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Introdução

A pele é o maior órgão do corpo humano, funciona como uma primeira barreira fisiológica
contra o ambiente externo. Possui como principal função a de barreira que é exercida pela
epiderme, a camada mais superficial da pele, da qual o estrato córneo (SC) é o grande
responsável pela função de barreira. Existem 2 elementos importantes para a manutenção do
SC, que são os lipídios intercelulares, que formam a principal barreira contra a difusão de água
através do SC, e fator hidratante, que tem um papel fundamental na absorção de água no SC.
(Moniaga et al, 2020).

A pele humana está constantemente exposta a estímulos internos e externos que têm impacto
na sua funcionalidade com a progressão da idade, manifestando-se como rugas, pele seca,
redução da integridade da barreira e afinamento da epiderme (Csekes et al, 2021). Por outro
lado, a pele tem ainda uma função excretora de substâncias que necessitam de ser eliminadas
pelo organismo, assegurando as relações entre o meio interior e exterior (Kabashima et al,
2019).

Dada a relevância que este órgão apresenta no nosso quotidiano, o avanço da Dermofarmácia
foca-se no melhor conhecimento da estrutura da pele, bem como nas suas múltiplas e
importantes funções como foram mencionadas anteriormente (Pareja, 2003).

A Sociedade de Dermofarmácia define a dermocosmética como cosméticos em que o


propósito cosmético é alcançado em relação aos aspetos dermatológicos e farmacêuticos.
Como tais cosméticos também são utilizados por consumidores com problemas de pele pré-
existentes ou doenças de pele (Kresken et al, 2018).

Referente a pele saudável, existem quatro tipos inerentes de acordo com a produção sebácea
que esta apresenta: normal, seca, oleosa e mista. Segundo fatores internos e externos a que a
nossa pele está sujeita no dia-a-dia, o estado da nossa pele pode variar. A classificação
apresentada aplica-se essencialmente à pele do rosto (Pareja, 2003).

A pele seca, de nome científico de xerose, tem a sua origem do grego em que "xero" significa
"seco" e “osis" significa "doença". Esta afeta principalmente a população feminina,
comparativamente aos homens. Facto justificado pela hormona sexual, a testosterona,
presente em maior quantidade nos homens, que atua nas glândulas sebáceas aumentando a
produção de sebo (Pareja, 2003).

A xerose é uma das condições mais prevalentes da população idosa em todo o mundo,
afetando mais de 50% dos indivíduos com idade ≥ 65 anos. Múltiplas alterações cutâneas em
idosos estão relacionadas à xerose, como por exemplo: alterações na função de barreira do SC,
incluindo a alterações da matriz lipídica intercelular, variações de pH, alterações nas protéases,
atividade reduzida das glândulas sebáceas e sudoríparas, diminuição dos níveis de estrogênio
(Moniaga et al, 2020).

A hidratação relaciona-se com a existência de água na pele. Sendo a capacidade da pele para
reter água está relacionada principalmente ao SC, que desempenha o papel de barreira à
perda de água. O SC deve conter no mínimo 10 % de água para a manutenção "normal" de
pele humana, o que confere a elasticidade, flexibilidade e suavidade (Mekié et al, 2019)
(Verdier-Sévrain & Bonté, 2007).

A capacidade da pele para reter água a nível do SC depende essencialmente da presença de


agentes higroscópicos naturais no interior dos corneócitos, referidos como fator de hidratação
natural (FHN) (em inglês natural moisturizing factor (NMF)), a presença de lípidos
intercelulares devidamente organizados de forma a criar uma barreira contra a PTEA. Por
outro lado, a difusão lenta das moléculas de água parece contribuir para minimizar a perda de
água. Esta difusão é lenta devido ao percurso sinuoso que as moléculas de água têm de
percorrer no estrato córneo (Mekié et al, 2019) (Verdier-Sévrain & Bonté, 2007).

O envelhecimento cutâneo pode vir a contribuir para a desidratação da pele, uma vez que o
conteúdo hidrolipídico reduz-se e o teor em água na pele vai diminuindo, assim como a
concentração em glucosaminoglicanos (GAGs – que correspondem a fatores de elasticidade do
tecido conjuntivo) e dos eletrólitos do tecido dérmico, o que desencadeia um aumento na
desidratação da camada córnea (Mekié et al, 2019) (Verdier-Sévrain & Bonté, 2007).

No entanto, existe uma série de fatores que podem causar a desidratação da pele, podendo
ser fatores exógenos e endógenos (Mekié et al, 2019) (Verdier-Sévrain & Bonté, 2007).

