, ou pode
ser reduzido para β-hidroxibutirato e uma pequena parte forma acetona e dióxido de carbono (CO2).
Apesar do nome cetônico, o β-hidroxibutirato é um ácido carboxílico, e não uma cetona, pois não tem o
grupo C = O em carbono secundário característico, mas é assim chamado porque é derivado de cetonas.

A energia proveniente dos CC se baseia no fato de que o β-hidroxibutirato se transforma em


acetoacetato e ele se cliva em 2 moléculas de acetil-CoA, que será aproveitado no ciclo de Krebs, e
produzirá a energia em células que não sejam do fígado, pois os ácidos β-hidroxibutírico e acetacético
não têm as enzimas necessárias para utilizá-los como combustíveis. A acetona não pode ser convertida
em acetil-CoA, então ela é excretada na urina, e como pode facilmente evaporar, é exalada (odor
característico em pessoas com diabetes descompensada ou em jejum).
68
BIOQUÍMICA METABÓLICA

Observação

Quando o ácido está na forma não ionizada, ele é chamado de ácido


com sufixo ICO, e quando está ionizado, ou seja, perdeu H+, ele é chamado com
o sufixo -ato e perde a palavra ácido no começo, por exemplo: ácido
acetoacético e acetoacetato.

3.10 Consequências da cetogênese

Esse processo é fisiológico e natural, pois podemos ficar em jejum por conta de várias situações.
Mas em casos de períodos de jejum prolongado ou quando não se trata o diabetes mellitus
tipo 1 (situação chamada descompensada), o aumento dessas substâncias no sangue pode ter
consequências mais graves.

Ao aumento de corpos cetônicos no sangue chamamos cetonemia, que leva à acidose metabólica
ou cetoacidose, pois os corpos cetônicos têm caráter ácido, levando à redução do pH sanguíneo pelo
aumento de H+ liberado dos CC. O seu aproveitamento depende da quantidade de tempo que se está de
jejum, ou seja, muito jejum, muitos CC.

Observação

O medidor de glicemia capilar ou glicosímetro é um aparelho que


ajuda na automonitorização da glicemia para saber os níveis de glicose
no sangue (hipoglicemia ou hiperglicemia). O resultado vai ajudar na
aplicação da insulina.

Sabendo-se que o sangue segue para todos os órgãos, inclusive rins, os


CC e a glicose irão ser excretados na urina (cetonúria e glicosúria), podendo
ser dosados com fitas reagentes usando urina, fato que irá auxiliar o
paciente a saber se está descompensado. Lancetas são usadas para fazer um
furo no dedo e a gota de sangue deve cobrir uma fita que vem juntamente
ao aparelho. Nessa fita contém reagente que promove alteração na sua cor,
que é interpretada pelo aparelho.

A cetoacidose diabética ocorre mais comumente em pacientes com diabetes tipo 1, mas também
acontece em pacientes com diabetes tipo 2. Deve-se levar o paciente imediatamente ao hospital, pois é
um sinal de que a glicemia está alta e a cetonemia (corpos cetônicos no sangue) também. Essa situação
no diabetes ocorre por que as células não estão recebendo glicose no seu interior (por falta de insulina)
e precisam de energia, para tanto deve gastar lipídeos na β-oxidação liberando várias moléculas de
acetil‑CoA, que irão ao ciclo de Krebs e formarão CC.

69
Unidade I

Como os CC têm caráter ácido e baixam o pH do sangue (pH normal é de 7,4 ± 0,05), se esse estado
fisiológico não for tratado rapidamente, pode levar ao coma e à morte. Alguns sinais de cetoacidose
diabética são: mal-estar, vômitos, diurese aumentada, dor abdominal e hálito cetônico, letargia etc.
Outras situações, além do diabetes descompensado, pode levar à acidose metabólica, como: erro de dose
de insulina, bulimia ou anorexia; ingestão excessiva de álcool; desnutrição, infecção.

