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BASES

FARMACOLÓGICAS E
INTERAÇÕES
MEDICAMENTOSAS
NA ESTÉTICA
Fármacos e hidratação
da pele
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever como anticolinérgicos interferem na hidratação da pele.


 Explicar a interferência dos fármacos laxantes, diuréticos e das estatinas
na hidratação da pele.
 Reconhecer o mecanismo de ação dos estrogênios e da ureia e a sua
interferência na hidratação da pele.

Introdução
A pele desempenha importantes funções para o organismo, entre elas,
a proteção contra agentes externos ambientais ou não, servindo, dessa
forma, como barreira cutânea. Essa barreira impede a entrada de substân-
cias e agentes nocivos ao organismo, bem como a saída de substâncias
que são importantes para a manutenção das propriedades corporais,
como a água.
A manutenção da quantidade adequada de água na camada córnea
é essencial para manter a hidratação da pele. Contudo, quando essa
barreira é alterada, pode ocorrer a perda da função barreira de forma
momentânea ou duradoura, acarretando a desidratação da pele, devido
principalmente ao aumento da perda de água através da camada córnea.
Neste capítulo, você vai compreender como é mantida a hidratação da
pele por meio de processos fisiológicos e como eles podem ser alterados.
Você também vai estudar os fármacos que interferem nos mecanismos
de hidratação da pele e entender seus mecanismos de ação. Por fim,
você vai compreender o mecanismo de ação dos estrogênios e da ureia
no que tange à hidratação da pele.
2 Fármacos e hidratação da pele

1 Hidratação da pele
A pele apresenta uma estrutura complexa, funcionando como uma barreira física
que protege o organismo contra interferentes externos, que é representada pela
epiderme, mais especificamente pela camada córnea, que se encontra em contato
direto com o meio externo. A manutenção da pele depende essencialmente da
integridade dessa barreira, que garante as condições necessárias para a hidra-
tação cutânea e a manutenção da homeostase (CARVALHO; RIBAS, 2019).
A hidratação natural da pele ocorre por meio de uma emulsão formada
entre o manto lipídico e o manto hídrico, que forma o manto hidrolipídico. O
manto lipídico é formado pelos lipídios produzidos pelas glândulas sebáceas
(triglicerídeos, ácidos graxos, colesterol, entre outros), e o manto hídrico é
formado pelas glândulas sudoríparas e contém água e íons. O manto hidrolipí-
dico se funde a produtos da degradação dos queratinócitos, formando o fator
natural de hidratação. Esses componentes formam uma película protetora na
superfície da pele, dificultando a perda de água transepidermal (VANZIN;
CAMARGO, 2011).
A camada córnea é a principal estrutura responsável pela função de barreira
cutânea, devido à presença de células achatadas e anucleadas, denominadas
corneócitos, cercados pelas lamelas intercorneocitárias, formando uma matriz
lipídica. Os lipídeos mais abundantes na camada córnea são as ceramidas,
fundamentais para manter o teor de água na pele (CARVALHO; RIBAS, 2019).
O grau de hidratação da camada córnea depende do equilíbrio entre a
água fornecida para essa camada e a perda pela evaporação. Parte da água
se encontra ligada às glicosaminoglicanas da matriz extracelular da derme,
sendo esse o local onde se encontra a maior parte da água da pele. A água é
responsável pela manutenção desse tecido, ou seja, pela funcionalidade das
fibras ali presentes, bem como pelas trocas metabólicas e pelo transporte de
nutrientes às células (VANZIN; CAMARGO, 2011).
Nesse contexto, as glicosaminoglicanas são de extrema importância para a
manutenção da hidratação cutânea, sendo representadas principalmente pelo
sulfato de condroitina, pelo sulfato de queratina, pelo sulfato de dermatan
e pelo ácido hialurônico. A carga negativa dos grupos sulfatos atraem car-
gas opostas, como o sódio e, consequentemente, a água. Assim, conseguem
aprisionar as moléculas de água, formando uma espécie de gel, fornecendo
turgescência, resistência e flexibilidade à pele. Já a água livre é aquela perdida
pela evaporação, por meio da transpiração (VANZIN; CAMARGO, 2011).
A água é uma das substâncias mais importantes para a manutenção e o
bom funcionamento dos tecidos. Dessa forma, a carência de água pode com-
Fármacos e hidratação da pele 3

prometer a função de barreira da pele e ocasionar, inclusive, o surgimento de


patologias cutâneas. A deficiência de água na pele a deixa com aspecto mais
fino, sem elasticidade, sem brilho e áspera, ou seja, com aparência observada
no envelhecimento cutâneo (VANZIN; CAMARGO, 2011).
O estado de hidratação da pele depende de uma série de fatores, como
quantidade de água ingerida, transporte de água das camadas mais inferiores
para a epiderme, velocidade de evaporação, velocidade de queratinização,
quantidade e composição do manto hidrolipídico e integridade da barreira
cutânea como um todo (CARVALHO; RIBAS, 2019). A desidratação da pele
ocorre quando há uma deficiência do aporte de água adequado à pele, levando
a um desconforto e modificando a aparência da pele, que pode apresentar-se
com rachaduras em sua superfície (COSTA et al., 2004).

