• Conceitos em Genética
• Genética e Sociedade
• Materiais Didáticos
• Resenha
• Um Gene
Índice
Conceitos em Genética
Os filhos da mãe - a partenogênese como forma de reprodução em animais...............................................................2
Epigenética: conceito, mecanismos e impacto em doenças humanas..........................................................................14
Genética e Sociedade
Medicina Regenerativa e Engenharia de Tecidos..........................................................................................................26
Aconselhamento genético: será que eu preciso?............................................................................................................34
Materiais Didáticos
Cariogame: inovação tecnológica para o estudo de alterações cromossômicas numéricas e estruturais.................44
Investigando Scoisópolis..................................................................................................................................................54
Resenha
DNA Criminoso - Show de Horrores...........................................................................................................................68
Um Gene
Aquaporina 1: o primeiro gene codificador de um canal de água identificado em humanos....................................70
Gene COMT e sua possível relação com a esquizofrenia.............................................................................................78
CONCEITOS EM GENÉTICA
Os filhos da mãe -
a partenogênese
como forma de
reprodução em
animais
Figura 1.
Escorpião-amarelo, Tytius
serrulatus. Reproduz-se por ção gamética em ovos não fertilizados, levan- tam telitoquia obrigatória. A espécie Lepo-
partenogênese obrigatória, do ao desenvolvimento de fêmeas ao invés de soma percarinatum (Figura 2), encontrada na
dando origem apenas a fêmeas. machos haploides. Essa situação de parteno- Amazônia, e o calango Cnemidophorus nativo
https://pt.freeimages.com/ gênese, de origem infecciosa, é revertida para (ou calango da restinga), endêmico das ma-
photo/y-scorpion-1528784
(banco de imagens gratuito).
a reprodução sexuada original da espécie, tas do norte do Espírito Santo ao sul da Bah-
caso os indivíduos sejam tratados com anti- ia, são exemplos de lagartos partenogenéti-
biótico. cos cuja prole é composta apenas por fêmeas,
estes últimos ameaçados de extinção. Dentre
Nos vertebrados, lagartos híbridos das famí-
as 5.634 espécies de lagartos já identificadas,
lias Lacertidae e Teiidae também apresen-
cerca de 40 são partenogenéticas.
Figura 2.
Lagarto Leposoma
percarinatum. Espécie híbrida,
realiza partenogênese dando
origem apenas a fêmeas. Autor
da foto: Renato Gaia (foto
cedida pelo autor).
A situação oposta, em que a partenogê- Por fim, a partenogênese pode dar origem
nese leva à produção apenas de machos, é tanto a fêmeas quanto a machos, denomi-
denominada arrenotoquia. Este termo é nando-se deuterotoquia ou anfitoquia. Em Deuterotoquia - Processo
geralmente empregado para designar o sis- espécies cuja determinação do sexo baseia-se partenogenético que dá origem
tema haplodiploide, no qual óvulos não fe- no sistema ZW, em que fêmeas são hetero- a indivíduos de ambos os sexos,
machos e fêmeas.
cundados, portanto haploides, dão origem gaméticas, a partenogênese pode gerar tanto
aos machos, enquanto óvulos fecundados indivíduos ZW, portanto fêmeas, quanto in-
originam as fêmeas. É o caso clássico e mais divíduos ZZ (machos). Os primeiros casos
conhecido de partenogênese em abelhas de deuterotoquia documentados foram ob-
melíferas domesticadas, como as da espécie servados em aves domésticas, como galinhas
Apis mellifera, nas quais os zangões se ori- e perus, em que ovos não fertilizados deram
ginam de ovos não-fecundados, enquanto origem a embriões machos (ZZ). Em diver- Arrenotoquia - Processo
as operárias e as rainhas são originadas de sas espécies de serpentes em que foram ob- partenogenético que origina
ovos fecundados. Em uma colmeia dessas servados casos de partenogênese facultativa, apenas machos.
abelhas, a única fêmea fértil é a rainha. Caso tanto machos (ZZ) quanto fêmeas (ZW)
ela morra e não exista a possibilidade de ser foram observados na prole. Indivíduos WW
substituída por outra rainha, as operárias são geralmente inviáveis, porém existem re-
estéreis podem ovopositar, como resultado gistros de fêmeas WW viáveis em espécies
da falta do feromônio da rainha, que inibe o de serpentes do gênero Boa. Em 2013, um
desenvolvimento dos ovários das outras fê- espécime fêmea de jiboia-vermelha, ou ji-
meas. Entretanto, como não são capazes de boia-arco-íris (Epicrates cenchria) (Figura
copular, os ovos das operárias serão todos 3), espécie típica da Amazônia que vivia em
haploides, desenvolvendo-se em zangões, um zoológico na Califórnia, deu à luz 3 fi-
que só conseguem copular com rainhas. lhotes gerados por partenogênese. Todos os
Com o passar do tempo, as operárias mor- indivíduos da prole eram fêmeas e, pelo grau
rerão, seguidas pelos zangões, levando ao de homozigose apresentado em seu genoma,
colapso da colmeia. acredita-se que possuam cariótipo WW.
Figura 3.
Jiboia-vermelha (Epicrates
cenchria). Foi observada
reprodução partenogenética
em um espécime mantido em
cativeiro. Fonte: shutterstock.
com (banco de dados de
imagens). Autor da foto: Patrick
C. Campbell.
Figura 4.
Mecanismos citogenéticos de restabelecimento da diploidia na partenogênese
apomítica. 4a. Duplicação pós-meiótica é a duplicação do material genético do gameta,
originalmente haploide, ao final do processo de meiose. Se houver crossing-over na
prófase I, ocorre maior variabilidade genética na prole. 4b. Processo de fusão central, na
qual os produtos da primeira divisão meiótica fundem-se (representada na imagem por
uma seta), sofrendo posteriormente uma divisão mitótica, possibilitando a manutenção
da diploidia ao final da meiose II. 4c. Processo de fusão terminal, que ocorre quando o
ovócito II, haploide, se funde ao segundo corpúsculo polar (representada na imagem
por uma seta), também haploide, formando uma célula diploide. 4d. Duplicação pré-
meiótica, na qual o material genético do gameta é duplicado antes do início da divisão
meiótica, possibilitando o desenvolvimento de uma célula 2n ao final da meiose II. Os
corpúsculos polares que se degeneram no processo de ovogênese, em todos os quatro
mecanismos, estão evidenciados por um “X” vermelho.
A duplicação pós-meiótica (4a) é o processo apenas nas cromátides que sofreram cross-
no qual ocorre duplicação dos cromossomos ing-over na prófase I.
ao final da meiose II, nos ovócitos II das
A duplicação celular pré-meiótica (Figura
fêmeas partenogênicas. As fases da meio-
4d) é o processo no qual o material genético
se I ocorrem naturalmente, possibilitando
da ovogônia sofre uma duplicação anterior à
a recombinação gênica entre cromossomos
meiose, iniciando-a com uma quantidade de
homólogos, o que pode levar à variabilidade
DNA 4C. Após a duplicação das cromátides, Valor C - O valor de C
genética na prole. Após a separação do cor-
a quantidade de DNA passa a ser 8C, que é a quantidade de DNA
púsculo polar II, que se desintegra, o núcleo encontrada em um núcleo
será reduzida novamente a 4C após a meio-
do ovócito II sofre um processo de replica- haploide. Portanto, as células
se I. Ao fim da meiose II, com a separação somáticas, diploides, possuem
ção gênica, restaurando a condição diploi-
das 4 células-filhas, cada núcleo possuirá um uma quantidade de DNA 2C.
de, possibilitando o seu desenvolvimento.
número diploide de cromossomos. Este ga- Após a duplicação do material
O embrião herdará apenas um conjunto de genético, a quantidade de DNA
meta se desenvolverá, então, em um embrião
cromossomos, paterno ou materno, em ho- presente no núcleo dessas
diploide.
mozigose. células será 4C.
O mecanismo de duplicação celular pré-
Ao longo do processo meiótico, a diploidia
meiótica pode, ainda, levar a duas situações
pode ser restaurada por dois mecanismos
diferentes, a depender do tipo de pareamen-
distintos: a fusão central ou a fusão termi-
to dos cromossomos, na metáfase I. Caso
nal. A fusão central (4b) compreende a fu-
ocorra o pareamento de cromossomos ho-
são entre o ovócito I e o corpúsculo polar I,
mólogos, poderá ocorrer crossing-over entre
produzido ao final da meiose I. Logo após a
cromátides de cromossomos diferentes, o
ocorrência da fusão, ocorre uma divisão celu-
que poderá acarretar o aparecimento da ho-
lar sem pareamento de cromossomos homó-
mozigose no embrião (Figura 5a).
logos na metáfase, o que leva a um processo
semelhante à mitose. Portanto, a heterozi- Por outro lado, caso ocorra pareamento de
gose é preservada e a constituição genética cromossomos-irmãos (resultantes da dupli-
da prole pode ser idêntica ou aproximada à cação pré-meiótica), os quiasmas do cross-
da mãe, o segundo caso exemplificado pela ing-over ocorrerão entre cromátides-irmãs,
ocorrência de crossing-over. que possuem os mesmos alelos. Sendo assim,
não haverá recombinação gênica, permitindo
Na fusão terminal (4c) o ovócito II e o cor-
a manutenção da heterozigose nas gerações
púsculo polar II fundem-se ao final da meio-
futuras (Figura 5b).
se II. Nessa fase da meiose, apenas metade
do material genético materno inicial está Pode-se perceber que a constituição genética
presente no ovócito II. Ao se fundir com o dos descendentes não será sempre idêntica à
corpúsculo polar II, que apresenta o mesmo da mãe, dependendo do tipo de mecanismo
conjunto de cromossomos, o ovócito II resta- citogenético responsável pela partenogênese
belece a diploidia. Por se tratar de fusão ter- em determinada espécie. Assim, contrarian-
minal, na qual o conjunto de cromossomos do o esperado em uma reprodução sem fe-
2n é a duplicação de um conjunto n presente cundação, uma considerável variabilidade ge-
na célula germinativa inicial, a homozigose é nética pode ser observada na prole originada
bastante preservada, ocorrendo heterozigose em um processo de partenogênese.
Figura 5.
Diferença no genótipo final dos indivíduos originados do processo de duplicação pré-
meiótica, de acordo com o tipo de pareamento na Metáfase I. Caso ocorra pareamento
de cromossomos-homólogos (Figura 5a), poderá haver o aparecimento de homozigose
na prole, em consequência do processo de recombinação gênica, possibilitando o
aumento da variabilidade genética nas gerações seguintes. Em caso de pareamento de
cromossomos-irmãos (Figura 5b), a heterozigose é preservada na prole pois o crossing-
over não gerará recombinação gênica.
REFERÊNCIAS
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sible routes to parthenogenesis in animals. Biolog-
ical Journal of Linnean Society, v. 7, p. 151 – 163,
2003.
