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Imigração
lidades e enfrentamen- pa e vários países da África
tos, o horizonte laboral, a fa- Ocidental são espaços mais
A
mília, as questões de gênero, antigos de fluxos migratórios;
presença de senegaleses, em várias partes
as expressões culturais e reli- a América do Norte e a do Sul
do mundo, em particular, no Brasil, possibilita-
giosas, as tentativas de impri- são mais recentes. Todos eles
senegalesa:
nos compreender os múltiplos processos do
mir processos interculturais, as são reveladores de múltiplas
fenômeno migratório contemporâneo. Na presente
legislações e suas adaptações causalidades e especificida-
múltiplas
centrais das cidades - que tem muito a atenção nos espaços
econômicas e ambientais;
provocado tantos conflitos e de destino por algumas carac-
• As múltiplas trajetórias e a cultura emigratória terísticas de seu modus vivendi,
embates e ao mesmo tempo
no país; em particular, suas manifesta-
revelado dinamismos - inventi-
vidades e estratégias mercan- • A migração para a América do Sul; ções religiosas, linguísticas, cul-
dimensões
tis, dentre outros aspectos. • O fenômeno religioso e suas ritualidades nos turais, de pertencimento gru-
Intencionamos contribuir espaços de destino; pal e de expressão solidária.
para o melhor entendimento • As legislações e as estratégias de Esses processos produzem
da presença de imigrantes, regularização; indagações e resultam em
em particular, de senegale- • O horizonte laboral e as cidades; pesquisas científicas em várias
ses, nos cenários onde eles es-
tão inseridos, pois, a presença
• Gênero, intercultura e sociabilidades. Vol. II partes do mundo, em particu-
lar, no Brasil. Há muitos pes-
deles pode produzir, também, quisadores e estudos já efetu-
autorreflexão junto aos autóc- ados e em andamento. Nesse
tones, auxiliar nos processos João Carlos Tedesco (Org.) sentido, na presente coletâ-
Volume II
de integração intercultural e nea, objetivamos socializar al-
de convivência harmônica, tão guns deles. Buscamos contem-
necessários no mundo atual. plar alguns dos temas que são
caros ao horizonte migratório
João Carlos Tedesco em que senegaleses se inse-
jctedesco@upf.br rem, dinamizam, carregam,
reivindicam e produzem.
João Carlos Tedesco (Org.)
Imigração senegalesa:
múltiplas dimensões
Vol. II
COLEÇÃO MEMÓRIA E CULTURA
Coordenação:
Conselho Editorial:
Marilene Dorneles (Diretora), Antônio Dalpicol, Emílio Franzina, Frei
Moacir Pedro Molon, João Carlos Tedesco, Luis Alberto De Boni, Maria
Estela Zonta, Monsenhor Urbano Zilles, Véra Lucia Maciel Barroso
João Carlos Tedesco (Org.)
Imigração senegalesa:
múltiplas dimensões
Vol. II
2019
Capa:
Foto: Júlio Gomes, para o site LeiaJá Imagens. Disponível em: <http://m.leiaja.com/tags/
senegal>. Acesso em: 22 maio 2019. Foto adaptada pelo organizador.
Editoração:
Alex Antônio Vanin
Revisão:
Sabino Gallon
ISBN: 978-85-68569-74-0
Texto em português, espanhol e italiano.
CDU 325.14(66:81)
“ESSE TÁ 10, MAS PRA TI EU FAÇO POR 5!”: AS SOCIABILIDADES PARA VENDA NO
COMÉRCIO DE RUA SENEGALÊS EM SANTA MARIA (RS)......................................................... 211
Filipe Seefeldt de Césaro e Maria Catarina Chitolina Zanini
O
s textos presentes nesta coletânea, em sua grande maioria, são frutos
de intercâmbios coletivos presenciais, redes e núcleos de pesquisa-
dores sobre o tema das migrações, em geral, e sobre a migração dos
senegaleses, em particular, no sul do Brasil. Grupos de pesquisa, como
“Migrações Internacionais e Pesquisa no Sul” (Mipesul), “Migrations
Sénégalaise vers l´Amérique Latine” (Misal), dentre outros espaços e
vínculos, organizaram seminários, simpósios e encontros de estudos
nesses últimos anos em torno das migrações,1 possibilitando, com isso,
a construção e socialização de conhecimentos.
Nesse sentido, julgamos importante enfatizar que as migrações in-
ternacionais recentes para o Brasil, em específico os senegaleses, torna-
1
É o caso, por exemplo, dentre outros, de várias edições de encontros científicos, como o
Seminário Migrações e Direitos Humanos, na Univates (Lajeado - RS), o Seminário de
Mobilidade Humana e Dinâmicas Migratórias, na UCS (Caxias do Sul - RS), o Seminário
Internacional Migrações: perspectivas e avanços teórico-metodológicos, na Unisinos (São
Leopoldo - RS). Visitas ao Senegal, Universidade Ucad – Dakar –, dos professores Gisele
Kleidermacher, João Carlos Tedesco, Maria do Carmo dos Santos Gonçalves e Juliana Rossa
para intercâmbios e estudos, juntamente com professores que estudam o tema da emigração
senegalesa.
10 aPRESENTAÇÃO
sujeitos, dentre outros aspectos. Na verdade, essa é uma demanda de
nações enriquecidas, absorvedoras de imigrantes, as quais idealizam a
possibilidade de otimizar, na esfera do desenvolvimento, grandes so-
mas de recursos financeiros (remessas) que saem de seus países e se
direcionam para os países/lugares de origem dos fluxos. Desenvolvi-
mento no local de origem implica também a dinâmica do retorno; os
retornados constituem um grupo heterogêneo de atores; seu impacto no
desenvolvimento local também varia muito, assim como variam as mo-
tivações dele. Condições econômicas, institucionais, políticas, religiosas
dos dois espaços, bem como a possibilidade de mobilizar recursos tan-
gíveis e intangíveis, redes de relações sociais transfronteiriças tendem
também influenciar a experiência migratória, sobretudo dos retornos/
retornados. O texto de Emanuela Gamberoni e Papa Demba Fall, nesta
coletânea, expressa essas questões.
Algumas discussões atuais buscam dar ênfase ao fato de que os
imigrantes, além de possíveis protagonistas do desenvolvimento eco-
nômico no local de destino, podem ser também nos locais de origem.
Autores enfatizam que os imigrantes são úteis na resolução ou na ame-
nização de um conjunto de problemas em algumas nações da Europa,
como a redução do crescimento demográfico, a necessidade de tornar
competitivos setores econômicos que demandam força de trabalho ma-
nual (agricultura, construção civil, pesca, mineração etc.).
Os imigrantes senegaleses formam um grupo social não homo-
gêneo: pelas diferenças culturais, religiosas – como as confrarias – e
geográficas; por muitos já terem experiências migratórias anteriores à
vinda para o Brasil, e outros também por migrarem pela primeira vez.
De qualquer forma, é um grupo que, independentemente de suas di-
ferenciações, chama atenção nos espaços de inserção, em razão de sua
integração social, organização e representação de seu coletivo, manifes-
tações religiosas, comércio de produtos nos espaços públicos centrais
das cidades, ações de solidariedade grupal, manifestações culturais etc.
Esse processo amplo de relações, manifestações, visibilidade pública
dos senegaleses, em particular, e seus vínculos mercantis nos espaços
públicos está presente na análise de Filipe Seefeldt de Césaro e Maria
2
Vários pesquisadores que possuem textos nesta coletânea já viajaram ao Senegal para estudos,
principalmente junto à universidade UCAD de Dakar, é o caso da professora Emanuela
Gamberoni, João Carlos Tedesco, Juliana Rossa, Maria do Carmo Gonçalves, Philipp Roman
Jung e Gisele Kleidermacher.
3
Entrevista direta com senegalês. O interlocutor está no Brasil há quatro anos, emigrou
sozinho, reside atualmente em Passo Fundo e trabalha no ramo da construção civil.
12 aPRESENTAÇÃO
A migração senegalesa, como veremos em alguns dos estudos des-
ta coletânea, é expressiva da realidade vivida por povos da África – e de
outras partes do mundo, inclusive da América Latina – empobrecidos
por uma longa história de colonização e a expropriação que lhe é as-
sociada por problemas climáticos e econômicos, conflitos de múltiplas
ordens, os quais dão o tom dos grandes aspectos na base histórica e
atual do movimento migratório contemporâneo. É uma imigração que
expressa nova tendência dos fluxos mundiais na direção sul-sul, ou seja,
de países empobrecidos para os considerados em vias de desenvolvi-
mento. Gisele Kleidermacher, Roberto Rodolfo Georg Uebel e Philipp
Roman Jung dão ênfase às múltiplas causalidades e às racionalidades
que movem a diáspora senegalesa para várias partes do mundo, em
particular para espaços do sul do mundo.
Nesse sentido, em concomitância com as múltiplas causalidades,
estão as trajetórias variadas que estruturam os fluxos de senegaleses
para o Brasil, algumas dessas custosas, difíceis, de longa duração e de
alto risco de vida, fato esse que chama a atenção e revela “um mundo
que se move” por estratégias para além da falácia da globalização e de
suas fronteiras abertas e do fim do estado-nação. Os textos de Patrícia
Grazziotin Noschang, Giuliana Redin e Jaqueline Bertoldo, nesta co-
letânea, revelam a centralidade da esfera pública na determinação dos
regramentos sociais presentes na nova lei (decreto) da imigração no
Brasil, suas exigências, dificuldades para os imigrantes, a judicialização
envolvida, dentre muitos outros processos.
Além dessas questões ligadas ao estado-nação como centrais nas
determinações de quem, quantos, como e em que situação de enqua-
dramento dos imigrantes, é interessante que tenhamos em mente os
elementos que produzem as saídas dos locais de origem. Entendemos
que seja difícil estudar os imigrantes senegaleses sem termos presente,
como já mencionamos, a realidade do passado colonial africano e o de-
senvolvimento econômico pós-colonial, os macroprogramas de ajuste
econômico impressos de fora por instâncias econômicas e geopolíticas
(Some, 2009; Coussy; Vallin, 1996), programas que, sob a falácia da ne-
cessidade de “ajustes estruturais”, de profunda redução do estado na
14 aPRESENTAÇÃO
dos fluxos. Os autores demonstram processos culturais de mobilidade,
principalmente da parte ocidental da África, os quais revelam especifi-
cidades migratórias em termos de organização e de gestão, de valores
no campo da solidariedade entre grupos e de interrrelações entre países
vizinhos.
Busca-se, pela emigração, promover status social ao grupo familiar
e, desse, para o sujeito que a viabiliza. “A migração é, muitas vezes,
interpretada, à imagem da circuncisão, como um rito de passagem, um
marco importante no curriculum individual. Seria preciso partir para
ser homem, ter um status social ou reconhecimento” (Fall, 2010, p. 2).
Estudos recentes informam que há uma “fuga de cérebros”, ou seja, os
imigrantes possuem, em grande parte, um nível elevado de estudos;
54,2% dos imigrantes, em 2014, possuíam ensino superior (Shako; Diop;
Mboup; Diadiou, 2015). Desse modo, as causalidades e as aspirações se
mesclam, ampliam-se e diversificam-se, tornando-se mais complexas e
indefinidas.
Nesse sentido, há uma forte pressão no suporte financeiro da fa-
mília (Dial; Shako, 2010) e para o horizonte religioso institucional (Fall,
2010). Em 2015, as remessas financeiras dos imigrantes atingiram 17%
do PIB do país (em torno de U$ 2 bilhões). Segundo analistas, a imi-
gração é um grande recurso econômico, porém, tem provocado uma
dependência do país em relação ao dinheiro enviado pelos imigrantes.
Há municípios que, em torno de 80% da população, dependiam desse
dinheiro externo (Fall, 2010). Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni
demonstram bem isso em seus textos nesta coletânea, principalmente
dando ênfase ao sexo feminino, às esposas que permanecem nos locais
de origem.
Devemos considerar que os imigrantes são sujeitos que transitam
em múltiplos territórios e, por isso, conectam-se e se articulam por vá-
rias redes em fronteiras também diversas (religiosas, linguísticas, cultu-
rais, geográficas e políticas), porém, sempre em correlação com a esfera
do trabalho. Desse modo, eles diversificam seus pertencimentos, suas
relações com os espaços e com as esferas que se retroalimentam (Kaag,
2006). Entendida assim, a imigração é também circulação, ou seja, pro-
16 aPRESENTAÇÃO
ficam e os que favorecem ou mediam a decisão de emigrar. Há, nesse
processo, os vínculos e ligações parentais, de vizinhança, de amizade,
de identidade étnica e religiosa. Diz Mbodji (2008, p. 312) que “partir
é morrer de ausências”. A separação, a sua consequente fragmentação
familiar, os limites das condições objetivas do viver cotidiano como
imigrante, as dúvidas e incertezas que chocavam seu mundo até então
constituído são expressivas de ausências. O reterritorializar-se afetivo
(família, religião, amizades, parentesco) e geográfico revela ser um mo-
vimento complexo entre lugares, pessoas e sentimentos (Simon, 2008).
A dimensão religiosa dos senegaleses nos espaços de destino revela
essa multiplicidade de processos e estratégias que o fenômeno migra-
tório carrega consigo, principalmente para os grupos que ritualizam
pertencimentos religiosos, crenças comuns, rituais cotidianos. O texto
da Juliana Rossa, nesta coletânea, baseada numa longa pesquisa sobre
ritualidades e sentidos do campo religioso, fornece-nos elementos para
compreendermos a simbologia, os significados e a importância que as
práticas religiosas exercem junto aos imigrantes.
Sabemos que a família está no centro do processo migratório ainda
que boa parte dessa permaneça no local de origem. Essa é a que justi-
fica e legitima o ato de partir. Porém, mudanças vão ocorrendo nesse
dinamismo em movimento de pessoas em seu interior. A possibilidade
de emigrar faz com que seja reduzida a prole familiar dos que ficam
(Ndione, 2016), pois há fragmentação da família pela saída de um dos
cônjuges. Pesquisas demonstram que imigrantes geram menos filhos
em relação aos que permanecem no local de origem (Ambrosini, 2010).
Nesse sentido, a migração passa a ser uma estratégia para permitir o
equilíbrio entre a população e as possibilidades do meio em fazer face às
dificuldades socioeconômicas. Essa exerce um amplo processo de mu-
dança nas microrrelações familiares, sociais, culturais, além de ser um
grande recurso econômico, demográfico e religioso (Gamberoni; Pistoc-
chi, 2013). Mulheres, nos espaços de origem, assumem atividades que
até então não eram de sua atribuição sociocultural; imigrantes fazem
o mesmo. A pressão e a necessidade para que o projeto migratório te-
nha êxito é enorme, principalmente para quem foi auxiliado em termos
4
Informamos que cada autor/a ficou responsável pela revisão de linguagem e normas em
adequação com as de seu país; são quatro países diferentes (Brasil, Argentina, Senegal e Itália),
com normas e técnicas específicas, portanto, deixamos os textos na forma original que nos foi
enviada.
18 aPRESENTAÇÃO
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SASSEN, S. Una sociologia della globalizzazione. Torino: Einaudi, 2008.
20 aPRESENTAÇÃO
ROTAS, TENDÊNCIAS,
SOCIEDADE GLOBAL
22
Apresentação
Les migrations en Afrique de l’Ouest:
dimension sociohistorique, espace
géographique et défis contemporains
D
e nos jours, les migrations constituent un sujet de grande actuali-
té comme l’indiquent les récentes négociations dénommées Global
Compact1. En raison de la complexité du phénomène, sa bonne con-
naissance fait appel à diverses disciplines scientifiques allant du droit à
la sociologie en passant par la médecine ou l’histoire et la géographie.
Il s’agit aussi d’un sujet de confrontations d’idées et de convictions qui
ont la vie dure.
Le présent article ambitionne de donner une bonne idée des migra-
1
The Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration (GCM). Ce “Pacte mondial pour des
migrations sûres, ordonnées et régulières” renforce la coopération relative aux migrations
internationales sous tous leurs aspects, sur la base de la pluri dimensionnalité des migrations et
de leur rôle dans le monde.La Résolution adoptée par l’Assemblée générale le 19 septembre 2016
déclare au point 46: “Nous sommes conscients également que les migrations internationales
constituent une réalité pluridimensionnelle qui a une grande importance pour le développement
des pays d’origine, de transit et de destination et qui appelle des réponses cohérentes et
globales”. Ce pacte mondial, avec ses 23 objectifs, est juridiquement non contraignant mais il
constitue une occasion importante pour partager des responsabilités en vue d’améliorer, dans
les pays d’origine, de transit ou de destination, la situation de plus de 258 millions migrants
dans le monde, surtout dans la mesure où ce chiffre augmentera en raison d’un certain nombre
d’aspects démographiques globales, économiques et environnementaux.
2
Cette région du continent africain couvre une superficie de 6.148.628 km2. Elle est composée
de 16 états, soit 20% de la surface continentale dont trois sont enclavés. Un mot-clé qui le
représente est «variété»: il s’agit d’une région complexe, très intéressante et en évolution rapide,
riche en aspects physiques, naturels et anthropiques. (Gamberoni e Pistocchi, 2013).
• le bloc central est contrôlé par les groupes Fan et Dioula. Il est
articulé autour de la Côte-d’Ivoire, du Ghana, du Togo, du
Burkina Faso et l’est du Mali et a pour principal moteur le com-
merce du bétail;
5
L’étude Réseau Migrations et Urbanisation en Afrique de l’Ouest (REMUAO), a recueilli
des données et d’enquêtes dans huit pays d’Afrique occidentale: Burkina Faso, Côte d’Ivoire,
Guinée, Mali, Mauritanie, Niger, Nigeria, Sénégal.
Conclusion
Références
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migration.shtml
44
Apresentação
Desenvolvimento de processos
migratórios do Senegal para o
Brasil e suas alterações
A
imigração senegalesa no Brasil é um exemplo da diversificação dos
fluxos emigratórias do país da África ocidental que se estendem
hoje para os quatro cantos do mundo (Fall, 2016, p. 35). Considerando
a expansão espacial, parece apropriado falar, no caso senegalês, de uma
globalização da migração (Castles & Miller, 2009). Ela é também um exem-
plo do desenvolvimento de novos fluxos migratórios entre os continen-
tes do sul global (De Lombaerde, Guo, & Neto, 2014; Winders, 2014).
A literatura sugere que o desenvolvimento de novos corredores
de migração intercontinental sul-sul1 é, por um lado, resultado do de-
senvolvimento econômico e geopolítico nas regiões do sul global (ACP,
1
Apesar das dificuldades e dos problemas da terminologia migração Sul-Sul (Bakewell, De
Haas, Castles, Vezzoli, & Jónsson, 2009; Santos & Rossini, 2018), a migração do Senegal para o
Brasil é entendida aqui como migração entre países do sul global de acordo com as definições
da ONU e do Banco Mundial.
Brasil com o continente quintuplicou entre 2002 e 2009 (BRASIL, 2010, p. 5).
3
A tese, com o título Desenvolvimento de novos corredores migratórios no sul global – Senegal – Brasil,
está sendo elaborada no âmbito de Doutoramento em Migrações, no Instituto de Geografia e
Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa (IGOT).
4
Em grande parte do mundo, tornou-se muito difícil pensar em um futuro melhor sem pensar
na migração para um lugar onde se possa ganhar o dinheiro necessário para realizar esse futuro
melhor. (Tradução nossa)
A população senegalesa quase se sextuplicou nos últimos 60 anos, de 2,4 milhões (van der
5
Land & Fourier, 2012, p. 39) para quase 15 milhões em 2016 (SENEGAL, 2016, p. 3).
6 Apesar de uma cultura de migração forte, o desejo de emigrar não é universal no Senegal.
Veja-se, por exemplo, o estudo de Schewel (2015) sobre a aspiração de ficar, a imobilidade
voluntária, no Senegal.
7 Muitas vezes você pensa que lá aonde você vai, talvez esteja lá, que você estará melhor, mais
do que de onde você partiu. Isso é o que estimula nós. É assim. Lá [no Senegal] também todo
o trabalho está bem. (Tradução nossa)
8
Isso significa que essas redes são muitas vezes sites de fluxo aberto, de contato, transmissão,
“networking”, circulação e migração, gerados pelas oportunidades do momento, capazes
de mudar rapidamente de direção e de se adaptar a novas situações. Através dessas diversas
realidades de “streaming”, as informações e a conectividade estão sendo reorientadas e
transformadas, e novas formas de “navegação social” [...] estão sendo geradadas. (Tradução
nossa)
Uma posição especial ocupa o setor de abate Halal, e sua demanda associada de trabalhadores
16
muçulmanos. Desde os anos 1970, o Brasil exporta carne de frango e de vaca para países com
uma proporção alta de muçulmanos, sobretudo no Oriente Médio (Zamberlam et al., 2014, p.
17). Segundo Tedesco (2017), mais de duas dezenas de empresas são vinculadas à certificação
Halal de carnes na Região Sul do Brasil.
17
Entrevista com senegalês em Passo Fundo, novembro de 2017.
18
Entrevista com senegalês em Caxias do Sul, abril de 2018.
19
Entrevista com senegalês em Passo Fundo, maio de 2018.
20
Entrevista com senegalês em São Paulo, fevereiro 2019.
Ambos, Senegal e Cabo Verde, são membros da Comunidade Económica dos Estados da
23
Esse migrante senegalês, que viveu quase dez anos na ilha de San-
tiago, descreve como a perspectiva de novos desafios foi central em sua
decisão de sair de Cabo Verde e migrar para o Brasil. Embora possamos
falar aqui, e, no caso de movimentos de senegaleses entre a Argentina
e o Brasil, de processos de stepwise/onward migration, ao contrário dos
casos descrito de Paul (2011) ou McGarrigle and Ascensão (2017), estes
processos não são previamente planejados, nem têm um destino pre-
definido. Deveremos entendê-los muito mais como processos abertos e
respostas às oportunidades do momento.
O segundo período da imigração senegalesa no Brasil, que come-
çou mais o menos em 2012/13 e apenas dourou até o fim de 2015, é ca-
racterizado por um aumento notável, que se reflete nas estatísticas sobre
solicitações de refúgio apresentadas acima. Os migrantes senegaleses,
mar. 2019.
26
<http://www.ministeriointerior.gob.ec/ciudadanos-de-11-paises-requieren-de-visa-para-
ingresar-a-ecuador/> Acessado em: 31 mar. 2019.
27
Entrevista com senegalês em São Paulo, em fevereiro de 2019.
Considerações finais
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Baeninger, L. M. Bógus, J. B. Moreira, L. R. Vedovato, D. M. Fernandes, M. R.
d. Souza, C. S. Baltar, R. G. Peres, T. C. Waldman & L. F. A. Magalhães (Org.),
Migrações Sul-Sul (pp. 609-623). Campinas, SP: Núcleo de Estudos de População
“Elza Berquó” – Nepo/Unicamp.
