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H

João Carlos Tedesco (Org.)


á uma diáspora sene-

A s múltiplas trajetórias galesa em várias par-


espaciais e suas causa- tes do mundo. A Euro-

Imigração
lidades e enfrentamen- pa e vários países da África
tos, o horizonte laboral, a fa- Ocidental são espaços mais

A
mília, as questões de gênero, antigos de fluxos migratórios;
presença de senegaleses, em várias partes
as expressões culturais e reli- a América do Norte e a do Sul
do mundo, em particular, no Brasil, possibilita-
giosas, as tentativas de impri- são mais recentes. Todos eles

senegalesa:
nos compreender os múltiplos processos do
mir processos interculturais, as são reveladores de múltiplas
fenômeno migratório contemporâneo. Na presente
legislações e suas adaptações causalidades e especificida-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões


obra estão alguns deles:
às intencionalidades dos imi- des.
grantes, o comércio nas ruas Os senegaleses chamam
• A África Ocidental e suas transformações

múltiplas
centrais das cidades - que tem muito a atenção nos espaços
econômicas e ambientais;
provocado tantos conflitos e de destino por algumas carac-
• As múltiplas trajetórias e a cultura emigratória terísticas de seu modus vivendi,
embates e ao mesmo tempo
no país; em particular, suas manifesta-
revelado dinamismos - inventi-
vidades e estratégias mercan- • A migração para a América do Sul; ções religiosas, linguísticas, cul-

dimensões
tis, dentre outros aspectos. • O fenômeno religioso e suas ritualidades nos turais, de pertencimento gru-
Intencionamos contribuir espaços de destino; pal e de expressão solidária.
para o melhor entendimento • As legislações e as estratégias de Esses processos produzem
da presença de imigrantes, regularização; indagações e resultam em
em particular, de senegale- • O horizonte laboral e as cidades; pesquisas científicas em várias
ses, nos cenários onde eles es-
tão inseridos, pois, a presença
• Gênero, intercultura e sociabilidades. Vol. II partes do mundo, em particu-
lar, no Brasil. Há muitos pes-
deles pode produzir, também, quisadores e estudos já efetu-
autorreflexão junto aos autóc- ados e em andamento. Nesse
tones, auxiliar nos processos João Carlos Tedesco (Org.) sentido, na presente coletâ-

Volume II
de integração intercultural e nea, objetivamos socializar al-
de convivência harmônica, tão guns deles. Buscamos contem-
necessários no mundo atual. plar alguns dos temas que são
caros ao horizonte migratório
João Carlos Tedesco em que senegaleses se inse-
jctedesco@upf.br rem, dinamizam, carregam,
reivindicam e produzem.
João Carlos Tedesco (Org.)

Imigração senegalesa:
múltiplas dimensões
Vol. II
COLEÇÃO MEMÓRIA E CULTURA

Os estudos sobre Memória e Cultura (em suas variadas expressões mate-


riais e imateriais) articulam várias abordagens, problemáticas e propostas
de pesquisa desenvolvidas na área das Ciências Humanas. Coadunando
perspectivas teórico-metodológicas com análises empíricas, suas repercus-
sões incidem no perceber e compreender como as relações sociais e histó-
ricas se articulam, dinamizam, desenvolvem e se cristalizam na perspecti-
va de seus agentes e da sociedade ampla que integram. Neste sentido, as
repercussões das pesquisas excedem o espectro específico das discussões
historiográficas para abranger, também, análises sociológicas, filosóficas,
institucionais, do cotidiano, das visões de mundo e das ações decorrentes
de tais compreensões.

Coordenação:

João Carlos Tedesco, Gizele Zanotto, Gerson Luís Trombeta

Fundada em 31 de janeiro de 1974, pelo Frei Capuchinho Ro-


vílio Costa, professor da UFRGS, integrante do Instituto Histó-
rico de São Leopoldo, da Academia Rio-Grandense de Letras e
da Academia Brasileira de Jornalismo, cidadão italiano e Ufficiale dell’Ordi-
ne al Merito della Repubblica Italiana, patrono da 51ª Feira do Livro de Porto
Alegre e diretor da EST Edições durante 35 anos. Com mais de 43 anos, a
marca EST Edições, está presente em mais de 2.800 títulos, que envolveram
mais de três mil autores, cujas obras estão espalhadas no Brasil e no mun-
do. Sua linha editorial é priorizar estudos referentes à história, à política e
às etnias, com foco no resgate da memória, cultura, genealogia e dialetos,
relacionados às imigrações e colonizações judaica, polonesa, italiana, ale-
mã, açoriana, portuguesa, africana, indígena, entre outras, que constituem
a realidade do estado do Rio Grande do Sul, do Brasil e do exterior.

Conselho Editorial:
Marilene Dorneles (Diretora), Antônio Dalpicol, Emílio Franzina, Frei
Moacir Pedro Molon, João Carlos Tedesco, Luis Alberto De Boni, Maria
Estela Zonta, Monsenhor Urbano Zilles, Véra Lucia Maciel Barroso
João Carlos Tedesco (Org.)

Imigração senegalesa:
múltiplas dimensões
Vol. II

2019

Porto Alegre Passo Fundo


© dos Autores, 2019

Capa:
Foto: Júlio Gomes, para o site LeiaJá Imagens. Disponível em: <http://m.leiaja.com/tags/
senegal>. Acesso em: 22 maio 2019. Foto adaptada pelo organizador.

Editoração:
Alex Antônio Vanin

Revisão:
Sabino Gallon

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

I32 Imigração senegalesa: múltiplas dimensões. V. 2. / Organização:


João Carlos Tedesco. – Porto Alegre: EST Edições, 2019.
360 p. : il. ; 16 x 23 cm. – (Nemec - Núcleo de Estudos sobre
Memória e Cultura).

ISBN: 978-85-68569-74-0
Texto em português, espanhol e italiano.

1. Emigração e imigração. 2. Senegal. 3. Brasil. I. Título. II.


Tedesco, João Carlos.

CDU 325.14(66:81)

Bibliotecária responsável Kátia Rosi Possobon CRB10/1782

Contato com o Organizador:


jctedesco@upf.br

Editora & Livraria Frei Rovílio Ltda.


Rua Veríssimo Rosa, 311 – 90610-280 – Porto Alegre, RS
Fone: (51) 3336.1166 – (51) 98226.1166
editorafreirovilio@gmail.com
SUMÁRIO
Apresentação........................................................................................................................... 9

Rotas, tendências, sociedade global

Les migrations en Afrique de l’Ouest: dimension sociohistorique, espace


géographique et défis contemporains............................................................................23
Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni

Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas


alterações..............................................................................................................................45
Philipp Roman Jung

Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil: novas notas


de pesquisa e tendências político-migratórias futuras............................................77
Roberto Rodolfo Georg Uebel

Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia


Argentina y Brasil: Nuevas rutas en el marco de la economía global.................107
Gisele Kleidermacher

Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade


média no Sul do Brasil.......................................................................................................135
Vania B. M. Herédia

Inserção, trabalho, gênero

Migrazioni senegalesi in Italia: Focus Femmes.............................................................149


Emanuela Gamberoni e Papa Demba Fall

Migrantes senegaleses em Lajeado, RS e suas conexões transnacionais............175


Margarita Rosa Gaviria Mejía e Candida Arend
Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio
Grande do Sul........................................................................................................................193
Maria do Carmo dos Santos Gonçalves

“ESSE TÁ 10, MAS PRA TI EU FAÇO POR 5!”: AS SOCIABILIDADES PARA VENDA NO
COMÉRCIO DE RUA SENEGALÊS EM SANTA MARIA (RS)......................................................... 211
Filipe Seefeldt de Césaro e Maria Catarina Chitolina Zanini

Legislação, ritualidades, intercultura

Imigrantes no Brasil: os avanços da Lei de Migração e seus


entraves práticos...............................................................................................................249
Patricia Grazziotin Noschang

Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no


novo marco legal................................................................................................................265
Giuliana Redin e Jaqueline Bertoldo

Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a


vivência da fé no contexto migratório de senegaleses Murides...........................287
Juliana Rossa

Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições


da presença de senegaleses no Centro-Norte do Rio Grande do Sul.....................313
João Carlos Tedesco

Sobre os autores e autoras............................................................................................ 357


Pequenos barcos na beira-mar
de Dakar. Essas embarcações
coloridas são um dos símbolos
do Senegal. Foto: Emanuela
Gamberoni, gentilmente cedida.
Monumento da Renascença
Africana, em Dakar, erigida em
homenagem ao 50º aniversário
da independência do Senegal.
Foto: Juliana Rossa, com
curadoria de Marcia Marchetto.
Apresentação

O
s textos presentes nesta coletânea, em sua grande maioria, são frutos
de intercâmbios coletivos presenciais, redes e núcleos de pesquisa-
dores sobre o tema das migrações, em geral, e sobre a migração dos
senegaleses, em particular, no sul do Brasil. Grupos de pesquisa, como
“Migrações Internacionais e Pesquisa no Sul” (Mipesul), “Migrations
Sénégalaise vers l´Amérique Latine” (Misal), dentre outros espaços e
vínculos, organizaram seminários, simpósios e encontros de estudos
nesses últimos anos em torno das migrações,1 possibilitando, com isso,
a construção e socialização de conhecimentos.
Nesse sentido, julgamos importante enfatizar que as migrações in-
ternacionais recentes para o Brasil, em específico os senegaleses, torna-

1
  É o caso, por exemplo, dentre outros, de várias edições de encontros científicos, como o
Seminário Migrações e Direitos Humanos, na Univates (Lajeado - RS), o Seminário de
Mobilidade Humana e Dinâmicas Migratórias, na UCS (Caxias do Sul - RS), o Seminário
Internacional Migrações: perspectivas e avanços teórico-metodológicos, na Unisinos (São
Leopoldo - RS). Visitas ao Senegal, Universidade Ucad – Dakar –, dos professores Gisele
Kleidermacher, João Carlos Tedesco, Maria do Carmo dos Santos Gonçalves e Juliana Rossa
para intercâmbios e estudos, juntamente com professores que estudam o tema da emigração
senegalesa.