Epigenética:
conceito,
mecanismos
e impacto
em doenças
humanas
Heterocromatina -
segmentos de cromatina nismos uni e multicelulares. Nos eucariotos, histonas (H2A, H2B, H3 e H4) associado
altamente condensada. a metilação do DNA ocorre principalmente a uma sequência de DNA de cerca de 147
nas bases do tipo citosina, as quais são con- pares de bases, que está enrolada sobre esse
vertidas em 5-metilcitosina (5mC) pelas octâmero (figura 1B). A molécula de DNA
enzimas DNA-metiltransferases (DNMT). organizada em nucleossomos forma a cro-
As citosinas metiladas (5-metil-citosinas) matina, que não é uniforme em estrutura,
usualmente (mas não exclusivamente) estão apresentando segmentos altamente conden-
adjacentes a um nucleotídeo de guanina (di- sados (heterocromatina) e outros menos
Dinucleotídeos CpG - nucleotídeos CpG), resultando em duas ci- compactados, na eucromatina. Esse grau
sequência de DNA na qual tosinas metiladas localizadas diagonalmente de compactação da cromatina é dinâmico e
um nucleotídeo de citosina é uma à outra (figura 1A), uma em cada fita da sua conformação pode ser alterada em res-
seguido por um nucleotídeo
guanina, linearmente na direção
molécula de DNA. Os membros da família posta a sinais endógenos e exógenos.
5 '→ 3'. CpG é a abreviatura de enzimas DNMT agem de duas manei-
As histonas têm uma cauda terminal de ami-
de 5'-C-fosfato-G-3 ', isto é, ras principais: adicionando grupos metil na
citosina e guanina adjacentes
noácidos que fica exposta nos nucleossomos
sequência de DNA onde antes não havia
na mesma fita, unidas por um (figura 1B). As caudas têm aproximadamen-
metilação (metilação de novo), ou copiando
grupo fosfato. te 20-35 aminoácidos e são sujeitas a modi-
a metilação da fita de DNA molde para uma
ficações bioquímicas que afetam a atividade
nova fita complementar durante a replicação
transcricional dos genes associados. As di-
(metilação de manutenção), o que possibilita
ferentes modificações das histonas podem
a transmissão do padrão de metilação duran-
afrouxar ou estreitar a associação entre his-
Eucromatina - segmentos de te as divisões celulares. A metilação de DNA
tonas e DNA, facilitando ou restringindo o
cromatina menos compactados. é uma marca epigenética que pode ser reti-
acesso ao DNA dos fatores de transcrição
rada por enzimas específicas e também pode
e da maquinaria transcricional. Metilação,
ser perdida pela inibição da enzima DNMT
acetilação e fosforilação de histonas são
de manutenção.
algumas das modificações descritas como
Em mamíferos, a metilação pode estar con- marcas ativadoras ou silenciadoras da ex-
centrada em regiões do genoma nas quais há pressão gênica. Por exemplo, trimetilação
uma maior densidade relativa de dinucleo- da lisina 27 na histona H3 é encontrada nos
Ilhas CpGs - regiões do tídeos CpGs (ilhas CpGs), ou em CpGs nucleossomos que compõem a cromatina de
genoma nas quais há uma isolados distribuídos pelo genoma. A locali- genes inativos, enquanto a mesma modifica-
maior densidade relativa de zação da metilação na sequência de um gene ção em outra lisina (na posição 36) marca a
dinucleotídeos CpGs.
influencia o controle de sua expressão. Por cromatina associada a genes ativos.
exemplo, a metilação em região promotora
Cada marca isoladamente não confere ao
da transcrição bloqueia a transcrição e, por-
gene um estado de transcrição ativo ou ina-
tanto, reprime a expressão do gene; já a meti-
tivo; as modificações nas histonas compõem
lação no corpo do gene não tem esse efeito e,
um painel de marcas que é “lido” em conjun-
em alguns casos, pode até estimular a trans-
to por enzimas específicas (readers). A in-
crição e ter efeito na recomposição do RNA
trodução dessas modificações é efetuada por
Acetilação - reação que mensageiro daquele gene.
enzimas chamadas de “escritoras” (writers),
introduz um grupo funcional
acetila em resíduos de lisina 1.2. Modificações de que incluem metiltransferases (HMTs) e
na ramificação N-terminal das proteínas histonas acetiltransferases (HATs), responsáveis pela
histonas. metilação e acetilação de caudas de histonas,
Fosforilação - adição de um O conteúdo de DNA do genoma humano respectivamente. Da mesma forma que a me-
fósforo que pode ocorrer em encontra-se distribuído por 24 diferentes tilação de DNA, tais marcas epigenéticas de
todas as classes das histonas, cromossomos, os 22 autossomos acrescidos
em resíduos de serina e histonas são estáveis, mas podem ser rever-
dos cromossomos X e Y. Cada cromossomo síveis, e sua remoção é efetuada por enzimas
treonina.
contém uma única e longa molécula de DNA também específicas (erasers), como histona
que está associada a grupos de proteínas his- desmetiltransferases (HDMTs) e desacetila-
tonas, em estruturas chamadas nucleosso- ses (HDACs).
mos. Cada nucleossomo é constituído por
um octâmero de proteínas formado por duas Existem formas variantes de histonas que
cópias de cada um dos tipos de proteínas diferem em um ou poucos aminoácidos em
Figura 1.
Mecanismos de modificação
B epigenética: metilação de
DNA e modificações da cauda
de proteínas histonas. (A)
Metilação de nucleotídeos
citosina na molécula de DNA.
As citosinas (C) metiladas (Me)
usualmente estão adjacentes
a um nucleotídeo de guanina
(dinucleotídeo CpG), resultando
em duas citosinas metiladas
localizadas diagonalmente
uma à outra, uma em cada
fita da molécula de DNA. (B)
A molécula de DNA de cada
cromossomo está associada a
grupos de proteínas histonas,
formando estruturas chamadas
nucleossomos. O nucleossomo
é formado por uma sequência
de DNA de 147 pares de
bases (fita preta) que envolve
um octâmero de proteínas
formado por duas cópias de
cada uma das histonas H2A,
H2B, H3 e H4. A histona tem
uma cauda terminal (indicada
pelas fitas em azul) de 20-35
aminoácidos que fica exposta
no nucleossomo e é sujeita a
modificações bioquímicas, como
relação às histonas-padrão e que estão em em genes com alta atividade transcricional. metilação (verde) e acetilação
frequência muito menor na cromatina. Em Além desses processos universais, variantes (vermelho), entre outras. As
algumas regiões especiais da cromatina, as de histonas também estão relacionadas a diferentes modificações das
histonas podem afrouxar ou
histonas regulares são substituídas por essas fenômenos epigenéticos particulares, como estreitar a associação entre as
variantes mais raras. Essas variantes de his- a inativação de um dos cromossomos X em histonas e o DNA, facilitando
tonas fornecem um nível mais fundamental fêmeas de mamíferos. ou restringindo o acesso ao
de diferenciação da cromatina, fornecendo a DNA dos fatores de transcrição
base para processos epigenéticos, incluindo 2. EPIGENÉTICA E e da maquinaria transcricional;
dessa maneira, as modificações
segregação de cromossomos. A substituição DIFERENCIAÇÃO CELULAR de histonas afetam diretamente
da histona-padrão por uma variante é espe- Como os diferentes tipos celulares de um a atividade transcricional dos
cialmente importante nos centrômeros, nos genes associados.
mesmo indivíduo, com um genoma idên-
quais a histona H3 é substituída por sua va- tico, conseguem ser tão distintos? E como
riante CENP-A. Adicionalmente, as varian- essa memória celular é mantida ao longo Memória celular é o
tes de histonas também estão envolvidas nas das divisões celulares? Para responder essas conjunto de informações
propriedades epigenéticas de genes ativos; as questões é preciso considerar a combinação epigenéticas de uma célula
histonas H3.3 e H2A.Z (variantes de H3 e entre genoma e epigenoma.
que pode ser transmitido por
H2A, respectivamente) estão enriquecidas sucessivas divisões mitóticas.
Nosso genoma carrega cerca de 20.000 genes sões celulares, indicando que a diferenciação
codificadores de proteína. Um tipo celular é celular é um processo unidirecional, em geral
definido pelo subconjunto de genes que es- não reversível. É importante mencionar que
tão ativos. Esse grupo de genes ativos e seus os tecidos mantêm uma espécie de reserva-
transcritos (RNA mensageiros) codificam os tório de células-tronco, ou seja, células não
componentes físicos e as proteínas necessá- diferenciadas que retêm a capacidade de se
rias para que cada célula execute sua função diferenciar nos diferentes tipos celulares da-
especializada. Os diferentes tipos celulares quele tecido, para reposição celular.
são estabelecidos durante o desenvolvimento
embrionário e mantidos através dos ciclos de 3. REGULAÇÃO E
divisão celular, perpetuando padrões espe- REPROGRAMAÇÃO
cializados de expressão gênica. EPIGENÉTICA NO
Dentre os diversos tipos celulares do corpo DESENVOLVIMENTO
humano há as células-tronco, caracterizadas
As marcas epigenéticas compõem a memó-
pela capacidade de auto-renovação, ou seja,
ria celular de modo a manter o padrão de
podem se multiplicar gerando células iguais
expressão gênica em células especializadas,
a si e, pelo potencial de diferenciação, são
preservando a identidade da linhagem ce-
capazes de originar diversos tipos celulares.
lular após consecutivas divisões mitóticas.
Em geral, as células-tronco são classificadas
Contudo, em dois momentos ao longo do
em embrionárias ou adultas. As primeiras
desenvolvimento o epigenoma é alterado de
são capazes de gerar qualquer tipo de célula
forma radical: após a formação do zigoto e na
do organismo e possuem alta capacidade de
formação dos gametas.
diferenciação (pluripotência). Já as células-
-tronco adultas são encontradas em maior Após a fusão dos gametas materno e pater-
quantidade na medula óssea e sangue do cor- no, os genomas de ambos permanecem fi-
dão umbilical, assim como em locais espe- sicamente separados no zigoto (pró-núcleo
cíficos dos órgãos, e apresentam capacidade masculino e feminino), submetidos a distin-
limitada de diferenciação, dando origem so- tas alterações no DNA e cromatina. Como
mente aos subtipos celulares de tecidos dos exemplo, o genoma de origem paterna sofre
Mórula é o primeiro estágio quais derivam. desmetilação de DNA ativa nas primeiras
da embriogênese, logo após a 24 horas pós fertilização, enquanto que o
fertilização, no qual o zigoto
Em geral, no início do desenvolvimento, há
genoma materno é desmetilado lentamente
sofre sucessivas clivagens até a a diminuição do nível global de metilação do
por mecanismo passivo, após sucessivas re-
formação do blastocisto. Este DNA nestas células, permitindo a expressão
estágio caracteriza-se por uma plicações. Este processo de desmetilação do
de genes associados à pluripotência, como
massa sólida com cerca de 12 a genoma ocorre entre os estágios de zigoto e
NANOG e POU5F1 (ou OCT4). Poste-
32 células. mórula, permitindo que as células mante-
riormente, os genes que são responsáveis por
nham características de totipotência. Já na
manter a pluripotência são reprimidos como
fase de blastocisto há o primeiro sinal de
resultado de um aumento da metilação do
diferenciação celular: a camada interna das
DNA, assim como há o aumento da expres-
células constitui o embrioblasto ou massa
são dos genes específicos de desenvolvimen-
celular interna, o qual dará origem ao em-
to em resposta à promoção da metilação da
brião propriamente dito, e a camada externa
H3K4 nos nucleossomos. Em consequência,
constitui o trofoblasto, que origina membra-
as células-tronco iniciam o processo de dife-
nas fetais e o saco vitelínico. A diferenciação
renciação celular, que culminará no acúmulo
entre esses dois tecidos na fase de blastocisto,
progressivo de marcas epigenéticas que pro-
compreende distintos eventos epigenéticos,
duzirão um padrão específico de expressão
que incluem diferenças no padrão de aceti-
Blastocisto é o segundo gênica para cada tipo celular.
lação e metilação e disponibilidade de fatores
estágio da embriogênese; esfera
oca de células embrionárias,
Ao final desse processo de estabelecimento de transcrição. Com o decorrer do desenvol-
conhecidas como blastômeros, da identidade funcional de cada tipo celular, vimento, marcas epigenéticas são subsequen-
em torno de uma cavidade a célula é referida como diferenciada. O pa- temente estabelecidas à medida que ocorrem
interna com fluido chamada drão de expressão gênica de uma célula dife- os processos de diferenciação e formação das
blastocele. renciada é mantido estável através das divi- linhagens que compõem o indivíduo.