A xerose pode ser tratada com a aplicação diária de produtos hidratantes, sendo estes da
classe de produtos cosméticos a mais utilizada a nível tópico. A utilização de produtos
cosméticos hidratantes como por exemplo os cremes permite restabelecer o conteúdo hídrico
da pele desidratada, protegê-la e proporcionar as condições essenciais à recuperação das
propriedades naturais.

Sendo assim, abordaremos no presente trabalho o conceito de xerose, da qual pretendemos


realçar o papel da Dermofarmácia, sendo que o principal objetivo consiste na formulação de
um creme hidratante adequado a ser utilizado no tratamento da xerose.

Mekić, S., Jacobs, L. C., Gunn, D. A., Mayes, A. E., Ikram, M. A., Pardo, L. M., & Nijsten, T.
(2019). Prevalence and determinants for xerosis cutis in the middle-aged and elderly
population: A cross-sectional study. Journal of the American Academy of Dermatology, 81(4),
963- 969.e2. https://doi.org/10.1016/j.jaad.2018.12.038

Verdier-Sévrain, S., & Bonté, F. (2007). Skin hydration: A review on its molecular mechanisms.
Journal of Cosmetic Dermatology, 6(2), 75–82. https://doi.org/10.1111/j.1473-
2165.2007.00300.

Kabashima, K., Honda, T., Ginhoux, F., & Egawa, G. (2019). The immunological anatomy of the
skin. Nature Reviews Immunology, 19(1), 19–30. https://doi.org/10.1038/s41577-018- 0084-5
Xerose

Causas

A barreira natural da pele compreende cerca de 15 a 20 camadas de corneócitos que se


encontram incorporados numa substância intercelular lipofílica. Os corneócitos são obtidos
pelos queratinócitos que migram da zona da membrana basal até à superfície da pele num
período de quatro semanas. Durante esse período, os corneócitos diferenciam-se em células
anucleadas e livres de organelos, envolvidos por um rígido envelope, ocorrendo a conversão
de profilagrina a filagrina no seu interior. A filagrina, proteína rica em histidina, desempenha
um papel estrutural importante na barreira cutânea. Posteriormente, no EC, a filagrina é
degradada em componentes que compõem o FHN como aminoácidos livres, ácidos orgânicos,
sais inorgânicos, para além de ácido lático e ureia. Estes componentes que fazem parte da
constituição do FHN são essenciais para a capacidade de ligação da água no EC. Para além do
referido os aminoácidos neutros e básicos formam interações iónicas com as fibras de
queratina, reduzindo as forças intermoleculares entre as fibras e, assim, aumentam a
elasticidade do EC. Esta elasticidade permite que a pele pareça mais saudável e flexível,
podendo ajudar a evitar fissuras ou descamação características da xerose. Assim, a deficiência
de FHN é uma das causas da xerose. Esta deficiência ocorre devido há diminuição de moléculas
higroscópicas (ureia, lactato e ácido carboxílico pirrolidona) e de sais de aminoácidos no EC
que são responsáveis por atrair a hidratação para o EC e ligar grandes quantidades de
moléculas de água (Augustin et al, 2019).

A distribuição do fator hidratante glicerol via canais da aquaporina-3 pode estar envolvido na
patogénese da xerose cutânea. Os canais de aquaporina são canais de água localizados nas
membranas das células e são responsáveis por controlar a transferência de água para dentro e
fora das células. Estes canais permitem a passagem de água das camadas mais profundas da
pele para as camadas mais superficiais (Augustin et al, 2019).

Alterações genéticas no metabolismo da filagrina podem, também, estar associadas à xerose


cutânea. Estas alterações genéticas estão associadas tanto à diminuição da função barreira
como à diminuição da capacidade de ligação à água (Augustin et al, 2019).

O tamanho, o número e a disposição dos corneócitos também pode afetar a função da barreira
física da pele. A sua eficácia depende do conteúdo de água nos corneócitos, da idade do
doente e de fatores ambientais. Algumas dermatoses inflamatórias (como por exemplo, a
psoríase) apresentam hiperproliferação de corneócitos menores, mas não totalmente
diferenciados. Certos medicamentos, como derivados da vitamina A, induzem aumento da
epidermopoiese (processo de formação da epiderme) e, assim, também podem levar a
queratinócitos menores (Augustin et al, 2019).