Na prática

Veja, em realidade aumentada, como funciona o processo de hidratação da pele


microscopicamente.
1. Acesse a página https://bit.ly/2YQoFLK e baixe o aplicativo Sagah
Bases farmacológicas e interações medicamentosas na estética.
Se preferir, use o QR code ao lado para baixar o aplicativo.
2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para a imagem a seguir:
4 Fármacos e hidratação da pele

2 Fármacos que interferem na hidratação


cutânea
A pele seca ou desidratada, também conhecida como xerose o eu xerodermia,
pode ser resultado de uma condição esporádica, em que a pele é capaz de
recuperar a sua homeostasia rapidamente, ou de um processo mais duradouro,
podendo persistir e tornar difícil a sua restauração. Essas condições dependem
do fator que está causando a desidratação (RIBEIRO, 2010).
A pele seca pode ser determinada geneticamente, mas também sofre a
influência de fatores ambientais diversos e do uso de alguns medicamentos
que contêm fármacos capazes de provocar essas condições como uma de
suas reações adversas. O comprometimento da função de barreira da pele
aumenta a perda de água transepidermal, o que pode elevar a liberação de
citocinas inflamatórias e induzir ao eczema, em determinadas situações. Outra
forma de comprometer a função barreira é diminuir o aporte de água na pele
ou inibir a função das glândulas sudoríparas (RIBEIRO, 2010; DANDAN;
BRUNTON, 2015).

As manifestações clínicas da xerodermia da pele incluem prurido, sensação de estira-


mento, diminuição da flexibilidade, aspereza, vermelhidão e sensação de queimação
(RIBEIRO, 2010).

Alguns fármacos apresentam como efeito adverso a redução da hidratação


da pele. Outros fármacos apresentam como efeito a melhora dessa hidratação,
proporcionando benefícios em relação à redução dos sintomas observados
na pele desidratada. A seguir, são descritas as classes de medicamentos que
interferem na hidratação cutânea, os seus mecanismos de ação e os fármacos
representantes de cada classe.

Anticolinérgicos
Os fármacos denominados anticolinérgicos ou antagonistas dos receptores
muscarínicos inibem os efeitos da acetilcolina, por bloquearem sua ligação
Fármacos e hidratação da pele 5

aos receptores muscarínicos. Os antagonistas dos receptores muscarínicos


incluem os alcaloides naturais, como atropina e escopolamina, os derivados
semissintéticos dessas substâncias e os derivados sintéticos. A interferência
desses fármacos depende do órgão afetado, uma vez que os órgãos variam
quanto à sensibilidade à inibição dos receptores muscarínicos. A atropina e
os seus efeitos farmacológicos servem de base para o entendimento do uso
terapêutico dos demais antagonistas muscarínicos. A atropina, em pequenas
doses, pode provocar pele seca, quente e ruborizada, em função de inibir a
secreção das glândulas sudoríparas. Outros anticolinérgicos incluem (DAN-
DAN; BRUNTON, 2015; WHALEN et al., 2016):

 homatropina;
 tropicamida;
 metescopolamina;
 ipratrópio;
 tiotrópio;
 pirenzepina;
 oxibutinina;
 tolterodina;
 darifenacina;
 fesoterodina, entre outros.

