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Cap.

7 ESCOAMENTO SUPERFICIAL

7.1 Definição e aquisição de dados de escoamento

7.1.1 Medição de cotas

7.1.2 Medição de vazão

7.2 Curva-chave

7.3 Redes hidrológicas

7.4 Componentes do hidrograma

7.5 Separação do escoamento superficial

7.6 Determinação da precipitação efetiva

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7.1 Definição e aquisição de dados de escoamento
O escoamento superficial é a parcela do ciclo hidrológico em que a água se
desloca na superfície da bacia até encontrar uma calha definida. Pode-se dizer, que o
escoamento superficial é a combinação do fluxo de pequena profundidade na
superfície com escoamento em pequenos canais que constituem a drenagem da bacia
hidrográfica. O escoamento é representado quantitativamente por variáveis como
vazão, nível e velocidade.

7.1.1 Medição de cotas


Existem diversos métodos para medir a descarga líquida de um curso d’água.
Para conhecer a vazão ao longo do tempo estabelece-se uma relação ligando a altura
do nível da água com a vazão, pois é muito mais fácil medir a referida altura. Essa
relação é chamada de curva-chave.

Os métodos para estabelecer a curva-chave podem ser classificados em:

- os métodos teóricos que usam as equações gerais da hidráulica;

- os métodos experimentais (pares cota/descarga).

Cotas

Para medir o nível (a cota) de um curso d’água a maneira mais simples é


colocar uma régua vertical (linímetro) na água e observar com regularidade o nível.
Para manter a qualidade das observações, a régua é nivelada com referência a um
datum.

As réguas são geralmente constituídas de elementos verticais de 1 m,


graduadas em cm. O observador faz leituras de cotas com uma rotina definida pelo
órgão operador da estação, pelo menos uma vez por dia.

(Fig. 7.1. Esquema de instalação de elementos de régua na margem de um rio)

Linígrafo

É mais prático associar à régua um aparelho automático, chamado linígrafo, que


grava continuamente ao longo do tempo as variações do nível.

7.1.2 Medição de vazão


Para determinar as curvas-chave é necessário conhecer um certo número de
pares cota-vazão medidos em condições reais. Existem vários métodos de medições de
vazões que podem ser classificados em cinco categorias:

- por capacidade;

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- por medição das velocidades do fluxo d’água;

- por diluição de um traçador;

- por fórmulas hidráulicas e/ou dispositivo hidráulico correspondente; e

- por outros métodos.

A segunda categoria deve representar mais de 80 % das medições de vazão


realizadas no mundo em geral e no Brasil em particular.

Medição de vazão por capacidade

É o método mais simples e o mais lógico, consistindo em interceptar todo o


fluxo d’água em um recipiente calibrado e cronometrar o tempo de enchimento de um
volume conhecido. Este método pode ser usado só com uma vazão muito pequena.

Medição de vazão por medição das velocidades do fluxo da água

A descarga líquida numa seção de um rio (Q), definida como sendo o volume de
água que passa nessa seção durante a unidade de tempo, pode ser medida pelo
produto da área da seção (S) pela velocidade média da água que atravessa a mesma
(V), isto é, Q = V ∙S.

O conhecimento da velocidade do fluxo em todos os pontos de uma seção


permite calcular a vazão. Na prática, as medições de velocidade se operam em um
número limitado de pontos representativos da velocidade. Geralmente os pontos são
escolhidos em várias verticais distribuídas na seção.

Existem vários métodos para calcular a vazão, a partir do valor da velocidade


medida em pontos. Um dos mais usados é o método de integração por vertical
realizado graficamente. Ele consiste em: a) construir para cada vertical o gráfico da
velocidade em função da profundidade; interpolar a curva das velocidades e medir
com um planímetro a área assim delimitada, q, que representa uma vazão média por
unidade de largura no lugar da vertical; b) construir a curva dessas vazões por unidade
de largura ao longo da largura do rio; a área assim delimitada, Q, representa a
descarga líquida do rio.

(Figura 7.2. Representação esquemática da descarga líquida que atravessa a seção de


rio)

Na prática, é mais comumente utilizado pelos serviços de hidrometria brasileiros


os seguintes métodos: 1) define-se na seção uma série de linhas verticais e mede-se as
velocidades pontuais em vários pontos situados sobre essas verticais (método
detalhado), para então, com auxílio do respectivo perfil de velocidades, determinar a
velocidade média na vertical; 2) o método simplificado, ou método dos dois pontos,

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que utiliza um ponto a 0,6 h (para h < 0,60 m) e dois pontos a 0,2 e 0,8 h (para h ≥0,60
m). As velocidades médias da vertical, multiplicada por uma área de influência igual ao
produto da profundidade da vertical pela soma das semidistâncias às verticais
adjacentes, fornece as vazões parciais, cuja soma será a vazão total.