Imigração senegalesa: múltiplos olhares 9


ram-se temas de muitos estudos acadêmicos, tomando espaço midiático
em jornais e revistas em torno de polêmicas, discussões jurídicas e po-
líticas, manifestações sociais em múltiplas questões. Tornou-se um fato
social de expressão e passou a demandar informações, conhecimentos,
opiniões e tomadas de posição por parte da população. São migrações
que se diferem, em alguns âmbitos, das mais antigas e que marcaram a
história da ocupação do território brasileiro no século XIX até meados
do século XX. Não são migrações de ocupação do meio rural, nem para
o trabalho rural, à exceção de algumas atividades em que imigrantes
haitianos estão exercendo em plantações de hortifruticulturas no norte
do Rio Grande do Sul. Os espaços urbanos são demandados por serem
centros de expressão industrial e comercial, como Caxias do Sul, Pas-
so Fundo, Santa Maria e Lajeado, analisados nesta coletânea por Vania
Heredia, Margarita Rosa Gaviria Mejía, Candida Arend, João Carlos
Tedesco, Juliana Rossa, Filipe Seefeldt de Césaro e Catarina Chitolina
Zanini.
O mercado de trabalho é o elo irradiador e justificador desses con-
tingentes de imigrantes, porém, entendemos que não se pode desvin-
cular outros horizontes, como o religioso e o familiar, ou seja, as ex-
periências humanas, as mudanças sociais (aspirações, emancipações
etc.) que refletem múltiplas relações, concepções de desenvolvimento
e subdesenvolvimento (Wihtol de Wenden, 2013; Sassen, 2008; Sayad,
1998; Martes; Soares, 2006). O desejo de fazer poupança em outro país
é sinônimo de possibilidade de investir no local de origem. Essa lógica
entre parcimônia em um local e investimento em outro é lugar comum
em meio aos imigrantes senegaleses.
Questiona-se hoje se os imigrantes são atores da promoção do
desenvolvimento em seus locais de origem ou país, ou se isso não se
evidencia. Discute-se a importância das remessas financeiras, sua oti-
mização como fator de desenvolvimento e não apenas de bem-estar
(ampliação de consumo, melhorias nas casas, móveis, aquisição de car-
ro) para algumas famílias que as recebem; ou, então, como essas podem
ser indutoras de novas emigrações, de dependência financeira nos locais
de origem, bem como de diferenciações sociais entre famílias, regiões e

10 aPRESENTAÇÃO
sujeitos, dentre outros aspectos. Na verdade, essa é uma demanda de
nações enriquecidas, absorvedoras de imigrantes, as quais idealizam a
possibilidade de otimizar, na esfera do desenvolvimento, grandes so-
mas de recursos financeiros (remessas) que saem de seus países e se
direcionam para os países/lugares de origem dos fluxos. Desenvolvi-
mento no local de origem implica também a dinâmica do retorno; os
retornados constituem um grupo heterogêneo de atores; seu impacto no
desenvolvimento local também varia muito, assim como variam as mo-
tivações dele. Condições econômicas, institucionais, políticas, religiosas
dos dois espaços, bem como a possibilidade de mobilizar recursos tan-
gíveis e intangíveis, redes de relações sociais transfronteiriças tendem
também influenciar a experiência migratória, sobretudo dos retornos/
retornados. O texto de Emanuela Gamberoni e Papa Demba Fall, nesta
coletânea, expressa essas questões.
Algumas discussões atuais buscam dar ênfase ao fato de que os
imigrantes, além de possíveis protagonistas do desenvolvimento eco-
nômico no local de destino, podem ser também nos locais de origem.
Autores enfatizam que os imigrantes são úteis na resolução ou na ame-
nização de um conjunto de problemas em algumas nações da Europa,
como a redução do crescimento demográfico, a necessidade de tornar
competitivos setores econômicos que demandam força de trabalho ma-
nual (agricultura, construção civil, pesca, mineração etc.).
Os imigrantes senegaleses formam um grupo social não homo-
gêneo: pelas diferenças culturais, religiosas – como as confrarias – e
geográficas; por muitos já terem experiências migratórias anteriores à
vinda para o Brasil, e outros também por migrarem pela primeira vez.
De qualquer forma, é um grupo que, independentemente de suas di-
ferenciações, chama atenção nos espaços de inserção, em razão de sua
integração social, organização e representação de seu coletivo, manifes-
tações religiosas, comércio de produtos nos espaços públicos centrais
das cidades, ações de solidariedade grupal, manifestações culturais etc.
Esse processo amplo de relações, manifestações, visibilidade pública
dos senegaleses, em particular, e seus vínculos mercantis nos espaços
públicos está presente na análise de Filipe Seefeldt de Césaro e Maria

Imigração senegalesa: múltiplos olhares 11


Catarina Chitolina Zanini. Além desse processo comercial, há espaços
específicos no horizonte do trabalho que demanda, para sua efetivação,
seguidores do credo islâmico, como as atividades de abate de frangos
no sistema Halal de frigoríficos no sul do Brasil. Essa questão é bem pon-
tuada pelas professoras pesquisadoras Margarita Rosa Gaviria Mejía e
Candida Arend nesta coletânea.
Essa experiência migratória, em meio a outras nacionalidades, está
propiciando, como já vimos, conhecimentos, intercâmbios, contatos,
visitas, redes de pesquisadores com o Senegal e vice-versa, bem como
ampliando conhecimentos sobre a África e acerca do país em questão,
seus costumes, tradições, história, economia, manifestações culturais e
linguísticas, processos indutores de migrações. Tais fatos, por si só, já
revelam uma imensa riqueza social, cultural, de convivência social e de
produção científica. E tudo isso foi e está sendo viabilizado em razão da
presença de imigrantes senegaleses no Brasil.2
É uma imigração que revela novas trajetórias e fluxos desse mundo
globalizado que, ao mesmo tempo em que revela sua porosidade,
imprime bloqueios, legislações restritivas e dificuldades para
determinados grupos nacionais e étnicos. Dificilmente senegaleses con-
seguem vistos para viajar ao Brasil para trabalho que não seja com con-
vites oficiais de empresas privadas e/ou instituições públicas. “Se tu
vais na Embaixada Brasileira em Dakar, eles não te dão o visto; tu podes
dizer que vai pro Brasil comprar roupa ou outra coisa, eles querem sa-
ber a reserva do hotel, quanto dinheiro tu tens e mais um monte de coi-
sas; então fica difícil; ninguém mais consegue visto lá hoje.”3 Os textos
de Patrícia Grazziotin Noschang, Giuliana Redin, Jaqueline Bertoldo e
Roberto Rodolfo Georg Uebel, nesta coletânea, demonstram aspectos da
legislação, processos políticos, limites e estratégias de imigrantes sene-
galeses frente aos processos institucionais nos dois países.

2
  Vários pesquisadores que possuem textos nesta coletânea já viajaram ao Senegal para estudos,
principalmente junto à universidade UCAD de Dakar, é o caso da professora Emanuela
Gamberoni, João Carlos Tedesco, Juliana Rossa, Maria do Carmo Gonçalves, Philipp Roman
Jung e Gisele Kleidermacher.
3
  Entrevista direta com senegalês. O interlocutor está no Brasil há quatro anos, emigrou
sozinho, reside atualmente em Passo Fundo e trabalha no ramo da construção civil.