O
fenômeno da imigração senegalesa e oriunda de outros países da
Costa Oeste Africana (ou Costa Oeste da África, que passaremos a
nos referir como “COA”) já foi amplamente discutida e analisada
nos últimos anos por autores como Tedesco e Mello (2015) e Herédia
(2015), além de ter sido tema de nossa dissertação de mestrado (Uebel,
2015) e artigo específico publicado em 2016 (Uebel, 2016), com novas
informações e atualizações sobre o tema.
Entretanto, temos como objetivo deste capítulo trazer a relação
desses fenômenos imigratórios com a política externa migratória bra-
sileira e a incursão do conceito de migrações de perspectiva dentro das
trajetórias de imigrantes da COA, já que temos a forte presença do ca-
ráter governamental brasileiro no fomento, ainda que subjetivo, desses
fluxos. Portanto, se trata de um trabalho que apresenta novas notas de
pesquisa sobre a temática das migrações senegalesas e oeste-africanas
com direção ao Brasil.
NACIONALIDADE/
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TOTAL
ANO
ANGOLA 209 245 291 386 521 516 588 1.186 903 1.021 1.094 1.150 1.371 1.529 1.093 1.164 13.267
GUINÉ BISSAU 87 95 100 168 169 111 229 576 271 179 268 228 480 284 308 426 3.979
CABO VERDE 116 126 151 152 245 322 341 410 245 181 252 301 383 283 193 189 3.890
NIGÉRIA 64 87 91 169 121 124 87 447 121 177 239 143 474 231 192 620 3.387
SENEGAL 15 11 17 45 16 17 16 332 19 22 30 32 354 60 49 2.131 3.166
GANA 9 14 16 13 8 10 15 63 23 25 25 38 142 207 107 681 1.396
MARROCOS 29 43 46 44 38 56 41 99 54 83 88 93 164 113 121 150 1.262
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA 4 13 12 14 22 15 37 64 32 49 57 54 96 137 67 178 851
DO CONGO
CAMARÕES 9 6 7 20 23 26 24 63 36 35 60 67 60 45 43 66 590
SÃO TOMÉ E
17 7 36 68 21 26 16 50 24 34 38 21 67 40 33 34 532
PRÍNCIPE
BENIN 1 1 2 1 3 4 8 10 6 19 67 39 108 76 62 111 518
CONGO 8 9 6 14 21 24 65 85 62 81 29 30 25 18 16 22 515
ARGÉLIA 15 19 25 26 22 26 14 32 26 27 56 43 81 30 27 18 487
MAURÍCIO 2 0 2 3 1 2 10 6 4 27 51 32 92 14 7 10 263
COSTA DO
79
80
Tabela 1. Contingente imigratório oeste-africano no Brasil – 2002/2017. Fonte: Polícia Federal (2018).
NACIONALIDADE/
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TOTAL
ANO
GUINÉ 2 1 0 2 5 4 5 25 1 7 13 11 14 7 10 35 142
SERRA LEOA 1 2 4 6 6 4 2 9 3 8 7 5 16 9 3 24 109
NAMÍBIA 2 3 7 7 2 2 5 9 1 2 8 1 3 5 32 11 100
GABÃO 4 5 6 5 5 7 6 9 2 6 6 9 9 7 6 4 96
BURKINA FASSO 1 0 2 1 0 1 1 10 4 1 4 3 12 12 4 17 73
LIBÉRIA 0 7 7 10 1 3 4 6 5 8 9 6 3 1 1 0 71
MALI 0 1 0 1 3 0 0 3 1 0 4 4 8 5 2 29 61
GÂMBIA 0 1 0 0 1 1 2 3 1 1 1 0 6 1 2 15 35
NIGER 1 0 0 0 2 1 1 3 2 1 1 3 4 3 3 3 28
MAURITÂNIA 1 1 0 1 1 1 0 3 0 2 2 2 2 0 1 5 22
GUINÉ
1 3 0 1 2 2 1 1 0 1 1 4 1 1 1 0 20
EQUATORIAL
Por que essas migrações foram motivadas por uma agência go-
vernamental subjetiva? Primeiro, há que se rememorar que os fluxos
oriundos desses países, exceto o de nigerianos, eram muito inexpressi-
vos até 2014, quando sofreram um verdadeiro boom, conforme os termos
da literatura de estudos migratórios corrente. Ou seja, a imigração de
perspectiva só poderia ser influenciada por uma variável externa muito
mais forte e que tornasse o Brasil uma alternativa mais atrativa que a
União Europeia e o Canadá.
Figura 2. Mapa – Rotas dos imigrantes senegaleses com direção ao Brasil. Elaborado
pelo autor.
Referências
BOLÍVIA oferece curso de medicina a R$ 700 em Puerto Evo Morales, na
fronteira. In: MACHADO, Altino. Blog do Altino Machado. Rio Branco, 17 nov.
2014. Disponível em: <http://www.altinomachado.com.br/2014/11/bolivia-
oferece-curso-de-medicina-r-700.html>. Acesso em: 06 maio 2018.
BOLSONARO, Jair. Posicionamento de Bolsonaro sobre nova Lei de Migração. 2017.
(2m16s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GgLqhh0X-kk>.
Acesso em: 04 nov. 2018.
BOLSONARO quer campo de refugiados em Roraima. In: O ESTADO DE
SÃO PAULO. Política. Rio de Janeiro, 14 mar. 2018. Disponível em: <https://
politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-quer-campo-de-refugiados-em-
roraima,70002226010>. Acesso em: 04 nov. 2018.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.663, de 05 de junho de 2012. Dispõe
sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo
FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil;
altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003;
e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das
seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Brasília, DF, 2012. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12663.
htm>. Acesso em: 27 out. 2018.
BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.193, de 24 de novembro de 2015. Altera a
Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro
no Brasil e cria o Conselho Nacional de Imigração, para dispor sobre a dispensa
unilateral do visto de turista por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de
2016, Rio 2016. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13193.htm>. Acesso em: 27 out. 2018.
Gisele Kleidermacher
E
l presente escrito se propone contribuir al estudio de las migraciones
senegalesas hacia nuevas rutas en América Latina como lo son Ar-
gentina y Brasil. Profundizando en las diferencias y similitudes que
los movimientos poblacionales de senegaleses presentan entre ambos
países, así como el establecimiento de circuitos de tránsito en el sur del
continente.
Para arribar a dicho objetivo, en una primera instancia se caracte-
rizarán los factores que influyen en la salida de la población de Sene-
gal, quiénes son aquellos que migran, cuáles han sido los tradicionales
destinos de la migración senegalesa, así como también, qué aspectos
deben considerarse para comprender la construcción de nuevas rutas
que unen al África Subsahariana con América Latina en las últimas dos
décadas.
Finalmente, se indaga acerca de las trayectorias de los migrantes en
Contexto senegalés
108 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
ni contención para los
recién llegados1. Las
consecuencias de estas
migraciones fueron, en-
tre otras, el crecimiento
poblacional muy desi-
gual.2
Al mismo tiempo,
la colonización francesa
fomentó la migración
hacia la metrópolis, pri-
mero para formar a las
Mapa 1. Mapa político de Senegal. Fuente: Cartes elites colaboracionistas,
administratives du Sénégal. Gouvernement du
y Senegal. Página oficial del Gobierno de Senegal: tras su retorno, obtener
<http://www.gouv.sn/Cartes.html>. mayor poder (Kleider-
macher, 2013), pero
también, para luchar en las filas de su ejército y luego, como parte del
plan de reconstrucción tras la Segunda Guerra Mundial. Este tipo de
iniciativas estaban enmarcadas dentro del Plan Marshall, que promovía
una serie de proyectos que implicaban fomentar las migraciones. Por
ese entonces, los países receptores de inmigración desarrollaron una
política activa de reclutamiento de trabajadores. Los salarios eran muy
altos en comparación a las posibilidades en Senegal, y les permitían a su
regreso comprar autos, casas y otros artículos que les daban prestigio
frente al resto de la comunidad (Jabardo, 2003; Tall y Tandian, 2010).
Todo ello ha dejado secuelas en el imaginario de la población que
ve en la emigración una salida para la obtención de un futuro más prós-
1
En la región de Dakar se concentraba a finales de la década de 1990 casi el 30% de la población
del país, en año 2005 esta cifra se situaba en torno al 23%. El ritmo de crecimiento de la región
de Sant-Louis ha crecido, entre el año 2002 y 2005, a una tasa anual superior al 8% mientras
que la región de Fatick apenas registró un 0.5% anual en el mismo periodo. Véase http://www.
statoids.com/
2
En el año 2005 el 54% de la población se concentraba en el 15% del territorio senegalés. El
patrón de crecimiento de la población se traduce en una fuerte presión sobre la demanda de
bienes y servicios. En este contexto, y a pesar de los niveles de crecimiento registrados por
Senegal en la última década, no se ha observada una mejora sustancial en el PBI per cápita.
110 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Como ya han mencionado diversos investigadores sobre la temá-
tica (Moreno Maestro, 2006; Kaplan, 2003; Riccio, 2004, entre otros), la
emigración facilita la transformación de la producción de la unidad fa-
miliar, ya que la salida de un individuo no significa que el núcleo fami-
liar se rompa o divida, desvinculando a sus miembros; todo lo contrario,
su flexibilidad y movilidad son ventajosas para la dinámica familiar.
Las remesas mantienen el vínculo familiar y la comunicación de manera
constante e ininterrumpida, así como el peso que esta obligación tiene
en la vida de los jóvenes migrantes.
Es decir, las familias proponen y ayudan para el proyecto migra-
torio, ya sea consiguiendo documentos, contactando conocidos en los
lugares de destino, o bien mediante ayudas materiales para la compra
del pasaje y esta ayuda luego debe ser retribuida cuando la persona
llega a destino, generando un círculo para que nuevos jóvenes sean in-
centivados a salir.
Por lo antedicho, la búsqueda de ascenso social, de mejora econó-
mica o, en otros casos, el mandato familiar, llevan a que jóvenes sene-
galeses consideren la emigración como una iniciativa viable. El antece-
dente histórico de movimientos de población intraafricanos, junto con
un conjunto de condiciones locales particulares, presenta esa opción de
vida como una acción deseable en lo personal y apreciada en la esfera
social (Arduino, 2011).
Para la emigración senegalesa en Barcelona, Goldberg observa algo
similar:
112 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
restantes, el nivel de desempleo es comparable al observado en prome-
dio en todo el país (entre 24.6% y 34.8%)4.
Por último, puede mencionarse brevemente la incidencia de la re-
ligión en los movimientos migratorios. El Estado Senegalés es formal-
mente laico, sin embargo, el 80% de su población adscribe a la confesión
musulmana y a su vez el 85% de población musulmana que habita en
Senegal se estructura en hermandades o cofradías. Las cofradías son
definidas como asociaciones de místicos que buscan la unión con lo
sobrenatural a partir de prácticas que llevan a un estado de bienestar
espiritual y por lo tanto, que facilitan en alguna forma la salvación. Las
cofradías sufíes (herederas de la tradición islámica marroquí que llega
al territorio senegalés), surgen a inicios del siglo XVII y cobran cada
vez mayor relevancia al organizar no sólo la vida religiosa sino también
política y económica, actuando como mediadores entre la población
local y las autoridades coloniales. En el caso de la Cofradía Mouride,
endógena de Senegal, combina la enseñanza religiosa con el trabajo, al
principio mediante la producción de maní, y posteriormente, se tras-
ladó a las ciudades cuando una gran sequía asoló el campo senegalés
y forzó el primer éxodo mouride a medidos de los años setenta. Fue
entonces cuando empezaron a ocupar los sectores del comercio (impor-
tación-exportación) o el sector servicios y a extender sus redes por los
cinco continentes. Estas redes en la emigración son potentes, en tanto
que actúan como contención, antes, durante y después del viaje (Evers
Rosander, 1995; Riccio, 2004; Moreno Maestro, 2006; Zubrzycki, 2013;
Kleidermacher, 2013).
114 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
donde se sistematizan algunas de las principales características de las
trayectorias migratorias hacia los tres países donde mayor número de
senegaleses han arribado5. En los tres países se han encontrado algunas
diferencias en la población: la distribución por sexo de la población se-
negalesa de edad adulta en Francia es bastante equilibrada (47% muje-
res), mientras que es fuertemente masculinizada tanto en Italia (12 %)
como en España (15%) (González Ferrer, 2012).
En el mismo informe se observan diferenciación en relación a la
etnia, donde es mayoritaria la presencia de los wolof en Italia (80%), así
como su afiliación mayoritaria a la cofradía Mouride (66%). En cambio,
en España y en Francia la composición étnica y religiosa de la población
senegalesa es más diversa. En Francia, el peso es similar de los wolof
y los pulaar, en España, más de la mitad son wolof pero sólo un tercio
del total son Mourides, lo que indica bastante heterogeneidad religiosa
respecto al caso italiano.
De acuerdo a González Ferrer (2012), hay distinciones también en
la forma de ingreso, de esta forma, los senegaleses residentes en Francia
por lo general se dirigieron a dicho país directamente, sin estancias de
tránsito en países africanos o europeos (sólo un 4 %). En cambio, un 13
% de los senegaleses que estaban en Italia en 2008 había realizado estan-
cias de tránsito en otros países europeos, y un 9% de los que residían en
España habían pasado en su viaje a Europa por otros países africanos.
En conclusión, lo que muestra el informe es que hay importantes
diferencias en la composición y rutas seguidas por los senegaleses en
los tres principales países de destino del continente europeo. González
Ferrer (2012) coincide con otros estudios tradicionales respecto a la mi-
gración senegalesa, en que Francia ha logrado atraer a los senegaleses
originarios de familias mejor formadas y con mayor nivel educativo,
una mayor proporción de mujeres, lo que refleja la antigüedad de los
flujos, y también mayor proporción de estudiantes. En cambio, España,
aparece en el extremo opuesto en cuanto al origen socio-económico y
5
El proyecto fue realizado en el año 2008, se entrevistó en Francia, Italia y España a 200
migrantes senegaleses de entre 25 y 70 años de edad, que habían llegado a Europa siendo ya
adultos.
116 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
pea para la Gestión de la Cooperación Operativa en las Fronteras Exte-
riores de los Estados miembros de la Unión Europea (FRONTEX), cuya
función es vigilar, patrullar y controlar las fronteras marítimas, aéreas
y terrestres. Como observa Gabrielli (2010), estos dispositivos europeos
se suman a los de España, que durante el año 2000 ya había puesto en
marcha su propio Sistema Integrado de Vigilancia Exterior (SIVE), con
los cuales además había incorporado el uso de radares con base en el
sur peninsular y que había extendido hacia las Islas Canarias. De esta
forma, los ingresos a España se vuelven mas complejos, y se torna ne-
cesaria la búsqueda de nuevos destinos, sin con esto querer decir que
se frenaran los flujos migratorios, sino que se han diversificado, los se-
negaleses han buscado nuevos destinos en otros continentes, como es el
caso de Argentina y Brasil en América Latina.
Llegada a la Argentina
118 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Resultado de las dificultades para solicitar el visado, así como de
las trabas administrativas que impone la legislación migratoria argenti-
na para regularizar la condición migratoria de esta población, gran par-
te de los ingresos al territorio argentino se producen por pasos fronte-
rizos no habilitados, conllevando una falta administrativa que dificulta
posteriormente su regularización.
De manera muy breve, cabe mencionar que la Argentina se rige en
materia migratoria por la Ley 25.871 sancionada en diciembre de 2003
y promulgada en enero del año 2004. Dicha legislación prevé criterios
bajo los cuales los migrantes pueden obtener su radicación. En relación
a la obtención de residencias permanentes, pueden obtenerla aquellas
personas que tengan hijos/as o cónyuges argentinos, o quienes hayan
gozado de residencia temporaria por 2 años continuos para Mercosur8 y
3 años continuos para Extra-Mercosur9, entre otros.
Para la obtención de residencias temporarias para ciudadanos ex-
tra-Mercosur, las personas deben encuadrarse en diversas categorías
para poder solicitarlas, siendo las más usuales las de trabajador migran-
te y estudiante. Sin embargo, la Dirección Nacional de Migraciones sólo
reconoce la figura de trabajo formal y registrado, mientras en el colecti-
vo senegalés es la inserción laboral mayoritaria la venta ambulante en el
comercio informal, y por lo tanto no son reconocidos en la categoría de
trabajadores. Asimismo, para ser reconocidos en la misma, el emplea-
dor debe registrarse en el RENURE (Registro Nacional único de requi-
rentes extranjeros).
Sin embargo, es necesario aclarar que la categoría “trabajador mi-
otros investigadores han plasmado en escritos sus reflexiones respecto a estas nuevas presencias,
sobre todo desde la perspectiva del refugio (Kobelinsky, 2003, Cicogna, 2009, Asa et.al, 2010).
8
El bloque Mercosur está actualmente conformado por Argentina, Uruguay, Brasil, Paraguay,
Bolivia y Venezuela, siendo los países con status de Estados Asociados, Chile, Perú, Ecuador,
Colombia, Surinam y Guyana.
9
Con este término se hace referencia a nacionales de países que no son miembros ni asociados
del MERCOSUR, y que, de acuerdo al informe de OIM (2017), atraviesan situaciones
particulares que complejizan el proceso de su inclusión en el país. Tales situaciones vienen dadas
primeramente por una diferenciación en el tratamiento administrativo para su regularización
migratoria, pero también, por la marcada distancia lingüística y socio-cultural respecto de
la sociedad de acogida, sobre todo si se compara su situación con la de aquellas personas
migrantes provenientes de países de la región.
120 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
para los Refugiados (CONARE), que venía siendo testigo del uso de la
petición de refugio como estrategia de radicación de los procedentes de
dichas naciones. Entre 2005 y 2012 aproximadamente 850 personas do-
minicanas y 1.300 personas senegalesas habían solicitado el estatuto de
refugiado ante este organismo. Esto se debía en la mayoría de los casos
a que, al solicitar dicho estatuto, se otorgaba una residencia precaria, la
cual habilitaba a los y las migrantes a trabajar y a entrar y salir del país,
entre otras cosas, si bien de manera temporal y debiendo ser renovada
cada 90 días.
El plan de regularización se orientó a aquellos que residieran en el
país con anterioridad al 1° de julio de 2012 (Disp. 001/2013). Este pro-
ceso también se encontraba asociado a la inscripción en AFIP y pago de
monotributo, por lo cual no todas las peticiones lograron concretarse,
debido a dificultades en el pago, no llegando a obtener la residencia
permanente al cabo de dicho proceso.
Por lo expuesto hasta aquí, gran parte de los residentes senegaleses
en la Argentina cuentan con documentación precaria y se insertan labo-
ralmente en el mercado informal, en la venta ambulante de bijouterie,
ambas situaciones que los torna vulnerables.
Como ya fuera analizado en otros trabajos, la venta ambulante de
bijouterie a la que se dedican la mayoría de los migrantes senegaleses
lleva implícita un factor de riesgo, ya que las personas están “infringien-
do” el Código Contravencional vigente, que según el artículo 83 prohí-
be “impedir u obstaculizar la circulación de personas o vehículos por la
vía pública o espacios públicos, salvo que sea en ejercicio de un derecho
constitucional, y se haya dado previo aviso a la autoridad competen-
te”. Si bien existen opiniones contrapuestas en relación a este artículo
del Código, en la práctica los vendedores ambulantes sufren multas y
decomisos por ocupar con mercadería veredas y paseos públicos (Klei-
dermacher, 2013). En algunos casos, esto los obliga a pagar, como ellos
mismos dicen, “coimas” o “alquileres para permanecer en un lugar”, así
como también multas para retirar mercadería decomisada por la policía
y a cambiar constantemente de lugar. Además, actualmente la política
del gobierno porteño, de prohibir las actividades callejeras de mera sub-
Llegada a Brasil
122 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
den ir desde Dakar (capital de Senegal) hacia San Pablo (capital de Bra-
sil), Rio o Fortaleza, pasando por España o por las Islas de Cabo Verde.
Mientras que los que entran irregularmente viajan desde Dakar hacia
España, y de allí hasta Ecuador, de allí a Perú para finalmente ingresar
a Brasil por las fronteras del Estado de Acre (en el noroeste del país).
En su tesis de maestría, Ménard Marleau, (2018) ha analizado los flujos
de senegaleses en el Sur de América Latina, particularmente ha anali-
zado los movimientos de senegaleses desde Ecuador hacia Brasil, rutas
que se han popularizado en los últimos años debido a las dificultades
impuestas por el gobierno brasilero para el ingreso de población sene-
galesa y haitiana.
La elección de Ecuador como primer destino de arribo en América
Latina se debe a la suspensión de visado que el país estableció a media-
dos del 2008, cuando el Gobierno decretó el libre ingreso a Ecuador para
los ciudadanos del mundo. Sin embargo, dos años después, en septiem-
bre del 2010, la Cancillería exigió visado a los extranjeros nacidos en Af-
ganistán, Bangladesh, Eritrea, Etiopía, Kenia, Nepal, Nigeria, Pakistán
y Somalia por el flujo inusual que hubo entre el 2008 y 2010. Y posterior-
mente adicionó entre otros países a Senegal. La medida fue tomada por
el Ministerio de Relaciones Exteriores y Movilidad Humana conforme
al Acuerdo Ministerial N. 000088, que en un solo artículo decide: “Esta-
blecer el requerimiento de visa de ingreso al país para los ciudadanos de
la República de Senegal”, a partir del 16 de noviembre de 2015.
De esta forma, datos de Migración ecuatoriana refieren que entre
2012 y 2014, 3458 senegaleses ingresaron vía aérea a territorio ecuato-
riano. Apenas el 3,9% reportó su salida. Es decir, 3320 permanecen, en
teoría, en el país.10 La razón es que su salida ocurre de manera irregular,
tratando de llegar a Brasil o a la Argentina.
En relación a Brasil, Espeiorin (2014), observa que sus ingresos se
han incrementado a partir del 2012, y que en su mayoría se producen
previo arribo a Ecuador. De acuerdo a los estudios de académicos bra-
sileros, la mayor parte del colectivo senegalés se establece entre San Pa-
https://www.elcomercio.com/actualidad/ecuador-migracion-ilegal-senegaleses-argentina.
10
html
124 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Analizaremos en el siguiente apartado las rutas y movilidades del
colectivo entre estos países, así como la importancia de las redes trans-
nacionales en la conformación de estos espacios de tránsito, movilidad
y asentamiento temporario.
126 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
el autor demuestra que el cambio radical en las cantidades de arribos y
el equilibrio de los saldos migratorios coincide con que a principios de
2016 el gobierno ecuatoriano restringió el ingreso sin visa de senegale-
ses, circunstancia que acabó de forma abrupta con las posibilidades de
ingreso fáciles y regularizadas a territorio ecuatoriano
Estos cambios revelan las diversas estrategias a las que acuden los
migrantes internacionales en general, y en este caso, los senegaleses en
particular, frente a las barreras que encuentran para el ingreso a los di-
versos países que se constituyen en destinos. “Frente a un escenario de
cierre y securitización generalizado y global, los contextos nacionales
suponen ventanas de oportunidad que en una coyuntura concreta pro-
picien el tránsito migratorio mediante la conformación de espacios arti-
culadores entre rutas internacionales” (Ménard Marleau, 2018:94).