(Figura 7.3. Definição da área de influência da vertical)

Usa-se para medir a velocidade da água principalmente molinetes


hidrométricos equipados com uma hélice que gira quando é colocado no sentido
contrário do fluxo d’água. O princípio mais usado é que a rotação em torno do eixo
abre e fecha um circuito elétrico. Contando o número de voltas durante um intervalo
de tempo fixo, obtém-se a velocidade de rotação da hélice que está relacionada com a
velocidade do fluxo, através de uma fórmula do tipo:

V = aN + b (7.1)

em que V = velocidade do fluxo; N = velocidade de rotação; a e b constantes


características da hélice (fornecidas pelo fabricante).

Segundo as condições do terreno o uso do molinete pode ser feito de várias


maneiras: a) fixado em uma haste, com o operador ficando de pé na água (medição a
vau) ou numa ponte; b) fixado na ponta (ou acima) de um lastro que possui uma forma
especial a fim de manter a hélice orientada no sentido contrário ao fluxo; o lastro é
movido por um cabo eletroportador; o comando do sistema se faz através de um
guincho colocado em um suporte com roldana acima de uma ponte ou de barco, ou
ainda instalado na margem do rio com um sistema de roldanas (teleférico).

A seção transversal do rio é materializada por uma ponte, um cabo graduado


ou mesmo uma simples trena.

É geralmente admitido que para obter uma precisão razoável deve-se efetuar
entre 6 e 20 verticais na largura com 4 a 8 pontos de medições de velocidade por
vertical. O tempo de medição deve ficar na faixa de 30 a 60 s (o valor de 50 s é o mais
usado).

As velocidades limites que podem ser medidas com molinetes são de cerca de
2,5 m/s com haste e de cerca de 5 m/s com lastro. Em boas condições admite-se que a
precisão relativa da vazão assim medida é de cerca de 5 %.

Medição de vazão por diluição de um traçador

As medições podem ser realizadas injetando no rio uma certa quantidade de


um traçador químico e depois medindo como este traçador se diluiu. O princípio é o
seguinte:

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C
Q=q
c
(7.2)

em que q = vazão da injeção do traçador; c = concentração inicial do traçador; C =


concentração das amostras depois da diluição no rio; Q = vazão do rio.

Essa equação pressupõe uma injeção contínua com vazão constante. Com um
princípio semelhante pode-se efetuar uma injeção instantânea.

7.2 Curva-chave
O leito do rio define as condições do escoamento por meio da sua forma e pela
sua rugosidade.

A seção transversal tem vários elementos geométricos que variam em função


do nível d’água. Estes elementos são:

- a área molhada (S): é a área da seção transversal ocupada pela água (em m 2);

- o perímetro molhado (P): é o comprimento da linha de contato entre a


superfície molhada e o leito (em m);

- o raio hidráulico (R = S/P): é o quociente da área molhada pelo perímetro


molhado (em m);

- a largura superficial (l): é o comprimento da linha horizontal da área molhada


(em m);

- a profundidade média (hm): é o quociente da área molhada pela largura


superficial (em m).

A determinação das curvas, área molhada função do nível d’água e raio


hidráulico função do nível d’água, é indispensável para o traçado da curva de
calibragem (curva-chave).

A mobilidade do leito é a maior causa de alteração da curva-chave.

A relação cota-descarga de uma seção permite calcular a descarga que


corresponde a uma dada altura de água. Essa relação é apresentada sob três formas,
geralmente associadas: à representação gráfica, à fórmula matemática e à tabela de
calibragem.

A representação gráfica é a forma mais utilizada; a relação h/Q é apresentada


por uma curva traçada em um sistema de eixos retangulares geralmente sob a forma h
= f(Q) que é o padrão internacional. Toda relação h/Q pode ser representada por
expressões matemáticas. Por exemplo, a forma exponencial:

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Q = a(h – ho)n (7.3)

onde h = o nível da régua correspondente a vazão Q; h o = o nível para o qual a vazão é


nula; a e n são constantes determinadas para um local.

A tabela de calibragem é a forma representativa final.