12 aPRESENTAÇÃO
A migração senegalesa, como veremos em alguns dos estudos des-
ta coletânea, é expressiva da realidade vivida por povos da África – e de
outras partes do mundo, inclusive da América Latina – empobrecidos
por uma longa história de colonização e a expropriação que lhe é as-
sociada por problemas climáticos e econômicos, conflitos de múltiplas
ordens, os quais dão o tom dos grandes aspectos na base histórica e
atual do movimento migratório contemporâneo. É uma imigração que
expressa nova tendência dos fluxos mundiais na direção sul-sul, ou seja,
de países empobrecidos para os considerados em vias de desenvolvi-
mento. Gisele Kleidermacher, Roberto Rodolfo Georg Uebel e Philipp
Roman Jung dão ênfase às múltiplas causalidades e às racionalidades
que movem a diáspora senegalesa para várias partes do mundo, em
particular para espaços do sul do mundo.
Nesse sentido, em concomitância com as múltiplas causalidades,
estão as trajetórias variadas que estruturam os fluxos de senegaleses
para o Brasil, algumas dessas custosas, difíceis, de longa duração e de
alto risco de vida, fato esse que chama a atenção e revela “um mundo
que se move” por estratégias para além da falácia da globalização e de
suas fronteiras abertas e do fim do estado-nação. Os textos de Patrícia
Grazziotin Noschang, Giuliana Redin e Jaqueline Bertoldo, nesta co-
letânea, revelam a centralidade da esfera pública na determinação dos
regramentos sociais presentes na nova lei (decreto) da imigração no
Brasil, suas exigências, dificuldades para os imigrantes, a judicialização
envolvida, dentre muitos outros processos.
Além dessas questões ligadas ao estado-nação como centrais nas
determinações de quem, quantos, como e em que situação de enqua-
dramento dos imigrantes, é interessante que tenhamos em mente os
elementos que produzem as saídas dos locais de origem. Entendemos
que seja difícil estudar os imigrantes senegaleses sem termos presente,
como já mencionamos, a realidade do passado colonial africano e o de-
senvolvimento econômico pós-colonial, os macroprogramas de ajuste
econômico impressos de fora por instâncias econômicas e geopolíticas
(Some, 2009; Coussy; Vallin, 1996), programas que, sob a falácia da ne-
cessidade de “ajustes estruturais”, de profunda redução do estado na

Imigração senegalesa: múltiplos olhares 13


economia, imprimiram disciplina fiscal no gasto público, privatizações,
flexibilização dos regramentos e garantias no trabalho, agricultura para
exportação, dentre vários outros aspectos (Kleidermacher, 2013; 2015).
Essas políticas implementadas com a promessa de solução para “sair da
crise” revelaram ser nocivas aos trabalhadores, aos pequenos agriculto-
res, aos citadinos de baixa renda e, em última instância, aos países em
geral. Além desses elementos no campo das ações do governo, várias re-
giões da África, caracterizam-se por altas taxas de natalidade associada
ao empobrecimento, ao esgotamento de recursos naturais, resultantes
da desertificação, salinização do solo e dos rios, devastação florestal,
escassez de água etc., problemas existentes no Senegal (Ndione, 2012).
Não há dúvida de que, diante dessa realidade de limites e conflitos,
a emigração torna-se uma válvula de escape, bem como a intensificação
de relações informais e precarizantes de trabalho como forma de so-
brevivência. No caso dos senegaleses, sua história de migração é bem
expressiva disso. A emigração das décadas de 1960 até 1980 deu-se, em
grande parte, no interior dos países vizinhos (Mauritânia, Cabo Verde,
Guiné Bissau, dentre outros). A partir de 1980, a Europa passou a ser
o grande canal de destino de imigrantes laborais (Marfaing; Wippel,
2004). Pós-início o século XXI, outros destinos foram se constituindo,
dentre os quais o Brasil. No horizonte das emigrações laborais, as causa-
lidades podem ser múltiplas e correlacionais de processos estruturais e
subjetivos, ambas de difícil determinação e hierarquia (Wihtol de Wen-
den, 2005). Essas experiências no país de destino, em geral, são vistas no
interior do país de origem como superiores às vividas, ou seja, migra-
-se para melhorar de vida, de uma situação para outra, de preferência
melhor, numa perspectiva econômica, de status social e de identidade
no interior do grupo familiar. Os textos de Philipp Roman Jung e de
Emanuela Gamberoni Papa Demba Fall, nesta coletânea, demonstram
esses múltiplos processos históricos e possíveis causalidades correspon-
dentes.
Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni dão ênfase ao fato de
que, para produzir uma boa gestão do processo migratório, é funda-
mental conhecê-lo, ter presente os dinamismos da realidade de partida

14 aPRESENTAÇÃO
dos fluxos. Os autores demonstram processos culturais de mobilidade,
principalmente da parte ocidental da África, os quais revelam especifi-
cidades migratórias em termos de organização e de gestão, de valores
no campo da solidariedade entre grupos e de interrrelações entre países
vizinhos.
Busca-se, pela emigração, promover status social ao grupo familiar
e, desse, para o sujeito que a viabiliza. “A migração é, muitas vezes,
interpretada, à imagem da circuncisão, como um rito de passagem, um
marco importante no curriculum individual. Seria preciso partir para
ser homem, ter um status social ou reconhecimento” (Fall, 2010, p. 2).
Estudos recentes informam que há uma “fuga de cérebros”, ou seja, os
imigrantes possuem, em grande parte, um nível elevado de estudos;
54,2% dos imigrantes, em 2014, possuíam ensino superior (Shako; Diop;
Mboup; Diadiou, 2015). Desse modo, as causalidades e as aspirações se
mesclam, ampliam-se e diversificam-se, tornando-se mais complexas e
indefinidas.
Nesse sentido, há uma forte pressão no suporte financeiro da fa-
mília (Dial; Shako, 2010) e para o horizonte religioso institucional (Fall,
2010). Em 2015, as remessas financeiras dos imigrantes atingiram 17%
do PIB do país (em torno de U$ 2 bilhões). Segundo analistas, a imi-
gração é um grande recurso econômico, porém, tem provocado uma
dependência do país em relação ao dinheiro enviado pelos imigrantes.
Há municípios que, em torno de 80% da população, dependiam desse
dinheiro externo (Fall, 2010). Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni
demonstram bem isso em seus textos nesta coletânea, principalmente
dando ênfase ao sexo feminino, às esposas que permanecem nos locais
de origem.
Devemos considerar que os imigrantes são sujeitos que transitam
em múltiplos territórios e, por isso, conectam-se e se articulam por vá-
rias redes em fronteiras também diversas (religiosas, linguísticas, cultu-
rais, geográficas e políticas), porém, sempre em correlação com a esfera
do trabalho. Desse modo, eles diversificam seus pertencimentos, suas
relações com os espaços e com as esferas que se retroalimentam (Kaag,
2006). Entendida assim, a imigração é também circulação, ou seja, pro-

Imigração senegalesa: múltiplos olhares 15


cesso que se dá em interligação do “aqui” e com o “acolá”, várias es-
tratégias, algumas viabilizadas pela mediação de máfias (como as que
viabilizam o translado terrestre de imigrantes africanos e da América
Central que aportam no estado do Acre, norte do Brasil), outras de do-
cumentar-se num país para ir em outro (estratégia dos “territórios in-
termediários”), bem como a migração por vários espaços nos lugares
de destino. Os imigrantes senegaleses revelam isso muito bem, ou seja,
buscam estratégias migratórias constantes em razão da otimização de
alguns fatores que julgam importantes. O texto do Philipp Roman Jung,
nesta coletânea, adentra para essa questão, seu tema de tese de douto-
ramento em geografia. A análise de Gisele Kleidermacher, nesta coletâ-
nea, aborda as múltiplas trajetórias e estratégias que imigrantes lançam
mão para otimizar a chegada aos locais de destino, seus enfrentamen-
tos, limites e perigos.
Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni demonstram claramente
que a emigração é vista como uma estratégia, uma ação racionalizada
em termos geográfico-físicos, econômico-sociais, familiares, políticos,
religiosos e de gêneros. Até pouco tempo, eram os homens que migra-
vam, porém, as mulheres já o estão fazendo em grande dinamismo. A
migração de mulheres senegalesas intensificou-se a partir da década de
1990 e tem provocado profundas transformações na família e nas re-
lações de gênero. Ver Papa Demba Fall e Emanuela Gamberoni nessa
coletânea. Os autores demonstram que, ao emigrarem, as mulheres pas-
saram a contribuir de uma forma mais intensa na economia familiar. O
texto da Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, nesta coletânea, analisa
e problematiza essa questão. É algo novo nos estudos sobre a imigração
senegalesa no Brasil. Porém, pesquisas indicam que nas maiores cida-
des, dentre essas, Dakar, a proporção que era de sete homens para três
mulheres, a partir do século XXI, passou de três homens para duas mu-
lheres (Ceped, 2017).
Contemplados também nessas questões de gênero, imigrantes são
indivíduos em ligação, sujeitos conectados que expressam e se esfor-
çam para continuar dinamizando lógicas de afetos. Essas se manifestam
em múltiplos âmbitos e cimentam relações entre os que partem, os que