Así como lo fue Ecuador durante algunos años, tal vez otros países
emerjan como espacios de tránsito. Sin embargo, la dinámica de movili-
dad entre Brasil y Argentina supone no sólo una estrategia para sortear
las barreras que el ingreso regular al país austral supone, ante la falta
de representación diplomática donde solicitar visado, sino también, un
espacio de circulación de mercancías, de dinero y de personas, ante con-
textos cada vez más hostiles para la inserción del colectivo.
En diversas entrevistas y conversaciones informales realizadas a
población de origen senegalés durante el año 2018, han manifestado
las dificultades que encuentran para enviar remesas a sus familias, eje
central de su proyecto migratorio. A las dificultades económicas que el
cambio del valor del dólar ha suscitado11, debe adicionarse el menor po-
der adquisitivo de la población, que repercute en la disminución de las
ventas de los productos que comercializan, así como los conflictos que
el Decreto de Necesidad y Urgencia (DNU 70/2017) ha generado en las
condiciones de vida12.
11
El valor del dólar en 2018 se elevó hasta niveles récord en la historia, en solo tres meses
se encareció más de 50%, esto ha sido denominado por algunos especialistas como la “crisis
cambiaria”, cuyas consecuencias han sido altos niveles de inflación que según un reciente
sondeo del Banco Central (BCRA), es probable que hacia fin de año la inflación retorne al
40%. https://elcomercio.pe/economia/mundo/argentina-sacudida-crisis-cambiaria-vez-
noticia-556118
12
El DNU ha incorporado un procedimiento migratorio especial sumarísimo aplicable a
Palabras finales
128 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
se convierte en una estrategia de movilidad que permite a los migrantes
concretar su proyecto migratorio y mitigar las restricciones impuestas
en los lugares de destino.
Las migraciones no van a detenerse por el cierre de fronteras es
algo que ya ha sido ampliamente demostrado, solo se modifican las
rutas, se buscan nuevas estrategias para sortear las dificultades en el
ingreso y luego, los distintos obstáculos que presenta el capitalismo glo-
bal, ampliando los destinos, siempre en estrecha relación con las redes
transnacionales de la comunidad que apoyan estos movimientos.
En este sentido, la movilidad de los senegaleses y los cambios de
rutas han combinado las crisis económicas con las barreras a la migra-
ción políticas y la importancia de las redes en la configuración de nue-
vos destinos entre los que se destacan nuevas rutas en el Sur de América
Latina.
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132 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
INSERÇÃO, TRABALHO, GÊNERO
133
Imigração senegalesa: múltiplos olhares
Vendedora de artesanato, praia de
Toubab Djalaw. Foto: Juliana Rossa,
com curadoria de Marcia Marchetto.
134
Apresentação
Migrações internacionais:
a inserção de senegaleses numa cidade média
no Sul do Brasil
Vania B. M. Herédia
A
Universidade de Caxias do Sul (UCS), por meio de seu Núcleo de
Estudos Migratórios, tem se dedicado à pesquisa acerca de fenô-
menos migratórios. O Núcleo que foi criado em 1993, vinculado ao
Diretório do CNPq, tem realizado dezenas de pesquisas com o obje-
tivo de explicitar os movimentos migratórios que ocorrem no Sul do
Brasil. Esse núcleo nasceu com a intenção de elaborar estudos sobre as
migrações históricas que deram origem às cidades que estão localizadas
no Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul e que foram criadas por
movimentos migratórios no século XIX, favorecidos pela política do go-
verno imperial. Caxias do Sul tem sido objeto desses estudos e é uma
cidade que foi constituída por diversos fluxos que se instalaram em seu
território, atraídos pela possibilidade de terra, trabalho, prosperidade e
riqueza.
Durante mais de um século, as migrações que se destinaram à ci-
dade de Caxias do Sul foram sempre internas, o que reflete que não
136 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
p. 5). Esse raciocínio evidencia que a mobilidade está sujeita às regras
estabelecidas pelo Estado nacional e pelo controle de suas fronteiras.
Entende como estrangeiro aquele que não é nacional, que está fora de
suas fronteiras, salientando o papel da identidade e da alteridade como
um jogo dialético, definido por aqueles que fazem parte “da comunida-
de política herdeiros das doutrinas nacionalistas” (Zanfrini, 2016, p. 5).
Na análise “sobre migrações, refugiados e minorias étnicas” (Zanfrini,
2016), chama a atenção que o Estado se desmemoriza quando esquece
que o estado se constitui por fluxos migratórios em sua origem e que
essa “amenésia histórica” indica o que não quer recordar. Lembra e cita
os estudos de Ravenstein, os quais não separavam migrações internas
de externas e refletiam o sentido liberal do deslocamento daqueles que
tinham condições de se deslocar livremente. Desde a literatura escrita
por Ravenstein (1885), quando escreveu “As leis de migração”, essa as-
sociação é feita e comprova os deslocamentos populacionais em busca
de trabalho e condições de subsistência, ainda no período da Revolução
Industrial. Esse autor, um dos mais importantes do século XIX, desen-
volve um raciocínio, mostrando as características dos movimentos po-
pulacionais, seja pela repetição, pela sucessão, pela distância quanto pe-
las etapas, numa demonstração da importância desse fenômeno para a
sociedade moderna e urbano-industrial. Essa base teórica inicial gerou,
por meio de um controle de evidências empíricas, uma série de padrões
que marcaram os estudos de mobilidade populacional.
Muitos anos depois da divulgação da teoria de Ravestein (1885),
Lee escreve uma “teoria sobre migração”, em que afirma que a “decisão
de migrar está sempre vinculada a uma escolha racional entre os fatores
positivos e negativos mediatizados nesta teoria pela maior ou menor
força dos chamados fatores intervenientes entre essas duas áreas” (1996,
p.36). Essa forma de explicar, que o autor chama fatores de atração e
fatores de expulsão, também se encontra em Singer (1998), quando trata
das migrações. É oportuna a referência porque na explicação de Singer
fica claro o vínculo com as condições históricas que o sistema possui e
o próprio sistema que vive dessas relações. Nesse sentido, a visão de
Singer traz para a discussão a migração, como “mecanismo de redis-
138 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Migração em cidades médias
140 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
O Município de Caxias do Sul, criado em 1890, tornou-se um centro
de comércio e de indústria em relação aos municípios vizinhos, consi-
derado também um centro regional de bens e serviços. O processo mi-
gratório nesse município, até 2010, foi marcado por migrações internas
e apenas a partir daquele ano é que começaram a ocorrer migrações
internacionais em grande volume.
Frequência
SEXO
Absoluta Percentual
Masculino 515 99,04
Feminino 5 0,96
TOTAL 520 100
Tabela 1. Distribuição absoluta e percentual do sexo dos senegaleses
cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações
internacionais: deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de
Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao
Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele Buffon (Probic/
Fapergs).
Frequência
ESTADO CIVIL
Absoluta Percentual
Solteiro (a) 284 54,62
Casado (a) 194 37,31
Separado/divorciado (a) 8 1,54
Não informado 34 6,54
TOTAL 520 100
Tabela 2. Distribuição absoluta e percentual do estado civil dos senegaleses cadastrados
no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais: deslocamentos e
dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações:
Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele
Buffon (Probic/Fapergs).
142 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
uma vez que a independência da França ocorreu apenas em abril de
1960, o que o torna um país com experiência republicana recente. É um
Estado laico, e o islamismo é a religião predominante.
Frequência
GRAU DE INSTRUÇÃO
Absoluta Percentual
Alfabetizado 19 3,65
Analfabeto 30 5,77
Fundamental incompleto 272 52,31
Fundamental completo 55 10,58
Médio incompleto 31 5,96
Médio completo 52 10,00
Superior incompleto 14 2,69
Superior completo 6 1,15
Não informado 41 7,88
TOTAL 520 100
Tabela 3. Distribuição absoluta e percentual do grau de instrução dos senegaleses
cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais:
deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco
de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos
dados: Daniele Buffon (Probic/Fapergs).
Frequência
FAIXA ETÁRIA
Absoluta Percentual
Menos de 20 anos 30 5,77
De 21 a 30 anos 279 53,65
De 31 a 40 anos 177 34,04
De 41 a 50 anos 29 5,58
Mais de 50 anos 1 0,19
Não informado 4 0,77
TOTAL 520 100
Tabela 4. Distribuição absoluta e percentual por faixa etária dos senegaleses
cadastrados no CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais: deslocamentos
e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações:
Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele
Buffon (Probic/Fapergs).
MERCADO DE Frequência
TRABALHO Absoluta Percentual
Autônomo informal 6 1,15
Autônomo formal 2 0,38
Empregado regular 38 7,31
Empregado irregular 1 0,38
Desempregado 425 81,73
Não informado 48 9,23
TOTAL 520 100
Tabela 5. Distribuição absoluta e percentual da situação no mercado de trabalho
dos senegaleses cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações
internacionais: deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do
Sul, 2018. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Daniele Buffon (Probic/Fapergs).
144 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Os setores que empregam são: o de frigoríficos, da construção civil e de
serviços. É frequente a atividade de comércio ambulante.
Nas entrevistas, alguns senegaleses explicitaram o motivo da mi-
gração. Afirmaram que a migração faz parte da cultura do seu país e
que migram em busca de trabalho para o sustento dos que ficam. Regis-
tram que a viagem é muito difícil e que nem sempre tinham dimensão
da cultura do Brasil e da grandeza do seu território.
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148 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Migrazioni senegalesi in Italia:
Focus Femmes
Emanuela Gamberoni
Papa Demba Fall
N
ell’ambito dei movimenti migratori della popolazione africana, con-
siderazione crescente è riservata alla migrazione femminile.
Ciò rispecchia la più ampia attenzione internazionale alla don-
na africana: il 2010-2020 è stato decretato dall’Unione Africana (UA),
durante il Forum di Nairobi, il Decennio delle Donne Africane2. Nel
1
Cineasta franco-senegalese. Intervista al MCCMediaDubai, durante il DIFF ’13 - 10th Dubai
International Film Festival, December 6-14, 2013, in occasione della presentazione del suo
lungometraggio Des étoiles (Under the starry sky), France/Sénégal, 88’. La pellicola affronta il tema
delle migrazioni internazionali e si sviluppa sull’intreccio delle storie di migrazione fra Torino,
Dakar e New York. di tre giovani senegalesi, Abdoulaye, Thierno e Sophie, con particolare
riferimento a quest’ultima e alla migrazione femminile.
2
Gli obiettivi fissati toccano imprescindibili aspetti sociali, economici, sanitari e di empowerment.
Nello specifico: 1- Combattere la povertà attraverso l’autonomia e l’intraprendenza economica
delle donne. 2- Combattere la fame agendo sull’agricoltura e la sicurezza alimentare.
7
Secondo Castles e Miller (2012) la femminilizzazione della migrazione è una delle sei tendenze
dell’epoca attuale, epoca riconosciuta e definita dagli Autori “era delle migrazioni”. Per l’Italia
vedasi Cristaldi, 2006. E’ peraltro da ricordare che si è avuta una vera e propria “invisibilità”
della migrazione femminile nel panorama migratorio complessivo (Russo Krauss, 2001 e 2003)
che ha portato ad una iniziale sottostima della donna come attrice dello sviluppo.
8
Nel 1990 46,6%; nel 2000 47,2%; nel 2010 46,1% e nel 2013 45,9% (WHO, 2018, p. 4).
9
Pare opportuno ricordare che l’Italia è un paese esemplificativo della “transizione migratoria”
(Castles e Miller, 2012): si identifica con il 1972 (Krasna, 2009) l’anno dell’inversione di tendenza
per cui il flusso migratorio in uscita è stato superato da quello in entrata.
10
Dati assoluti: nel 2002 maschi 283.989, femmine 180.594, totale 464.583. Nel 2010 maschi
585.628, femmine 400.843, totale 986.471. Nel 2017 totale maschi 673.573 femmine 422.516
tot 1.096.089. (demo.istat.it).
11
Si ricordano: Casella Paltrinieri (2006), Castagnone e altri (2005), Castagnone (2006), Ceschi
(2006a, 2006b; 2012); Perrone (1995, 2001, 2004), Riccio (2001, 2006, 2007), Schmidt di
Friedberg (1993, 1994).
14
Questo comportamento si rivela ancora oggi peculiare nelle giovani diola della Casamance
e nelle donne sérér del Sine, area identificabile con la parte occidentale dell’attuale regione di
Fatick (Fall, 2010).
15
Cfr.: Ba, 2008; Blanchard, 2008, Dianka, 2012.
16
Pare opportuno ricordare una particolare migrazione femminile, che esula dalle forme di
spostamento tese al miglioramento delle condizioni basilari di vita ma che è finalizzata a ingenti
attività commerciali e d’affari. Le Adja sono vere e proprie donne d’affari, che si muovono per
il rifornimento di merce tra il Senegal e importanti capitali internazionali - Casablanca, Dubai,
Istanbul, New York e più recentemente Bangkok e Pechino - (Fall, 2010). Anche il termine
Noria cioè “commercio della valigia” (Djieba e altri, 2001) definisce questo tipo di spostamento.
17
Per approfondimenti si vedano i materiali prodotti da specifiche progettualità quali
EUMAGINE Project - Imagining Europe from the Outside e il MAFE Project -The Migrations between
Africa and Europe Projected, con particolare riferimento alla conferenza finale Comparative and
Multi-sited Approaches to International Migration, Paris, 12-14 December 2012. (https://mafeproject.site.
ined.fr/en/events/final_conference/).
18
Si ricorda che attualmente il Senegal si articola in 14 regioni amministrative. Il censimento del
2002 - su cui si basano alcuni documenti quali il SES 2011 (ANSD, 2013) o i primi rapporti di
ricerca del MAFE project - riporta invece la vecchia suddivisione territoriale in undici regioni. Le
tre nuove regioni istituite nel 2008 sono Kaffrine, scorporata da quella di Kaolack; Kédougou,
prima assieme a Tambacounda, e Sédhiou, compresa nella regione di Kolda. Tale aspetto incide
ovviamente sulla comparabilità dei dati delle regioni interessate a tale riordino amministrativo.
19
Precedentemente la stragrande maggioranza delle donne senegalesi partiva dalla regione
di Dakar (37,8%), a cui seguivano Ziguinchor (12,8%) e Saint-Louis (12%) (ANSD, 2013).
Il progressivo incremento della componente femminile nella migrazione internazionale è
stato registrato come un fenomeno più intenso nel Dipartimento di Dakar (40,73%) rispetto
alla banlieue (26,77%) e alle altre regioni (22,59%) dove l’emigrazione rimane “une «affaire
d’hommes» signe que la femme est maintenue dans un rôle traditionnel. Les raisons qui poussent
les femmes à migrer sont souvent d’ordre familial (famille, mariage)” (ANSD, 2013, pp. 49-50).
20
L’area di Matam - e più in generale della Valle del fiume Senegal - ha per tradizione un
forte peso nella migrazione senegalese: “Il primo elemento da sottolineare è la centralità
che la migrazione tuttora riveste nell’opinione degli intervistati, e il suo ruolo fondamentale
nell’economia e nello sviluppo del paese.” (Fall e Gamberoni, 2010; Attanasio, 2018).
21
I trasferimenti di fondi da parte dei migranti internazionali residenti al di fuori del continente
africano arrivano soprattutto da Italia (28,8%), Francia (18,3%) e Spagna (13,4%) (DMC, 2013).
Dall’Italia durante il 2016 “sono stati inviati in Senegal 279,1 milioni di euro, pari al 6,9% del
totale delle rimesse in uscita, dato che colloca la Nazione in esame [Senegal] in terza posizione per
ammontare degli importi” (Anpal servizi, 2017, p. 66) sulle prime venti destinazioni considerate
nonché la prima di tutto il continente africano. Resta fondamentale il ruolo delle rimesse per
il sostegno familiare e per lo sviluppo locale se si pensa che è quattro volte il totale degli
Investimenti Diretti Esteri e due volte il totale dell’Aiuto Pubblico allo Sviluppo, quantità che
sicuramente è più consistente inglobando sia il denaro che sfugge ai canali ufficiali - in quanto
movimentato attraverso quelli familiari e amicali - sia i beni materiali.
22
Si precisa che nel presente articolo si utilizzano i dati statistici riferiti alla categoria stranieri
residenti. Nel 1991 compare il primo dato statistico relativo alle residenze degli stranieri di
cittadinanza senegalese: 10.603 unità. Tale valore nel censimento del 2001 aumenta a 31.174
residenti, con un incremento, quindi, del 194% (https://www4.istat.it/it/prodotti/banche-dati/serie-
storiche).
23
Dati Istat 31.12.2017.
Fig. 2. Aumento
della variazione
percentuale
femminile (F)
e maschile (M)
senegalese
a partire dal
2002. (Fonte:
elaborazione da
dati Istat in demo.
istat.it).
Per questo aspetto si fa riferimento a: elaborazione dati Istat cittadini stranieri – Bilancio
24
30
Espressione utilizzata da una donna senegalese emigrata in Spagna e Italia, in quel momento
rientrata per un periodo di ferie a Saint Louis durante un’intervista raccolta in una fase di
indagine diretta sul campo.
La migrazione continua
31
Blanchard (2011) studiando le immigrate senegalesi a Marsiglia ben sottolinea la compresenza
di diverse valenze nel loro essere migranti e nello svolgere attività economiche, implicate “dans
des parcours solitaires et/ou individualistes et aspirant à une réussite personnelle” (p. 156).
32
Un passaggio dell’intervista rilasciata nel 2013 dalla regista Diana Gaye a Nicolas Gilson
durante il FIFF - Festival International du Film Francophone de Namur. Proprio riguardo
al significato dell’esperienza migratoria internazionale di Sophie, che rappresenta la sfera
migratoria femminile, la stessa regista ne afferma la centralità e la peculiarità nella narrazione
complessiva dei tre destini che non si toccano mai spazialmente ma che sono comunque
intrecciati a distanza per sentimenti, situazioni, immaginazioni, spinta alla libertà (https://www.
youtube.com/watch?v=ORiwscN8ZZU). Il film è stato presentato anche in Italia, in festival di
cinema ed eventi dedicati, come ad esempio il 34° Festival di Cinema Africano di Verona 2014 e
À Travers Dakar, iniziativa sul cinema senegalese organizzata da Progetto Diritti e Roma-Dakar
(https://www.romadakar.org/2015/10/01/a-travers-dakar).
33
“The ambition to migrate is reflected in people’s role models, or nawle. A nawle for the
Wolof is someone to imitate, to ensure that you make the right choices. In this respect, it is
not uncommon to hear a mother rebuking her son, telling him to do as his nawle does and
migrate to become a local role model. Pressure from one’s own family, and particularly from
one’s mother, is a decisive factor in migration. Dimé, a worker, describes the situation before
his departure, saying: “A day did not pass without my mother showing me the building that my friend
had constructed for his mother.” The role of women is crucial in influencing a son’s or husband’s
decision to migrate. The pressure they can bring to bear can lead many a son or husband to use
clandestine channels, thus endangering their lives” (Sall e altri, p. 25).
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A
maior parte das abordagens dos fenômenos migratórios foca-se
nas causas econômicas que interferem nas decisões dos sujeitos
que migram. Contudo, a literatura contemporânea sobre o assun-
to assinala que são múltiplos os fatores que provocam a mobilização
de pessoas para além das fronteiras de seus países de origem (Patarra,
2006; Martes,1999; Seyferth, 2011). No que diz respeito aos senegaleses,
a migração corresponde a projetos de vida familiares não associados à
pobreza, quem migra conta com recursos financeiros dos membros da
família para se mobilizar (Talli, 2002). O que influenciam são as condi-
ções estruturais do Senegal como secas, contaminação das águas, déficit
orçamentário, entre outros (Thiam; Crowley, 2014)..
Da ótica dos senegaleses, migrar é um investimento em conheci-
mento e em capital financeiro que visa garantir a subsistência de to-
dos os membros da família (Heredia; Gonçalves, 2017). Os movimentos
176 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
de viagens que presta serviço de envio de remessas de dinheiro para
o exterior, da qual senegaleses e haitianos são fregueses, dizer: “acabo
de passar um susto, entrou no elevador um negão que veio correndo e
eu pensei: pronto vou ser assaltado”. Tratava-se de um migrante negro
(haitiano ou senegalês) que corria para chegar ao elevador antes que
fechassem as portas.
Como o contingente migratório haitiano em Lajeado é maior que o
senegalês (são em torno de 5841 haitianos e 38 senegaleses), a população
local faz generalizações, para ela todos os migrantes negros são haitia-
nos. Diante do qual, tanto haitianos quanto senegaleses expressam in-
dignação e tentam, quando têm oportunidade, deixar claras as frontei-
ras entre eles, invisíveis para as pessoas da cidade, porém marcadas por
diferenças culturais acentudas, evidentes na esfera religiosa.
A visibilidade dos senegaleses é mediada pela imprensa local, a
associação de comerciantes e representantes da administração local por
desenvolverem o comércio de rua, prática “ilegal” conforme os regula-
mentos da prefeitura de Lajeado. Evocando a referência de Bourdieu a
Platão, neste contexto, estes migrantes situam-se no lugar do “bastar-
do”, “na fronteira entre o ser e o não ser social” (1998, p. 11). Suscitam
um incômodo que obriga a repensar a questão dos fundamentos legíti-
mos do acesso à cidadania do migrante nesta cidade. Mas, que cidade é
essa? Como se dá a relação entre os migrantes senegaleses e a cidade de
Lajeado? Questões que tratamos nos seguintes itens.
178 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
abrigado fluxos populacionais de procedências diversas, entre elas as
de origem alemã, italiana e açoriana2. Desde 2012, o fluxo de migrantes
do Haiti, Senegal, Bangladesh, Nigéria, Gana, Afeganistão, Colômbia,
Índia e Paquistão compõem a população de residência, mesmo que tem-
porária, na cidade3.
O principal setor da economia de Lajeado é a indústria (IBGE,
2016), setor “bastante diversificado, com destaque principalmente ao
ramo de produtos alimentícios e bebidas”. As empresas dinamizadoras
dos fluxos populacionais e das transformações sócio espaciais no mu-
nicípio de Lajeado são a Minuano4 e a BRF.5 Para suprir a demanda de
trabalho, a Minuano e a BRF se beneficiaram de mão de obra excedente,
provenientes de áreas rurais e urbanas do município e de regiões menos
dinâmicas economicamente do Estado. A partir de 2012 foram favoreci-
das pelos fluxos migratórios internacionais.