O tratamento é realizado com soro fisiológico endovenoso para reposição contínua das perdas
hídricas, correção dos déficits de eletrólitos (perda de sais) e da hiperglicemia, além do uso correto da
insulina intravenosa e em casos graves diálise e assistência respiratória, para não chegar a ter arritmias
cardíacas ou edema cerebral.

Observação

A cetose nutricional é um tipo de dieta baseada na redução de


carboidratos e proteínas. O objetivo é levar o organismo a consumir os
estoques de gorduras e aquelas que forem consumidas nas refeições.

Durante o jejum, a glicemia diminui, reduzindo a insulinemia. Quando isso ocorre, há aumento da
atividade da lipase hormônio sensível (LHS) nos adipócitos, que cliva os triacilgliceróis liberando AG e
glicerol para o sangue. Principalmente o tecido muscular esquelético e cardíaco usam os AG como fonte
de energia (ATP).

Os CC têm como substrato para a formação dos corpos cetônicos a acetil-CoA formada durante
a β-oxidação dos AG. São eles: ácido β-hidroxibutírico (CH3CHOHCH2COOH) e ácido acetacético
(CH3COCH2COOH), que são formados nas mitocôndrias do fígado e depois da descarboxilização do
acetoacetato forma-se o último CC: a acetona (CH3COCH3).

Observação

Entre as dietas de emagrecimento, uma tem chamado a atenção das


pessoas: jejum intermitente. Processo que intercala períodos de jejum
com períodos de alimentação, para que no jejum o corpo use os TGs como
energia. São períodos entre 10 a 24 horas de jejum, em que pode tomar
somente água (com ou sem gás) e chás e café sem açúcar.

Existem prós e contras como em qualquer dieta e é por conta disso


que deve haver orientação médica. Entre as pessoas mais vulneráveis a
esse tipo de dietas estão os idosos e os menores de 18 anos. Entre algumas
desvantagens podemos citar desnutrição, desidratação, hipoglicemia,
fraqueza muscular, dificuldades de concentração, tendência à compulsão e
até anorexia ou bulimia, entre outros.

70
BIOQUÍMICA METABÓLICA

4 COLESTEROL

4.1 Síntese de colesterol

O colesterol é composto por 27 átomos de carbonos (figura a seguir) e sintetizado a partir da acetil-
CoA, sendo por isso não classificado como lipídeo (lipídeo por definição bioquímica é éster de AG), e sim
um esteroide ou esterol sintetizado pelos animais com características muito semelhantes aos lipídeos.
Cerca de 20% a 25% da produção total diária (~1 g/dia) ocorre no fígado; outros locais de maior taxa
de síntese incluem intestinos, glândulas adrenais e gônadas.
H3C
CH3

CH3 CH3

H3C

HO

Figura 70 – Estrutura química do colesterol

Plantas apresentam um tipo de composto semelhante ao colesterol chamado fitosterol. A maior


parte do colesterol presente no corpo é sintetizada pelo próprio organismo (cerca de 70% do colesterol
total), o restante vem da dieta (cerca de 30% do colesterol total).

O colesterol está presente na constituição da bile, é precursor para a síntese de vitamina D e de


vários hormônios esteroides (glicocorticoides: cortisol; mineralocorticoides: aldosterona; e hormônios
sexuais: progesterona, estrógenos, testosterona e derivados).

Como os lipídeos em geral, o colesterol também é insolúvel em água e, consequentemente, insolúvel


no sangue, devendo ser transportado até outros órgãos através de ligação a diversos tipos de lipoproteínas.

Existem vários tipos de lipoproteínas (união de uma proteína com colesterol, TG e fosfolipídios),
classificadas de acordo com a sua densidade. As primeiras a serem formadas têm presença de mais
lipídeos que proteínas (quilomícron, VLDL, LDL), já a lipoproteína HDL tem no seu conteúdo mais proteína
que lipídeos ou colesterol.