Figura 2.
Regulação epigenética durante o desenvolvimento de mamíferos. O nível das marcas epigenéticas está
indicado pela gradação de cores das barras, sendo o tom mais escuro correspondente à maior quantidade da
marca; em vermelho, metilação de DNA, em azul, metilação da lisina 27 da histona 3 (H3K27) e em cinza,
metilação da lisina 4 da histona 3 (H3K4). No início da embriogênese (zigoto/mórula), ocorre grande perda
de metilação de DNA e os genes de diferenciação e desenvolvimento são reprimidos pela metilação da lisina
27 da histona 3 (H3K27 – marca de silenciamento gênico). Quando se inicia a diferenciação das células,
os genes associados à pluripotência são reprimidos por metilação de DNA. Ao mesmo tempo, os genes do
desenvolvimento começam a ser expressos e há um aumento na metilação da lisina 4 da histona 3 (H3K4 –
marca de atividade gênica). O desenvolvimento das células germinativas se inicia com ganho de metilação
de DNA; apenas os genes sujeitos a imprinting sofrem desmetilação, com consequente apagamento das
marcas dos genitores. Marcas como a metilação do H3K27 permitem que os genes de diferenciação e
Transposons - sequências de
DNA que tem capacidade de
desenvolvimento sejam silenciados por um curto período de tempo nas células germinativas primordiais.
autoreplicação e inserção em
Posteriormente, a metilação de DNA nas células germinativas permite o silenciamento estável de genes de
outros sítios do genoma, em
imprinting, transposons e alguns genes associados à pluripotência.
geral com atividade reprimida
por metilação de DNA.
matina, modificação das histonas, tempo de Além das síndromes conhecidas de defeitos
replicação e taxa de recombinação na meiose. de imprinting, há evidências crescentes de
Sabe-se que os genes que sofrem imprinting que existe expressão alterada dos genes de
têm atuação importante no desenvolvimento imprinting em uma ampla gama de doen-
pré-natal e também na biologia placentária, ças comuns, como restrição do crescimento
assim como também exercem efeitos im- intrauterino, obesidade, diabetes mellitus, Síndrome de Beckwith-
portantes no desenvolvimento, crescimen- transtornos psiquiátricos e câncer. Quanto Wiedemann - doença
to e sobrevivência pós-natal. Esse grupo de a essas doenças não-congênitas, em geral de caracterizada por aumento de
crescimento, predisposição
genes de imprinting está emergindo como manifestação tardia, é importante sempre tumoral e malformações
regulador-chave de processos metabólicos relembrar que qualquer característica (fenó- congênitas.
em bebês e adultos; podem influenciar a ma- tipo) é resultado da interação entre variantes Síndrome de Prader-Willi
nutenção da temperatura corporal, ingestão genéticas (genótipo) e o ambiente. Atual- - hipotonia grave e dificuldades
de alimentos e adiposidade, agindo em vários mente, há um considerável interesse em sa- alimentares no início da
tecidos e vias. ber como os fatores ambientais atuam no infância, seguidos de ingestão
excessiva de alimentos,
genoma para influenciar o fenótipo por meio
5. DOENÇAS HUMANAS da modulação de marcas epigenéticas. Nos
obesidade mórbida e atraso
cognitivo, em geral moderado.
E ALTERAÇÕES últimos anos, várias pesquisas examinaram a Síndrome de Angelman
EPIGENÉTICAS relação entre exposição a fatores ambientais e - deficiência intelectual grave,
mudanças do epigenoma, incluindo poluen- convulsões, microcefalia
Distúrbios no epigenoma podem resultar tes químicos, nutrição, alterações de tempe- pós-natal e características
na ativação ou inibição de genes de maneira ratura, estresse, nível de atividade física, ciclo dismórficas faciais distintas.
inapropriada; deste modo, a fisiologia celu- circadiano, tabagismo e consumo de álcool,
lar normal é alterada, o que pode ocasionar entre outros.
o desenvolvimento de patologias, congênitas
ou adquiridas. Evidências crescentes mostram que as mar-
cas epigenéticas conhecidas, como metilação
Defeitos de imprinting genômico são causa de DNA e modificações de histonas, são in-
de condições congênitas que afetam o cres- fluenciadas por fatores exógenos. A relação
cimento e desenvolvimento, como as síndro- entre a fumaça do tabaco e a alteração da me-
mes de Beckwith-Wiedemann, Prader- tilação do DNA parece particularmente re-
-Willi e Angelman, por exemplo. Em casos levante, dado que vários genes supressores de Hipometilação - nível de
como a síndrome de Beckwith-Wiedemann, tumor mostram um aumento de metilação metilação diminuído em relação
a hipometilação do gene IGF2 por causa de em células normais de pulmão de fumantes ao tecido controle.
um defeito de imprinting resulta no aumento e ex-fumantes, o que poderia levar a uma di- Síndrome de Silver-
da expressão deste gene durante o período minuição de sua expressão. Os mecanismos Russell - baixa estatura
pré-natal, ocasionando o hipercrescimento subjacentes permanecem amplamente des- proporcional, dismorfismos
característico dos pacientes. Por outro lado, conhecidos, mas se espera que a epigenética faciais, assimetria de membros,
na síndrome de Silver-Russell, caracteriza- ajude a trazer uma compreensão mais com-
risco significativo de atraso no
da por crescimento diminuído, há alterações desenvolvimento (tanto motor
pleta das respostas individuais ao ambiente quanto cognitivo) e dificuldades
no perfil de metilação, também decorrentes e a fatores de risco, em combinação com as de aprendizagem.
de defeitos de imprinting, que resultam na diferenças genéticas. Síndrome ICF
diminuição da expressão do gene IGF2 no (imunodeficiência, instabilidade
período pré-natal. Modificações epigenéti- Um perfil epigenético específico foi obser-
da região centromêrica e
cas congênitas também podem ocorrer por vado em pacientes com doenças neurodege- anomalias faciais): doença
alterações em genes relacionados à maqui- nerativas, como a hipometilação e alteração autossômica recessiva
naria epigenética, como exemplo a hipome- na expressão gênica em Alzheimer e Par- rara caracterizada por
kinson; outros estudos também evidenciam imunodeficiência e anomalias
tilação global observada na Síndrome ICF faciais.
(imunodeficiência, instabilidade da região modificações no perfil epigenético em pes-
centromêrica e anomalias faciais), que é cau- soas com esquizofrenia e com doença de
sada por mutação em um gene que codifica Huntington, dentre outras doenças. Alte- Doença de Huntington
rações epigenéticas também são descritas em - doença neurodegenerativa
uma das enzimas que adicionam metilação
diabetes, doenças autoimunes como lúpus progressiva rara do sistema
ao DNA (DNMT3B). nervoso central caracterizada
por movimentos coreicos,
alterações comportamentais e
psiquiátricas e demência.
Figura 4.
Epigenética e câncer. O painel superior indica a situação em células normais e, abaixo,
as modificações epigenéticas identificadas em células tumorais. Genes supressores de
tumor estão ativos (retângulo verde) em células normais; no câncer, estes genes podem
ser silenciados pelo ganho de metilação em citosinas localizadas em ilhas CpG na sua
região promotora (pirulitos brancos denotam citosinas não metiladas, pirulitos vermelhos,
citosinas metiladas) e essa hipermetilação de promotor gênico ocasiona silenciamento da
transcrição do gene associado (retângulo vermelho). Em sequências repetitivas de DNA
(retângulos em azul), que normalmente estão metiladas em células normais, ocorre perda
de metilação em células tumorais (hipometilação global do genoma).
Figura 5.
Herança epigenética
transgeracional em humanos.
Evidências crescentes mostram
que as marcas epigenéticas
conhecidas, como metilação
de DNA e modificações de
histonas, são fortemente
influenciadas por fatores
exógenos. O efeito da
exposição peri-concepcional
a fatores que podem modular
o epigenoma vem sendo
estudado nas últimas décadas.
As condições ambientais a que
mulheres grávidas são expostas
podem modificar não apenas
o epigenoma da gestante
(1ª geração), como também REFERÊNCIAS WU, C. T., MORRIS, J. R. Genes, genetics, and epi-
genetics: A correspondence. Science v. 293, n.
o epigenoma do feto (2ª
PEMBREY, M. E., BYGREN, L. O., KAATI, G., 5532, p.1103-1105, 2001.
geração), incluindo suas células
EDVINSSON, S., NORTHSTONE, K.,
germinativas (que darão origem
à 3ª geração). Desta forma,
SJÖSTRÖM, M., GOLDING, J. Sex-specific, PARA SABER MAIS
male-line transgenerational responses in humans.
três gerações seriam expostas MESSERSHMIDT, D. M., KNOWLES, B. B.,
European Journal of Human Genetics v. 14, p. 159-
à mesma condição ambiental SOLTER, D. DNA methylation dynamics
166, 2006.
(tabaco, dieta, toxinas, during epigenetic reprogramming in teh germline
hormônios, medicamentos, RAVELLI, G.-P., STEIN, Z. A., SUSSER, M. W. and preimplantation embryos. Genes and Devel-
nível de atividade física, entre Obesity in Young Men after Famine Exposure in opment v. 28, p. 812-828, 2014.
outros), mudando o epigenoma Utero and Early Infancy. New England Journal of
e com potencial impacto na Medicine v. 295, n. 7, p. 349-353, 1976.
saúde (Figura adaptada de
WADDINGTON, C. H. (1942). The epigenotype.
https://learn.genetics.utah.
1942. International Journal of Epidemiology, 41(1),
edu/content/epigenetics/
10–13, 1942.
inheritance/).