A bicamada lipídica intercelular impede a evaporação de água, sendo o principal responsável


pela função de barreira química da pele. Contém queratinossomas, os designados corpos
Odland, que são constituídos por ceramidas, esteróis e ácidos gordos livres. A composição de
lípidos no EC é afetada pela idade, predisposição genética, dieta alimentar (por exemplo,
consumo de ácidos gordos essenciais), bem como medicamentos (por exemplo, as Estatinas).
A produção de sebo mediada por hormonas nas glândulas sebáceas também contribui para
quantidade de lípidos da pele. Os lipídios intercelulares e FHN são igualmente removidos da
pele com o contato frequente a detergentes, água ou solventes, resultando em danos à função
barreira da pele. Assim, a deficiência de lípidos na barreira cutânea é responsável pela
desidratação cutânea, uma vez que possuem a função vital de reduzir a perda de água por
evaporação, criando uma barreia de proteção (Augustin et al, 2019).

O filme hidrolipídico da pele é constituído por um manto ácido protetor, com um pH


compreendido entre 4,0 a 6,5, que consiste em lípidos que são produzidos pelas glândulas
sebáceas, suor e resíduos de queratinócitos. Um pH muito alto pode levar à degradação
aumentada dos lípidos da barreira ficando a defesa da pele comprometida contra infeções
cutâneas (Augustin et al, 2019).

Sendo, assim para que ocorra uma hidratação cutânea suficiente é necessária uma bicamada
lipídica intercelular funcional e uma adequada organização e diferenciação dos corneócitos
com quantidade apropriada do FHN. Na figura 1, pode-se observar a estrutura da barreira
cutânea.

Fig 1 - Estrutura da Barreira Cutânea (Augustin et al, 2019).

Fatores endógenos e exógenos

Uma série de fatores exógenos e endógenos podem causar a desidratação da pele levando
assim a xerose cutânea. Assim, os fatores exógenos que estão relacionados com a xerose são
os seguintes (Augustin et al, 2019):

 Fatores ambientais como o frio, o inverno (mudanças bruscas de temperatura), o


vento, a poluição, os raios UV (em situações de exposição excessiva ao sol), uma vez
que promovem a evaporação de água à superfície, levando a uma diminuição do grau
de hidratação da camada córnea;
 Produtos cosméticos muito agressivos, como detergentes, uso de sabões alcalinos;
 Lavagem frequente e demorada. A utilização de água muito quente no banho;
 Fatores ocupacionais que implique o contacto permanente com substâncias irritantes,
como por exemplo, cabeleireiros, área da construção, da metalúrgica e equipas de
enfermagem;
 Fatores exteriores como o tabaco ou o álcool;
 Fatores emocionais stress ou fadiga.
Relativamente aos fatores endógenos são os seguintes (Augustin et al, 2019):

 Certos tratamentos farmacológicos como Isotretinoína ou Estatinas;


 Certas doenças como as ictioses, dermatoses, psoríase, eczemas, diabetes, VIH,
hipotiroidismo e insuficiência renal que provocam alteração na camada córnea
perturbando a hidratação, tornando-a incapaz de fixar e reter a água;
 Alterações hormonais, menopausa, andropausa e gravidez;
 O processo de envelhecimento cutâneo intrínseco da pele;
 Desordens como a anorexia e abuso de drogas.

Sinais e sintomas

Os sinais, mas precisamente da xerose cutânea incluem um fenótipo muito heterogêneo como
é o caso de pele seca, escamosa, áspera, minguada e um pouco acinzentada. Além disso, a pele
é caracterizada por diminuição da elasticidade, grossura na sua textura, rugas, eritema e
fissuras. Os sintomas subjetivos incluem uma sensação de repuxar e prurido, que também
podem ser percebidos como dor ou sensação de quente por alguns doentes. A xerose cutânea,
em particular quando associada ao prurido, leva a um desconforto na qualidade de vida dos
doentes. Embora todas as áreas do corpo possam geralmente ser afetadas, os locais com
menos glândulas sebáceas, como pernas, antebraços, mãos e pés, geralmente são mais
suscetíveis (Augustin et al, 2019).

A Xerose também se apresenta como um sintoma de condições cutâneas, no caso de psoríase,


dermatite e ictiose, apresentando sinais associados de inflamação e dor (Augustin et al, 2019).
Na figura 2 encontram-se exemplos clínicos da xerose cutânea.

Fig 2 - Exemplos clínicos da xerose cutânea (Augustin et al, 2019).

(a) xerose cutânea com descamação fina típica e aumento da textura da pele. (b) xerose
senil com rugas e descamação leve. (c) Xerose cutânea com eritema incipiente. (d)
“pés de inverno” atópicos com descamação e fissuras incipientes.

Augustin, M., Wilsmann-Theis, D., Körber, A., Kerscher, M., Itschert, G., Dippel, M., &
Staubach, P. (2019). Diagnosis and treatment of xerosis cutis – a position paper. JDDG -
Journal of the German Society of Dermatology, 17(S7), 3–33.
https://doi.org/10.1111/ddg.13906
Desenvolvimento de um hidratante

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