Mesmo que Lajedo seja a maior cidade do Vale do Taquari, no Rio
Grande do Sul, ao se comparar com as grandes metrópoles, o processo
migratório apresenta certas especificidades. A análise fundamenta-se
nas peculiaridades da migração numa pequena cidade, sob os pressu-
postos teóricos de Glick Schiller e Çaglar (2011), conforme os quais, o
que caracteriza esta cidade de pequena escala não é o tamanho físico e
2
Dados da Fundação de Economia e Estatística, 2016. Disponível em: < https://www.fee.
rs.gov.br/perfil-socioeconomico/coredes/detalhe/?corede=Vale+do+Taquari>. Acesso em:
08 mar. 2018.
3
Dados obtidos na pesquisa de campo no ano de 2017, em entrevista dirigida com funcionário
da prefeitura de Lajeado que trabalha no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da
cidade e colabora, principalmente, no acolhimento aos migrantes e refugiados.
4
De acordo com informações disponíveis no site da empresa, “a Minuano é uma operação
verticalizada na integração avícola, possuindo desde granja de matrizes até produção e abate
de aves, garantindo a qualidade em cada parte do processo. O parque industrial é composto
por uma fábrica de industrializados, incubatório, granjas de matrizes, dois abatedouros de aves
e fábrica de rações” e, “em 2003 firmou contrato de parceria de prestação de serviços com a
empresa Sadia, atual BRF Foods, que permanece em vigor”. Disponível em: <https://www.
minuano.com.br/nossa-historia>. Acesso em: 30 jul. 2018.
5
A BRF se tornou “uma das maiores companhias de alimentos do mundo, graças ao
nascimento de suas principais marcas [....]; conta com mais de 30 marcas, entre elas as gigantes
Sadia e Perdigão; a empresa conta com, além dos colaboradores BRF, o apoio de mais de 13 mil
produtores integrados, mais de 30 mil fornecedores (4 mil apenas de grãos, farelos e óleos)”.
Informações disponíveis em: <https://www.brf-global.com/sobre/a-brf/quem-somos/>.
Acesso em: 30 jul. 2018.
180 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
khadim TV Etat, para ouvir cantos religiosos, assistir noticiários e no-
velas. As informações sobre as festas religiosas as encontram no canal
youtube: Toubabrasil.
O dono e gestor desse empreendimento, um senegalês que chegou
em 2014 na cidade, é um líder entre os senegaleses de Lajeado, intervém
como mediador entre seus conterrâneos e as instituições públicas da
cidade. Fato evidenciado, por exemplo, em 2016, quando ele solicita à
prefeitura de Lajeado a autorização para os senegaleses fazerem uma
peregrinação religiosa por uma das ruas principais do centro de Lajea-
do. Mas o pedido foi negado, causando decepção nos senegaleses, já
que é uma prática realizada para lembrar a peregrinação a Touba na
Festa do Magal. Essa celebração é feita pelos senegaleses nos locais de
migração (Ndiaye; Gonçalves; Moojen, 2015).
O líder senegalês se queixa da falta de apoio da prefeitura de Lajea-
do, não oferece local para desenvolver as práticas religiosas muçulma-
nas na cidade, e compara a situação com a experiência de senegaleses
em Caxias do Sul e em Porto Alegre, onde as respectivas prefeituras
emprestam a sede da assembleia municipal para realizarem festas reli-
giosas. Esse líder senegalês é mediador com outras instituições públicas
que prestam serviço aos migrantes como aulas de português e emis-
são de documentos. É mediador também entre os recém-chegados e os
representantes dos frigoríficos que contratam migrantes senegaleses
muçulmanos. Solicita ao conterrâneo, supervisor do abate halal num
frigorífico, a contratação de conterrâneos recém-chegados à cidade. O
qual, segundo o supervisor, gera tensões porque é frequente que estes
permaneçam trabalhando poucos meses, e muitos deles utilizem algum
pretexto para abrir processo judicial contra a empresa.
A maior parte deles deixou a esposa no Senegal, então suas mulhe-
res participam do projeto migratório sem sair do Senegal, tomam conta
dos filhos, da casa, e às vezes dos empreendimentos econômicos que os
migrantes deixaram, participam das famílias transnacionais no Senegal.
No quartier populaire do Grand Dakar, cerca de 50 por cento dos pro-
prietários migraram para o estrangeiro e os novos proprietários passam
a ser mulheres (Buggenhagen, 2011). As mulheres que permanecem no
182 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
país de origem é indicativo da ligação dos migrantes com o modo de
vida no país natal, reconfigurado no local de assentamento. Portanto,
nesta mobilidade estão envolvidas tanto as pessoas quanto representa-
ções sociais acerca de práticas culturais. As migrantes senegalesas em
Lajeado também contribuem a manter o vínculo com a cultura de ori-
gem reproduzindo padrões de comportamento nas relações de gênero,
fundamentado numa ideologia religiosa que enfatiza a submissão e a
obediência das mulheres aos homens (Rosander, 2010).
Elas ajudam nos empreendimentos comerciais dos maridos, uma
na Loja de M. e a outra no comércio ambulante, além de realizar as tare-
fas domésticas em suas respectivas moradias. Assumem a responsabili-
dade pelo negócio quando eles se ausentam de Lajeado, seja porque eles
vão participar de feiras ou vendas em outras cidades, seja porque vão
participar das reuniões da associação de migrantes senegaleses. Os dois
maridos são representantes da associação de senegaleses no Rio Grande
do Sul, e, pela posição que ocupam, são convocados para reuniões em
outras cidades do Rio Grande do Sul onde tratam de assuntos relacio-
nados a festas religiosas, que acontecem de acordo com o calendário lu-
nar, e outros eventos sociais, informações que depois são comunicadas a
seus conterrâneos na dahira de Lajeado. A dahira é uma associação local
de membros da confraria mouride, presente no mundo dos senegaleses.
É local de encontro, de oração e de recitação de poemas do líder Bamba
Mbacke, mas também local de prestação de apoio mútuo, troca de infor-
mações e de interações comerciais (Heil, 2018). Em Lajeado os senega-
leses realizam reuniões religiosas semanais nas casas dos imigrantes de
Lajeado, seja na casa do líder ou de senegaleses que moram próximos
da BRF. Quando indispensável, eles se organizam e alugam com recur-
sos próprios uma sede na cidade.
Em Lajeado, os espaços de interação dos migrantes senegaleses com
as pessoas da cidade são limitados, principalmente pela xenofobia e o
racismo dos nativos. Os migrantes reagem reforçando as identidades de
origem nacional através do desenvolvimento de práticas religiosas na
língua materna, promovem rituais sociais, celebrações, reúnem-se em
associações e preparam comidas típicas do país de origem com os ingre-
184 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
A esfera de trabalho na identidade religiosa transnacional
186 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
global em Certificação Halal e mantém parcerias com empresas mun-
diais de alimentos. Estas empresas atendem as exigências do consumi-
dor muçulmano e oferecem produtos alimentícios Halal, elaborados
conforme os requisitos legais da religião islâmica em todo o processo de
produção (Tedesco, 2018), gerando sempre oportunidades de negócios
e de valor compartilhado com a sociedade brasileira6.
A empresa que emite o certificado Halal fiscaliza toda cadeia pro-
dutiva, a fim de que as normas e regras sejam cumpridas desde a pro-
dução até a embalagem e a estocagem. Nesse processo, as empresas
exportadoras de produtos com certificação Halal, neste caso os dois fri-
goríficos de Lajeado que processam o frango, precisam estar “adapta-
dos” às regras que envolvem tanto o processo produtivo como o abate
Halal.
Para o abate são contratados funcionários homens, preferencial-
mente muçulmanos. O local de trabalho deve dispor de uma sala para
as orações que os funcionários realizam durante o dia. A alimentação
servida pela empresa aos encarregados do abate é preparada conside-
rando proibições alimentícias dos muçulmanos, como o consumo de
carne de porco e de alimentos que contenham álcool na produção.
A sala onde se faz a sangria deve estar virada para Meca, o peito do
frango quando entra na sala para a sangria também precisa estar vira-
do para Meca, na entrada da sala há uma frase, Em nome de Deus, Deus
é maior, que cada funcionário deve proferir no início do abate, “é uma
forma de pedir perdão pelo sacrifício daquele animal”, disse o fiscal.
No processo, o animal não pode sofrer, a faca utilizada deve estar bem
afiada para passar apenas uma vez. Todas as ferramentas utilizadas no
abate Halal não podem ser usadas em outros abates ou outros fins.
Na organização do trabalho no abate Halal se dividem os funcioná-
rios em duas equipes, enquanto uma trabalha (uma hora) a outra faz in-
tervalo (uma hora). Nas quatro horas de recesso, os senegaleses passam
o tempo “conectados” através dos celulares com o país de origem, seja
6
http://www.cdialhalal.com.br/a-cdial-halal/. In: Halal: tendência mundial para quem busca
novos mercados. A comercialização depende das demandas http://www.revista-fi.com/
materias/115.pdf
188 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
de Lajeado na certificação halal, mas como não havia muçulmanos, o
ritual era feito por brasileiros católicos ou judeus, portanto não tinham a
mesma conectividade que existe hoje com a cultura muçulmana, quan-
do o ritual é realizado por correligionários.
A participação dos migrantes senegaleses nesta atividade contribui
a gerar recursos financeiros elevados aos frigoríficos de Lajeado. En-
tre 30 e 60 % da produção é direcionada para o mercado externo mu-
çulmano, condicionado por políticas internacionais, informa o fiscal da
CDIAL. Este mercado movimenta anualmente no mundo trilhões de
dólares. Valor que contribui no crescimento e na reposição da cidade
e das que estão transnacionalmente vinculados. Contudo a população
local desconhece a atuação destes migrantes na certificação Halal e sua
influencia nos mercados. Não reconhecem os migrantes internacionais
como atores significativos na reconstituição econômica e política de ci-
dades como Lajeado, afetada pela competição global por investimento,
pela mudança na economia industrial e por pressões do mercado. Como
argumentam Glick-Schiller e Çaglar (2011), a migração, quando consi-
derada localmente, é parte da reestruturação global e do remanejamen-
to da vida urbana.
Considerações finais
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190 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
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192 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
Participação feminina nos fluxos
migratórios de senegaleses para o
Rio Grande do Sul
O
trecho, extraído da obra Aventura Ambígua, do escritor senegalês
Cheikh Hamidou Kane (1928- ), nos parece apropriado para intro-
duzir a tarefa de trazer à luz, a partir do contexto do estudo sobre o
fluxo migratório senegalês para estado do Rio Grande do Sul, algumas
notas sobre a participação das mulheres nesse movimento. Já de início
devemos indicar que se trata de uma tarefa incompleta, mas absolu-
tamente necessária uma vez que vem ajudar a preencher uma lacuna
194 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
–“a velha Rella” –, representa a reflexão do autor sobre os desafios que
a sociedade senegalesa vem enfrentando. Já há algum tempo os sene-
galeses vêm-se diante da complexa tarefa de equilibrar o “tradicional”
e o “moderno” na vida cotidiana de um país que em pouco tempo pas-
sou por profundas transformações com o advento da independência
colonial e da urbanização. É nos diálogos travados por Realíssima, e,
portanto, pelas mulheres, que Kane articula os dilemas pautados por
esse desafio. Também foi nas trajetórias das mulheres senegalesas que
tivemos o privilégio de vislumbrar processos de mudança vivenciados
pela comunidade migrante senegalesa como um todo e pelas mulheres
de modo especial.
No intuito de situar a reflexão que aqui nos propomos fazer, ini-
cialmente trazemos alguns aspectos do marco teórico que vem sendo
utilizado para discutir o tema das migrações e do gênero. Em um pri-
meiro momento, apresentamos uma breve referência sobre as intersec-
ções que vêm ocorrendo amplamente no debate sobre a participação
das mulheres em processos migratórios. Em um segundo momento, te-
cemos algumas notas sobre dinâmicas de participação das mulheres no
fluxo migratório dos senegaleses para o Rio Grande do Sul recolhidas a
partir da análise de material de campo coletado pela autora no contexto
da pesquisa vinculada ao trabalho de tese1 (em andamento) sobre as
dinâmicas religiosas dos senegaleses no RS. Por fim, apontamos alguns
desafios e conclusões preliminares sobre o tema das mulheres.
1
O presente foi parcialmente realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal Nivel Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”
196 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
frendo importantes modificações para as quais a participação nos fluxos
migratórios tem desempenhado importante papel no processo de maior
participação das mulheres na esfera pública, mas também no ambiente
familiar privado. Sakho (2015) atribuí a crescente participação social das
mulheres aos processos de urbanização, inserção laboral e escolarização
que vêm incrementando uma ainda reduzida, mas crescente participa-
ção das mulheres nos fluxos migratórios para o exterior. De modo espe-
cial, há uma mudança em curso nas estruturas familiares tradicionais,
nas quais as mulheres passam a desempenhar um papel muito mais
ativo na economia familiar como provedoras, papel até recentemente
reservado aos homens. Ao analisar aspectos da migração feminina sene-
galesa para Caxias do Sul, Heredia (2017) afirma que, a partir das falas
das entrevistadas, foi possível encontrar um “movimento de transfor-
mação que atravessa o Senegal atualmente, no qual as mulheres vão re-
construindo seu papel e participação nas estruturas familiares e sociais
(Heredia, 2017, p. 12).
Sendo assim, esse “lugar de fala” das mulheres senegalesas com-
põe um complexo processo em construção no qual as mulheres migran-
tes participam dos fluxos migratórios de modo negociado, em um mo-
vimento por vezes ambíguo de afastamento e afirmação das tradições
familiares, culturais e religiosas. Ao migrar sozinhas ou para reunir-se
com a família (esposo e filhos) no exterior, essas mulheres romperam
com os limites traçados pelo local. Entretanto, ao viver no exterior elas
mobilizam estrategicamente a figura tradicional da mulher no seio da
família e da comunidade, negociando esse novo modo de participação
nas decisões familiares e comunitárias que são tomadas em conjunto
com os homens. Essas mobilizações ocorrem tanto nas situações coti-
dianas da vida (na família, no trabalho, nas celebrações religiosas, etc.)
quanto nos projetos de mais longo prazo, como decisões de retorno ou
de empreendimento de uma nova etapa migratória para outro país com
a família ou até mesmo sozinhas.
Dinâmicas familiares
As dinâmicas que perpassam os arranjos familiares no Senegal são
bastante complexas, envolvendo desde a questão do pertencimento ét-
nico, no qual em alguns casos pode persistir um sistema de castas, até a
questão religiosa, que impõe regras ao sistema de uniões. A legislação
e o direito civil, inspirado no sistema francês, incorporaram, segundo
García (2002), aspectos da sharī`ah2 no que se refere ao regramento sobre
o matrimônio e a herança. Sendo assim, haveriam três possibilidades de
estabelecer tais uniões: matrimônio religioso (cristão ou islâmico); ma-
trimônio tradicional (consensual); matrimônio civil. Embora, de acordo
com o autor, a exogamia (casamento com indivíduos de outros grupos
étnicos) seja aceita e difundida religiosamente como um meio de propa-
gação da fé, a maioria dos casamentos tendem a ser endógenos (internos
ao grupo étnico) em vista dos costumes tradicionais, além de estarem
sujeitos às regras de classe e status social. Ainda de acordo com Garcia
(2002), a homogamia (estabelecimento de vínculos entre pessoas com
características comuns, particularmente em relação aos casamentos) se-
ria uma tendência. Semelhanças que, no caso senegalês, podem vincular
não apenas a religião, mas a classe social, o grupo étnico ou as castas.
Considerando o contexto de origem das mulheres senegalesas, o pro-
cesso de migração ocorre no âmbito de um intenso e delicado processo
de negociação familiar. Nesse processo, o ciclo de vida individual e fa-
Lei islâmica.
2
198 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
miliar – com suas características geracionais, de classe social, étnicas e
culturais – influência de modo determinante o projeto migratório.
Das 35 mulheres senegalesas acompanhadas no período de 2012 a
2018 , cerca de 50% declararam ser casadas, sendo que algumas haviam
3
200 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
vida da família ampliada a que pertencem e no qual continuam com-
primindo um papel como mães, noras, filhas e tias, mesmo à distância.
Carter et al. (1995) trazem alguma luz sobre o grande desafio de
pautar essas dinâmicas, considerando de modo particular as mudanças
que o próprio conceito de ciclo de vida tem sofrido nas últimas décadas,
assim como o fato de por muito tempo a questão migratória, de classe
e étnica ter sido negligenciada na configuração de ciclos de vida consi-
derados funcionais e/ou saudáveis. Daí a importância de olhar para o
modo como as senegalesas organizam e vivenciam esses ciclos de vida
considerando aspectos da tradição e da cultura das comunidades do
país de origem, sem necessariamente buscar enquadrar suas experiên-
cias e projetos naquilo que seria considerado o “normal” para uma mu-
lher brasileira, por exemplo.
Entre as mulheres senegalesas que eram solteiras, e que do univer-
so total dos casos representavam em torno de 40%, havia uma maior di-
versidade de trajetórias. Algumas já haviam feito pelo menos uma expe-
riência migratória para outro país antes de migrar para o Brasil. Embora
quase todas possuíssem algum parente próximo no Brasil (irmão, primo
ou tio), algumas migraram por iniciativa própria. Consideradas mulhe-
res “fortes”, sobre boa parte pesava a primogenitura e responsabilidade
pela manutenção do núcleo familiar que ficou no Senegal –normalmen-
te, pais idosos, irmãos mais novos e, em dois casos, filho. Mesmo que
mulheres com esse perfil representem uma minoria, o fato de migrarem
sozinhas representa um significativo processo de mudança nas rela-
ções sociais no Senegal. Duas delas já haviam feito um movimento de
migração do interior do país para Dakar, onde trabalharam como ven-
dedoras. Ambas são respeitadas na comunidade migrante senegalesa,
participando normalmente da vida da comunidade. Um senegalês uma
vez mencionou que “esse tipo de mulher” é uma “mulher forte” que
“não vai esperar por ninguém e não vai ter medo de nada”. Entretanto,
muitas das falas dos migrantes sobre o fluxo das mulheres consideram
como padrão normal de migração o caso das mulheres que vêm para
reunir-se com o marido ou irmãos no Brasil. Na concepção deles, esse
seria “o normal”. Todavia, parece ser também consenso para a comuni-
Dinâmicas laborais
O fluxo migratório dos senegaleses para o Brasil vem sendo assina-
lado como um movimento de migração laboral. Nesse sentido, embora
em número proporcionalmente muito menor do que dos homens, as
mulheres senegalesas caracterizam-se como mulheres migrantes traba-
lhadoras, enfrentando as dificuldades que a maioria das mulheres ne-
gras (brasileiras ou migrantes negras de outras nacionalidades) também
enfrentam na inserção no mercado do trabalho e que estão vinculadas à
discriminação étnico-racial ou de gênero (Marcondes, 2013). Ao mesmo
tempo, esse movimento de integração laboral apresenta interrogações
novas para o campo de pesquisa sobre migrações para o Brasil (Heré-
dia; Gonçalves, 2017). Mulheres migrantes não apenas integram as fi-
leiras daquilo que se convencionou chamar de migrações laborais e/
ou econômicas, mas apontam para mudanças importantes nos padrões
convencionais de migração.
A dificuldade em “encontrar um trabalho” é uma das constantes
queixas expressas por mulheres migrantes, principalmente quando
desempenham o papel de chefes de família. Outro dado importante é
sobre como essas mulheres lidam com suas expectativas de realização
profissional, visto que, para os migrantes de modo geral, é muito difícil
continuar exercendo no Brasil a mesma atividade que exerciam no país
de origem.
Nogaye migrou com o esposo em 2015, quando estava prestes a
concluir o curso de enfermagem em Dakar. Planejava continuar estu-
dando no Brasil, mas ao mesmo tempo conseguir um trabalho. As difi-
culdades iniciais a fizeram deixar de lado o desejo de estudar por algum
202 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
tempo. Trabalhou numa cozinha por quase dois anos, mas assim que
surgiu a oportunidade, conseguiu se organizar para iniciar um curso
de técnico de enfermagem. Quando concluir o curso, quer buscar uma
colocação na área. O esposo apoia seu desejo e reconhece o esforço que
vem fazendo. Isso ajudou-a a persistir, pois “no início foi difícil e só
pensava em voltar”.
A expectativa não realizada de imediato afeta de modo diferente
as mulheres migrantes que guardam, por exemplo, características se-
melhantes, mas que variam no que se refere a classe social, nível de
educação formal, aspectos étnicos e religiosos. Embora o grupo das mu-
lheres que acompanhamos apresentasse um nível de educação formal
maior se comparado ao grupo dos migrantes homens, elas tiveram mui-
to mais dificuldade de integração no mercado de trabalho. Muitas se
ressentiam do fato de em muitas agências de trabalho só lhes ofertarem
vagas em serviços de pouca qualificação e remuneração, como serviços
de limpeza, desconsiderando a qualificação que possuíam ou as possi-
bilidades de desenvolvimento de outras habilidades. Observamos que,
assim como para os migrantes homens, a venda ambulante se apresen-
tou como uma alternativa inicial de renda. Algumas já tinham exercido
essa atividade no Senegal, mas outras não sabiam como era trabalhar
“de venda”. Para a maioria, a expectativa continua a ser a de inserção
no mercado de trabalho formal.
Outro ponto interessante que observamos em relação ao discurso
dos migrantes homens sobre o fato de as mulheres trabalharem é que
isto passou a ser valorizado. Em uma conversa informal, Abdou reco-
nheceu ter sido bem melhor trazer a esposa para o Brasil. “A mulher
está lá, você vai ter de mandar muito dinheiro por mês. Aqui tá melhor,
né? A esposa fica junto e vai trabalhar também para ajudar”. A concep-
ção de que a mulher senegalesa no Brasil precisa trabalhar é bastante
difundida na comunidade, sendo de fato a composição da renda um fa-
tor importante no processo de mobilidade social no Brasil, assim como
de possibilidade de constituição de uma família ou de reunião familiar.
Ao mesmo tempo, para as mulheres, o trabalho fora de casa representa
certo ganho de autonomia à medida que esta passa a possuir também
Dinâmicas religiosas
Os debates referentes ao papel da mulher nas dinâmicas religiosas
islâmicas são amplos, e por vezes controversos, principalmente quando
surgem em contextos migratórios onde há tensões étnicas e religiosas.
No caso das mulheres, estes envolvem principalmente o uso do hijab
(véu). Por outro lado, também é crescente o número de estudos que bus-
cam analisar o espaço de agência das mulheres dentro das estruturas
religiosas islâmicas (Mahmood, 2006). Mateo (2018) investigou a parti-
cipação das mulheres na transmissão erudita de conhecimento, levan-
tando questões importantes para se pensar a integração das mulheres
como autoridades religiosas a partir do conhecimento formal sobre o
Islam que vêm buscando, principalmente aquelas inseridas em contex-
tos migratórios.