Medicina
Regenerativa
e Engenharia
de Tecidos
Gabriel Levin1, Gustavo Gross Belchior2, Mari Cleide Sogayar1, Ana Claudia O. Carreira1,3
1
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, NUCEL (Núcleo de Terapia Celular e Molecular),
Departamento de Clínica Médica, São Paulo, SP
2
Core-Us Comunicação Científica, SP
3
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Departamento de Anatomia
dos Animais Domésticos e Silvestres, São Paulo, SP
alguns pontos devem ser levados em conta embrião humano e, portanto, exigem a ma-
para a escolha desses componentes: os tipos nipulação do mesmo para serem obtidas. Por
de células a serem utilizados no processo: este motivo, novas pesquisas foram conduzi-
a anatomia e estrutura tridimensional do das a fim de se contornar este dilema ético e
tecido e os fatores de crescimento necessá- permitir assim o avanço da Engenharia Te-
rios para que o órgão seja funcional e viável. cidual e Medicina Regenerativa. Neste con-
Componentes do processo: texto, foram descobertas as células-tronco
de pluripotência induzida, conhecidas como
1. Células
iPSs ou iPSCs (do inglês Induced Pluripotent
Células adultas que se proliferam pouco e Stem Cells), que nada mais são do que células
que já são diferenciadas em tipos celulares es- adultas reprogramadas geneticamente para
pecíficos podem ser utilizadas na Engenharia readquirir a capacidade de se diferenciarem
Tecidual, mas as células-tronco permanecem em todos os tipos celulares presentes no or-
como uma das fontes de maior interesse nes- ganismo (BOX 2 - iPSs). Tais células foram
sa e em outras áreas da Medicina (BOX 1 - geradas pela primeira vez em 2006, a partir
Células-Tronco adultas e embrionárias - toti, de células de camundongo e, um ano depois,
multi e pluripotentes). Células-tronco são em células humanas, representando um mar-
células total ou parcialmente indiferenciadas co no processo de eliminação dos problemas
e com alto poder proliferativo, capazes de se éticos relacionados ao uso de células-tronco
diferenciar em outros tipos celulares e for- embrionárias. Isso porque as iPSs dispen-
mar diferentes tecidos corpóreos. Entre elas, sam o uso de embriões, uma vez que são ob-
as células-tronco embrionárias, aquelas com tidas a partir de células adultas do próprio
maior potencial de diferenciação em outros paciente. Além disso, as iPSs ainda oferecem
tecidos do corpo humano, seriam aquelas mais uma vantagem: evitam a rejeição imu-
com maior potencial terapêutico. Entretan- nológica, que é o processo através do qual o
to, sua utilização esbarra em questões éticas sistema imune do paciente rejeita as células
importantes, uma vez que, como o próprio estranhas e as combate, sempre ocorrendo,
nome já diz, são células provenientes de um quando se faz uso de células que não perten-
BOX 1
Células-Tronco Adultas X Embrionárias: potencialidade
As chamadas células-tronco são as células que ainda não entraram em processo de diferenciação celular ou que passaram
apenas por diferenciação parcial, mantendo-se parcialmente indiferenciadas. Essas células têm como características um alto
poder proliferativo e a capacidade de se diferenciar em outros tipos celulares e formar diferentes tecidos corpóreos. Apesar
destas características em comum, as células-tronco possuem algumas diferenças entre si, sendo classificadas de acordo com
sua capacidade de diferenciação (potencialidade) e sua origem:
Potencialidade:
- Células Totipotentes: células capazes de diferenciarem-se em todos os tecidos do corpo humano, incluindo a placenta
e anexos embrionários;
- Células Pluripotentes: células capazes de se diferenciarem em todos os tecidos do corpo humano, com exceção da
placenta e anexos embrionários;
- Células Multipotentes: células capazes de se diferenciarem em vários tecidos do corpo humano, mas não todos.
Origem
- Células-tronco adultas: células parcialmente indiferenciadas encontradas em vários tecidos e órgãos adultos, principal-
mente na medula óssea e no cordão umbilical, responsáveis pela renovação das células do tecido. São células capazes
de gerar somente alguns tecidos do corpo humano, ou seja, são multipotentes.
- Células-tronco embrionárias: células provenientes do embrião até o estágio denominado de blastocisto (4-5 dias após
a fecundação). São células capazes de gerar todos os tecidos do corpo humano, logo, são pluripotentes.
cem ao indivíduo que as recebe. Dotadas de dos no mundo (clinicaltrial.org) que fazem
alta potencialidade e capazes de suprimir a uso dessas células. Independentemente da
necessidade de uso de drogas imunossupres- fonte, as células a serem utilizadas depende-
soras, o uso de iPSs no campo de Engenharia rão do caso específico de cada paciente, mas
Tecidual é extremamente promissor. No mo- elas não são os únicos componentes na gera-
mento, existem 25 estudos clínicos registra- ção do novo tecido.
Figura 1.
Componentes essenciais
para a construção de um
tecido engenheirado (Pilares
da Engenharia de Tecidos):
células, arcabouços e fatores de
crescimento.
Figura 2.
Tipos de células-tronco adultas.
BOX 2
iPSs
As Células-Tronco de Pluripotência Induzida (iPSs), cujo desenvolvimento foi primeiramente
publicado pelo grupo do pesquisador japonês Shinya Yamanaka, são células que apresentam
a capacidade de se diferenciar em todos os tecidos do organismo (pluripotentes) e são gera-
das em laboratório a partir da reprogramação genética de uma célula adulta. A reprograma-
ção de uma célula consiste na restauração de um estágio celular indiferenciado, semelhante
àquele observado em células-tronco embrionárias. Para reprogramar uma célula adulta, é
necessária a ativação interna de genes conhecidos como fatores de reprogramação. A forma
mais comum envolve quatro genes: Oct4, Sox2, c-Myc e Klf4. Para isso, as sequências co-
dificadoras destes genes são introduzidas na célula a ser reprogramada utilizando partículas
virais capazes de infectar as células e transferir o material genético de interesse para dentro
destas em um processo chamado de transdução viral. Uma vez dentro das células, os fatores
de reprogramação são ativados e iniciam uma cascata de eventos intracelulares que têm
como resultado o restabelecimento do estado indiferenciado, retomando assim a pluripo-
tência. Atualmente, os pesquisadores têm buscado métodos alternativos para obtenção das
iPSs, uma vez que o método envolvendo os quatro genes mencionados é muito dispendioso
e apresenta um baixo rendimento.
Figura 3.
Reprogramação de célula
adulta com alguns fatores para
obtenção de Células-Tronco de
Pluripotência Induzida (iPSs). 2. Arcabouços disso, o arcabouço deve prover um ambiente
que seja o menos hostil possível para a célula,
Todos os tecidos do corpo humano precisam
o que significa que o polímero deve ter uma
de sustentação. Na Engenharia Tecidual esta
porosidade adequada tanto para o alojamen-
regra é obedecida pelo uso, na maioria das
to das células quanto para o crescimento de
vezes, de polímeros biocompatíveis e biode-
vasos sanguíneos, entre outras características.
gradáveis que formam os chamados arcabou-
ços (em inglês, scaffolds) (Figura 4). Esses são Nos processos de isolamento e semeadura
compostos por longas cadeias de moléculas das células selecionadas e de transplante do
que causam pouca ou nenhuma reação inde- novo tecido muitas dessas células morrem.
sejada no organismo, podendo ser absorvi- Sabe-se, contudo, que um ambiente bem vas-
dos pelo próprio corpo sem deixar vestígios cularizado tem um papel crucial na sobrevi-
depois de algum tempo da implantação do vência dessas células uma vez que é através
tecido. As células selecionadas são semeadas do sangue que nutrientes e oxigênio chega-
sobre o polímero biocompatível de forma que rão a elas. Um aporte sanguíneo adequado
encontrem um local para se aderirem e não resulta em um tecido engenheirado que cres-
simplesmente se dispersarem pelo organis- ce melhor e mais rápido, podendo melhorar
mo. Para tanto o arcabouço deve ser molda- consideravelmente o quadro do paciente que
do para ter um formato desejado, de acordo recebeu o implante em um menor período de
com o tecido ou órgão que substituirá. Além tempo.
Figura 4.
O uso de scaffolds/arcabouços
(feitos de biopolímeros
compatíveis), células e
3. Fatores de crescimento por Engenharia Genética e adicionadas para
proteínas para a formação
auxiliar no crescimento do tecido desejado. de tecido engenheirado já é
Outros elementos também podem ser
uma realidade na Medicina
acrescentados para ajudar no crescimento
dos tecidos, como é o caso dos fatores de PERSPECTIVAS FUTURAS moderna. Há um futuro muito
promissor para corrigir ou curar
crescimento. Essas biomoléculas, em sua DA ENGENHARIA DE TECIDOS diversas doenças ainda sem
maioria proteicas, são responsáveis pela co- Como visto até aqui, a Engenharia de Teci- um tratamento adequado. Na
municação celular e são essenciais à vida, parte superior da figura são
dos tem um grande potencial para o trata- observados os arcabouços. Na
executando um grande número de funções mento de doenças e injúrias, podendo trazer parte inferior é observado um
no organismo. Esses fatores estimulam, por alternativas para uma melhora na qualidade tecido de intestino, gerado
exemplo, a proliferação celular, a migração e de vida e bem estar dos pacientes. Mas, em por Engenharia Tecidual,
diferenciação de células, além de evitar, tam- cultivado em animal em
termos práticos, o que já se usa desta tec-
diferentes condições (1 a 4)
bém, a morte das mesmas. No contexto da nologia na clínica? Quais são os últimos para reconstituição intestinal.
Engenharia Tecidual, proteínas podem ser avanços da área e o quão perto realmente (Realizado em colaboração
adicionadas aos arcabouços de sustentação está a Engenharia de Tecidos de tratar os entre o grupo NUCEL e The
de modo a contribuir para as interações cé- pacientes? Este potencial terapêutico tem Saban Research Insitute).
lula-célula e célula-arcabouço, contribuindo atraído muitos investimentos e esperanças
assim para a formação do novo tecido. Por que movem o seu desenvolvimento. Vários
exemplo, as proteínas que atuam como fa- estudos clínicos têm sido realizados nos úl-
tores de crescimento podem colaborar para timos anos, e alguns produtos já foram au-
a proliferação das células semeadas e dife- torizados para uso humano nos EUA, como
renciação destas nos diferentes tipos celu- substitutos musculoesqueléticos e de pele,
lares necessários ou, podem ainda, induzir válvulas cardíacas e cartilagem, mas ainda
o crescimento de vasos sanguíneos ao redor são aplicados de forma limitada. Outras
do arcabouço para irrigar e nutrir as células tecnologias de ponta na área de Engenha-
do novo tecido em formação. Além disso, ria de Tecidos são apresentadas no BOX
algumas proteínas podem ainda atrair al- 3. Agora, com todas essas informações em
guns tipos celulares especiais que ajudarão mente sobre o potencial terapêutico, as téc-
no processo de recuperação da região afeta- nicas utilizadas e as novidades da Engenha-
da pela agressão da cirurgia de transplante, ria Tecidual, vale ficar de olho e acompanhar
melhorando quadros inflamatórios e auxi- as notícias da área pra saber quais serão os
liando no reparo de lesões. Vale mencionar benefícios que esta tecnologia trará para a
que estas proteínas podem ser produzidas sociedade.
BOX 3
Últimos avanços
Entre os últimos avanços na Medicina Regenerativa e Engenharia de Tecidos estão:
- Bioimpressão de órgãos e tecidos com uso de impressoras em 3D: Desenvolvida para
a construção de órgãos engenheirados e que combinam materiais sintéticos e diferentes
tipos celulares, de forma extremamente precisa, para formar o novo tecido tridimensional.
- Órgãos descelularizados: Outra abordagem muito promissora que vem sendo utiliza-
da na tentativa de se obter o arcabouço ideal para o processo de Engenharia Tecidual.