16 aPRESENTAÇÃO
ficam e os que favorecem ou mediam a decisão de emigrar. Há, nesse
processo, os vínculos e ligações parentais, de vizinhança, de amizade,
de identidade étnica e religiosa. Diz Mbodji (2008, p. 312) que “partir
é morrer de ausências”. A separação, a sua consequente fragmentação
familiar, os limites das condições objetivas do viver cotidiano como
imigrante, as dúvidas e incertezas que chocavam seu mundo até então
constituído são expressivas de ausências. O reterritorializar-se afetivo
(família, religião, amizades, parentesco) e geográfico revela ser um mo-
vimento complexo entre lugares, pessoas e sentimentos (Simon, 2008).
A dimensão religiosa dos senegaleses nos espaços de destino revela
essa multiplicidade de processos e estratégias que o fenômeno migra-
tório carrega consigo, principalmente para os grupos que ritualizam
pertencimentos religiosos, crenças comuns, rituais cotidianos. O texto
da Juliana Rossa, nesta coletânea, baseada numa longa pesquisa sobre
ritualidades e sentidos do campo religioso, fornece-nos elementos para
compreendermos a simbologia, os significados e a importância que as
práticas religiosas exercem junto aos imigrantes.
Sabemos que a família está no centro do processo migratório ainda
que boa parte dessa permaneça no local de origem. Essa é a que justi-
fica e legitima o ato de partir. Porém, mudanças vão ocorrendo nesse
dinamismo em movimento de pessoas em seu interior. A possibilidade
de emigrar faz com que seja reduzida a prole familiar dos que ficam
(Ndione, 2016), pois há fragmentação da família pela saída de um dos
cônjuges. Pesquisas demonstram que imigrantes geram menos filhos
em relação aos que permanecem no local de origem (Ambrosini, 2010).
Nesse sentido, a migração passa a ser uma estratégia para permitir o
equilíbrio entre a população e as possibilidades do meio em fazer face às
dificuldades socioeconômicas. Essa exerce um amplo processo de mu-
dança nas microrrelações familiares, sociais, culturais, além de ser um
grande recurso econômico, demográfico e religioso (Gamberoni; Pistoc-
chi, 2013). Mulheres, nos espaços de origem, assumem atividades que
até então não eram de sua atribuição sociocultural; imigrantes fazem
o mesmo. A pressão e a necessidade para que o projeto migratório te-
nha êxito é enorme, principalmente para quem foi auxiliado em termos

Imigração senegalesa: múltiplos olhares 17


econômicos e em outras dimensões, quem possui esposa(o) e filhos no
local de origem, quem deixou para trás universos culturais, afetivos, de
amizades, referências territoriais, dentre outros. Emanuela Gamberoni
e Papa Demba Fall demonstram isso muito bem em um de seus textos
nesta coletânea.
Formas mistas de conjugalidade, separações mais intensificadas,
redução de número de filhos, querer e/ou não querer reagrupar a famí-
lia no espaço de destino do migrante, adotar estratégias matrimoniais
para viabilizar documentações e vistos de permanência, ou, então, ar-
ranjar um casamento no local de destino com um(a) autóctone para ter
as condições legais de visitar a sua família (esposa(o) e filhos no Sene-
gal, dentre outros processos, fazem parte dessa racionalidade que imi-
grantes produzem frente às condições específicas que encontram no ce-
nário de destino. Os textos de Patrícia Grazziotin Noschang, Giuliana
Redin e Jaqueline Bertoldo dão algumas pinceladas sobre esse processo
na nova legislação brasileira.
Enfim, nossa singela coletânea busca contemplar alguns dos temas
que são caros ao horizonte migratório em que senegaleses se inserem.
Esperamoa contribuir para o melhor entendimento da presença deles
nos cenários onde eles estão inseridos. Entendemos que a presença de
imigrantes pode produzir, também, autorreflexão junto aos autóctones,
auxiliar nos processos de integração intercultural e de convivência har-
mônica, tão necessários e tão imperativos frente às conflitualidades da
sociedade contemporânea.
Agredecemos imensamente aos pesquisadores/as que contribuí-
ram para a efetivação dessa singela obra4; desejamos que possamos con-
tinuar produzindo e socializando conhecimentos em torno do tema.

João Carlos Tedesco

4
  Informamos que cada autor/a ficou responsável pela revisão de linguagem e normas em
adequação com as de seu país; são quatro países diferentes (Brasil, Argentina, Senegal e Itália),
com normas e técnicas específicas, portanto, deixamos os textos na forma original que nos foi
enviada.

18 aPRESENTAÇÃO
Referências
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Lecce: Edizioni Grifo, 2010.
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Imigração senegalesa: múltiplos olhares 19


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WIHTOL DE WENDEN, C. La question migratoire au XXIe siècle. Paris: Presses de
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20 aPRESENTAÇÃO
ROTAS, TENDÊNCIAS,
SOCIEDADE GLOBAL

Guédiawaye, bairro na parte nordeste de Dakar.


Fonte: Emanuela Gamberoni, gentilmente cedida.
21
Imigração senegalesa: múltiplos olhares
Praia de Cap Skirring, na região de Casamance,
sul do Senegal. Foto gentilmente cedida por
Emanuela Gamberoni.

22
Apresentação
Les migrations en Afrique de l’Ouest:
dimension sociohistorique, espace
géographique et défis contemporains

Papa Demba Fall


Emanuela Gamberoni

D
e nos jours, les migrations constituent un sujet de grande actuali-
té comme l’indiquent les récentes négociations dénommées Global
Compact1. En raison de la complexité du phénomène, sa bonne con-
naissance fait appel à diverses disciplines scientifiques allant du droit à
la sociologie en passant par la médecine ou l’histoire et la géographie.
Il s’agit aussi d’un sujet de confrontations d’idées et de convictions qui
ont la vie dure.
Le présent article ambitionne de donner une bonne idée des migra-
1
  The Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration (GCM). Ce “Pacte mondial pour des
migrations sûres, ordonnées et régulières” renforce la coopération relative aux migrations
internationales sous tous leurs aspects, sur la base de la pluri dimensionnalité des migrations et
de leur rôle dans le monde.La Résolution adoptée par l’Assemblée générale le 19 septembre 2016
déclare au point 46: “Nous sommes conscients également que les migrations internationales
constituent une réalité pluridimensionnelle qui a une grande importance pour le développement
des pays d’origine, de transit et de destination et qui appelle des réponses cohérentes et
globales”. Ce pacte mondial, avec ses 23 objectifs, est juridiquement non contraignant mais il
constitue une occasion importante pour partager des responsabilités en vue d’améliorer, dans
les pays d’origine, de transit ou de destination, la situation de plus de 258 millions migrants
dans le monde, surtout dans la mesure où ce chiffre augmentera en raison d’un certain nombre
d’aspects démographiques globales, économiques et environnementaux.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 23


tions volontaires ouest-africaines. Ceci est indispensable pour compren-
dre le phénomène dans son articulation et sa complexité. En effet, leur
connaissance est également utile en ce qui concerne leurs dynamismes
et, dans ce cas précis, par rapport au dialogue international avec nos
collègues d’Amérique latine, notamment du Brésil, où les migrations sé-
négalaises intéressent de plus en plus le monde scientifique et la société
en général (Kleidermacher, 2015; Minvielle, 2015 e 2016).
L’article est structuré autour de trois axes. La première partie du
texte se penche sur la dynamique migratoire en vue de donner un aper-
çu de la configuration du champ migratoire et des types de flux observés
à l’échelle sous-régionale. La seconde partie de l’analyse est consacrée
à l’étude de la fonction sociale des mobilités qui justifie l’adoption de
stratégies familiales de mise en œuvre du projet migratoire. Elle tente à
partir de l’exemple du Sénégal, de relever les spécificités culturelles qui
concourent à l’originalité de modèles migratoires propres aux commu-
nautés ethniques.
Enfin, la dernière partie de l’article aborde quelques défis majeurs
des flux migratoires en particulier leur rapport avec le développement
durable de la zone étudiée.

La dynamique migratoire ouest-africaine d’hier à demain

Une lecture attentive des migrations qui animent l’espace ouest-


-africain2 (carte 1) donne à voir une grande diversité de flux étroitement
liés les uns les autres.
Trois grands types de mouvements peuvent être distingués: les
migrations internes essentiellement formées par l’exode rural vers les
centres urbains, les migrations transfrontalières caractéristiques des
pays limitrophes et les migrations internationales qui sont subdivisés

2
  Cette région du continent africain couvre une superficie de 6.148.628 km2. Elle est composée
de 16 états, soit 20% de la surface continentale dont trois sont enclavés. Un mot-clé qui le
représente est «variété»: il s’agit d’une région complexe, très intéressante et en évolution rapide,
riche en aspects physiques, naturels et anthropiques. (Gamberoni e Pistocchi, 2013).

24 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


en mouvements de courte distance et flux intercontinentaux également
dits de longue distance.

Carte 1. L’Afrique de l’Ouest. Source: réalisation N. Sagna, IFAN, UCAD, 2017.

Le trait commun des différentes formes de migrations ci-dessus


listées est qu’elles sont toutes mues par une cause principale: le souci
d’accéder à des ressources qui font défaut au point de départ.