Sob a perspectiva religiosa, o Senegal é um país majoritariamente
mulçumano, onde prevalece a presença das confrarias sufistas, sendo
as maiores a Muridia e a Tidiania. Entretanto, do ponto de vista cons-
titucional, o país é laico. No caso específico senegalês, estudos sobre
as relações entre religião e gênero já evidenciam mudanças no campo
religioso do país, apresentando a participação das mulheres no proces-
so sob a perspectiva da atuação em espaços tradicionalmente ocupados
por homens, como no caso da maraboutage (Gemmeke, 2009), ou bus-
cando novas chaves de leitura para locais onde a agência feminina é
204 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
muito forte, mas pouco visível. Ao analisar a participação das mulheres
nas dinâmicas religiosas cotidianas da cidade de Touba, Zingari (2018)
apresenta o papel dessas mulheres como estruturante, principalmente
no meio doméstico, no qual se corroboram as dinâmicas de parentesco
que são um fator importante e essencial das relações de poder no inte-
rior da confraria Muride.
Localmente observamos variadas formas de participação das mu-
lheres nas dinâmicas religiosas da comunidade senegalesa. É importan-
te considerar que, do ponto de vista dessas vivências, há uma grande
diversidade interna à comunidade expressa por pertencimentos às con-
frarias com suas práticas, assim como vivências sincréticas influenciadas
pelas tradições culturais de cada grupo étnico. Embora, como considera
Zingari (2018), a participação das mulheres nos ritos religiosos públicos
– por exemplo, na festa anual Gran Magal – seja bastante restrita, isso
não significa que elas estejam ausentes em outros espaços nos quais a
religiosidade cumpre um papel fundamental, como o ambiente domés-
tico. A observação da participação das mulheres nos eventos religiosos
públicos realizados pelos senegaleses no Rio Grande do Sul evidencia
um tipo de protagonismo das mulheres dado pelo domínio do preparo
das refeições. Embora esse espaço não seja exclusivo das mulheres, visto
que nas festas os homens participam ativamente tanto no preparo das
refeições como na tarefa de servir os convidados, é nesse ambiente que
elas se impõem com um saber fazer (escolha dos ingredientes, tempo e
modo do preparo) herdado de suas mães, irmãs e avós. A comensalida-
de desempenha um papel importante nas cerimônias religiosas, princi-
palmente para os murides.
Outra forma de participação das senegalesas na vida religiosa da
comunidade imigrante diz respeito a uma figura feminina importan-
te para os murides no Rio Grande do Sul. Sokhna, bisneta de Cheikh
Ahmadou Bamba (fundador da confraria Muride), desde de 2013 visita
a comunidade muride no Brasil periodicamente. As visitas são acolhi-
das com grande entusiasmo e tomadas como um momento importante
para a comunidade. A autoridade religiosa de Sokhna provém de sua
participação na linha de hereditariedade do fundador da confraria, sen-
Considerações finais
206 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
de deslocamento geográfico dessas mulheres pode estar relacionado ao
maior ou menor grau de liberdade de tomada de decisão da mulher em
relação ao grupo familiar, étnico ou religioso do qual faz parte.
No Brasil, as mulheres enfrentam os desafios de inserção no mer-
cado de trabalho que incluem, além do esforço de aprendizagem do
idioma, a falta de reconhecimento da escolaridade e o preconceito ra-
cial. Além disso, a maioria das mulheres senegalesas passam por um
processo de adaptação à nova realidade familiar, muitas vezes com-
posta apenas pelo esposo e algum parente mais próximo (primos, tios).
Mesmo trabalhando fora, elas acabam tornando-se responsáveis pelo
trabalho doméstico e preparo das refeições. A gestação de um filho sem
o apoio presencial da família ampliada, como normalmente ocorreria se
a gravidez tivesse transcorrido no Senegal, passa a ser ressignificada pe-
las senegalesas que, na ausência da família, estabelecem novas redes de
apoio com famílias brasileiras. Essas dinâmicas também afetam a per-
cepção dos brasileiros em relação aos imigrantes senegaleses em geral.
A presença de mulheres e crianças em ambientes domésticos nucleados
contrasta com a imagem que muitos brasileiros haviam construído so-
bre a migração senegalesa com base nos primeiros fluxos de migrantes
ocorridos entre os anos de 2012 e 2015, nos quais a esmagadora maioria
residia em grupos em alojamentos de empresas ou casas e apartamentos
com despesas rateadas. Sendo assim, a gradual integração das mulheres
na mobilidade dos senegaleses para o Brasil incorpora às comunida-
des migrantes novas dinâmicas que afetam ambos os sexos. Ainda em
relação à comunidade autóctone, a partir da presença de famílias de
migrantes, houve uma melhor percepção sobre a necessidade de criar
espaços de convivência e interação uma vez que não se trata de um flu-
xo migratório sazonal relacionado a oferta de trabalho, mas de um fluxo
composto também por famílias que se fixaram na região com o objetivo
de permanecer por mais tempo. Por fim, é valido indicar que as mulhe-
res e os migrantes em geral já chegam ao Brasil aprisionados em uma
narrativa local prévia sobre seu país e cultura, especialmente construída
a partir das mídias sociais e dos meios de comunicação social e de en-
tretenimento. Pesam sobre a mulher africana estereótipos que exotizam
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210
Apresentação
“ESSE TÁ 10, MAS PRA TI EU FAÇO POR 5!”:
AS SOCIABILIDADES PARA VENDA NO COMÉRCIO DE
RUA SENEGALÊS EM SANTA MARIA (RS)
E
ste artigo visa apresentar e aprofundar alguns dos elementos de aná-
lise presentes em uma etnografia elaborada no formato de disserta-
ção de mestrado, enquanto resultado da relação orientadora-orien-
tando dos autores. Intitulada “‘Tem que conversar, senão não vende,
né?’: a inserção de imigrantes senegaleses no comércio de rua de Santa
Maria (RS)”1, a dissertação procurou identificar como os senegaleses es-
tabelecidos no município de Santa Maria (Rio Grande do Sul, Brasil) se
inseriam no comércio de rua da cidade. Assim, de agosto de 2016 a de-
zembro de 2017, Filipe de Césaro desenvolveu trabalho de campo com
os seis senegaleses à época presentes na cidade, realizando trabalho
1
Dissertação vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) e ao Necon (Núcleo de Estudos Contemporâneos da
UFSM). Disponível em: http://w3.ufsm.br/ppgcsociais/images/dissertacoes/2016/DE%20
CSARO%20Filipe%20%20Dissertao.pdf. Acesso em: 08/11/2018.
212 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Depois de um período de trabalho na construção civil, os interlocu-
tores de nossa pesquisa decidiram mudar sua ocupação para o comér-
cio de rua, ofício que se mostra comum entre os migrantes senegaleses
chegados ao país. Conforme notado por Mocellin (2017), a ocupação
na construção civil resultava em salários insuficientes para o sustento
das costumeiras remessas enviadas ao Senegal, além de ter envolvido
situações de exploração nas relações de trabalho. Ainda assim, a mu-
dança em favor do comércio de rua não significou um cotidiano laboral
livre de relações de poder e de riscos. Pelo contrário, ao se decidirem
pela mudança, os senegaleses acompanhados por este estudo adentra-
ram um contexto social historicamente marcado pelo conflito, tensão e
negociação entre vendedores de rua, lojistas, poder público e imprensa
(Pinto, 2015). Dadas as variações de tal estrutura política, os migrantes
senegaleses tendiam a desenvolver formas próprias de inserção laboral,
tendo em vista, especialmente, a situação irregular de seu novo ofício
na cidade. Em Santa Maria, o comércio de rua é proibido desde 2010,
quando foi criado o chamado Shopping Independência, em prédio cen-
tral e destinado a tornar regularizadas as atividades dos vendedores de
rua então atuantes na cidade (dos Santos, 2011). Além disso, em 2012,
nova legislação municipal4 especificou a fiscalização do comércio de
rua, reiterando que a permanência nas calçadas se mantinha exclusiva
àqueles dedicados ao comércio de artesanato. Aos demais5, ligados a
outros tipos de produtos e não contemplados pelo projeto do Shopping
Independência, restou a atuação nas calçadas, sob o constante risco das
de trabalho de campo. Todos os senegaleses em questão haviam chegado a Santa Maria entre
2014 e 2016, e procuravam a regularização por meio do refúgio. Ainda hoje, tal estratégia é a
mais viável para os imigrantes senegaleses, dados os vetos com que foi aprovada a nova Lei da
Migração em 2017.
4
Lei Complementar 92/2012. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/s/
santa-maria/lei-complementar/2012/9/92/lei-complementar-n-92-2012-dispoe-sobre-a-
consolidacao-do-codigo-de-posturas-do-municipio-de-santa-maria. Acesso em: 29/10/2018.
5 Alguns dos vendedores de rua já estabelecidos em Santa Maria antes da chegada dos
senegaleses, e com os quais também se teve contato, destacavam duas razões pelas quais não
conseguiam regularizar sua atividade no espaço do Shopping Independência: (i) lotação das
vagas disponíveis no prédio, com uma duradoura falta de circulação de proprietários das bancas
regularizadas; (ii) inconveniência econômica da regularização a partir dos moldes propostos
pelo projeto, dadas as diferenças entre as calçadas e um espaço comercial fechado, bem como
o custo elevado do aluguel das bancas.
6
Segundo o Decreto Executivo nº 0093/2017, a Superintendência de Fiscalização é órgão
subordinado à Coordenadoria de Fiscalização de Atividades Econômicas e à Secretaria de
Município de Estruturação e Regulação Urbana de Santa Maria.
7
Tais nomes são fictícios, já que os vendedores de rua senegaleses de Santa Maria eram alvo
frequente das (por vezes violentas) apreensões realizadas pela Superintendência de Fiscalização.
Decidimos, então, preservar sua identidade em nossa escrita etnográfica.
214 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
e de esporádicas experiências com a venda
de rua em cidades vizinhas, estabeleceram
seus espaços de trabalho8 no comércio de
Santa Maria com o objetivo de alcançarem
melhores condições de vida para si e para
suas famílias:
Tendo em vista a breve contextualiza-
ção feita, buscamos, nas próximas seções, te-
cer uma resposta ao seguinte questionamen-
to: “Como os vendedores de rua senegaleses
estabelecidos na cidade de Santa Maria pro-
curaram, durante o período de investigação
empírica, desenvolver sociabilidades com
seus clientes?”
8
A produção dos espaços de venda (identificados nas fotos expostas a seguir), bem como suas
implicações políticas ao cotidiano dos senegaleses na cidade, já foi o nosso foco de análise em
outro trabalho (vide de Césaro e Zanini, 2018).
216 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
ber, como também desenvolviam um relacionamento autêntico com
cada vendedor de rua senegalês no âmbito da negociação comercial:
ao invés de uma troca limitada aos termos comerciais (preços, produ-
tos, estoques, descontos, etc.), tais clientes expandiam a interação para
algum referencial próprio à relação mantida com o vendedor na inte-
ração, de modo que certos “assuntos internos” compartilhados davam
o tom à compra. Tendo em vista esse aprendizado de campo, passa-
mos a questionar quais processos sociais possibilitavam que os mesmos
clientes passassem de um estado de interações (pragmático, limitado ao
econômico) a outro (descontraído, não limitado ao econômico). Assim,
a noção de interação social, conforme proposta por Goffman (1971; 1985
[1959]), tem especial importância aqui. Com ela, podemos manter no
centro da análise os esforços face a face que os indivíduos empreendem
mutuamente para definir a situação da interação, ou seja, para dar um
sentido a ela, o qual pode se tornar consensual com a repetição dos con-
tatos. Tudo isso considerando que cada ator, ao interagir ineditamente
com outros, está primordialmente interagindo consigo mesmo (com o
seu self) de modo a gerar certas impressões sobre si mesmo (Hartmann,
2005, p. 135).
Mais especificamente, nos perguntamos se os vendedores senega-
leses contribuíam para que desconhecidos se tornassem conhecidos. Se
sim, como o faziam? Começamos a encontrar pistas para responder tais
questões a partir do momento em que se percebeu, em campo, que as
investidas trocadas entre vendedor e cliente, naquele contexto acerca
do preço de cada compra, representavam mais do que uma etapa ne-
cessária ao acordo comercial informal. Ali, justamente no tratamento de
interesses econômicos imediatos dos dois lados, é que se abria a possi-
bilidade para a maior aproximação entre os envolvidos. Nessa esteira,
destacamos uma interação que o autor em campo teve com um vende-
dor de abacaxis, narrada no decorrer da pesquisa original sobre o tema:
9
Ao falarmos em “sistema comunicativo” para definirmos “jogo interacional”, pretendemos
evidenciar como concebemos as categorias de estrutura e agência. Em poucas palavras, uma
estrutura social teria caráter sistêmico, já que os indivíduos em interação cotidiana contribuiriam
218 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
define pela troca estratégica, de um indivíduo a outro na interação co-
mercial, entre uma atitude ativa e outra passiva no que toca à defesa
dos interesses econômicos de cada um: tanto vendedor quanto cliente
alternam entre uma postura mais incisiva e outra mais inerte de acordo
com a percepção do Outro durante a situação de interação (Cohen, 1974,
p. XXI; Hannerz, 1980, p. 145). À postura mais ativa desse jogo intera-
cional daremos o nome de “aposta” e à mais passiva, o de “recuo”. O
uso dessas figuras, especificamente, nos permite reter a indeterminação,
percebida em campo, com que os vários vendedores e clientes observa-
dos desempenhavam suas investidas para definir o preço. Nesse senti-
do, apostar nas interações comerciais ali era se dispor a uma situação de
risco para defender o interesse próprio, já que eram sempre presentes
as possibilidades do embaraço, da irritação e da vergonha frente a al-
guma postura ativa mal vista pelo Outro. Na mesma esteira, silenciar,
conceder e moderar revelavam uma atitude de prudência e precaução,
por meio da qual se deixava de lado a busca pelo maior lucro para ga-
rantir uma menor possibilidade de que o Outro não se sentisse descon-
fortável/ofendido e encerrasse a negociação. Assim, os vendedores de
rua senegaleses em Santa Maria eram agentes neste processo interativo,
sabendo negociar possibilidades interpretativas no jogo e na cena social
da venda.
Com esse quadro claro, pudemos estabelecer as diferenças, em
campo, entre as apostas e os recuos de vendedores e clientes. No caso
do vendedor, apostar era “assumir as rédeas” do palco interacional
a uma plataforma moral comum para tais contatos, capaz de subscrever quem interagiria com
quem e de acordo com quais prescrições de certo e errado para a interação social. A agência,
dessa perspectiva, estaria no uso criativo que os indivíduos desenvolvem ao se inserirem nas
interações reguladas por tal estrutura sistêmica de fundo moral. A título expositivo, pode-se
dizer que tal ponto de vista teórico perpassa autores como Radcliffe-Brown (1973 [1952]),
Evans-Pritchard (1978 [1940]), Goffman (1985 [1959]), Boltanski (2001 [1990]), de Certeau
(1984 [1980]), entre tantos outros. No caso da estrutura que chamamos de “jogo interacional”,
as regras morais para as interações no comércio de rua santa-mariense são representadas pela
“aposta” e pelo “recuo”, percebidos naquele contexto como fatos dados do cotidiano. Seja
como vendedor, seja como comprador, saber como e quando apostar e recuar nas interações
comerciais é condição fundamental para ali se dar bem. Desse modo, as agências dos indivíduos
inseridos nesse contexto podem ser identificadas nos modos autênticos e improvisados com os
quais aderem aos valores normativos das interações sociais: em resumo, nas formas de apostar
e de recuar que desenvolvem cotidianamente.
220 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
chinchar com falas descontraídas, por vezes de tom provocativo, fazen-
do graça do fato de se estar pedindo desconto a um desconhecido. Em
um caso hipotético, o autor em campo poderia ter dito àquele vendedor
de abacaxis, por exemplo, algo parecido com: “Bah, mas bem que tu
podia me fazer 4, e não 3, por 10, né? São pequenos esses teus abacaxis!”
Por outro lado, ao cliente, recuar significava assumir posição inerte na
interação. Era comum, em campo, que o cliente em recuo se mantivesse
imóvel e cabisbaixo, de modo a desempenhar uma observação atenta
dos produtos expostos e, após minutos anteriores de insistência, parar
de investir em busca do desconto. Mais uma vez, volta à cena a situação
exemplar vivida com o vendedor de abacaxis: o autor em campo, quan-
do abdicou de defender que compraria apenas uma unidade do produ-
to, recuou por conta das perspectivas de constrangimento, aceitando os
termos de compra postos pelo vendedor. Antes de aprofundarmos as
regularidades das apostas e recuos nessas interações comerciais, vale
mencionar alguns conteúdos empíricos que, inicialmente, deixaram-nos
conscientes acerca do quão importante esse jogo interacional era para
o cotidiano do comércio informal santa-mariense e, paralelamente, aos
senegaleses nele inseridos.
Quando de nossa identificação de tal esquema interpretativo, ainda
restava um tipo regular de situação de campo que resistia a ele. Trata-se
do fato de que, no caso da presença de mais de um cliente no mesmo
ponto de venda, os vendedores senegaleses costumavam saber a qual
interessado deveriam atender primeiro. O autor em campo percebeu
isso ao notar que os senegaleses apreendiam os primeiros sinais de inte-
ração dados por cada cliente de forma a agir apropriadamente de acor-
do com as demandas de cada um. Era comum, então, que o atendimento
de parte dos clientes presentes fosse mantido em pausa, durante o qual
eles seriam levados a esperar a partir de um cumprimento simpático e
rápido do vendedor. Após breve explicação, este se dirigia a outro clien-
te presente, dando-lhe a maior parte da atenção, enquanto os demais
ainda eram ocasionalmente observados pelo vendedor: se dessem sinais
de retirada, os senegaleses costumavam chamá-los, pedindo para que
esperassem mais um pouco ou, mesmo, transferindo imediatamente o
[...] por duas vezes, ele soube que não valia à pena deixar
os dois clientes mais interessados para abordar outros que
222 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
olhavam, há alguns passos de distância, alguns produtos,
logo saindo lentamente: eu, sentado e ali observando, pen-
sava que, se o vendedor eu fosse, imediatamente iria aten-
der os demais pedindo aos clientes em questão que espe-
rassem um pouco. Logo percebi que, de fato, eram apenas
indivíduos com uma curiosidade superficial, não devendo
ser priorizados em relação a clientes que abordam o ven-
dedor já perguntando sobre algum produto em específico
(Diário de campo, 08/07/2017).
224 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
dor e cliente é delimitado no interior da troca comercial10. Dessa forma
é que tais sociabilidades, resultantes de interações regulares compostas
por apostas e recuos positivos dos vendedores senegaleses, geravam
contatos comerciais descontraídos, em um ambiente de negociação mais
confortável do que o formado na venda para desconhecidos. Em suma,
transações estavam envolvidas por termos comerciais específicos, mas
um relacionamento paralelo de reciprocidade generalizada parecia
apoiar o relacionamento estritamente comercial (Plattner, 1989, p. 212).
Trazendo à tona a variabilidade específica da investigação realiza-
da entre os vendedores de rua senegaleses em Santa Maria, é possível
dar sentido empírico à nossa inspiração na análise de Plattner. Exem-
plos citáveis são as diversas situações que as sociabilidades para venda
possibilitavam ao combinarem proximidade e pragmatismo nas inte-
rações comerciais dos senegaleses. A venda de um produto podia ser
arranjada dias antes de ocorrer, temas de conversa externos ao assunto
comercial eram construídos ao longo das interações sucessivas de uma
mesma sociabilidade e jocosidades compartilhadas apenas entre os en-
volvidos, além de assuntos de interesse comum, costumavam ser reto-
madas quando novas interações ocorriam. Em suma, o autor em cam-
po percebeu que um novo horizonte de possíveis apostas e recuos se
abria quando se atingia uma sociabilidade para venda com determina-
do cliente, em sua maioria atos interacionais relacionados ao conteúdo
compartilhado especificamente entre os envolvidos. No trecho de diário
de campo a seguir, comenta-se uma situação em que Maba arranja para
o dia seguinte uma venda, visto que, no momento da interação comer-
cial, não possuía em seu ponto o produto que despertava tanto interesse
no cliente com o qual mantinha uma sociabilidade para venda:
Aqui, vale frisar que, apesar de ter permitido a análise de uma grande variedade de interações
10
entre os senegaleses e seus clientes, o trabalho de campo realizado foi ancorado nos pontos
de venda mantidos por tais imigrantes. Em outras palavras, foram raras as ocasiões em que foi
possível aprofundar o assunto de tais sociabilidades com os clientes, devido à sua circularidade
pela urbe e à brevidade de sua presença nos pontos de venda. Portanto, esse tipo de conversa
mais aprofundada acerca das sociabilidades para venda foi comum apenas com os senegaleses
acompanhados em campo. Assim, nossa análise retém um enfoque não apenas sobre a
construção das sociabilidades para venda por tais vendedores imigrantes, mas também sobre
seu olhar cotidiano acerca dessas sociabilidades.
O wolof é uma das línguas nativas do Senegal. Em campo, era a mais utilizada nas conversas
11
que os senegaleses acompanhados pelo estudo mantinham entre si. Quando, na minoria dos
casos, utilizavam o francês, o autor em campo conseguia se inserir nas conversas. Além disso,
os senegaleses frequentemente traduziam para o português o que falavam em wolof para que o
pesquisador compreendesse parte do que era dito. No que toca ao português, os interlocutores
possuíam níveis variados de fluência, o que foi levado em conta para delimitar a experiência de
campo com cada indivíduo e suas possibilidades de interação de pesquisa.
226 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Maria se inseriam no comércio de rua local, como uma agência mobi-
lizada de situação em situação e cotidianamente: em outras palavras,
eram formas de obter vantagens econômicas das negociações sem dei-
xar de aprender com cada uma delas (Ortner, 2007a, p. 54; 58; Sahlins,
2003, p. 160). Agora, resta-nos descrever alguns dos tipos de apostas e
recuos cuja apropriação se mostrava autêntica aos vendedores de rua
senegaleses acompanhados por este estudo.
228 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
interacionais cotidianas pelas quais esses vendedores passavam, dadas
as suas dificuldades com a língua portuguesa. Eram atos adequados ao
tipo de produtos comercializado pelos senegaleses, estratégia que Pla-
ttner (1996, p. 200, tradução nossa) também identifica em uma de suas
pesquisas. Como esses produtos eram, majoritariamente, reproduções
de marcas caras e conhecidas, despertavam certo interesse cauteloso
nos clientes, diante do qual os vendedores senegaleses costumavam ad-
mitir a constante possibilidade de defeitos. Disso emerge, novamente, o
benefício da sociabilidade para venda: sendo a interação comercial uma
interação que remete a encontros passados e futuros, marcados pela
pessoalidade, tornava-se mais fácil assegurar ocasiões extras e livres de
constrangimentos para a encomenda e/ou troca do produto vendido
em caso de aspectos defeituosos.