Os órgãos descelularizados consistem em matrizes naturais provenientes de órgãos cujas
células foram retiradas por meio de infusões com detergentes ou outras substâncias. O
resultando desse processo é um “esqueleto” sem células, composto por colágeno, gela-
tina e outras proteínas que compõem a chamada matriz extracelular. A vantagem no uso
dessa abordagem reside no fato de que esses órgãos descelularizados mantêm integral-
mente a arquitetura do órgão original, assim como os fatores de crescimento específicos
necessários para uma boa colonização do novo órgão pelas novas células bem como um
funcionamento adequado.
Aconselhamento
genético:
será que
eu preciso?
Regina Célia Mingroni Netto
em serviços de pré-natal de boa qualidade. divíduo que tem um desses alelos raros vir
No entanto, há situações especiais em que a se casar com alguém com o mesmo tipo
casais ou famílias devem ser encaminhados de alelo raro é muito baixa. No entanto,
a serviços de aconselhamento genético para quando um indivíduo vem a se casar com
receber orientação específica, algumas das um primo, há uma chance alta de que seu
quais estão listadas a seguir: primo tenha herdado o mesmo alelo mu-
tado de um ancestral que eles têm em co-
• Casais consanguíneos – casais em que
mum. Por isso, esse tipo de casal tem risco
os cônjuges são parentes, geralmente ca-
aumentado de gerar crianças homozigotas
sais de primos, têm risco aumentado em
com doença e devem ser alertados sobre
relação à população geral de gerar crian-
essa possibilidade. Esses riscos podem ser
ças com doenças genéticas de herança
ainda maiores se já tiver ocorrido na famí-
autossômica recessiva. Alelos recessivos
lia do casal alguma doença hereditária ou
que causam doenças que surgem espon-
se o próprio casal já tiver tido previamente
taneamente por mutação são raros na
uma criança com doença genética.
população em geral. A chance de um in-
AS ETAPAS DO
ACONSELHAMENTO
GENÉTICO
Definimos anteriormente o aconselhamento
genético como um processo, ou seja, um con-
junto de atividades da área da saúde. Como
se trata de um conjunto de atividades diver-
sas, é frequente que essas atividades sejam
descritas como as etapas do aconselhamento
genético. A ordem em que essas etapas serão
aqui listadas nem sempre corresponde à or-
dem exata pela qual as ações ocorrerão, pois
existem, com certeza, algumas adaptações
em virtude do tipo de doença que se tem em
investigação. Segue a descrição das etapas
mais frequentes:
• Diagnóstico correto da doença – Para
que se possa oferecer a uma família esti-
mativas precisas sobre o risco de repetição
de uma doença genética, é fundamental
que a doença genética seja corretamente
diagnosticada. Diagnósticos imprecisos
ou confusão entre doenças semelhantes
podem levar a estimativas de risco erradas,
o que pode acarretar consequências muito
graves para as famílias, emocionalmente
danosas ou mesmo prejudiciais ao manejo
correto da doença. Além disso, do diag-
nóstico clínico resultam orientações sobre
a história natural e sobre tratamento. O
diagnóstico da doença genética depende,
em primeiro lugar, de um cuidadoso exa-
me físico do afetado, com especial atenção
a sinais clínicos e sintomas que podem
indicar uma síndrome genética específica
ou a necessidade de se realizarem exames
genéticos especializados. Além disso, é da família. A construção de genealogia
necessário avaliar exames já previamente com informações corretas é muito impor-
realizados pelo afetado, como por exem- tante pois é a partir da análise da genealo-
plo, exames laboratoriais e de imagem. gia que se pode deduzir qual o mecanismo
Para isso, é fundamental a figura do médi- de herança da doença. Saber o mecanis-
co especializado em genética clínica, capaz mo de herança da doença, além de poder
de formular as hipóteses para o diagnós- contribuir, ajudando no diagnóstico dife-
tico que virão a nortear a necessidade e a rencial, é imprescindível para a etapa de
escolha dos exames genéticos adequados. cálculo de riscos genéticos.
• Levantamento da história familial – Por • Solicitação de exames laboratoriais
meio de entrevistas, o geneticista indaga (cromossômicos ou moleculares) – Em
sobre todos os casos de doenças presen- virtude do tipo de doença que já ocorreu
tes na família dos consulentes e, com base ou que pode ocorrer na família do consu-
nessas informações, desenha a genealogia lente, pode ser necessária a execução de
Cariogame:
inovação tecnológica
para o estudo
de alterações
cromossômicas
numéricas e
estruturais
Maria da Conceição Freitas dos Santos1, Lucivana Prata de Souza Mourão1,
Felipe Getúlio Laranjeira do Nascimento2, Juliany Rodrigues Raiol2,
John Maycon Correa e Silva2
Tabela 1.
Alterações cromossômicas presentes no Cariogame.
Figura 1.
Tela de apresentação do
Cariogame.
realizar a atividade com um áudio padrão para escolha do tipo de alteração cromos-
do jogo, além de dar acesso à próxima tela, sômica a ser estudada (Figura 2);
Figura 2.
Tela de identificação do jogador
e escolha do tipo de alteração
cromossômica a ser estudada.
2. Em seguida, o aluno é levado à tela Game- para os locais destinados a eles no esque-
play que, de acordo com a escolha dele, ma padrão citogenético de organização do
pode ser com alteração numérica (Figura cariótipo (ao lado esquerdo). Esta configu-
3) ou alteração estrutural (Figura 4), para ração aplica-se aos dois tipos de alterações
a ocorrência da montagem do cariótipo. cromossômicas em atividade. Uma vez
Para tanto, os cromossomos embaralhados arrastado o cromossomo para o esquema,
(como uma metáfase cromossômica) e em este pode retornar para a metáfase cromos-
movimento devem ser arrastados um a um sômica, quantas vezes o aluno quiser;
Figura 3.
Tela gameplay com alteração
cromossômica numérica para
montagem do Cariótipo.
Figura 4.
Tela gameplay com alteração
cromossômica estrutural para
montagem do Cariótipo.
Figura 5.
Tela gameplay com alteração
cromossômica numérica após
montagem correta do Cariótipo
em estudo.
4. Em seguida, o aluno passa para as telas trário, o estudante deverá escolher outra
Quiz. A primeira (Figura 6) corresponde opção que seja a correta. A segunda tela
à escolha da nomenclatura citogenética Quiz (Figura 7) refere-se ao diagnóstico
referente ao cariótipo montado. O fluxo e corresponde à escolha da síndrome ou
de telas, nesta fase, é automático se a ta- condição genética correspondente ao ca-
refa for cumprida corretamente, caso con- riótipo montado;
Figura 6.
Tela quiz para a escolha da
nomenclatura citogenética do
Cariótipo em estudo.
Figura 7.
Tela quiz para a escolha da
síndrome ou condição genética
do Cariótipo em estudo.
5. Finalmente, o aluno acessa a tela de fe- colhendo os fenótipos, estes vão aparecen-
nótipos (Figura 8), quando então poderá do ao redor da figura humana. Depois de
escolher as principais características clí- concluída a tarefa, o aluno aciona o botão
nicas relacionadas ao diagnóstico encon- de término e automaticamente são mos-
trado. O jogo dispõe de uma lista dessas trados quais das escolhas foram corretas
características e sinaliza ao aluno quantas (estarão em verde) e quais as erradas (es-
eles deve marcar. À medida que se vai es- tarão em vermelho).
Figura 8.
Tela para a escolha dos
fenótipos relacionados com a
síndrome ou condição genética
em estudo.
O sistema foi programado para pontuação e errada também implicará perda de pontua-
contabilização de tempo para finalizar a ati- ção. Desse modo, o Cariogame é finalizada,
vidade, o que significa que, na fase de mon- mostrando ao aluno a tela de pontuação (Fi-
tagem do cariótipo, se o aluno ultrapassar gura 9), na qual ele mesmo pode visualizar
25 minutos, começa a perder pontos, assim seu desempenho com relação ao tempo e aos
como solicitar pedido de ajuda a partir da pontos computados. Esta pontuação é utili-
terceira vez. Nas demais fases cada escolha zada como avaliação parcial na disciplina.
Figura 9.
Tela final mostrando o
desempenho do acadêmico.
Tabela 2.
Resultado da comparação entre os dois recursos pedagógicos pelos acadêmicos.
Respostas
Questionamentos aos acadêmicos
Forma Manual Cariogame As duas formas
Qual forma é mais interessante e dinâmica de realizar
– 90% 10%
a montagem do cariótipo humano?
Você considera que acrescentou conhecimento sobre o assunto em
– 65% 35%
questão, realizando a atividade com qual recurso pedagógico?
Qual forma de montagem e análise de cariótipo é mais divertida? – 94% 6%
Qual forma de montagem e análise de cariótipo considera adequada
– 73% 27%
ao nível acadêmico em que você se encontra?
Qual forma de montagem e análise de cariótipo despertou
1,6% 91% 7,4%
mais a sua atenção?
A partir do momento que se utiliza esse tipo um processo educacional inovador usando
de ferramenta, forma-se uma base de profes- recursos tecnológicos (Figura 10), auxilian-
sores que começa a pensar como melhorar do a prática docente tão desafiadora que é o
a construção do conhecimento por meio de ensino da Genética.
Figura 10.
Acadêmicos em prática
utilizando o Cariogame.
Investigando
Scoisópolis*
* Esta sequência didática foi adaptada da atividade “Filho de Scoisos, Scoisinhos é”, com o propósito de torná-la uma atividade com abordagem investigativa
na disciplina de graduação Ensino por Investigação e Natureza da Ciência, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo em 2016.
Parte 1 da história
Dizer aos estudantes que eles investigarão os as informações coletadas. Explicar que, assim
Scoisos. Para isso, eles podem utilizar a Ca- como os cientistas, eles deverão se basear em
derneta de Viagem, na qual anotarão todas dados para formular explicações.
Logo na entrada da cidade, três Scoisinhos estão correndo pela grama. Os pequenos vêm
correndo, muito curiosos, na direção de vocês. Eles brincam, pulam e dão muita risada.
Depois do primeiro reconhecimento eles propõem um desafio a vocês:
- Adivinhem se puder, quem aqui é irmão de quem?
Os Scoisinhos são muito parecidos entre si, mas cada um possui características únicas.
Como saber quem é irmão de quem? Durante essa visita, a partir do desafio dos Scoisinhos,
tem-se a seguinte questão para investigar: Como irmãos podem ser tão diversos e
semelhantes ao mesmo tempo?
Olhar com os estudantes as imagens dos e crina). Essas características servirão como
As imagens dos Scoisos Scoisinhos disponíveis no anexo I e listar base para as tabelas construídas a seguir.
utilizadas ao longo da juntos, as características físicas visíveis (sexo,
sequência foram criadas por Entregar o anexo II e continuar a história.
cor da antena, cauda, pinta nas asas, dedos
Mônica Akemi Otake e são
inspiradas na material original
da atividade "Filho de Scoisos
Scoisinho é! Uma atividade para
ensinar e aprender Genética"
(ver referências).
Parte 2 da história
Olha-se ao redor à procura de pistas para resolver o desafio. Percebe-se, então, que perto
do gramado, duas figuras observam a brincadeira. São Scoisões adultos. Os Scoisinhos
acenam para os Scoisões.
Sabe-se que os Scoisinhos devem ter herdado algumas características de seus progenitores,
afinal, filho de Scoiso, Scoisinho é! Então, para organizar o raciocínio, você lista as
características dos Scoisinhos e dos Scoisões.