De acordo com as suas características físico-químicas, são divididas em: quilomícrons, VLDL (very
low density lipoprotein ou lipoproteína de muito baixa densidade), LDL (low density lipoproteins
ou lipoproteína de baixa densidade) e HDL (high density lipoproteins ou lipoproteína de alta
densidade). O quilomícron é o primeiro a ser formado no intestino e leva os lipídeos da dieta pela
veia porta até o fígado. O LDL é conhecido como mau colesterol e o HDL como colesterol bom.
Mas, na verdade, a quantidade ou concentração sanguínea baixa ou alta é que deve ser considerada.
Por exemplo, baixa quantidade de HDL é ruim, alta quantidade é bom; alta quantidade de LDL é ruim,
mas baixa quantidade é bom, levando em consideração doenças chamadas dislipidemias, que podem
levar à arteriosclerose.
71
Unidade I

Lembrete

Não existe mau colesterol ou bom colesterol, e sim a quantidade ou


concentração sanguínea baixa ou alta.

4.2 Principais etapas da síntese do colesterol

A acetil-CoA, que está no citoplasma, transportada para fora da mitocôndria na forma de


citrato, inicia a síntese de colesterol bem como dos ácidos graxos e CC. A síntese de colesterol
se inicia com a união de 2 moléculas de acetil-CoA, formando acetoacetil-CoA (4 carbonos), que
se une com outra acetil-CoA e forma HMG-CoA (hidroximetilglutaril-CoA) com 6 carbonos. Essa
etapa é irreversível na síntese do colesterol. O HMG-CoA se transforma em mevalonato (contém
6 carbonos) pela enzima HMG-CoA redutase (enzima marca-passo da síntese de colesterol), com
a ajuda de 2 NADPH, que é convertido a isopentenil pirofosfato (com 5 carbonos) com gasto
de 3 ATPs e perda de 1 carbono, sendo chamada agora unidade isoprenoide (UIP), porque será a
unidade repetida (monômero) de um polímero chamado colesterol, depois de reações de fosforilação
e descarboxilação.

1 UIP + 1 UIP forma 1 geranil pirofosfato (com 10 C) + 1 UIP forma farnesil pirofosfato (com 15 C)

Duas moléculas de farnesil pirofosfato condensam-se, e com a ajuda de 1 molécula de NADPH


forma-se o esqualeno (com 30 C). Nesse momento, ocorre a adição de oxigênio seguida de ciclização da
cadeia formando um núcleo esteroide com quatro anéis (chamado núcleo pentanoperidrofenantreno).
A conversão do esqualeno ao lanosterol, zimosterol e colesterol ocorre por via de múltiplas etapas
envolvendo deslocamento de metilas, oxidações e descarboxilações.

Resumindo:

Acetato (C2) → isoprenoide (C5) → esqualeno (C30) → colesterol (C27)

Todas as reações ocorrem no citoplasma, e os átomos de carbono são fornecidos pela acetil-CoA, e
moléculas de NADPH promovem as reações de reduções (adição de hidrogênio).

4.3 Regulação da síntese do colesterol

Várias são as formas de controlar a síntese do colesterol:

• Biossíntese do colesterol: é regulada diretamente pelos níveis do colesterol no sangue.


Quanto maior for a ingestão de colesterol, menor será a quantidade sintetizada pelo fígado.
Esse processo pode ser chamado feedback ou retroalimentação da enzima marca-passo:
HMG-CoA redutase.

72
BIOQUÍMICA METABÓLICA

• Insulina: aumenta a atividade de HMG-CoA redutase enquanto glucagon e cortisol inibem a


atividade da enzima.
• Medicamentos: os da enzima marca-passo são inibidores competitivos da enzima HMG-CoA
redutase, reduzindo os níveis sanguíneos da lipoproteína de baixa densidade (LDL-colesterol), ou
mau colesterol. Esses medicamentos se chamam estatinas, e vários são registrados no Brasil, por
exemplo, atorvastatina, lovastatina, pravastatina, rosuvastatina e sinvastatina.

Observação

O ritmo circadiano é uma reação que ocorre no período de 24 horas no


corpo. Seria o relógio biológico, influenciado principalmente pela variação
de luz, temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite.
A síntese de colesterol, cuja atividade é regulada ao nível da enzima
HMG-CoA redutase, atinge o pico seis horas após ter escurecido, e o
mínimo aproximadamente seis horas após a reexposição à luz. Por essa
razão, medicamentos como estatinas devem ser ingeridos à noite.