Tendo isso em vista, as formas de apostar dos vendedores senega-
leses que em campo se mostraram mais expressivas foram seguintes: (i)
negar a possibilidade de desconto e (ii) realizar uma brincadeira com
os clientes. Em segundo lugar, as formas de recuar mais relevantes em
campo foram as seguintes: (i) ceder ou oferecer desconto e (ii) deixar
que um cliente se decidisse sobre a compra12. Comecemos pelas formas
de apostar, mais especificamente pelo ato de negar um desconto pedido
pelo cliente.
Gradualmente, a presença do autor em campo revelou que esse
passo interacional se caracterizava por ocorrer a partir da situação em
que o vendedor se expressava indeciso quanto a conceder ou não um
12
Além de sua maior recorrência empírica, esses modos de apostar e recuar foram selecionados
para a presente análise por explicitarem, quando em conjunto, a imbricação entre a
instrumentalidade e a intimidade do comércio de rua no que toca às chamadas sociabilidades
para venda. Em outras palavras, a despeito das categorias de aposta e recuo dizerem respeito
a atos diferenciáveis no que toca à sua intenção frente ao valor econômico da troca, ambas só
são concebíveis em configurações simbólicas situacionais. Na prática, então, tal divisão entre
o pragmático e o espontâneo se mostra útil apenas para fins de exposição analítica, tendo em
vista que os dados empíricos interpretados apontam para um convívio indissociável entre o
comércio feito pelo lucro e o comércio feito pelo contato social. Assim, as apostas de negar o
desconto e de brincar com os clientes, bem como os recuos de ceder ou oferecer desconto e
de deixar que um cliente se decida, mostram-se casos cuja interpretação conjunta favorece a
clareza do argumento analítico que estamos tentando desenvolver aqui. Ademais, outros tipos
de apostas e recuos identificados em campo foram mantidos fora do presente trabalho por
conta das limitações de espaço de escrita.
230 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
comercial. Aqui, entretanto, o vendedor senegalês precisava distribuir
seus argumentos para o não desconto sem ter como fazer alusão a quais-
quer elementos interacionais de descontração já conhecidos pelo cliente,
já que não dispunha de uma sociabilidade para venda prévia com ele.
Partindo de uma expressão indecisa, o vendedor começava por um mo-
tivo inicial, o qual aprofundaria ou ligaria a outros motivos pelos quais
não podia ceder o desconto, tudo a partir de como o cliente respondia.
Em geral, a razão era dada calmamente, relacionada ao lucro baixo de-
mais caso o desconto fosse dado: o centro de argumento parecia ser o
de que o preço original já estava no limite máximo possível ao vende-
dor. Em certa ocasião de campo, Maba rejeitou a pechincha feita por um
casal de desconhecidos em relação a alguns dos tênis que o senegalês
expunha no momento e, a despeito do desapontamento dos clientes,
conseguiu defender seu ponto de vista e vender os produtos pelo preço
original:
A descrição mais aprofundada de situações de campo no caso das apostas realizadas com
13
232 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
frases como: “Não namora? Leva esse aqui de presente, ó...”, apontando
para certa ordem de produtos. Caso a resposta fosse dada, e fosse afir-
mativa, prosseguia com a brincadeira dos casamentos14. A seguir, um
trecho de diário de campo sobre uma situação de venda ocorrida na
Feira de Economia Solidária de Santa Maria, em sua 13ª edição (2017).
Chamou a atenção do autor em campo que uma aposta tão comum na
rua fosse levada por Ahmadou a esse espaço comercial mais formaliza-
do: tornou-se claro, quando das observações empíricas, que o ponto de
venda do senegalês seguidamente era preenchido pelas características
interacionais dos ambientes de feira. Tratava-se de um casal de desco-
nhecidos que se mostrava interessado nos anéis dispostos sobre a mesa
reservada aos expositores da feira. Mesmo longe das calçadas e frente
a clientes que podiam ser, até mesmo, provenientes de fora da cidade,
Ahmadou apostou brincando da forma descrita, procurando estabele-
cer uma aproximação bem-humorada com os interessados:
14
Vale destacar um trecho da pesquisa original que inspira o presente trabalho, e que relembra
que as apostas e recuos constituíam artifícios interacionais comuns a outros grupos de
vendedores situados no mesmo comércio de rua. “Um tipo análogo de operação da mesma
estrutura encontrava lugar nas práticas de venda dos artesões hippie, ocupantes do mesmo
espaço. Mais uma vez com Iung (2007, p. 38-40), nota-se que esses indivíduos costumavam
apostar frente a clientes por meio da pressuposição de uma intimidade: ela podia não existir,
mas era levada aos contatos face a face com desconhecidos como meio de lhes conduzir a uma
proximidade. A autora também destaca que esses artesãos costumavam contar estórias épicas
das andanças que a liberdade hippie fornecia, estabelecendo vínculo com jovens desconhecidos
que, nas interações, deixavam claro aspirarem (e se inspirarem) pelo tema contado como mito”
(de Césaro, 2018, p. 148). Portanto, frisamos que as diferenças se encontram em como cada
tipo de aposta e de recuo era apropriado por cada grupo e cada indivíduo dadas as situações
interacionais de seu cotidiano frente à clientela.
234 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
brincar com a possibilidade de desconto, os vendedores senegaleses
costumavam responder com frases do tipo: “Esse tá 10, mas pra ti eu
faço por 5!”. Valorizando a sociabilidade para venda frente ao próprio
envolvido nela e, assim, incentivando sua continuidade, os vendedores
pretendiam expressar, na situação do recuo, que sua simpatia com re-
lação ao cliente e os privilégios que esse recebia eram exclusivos a ele
(Goffman, 1985 [1959], p. 52-53). O trecho de diário de campo a seguir
diz respeito a uma ocasião importante nesse sentido:
15
Essa frase do senegalês nos faz lembrar, mais uma vez, de como as situações de interação
social sempre podem fazer variar o que é proposto por nossos instrumentos analíticos: apesar
de ainda se definir como um recuo, visto que abre mão do lucro para agradar ao cliente, tal frase
contém um caráter incisivo (de tomada do centro da interação) que, conforme já descrevemos,
é vislumbrado pelo presente trabalho como característico das apostas.
236 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
certo claramente o deixou dividido por mais tempo. O desconhecido,
enquanto se retirava, continuou rindo, afirmando que voltaria em outra
ocasião, enquanto Maba abria meio sorriso e espalmava suas mãos e
braços numa performance de desapontamento. Apesar de não ter con-
seguido a venda, Maba promoveu, com seu recuo, uma primeira apro-
ximação com aquele cliente, que agora possivelmente voltaria ao ponto
de venda e teria algo sobre o que conversar com o vendedor.
Outra forma de recuo notada em campo, e cuja apropriação pe-
los senegaleses era autêntica, refere-se a uma posição de ausência in-
teracional, em que não se falava nada e se deixava que o cliente agisse
livremente durante o contato. Em geral, quando assim recuavam, os
interlocutores de nossa pesquisa costumavam cumprimentar quem se
aproximava do ponto de venda, logo em seguida se distanciando al-
guns passos, mantendo observação silenciosa das expressões corporais
dos clientes que olhavam os produtos e respondendo a eventuais in-
dagações. Quando isso ocorria com clientes conhecidos, se dava logo
nos primeiros momentos da interação, já que o envolvido na sociabili-
dade para venda normalmente se aproximava em conversa, por vezes
já apostando por dado produto. Nesse caso, os senegaleses comumen-
te correspondiam com sorrisos e cumprimentos bem-humorados, mas
apenas respondendo aos primeiros impulsos do conhecido para, em
seguida, recuar em silêncio e deixar que o cliente agisse. A partir desse
período, comumente o cliente trazia à tona o referencial de sua sociabi-
lidade com o vendedor, procurando se livrar do silêncio para “preparar
o terreno” ao seu interesse comercial e possível pechincha. Na situação
há pouco descrita, Maba utilizava também desse recuo para, em certo
momento, pressionar o cliente a comprar o produto cujo preço original
já havia sido descontado.
Como nas demais formas de aposta e recuo trabalhadas até aqui,
entretanto, a importância da situacionalidade continuava presente.
Ainda que com clientes conhecidos que se aproximavam apostando, o
recuo dos senegaleses não parecia algo automático: estes sempre inter-
pretavam as reações simultâneas do Outro de forma a reavaliar cons-
tantemente sua própria linha de ação. Isso fica claro em se tratando de
238 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Em se tratando de desconhecidos, o sucesso desse recuo se man-
tinha ainda mais ligado à interpretação situacional feita pelos vende-
dores. Nesse caso, sem qualquer informação anterior acerca das pre-
ferências interacionais do cliente, os senegaleses costumavam iniciar o
contato com esse recuo, mas, em seguida, se mantinham num vaivém
entre silêncio e pequenos estímulos, normalmente na forma de frases
curtas sobre os produtos expostos. Isso lhes possibilitava suspeitar da
própria postura recuada, avaliando se não constituiria uma perda de
oportunidade de apostar com sucesso, já que “se uns [clientes] prefe-
riam menor influência externa para que se decidissem sobre a compra
com autonomia, outros podiam considerar a posição passiva do vende-
dor como indiferença ou mesmo falta de educação” (de Césaro, 2018,
p. 153). Nesse sentido, como as apostas, os recuos se definiam como
práticas em constante reinvenção no cotidiano dos senegaleses acompa-
nhados, mas que lhes permitiam linhas de ação regulares e adequadas
ao jogo interacional do comércio de rua no qual buscavam inserção.
Considerações finais
240 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
É nos discursos periodicamente correntes na mídia local, entretanto,
que podemos notar esse imaginário de cidade sempre presente no
horizonte de ação da administração municipal, bem como o sentido
político de subversão envolvido nas apostas e recuos dos vendedores
senegaleses acompanhados. Em 1991, à ocasião da inauguração do
Camelódromo Municipal (nos moldes do Shopping Independência, em
2010), o Diretor Geral de Indústria, Comércio e Turismo de Santa Maria,
alinhado ao esforço de regularização dos informais, constatou: “o ideal
seria uma cidade sem ambulantes” (Pinto, 2015, p. 38; 82). Em setembro
de 2017, enquanto ainda ocorria a investigação empírica de nossa pes-
quisa, o prefeito Jorge Pozzobom como que complementou o viés da
fala de 1991, prometendo, em uma matéria16 do jornal Diário de Santa
Maria17, que o poder público agiria com “regramento”, e que não mais
permitiria a “esculhambação” na qual se encontrava o centro da cidade.
Já em 2018, emergiram outras expressões públicas relacionadas a esse
imaginário de cidade ideal. Dentre elas, destaca-se a do Secretário de
Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ewerton Falk, presente em outra
matéria18 do Diário de Santa Maria. Em sua fala, o secretário frisa a posição
do Sindicato dos Lojistas, parceiro na coordenação do Comitê de Combate
ao Comércio Informal de Santa Maria19: “Ninguém vende produtos ile-
gais em uma esquina, 10, 12 horas por dia, abaixo de sol e chuva, sem
direito a férias, fundo de garantia e outros direitos, se não foi aliciado.
Essas pessoas que trabalham na ilegalidade estão sendo exploradas por
organizações que desconhecemos”.
Desse panorama breve e geral, nota-se o padrão das narrativas que
16
Disponível em: https://diariodesantamaria.atavist.com/onde-quase-tudo-pode. Acesso em:
08/11/2018.
17
O Diário de Santa Maria é um dos veículos midiáticos mais relevantes na cidade. Possui
circulação impressa e online.
18
Disponível em: https://diariosm.com.br/not%C3%ADcias/economia/estudo-sobre-
com%C3%A9rcio-informal-de-santa-maria-%C3%A9-apresentado-no-f%C3%B3rum-das-
entidades 1.2084541?fbclid=IwAR22O-H8ZWzD0Rcc5FHoagxIyg4AAgPEL73xjtDIU698p
TAm37npWvfG59k. Acesso em: 08/11/2018.
19
Fonte: https://diariosm.com.br/not%C3%ADcias/economia/comit%C3%AA-
apresenta a%C3%A7%C3%B5es-contra-o-com%C3%A9rcio-informal-em-santa-maria
1.2099160?fbclid=IwAR32CYl4I_SbDm4mAmO3ao6W5Nqi3K5S49RYcGSOqryb-
rFpCUIuamgr4x0. Acesso em: 08/11/2018.
20
Dentre as ações, em 2018, que se destacam nesse sentido, está a criação de um posto de
fiscalização fixo na microrregião da cidade em que a maior parte dos vendedores de rua se
mantinha cotidianamente. A medida obrigou os trabalhadores a ocuparem calçadas mais
distantes da região, nas quais circula menor número de pedestres. Fonte: https://diariosm.
com.br/not%C3%ADcias/geral/prefeitura-cria-posto-de-fiscaliza%C3%A7%C3%A3ode-
com%C3%A9rcio-ilegal-no-centro-1.2105579?l=?l=. Acesso em: 08/11/2018.
242 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
sempre, de formas complexas, dentro e fora das estruturas da cidade
que tentam determiná-la. Observada desse ponto de vista, portanto,
a inserção dos senegaleses na venda de rua santa-mariense os revela
como sujeitos políticos a construírem condições organizadas de possibi-
lidade de seu próprio ofício. Essa realidade, por sua vez, evidencia o ca-
ráter reducionista das narrativas que procuram justificar, ontem e hoje,
uma postura de política pública, que, afinal, é excludente e distanciada
da realidade histórica e social.
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246
Apresentação
LEGISLAÇÃO, RITUALIDADES,
INTERCULTURA
247
Imigração senegalesa: múltiplos olhares
Acima, meninas aguardando encontro com o Califa geral dos murides, em Touba.
Abaixo, senegaleses da etnia Pel, em estrado no interior do Senegal. Fotos: Juliana
Rossa, com curadoria de Marcia Marchetto.
248
Apresentação
Imigrantes no Brasil:
os avanços da Lei de Migração e seus
entraves práticos
A
política migratória brasileira começou a mudar após trinta e sete
anos de vigência do Estatuto do Estrangeiro, a Lei 6815/80 que
tinha como base a segurança nacional e a migração de forma cri-
minalizada, resquícios do período de governo dos militares no Brasil.
A Lei de Migração – 13.445/2017 traz uma nova roupagem à política
migratória no Brasil acompanhando o que está acontecendo em âmbito
internacional e vai ainda além do que muitos Estados prevêem.
A Lei de Migração está alinhada com os principais documentos
internacionais de direitos humanos como a Declaração Universal de
Direitos Humanos no plano universal e a Convenção Americana de Di-
reitos Humanos no plano regional. No seu texto ainda faz referência e
considera as disposições contidas na Convenção sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1951, na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de
1954 e no Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional.
250 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
ção em Conselho Nacional de Migração, a definição das infrações e deu
outras providências, também chamado de Lei do Estrangeiro. (Câmara
dos Deputados, 2019).
Em 04 de agosto de 2015 o Senador Aloysio Nunes Ferreira do Par-
tido da Social Democracia Brasileira (PSDB/SP) apresentou o Projeto
de Lei 2516/2015 (PL 2516/2015) que instituiu após aprovação nas duas
casas legislativas (Câmara de Deputados Federal e Senado Federal) a
Lei de Migração – n. 13.445 de 24 de maio de 2017.
A Lei de Migração inovou ao considerar todas as categorias de mi-
grantes (tanto o imigrante quanto o emigrante) e principalmente em tra-
zer um caráter humanitário em prol dos direitos humanos e garantias
fundamentais. Possui 125 artigos e, além de estar em conexão, reconhe-
ce outros documentos internacionais relativos ao tema como a Conven-
ção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, o Estatuto do
Tribunal Penal Internacional e a Convenção sobre o Estatuto dos Apá-
tridas de 1954.
A Seção II da Lei de Migração traz os “Princípios e as Garantias”,
na qual o artigo 3o determina os princípios e as diretrizes que regem a
política migratória brasileira num rol de vinte e dois incisos. Dentre eles
destaca-se: da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos
direitos humanos; do repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a
quaisquer formas de discriminação; da não criminalização da migra-
ção; da acolhida humanitária1 (Brasil, 2019).
1
Art. 3o A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes: I -
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; II - repúdio e prevenção
à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; III - não criminalização da
migração; IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a
pessoa foi admitida em território nacional; V - promoção de entrada regular e de regularização
documental; VI - acolhida humanitária; VII - desenvolvimento econômico, turístico, social,
cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil; VIII - garantia do direito à reunião
familiar; IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares; X
- inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; XI - acesso
igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação,
assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante; XIII -
diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da
participação cidadã do migrante; XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social
e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre
252 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
De acordo com André de Carvalho Ramos a Lei também inovou
ao vedar o impedimento de ingresso, ou seja, foi assegurado que “nin-
guém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião,
nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibili-
tando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbi-
trários na zona primária de fronteira” (Ramos, 2019).
Com o objetivo de facilitar a regularização dos migrantes que en-
tram no Brasil, Ramos também destaca as seguintes novidades:
informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória. §
1o Os direitos e as garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na
Constituição Federal, independentemente da situação migratória, observado o disposto no §
4o deste artigo, e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte (Brasil,
2019).
3
Artigo 30 da Lei 13.335/2017 (Brasil, 2019).
4
Art. 14. O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com
o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos
uma das seguintes hipóteses:[...] § 5o Observadas as hipóteses previstas em regulamento, o
visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade
laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de trabalho
formalizada por pessoa jurídica em atividade no País, dispensada esta exigência se o imigrante
comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente (Brasil, 2019).
5
Art. 38. O visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha
exercer atividade laboral com ou sem vínculo empregatício no País. § 1o O visto temporário
para trabalho com vínculo empregatício será concedido por meio da comprovação de oferta
de trabalho no País, observado o seguinte: I - a oferta de trabalho é caracterizada por meio de
contrato individual de trabalho ou de contrato de prestação de serviços; [...] (Brasil, Decreto
9.199/17, 2019).
254 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
tará sobremaneira a obtenção de tal visto pelos migrantes” (Ramos et
al. 2019).
A Comissão de Especialistas também assevera que,
6
Portaria Interministerial n. 10 Dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização
de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos haitianos e apátridas residentes
na República do Haiti. (Brasil, Imprensa Nacional, 2019); Portaria Interministerial n. 12 Dispõe
sobre o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar. (Brasil,
Imprensa Nacional, 2019b); Portaria Interministerial n. 18 Dispõe sobre os procedimentos para
emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para imigrantes. (Brasil, Imprensa
Nacional, 2019c).
256 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
antecedentes criminais, por autoridade competente, que tenha residido
nos últimos cinco anos. Segundo Thiam o custo para o requerimento
da autorização de residência é muito alto9 para ser possivelmente ne-
gado, considerando que a certidão de antecedentes criminais demora
para chegar ao Brasil e tem um prazo de validade curto. Também há um
descaso da autoridade que recebe esta certidão, não dando importância
ao esforço que os imigrantes fazem para atender os requisitos exigidos
pela lei e o decreto.
Com tantas dificuldades resta perguntar se é possível ao poder pú-
blico aprovar um Decreto que deveria auxiliar a aplicação da Lei e não
trazer entraves a ela. O artigo 84, inciso IV da Constituição Federal pre-
vê que é competência privativa do Presidente da República “sancionar,
promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos e regula-
mentos para sua fiel execução” (Brasil, Constituição Federal/88, 2019).
Conforme análise da Comissão de Especialistas:
9
Para requerer a autorização de residência o custo é de R$ 168,13, mais o custo do envio da
certidão do Senegal para o Brasil e soma-se a tradução exigida, R$ 500,00.
258 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
movimentos de refugiados e migrantes”. Assim a Declaração compro-
mete os Estados a abordarem os fatores que levam a migração irregular
(ACNUR, 2019, p.1).
O documento também fixou o compromisso de elaborar um Pacto
Global para Refugiados e um Pacto Global para Migração Segura, Or-
denada e Regular em dois processos distintos. Os dois Pactos Globais
possuem estruturas que se complementam de cooperação internacio-
nal cumprindo seus respectivos mandatos, considerando o previsto na
Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes que reconhe-
ce que migrantes e refugiados possuem vulnerabilidades semelhantes
e podem enfrentar muitos desafios comuns. (United Nations. Global
Compact for Migration, 2019, p. 2).
O Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular com
trinta e quatro páginas reafirma, em seu preâmbulo, a sintonia com os
objetivos propostos pelas Nações Unidas, a Declaração Universal de Di-
reitos Humanos e demais tratados em proteção aos direitos humanos
em âmbito universal. Estipula vinte e três objetivos a serem alcançados
pelos Estados em cooperação, prevê a implementação destes objetivos e
estabelece um Fórum de Revisão de Imigração Internacional para rever
o documento a cada quatro anos (United Nations. Global Compact for
Migration, 2019, p.1).
O documento expressa o compromisso coletivo dos Estados em au-
mentar a cooperação em relação a migração internacional em todas as
suas dimensões, considerando que não há nenhum tratado em âmbito
internacional que regra a condição de migrante como há em relação aos
refugiados10. Desta forma, este Pacto firma o entendimento comum dos
Estados em relação as responsabilidades compartilhadas e um propósi-
to único em relação a migração, fazendo com que todos os atores envol-
vidos trabalhem pelo mesmo objetivo (United Nations. Global Compact
for Migration, 2019, p.1-2).
Entre os vinte e três objetivos11 propostos pelo Pacto destacam-se:
10
Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, também
conhecida como Convenção de Genebra de 1951.
11
1- Collect and utilize accurate and disaggregated data as a basis for evidence-based policies;
2- Minimize the adverse drivers and structural factors that compel people to leave their country
of origin; 3_ Provide accurate and timely information at all stages of migration ;4- Ensure that
all migrants have proof of legal identity and adequate documentation ; 5- Enhance availability
and flexibility of pathways for regular migration; 6- Facilitate fair and ethical recruitment
and safeguard conditions that ensure decent work ; 7- Address and reduce vulnerabilities in
migration; 8- Save lives and establish coordinated international efforts on missing migrants;
9- Strengthen the transnational response to smuggling of migrants;10- Prevent, combat and
eradicate trafficking in persons in the context of international migration; 11 Manage borders
in an integrated, secure and coordinated manner; 12 - Strengthen certainty and predictability
in migration procedures for appropriate screening, assessment and referral; 13 - Use migration
detention only as a measure of last resort and work towards alternatives;14 Enhance consular
protection, assistance and cooperation throughout the migration cycle ; 15- Provide access to
basic services for migrants; 16- Empower migrants and societies to realize full inclusion and
social cohesion; 17- Eliminate all forms of discrimination and promote evidence-based public
discourse to shape perceptions of migration; 18- Invest in skills development and facilitate
mutual recognition of skills, qualifications and competences; 19- Create conditions for migrants
and diasporas to fully contribute to sustainable development in all countries; 20- Promote
faster, safer and cheaper transfer of remittances and foster financial inclusion of migrants;
21- Cooperate in facilitating safe and dignified return and readmission, as well as sustainable
reintegration; 22 -Establish mechanisms for the portability of social security entitlements and
earned benefits; 23-Strengthen international cooperation and global partnerships for safe,
orderly and regular migration. (United Nations. Global Compact for Migration, 2019, p.5-6)
260 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Há de se considerar que o número de brasileiros residentes no ex-
terior (estimativa do Itamaraty em 2016 é de 3.083.255) é maior do que
o número de estrangeiros residentes no Brasil (a Polícia Federal estima
em cerca de 750 mil a população estrangeira no Brasil em 2017). Logo
o prejuízo maior da retirada do Estado brasileiro do Pacto é para os
brasileiros que estão na condição de migrantes residindo no exterior.