Nesse momento, apresentar as imagens dos uma tabela com as características físicas lista-
Scoisões (anexo II) e apontar como suas ca- das anteriormente de cada Scoiso na Cader-
racterísticas físicas apresentam-se de forma neta de Viagem. A tabela deve se assemelhar
similar aos Scoisos filhotes. à Tabela 1 abaixo. Com base nesses dados,
pedir para que os estudantes respondam ao
Nesta etapa, os estudantes já conhecem os
enigma proposto pelos Scoisinhos. É interes-
Scoisinhos e os Scoisões e como eles são fi-
sante que eles apresentem o raciocínio para
sicamente. Pedir aos grupos, que construam
os demais colegas de classe.
Apresentar o trecho da história que conta das. Perceber que, nesse passo, os alunos ex-
que, na cidade de Scoisópolis, cada um possui ploram o genótipo dos Scoisos (Scoisinhos e
a própria identificação, na qual consta o con- Scoisões) a fim de estimar o parentesco entre
junto de fatores responsáveis pelas caracterís- as criaturas. Essas novas evidências deverão
ticas físicas de cada criatura. Para introduzir ser adicionadas às anteriores de modo que os
a temática, entregar uma cópia do trecho da educandos a utilizem na busca da resposta ao
história para cada grupo; junto dela estarão as desafio. Para tanto deixar claro que é neces-
carteirinhas dos Scoisinhos e Scoisões (ane- sário comparar a Tabela 1, de fenótipos, com
xo III). Pedir aos estudantes que construam a Tabela 2, de genótipos, para que o enten-
uma tabela com as mesmas características dimento sobre a determinação genética seja
físicas da tabela anterior, listando, especifi- adequado. Vale destacar que não se almeja
camente, os fatores genéticos que as deter- uma resposta única ao desafio, e sim, o acom-
minam na Caderneta de Viagem (ela deve se panhamento das mudanças de raciocínio que
assemelhar à Tabela 2, abaixo). Em seguida, cada nova informação traz. Pode ser que os
fazer juntos um quadro de relações entre as alunos encontrem alguma dificuldade em
características e as possíveis duplas de fatores. entender como os fatores relacionam-se com
Nesse momento, pode-se incluir as noções as características físicas vistas anteriormente.
de dominância e recessividade, homozigose e Nesse caso, é interessante utilizar um mate-
heterozigose. Depois, disponibilizar um tem- rial complementar sobre o assunto, como um
po para que respondam novamente a respei- texto, um vídeo ou uma exposição breve na
to dos Scoisinhos, isto é, quais são irmãos e lousa. Essas intervenções podem ser feitas em
para que reformulem a explicação para esta qualquer momento, conforme a necessidade
resposta a partir das novas informações obti- detectada.
Segunda explicação e comunicação melhantes entre si, já que os fatores dos pais
são limitados. Todavia, com a mistura dos
A próxima etapa é o momento de contar
fatores parentais, há também a possibilidade
para a classe quais são as explicações pro-
de aparecerem características que não exis-
postas pelos grupos s, de forma que finali-
tiam anteriormente.
zem a história de investigação de Scoisópo-
lis. Organizar uma maneira dos educandos
exporem raciocínios e respostas adequadas SUGESTÃO
à pergunta proposta no início da atividade. Caso desejar aprofundamento do tema, uma
É possível que surja mais de uma resposta, sugestão é realizar a atividade original, isto
então deixe espaço para que essas diferenças é, aquele em que se usa inicialmente os per-
sejam comentadas e discutidas. sonagens "Scoisos" (vide referências). Na
atividade original, os estudantes fazem uma
Espera-se que as respostas dos estudantes
simulação de reprodução de um casal de
apresentem a relação entre genótipo e fe-
Scoisos e, assim, podem compreender me-
nótipo, mesmo que não usem esses termos
lhor como as características são passadas de
em um primeiro momento. Assim, os alunos
uma geração para a outra. A atividade é ini-
devem explicar que os mesmos pais podem
ciada com a manipulação dos cromossomos
produzir filhos com características bem se-
parentais em uma divisão meiótica, seguida objetivos propostos foram cumpridos por
da união dos cromossomos maternos e pa- seus membros. É possível também conside-
ternos para formar descendentes. Dessa for- rar a participação dos estudantes tanto nas
ma, os alunos podem observar a formação de discussões nos grupos, assim como com o
indivíduos diferentes a partir dos parentais e restante da sala na etapa de comunicação. É
refletir ainda mais sobre a pergunta motiva- importante destacar que os instrumentos e
dora da sequência, ou seja, podem olhar para critérios de avaliação escolhidos pelo profes-
a descendência e verificar o quanto irmãos sor devem ser previamente apresentados aos
são parecidos e/ou diferentes entre si. Vale estudantes.
também acessar a atividade para conferir as
seções "Aprendendo a terminologia" e "Notas AGRADECIMENTOS
para o professor" para retomar alguns termos Agradecimentos especiais às nossas colegas
importantes. E também, a seção "Entenden- Mônica A. Otake e Sara A. Watanabe pela
do a atividade" que contém várias questões parceria na elaboração inicial desta sequên-
formuladas para que o estudante aproveite cia. Também à equipe da disciplina Ensino
ao máximo a atividade. por Investigação e Natureza da Ciência, mi-
Como a atividade original usa um material nistrada no Instituto de Biociências da USP
específico a ser emprestado pelo Instituto (IB-USP), na qual nos foi dada a oportuni-
de Biociências, também é disponibilizada dade e o suporte para pensar este trabalho. E,
uma versão adaptada para papel de modo a aos colegas educadores, que fizeram a leitura
diminuir os impedimentos para a realização final da versão do texto.
do procedimento (anexo IV). O anexo traz
os procedimentos, uma tabela de correspon- REFERÊNCIAS
dência entre característica física e fatores de OYAKAWA, J.; DESSEN, E. M. B.; PEREIRA, M.
hereditariedade, os cromossomos dos pais A. Q. Filho de Scoiso Scoisinho é! Uma atividade
(Scoisões) e uma placa com características para ensinar e aprender Genética. Disponível em:
<http://www.ib.usp.br/microgene/files/ma-
para montagem dos filhotes. nuais-9-PDF.pdf>. Acessado em 02/11/2018.
SCARPA, D. L.; SILVA, M. B. A Biologia e o ensino
AVALIAÇÃO de Ciências por investigação: dificuldades e pos-
Os registros feitos na "Caderneta de Via- sibilidades. In: CARVALHO, A. M. P. Ensino de
gem" podem ser utilizados para acompanhar Ciências por investigação: condições para implemen-
tação em sala de aula. São Paulo: Cengange Lear-
a investigação de cada grupo ao longo da ning, p. 129-152, 2013.
sequência e, portanto, avaliar se e como os
ANEXO I
Parte 1 da história
Figura 1.
Scoisinho 1.
Figura 2.
Scoisinho 2.
Figura 3.
Scoisinho 3.
ANEXO II
Parte 2 da história
Olha-se ao redor à procura de pistas para resolver o desafio. Percebe-se, então, que perto do gramado, duas figuras
observam a brincadeira. São Scoisões adultos. Os Scoisinhos acenam para os Scoisões.
Sabe-se que os Scoisinhos devem ter herdado algumas características de seus progenitores, afinal, filho de Scoiso, Scoisinho
é! Então, para organizar o raciocínio, você lista as características dos Scoisinhos e dos Scoisões.
Figura 1.
Scoisão A.
Figura 2.
Scoisão B.
ANEXO III
Parte 3 da história
Figura 1.
Carteirinhas dos Scoisinhos e Scoisões.
ANEXO IV
Atividade “Filho de Scoisos, Scoisinho é”, modificada para impressão.
MATERIAIS DA ATIVIDADE
1) Tabela de correspondência dos fatores [Figura 2];
2) Pacote com cromossomos do Scoisão A (cromossomos verdes) [Figura 3];
3) Pacote com cromossomos do Scoisão B (cromossomos laranjas) [Figura 3];
4) Placa com moldes das características para montagem dos Scoisinhos [Figura 4];
5) Três envelopes nomeados ÓVULO; outro, ESPERMATOZOIDE; e outro ZIGOTO.
PROCEDIMENTOS
1) Colocar os cromossomos laranjas virados com a letra para baixo, pegar um cromossomo de cada tamanho e colocar no
envelope ÓVULOS;
2) Em seguida fazer o mesmo com os cromossomos verdes, mas dessa vez colocá-los no envelope ESPERMATOZOIDES;
3) Juntar dois envelopes no envelope ZIGOTO;
4) Retirar cromossomos do envelope ZIGOTO e formar pares de cromossomos de acordo com o tamanho;
5) Utilizando a tabela de correspondência dos fatores, interpretar o código das letras dos cromossomos e montar o filho
dos Scoisos, o Scoisinho, com os moldes de características.
Figura 1.
Materiais e procedimentos.
XX Fêmea (laço)
Sexo
XY Macho (gravata)
AA vermelha
Antena
Aa vermelha
(cor) aa preta
CC alongada
Cauda
Cc alongada
(forma) cc esférica
PP ausentes
Pinta nas asas Pp ausentes
pp presentes
DD ausentes
Dedos Dd ausentes
dd presentes
NN curta
Crina
Nn curta
(comprimento) nn longa
Figura 2.
Tabela de correspondência dos fatores (modificada de OYAKAWA et al.).
Figura 3.
Cromossomos dos Scoisões.
Figura 4.
Placa com moldes das características para montagem dos Scoisinhos (modificada de OYAKAWA et al.).
DNA Criminoso -
Show de
Horrores
Lucas Trentin Larentis1, Nédia de Castilhos Ghisi2
1
Graduando em Ciências Biológicas, Universidade Tecnológica Federal do
Paraná, Dois Vizinhos, PR
2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Dois Vizinhos, PR
* MCCARTHY, C. (Produtor),
MORRISON, S. (Editor). DNA
a Glenny, filho que tiveram. Dona, por não terceiros e incapaz. Bárbara, assim como Te-
aguentar mais os abusos do pai, decide se resa, sofria agressões regularmente, e decide
casar e ir embora, fato que desagrada Grady se separar, fazendo Grady Jr. se reaproximar
Jr., que mata o noivo da filha no dia do ca- de sua antiga esposa, que também estava em
samento e, mesmo com provas, consegue se crise conjugal com seu marido Harry. Assim,
livrar da prisão, alegando ser dependente de os dois voltam a se casar.
“Show de Horrores”. Sirens Media, LLC. Discovery Communications, LLC. 2014.
Figura 1.
Heredograma da família Stiles e
seus possíveis genótipos. Fonte:
Assim viviam em trailers Grady Jr., Teresa e essa conclusão é uma atividade interessante
o autor, 2018. seu filho Glenny, Cathy e uma filha de Cathy. na sala de aula. Trata-se de uma abordagem
Certo dia, Grady Jr., Teresa e Glenny estão pedagógica simples, que engloba vários as-
em casa, vendo TV, quando os dois últimos pectos relacionados ao ensino de genética. A
decidem ir ao trailer dos fundos, onde Cathy atividade pode se destinar tanto a alunos do
mora com a sua filha. Minutos depois, ou- Ensino médio, nas aulas de Biologia, quanto
ve-se barulho de tiros no trailer principal. a acadêmicos do Ensino Superior. A classifi-
Constata-se que Grady Stiles Jr., o garoto cação indicativa do filme é de 14 anos, pois
lagosta, fora assassinado. Após anos de vio- contém cenas de violência. A construção do
lência e inescrupulosidade, os suspeitos do heredograma familiar, como visto na Figura
crime são muitos. As investigações seguem 1, pode ser feita através do software online
e ao final, Glenny confessa que ele e a mãe, Free Online Pedigree Tool Application (FREE,
Teresa, armaram a trama para matar Grady 2016).