Laxantes
Os fármacos denominados laxantes são usados em casos de constipação. A
quantidade de água na massa fecal total fica em torno de 70–85%, e o teor
final de água nas fezes está relacionado com o equilíbrio entre a quantidade
que entra no lúmen (pela ingestão de água e eletrólitos), a quantidade que
é absorvida e a quantidade que é eliminada no trato gastrintestinal. Dessa
forma, o intestino deve extrair uma quantidade de água, minerais e nutrientes
da região intraluminar e deixar passar uma determinada quantidade para eli-
minação dos resíduos via defecação. Mecanismos neuro-humorais, patologias
e uso de alguns fármacos podem alterar a secreção e a absorção de líquidos
pelo epitélio do intestino e alterar a sua motilidade. Com isso, as fezes podem
ter sua consistência alterada e ficar endurecidas, ocasionando a constipação
(DANDAN; BRUNTON, 2015).
Os laxantes aliviam a constipação e estimulam a evacuação, por aumentar
a retenção de líquidos intraluminais, diminuir a absorção de líquidos e alterar
a motilidade por inibição das contrações não propulsoras ou por estimular
6 Fármacos e hidratação da pele

as propulsoras. Com isso, esses medicamentos laxantes são benéficos para


os quadros de constipação. No entanto, o uso abusivo ou em casos contrain-
dicados podem levar à perda excessiva de água e de eletrólitos, causando,
assim, desequilíbrio na hidratação do corpo, incluindo a pele (DANDAN;
BRUNTON, 2015).
Exemplos de substâncias com efeito laxante podem ser conferidos no
Quadro 1.

Quadro 1. Classificação dos laxantes

Classificação Exemplos

Formadores de volume  Metilcelulose


 Policarbofila cálcica

Surfactantes  Docusato
 Poloxâmeros
 Lactulose

Estimulantes  Derivados de difenilmetano


 Bisacodil

Derivados de antraquinonas  Sene


 Cáscara sagrada

Osmóticos  Fosfatos de sódio


 Sulfato de magnésio
 Citrato de magnésio

Óleo de rícino

Fonte: Adaptado de Dandan e Brunton (2015).

Diuréticos
Os diuréticos são uma classe de fármacos usados geralmente no controle da
hipertensão arterial. Podem ser divididos de acordo com o seu local de ação
no rim: no túbulo proximal, na alça de Henle, no túbulo distal e no túbulo
coletor. Esses fármacos aumentam a taxa de fluxo urinário e, com isso, tam-
bém aumentam a excreção urinária de sódio e cloreto. A ação natriurética,
ou seja, a redução das taxas corporais de sódio é uma propriedade comum a
todos os diuréticos. Assim, os diuréticos são utilizados para reduzir as taxas
Fármacos e hidratação da pele 7

de líquidos corporais ao diminuir o teor de sódio no organismo (DANDAN;


BRUNTON, 2015).
O Quadro 2 demonstra as classes dos diuréticos e os principais fármacos
representantes de cada grupo.

Quadro 2. Classificação dos diuréticos

Classificação Compostos

Osmóticos  Glicerina
 Isossorbida
 Manitol
 Ureia

Diuréticos de alça  Furosemida


 Bumetanida
 Ácido etacrínico
 Torsemida
 Axossemida
 Piretanida
 Tripamida

Tiazídicos  Clorotiazida
 Hidroclorotiazida
 Hidroflumetiazida
 Meticlotiazida
 Politiazida
 Triclormetiazida
 Clortalidona
 Metolazona

Poupadores de potássio  Amilorida


(inibidores dos canais de sódio)  Triantereno

Poupadores de potássio  Espironolactona


(inibidores da aldosterona)  Eplerenona
 Canrenoato de potássio

Fonte: Adaptado de Dandan e Brunton (2015).

Estatinas
As estatinas são um grupo de fármacos que apresentam como mecanismo
de ação a redução de LDL, reduzindo a conversão de HMG-CoA redutase
8 Fármacos e hidratação da pele

(3-hidroxi-metil-glutaril-CoA redutase) em mevalonato. Dessa forma, elas


inibem a etapa inicial da biossíntese do colesterol e, com isso, reduzem os níveis
sanguíneos do colesterol, por inibirem a sua síntese hepática. Com exceção da
sinvastatina e da lovastatina, todas as outras estatinas são administradas na
forma de beta-hidroxiácido, que é a forma que inibe a HMG-CoA redutase. Os
metabólitos de todas as estatinas, com exceção da fluvastatina e da pravasta-
tina, provocam alguma inibição da HMG-CoA redutase. Na pele, o resultado
é a redução da oleosidade, o que acarreta prejuízos em sua hidratação. Entre
as estatinas mais conhecidas, encontram-se (DANDAN; BRUNTON, 2015):

 sinvastatina;
 atorvastatina;
 pravastatina;
 fluvastatina;
 lovastatina;
 pitavastatina;
 rosuvastatina.