O governo brasileiro, por seu ministro de Relações Exteriores – Ernesto
Araújo - justificou sua retirada do documento afirmando que o docu-
mento não é adequado para tratar da questão migratória e que imigra-
ção deve ser tratada de acordo com a realidade e a soberania de cada
país e não como uma questão global.
Tal afirmação não condiz com o conjunto de princípios orientado-
res transversais e independentes contidos no Pacto, entre os quais está
contida a soberania nacional:
O Pacto Global reafirma o direito soberano dos Estados de deter-
minar sua política nacional de migração e sua prerrogativa de governar
a migração dentro de sua jurisdição, em conformidade com o direito
internacional. Dentro de sua jurisdição soberana, os Estados podem dis-
tinguir entre regularidade e irregularidade migratória, inclusive ao de-
terminar suas medidas legislativas e políticas para a implementação do
Pacto Global, levando em consideração diferentes realidades, políticas,
prioridades e requisitos nacionais para entrada, residência e trabalho. ,
de acordo com o direito internacional.12 (United Nations. Global Com-
pact for Migration, 2019, p.4) (tradução nossa)
Está talvez não seja a real justificativa do governo brasileiro, uma
vez que no conjunto de princípios também figuram além da soberania
nacional os princípios da cooperação internacional, do desenvolvimen-
to sustentável, dos direitos humanos, do estado de direito e do devido
direito, centrado nas pessoas, sensível às crianças, responsivo as ques-
12
National sovereignty: The Global Compact reaffirms the sovereign right of States to determine their
national migration policy and their prerogative to govern migration within their jurisdiction, in conformity with
international law. Within their sovereign jurisdiction, States may distinguish between regular and irregular
migration status, including as they determine their legislative and policy measures for the implementation of the
Global Compact, taking into account different national realities, policies, priorities and requirements for entry,
residence and work, in accordance with international law.
Considerações finais
262 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Referências
ACNUR. Agência da ONU para Refugiados. Declaração de Nova Iorque para
Refugiados e Migrantes. Disponível em:< http://www.globalcrrf.org/wp-content/
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264 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Regularização documental da
imigração senegalesa no Brasil no
novo marco legal
Giuliana Redin
Jaqueline Bertoldo
A
imigração senegalesa para o Brasil, representativa dos chamados
novos fluxos migratórios Sul-Sul, tem desmistificado o argumento
de que o Brasil é país acolhedor ao mostrar o quanto a sociedade
brasileira está estruturada na discriminação racial e de classe. Esse
fato mantém-se evidenciado no âmbito normativo do novo marco le-
gal das migrações no Brasil, sancionado por meio da Lei de Migração
13.447 de 2017. Apesar de incorporar um importante conteúdo de di-
reitos e princípios fundamentais e protetivos, manteve reservado à dis-
cricionariedade da Administração Pública o poder de definir critérios e
condições para ingresso e permanência de imigrantes no Brasil. Assim,
a agenda nacional das migrações internacionais é tangenciada pelas ló-
gicas do controle e dos interesses nacionais, que relativizam e, por isso,
negam na prática o conteúdo de proteção da pessoa humana que deve-
ria orientar exclusivamente o tema das migrações.
266 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
e direitos fundamentais, sofreu uma relativização ou um esvaziamento
em razão da manutenção de uma forte política de discricionariedade
do Estado, no âmbito ministerial, em relação à regularização migratória
(Redin e Bertoldo, 2018).
Durante o processo de discussão no âmbito da Câmara dos De-
putados, o Migraidh atuou no sentido de trazer a perspectiva do Direito
Humano de Migrar e da Igualdade Formal para o conteúdo normati-
vo, propondo uma mudança paradigmática da agenda, para afastar do
campo tradicional securitário. Na Nota Técnica do Migraidh ao Projeto
de Lei de Migração, elaborada em coautoria por Redin e Bittencourt
(2015), sustentava-se a necessidade de dois dispositivos estruturais “Di-
reito de Imigrar”2 e “Igualdade Formal”3, como forma de superar a ex-
clusão originária do não nacional, remetendo a agenda das migrações
a um conteúdo protetivo, ou seja, de direitos, e rompendo com a lógica
de que a imigração está sempre voltada a ideia do corpo trabalho e, por
isso, um lugar de eterna provisoriedade (Sayad, 1998).
A nova Lei de Migração, no entanto, não apenas negou a própria
mobilidade humana como possibilidade jurídica (Redin, 2013), como
também a igualdade formal, limitando-se a falar sobre em “promoção
de entrada regular e de regularização documental” (art. 3º, inciso V) e
“igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus fa-
miliares” (art. 3º, inciso IX). Ou seja, promoção da entrada regular e de
regularização documental, ficou condicionada à discricionariedade do
Estado por expressamente afirmar que “o visto é o documento que dá a
seu titular expectativa de ingresso em território nacional” (art. 6º), bem
como igualdade de tratamento e de oportunidade não significa igualda-
de plena ou formal perante do Estado, essa restrita ao vínculo político
de cidadania.
Em relação à promoção da entrada regular e de regularização do-
2
Conforme explica Redin (2013, p. 17) o direito humano de imigrar é um “direito à mobilidade
humana internacional, de estar, permanecer e aventurar-se ao porvir, sem uma petição de
pertença ao Estado (típica das exigências de naturalização) ou petição de inclusão. [...]. Ao
Estado impõe-se a obrigação de respeitar esse ‘terceiro espaço’, onde está o ‘direito de imigrar’,
e, consequentemente, reorganizar-se como instituição para acomodação dessa realidade”.
3
MINCHOLA, Luís Augusto Minchola. ´Veias Abertas’ da Cidadania: Nacionalidade,
Imigração e Igualdade Formal. Trabalho de Conclusão de Curso: UFSM, 2017.
268 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
da ao “perfil” que se quer do imigrante por trabalho formal. Ou seja,
a dificuldade em documentar aquele imigrante que não se enquadra
nessa nesse sistema também conflui com o perverso mecanismo de um
sistema produtivo de acumulação que lucra com a exclusão e a preca-
riedade das condições socioeconômicas do trabalhador, portanto, com
o desemprego ou o trabalho informal. Trata-se de uma similaridade,
mas pela via da não documentação do imigrante e sua impossibilidade
de ingressar formalmente no mercado de trabalho, ao chamado “exér-
cito industrial de reserva4” teorizado por Marx (2002), que alimenta a
superexploração dos corpos-trabalho que ficam em uma informalidade
e condicionalidade permanentes.
Por outro lado, outros modos produtivos econômicos não hege-
mônicos de um sistema industrial, empresarial de apropriação e acu-
mulação, também não autorizam a concessão de visto por trabalho.
Aqui são exemplos a economia solidária, baseada nos princípios da au-
togestão, cooperação e comércio justo, bem como o comércio informal,
de rua ou ambulante. E essa é uma das situações que mais afeta a imi-
gração senegalesa no Brasil, uma vez que adota, sobretudo pelas redes
constituídas pelos próprios imigrantes, tal prática prática econômica,
como forma de subsistência aqui no Brasil e pelo potencial das remessas
que enviam ao seu país5.
Outro ponto em relação ao controle migratório e a relativização
principiológica, está na questão da acolhida humanitária, que, especial-
mente, para a imigração senegalesa, até o novo marco legal, era a via
de documentação comumente utilizada por essa população imigrante.
Apesar da lei incluir a acolhida humanitária como princípio, a imple-
mentação dessa “proteção”, tem sido dada pela via da regulamentação
e das normativas ministeriais, em uma lógica que retira do Estado a
responsabilidade com o que estruturalmente tem produzido os novos
4
Cria-se, em grande escala e sistematicamente, um exército industrial de reserva sempre
disponível, dizimado durante parte do ano pelo mais desumano trabalho forçado e, durante
a outra parte, degradado pela falta de trabalho, noutra lançado à miséria por falta de trabalho.
(MARX, Karl. O Capital. Vol 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 543).
5
Sobre tais práticas vide Herédia, Vania Beatriz Merlotti (Org.). Migrações internacional: o caso
dos senegaleses no Sul do Brasil. Caxias do Sul: Belas-Letras, 2015.
6
Vide Portaria Interministerial nº 10, de 6 de abril de 2018, que dispõe sobre a concessão do
visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos
haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Disponível em: <https://sistemas.mre.
gov.br/kitweb/datafiles/Cingapura/en-us/file/Portaria%2010-2018.pdf>. Acesso em:12 dez.
de 2018.
7
Vide Portaria Interministerial nº 15, de 27 de agosto de 2018. Disponível em: <http://www.
dpu.def.br/images/stories/Infoleg/2018/08/portaria_mj_mre.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.
270 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
A questão documental relativa à imigração senegalesa antes e depois do
novo marco legal
9
As rodas de conversa constituem uma atividade dentro do trabalho de extensão desenvolvido
pelo Migraidh/CSVM, a partir da necessidade de promover espaços para acessibilidade
linguística aos imigrantes residentes em Santa Maria-RS.
10
Vide Resolução Normativa nº 02, de 1º de dezembro de 2017, que disciplina a concessão de
autorização de residência para fins de trabalho com vínculo empregatício no Brasil. Disponível
em: < http://trabalho.gov.br/trabalho-estrangeiro/nova-legislacao?start=50>. Acesso em: 11
dez. 2018.
11
Vide Portaria Interministerial nº 4, de 27 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://
www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/05042018-PORTARIAINTERMINI
STERIALN4DE27DEFEVEREIRODE2018.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2018.
272 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
de normativas administrativas.12 Dos documentos exigidos para Ama-
dou, inclui-se a negativa de antecedentes criminais do país de origem
e comprovação de filiação, ambos apostilados13, legalizados14 e traduzi-
dos oficialmente por tradutor juramentado.
De porte dos documentos, acompanhamos Amadou na unidade lo-
cal da Polícia Federal, onde sua documentação foi verificada e foi infor-
mado de que poderia regularizar a residência por acolhida humanitária
e não pelos casos omissos, bastando fazer o agendamento pelo site da
Polícia Federal e retornar no dia marcado, quando já teria o seu Regis-
tro Nacional Migratório expedido automaticamente. Assim procedeu
Amadou, entregou a documentação exigida, incluindo uma solicitação
de isenção de taxas por sua condição socioeconômica, e, ao final do
procedimento administrativo, obteve a autorização de residência com
base na acolhida humanitária para residentes de qualquer país, tendo
finalmente conseguido o seu RNM. Na oportunidade, também lhe foi
solicitado o cancelamento do pedido de refúgio, que foi autorizado por
Amadou diante da obtenção da residência.
No dia seguinte, no entanto, fomos contatados por Amadou de que
ele havia sido procurado pela Polícia Federal em razão de um erro no
seu processo de solicitação de residência e que deveria retornar ao posto
da polícia para resolver o problema. Imediatamente, entramos em con-
tato com a Polícia Federal, quando fomos informados de que a via hu-
manitária, que foi aplicada no seu caso, não poderia ter sido utilizada, já
que as normativas somente autorizam a concessão de residência por ra-
12
Como é o caso das normativas expedidas pelo Ministério do Trabalho que apresentam
extensas listas para comprovação de atividades específicas.
13
Conforme o CNJ, a apostila “é um certificado de autenticidade emitido por países signatários
da Convenção da Haia, que é colocado em um documento público para atestar sua origem
(assinatura, cargo de agente público, selo ou carimbo de instituição)”. Disponível em: <http://
www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/convencao-da-apostila-da-haia/
perguntas-frequentes>. Acesso em: 09 nov. 2018.
14
Conforme a Resolução Nº 228 de 22/06/2016 do CNJ, a legalização ou chancela consular é
“a formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido
pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele
aposto”. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3139>. Acesso
em: 09 nov. 2018.
15
Vide Portaria Interministerial nº 10, de 6 de abril de 2018, que Dispõe sobre a concessão do
visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos
haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Disponível em: <https://sistemas.mre.
gov.br/kitweb/datafiles/Cingapura/en-us/file/Portaria%2010-2018.pdf>. Acesso em:12 dez.
de 2018.
16
Vide Portaria Interministerial nº 15, de 27 de agosto de 2018. Disponível em: <http://
www.dpu.def.br/images/stories/Infoleg/2018/08/portaria_mj_mre.pdf>. Acesso em: 12 dez.
2018.
274 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
O antigo visto permanente por razões humanitárias
No âmbito da legislação anterior, ainda na vigência do revogado
Estatuto do Estrangeiro de 1980, a documentação para o imigrante que
pretendia trabalhar ou estabelecer a reunião familiar no Brasil era pos-
sível por meio do chamado visto permanente, concedido pelo Conse-
lho Nacional de Imigração (CNIg), órgão vinculado ao Ministério do
Trabalho e Emprego, a partir do poder de decisão administrativa do
respectivo órgão, em atenção aos critérios estabelecidos em regulamen-
to e resoluções ministeriais. Para as situações de trabalho não previstas
nestes critérios, havia uma regra geral que permitia ao CNIg decidir por
justificativa de oportunidade e conveniência, embasado na Resolução
Normativa de número 27 de 1998. A motivação imigratória senegalesa
voltada a trabalho em geral não se enquadrava em nenhuma das hi-
póteses específicas que autorizavam visto permanente, por exemplo,
proposta de trabalho de pessoa jurídica, trabalho especializado, dentre
outras situações. Assim, com base em dois importantes movimentos:
um do próprio Ministério da Justiça em buscar respostas de regulariza-
ção documental com o Ministério do Trabalho e Emprego diante do não
reconhecimento de refúgio a muitos pedidos de solicitação formulados
por imigrantes não forçados que não tinham outra documentação; ou-
tro da Defensoria Pública da União em encaminhar listas de imigran-
tes sobretudos senegaleses para regularização migratória; o CNIg pas-
sou a reconhecer visto permanente com base na Resolução Normativa
27/1998, utilizando como justificativa a “razão humanitária”.
O visto permanente por razão humanitária era diferente do visto
humanitário. Esse último foi criado por política interministerial entre
Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e Emprego, especifica-
mente para a situação de haitianos vindos ao Brasil, que não se enqua-
dravam, segundo decisão do Comitê Nacional para Refugiados (CO-
NARE), na situação de refugiados. O visto humanitário fornecido pelo
CNIg, portanto, era restrito aos haitianos e uma modalidade de visto
permanente17, ainda que com prazo determinado (dois anos), que foi
17 Resolução Normativa 97 do Cnig de 2012 que foi, posteriormente, parcialmente revogada
276 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
proteção dá-se por meio do princípio da não devolução, ou seja, não
poderá o refugiado ser deportado, expulso ou extraditado.
Tal instituto assegura um direito, que é exercido antes de um cha-
mado processo de elegibilidade que julga a situação de refúgio, que é
o de solicitar refúgio. A solicitação pode ser feita em qualquer posto
da polícia federal, bastando a alegação do interessado. A partir desse
momento, o solicitante receberá um protocolo e poderá obter documen-
tos como o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPs). Ficará em situação regular até o julgamen-
to de seu pedido pelo CONARE, vinculado ao Ministério da Justiça.
Contudo, o solicitante de refúgio não recebe autorização de residência,
apenas quando sua situação de refugiado for reconhecida ou após obter
residência pela via das migrações em geral (atualmente pela Resolução
Normativa nº 26 do CONARE, uma vez concedida autorização de resi-
dência por hipótese das migrações em geral, será cancelado o pedido
de solicitação de refúgio, que será arquivado). O solicitante de refúgio,
fica impossibilitado de viajar para o exterior, exceto com autorização do
CONARE, bem como de trazer a família pelo direito à reunião familiar.
Diante do caráter seletivo do sistema de vistos do revogado Estatu-
to do Estrangeiro, que apresentava muitas restrições e dificuldades para
grande parte da população migrante poder obter documento no país, a
solicitação de refúgio passou a ser utilizada como via documental, como
única possibilidade de regularização de condição migratória, e obten-
ção de CPF e CTPS. Um exemplo é o caso dos imigrantes senegaleses
que chegavam no Brasil sem visto, por via terrestre desde outros países
que não solicitam visto para passeio ou turismo, já que, objetivamente,
o Senegal não é reconhecido como país onde se verificam as hipóteses
para concessão do refúgio. Em geral, a motivação migratória dos sene-
galeses no Brasil é por trabalho, mas como não se enquadravam na épo-
ca do revogado Estatuto do Estrangeiro, situação que subsiste no novo
marco legal, nas hipóteses para concessão de um visto, encontravam
e ainda têm encontrado no direito de solicitar refúgio a única via para
regularização migratória. Mesmo com a garantia de estar regular no
país, a solicitação de refúgio constitui uma via precária para obtenção
278 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
O atual sistema de vistos e a autorização de residência
O novo marco legal alterou significativamente o sistema de contro-
le para ingresso e permanência no Brasil. No que se refere ao sistema de
vistos, a lei extinguiu o antigo visto permanente e incluiu novas hipóte-
ses para concessão do visto temporário, que agora pode ser concedido
com base nas seguintes finalidades: trabalho, tratamento de saúde, estu-
do, acolhida humanitária, reunião familiar, dentre outros.
No entanto, foi mantida a expedição de vistos restrita às embaixa-
das e consulados, com exceção ao visto oficial, diplomático, e de cor-
tesia, únicos que podem ser expedidos dentro do território nacional.
Além disso, a lei manteve o visto como mera “expectativa de ingresso”
e não como direito. Por outro lado, todas as hipóteses relativas ao visto
temporário agora estão também incluídas como hipóteses para conces-
são de autorização de residência, além de outras possibilidades, como
é o caso da pessoa reconhecida como refugiada ou, por exemplo que
“tenha sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de vio-
lação de direito agravada por sua condição migratória” (art. 30). A au-
torização de residência constitui a principal via de regularização migra-
tória por imigrantes que já estão em território nacional, como o caso de
solicitantes de refúgio, com ou sem visto, que possam enquadrar-se em
alguma das hipóteses legais para obtenção da residência. Além disso,
imigrantes com visto expedido na vigência do Estatuto do Estrangeiro e
que desejam permanecer no território brasileiro também devem realizar
um novo pedido de permanência por meio da autorização de residência
antes do prazo de vencimento do visto. Se já vencido o visto, durante
o procedimento de deportação, a nova lei previu um prazo de 60 dias
prorrogáveis para regularização da condição migratória que pode ser
feito dentro do território nacional por meio de pedido de autorização
de residência.
No caso de imigração com motivação de trabalho, as autorizações
de residência são concedidas por meio do Ministério do Trabalho e os
pedidos são feitos de forma online por meio do sistema “MigranteWeb”,
cujo acesso se dá por certificação digital. Enquanto a Lei de Migração
280 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de di-
reito internacional humanitário” (art. 14). Pela legislação anterior, a prá-
tica administrativa do CNIg passou a reconhecer visto permanente por
razão humanitária, com o objetivo de documentar alguns dos recentes
fluxos migratórios para o Brasil, como o caso dos senegaleses. Contudo,
a partir da nova lei e do regulamento, mesmo com a expressa previsão
sobre a acolhida humanitária, é em âmbito interministerial onde se es-
tabelecem os requisitos para sua concessão, sendo que, até o presente
momento, essa via documental está restrita a nacionais e residentes do
Haiti e Venezuela. Ou seja, com atual marco legal a antiga prática admi-
nistrativa foi restringida, negando-se uma importante via documental
para diversos fluxos como de senegalese, ganeses, dentre outros, que
geralmente não tem visto prévio ou vínculo formal de trabalho.
Por fim, há também Portaria Interministerial nº 4 de 2018 do Minis-
tério da Justiça como forma de regulamentar os casos que não estão pre-
vistos em lei e no regulamento, chamados de “casos omissos”. O pedido
de residência com base nessa normativa é feito em uma unidade da Po-
lícia Federal que será encaminhado e julgado pelo Ministério da Justi-
ça, cuja decisão cabe recurso. Dentre a lista documental exigida estão:
certidão de antecedentes criminais de onde tenha residido nos últimos
cinco anos e comprovante de filiação, ambos apostilados, legalizados e
traduzidos por tradutor público juramentado, além da comprovação de
pagamento de taxas migratórias.
18
Vide conteúdo do dispositivo legal que ampliava o conceito de família e foi vetado: “Art.
37, parágrafo único: A concessão de visto ou de autorização de residência para fins de reunião
familiar poderá ser estendida, por meio de ato fundamentado, a outras hipóteses de parentesco,
dependência afetiva e fatores de sociabilidade”.
282 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
Considerações finais
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286
Apresentação
Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba:
apontamentos etnográficos sobre a vivência
da fé no contexto migratório de senegaleses
Murides
Juliana Rossa
R
efletir sobre o cenário migratório dos senegaleses que vieram para
o Brasil1 na atualidade implica levar em conta a religião que eles
trazem na bagagem. As redes de irmandade que se formam na diás-
pora senegalesa são uma ferramenta extremamente eficaz para orientar
e apoiar a imigração, contribuindo para a manutenção dos seus fortes
laços de identidade coletiva (Salis; Navarra, 2010). A importância do
aspecto religioso nesse contexto é unanimidade entre os pesquisadores
em diferentes partes do mundo2 e também no Brasil3.
O Senegal conta com uma população com mais de 90% de muçul-
manos (Sambe, 2007; Thiam, 2010). O islamismo, longe de constituir
1
Essa é uma imigração essencialmente laboral, conforme apontam estudos de Herédia (2015)
e Tedesco e Mello (2015a, 2015b), entre outros.
2
Ver estudos de Arduino (2011), Bava (2003), Bava e Gueye (2001), Dang (2013), Holm (2016),
Riccio (2006), Salis e Navarra (2010, p. 11), Sambe (2007), Zubrzycki (2011), entre outros.
3
Ver estudos de Diaz (2017), Herédia (2015), Romero (2017), Tedesco (2016, 2017), Tedesco
e Mello (2015a, 2015b), entre outros.
288 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
cal e performance”, orientada pelo professor Dr. Rafael José dos Santos,
defendida em agosto de 2018 junto ao Programa de Doutorado em Le-
tras – Associação Ampla UCS-UniRitter.