• Fibras e proteínas: promovem a perda de sais biliares e com eles colesterol. Há necessidade de
controle, pois quando o nível sérico de LDL diminui, induz à síntese de receptores LDL, aumentando
a síntese da enzima HMG-CoA redutase, que eleva a biossíntese do colesterol.

Caso uma pessoa faça dieta substituindo ácidos graxos saturados por ácidos graxos poli-insaturados,
ocorrerá rapidamente metabolização mais rápida no fígado, diminuindo a concentração de colesterol
plasmático. Dessa forma, se houver uso correto de medicamento e dieta adequada, resultará na
queda plasmática do colesterol.

• Sequestradores de ácido biliar: são substâncias que se ligam aos ácidos biliares e reduzem a
reabsorção no intestino, diminuindo a concentração de colesterol.
• Ácido nicotínico (vitamina B3): diminui a concentração de VLDL, o que acaba por reduzir a
concentração de LDL, podendo até aumentar a concentração de HDL.

Observação

Além de proteger o coração, enrijecer os músculos e aumentar o


condicionamento físico, os exercícios também colaboram para o controle
do colesterol, pois diminuem os níveis de LDL e ajudam a elevar o HDL. A
combinação de estatinas com fibratos pode auxiliar a reduzir os níveis de
colesterol e aumentar os de HDL-C, mas está associada a casos de miopatia e
toxicidade hepática, portanto um médico sempre deve analisar caso a caso.

73
Unidade I

4.4 Transporte do colesterol

O colesterol é minimamente solúvel em água e por essa razão deve se combinar com substâncias
que facilitem seu transporte pelo sangue. Dessa forma, ele é transportado na corrente sanguínea
pelas lipoproteínas.

As lipoproteínas são formadas de fosfolipídeos, colesterol, triglicerídeos e proteína. As proteínas


são chamadas apolipoproteínas, que formam a superfície de uma dada partícula de lipoproteína
determinando de que células o colesterol será removido e para onde ele será fornecido. Dependendo da
quantidade e tipo de proteína e de lipídeos, irão apresentar densidades diferentes.

As maiores lipoproteínas, os quilomícrons, têm vida curta e transportam o colesterol e TG da dieta


da mucosa intestinal para o fígado. Nele, as partículas de quilomícron liberam triglicerídeos e um pouco
de colesterol, mas uma parte se liga a outra proteína, tornando-se lipoproteínas de densidade muito
baixa (VLDL) que vão para o sangue levar TG para vários órgãos. Quando chegam novamente ao fígado,
são convertidas em partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) que vão para todos os órgãos.

As partículas de lipoproteína de alta densidade (HDL) transportam colesterol de volta para o


fígado para a excreção, são chamadas colesterol bom, pois além de levar colesterol e TG para o fígado,
atrapalham a entrada de LDL nas paredes das artérias.

O colesterol tem um papel central em muitos processos bioquímicos, mas é mais conhecido pela
associação existente entre doenças cardiovasculares e as diversas lipoproteínas que o transportam, e os
altos níveis de colesterol no sangue (hipercolesterolemia).

Observação

Como as pessoas no Brasil e no mundo estão com os níveis de colesterol


muito elevados, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) alterou os
valores de referência para colesterol e triglicérides a fim de controlar
problemas advindos da hipercolesterolemia. As novas metas para as taxas
de colesterol ruim (LDL) aceitáveis, segundo a SBC agora são:

• Até 130 mg/dL para pessoas de baixo risco (não apresentam fator de
risco para doenças cardíacas).

• Até 100 mg/dL para indivíduos com médio risco (manifestam apenas
um fator de risco).

• Até 70 mg/dL para pacientes de alto risco (têm mais de um


fator de risco).

74
BIOQUÍMICA METABÓLICA

• Até 50 mg/dL para indivíduos com altíssimo risco (já tiveram infarto,
AVC, colocação de ponte de safena ou stent).