Jr. e se vingar dos abusos do passado.
Por meio do filme, podem ser entendidas as REFERÊNCIAS
características básicas dos padrões de heran- FREE Online Pedigree Tool Application. [S.l.]:
Progeny Genetics, LLC. 2016. Disponível em:
ça monogênica, as interações alélicas em um <http://www.progenygenetics.com/online-pedi-
mesmo gene, possibilitando a construção de gree/>.>. Acesso em: 03 set. 2018.
heredogramas. Por exemplo, a construção da
MCCARTHY, C. (Produtor), MORRISON, S. (Edi-
genealogia nesse caso indica claramente que tor). DNA Criminoso (série televisiva), 2ª Tem-
o padrão de herança da ectrodactilia é o au- porada, Episódio 3. “Show de Horrores”. Sirens
tossômico dominante. Evidenciar quais ca- Media, LLC. Discovery Communications, LLC.
racterísticas do heredograma que permitem 2014.
Aquaporina 1:
o primeiro gene
codificador de um canal
de água identificado
em humanos
Figura 1.
A estrutura do gene AQP1.
O gene codificador da
aquaporina 1 possui quatro
possui uma forma semelhante a de uma éxons (caixas) e três íntrons
ESTRUTURA PROTEICA (linhas mais finas). O RNA
ampulheta; nesta conformação, o domínio
E O CANAL DE ÁGUA transmembrana 6 se aproxima dos domí-
mensageiro mais abundante
possui aproximadamente
Assim como outras aquaporinas, a aquapo- nios 1 e 2 (ver figura 2A e 2B). Além dis- 3.000 nucleotídeos (nt),
rina 1 pertence a uma superfamília de pro- so, o domínio 3 aproxima-se dos domínios desconsiderando-se a cauda de
teínas chamadas MIP (a sigla do inglês pode 4 e 5. Esta interação entre os domínios poliadenosinas (indicada como
ser traduzida como ‘principais proteínas in- linha horizontal mais espessa
transmembrana permite que as alças B e E na extremidade 3’). As áreas
trínsecas da membrana’) a qual possui uma aproximem-se (ver figura 2A e 2B). Ambas pretas dos éxons compreendem
estrutura característica entre seus membros. possuem um motivo composto por três as regiões não traduzidas no
A estrutura é composta por seis domínios aminoácidos: asparagina, prolina e alanina mRNA; as brancas constituem
que passam pela membrana (transmembra- a região traduzida que codifica
(asn-pro-ala), nesta ordem. Esses dois mo- um polipeptídeo de 269
na) e, ligando tais domínios uns aos outros, tivos unidos formam uma constrição (um resíduos de aminoácidos.
existem cinco alças (figura 2A). pequeno orifício) pelo qual passa apenas Observação: os tamanhos dos
A conformação da aquaporina 1 na mem- uma molécula de água por vez (figura 2B) íntrons estão fora de escala.
brana está demonstrada na figura 2B e [ JUNG et al., 1994].
Motivo: sequência
nucleotídica ou proteica que é
conservada.
O canal (ou poro) propriamente dito é for- cada motivo NPA-NPA são orientadas para o
Homotetrâmero: complexo mado por um homotetrâmero do polipep- centro, formando assim um canal constituído
formado por quatro unidades tídeo de aquaporina 1. Em tal conformação de por quatro poros pelos quais há a passagem
iguais. homotetrâmero, as constrições formadas por passiva e facilitada das moléculas de água.
Figura 2.
O diagrama da proteína
aquaporina 1. (A) A proteína
em membranas biológicas com
os seis domínios transmembrana
e as 5 alças. (B) Conformação FUNÇÃO FISIOLÓGICA centrada. Essa perda excessiva de água pela
funcional da aquaporina urina pode, eventualmente, levar a uma de-
O movimento de moléculas de água para
1 segundo o modelo da sidratação em algumas situações [KING et
ampulheta (C). Reparar na
dentro/fora das células/tecidos pode ocor-
al., 2001].
formação do poro a partir rer por difusão, mas devido à natureza das
da aproximação dos motivos membranas biológicas (bicamada lipídica) Além dos rins, AQP1 também é considera-
NPAs das alças B e E, cuja este processo é desfavorecido e ocorre a uma velmente expresso no tecido pulmonar, mais
representação está demarcada velocidade limitada. Em situações nas quais precisamente no epitélio endotelial (tecido
pelo círculo descontínuo em
“C”. um fluxo mais rápido e eficiente de água é que reveste internamente as vias aéreas). No
necessário, a simples difusão pode não ser tecido pulmonar, aquaporina 1 tem relação
suficiente diante da demanda. Nesses casos, com a permeabilidade de líquidos entre a
o transporte de água pode ser amplamente superfície do tecido aéreo e o tecido vascu-
favorecido por meio das aquaporinas. Mes- lar. Fisiologicamente, essa permeabilidade é
mo que esse seja um transporte passivo, o importante para a manutenção do volume
fluxo é muito mais ágil do que a simples di- ideal de lubrificação do local onde ocorrem
fusão (figura 3). trocas gasosas e escoamento do excesso de
líquido originado de eventuais edemas (in-
Segundo dados de expressão gênica, AQP1
chaço) [KING et al., 2002].
é majoritariamente expresso nos rins de se-
res humanos, mais precisamente no epitélio Camundongos mutantes para AQP1 de-
do túbulo proximal e na porção descenden- monstraram sintomas semelhantes a hu-
te da alça de Henle de cada néfron. Tanto manos, isto é, dificuldade em produzir uma
o epitélio como a porção descendente da urina concentrada e desidratação após pe-
alça de Henle são locais de intenso fluxo de ríodos de escassez de água. Entretanto, não
líquidos durante a formação da urina. Por- foram observadas alterações morfológicas
tanto, pessoas com deficiência da proteína nos rins ou uma menor viabilidade. Altera-
aquaporina 1 não conseguem reabsorver ções morfológicas renais foram observadas
água durante a produção da urina nessas apenas em camundongos mutantes para
regiões, gerando, assim, uma urina não con- AQP1 e AQP3.
Figura 3.
Difusão versus transporte
passivo via aquaporinas.
As moléculas de água podem
res nos rins e sua permeabilidade à água é entrar ou sair das células
GRUPO SANGUÍNEO COLTON por difusão simples, porém
regulada pelo hormônio vasopressina (ou
Em 1968, os autores Race e Sanger des- esse fluxo tem velocidade
hormônio antidiurético, ADH). Na pre- limitada. Em tecidos nos quais
creveram um antígeno em hemácias ade-
sença deste hormônio a urina fica mais con- a passagem de água deve ser
quado para ser utilizado como um grupo mais rápida ou maior, isto pode
centrada devido à maior reabsorção de água
sanguíneo (assim como o sistema ABO ser mediado pelos canais de
através da proteína aquaporina 2. Mutações
e Rh) e o chamaram de antígeno Colton. água (aquaporinas).
neste gene estão associadas ao desenvolvi-
Posteriormente, em 1990 o lócus genômi-
mento de diabetes insipidus.
co CO foi identificado no cromossomo 7
e em 1994 notou-se que o gene AQP1 era O gene AQP3 está localizado no braço me-
responsável pelo antígeno Colton presente nor do cromossomo 9 sendo expresso em
nas hemácias. hemácias, mas com maior expressão no esô-
fago e na pele. Assim como AQP1, sua ex-
O grupo sanguíneo Colton apresenta duas
pressão em hemácias caracteriza um grupo
variações, uma determinada Co(a) e outra
sanguíneo denominado GIL. Em tal grupo
determinada Co(b) (figura 4A). O contras-
sanguíneo, indivíduos com uma mutação
te molecular entre os dois alelos está no resí-
que impede a expressão de AQP3 em suas
duo de aminoácido na posição 45 da proteí-
hemácias possuem a chance de desenvolver
na aquaporina 1: enquanto o grupo Co(a)
anticorpos anti-GIL. Portanto, caso um
possui uma alanina nesta posição, o grupo
paciente, GIL-positivo (expressa AQP3),
Co(b) possui uma valina. Um terceiro e
receba uma doação de sangue de um indi-
mais raro variante deste grupo sanguíneo
víduo GIL-negativo, (não expressa AQP3)
é o Co(a-b-), ou seja, hemácias nas quais
e que possua anticorpos anti-GIL em seu
não há proteína aquaporina 1 (figura 4B)
sangue, terá a ocorrência de uma reação de
[SMITH et al., 1994].
aglutinação. Antígeno: molécula capaz de
desencadear a síntese de um
OUTRAS AQUAPORINAS O gene AQP4 está localizado no braço anticorpo específico.
maior do cromossomo 18 e é a principal
HUMANAS
aquaporina expressa no sistema nervoso
Além de AQP1, a espécie humana possui de humanos. Neste tecido, AQP4 parece
mais 11 genes codificadores de aquaporinas, ter um papel importante na manutenção
brevemente descritas a seguir. do controle osmótico, importante em pro-
O gene AQP2 está localizado no braço cessos de polarização e despolarização de
maior do cromossomo 12, sua proteína é neurônios, isto é, condução de impulsos
exclusivamente expressa nos tubos coleto- nervosos.
Figura 4.
Grupos sanguíneos Colton.
A expressão da aquaporina
1 em hemácias caracteriza o
grupo sanguíneo Colton. (A)
Polimorfismos do sistema
Colton: o alelo Co(a+) expressa
O gene AQP6 está localizado no braço maior dade a obesidade uma vez que a liberação de
aquaporina 1 contendo do cromossomo 12 e é majoritariamente ex- metabólitos de lipídeos, como o glicerol, dos
uma alanina na posição presso nos rins. Entretanto, diferentemen- adipócitos fica prejudicado. Além disso, o
45. Indivíduos que não te de AQP1 e AQP2, sua localização é em gene AQP7 de humanos é o único a possuir
apresentarem esse alelo (isto membranas internas da célula, principal- pseudogenes (4 no total), isto é, duplicações
é, Co(a-)) poderão produzir
anticorpos anti-Co(a) se mente de vesículas e sua função está rela- destes genes que perderam a capacidade de
expostos ao antígeno Co(a). cionada com o movimento de ânions entre desempenhar o papel biológico devido a
O alelo Co(b+) expressa compartimentos celulares. mutações acumuladas.
aquaporina 1 contendo uma
valina na posição 45. Indivíduos O gene AQP7 está localizado no braço me- O gene AQP8 está localizado no braço
que não apresentarem esse nor do cromossomo 9 e é majoritariamente menor do cromossomo 16 e sua expressão
alelo (isto é, Co(b-)) poderão expresso em adipócitos (células de gordura). ocorre apenas no cólon (intestino grosso) e
produzir anticorpos anti-Co(b)
Esta aquaporina é uma aquagliceroporina, no pâncreas. Ainda não se tem muitas infor-
se expostos ao antígeno Co(b).