O intuito é refletir sobre aspectos observados no percurso etno-
gráfico, que podem tornar possível um melhor entendimento sobre as
práticas religiosas no cenário migratório. Para fins de contextualização,
apresento alguns apontamentos teóricos sobre o islamismo na África,
em especial, sobre o Muridismo, de cuja confraria provém grande par-
te dos imigrantes que integram a diáspora senegalesa, revelando um
transnacionalismo religioso (Arduino, 2011; Zubrzycki, 2011; Tedesco;
Mello, 2015b).
6
Babou (2007), aqui, baseia-se nos apontamentos dos autores Alvise da Mosto e Valentin
Fernandes.
290 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
A partir do século XVI, a mudança das circunstâncias políticas deu
um ímpeto ao desenvolvimento do Islã, que, nesse século, começou a se
expandir gradualmente nos círculos de poder. Esse desenvolvimento
ocorreu, em parte, devido ao surgimento de novas políticas. Ocorreu a
queda do Império Wolof, que dominava a paisagem política do Senegal
por mais de dois séculos. Esse acontecimento deu origem a uma série
de estados menores, entre os quais os reinos wolofianos de Jolof, Waalo,
Kajoor e Bawol, e o estado de Saalum, dominado pelas dinastias Wolof
e Sereer (Babou, 2007).
Esses estados wolof compartilhavam estruturas sociais e políticas
semelhantes, caracterizadas por uma divisão em grupos ocupacionais
endógamos, em um sistema de castas, e a presença de classes de escra-
vos, governantes e homens livres. Os governantes desses novos estados
estavam mais abertos à influência de comerciantes e clérigos muçulma-
nos que lhes forneciam bens materiais e opiniões sobre o governo (Ba-
bou, 2007).
Nesse período, o continente africano foi marcado por confrarias
sufis, as tariqa (que significa, em árabe, “via” ou “caminho”; singular
turuq), que abriram uma nova página na história religiosa do Senegal,
como em várias outras partes do continente. As confrarias que marcam
o espaço religioso senegalês se subdividem em duas categorias: as cha-
madas alogênicas – com origem fora do Senegal –, como a Qâdiriyya e
Tijâniyya, e as endógenas – nascidas no Senegal –, como a Muridiyya
(Sambe, 2007). Os tijanes são a maioria, com 49% de praticantes no país,
seguidos dos murides, com 31% (Thiam, 2010). As outras confrarias me-
nores somam os outros 20%.
O sufismo é conhecido como um conjunto de correntes místicas
do Islã, tendo seus preceitos descritos no Alcorão. Sua etimologia revela
uma derivação da palavra árabe safa ou sawf, que significa pureza e lim-
pidez. Também significa lã (al-Souf), que o povo simples da cidade de
Kufa costumava vestir. É um movimento de transcendência, de proxi-
midade de Deus (Hourani, 1994, p. 87). “The ultimate goal is to become
a wali Allah (friend of God)”7, liberando-se das garras de preocupações
292 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
É o caso do Senegal, em que as confrarias têm desempenhado, desde o
início do século XIX, um papel fundamental na expansão e formatação
do Islã, além de uma importante função de influência econômica, social
e na cultura política e administrativa subjacente ao Estado colonial e
pós-colonial.
As relações do Estado com as confrarias muçulmanas sufis foram
construindo a história do Senegal. Nesse processo, emerge o papel dos
marabus9 (ou marabouts), “termo que de uma forma genérica desde o
tempo colonial designa no Senegal e nos países vizinhos os dirigentes
das confrarias (califas, serignes10, xeiques), e são hoje, como no passado
colonial, uma referência essencial no jogo político senegalês” (Sambe,
2007, p. 2). Babou (2007, l. 159), cita um dos autores pioneiros a tratar
sobre o Islã no Senegal, o francês colonialista Paul Marty (1882-1938),
para descrever os marabus: “The black Muslims of Senegal align them-
selves, without exception, behind the banner of marabouts. They do not
conceive of Islam outside the affiliation to a Sufi order, or more exactly,
without allegiance to a ‘serigne’[...]”.11
Grande parte dos mais importantes marabus descende dos funda-
dores das confrarias ou dos seus ramos locais, tendo influente domi-
nação sobre os discípulos (taalibe, singular: taalib), por meio da baraka,
que é um poder que emana de Deus (Babou, 2010, l. 170). A baraka se
transmite “[...] predominantemente no interior das famílias de marabou-
ts e de todo o conhecimento religioso dos taalibe ser adquirido através
de uma cadeia de transmissão de autoridade espiritual e intelectual ini-
ciada pelo fundador e controlada pelos seus sucessores (silsila)” (Sambe,
2007, p. 3).
9
De acordo com relatos de campo, a figura do marabu é fundamental dentro das práticas
murides, como exemplo moral e intelectual, e de ligação direta com o líder maior, que lhes
transmitiu baraka. Os murides apresentam especial respeito e fidelidade a seus marabus, pois
representam para eles a continuidade da vida e da missão de Cheikh Ahmadou Bamba. Cada
muride segue, geralmente, o marabu ao qual seu pai já era seguidor. É a linhagem paterna que
define esse processo, sendo que a mulher, ao casar, acaba por seguir o marabu do seu marido.
10
Serigne, “cheikh” (em árabe), significa líder religioso de grande prestígio.
11
Tradução da autora: “Os muçulmanos negros do Senegal se alinham, sem exceção, atrás da
bandeira dos marabus. Eles não concebem o Islã fora da afiliação a uma ordem sufi, ou mais
exatamente, sem fidelidade a um ‘serigne’ [...]”.
294 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
dever do ser humano era buscar a educa-
ção, que levava as pessoas a serem bons
muçulmanos (Babou, 2007, l. 1201). No
entanto, ele preconizava que era preciso
aliar conhecimento e prática religiosa.
O sistema que Bamba projetou foi
uma educação ao longo da vida voltada
para transformar o caráter e o comporta-
mento do discípulo. Ele compreendia três
etapas principais: a educação exotérica,
ou taalim, que visava transmitir conhe-
cimento através do estudo do Alcorão e
das ciências islâmicas; a educação esoté-
rica, ou tarhiyya, que visava à educação
da alma; e a sua ascensão, a targirya. Este
terceiro passo era atingido por apenas
um pequeno número de discípulos espe-
Fig. 1. Cheikh Ahmadou Bamba.
cialmente capacitados, permitindo a ele- Fonte: Babou (2007). Esta foto
vação de suas almas além da futilidade é a única imagem real existente
do líder.
da vida material, colocando-os em uma
posição de liderança na comunidade (Ba-
bou, 2007, l. 1201). Assim, os conceitos sufis de taalim, tarbiyya e tarhiyya
moldavam o sistema educacional de Bamba e eram familiares aos clé-
rigos instruídos. O que ele trouxe de novo foi o esforço para realmente
dar conteúdo educacional concreto a essas noções abstratas. Uma de
suas preocupações era encontrar um método que ajudasse a traduzir as
crenças internas em práticas exteriores (Babou, 2007, l. 1213).
Embora Bamba fosse o assistente e secretário de seu pai, também
mostrou uma forte tendência à independência. Seus pensamentos fo-
ram influenciados por outras ordens e mestres sufis, como Ghazali, que
era reconhecido na época por suas ideias renovadoras do Islã, concilian-
do a interpretação racional e rigorosa da religião com a espiritualidade
e esoterismo místico (Babou, 2007, l. 1157).
Tradução da autora: “O muride genuíno é o discípulo sincero que ama seu xeique, submete-
14
296 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
em residência vigiada, em Diourbel, até sua morte, em 1927 (Kane, 2010,
p. 50).
Todas as provações pelas quais Bamba passou frente aos emba-
tes com a administração da colônia francesa aumentaram ainda mais
a admiração de seus seguidores. E uma das heranças religiosas mais
importantes deixadas pelo seu líder aos murides é o Grand Magal de
Touba (Grande Festa de Touba), que é a principal celebração muride.
De acordo com Bava e Gueye (2001, p. 424), o Grand Magal é comemora-
do no dia 18 do mês de Safar do calendário muçulmano. O desenvolvi-
mento desse evento e seus significados são característicos da evolução
dos bens religiosos para a autoridade da irmandade e seus membros.
A celebração é um pedido feito pelo próprio Cheikh Ahmadou Bamba
aos seus discípulos, em comemoração ao aniversário de sua primeira
partida para o exílio no Gabão.
Já que a administração colonial queria quebrar seu ímpeto e de sua
irmandade, ele escolheu essa data especialmente pelo significado que
deu às provações, que ele acabou chamando de “benefícios”. Ou seja,
esses testes que lhe permitiram, de acordo com a lógica sufi, acessar as
mais altas graças divinas. Ahmadou Bamba teria agradecido ao Senhor
por esse isolamento que o tirou dos homens e o aproximou dele, de seus
companheiros e anjos. Ele teria entrado em um pacto de lealdade com
o profeta a fim de alcançar o estágio espiritual que desejava. Para isso,
foi preciso se afastar de Touba, onde ele estava protegido pelo poder
divino, para enfrentar o seu destino e passar por muitas dificuldades,
o que contribuiu com sua busca espiritual (Bava; Gueye, 2001, p. 424).
O Magal de Touba, ao longo do tempo, foi transformado em um
feriado religioso, em que ocorrem celebrações com diferentes práticas,
como cantos de khassidas, recitação do Alcorão e orações, além de visitas
a marabus, à mesquita, aos mausoléus e a outros lugares sagrados. Mais
do que uma comemoração, esse momento de exaltação coletivo é um
ato global de captura do poder sacral da irmandade muride por meio
da baraka. Nesse dia, quase dois milhões de discípulos do Senegal e de
todo o mundo visitam Touba (Bava; Gueye, 2001, p. 424).
15 As dahiras podem ser organizadas de acordo com a aldeia de origem ou de acordo com a
categoria socioprofissional do muride, como, por exemplo, dahira de estudantes, de estivadores,
de trabalhadores de uma determinada área (Kane, 2011, p. 51).
16
Destaco que existem diversos imigrantes senegaleses na cidade que são de outras confrarias,
como os tijanes, que, muitas vezes, também participam das práticas murides.
298 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Sul desde 201217, sendo que participei de todas as edições entre 2013 e
2018. As características do evento se repetem, edição após edição, com
grande mobilização entre os integrantes da confraria para a organização
da festa – aberta à comunidade –, que reúne centenas de imigrantes não
só da cidade, mas também de cidades vizinhas menores.
A organização do Grand Magal inicia-se com antecedência, com
diversas atividades, como, por exemplo, a produção de material gráfico
especial contendo as informações sobre data, programação e local da
festa. O objetivo é atingir não somente os senegaleses, mas especialmen-
te os brasileiros18. Em todos os eventos do Magal de Touba que partici-
pei, a lógica de funcionamento foi sempre a mesma: uma celebração que
vai da manhã ao início da noite. No evento são servidos café Touba19 e
pratos típicos do Senegal, há momentos de salāt (ritual de prece dos mu-
çulmanos cinco vezes ao
dia), e, de maneira quase
ininterrupta, há cantos
de khassida, entoados, na
maior parte por um ku-
rel (coral) ou individual-
mente.
Uma prática comum
entre os senegaleses em
diáspora é a instalação de
uma dahira. Nas dahiras
são realizados encontros Fig. 3. Kurel Khassida em Magal de Touba em
Caxias do Sul. Fonte: Foto da autora (2016).
semanais, principalmente
17
Ou seja, desde o primeiro ano da chegada dos primeiros imigrantes senegaleses à cidade. Ver
Rossa (2018).
18
Os imigrantes fazem questão da grande participação de brasileiros no Magal de Touba para
a popularização de suas crenças. No caso dos gestores de empresas que empregam murides, é
importante que eles compreendam o significado da celebração e liberem seus funcionários nesse
dia, caso a data não ocorra em final de semana. Assim, além da hospitalidade característica dos
imigrantes senegaleses, esse é um momento em que se procura difundir a sua cultura religiosa
em todos os âmbitos de suas convivências.
19
Café típico senegalês, condimentado com especiarias como djar, uma semente moída de uma
árvore de mesmo nome do Senegal.
20
Nourou Narayni significa “a luz dos dois mundos, ou seja, a terra e o céu” (DIÁRIO DE
CAMPO, 2016).
300 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Mbacké, referência política,
religiosa e acadêmica no Se-
negal e no cenário da diáspo-
ra. Na ocasião, durante seu
discurso, o líder falou da im-
portância que tinha para ele
conhecer detalhes da adap-
tação dos senegaleses no
território de destino. Além Fig. 5. Dahira em espaço público, na praça central
disso, destacou a necessida- de Caxias do Sul. Fonte: Foto da autora (2017).
de dos murides obedecerem
às leis locais e serem bons
exemplos de conduta, para
que não houvesse uma ima-
gem negativa da comunida-
de senegalesa no local que a
recebeu.
Essas e outras manifes-
tações religiosas vivenciadas
durante o percurso etnográ-
fico permitem perceber que
as comunidades murides Fig. 6. Ginásio esportivo lotado para a visita do marabu
Serigne Khalil Mbacké. Fonte: Foto da autora (2014).
formadas por imigrantes
senegaleses diferem-se das
comunidades formadas por
imigrantes contemporâneos
vindos de outros países,
como do Haiti, que também
manifestam suas crenças,
mas, talvez, não de forma
tão vigorosa como os muri-
des vindos do Senegal.
302 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Fig. 8. Gráfica em Touba com o nome em
homenagem a Cheikh Ahmadou Bamba.
Fonte: Foto da autora (2017).
Fig. 10. Escola corânica (dahara) em Touba. Fonte: Foto da autora (2017).
304 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Fig. 11. Originais escritos por Cheikh
Ahmadou Bamba, na Biblioteca
Daaray Kamil, em Touba. Fonte: Foto
da autora (2017).
Na biblioteca Daaray
Kamil, em Touba, estão dis-
postos em prateleiras os ma-
nuscritos de Cheikh Ahma-
dou Bamba, cujos volumes
são encapados e catalogados. Esse é um local bastante sagrado da bi-
blioteca, sendo zelado por um curador, cujo pai também fazia a mesma
função.
Em outra sala da biblioteca, há um espaço reservado para os per-
tences de Bamba, com destaque para a sua cama, e sobre ela, exatamen-
te como ele fazia, estão exemplares seus de Alcorão. O responsável pelo
espaço explicou que, para o fundador do Muridismo, esses livros eram
mais importantes do que ele, e, por isso, mereciam repousar confortá-
veis sobre sua cama enquan-
to ele podia dormir no chão.
O lugar de maior sacra-
lidade para os murides é a
Grande Mesquita de Touba,
onde está sepultado o corpo
de Cheikh Ahmadou Bamba.
Ao redor de toda a quadra
que circunda o templo não Fig. 12. Exemplares de Alcorão de Bamba, sobre
é permito andar com os pés sua cama, em sala especial na Biblioteca Daaray
Kamil, em Touba. Fonte: Foto da autora (2017).
calçados. Percebe-se um in-
tenso respeito ao local, que tem capacidade para 7 mil pessoas. Há todo
um rigor para o ingresso na mesquita, que é zelada pelos descendentes
de Bamba e guardada por seguranças dia e noite. É um local de constan-
te peregrinação, sendo o ponto de encontro dos murides principalmente
durante o Grand Magal de Touba.
Meu interlocutor possuía grande prestígio junto aos líderes religiosos locais, e conseguiu a
25
autorização para a visita após a explicação dos fins da minha pesquisa. Destaco a forma positiva
como fui recebida por diferentes marabus, que demonstraram satisfação por “uma brasileira
estar pesquisando sobre o muridismo”.
306 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
paço, demonstrando a preocupação com a preservação dos elementos
físicos e espirituais envolvidos no local.
A preservação religiosa, contudo, está centrada fundamentalmen-
te na figura dos marabus. Os líderes religiosos são figuras de destaque,
com grande prestígio no Senegal. Durante a minha estada no país, tive
a oportunidade de conhecer e conversar com vários deles. Além disso,
acompanhei um encontro com o califa geral dos murides (equivalente
ao papa para os católicos) Serigne Sidi Makhtar Mbacké26 com dahiras
femininas em Touba. Era visível entre os presentes a ansiedade que pre-
cedeu o momento do encontro, que não durou mais do que alguns mi-
nutos com o líder.
Fig. 15. Encontro de dahiras femininas com o califa geral dos murides em Touba.
Fonte: Foto da autora (2017).
O líder faleceu no mês de dezembro de 2017. Cher me passou um card que circulava no
26
WhatsApp dos imigrantes senegaleses com a notícia do falecimento. Nas redes sociais também
foram muitas as manifestações referentes à morte de Serigne Sidi Makhtar Mbacké.
308 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Para Zubrzycki (2011), essas relações criadas nos países de destino
podem estar ligadas à questão de que o Muridismo é uma confraria
islâmica essencialmente senegalesa, estruturada por seu fundador em
torno da cidade de Touba, oportunizando uma diáspora ligada à cidade
a partir da emigração dos seus discípulos para o exterior. São fiéis que
aderem a um projeto comum, que constrói e reafirma a identificação
com a confraria, que representa um Islã predominantemente senegalês
em qualquer lugar do mundo. Esse é um contexto, inclusive, de manu-
tenção de recursos financeiros para a confraria por meio desses líderes.
Diante desses aspectos, torna-se possível compreender a figura re-
presentativa de Cheikh Ahmadou Bamba, que continua presente entre
seus discípulos por meio de seus herdeiros, os marabus, que simbolizam
a “presença viva” do seu líder e que permite a transmissão da baraka.
Isso tudo representa um estímulo à continuidade de suas diferentes prá-
ticas religiosas no país de destino, fundamentalmente ligadas às dahiras,
às festas religiosas, entre outras manifestações. São representações de
um universo simbólico muride, que pode tornar menos árido o territó-
rio de destino, podendo se configurar com um dos fatores que contri-
buem positivamente com a diáspora senegalesa.
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312
Apresentação
Interculturalidade e inserção
sociolaboral:
Estratégias e contraposições da
presença de senegaleses no Centro-Norte
do Rio Grande do Sul
O
momento presente, ao que parece, um pouco movido pelos fatos
em torno de conflitos étnicos, culturais e de identidade social, num
mundo global que se diz aberto, revela maior premência do conví-
vio intercultural (Bauman, 2017).
A imigração faz desencadear uma realidade multicultural, que é,
de fato, a característica das sociedades complexas atuais. Sabemos que
as culturas não são estáticas, definitivas, nem paradigmáticas, ainda que
numa sociedade em constante mudança e cada vez mais multicultural
e multirracial. Há culturas e sociedades, ambas no plural; e nem uma
delas revela ser um sistema autônomo e independente. Há múltiplos
fatores que as dinamizam, determinam e vinculam.
1
Estivemos por vários momentos fazendo pesquisa na Itália sobre brasileiros naquele país.
Desse modo, o tema da intercultura fez parte de nossa análise. Para consulta, ver TEDESCO,
J. C. Entre raízes e rotas: identidades e culturas em movimento. Itajaí/Passo Fundo: Univali/UPF
Editora, 2012.
2
Existe uma integração invisível ainda que num sentido marginal, assim como uma
representação social, pois, na medida em que é objetivada, socializada genericamente, produz
a própria realidade, ou seja, o imigrante apresentado como perigoso, vagabundo e marginal é
predisposto a se tornar.
produtos, imigrantes
presos, legislações fei-
5
Fonte: Jornal Uirapuru, em 22 fev. 2017, p. 01. Disponível em: <http://rduirapuru.com.br/
policia/senegales-e-populares-sao-detidos-pela-policia-apos-confusao-no-centro/>.Acesso
em: 09 dez 2018.
Fig. 5. Senegaleses, por ocasião do “Encontro de Etnias” em Passo Fundo, expuseram edições do
Alcorão, outros livros religiosos e de história do Islã, bem como vestimentas típicas do Senegal,
em junho de 2018. Fonte: Jornal O Nacional, Passo Fundo, 17/06/2018.
Fig. 10. Curso de língua portuguesa promovido pela Pastoral dos Imigrantes de Passo
Fundo. Fotos de Manoel V. S. de Mattos, professor do curso, gentilmente cedidas.
A língua vai auxiliar, em muito, na adaptação cultural no país de
destino, mas vai também provocar tensões no horizonte da família, en-
tre gerações, nos universos referenciais de pertencimentos.
Senegaleses também se inserem no ensino superior em Passo Fun-
do. Há vários deles em algumas instituições. Na Universidade de Passo
Fundo, Abou Ba foi o que inaugurou a inserção de senegaleses na ins-
tituição, optando pelo curso de Letras7. Segundo informações que obti-
vemos no setor de bolsas da referida instituição, todos os estrangeiros
possuem algum tipo de incentivo para efetivar seus cursos.
Os espaços públicos, pra-
ças, escolas, campos de fute-
bol e ruas passam a ser vis-
tos como oportunidades para
o intercâmbio cultural. Em
Passo Fundo há um grupo de
senegaleses que toca tambo-
res e se apresenta em teatros,
praças e ruas; sua sonoridade
se faz sentir em várias partes
da cidade e torna-se atração
principal onde estão presen-
Fig. 11. O senegalês Abou Ba, na
Universidade de Passo Fundo. tes. São ações e espaços sim-
Foto: Divulgação/Assessoria UPF. bólicos para viabilizar a visi-
bilidade, a integração social e,
ao mesmo tempo, expor publicamente a diversidade. O grupo tem mais
de vinte tambores, trazidos do Senegal com a participação financeira de
autóctones. As apresentações revelam a profunda simbologia da expres-
são sonora dos tambores para a cultura africana e, em particular, sene-
galesa. Através da apresentação, alguns membros do grupo vão narran-
do e explicando significados das danças, da sonoridade, dos ritmos etc.,
como constitutivos de culturas e história local/regional do país. Com
7
Jornal Uirapuru. UPF recebe primeiro aluno senegalês. Passo Fundo, 17 mar. 2016. Disponível
em: <http://rduirapuru.com.br/educacao/upf-recebe-primeiro-aluno-senegales/>. Acesso
em: 09 dez. 2018.
Fig. 22. Notícia sobre a “compra de casamentos” em Passo Fundo. Fonte: Jornal
Uirapuru, Passo Fundo, 13 abr. 2018, p. 3.
8
Jornal O Nacional. Senegaleses promovem movimento pela paz. Passo Fundo, 03
abr. 2019. Disponível em: http://www.onacional.com.br/geral/cidade/90231/
senegaleses+promovem+movimento+pela+paz. Acesso em: 05 abr. 2019.
Fig. 27. Festa religiosa do Grand Magal promovida por senegaleses em Passo Fundo,
em 19/11/2016 e em 07/11/2018. Fotos: Alex Antônio Vanin.
Fig. 28. Festas religiosas do Grand Magal em Passo Fundo, realizadas em 2015 e 2018.
Fotos: Rádio Uirapuru e Caroline de Oliveira Morais, respectivamente.
Considerações finais