O colesterol total passou de 200 mg/dl para 190 mg/dl, e a necessidade


de jejum de 12 horas para coleta de sangue para medir colesterol foi retirada.

4.5 Degradação do colesterol

O colesterol é excretado do fígado na bile e é reabsorvido no intestino e reutilizado ou


eliminado, sendo modificado por bactérias intestinais antes da excreção, como coprostanol, entre
outros esteróis.

Saiba mais

Compostos orgânicos produzidos pelo homem, como o coprostanol, são


chamados marcadores moleculares antropogênicos, e sua quantidade no
meio ambiente está relacionada com a poluição por efluentes domésticos,
leia mais sobre em:

CARREIRA, R. et al. Distribuição de coprostanol (5β(H)-colestan-


3β-OL) em sedimentos superficiais da Baía de Guanabara: indicador da
poluição recente por esgotos domésticos. Química Nova, v. 24, n. 1, p.
37-42, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/qn/v24n1/4447.
pdf. Acesso em: 17 ago. 2020.

A vesícula biliar armazena bile, que funciona como emulsificante, ou seja, detergente natural que
ajuda a degradar os lipídeos da dieta, pois como baixa a tensão superficial da gota de lipídeo, a lipase
pancreática pode agir mais facilmente. O TG que agora está clivado em monoglicerídeo ou diglicerídeo
e AG pode passar à mucosa intestinal e se combinar com os quilomícrons.

Na bile, temos bilirrubina além dos sais biliares e colesterol, vindos do fígado. Os sais biliares costumam
se originar a partir de colesterol, e os ácidos biliares são principalmente o glicocólico, o taurocólico, e
outros resultantes da ação das bactérias intestinais.

A maioria do colesterol do organismo que chega na forma de HDL-colesterol é eliminado pelo fígado
através da bile. Os cálculos biliares se iniciam como se fossem areia e depois vão se unindo formando
pequenos cristais que aumentam de tamanho e se tornam pedras. Podem ser de colesterol (de cor
amarela), que é o tipo mais comum de cálculo biliar, ou cálculos biliares pigmentados (de cor marrom
ou pretas) contendo principalmente bile ou bilirrubina.

75
Unidade I

Observação

Caso a pessoa tenha cálculos biliares pode não apresentar sintomas ou


ter forte cólica abdominal devido ao bloqueio do ducto cístico ou do ducto
biliar. Caso a pedra passe, ela vai para o intestino delgado (ou duodeno)
e sai com as fezes, mas se ficar parada na junção do ducto pancreático e
cístico, pode impedir a saída do suco pancreático para o intestino, já que o
ducto final é comum ao pâncreas, gerando pancreatite.

4.6 Arteriosclerose

Quando o nível de LDL-colesterol aumenta, ele fica na corrente sanguínea mais tempo, fato que
leva à oxidação da molécula. A parede das artérias é composta de três camadas: adventícia, média e
mais interna, denominada de íntima ou endotelial, que fica em contato com o sangue. Nessa última
camada, encontram-se proteínas chamadas receptores para LDL-oxidada (LDL-ox). Geralmente,
regiões de curvaturas ou bifurcações dos vasos sanguíneos são mais propensas à formação da placa
aterosclerótica; ocorre quando há ligação entre as proteínas receptoras de LDL-col oxidada e o LDL-col
oxidada. A partícula é engolida (endocitose) e colocada no interior dessa membrana, e irá se acumular
(placa de gordura chamada ateroma). Nesse momento, monócitos chegam ao local e penetram no
endotélio (na região da placa) para tentar desfazê-la. Os monócitos, que agora se chama macrófagos,
liberam espécies reativas de oxigênio (ERO) e citocinas, que recrutam mais células inflamatórias,
desencadeando assim um processo inflamatório crônico. Como os macrófagos não conseguem digerir
a gordura (LDL), ficam com os lipídeos em seu interior se tornando célula espumosa, que não sai do
interior da artéria.