Exode rural et expansion urbaine

Il s’agit des migrations vers les centres urbains secondaires ou les


villes capitales qui ont pour point de départ le monde rural (David 1980 ;
Diop 1992; Sultan et al. 2015). Naguère saisonniers, ces flux migratoires
de morte saison avaient pour fonction de procurer des revenus moné-
taires aux paysans qui retournaient dans leurs villages dès le retour des
pluies. On comprend alors qu’à cause du changement climatique qui a
rendu hasardeux le démarrage de la saison culturale et les problèmes
de gestion de la terre et de l’eau par les différents acteurs institutionnels
(Bertoncin e Faggi 2006; Quatrida 2012), de nombreux ruraux ont choisi

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 25


de se fixer défini-
tivement en ville
(fig. 1). Il en résul-
te que les campag-
nes d’Afrique de
l’Ouest comptent
un nombre impres-
sionnant de villa-
ges fantômes. Au
Sénégal, les régions
Fig. 1. Evolution de la croissance urbaine en Afrique depuis 1950.
Source: Denis & Moriconi-Ebrard 2009.
du Cayor et du Baol
(centre-nord du
Sénégal) continuent de se dépeupler au profit de la capitale administra-
tive Dakar ou de la cité religieuse de Touba.
A Nouakchott, capital de la Mauritanie, par exemple - mais aussi
dans la quasi-totalité des pays - l’explosion démographique et spatia-
le de la capitale produit une urbanisation (tableau 1) marquée par de
nombreux problèmes dont les plus aigus sont sans doute le transport et
l’approvisionnement en eau ou en électricité mais aussi l’occupation du
sol et les constructions anar-
Années Population +/- (%)
chiques.
1961 5.807 /
Fruit de l’exode rural
1965 15.000 + 158.3
conjugué à la croissance
1970 25.000 + 66.7
naturelle, les villes africai-
1975 104.054 + 316.2
nes continuent à attirer des
1981 232.000 + 123.0
populations à la recherche 1988 393.325 + 69.5
d’opportunités quoique 2000 558.195 + 41.9
l’horizon semble bouché 2013 958.399 + 71.7
(Haeringer 1983; Antoine Tableau 1. Evolution démographique
et al. 1995) Elles constituent de Nouakchott. Source: élaboration des
données Regions, Cities and Urban Locaties -
de véritables laboratoires Population Statistics in Maps and Charts.
d’expressions d’initiatives
socio-culturelles portées par les femmes ou les guides religieux. Ces
formes originales d’encadrement des néo-citadins voisinent avec les

26 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


programmes gouverne-
mentaux de lutte contre
la pauvreté qui sont ins-
pirés par les institutions
internationales. Ce sont
les réseaux d’intégra-
tion urbaines fondés sur
la solidarité ethnique
à l’image du zongo de
Lomé au Togo (Agier Photo 1. Les quartiers urbains qui se développent au nord-ouest
1983) ou des “villages- du plateau central de Dakar, où de nombreux migrants du nord
s’installent et investissent leurs revenus. Source: photographie
-bis” de la vallée du prise par les auteurs.
fleuve Sénégal à Piki-
ne-Guédiawaye (Diop
1965; Vernière 1977)
(photo 1).
Il convient d’ajou-
ter à l’exode rural les
formes spécifiques de
migrations internes
comme les mouvemen-
ts de colonisation agri-
cole de terres neuves
pour compenser les
baisses de productivité
dans les zones exploi-
Photo 2. Un pêcheur de la vallée de fleuve Sénégal montre
tées de longue date. Les ce qui reste de son activité désormais réduite à une très petite
migrations saisonnières forme de subsistance. Source: photographie prise par les auteurs.
des pêcheurs constituent
aussi une forme de mobilité caractéristique de l’Afrique de l’Ouest (Bi-
net et al. 2013) (photo 2).
Les mobilités liées aux conflits politiques ont un impact négatif sur
la vie des populations rurales qui doivent fuir la guerre en Guinée Bis-
sau, au Mali, au Burkina Faso ou en Casamance au Sénégal.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 27


Les migrations de proximité: des mouvements transfrontaliers
imprescriptibles

Du fait du caractère artificiel des frontières africaines, le passage


de la frontière qui sépare deux pays limitrophes n’est pas interprété
comme une migration internationale dans lesdits territoires. Les rela-
tions de parenté ou rapports historiques entre des populations désor-
mais politiquement divisées constituent le lit d’une mobilité que les lois
ne peuvent freiner. En effet, la frontière n’a aucun sens pour les Séné-
galais, les Maliens ou les Mauritaniens qui vivent de part et d’autre du
fleuve Sénégal (photo 3). Pour lesdites populations, s’installer dans l’un
ou l’autre pays s’inscrit dans une logique qui fait fi des restrictions po-
sées par les pouvoirs politiques jugés illégitimes en la matière. Il en est
de même dans la zone de contact située entre le Bénin, le Nigéria et le
Niger.
Source de tracasseries, le symbole fort des restrictions apportées
à la libre circulation entre états riverains est le poste-frontière dont le
passage constitue une véritable épreuve depuis le début des années 60
qui marquent un tournant dans l’exaltation quasi obsessionnelle d’un
sentiment nationaliste improvisé de toutes pièces (Fall 2004; Enda Dia-
pol 2007).
La crise sénégalo-mauritanienne d’avril 1989 illustre bien l’idée sel-
on laquelle la transformation des frontières en «barrières» reste une en-
treprise difficile pour l’État post-colonial. En effet, au plus profond du
conflit entre les deux pays et en l’absence de toute disposition politique
efficace, seule l’implication des guides religieux – dont les liens remon-
tent à l’islamisation du sud du Sahara – a permis de ramener le calme
ou sauver les vies de milliers d’individus alors présents sur le territoire
du voisin. C’est aussi dans le même esprit que s’inscrit, bien avant la
reprise des relations officielles, la poursuite des pèlerinages de commu-
nautés mauritaniennes ou sénégalaises affiliées à des chefs confrériques
installés de part et d’autre du fleuve.
Ce contexte sociopolitique si particulier a pour conséquence une

28 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


énorme difficulté à estimer
le nombre de ressortissants
étrangers qui vivent dans
la quasi-totalité des pays
africains. Outre le fait de
parler la langue dominante
du pays d’accueil, ils sont
le plus souvent engagés
dans un processus de cir-
Photo 3. Le fleuve Sénégal à Ndiom: une frontière très
culation migratoire plutôt poreuse. Source: photographie prise par les auteurs.
qu’une fixation durable sur
un territoire.
La migration transfrontalière exploite de manière efficace les pra-
tiques séculaires qui ont donné lieu à des liens que rien ne peut bou-
leverser de manière durable. Ainsi, même si la Mauritanie ne fait pas
partie de la Communauté économique des États de l’Afrique de l’Ouest
(CEDEAO)3 qui a adopté un protocole de libre circulation, les ouvriers
qualifiés originaires du Sénégal voire de Guinée Bissau sont respective-
ment des acteurs remarqués des chantiers du bâtiment et de la pêche.

Une mobilité internationale entre ruptures et continuités: des flux


subrégionaux et/ou continentaux aux migrations intercontinentales

Au départ de l’Afrique de l’Ouest, deux grands types de flux peu-


vent être distingués : les migrations internes à la sous-région c’est-à-dire
dans l’espace CEDEAO, les mouvements en direction des autres parties
3
  Le début de la Communauté économique des Etats de l’Afrique de l’Ouest (CEDEAO)
remonte à 1975 avec un traité spécifique qui est un accord multilatéral signé à Lagos par les
Etats membres de l’organisation. La CEDEAO regroupait à l’époque 16 Etats membres. Un
traité révisé a été signé à Cotonou, en République du Bénin, en juillet 1993 par les chefs d’Etat
et de gouvernement de la CEDEAO alors composée de 15 membres: Benin, Burkina Faso,
Cap-Vert, Côte d’Ivoire, Gambie, Ghana, Guinée, Guinée Bissau, Liberia, Mali, Niger, Nigeria,
Sénégal, Sierra Leone, Togo. La Mauritanie a quitté l’organisation en 2002. Ses objectifs
concernent les aspects économiques, socio-sanitaires et, plus généralement, du développement
et de la qualité de vie de tous les citoyens des États membres. La CEDEAO s’occupe de plus en
plus des migrations, de la libre circulation et des frontières intérieures et extérieures.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 29


du continent telles que l’Afrique du Nord ou l’Afrique centrale et le
reste du monde.

Les migrations à l’échelle sous-régionale ou le projet CEDEAO


Ainsi que cela ressort des développements ci-dessus, la circulation
migratoire au sein de l’espace CEDEAO est la combination d’une vo-
lonté politique jugée timide et de pratiques informelles fondées sur des
considérations historiques (Lassailly-Jacob 2010; Fall 2007). Plusieurs
exemples illustrent cette «culture de la mobilité» et ses recompositions
significatives.
Malgré la politisation des espaces et la crispation qui procèdent de
la crise ou des dérives identitaires, la porosité historique de l’Afrique
se poursuit en dehors de tout cadre institutionnel. La connexion des es-
paces qui en résulte est lisible tant au niveau des dynamiques spatiales
que des pratiques quotidiennes qui coïncident rarement avec le cadre
étatique (Bach 1998; Traoré 1994; Bruzzone et al. 2006).
Indifférentes aux frontières politiques et aux zones monétaires,
trois aires d’échanges sont aujourd’hui identifiables à l’échelle de la
partie occidentale du continent. Celles-ci sont animées par des groupes
ethniques dont les traditions commerçantes se sont professionnalisées
au fil des siècles:

• le pôle du Golfe du Bénin (Nigeria, Cameroun, Tchad, Niger,


Bénin) est contrôlé par trois groupes: les Haoussa-Kanouri, les
Ibo dont le centre actif est Cotonou et les Yoruba qui dévelo-
ppent leurs activités jusqu’au Sénégal;

• le bloc central est contrôlé par les groupes Fan et Dioula. Il est
articulé autour de la Côte-d’Ivoire, du Ghana, du Togo, du
Burkina Faso et l’est du Mali et a pour principal moteur le com-
merce du bétail;

• le secteur ouest, qui correspond peu ou prou à la Sénégambie


historique, fonctionne à l’image de la zone de contact entre le

30 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


Sahel et la savane. Il est structuré autour du groupe Mandingue
également désigné sous le terme de Dioula.