(B) Indivíduos com o genótipo isto é, permite o transporte de glicerol de mações sobre um papel fisiológico da proteí-
Co(a-b-) ou Colton-null dentro de adipócitos para o sistema circula- na aquaporina 8, apenas que este canal pa-
possuem alelos com mutações tório durante metabolismo energético. Mu- rece transportar, exclusivamente, moléculas
no gene AQP1 que resultam em tações neste gene podem levar à suscetibili- de água.
não expressão de uma proteína
funcional. Este grupo pode
possuir ambos anticorpos anti-
Co(a) e anti-Co(b), se expostos
a esses antígenos.
O gene AQP9 está localizado no braço Os genes AQP11 e AQP12 estão localiza-
maior do cromossomo 15 e sua expressão dos no braço maior do cromossomo 11 e no
ocorre principalmente no fígado. Assim braço maior do cromossomo 2, respectiva-
como a AQP7, AQP9 é uma aquagliceropo- mente. As aquaporinas 11 e 12 são chama-
rina, relacionada com o movimento de glice- das de super-aquaporinas por possuírem
rol da corrente sanguínea para os hepatóci- uma particularidade: um resíduo de cisteí-
tos. Em cenários de jejum, no qual o nível de na 9 posições após o segundo motivo NPA.
glicose sanguíneo é baixo, há o transporte e Enquanto AQP11 possui uma expressão em
o uso de glicerol pelo fígado para um proces- vários tecidos como intestino delgado, rins,
so chamado gliconeogênese (produção de fígado e testículos, AQP12 é quase que ex- Gliconeogênese: produção
glicose a partir de glicerol). clusivamente expresso nos ácinos pancreá- de glicose a partir de
ticos (também há uma baixa expressão na precursores que não sejam
O gene AQP10 está localizado no braço hexoses, tal como o glicerol.
retina). A proteína aquaporina 11, assim
maior do cromossomo 1 e é abundante-
como a aquaporina 6, possui localização
mente expresso no intestino delgado. Assim
intracelular, mais precisamente no retículo
como outra aquaporina expressa no intestino
endoplasmático rugoso, sua disfunção gera
(AQP8), não há muitas informações funcio-
vacúolos nessa organela originados de apop-
nais sobre este canal, contudo análises com-
tose, autofagia ou de problemas de endoci-
parativas sugerem que a AQP10 pode ser
tose ou exocitose. A proteína aquaporina 12
uma aquagliceroporina.
também se localiza intracelularmente e está
relacionada com a exocitose de grânulos de
proenzima (precursor inativo de enzimas)
que atuam na digestão.
REFERÊNCIAS
JUNG, J. S., PRESTON, G. M., SMITH, B. L., KING, L. S., NIELSEN, S., AGRE, P., BROWN, R.
GUGGINO, W. B., AGRE, P. Molecular struc- H. Decreased pulmonary vascular permeability
ture of the water channel trough aquaporin in aquaporin-1-null humans. Proc. Nat. Acad. Sci.
CHIP: the hourglass model. J Biol Chem v. 269, v. 99, p. 1059-1063, 2002.
n. 20, p. 14648-14654, 1994.
SMITH, B. L., PRESTON, G. M., SPRING, F.,
KING, L. S., CHOI, M., FERNANDEZ, P. C., ANSTEE, D. J., AGRE, P. Human red blood cell
CARTRON, J.-P., AGRE, P. Defective urinary aquaporin CHIP: I. Molecular characterization
concentrating ability due to a complete deficiency of ABH and Colton blood group antigens. J. Clin.
of aquaporin-1. New Eng. J. Med. v. 345, p. 175- Invest. v. 94, p. 1043-1049, 1994.
179, 2001.
Gene COMT
e sua possível relação
com a esquizofrenia
Figura 1.
A Banda 22q11.2. Em (A)
são mostradas as bandas do
cromossomo 22 com a seta
indicando a localização da
banda 22q11.2. Em (B) um
idiograma do cromossomo 22,
apresentado o COMT e outros O GENE COMT das duas formas da enzima: COMT ligada
genes da banda 22q11.2. à membrana (Membrane-bound COMT
E A ENZIMA COMT = MB-COMT) e COMT solúvel (Soluble
O gene COMT é um dos principais candi- COMT = S-COMT). Assim, o gene ex-
datos a fenótipos psiquiátricos. Ele codifica pressa duas espécies de mRNA, cujos trans-
uma enzima envolvida na via da degradação critos primários medem 1,6 e 1,9 kb e apre-
Transmissores de transmissores catecolaminérgicos sentam distribuição diferente nos tecidos.
catecolaminérgicos são ou catecolaminas de forma que a variação na A expressão dos transcritos é regulada por
substâncias químicas do grupo sua atividade pode ter efeitos específicos no
das catecolaminas, que atuam dois promotores. O promotor P1 expressa o
córtex pré-frontal (como, por exemplo, no transcrito menor de um modo tecido-especí-
na comunicação entre células
do sistema nervoso. mecanismo de transmissão da dopamina) e fico e o mRNA, mais curto, produz apenas
na memória de trabalho (memória de curto o polipeptídeo S-COMT. O promotor P2
prazo). é responsável pela expressão do transcrito
A sigla COMT para o gene (COMT para a mais longo (MB-COMT) e capaz de sinte-
enzima) refere-se ao nome da enzima: cate- tizar ambas as isoformas da enzima.
col-O-metiltransferase. Localizado no braço Portanto, duas versões da enzima COMT
longo do cromossomo 22, o gene COMT é são feitas a partir do gene COMT. A for-
constituído por cerca de 28.369 kb (entre ma mais longa, chamada de catecol-O-
os pares 19.941.607 e 19.969.975). O gene -metiltransferase ligada à membrana (MB-
contém seis éxons, dos quais os éxons 1 e -COMT), é produzida principalmente por
2 são não-codificantes (Figura 2). No éxon células nervosas no cérebro. Essa isoforma
3 localizam-se os códons MB-ATG e S- apresenta peso molecular de ~30 kDa, com
-ATG, responsáveis pelo início da tradução 271 resíduos de aminoácidos e foi escolhida
Figura 2.
Gene COMT e seus
transcritos. (A) Representação
As catecolaminas são aminas derivadas do A inativação das catecolaminas ocorre por da organização de éxons
aminoácido tirosina. Seu nome refere-se à dois tipos de reação: desaminação oxidativa, e íntrons do gene (sem
presença de um grupo catecol (grupo ben- catalisada pela monoaminoxidase (MAO); obediência de escala). As linhas
representam íntrons e as caixas
zeno com duas hidroxilas laterais). As mais O-metilação, catalisada pela COMT. A representam éxons. (B) As duas
conhecidas são a dopamina, noradrenalina COMT tem como cofator o íon Mg++ e ca- espécies de mRNA.
e adrenalina (ou epinefrina), consideradas talisa um processo de degradação extraneu-
aminas biogênicas, ou seja, aminas biologi- ronal pela transferência de um grupo metil
camente ativas. Dopamina e noradrenalina de S-adenosilmetionina (SAM) para um
funcionam como neurotransmissores no en- grupo hidroxila em um núcleo de catecol
céfalo. Além disso, a medula adrenal também (Figura 3).
sintetiza noradrenalina e adrenalina.
Figura 3.
Reação de O-metilação de
As reações catalisadas pelas enzimas MAO (HVA), produzido a partir da dopamina, catecolamina. A enzima COMT
e COMT podem ocorrer em qualquer se- e ácido vanilmandélico (VMA), produzi- catalisa a transferência de
quência e seus produtos finais são excre- um metil da SAM para uma
do a partir da noradrenalina e adrenalina
hidroxila do núcleo catecol.
tados na urina como ácido homovanílico (Figura 4).
Figura 4.
Síntese e degradação de
catecolaminas. Os catabólitos
ácido homovanílico (HVA) e
ácido vanilmandélico (VMA) são
excretados na urina. RELAÇÃO DE COMT O nível de dopamina na área pré-frontal
está intimamente associado à ação da en-
COM A ESQUIZOFRENIA zima COMT. Alterações genéticas, lesões
Uma vez que a enzima COMT desempenha ou anormalidades de estruturas cerebrais
um importante papel no catabolismo de neu- podem afetar a disponibilidade da enzima.
rotransmissores catecolaminérgicos ao nível Com a redução de COMT surgem efeitos
dos terminais sinápticos, o desequilíbrio em hiperdopaminérgicos; o excesso de COMT
suas taxas pode levar a uma desordem hor- promove os efeitos hipodopaminérgicos
monal e fisiológica capaz de dificultar a dis- (Figura 5).
criminação ideal dos dados da realidade.
Figura 5.
Atividade e degradação
da dopamina. Variações na
disponibilidade da enzima
COMT afetam o nível de
atividade da dopamina.
Figura 6.
Vias dopaminérgicas
O gene COMT contém um polimorfismo com a esquizofrenia. A etiologia multifato- relevantes para os sintomas
da esquizofrenia. ATV = área
que causa, na posição 158 do polipeptídeo rial, aliada à complexidade fenotípica dentro tegmental ventral; NA = núcleo
(enzima COMT), a mudança de aminoáci- do quadro clínico, dificulta a obtenção de accumbens.
dos valina (Val) por metionina (Met), que fortes conclusões sobre a COMT na esqui-
promove modificação da atividade enzimá- zofrenia. No entanto, pesquisas emergentes
tica: a COMT com valina na posição 158 que levam mais em conta todos esses níveis
(COMT-Val) mostra uma capacidade de de complexidade estão começando a fornecer
degradação pós-sináptica de dopamina cerca um apoio promissor, mas longe de definiti- Polimorfismo é a existência
de 4 vezes maior que COMT-Met. Assim, vo, para a visão de que a COMT influencia a de duas ou mais variantes
o polimorfismo funcional Val158Met no suscetibilidade a pelo menos algumas formas genéticas em uma população de
indivíduos em que, no mínimo,
gene COMT afeta a regulação de dopami- de psicose.
duas delas têm frequências
na, pois nos indivíduos homozigotos para o Além de um possível papel na gênese da es- acima de 1%.
alelo Val (Val-Val), chamados inativadores quizofrenia, tem sido demonstrada grande
rápidos, a enzima é eficaz no catabolismo da probabilidade de relação entre polimorfis-
dopamina. Em contraste, a homozigose para mos do gene COMT e a susceptibilidade ao
o o alelo Met (Met-Met), nos indivíduos transtorno obsessivo-compulsivo, depressão
chamados de inativadores lentos, favorece a e transtorno bipolar. Finalmente, o cenário Polimorfismo funcional
ocorrência de efeitos hiperdopaminérgicos, mais provável pode ser assim resumido: o corresponde ao tipo
possivelmente relacionados a sintomas po- gene COMT mantém alguma relação com de polimorfismo que
sitivos da esquizofrenia. Finalmente, indiví- certas desordens psiquiátricas, como a esqui- comprovadamente influencia as
duos heterozigóticos (Val-Met) têm catabo- funções dos genes.
zofrenia, e tudo indica que na patogênese da
lismo intermediário entre os dois primeiros. esquizofrenia, além do gene COMT, ocor-
Ainda hoje, são controversos os resultados rem contribuições variáveis de alguns outros
dos estudos abordando a relação de COMT genes envolvidos.