Figura 7.4. Relação cota-descarga

7.3 Redes hidrológicas


As instituições que participam do gerenciamento dos recursos hídricos
possuem e monitoram geralmente um certo número de postos de observação
(estações) que constituem uma rede hidrológica.

Existem vários tipos de estações hidrológicas: a) os postos de hidrometria geral


que permitem ter um conhecimento contínuo dos cursos d’água em todas as
condições de descarga; b) os postos de alerta e de gestão, instalados para um objetivo
específico; c) os postos temporários instalados para um estudo especial e uma duração
limitada.

A densidade, a distribuição, o equipamento, as grandezas observadas


dependem da função do órgão operador, das particularidades locais e das verbas e do
pessoal disponível.

Para a hidrometria, o país é dividido em 12 regiões hidrográficas.

Como exemplo de rede, a Agência Nacional de Águas (ANA), vinculada ao


Ministério do Meio Ambiente coordena a rede de dados hidrometeorológicos
brasileiros.

A anteriormente chamada Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais


(CPRM), atualmente CPRM – Serviço Geológico do Brasil opera uma parte dos postos,
sendo a maior parte de competência de cerca de outros 90 estabelecimentos públicos
ou particulares diferentes.

No Rio Grande do Norte, cabe à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos


Recursos Hídricos (SEMARH) implantar, operar e manter redes de estações medidoras

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de dados hidrológicos e pluviométricos mas, efetivamente o órgão que opera é a
Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN).

7.4 Componentes do hidrograma


O hidrograma é a denominação dada ao gráfico que relaciona a vazão no
tempo.

Na figura abaixo é apresentado o comportamento do hidrograma típico de uma


bacia, após a ocorrência de uma sequência de precipitações. Verifica-se que após o

te

tb

Figura 7.5. Hidrograma típico

início da chuva, existe um intervalo de tempo em que o nível começa a elevar-se. Este
tempo retardado de resposta deve-se às perdas iniciais por interceptação vegetal e
depressões do solo, além do próprio retardo de resposta da bacia devido ao tempo de
deslocamento da água na mesma. O hidrograma atinge o máximo, de acordo com a
distribuição de precipitação, e apresenta a seguir a recessão onde se observa
normalmente, um ponto de inflexão. Este ponto caracteriza o fim do escoamento
superficial e a predominância do escoamento subterrâneo.

A contribuição da vazão subterrânea é influenciada pela infiltração, sua


percolação e conseqüente aumento do nível do aqüífero, mostrado na figura abaixo
pela linha MNO que se movimenta para PRS. Como o escoamento superficial é mais
rápido, o nível muda de N para R.

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Figura 7.6. Variação do nível do aqüífero

A forma do hidrograma depende de um grande número de fatores, os mais


importantes são: relevo, cobertura da bacia, modificações artificiais no rio, distribuição
duração e intensidade da precipitação, e solo.

(Figura 7.7. Hidrogramas)

Para caracterizar o hidrograma e o comportamento da bacia são utilizados


alguns valores de tempo, relacionados a seguir:

tl, tempo de retardo: intervalo de tempo entre o centro de massa da precipitação e o


centro de gravidade do hidrograma;

tp, tempo do pico: intervalo entre o centro de massa da precipitação e o pico do


hidrograma;

tc, tempo de concentração: tempo necessário para a água precipitada no ponto


hidraulicamente mais remoto na bacia, deslocar-se até a seção principal. Também
definido como o tempo entre o fim da precipitação e o ponto de inflexão do
hidrograma;

tm, tempo de ascensão: tempo entre o início da chuva e o pico do hidrograma;

tb, tempo de base: tempo entre o início da precipitação e aquele em que a


precipitação ocorrida já escoou através da seção principal, ou que o rio volta às
condições anteriores a da ocorrência da precipitação;

te, tempo de recessão: tempo necessário para a vazão baixar até o ponto C (fig. 7.5),
quando acaba o escoamento superficial.

O hidrograma pode ser caracterizado por três partes principais: ascensão,


altamente correlacionada com a intensidade da precipitação, e com grande gradiente;
região do pico, próximo ao valor máximo, quando o hidrograma começa a mudar de
inflexão, resultado da redução da alimentação de chuvas e/ou amortecimento da
bacia. Esta região termina quando o escoamento superficial acaba; recessão, nesta
fase, somente o escoamento subterrâneo está contribuindo para a vazão total do rio.

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O escoamento superficial pode ser descrito por modelos. Para simular o
escoamento superficial é necessário separá-lo do escoamento subterrâneo e obter a
precipitação efetiva que gerou o escoamento.