O aumento dessa placa impede o fluxo correto de sangue, o que leva ao aumento de pressão arterial
por conta dessa obstrução. Caso a obstrução esteja presente em artérias do coração, por exemplo,
coronárias, podem surgir sintomas como a dor no peito (angina pectoris) em situações de estresse ou
esforço físico, indicando que o músculo cardíaco não está sendo oxigenado de maneira adequada. Se a
obstrução for muito grande, a placa se rompe e todo seu conteúdo extravasa entrando em contato com
proteínas do sangue responsáveis pela coagulação, iniciando aí um pequeno trombo, que se movimenta e
caminha junto ao fluxo sanguíneo até chegar em um vaso de calibre menor e o entope. Nesse momento,
o vaso se rompe e ocorre um IAM (infarto agudo do miocárdio), um AVC (acidente vascular cerebral) ou
um AVE (acidente vascular encefálico).

Observação

Cerca de 90% das pessoas que tem colesterol alto de origem genética,
ou seja, familiar (passa de pai/mãe para filho), não sabem que são portadoras
da doença. Existem no Brasil até 400 mil pessoas com colesterol alto de
origem genética, que pode levar ao infarto e ao AVC antes dos 50 anos

76
BIOQUÍMICA METABÓLICA

de idade. O mais alarmante: somente 10% delas sabem que estão doentes.
Vários hospitais, como o Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas
da FMUSP, em São Paulo), fazem campanhas de alerta à população e de
identificação de casos para tratamento.

Resumo

As enzimas aceleram as reações metabólicas nas células. Alguns fatores


influenciam a atividade enzimática, como pH, temperatura, concentração
de enzima e concentração de substrato. A enzima se liga a uma molécula
de substrato em uma região específica denominada sítio ativo. Há outras
enzimas chamadas alostéricas ou marca-passo, que apresentam outra
região onde se ligam substâncias que aceleram ou inibem a atividade
enzimática, chamada sítio alostérico. Algumas funcionam com a ajuda de
outra molécula, como cofatores e coenzimas. Existem substâncias, como
tóxicos ou medicamentos, que impedem o funcionamento da enzima.

De acordo com a força ou a estabilidade entre o inibidor e a enzima, a


inibição enzimática pode ser de dois tipos: reversível e irreversível, sendo
que a primeira pode ser competitiva e não competitiva.

Os macronutrientes estudados foram os carboidratos e os lipídios.


A digestão de grandes moléculas permite a produção de acetil-CoA, que dá
início ao ciclo de Krebs. Na presença de oxigênio, há formação de ATP, NADH,
FADH2 e de produtos intermediários para a produção de outras moléculas.

A digestão dos carboidratos complexos como o amido fornece


monossacarídeos, que são transportados na corrente sanguínea e entram
nas células por meio de transportadores. Uma vez dentro das células, a
glicose tem vários destinos, pode produzir ATP, ser utilizada na glicogênese
ou, ainda, quando em excesso, pode ser transformada em ácidos graxos.
Entretanto, quando a glicemia diminui, a utilização das reservas é favorecida
pelo glucagon, e consequentemente as vias glicogenólise, gliconeogênese e
lipólise são estimuladas.

A síntese e a degradação de lipídeos são processos fisiológicos normais


e importantes para o ser vivo. A lipogênese ocorre quando a ingestão de
carboidratos e proteínas é grande, e a lipólise quando há falta de glicose
no interior das células. Cada processo tem sua enzima marca-passo, que
quando ativada ou inibida irá afetar todo o processo, sendo importante
saber as substâncias que controlam essas enzimas.

77
Unidade I

Relacionadas com o excesso de acetil-CoA, as vias de síntese de


colesterol e de corpos cetônicos serão ativadas levando à fabricação
desses metabólitos, e suas consequências benignas e malignas devem
ser analisadas.

Exercícios

Questão 1. (UFPR 2019) Na figura a seguir, está representado o mecanismo de transferência de um


grupo carboxila a um substrato por um carreador ativado.