Les flux migratoires contemporains épousent les contours de la dy-


namique spatiale naguère marquée par l’attrait des zones côtières (carte
2). Ils sont inspirés à la fois par les axes historiques de circulation des
produits et le schéma colonial d’aménagement régional qui a peu évo-
lué.

Carte 2. Evolution du schéma migratoire ouest-africain. Source: Pourtier, 1995;


Ndaye e Robin, 2010.

Les grands foyers ouest-africains d’accueil de travailleurs migrants


sont les pays économiquement prospères comme la Côte d’Ivoire, le Ni-
géria, le Ghana. L’agriculture et le secteur informel sont les principales
niches qui accueillent les migrants. On notera que l’exploitation artisa-
nale des zones minières de Guinée, du Mali ou du Sénégal attirent de
plus en plus de populations à la recherche «des pépites d’or qui feraient
leur bonheur» (CODESRIA 2015).

Des migrations en dehors de l’espace CEDEAO aux migrations


intercontinentales

Pour de nombreux pays, les destinations migratoires se sont diver-


sifiées au fil du temps. Les données globales relatives au stock migra-
toire indiquent que l’Afrique de l’Ouest constitue certes la destination

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 31


majoritaire mais l’Europe a réalisé une percée significative au niveau
des pays d’accueil alors que le reste du monde est faiblement représenté
(tableau 2).

Tableau 2. L’espace migratoire des pays d’Afrique de l’Ouest.


Source: elaboration à partir des données UNDESA et CEDEAO.

Des données récentes fournissent des précisions intéressantes sur


les migrations dans certains pays. Au Sénégal, le dernier recensement
de la population 2013 (ANSD 2014) fournit d’intéressantes indications
sur les flux migratoires ainsi que sur la configuration des destinations
des cinq dernières années (tableau 3). On y apprend qu’au cours de la
période 2008-2013, les départs à l’étranger - qui sont dictés à 73,5% par
la recherche de travail - concernent 164 901 individus soit 1,2% de la po-
pulation. Les grandes destinations migratoires sont l’Europe et les pays
de l’Afrique centrale.
La France suivie de l’Italie sont les premières destinations des
Sénégalais avec respectivement 17,6% et 13,8%. La Mauritanie (10%) et
l’Espagne (9,5%) sont aussi devenues des destinations majeures.
La répartition des émigrants par région de départ indique que
Dakar détient les effectifs les plus importants avec 30,3%, suivie des

32 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


Pays de destination Effectifs %
régions de l’intérieur Cameroun 1.596 1,0
notamment de Matam Canada 1.980 1,2
avec 13,8% loin devant Congo 6.467 3,9
Kédougou et Kaffrine Côte d’Ivoire 7.890 4,8
avec respectivement France 29.000 17,6
0,5% et 1,2%. Gabon 7.835 4,8
De son côté, Gambie 9.105 5,5
l’exemple malien, Espagne 15.746 9,5
Guinée 2.622 1,6
confirme la dimen-
Italie 22.777 13,8
sion continentale des
Mali 4.833 2,9
migrations internatio-
Maroc 5.928 3,6
nales. En effet, selon
Mauritanie 16.364 10,0
la Délégation générale Autres destina- 32.758 19,8
des Maliens de l’Ex- tions
térieur (DGME), par- Total 164.901 100
mi les quatre millions Tableau 3. Principales destinations des émigrants sénégalais
de la période 2008-2013. Source: ANSD 2014.
de Maliens installés à
l’étranger, 96,5% résident en Afrique notamment en Côte d’Ivoire qui
accueille la moitié des migrants. La liste des destinations migratoires est
aujourd’hui très longue : le Sénégal, la Mauritanie, le Ghana sont à côté
de pays d’Afrique centrale (République démocratique du Congo, Con-
go Brazzaville, Gabon, Guinée Equatoriale), d’Afrique australe (Angola,
Afrique du Sud, Zambie, Mozambique) et d’Afrique du Nord (Libye,
Maroc, Algérie, Tunisie) des foyers importants de résidence d’émigrés
maliens. La France et depuis peu l’Amérique du Sud figurent parmi les
destinations de premier plan.

Des mobilités originales sur fond de stratégie familiale et/ou


communautaire

Une des grandes particularités de la migration ouest-africaine est


de prendre racine au sein de communautés locales qui lui assignent une
fonction bien précise: contribuer à la survie de la famille voire de la com-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 33


munauté d’origine. En effet, le fait migratoire comporte une dimension
culturelle qui constitue un facteur distinctif des formes de mobilité. Elle
agit de manière indéniable sur leur mode organisation et/ou de gestion.
Dès lors que la migration procède le plus souvent d’une décision
familiale, «partir n’est nullement synonyme de rupture avec le terroir d’ori-
gine»4.
Il s’ensuit que les mécanismes de contrôle social ou de censure
adoptés par la communauté d’origine sont à l’origine du comportement
transnational observé chez les migrants qui «vivent sur deux territoires».
On notera également que si le choix des destinations obéit fon-
damentalement à des considérations historiques et sociologiques ain-
si que l’indique le champ migratoire des «gens du fleuve», le réseau
communautaire d’insertion mis en place dans les pays d’accueil joue un
rôle crucial. Le choix des destinations est fondé sur une grande diversité
de réseaux d’insertion. Ces derniers sont villageois, familiaux, religieux,
ethniques ou une combinaison desdits éléments.
Un fait remarquable est que les particularités culturelles des com-
munautés de migrants sécrètent des modèles migratoires spécifiques.
C’est le cas au Sénégal où l’on peut opposer différents modes d’organi-
sation et de gestion de la migration dont les plus en vues sont (carte 3):

• Le modèle Wolof-Mouride caractéristique du bassin arachidier


qui s’étend aux régions traditionnelles du Baol, du Ndiambour,
d’une partie du Cayor. Dénommée migration des Modou-Mo-
dou, elle concerne les groupes ruraux affiliés au mouridisme
dont les guides encadrent le mouvement. La ville de Touba
est à la fois la référence et le sanctuaire dudit mouvement dont
l’objectif principal est de perpétuer l’œuvre du fondateur. «Tra-
vailler comme si on ne devait jamais mourir et prier Dieu comme si
on devait mourir demain» est la devise des migrants mourides.
• Le modèle halpulaar se déploie dans la moyenne vallée du
fleuve Sénégal. Il est marqué par des particularismes provin-
4
  Les citations entre guillemets - et celles qui suivent - sont tirées d’interviews de migrants
sénégalais effectuées au cours des dernières enquêtes sur le terrain.

34 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


ciaux dans le Nguénar ou le Bosséya. Le trait distinctif d’une
telle migration est la solidarité entre les classes d’âge qui consti-
tue le socle du réseau migratoire.
• La migration de type soninké renvoie, comme son nom l’in-
dique, au modèle développé par ledit groupe ethnique. La
migration est considérée comme un rite de passage de l’âge
adulte à la reconnaissance sociale de l’individu. Puisqu’il faut
«partir pour devenir un homme», la société soninké a développé
des mécanismes d’entraide destinés à faciliter l’exode de ses
membres.

Carte 3. Les principaux modèles migratoires sénégalais. Source: conception et réalisation


par les auteurs.

• A Dakar et sa banlieue, la culture urbaine largement affirmée


des populations est productrice d’une migration influencée par
un bon niveau de scolarisation gage de bonne intégration dans
les pays d’accueil (Poulet, 2017).
• La migration mandjack est fortement attachée au terroir d’ori-
gine et influencée par un mélange de catholicisme et de religion

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 35


traditionnelle. Le rapatriement des dépouilles joue un rôle im-
portant dans l’organisation des migrants internationaux.
• Chez les Peul Foulbé dont la migration internationale est es-
sentiellement orientée vers l’Espagne notamment la région de
Barcelone, la forte présence des épouses joue un rôle important
dans l’insertion dans le pays d’accueil et les rapports avec le
pays d’origine (Sow, 1999).