A recessão (esc. subterrâneo) pode ser representada por uma equação


exponencial do tipo:

Q t = Q0 e-αt (7.4)

onde Qt = a vazão após t intervalos de tempo; Q 0 = vazão no tempo de referência 0; α=


o coeficiente de recessão.

7.5 Separação do escoamento superficial


Os escoamentos são em geral definidos em superficial, que representa o fluxo
sobre a superfície do solo e pelos seus múltiplos canais; subsuperficial que alguns
autores definem como o fluxo que se dá junto às raízes da cobertura vegetal; e
subterrâneo, que é o fluxo devido à contribuição do aqüífero.

Na figura abaixo são apresentados três métodos gráficos tradicionalmente


usados.

Figura 7.8. Métodos de separação dos escoamentos

Método 1: extrapola-se a curva de recessão a partir do ponto C até encontrar o ponto


B, localizado abaixo da vertical do pico. Liga-se os pontos A, B e C. O volume acima da
linha ABC é o escoamento superficial e o volume abaixo é o escoamento subterrâneo
ou básico;

Método 2: este é o método mais simples, pois basta ligar os pontos A e C por uma reta;

Método 3: extrapola-se a tendência anterior ao ponto A até a vertical do pico,


encontrando o ponto D. Liga-se os pontos D e C e obtém-se a separação dos
escoamentos.

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Método alternativo: (fig. do hidrograma típico) prolonga-se a tendência antes
do ponto A até o ponto B, abaixo do pico, e da recessão a partir de C. Desenha-se a
curva restante com uma concordância em BD, entre os dois ramos da curva de
recessão ou depleção.

Para a determinação do ponto C existem vários critérios:

a) uso da equação

N = 0,827 A0,2 (7.5)

onde N = tempo entre o pico do hidrograma e o tempo do ponto C, em dias; A = área


da bacia em km2;

b) uso de uma das equações para determinar o tempo de concentração;

c) inspeção visual que se baseia na plotagem das vazões numa escala mono-log (vazão
na escala logarítmica).

A razão entre o volume escoado superficialmente e o volume de água


precipitado é chamado de coeficiente de escoamento ou coeficiente de deflúvio (C).

7.6 Determinação da precipitação efetiva


A precipitação efetiva é a parcela do total precipitado que gera o escoamento
superficial. Para obter o hietograma correspondente à precipitação efetiva é
necessário retirar os volumes evaporados, retidos nas depressões e os infiltrados.
Existem metodologias para a determinação da precipitação efetiva: equações de
infiltração, índices e relações funcionais.

Equações de infiltração

a) utiliza-se uma equação como a de Horton e estima-se os parâmetros;

b) determina-se as perdas iniciais e retira-se a mesma dos primeiros intervalos da


precipitação;

c) a precipitação efetiva é obtida para os intervalos seguintes por

Pef = P – It (7.6)

onde It é a infiltração calculada pelo método escolhido.

Índices

O índice é um procedimento que adota um fator constante para a separação do


escoamento. Alguns dos procedimentos são os seguintes:

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- Índice α: é o coeficiente de escoamento definido pela relação entre o total escoado
e o total precipitado numa enchente. Este coeficiente é aplicado às ordenadas do
hietograma para cálculo da precipitação efetiva;

- Índice ϕ: é o índice igual a uma infiltração constante durante a enchente. Este valor
é subtraído de cada precipitação, obtendo-se a precipitação efetiva. Este índice é
calculado subtraindo-se o total de chuva efetiva do total precipitado e dividindo-se
pelo número de intervalos de tempo;

- Índice W: este índice é semelhante ao anterior e representa a infiltração média


durante o tempo em que a precipitação é superior à taxa de infiltração.

W = (P – Q – S)/t (7.7)

onde P é a precipitação no período t; Q = escoamento superficial no período t; S =


volume armazenado; t = tempo (número de intervalos) em que a precipitação é maior
que a taxa de infiltração. O valor de S é normalmente desconhecido e agregado como
perdas iniciais. Conhecido o total precipitado P e o escoamento superficial Q, o cálculo
de W é obtido para t onde Pi > W.

Obs.: Quando existem dados de vazão é possível determinar o escoamento superficial.


Este valor é igual à precipitação efetiva, o que permite estimar o total de perdas
iniciais e a infiltração.

No caso de utilização do índice ϕ, podem existir intervalos de tempo em que ϕ


> P. Para que o volume de precipitação efetiva seja igual ao do escoamento superficial
é necessário distribuir esta diferença para os demais intervalos de tempo. ∎

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