3 Ação dos estrogênios e da ureia na hidratação


da pele
Os estrogênios interagem com dois receptores para estrogênio, sendo deno-
minados alfa e beta. O estrogênio de origem natural mais potente é o 17-beta-
-estradiol, seguido pela estrona e pelo estriol. Os estrogênios esteroidais são
formados a partir da androstenediona e testosterona, via reação catalisada pela
enzima aromatase. Os ovários são os principais produtores de estrogênio na
mulher pré-menopausa, sendo o mais importante deles o estradiol. A atividade
da aromatase é aumentada nas gonadotrofinas, aumentando o transporte
de colesterol, que é o precursor de todos os esteroides, para o interior das
mitocôndrias das células produtoras de esteroides. Nos ovários, a enzima
17-beta-hidroxisteroide desidrogenase I promove a produção de testosterona
e estradiol a partir da androstenediona e da estrona, respectivamente.
Nas mulheres pós-menopausa, a principal fonte de estrógenos é a estrona
presente no tecido adiposo. O declínio da função ovariana na menopausa
resulta em diminuição na produção de estrogênios (DANDAN; BRUNTON,
2015). Essa redução acarreta menor síntese de colágeno e, consequentemente,
maior flacidez e aparecimento de rugas nesse período. Também é inibida a
estimulação das glândulas sudoríparas e sebáceas. Com isso, a pele se torna
Fármacos e hidratação da pele 9

mais fina e ressecada, há redução na capacidade de renovação celular, oca-


sionando alterações epidérmicas e dérmicas (ANTUNES; MARCELINO;
AGUIAR, 2003; RIBEIRO, 2010).

Os estrogênios são fármacos usados para o tratamento hormonal na menopausa


e, consequentemente, para reduzir os seus sintomas. Entre os análogos sintéticos
do estrogênio, encontra-se o etinilestradiol, o mestranol e o valerato de estradiol
(WHALEN et al., 2016).

Ureia
A ureia é uma diamina do ácido carbônico, presente no fator natural de hidra-
tação da pele, apresentando alta capacidade de retenção de água. Sua eficácia
hidratante se deve à sua propriedade higroscópica, tendo facilidade em ligar-se
às moléculas de água. Esse mecanismo é conhecido como hidratação ativa. A
queratina, em presença de ureia, liga-se mais facilmente à água, garantindo uma
maior hidratação da camada córnea. Quando associada a outros ativos, como
vitaminas e ceramidas, a ureia tem sua eficácia aumentada (RIBEIRO, 2010).
Em formulações de uso tópico, a ureia apresenta efeito umectante e querato-
lítico. Dessa forma, ao ser absorvida pela via percutânea, aumenta o conteúdo
de água no estrato córneo, tornando-o mais macio e hidratado. Por se tratar
de um produto natural do metabolismo do organismo, não é tóxica se absor-
vida pela via tópica. Além disso, a ureia, quando incorporada em emulsões
para aplicação na pele, torna esses veículos menos oleosos, deixando uma
sensação mais agradável na superfície cutânea (KATZUNG, 2017). Ainda, a
ureia apresenta um efeito restaurador da barreira cutânea, previne irritações
e, ainda, permite a absorção cutânea de outras substâncias ativas presentes
na mesma formulação (ADDOR et al., 2009).
10 Fármacos e hidratação da pele

Saiba mais sobre o efeito hidratante e protetor da ureia no artigo “Avaliação da eficácia
de um creme contendo ureia na função de barreira cutânea”, disponível no link a seguir.

https://qrgo.page.link/uAaY6

ADDOR, F. A. S. et al. Correlação entre o efeito hidratante da ureia em diferentes concen-


trações de aplicação: estudo clínico e corneométrico. Surgical & Cosmetic Dermatology,
v. 1, n. 1, p. 5-9, 2009.
ANTUNES, S.; MARCELINO, O.; AGUIAR, T. Fisiologia da menopausa. Revista portuguesa
de Clínica Geral, v. 19, n. 4, p. 353-357, 2003.
CARVALHO, W.; RIBAS, A. E. B. Cosmetologia aplicada à estética. São Paulo: Editora Far-
macêutica, 2019.
COSTA, C. K. et al. Um estudo da pele seca: produtos emulsionados para seu tratamento e
busca de sensorial agradável para uso contínuo. Visão Acadêmica, v. 5, n. 2, p. 69-78, 2004.
DANDAN, R. H.; BRUNTON, L. L. (org.). Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman
& Giman. 2. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.
KATZUNG, B. G. Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.
RIBEIRO, C. Cosmetologia aplicada a dermoestética. São Paulo: Pharmabooks, 2010.
VANZIN, S. B.; CAMARGO, C. P. Entendendo cosmecêuticos: diagnóstico e tratamentos.
2. ed. São Paulo: Santos Editora, 2011.
WHALEN, K. et al. Farmacologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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