Des lors que les migrants pris isolément ne peuvent prendre en


charge qu’une partie des besoins de leurs ménages, l’idée de se regrou-
per s’est naturellement imposée. Ceci à donné naissance à diverses for-
mes d’entraide et de solidarité.
Les associations de migrants dont la vocation est de participer au
développement du pays d’origine, sont formées de regroupements qui
privilégient l’appartenance géographique dont l’unité de base est le ter-
roir (Ba 2007; Fall 2008). Tout hameau ou village qui compte un nombre
critique de migrants met en place au moins une association dont la dé-
nomination renvoie à la localité d’origine à l’image de l’Association des
ressortissants de Thiambe en France dans la Commune de Ourossogui.
Les regroupements d’associations qui partagent une même aire
géographique d’origine complètent le tableau des regroupements de
migrants. Leur objectif est de favoriser une collaboration et une con-
certation dans les actions à l’image de la FADERMA (Fédération des
Associations de Ressortissants de la Région de Matam) ou de ALDA
(Association de Liaison pour le Développement des Agnam) qui re-
groupe douze villages de la province historique du Lao tandis que dans
la communauté rurale de Horkodiere, nous avons l’ADECRO (Associa-
tion pour le Développement de la Communauté rurale de Horkodiere).
Fortement attachées à leurs terroirs, les associations de migrants
sont particulièrement mobilisées dans le développement de leurs loca-
lités d’origine. Profitant des importantes sommes d’argent mobilisées
dans le cadre de la coopération décentralisée, elles ont élargi leurs ac-
tions à des secteurs vitaux comme l’agriculture (photos 4), l’éducation, la
santé et l’hydraulique (photo 5). Elles constituent une précieuse bouffée

36 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


d’oxygène pour les po-
pulations locales même
si leurs réalisations
gagneraient à être arti-
culées à un cadre terri-
torial plus vaste plutôt
qu’à des hameaux ou
villages. Des exemples
empruntés à différen-
tes régions du Sénégal
Photo 4. Un marché couvert construit par les migrants de indiquent que les as-
Golléré, localité du nord-est du Sénégal, très proche de la
sociations de migrants
frontière avec la Mauritanie. Source: photographie prise
par les auteurs. doivent aussi songer à
inscrire leurs réalisa-
tions dans une planification du développement local élaborée en rela-
tion avec les élus locaux et les partenaires au développement. En effet,
si l’équipement des villages en infrastructures scolaires ou de santé peut
relever d’une initiative populaire ou citoyenne, l’affectation des fonc-
tionnaires chargés de les animer est une prérogative des représentants
de l’État dont la collaboration est indispensable à l’atteinte des objectifs
de développement.
De nombreux tra-
vaux soulignent l’apport
des migrants à leurs ter-
roirs voire leurs pays
d’origine. Ils ont en com-
mun d’insister sur le
fait que les migrants se
substituent bien souvent
à l’Etat central qui man-
quent terriblement de
Photo 5. Centre de santé de Dodel, construit avec les transferts
moyens. de fonds des migrants, des ressources de la coopération et en
accord avec le gouvernement sénégalais pour le recrutement
et le paiement du personnel médical et spécialisé. Source:
photographie prise par les auteurs.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 37


Les grands défis migratoires ouest-africains

Les principaux défis à relever dans la gestion des mobilités ouest-


-africaines peuvent être résumés en deux questions :

• Comment mieux appréhender la dynamique migratoire ouest-


-africaine dans l’optique de sa bonne gouvernance?
• Quel peut être le rôle de la variable migration dans la planifica-
tion du développement durable?

La bonne gouvernance des mobilités ouest-africaines s’impose


comme un axe fort des dispositions à adopter par les pouvoirs politi-
ques. La bonne maîtrise des flux migratoires qui garantit leur gestion
optimale passe nécessairement par un comblement des limites dans la
connaissance des mouvements observés dans l’espace ouest-africain.
En effet, les statistiques disponibles sont, à ce jour, lacunaires et
peu édifiantes. L’expérience du Réseau Migrations et Urbanisation en
Afrique de l’Ouest5 de 1993 reste une initiative unique et salutaire de
production de données cohérentes à l’échelle de la sous-région. Elle
mérite d’être renouvelées afin de doter les décideurs politiques d’outils
pertinents de développement durable. On notera que s’il est établi que
la population africaine double tous les vingt-cinq ans, aucun pays ne
dispose d’indications plus ou moins précises sur les flux à venir encore
moins sur leur orientation géographique. Il est important, pour obtenir
des résultats probants en matière de gestion des mobilités d’asseoir un
schéma du futur plus fondé.
Pour ce schéma une autre dimension à prendre en compte dans
l’étude des mobilités est celle du “double espace” qui est rarement prise
en compte. En effet, c’est en mettant en perspective “ici” et “là-bas” que
la lumière peut être faite sur l’apport des migrants qui doivent être con-
sidérés comme des “citoyens de deux territoires”.

5
  L’étude Réseau Migrations et Urbanisation en Afrique de l’Ouest (REMUAO), a recueilli
des données et d’enquêtes dans huit pays d’Afrique occidentale: Burkina Faso, Côte d’Ivoire,
Guinée, Mali, Mauritanie, Niger, Nigeria, Sénégal.

38 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


Une telle démarche doit privilégier une lecture africaine des mo-
bilités au détriment d’une orientation des travaux sur les pays du nord
dont la part reste marginale du point de vue du nombre de migrants
accueillis. Il importe, pour ce faire, d’encourager une coopération inte-
rafricaine mettant en avant une solidarité et une complémentarité con-
tinentales.
C’est en élargissant le cadre analytique et en approfondissant notre
compréhension de la mondialisation et du développement que l’Afri-
que sera en mesure de mieux aborder la question dans une logique con-
tinentale. Une telle approche est au-delà de la capacité d’intervention
des états pris individuellement; elle implique une logique de coopéra-
tion internationale et une gouvernance fondée sur des partenariats ré-
gionaux voire mondiaux solides.
Un choix fort et incontournable consiste à privilégier la réalité en
déconstruisant les mythes sur le regard négatif des migrations africai-
nes pour encourager une approche humanitaire des mobilités.
Quant à la dialectique migration - développement elle est à aborder
sous l’angle de deux variables interconnectées dont les relations doivent
être replacées dans une approche multidimensionnelle, interrogeant à
la fois les questions économiques, politiques, sociales, environnementa-
les, culturelles, ethniques, sexospécifiques, géographiques et démogra-
phiques.
À la faveur des avancées démocratiques qui mettent l’accent sur la
participation citoyenne à la prise en charge du développement à la base,
la reconnaissance de l’apport des migrants aux territoires d’accueil et
de départ constitue une nouvelle donne du développement durable
(Fall & Gamberoni 2010). À condition de s’inscrire dans une volonté
manifeste des migrants et non dans des considérations clientélistes, la
prise en compte de la variable migration dans la planification locale peut
contribuer efficacement à la bonne gouvernance et au développement
territorial.
La prise en compte de la variable migratoire comme moteur de dé-
veloppement durable nécessite de se doter d’un outil d’analyse qua-
litative d’articulation des rapports entre la migration et le développe-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 39


ment local par une identification de l’éventail des ressources issues des
mobilités en vue de leur mise en valeur. Cet outil à effet levier permet,
au terme d’une analyse rétrospective, d’avoir une vision plus fondée
de toutes les compétences à mobiliser, à valoriser ou à renforcer afin e
consolider, dans une démarche prospective, d’autres projets et/ou de
relever des défis plus ambitieux.
Considérés comme des protagonistes décisifs et incontournables de
la transformation sociale, économique et politique des territoires d’ac-
cueil comme des zones de départ, les migrants peuvent être de remar-
quables piliers du développement local. Ils devront cependant se plier
aux exigences du dialogue inclusif et être respectueux des attributions
de chacun des acteurs de la construction des territoires en particulier
des élus locaux – pierres angulaires de la conduite des affaires de la cité
- qui tirent leur légitimité des urnes.

Conclusion

De plus en plus mondialisé, le champ migratoire ouest-africain est


en constante recomposition avec des circulations qui se déroulent à trois
échelles spatiales interconnectées: le global, le national et le local. Une
telle dynamique s’accompagne, de la part des acteurs, d’une recherche
permanente de réponses appropriées. Il importe alors de considérer les
migrations ouest-africaines comme un élément d’une vaste gamme de
mobilités influencées par le contexte sociopolitique sous-régional voire
continental mais aussi par les restrictions observées au plan mondial en
matière de libre circulation des personnes.
Les nombreuses disparités régionales et la grande vulnérabilité des
écosystèmes qui caractérisent le Sahel constituent un élément moteur
d’une remarquable dynamique migratoire. Il en résulte que l’extraor-
dinaire diversité des mobilités traduit une manière de vivre synonyme
d’un savoir circuler bâti sur une gestion rationnelle du temps et de l’es-
pace.

40 FALL, P. D.; gamberoni, e. Les migrations en Afrique de l’Ouest...


Force est de reconnaître que la production scientifique relative aux
mobilités ouest-africaines est certes abondante mais elle accorde peu de
place aux réponses sous-régionales et/ou continentales susceptibles de
consolider le champ migratoire africain et de constituer une alternative
à l’exode vers le Nord.
Faire des migrations ouest-africaines un facteur de développement
implique de nouveaux paradigmes. Celles-ci consistent essentiellement
à privilégier la coopération et la complémentarité à l’échelle sous-régio-
nale sans lesquelles le projet d’intégration porté par la CEDEAO a peu
de chance d’aboutir à des résultats tangibles.

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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 41


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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 43


Comércio de calçados de couro em Mékhé, artesanato
típico dessa região situada entre Thiès e Saint-Louis, na
parte norte-ocidental do Senegal. Foto gentilmente cedida
por Emanuela Gamberoni.