Ativação do grupo carboxila

O O–
ADP Biotina
carboxilada C
P P 0 CH2 Adenina
Ligação rica
N em energia
S O
Ribose
N
H
CH3
O C O
Enzima
C
ATP
P P P 0 CH2 Adenina O O–
P1 Piruvato

Ribose
Biotina H
N
O O–

S O O O–
C
N C
OH H
Bicarbonato CH2
O C O
Enzima
C
Piruvato‑carboxilase O O–
Oxaloacetato

Transferência do grupo carboxila

Figura 71 – Transferência de grupo carboxila por carreador

Fonte: ALBERTS, B. et al. Fundamentos da biologia celular. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

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BIOQUÍMICA METABÓLICA

Com base na figura anterior e nos conhecimentos sobre metabolismo celular, avalie as afirmativas
a seguir:

I – Caso ocorra falta de ADP, o oxaloacetato não será formado.

II – O carreador envolvido nesse processo funciona como uma coenzima.

III – Parte das moléculas envolvidas nesse processo está diretamente correlacionada ao metabolismo
energético celular.

IV – O processo específico da transferência do grupo carboxila é um processo com variação de


energia livre negativa.

Assinale a alternativa correta:

A) São corretas apenas II e III.

B) São corretas apenas I, II e IV.

C) São corretas apenas I, III e IV.

D) São corretas apenas II e IV.

E) São corretas apenas I e III.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o oxaloacetato é o ponto de partida para a gliconeogênese e, por isso, com a falta de ADP
(energia), a gliconeogênese será ativada para liberar glicose para o corpo através da corrente sanguínea.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: o carreador é um ativador chamado de acetil-coenzima A, que foi ativado pelo piruvato.
Temos também NAD, FAH e ácido lipoico de coenzimas que participam do processo.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: por se tratar de um processo de metabolismo para gerar energia aos órgãos do nosso
sistema fisiológico, as moléculas são precursoras e envolvidas no processo, como, por exemplo, lactato,
piruvato, glicerol e aminoácidos, que são convertidos em glicose.
79
Unidade I

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o grupo carboxila é um grupamento orgânico (união de carbonila e hidroxila) com


caráter ácido devido à liberação de H+ vista na extremidade da carboxila.

Questão 2. (IBFC 2016) As lipoproteínas transportam os triacilgliceróis e o colesterol entre os órgãos


e tecidos. As anormalidades no metabolismo das lipoproteínas são fatores-chave no desenvolvimento
da aterosclerose, um processo que afeta as paredes arteriais e, consequentemente, o fornecimento
de sangue e a oferta de oxigênio ao coração (causando doença cardíaca coronariana), cérebro
(causando acidente vascular cerebral) e outras grandes artérias (causando doença vascular periférica).
A doença cardiovascular relacionada com a aterosclerose é uma importante causa de morte no mundo
industrializado. Sobre os lipídeos e as lipoproteínas, assinale a alternativa correta:

A)
As lipoproteínas de alta densidade (HDL) possuem os triacilgliceróis como seus
principais constituintes.

B) As VLDL (lipoproteínas de densidade muito baixa) e as partículas remanescentes são ricas em


colesterol e pobres em triacilgliceróis.

C) Os quilomícrons são formados principalmente por proteínas e colesterol.

D) As lipoproteínas de baixa densidade (LDL) fazem o transporte reverso do colesterol.

E) As LDL (lipoproteínas de baixa densidade) são pobres em triacilgliceróis e ricas em colesterol

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: as lipoproteínas de alta densidade (HDL) garantem o transporte do colesterol no corpo,


retirando seu excesso, levando-o ao fígado para ser eliminado pelo corpo.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: as VLDL (lipoproteínas de densidade muito baixa) e as partículas remanescentes são


ricas em triglicerídeos.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: os quilomícrons são formados principalmente por triglicérides em seu núcleo central.

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BIOQUÍMICA METABÓLICA

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: as lipoproteínas de baixa densidade (LDL) transportam o colesterol do fígado para


as células.

E) Alternativa correta.

Justificativa: as LDL (lipoproteínas de baixa densidade) são ricas em colesterol.

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