44
Apresentação
Desenvolvimento de processos
migratórios do Senegal para o
Brasil e suas alterações

Philipp Roman Jung

A
imigração senegalesa no Brasil é um exemplo da diversificação dos
fluxos emigratórias do país da África ocidental que se estendem
hoje para os quatro cantos do mundo (Fall, 2016, p. 35). Considerando
a expansão espacial, parece apropriado falar, no caso senegalês, de uma
globalização da migração (Castles & Miller, 2009). Ela é também um exem-
plo do desenvolvimento de novos fluxos migratórios entre os continen-
tes do sul global (De Lombaerde, Guo, & Neto, 2014; Winders, 2014).
A literatura sugere que o desenvolvimento de novos corredores
de migração intercontinental sul-sul1 é, por um lado, resultado do de-
senvolvimento econômico e geopolítico nas regiões do sul global (ACP,

1
  Apesar das dificuldades e dos problemas da terminologia migração Sul-Sul (Bakewell, De
Haas, Castles, Vezzoli, & Jónsson, 2009; Santos & Rossini, 2018), a migração do Senegal para o
Brasil é entendida aqui como migração entre países do sul global de acordo com as definições
da ONU e do Banco Mundial.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 45


2012), que estabeleceram ligações novas entre países do sul global, ape-
sar de sua distância geográfica e cultural; por outro lado, explicam-se
pelas dificuldades de uma migração regular e/ou irregular para des-
tinos do norte global (Andersson, 2016; Czaika & De Haas, 2016; De
Haas, 2008; Dünnwald, 2011; Flahaux & De Haas, 2016), que obrigam
os migrantes a buscar alternativas e a expandir seu horizonte para ou-
tros continentes. Além disso, alguns países são etapas importantes com
vistas a uma migração para o norte. A proximidade com os EUA é, por
exemplo, indicada como uma razão importante para o número crescen-
te de migrantes africanos e asiáticos nas Caraíbas e na América Latina
(ACP, 2012; Marcelino & Cerrutti, 2011; Minvielle, 2015; Wabgou, 2015).
Neste contexto, o Brasil, com um crescimento econômico de 4%, em
média, entre 2000 e 2011 (Da Cruz, Ambrozio, Puga, De Sousa, & Nas-
cimento, 2012), emergiu desde a primeira década do novo milênio nas
rotas de migrantes africanos, asiáticos e caribenhos. Além da economia
crescente, a cooperação econômica e política entre o Brasil e uma varie-
dade de países africanos2, seu papel como um dos membros dos Brics
e a realização de grandes eventos globais, como a Copa do Mundo de
2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, resultaram numa imagem positiva
(Zamberlam, Corso, Bocchi, & Cimadon, 2014) do país mais admirado do
sul global (Chomsky, 2016, p. 51). Outros autores referem-se à importân-
cia de elementos simbólicos para os imigrantes africanos, como a longa
história de independência do Brasil, o legado histórico da escravidão
que resultou na existência de uma grande população afrodescendente
ou sua cultura do futebol (Marcelino & Cerrutti, 2011; Wabgou, 2015).
Essa variedade de aspectos contribuiu para que o Brasil aparecesse no
radar, no horizonte dos migrantes senegaleses.
Como acima mencionado, alguns autores descrevem o Brasil como
um ponto potencial de transição para a migração para os EUA. Várias
pesquisas, porém, mostram a não linearidade crescente dos processos
migratórios contemporâneos em relação a suas dimensões espaciais e
temporais e que uma distinção entre ‘país de trânsito’ e ‘de destino’ fica

  Das 37 embaixadas brasileiras na África, 17 foram abertos a partir de 2003. O comércio do


2

Brasil com o continente quintuplicou entre 2002 e 2009 (BRASIL, 2010, p. 5).

46 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


menos evidente, o que torna difícil uma categorização clara seguindo
essas terminologias (Berriane, Aderghal, Janati, & Berriane, 2013; Cas-
tagnone, 2011; Collyer & De Haas, 2012; Marcelino & Farahi, 2011; Wis-
sink, Düvell, & van Eerdewijk, 2013).
No contexto de mudanças rápidas e transformações globais, novas
estratégias migratórias e novas formas de mobilidade se desenvolvem,
como, por exemplo, stepwise migration e onward mobility (Bredeloup &
Pliez, 2005; McGarrigle & Ascensão, 2017; Paul, 2011, 2015; Toma & Cas-
tagnone, 2015). Em decorrência, as decisões e aspirações previstas nos
projetos migratórios não podem ser entendidas, no início do percurso,
como fechadas ou definidas; a própria migração, portanto, não pode ser
identificada como um processo linear, como se os sujeitos em mobilida-
de seguissem e executassem um plano elaborado no local de origem. Os
migrantes adaptam-se às mudanças das condições durante a migração;
eles precisam constantemente refletir sobre as circunstâncias que encon-
tram, identificar novas oportunidades e obstáculos, e reagir a eles.
Este texto tem o intuito de descrever e contextualizar as diferentes
fases da imigração senegalesa recente para o e no Brasil e é estruturado
em duas partes. Primeiro, diferentes aspectos teóricos sobre decisões,
aspirações e capacidades em relação aos processos migratórios são apre-
sentados. Isto serve, por um lado, para a criação de um ramo analítico
para analisar as trajetórias de migrantes senegaleses para o Brasil; por
outro, serve para demonstrar a semelhança com outros fluxos migrató-
rios e assim facilitar a contextualização do caso em nível global.
Na segunda parte, segue-se uma apresentação do desenvolvimento
dos fluxos migratórios do Senegal para o Brasil. Os dados apresentados
resultam de uma análise de dados secundários e de uma pesquisa empí-
rica, ainda em processo, em Caxias do Sul e Passo Fundo, no Rio Grande
do Sul, e na cidade de São Paulo, no âmbito do projeto de tese de dou-
torado3. Os dados mostram como os senegaleses navegam através de
estruturas (em mudança) durante a migração para o Brasil e dentro dele.

3
  A tese, com o título Desenvolvimento de novos corredores migratórios no sul global – Senegal – Brasil,
está sendo elaborada no âmbito de Doutoramento em Migrações, no Instituto de Geografia e
Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa (IGOT).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 47


Conformam-se aos padrões de mobilidade antes e depois da chegada ao
Brasil, e tentam conectar esses padrões com a agência dos migrantes e
com as forças estruturais que dão forma aos movimentos.

Aspirações e capacidades em processos migratórios

A decisão de migrar depende, por um lado, das aspirações de dei-


xar um país e, por outro, da capacidade de o fazer (Carling & Schewel,
2017, p. 1). Num mundo em que a mobilidade internacional de uma
grande parte da população do sul global se restringe cada vez mais, o
último ganha em importância. A questão de uma pessoa migrar ou não
depende mais que nunca da capacidade de assim fazer (Carling, 2002;
Jόnsson, 2012). Políticas de vistos restritivos (Czaika & De Haas, 2016;
Flahaux & De Haas, 2016) tornam uma entrada regular quase impossí-
vel nos países do Norte, tendência que se tem verificado também nos
países do sul global, caso do Brasil, em função de processos de securi-
tização e militarização das fronteiras, que aumentam os riscos e custos
das migrações irregulares. Neste ponto, podemos nos perguntar por
que, apesar dos obstáculos enormes que os migrantes têm a enfrentar,
a migração ainda é vista como possibilidade, muitas vezes como neces-
sidade, inevitável para senegaleses e habitantes de outros países do sul
global.

In much of the world, it has become very difficult to think


about a better future without thinking about migration to a
place where one can make the money needed to realize that
better future4 (Graw & Schielke, 2012, p. 8).

A ideia de construir um futuro melhor através de uma migração


se reflete também nos discursos de migrantes. Por exemplo, imigrantes
senegaleses na ilha de Boa Vista, Cabo Verde, utilizaram frequentemen-

4
  Em grande parte do mundo, tornou-se muito difícil pensar em um futuro melhor sem pensar
na migração para um lugar onde se possa ganhar o dinheiro necessário para realizar esse futuro
melhor. (Tradução nossa)

48 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


te expressões como “chercher ma vie” (procurar minha vida) ou “chercher
mon future” (procurar meu futuro) para explicar a decisão de sair do Se-
negal (Jung, 2013). A escolha pela migração e a busca por outro espaço
para sobrevivência decorre deste horizonte de expectativas. Em razão
da falta de empregos formais e da deterioração da situação de vida de
uma grande parte da população senegalesa, em parte devido ao impac-
to negativo dos Programas de Ajustamento Estrutural e da desvalorização
do Franc CFA (Ali, 2003; Diagana & Reardon, 1999; Diop, 2008; Weiss-
man, 1990) e à crise do setor agrário, sobretudo da cultivação de amen-
doim (Sakho, Diagne, & Sambou, 2017; Tshibaka, 2003), além de um
crescimento populacional alto5 que aumenta ainda mais a pressão nos
mercados de trabalho formal e informal, não surpreende que uma parte
significativa da população senegalesa procure um futuro melhor fora
do país. Diferentes teorias destacam a importância da migração como
estratégia de sobrevivência de agregados familiares (Bebbington, 1999;
Massey et al., 1998; McDowell & De Haan, 1997) e a importância de re-
messas. Existe uma literatura empírica em que tais dados constam sufi-
cientemente bem documentados (veja p.ex.: De Haas, 2006; Hampshire,
2002; Lindley, 2006). Menos considerado é o aspecto de migração como
meio de emancipação social, para seguir projetos individuais ou para
fugir ao controle dos pais ou da comunidade (Hernández-Carretero,
2015; Jung, 2013; Mbodji, 2008).
Graw & Schielke (2012) escrevem, na introdução do livro The Glo-
bal Horizon: Expectations of migration in Africa and the Middle East, que a
migração virou sinônimo de mobilidade social (Veja tambem: Jόnsson,
2012; Mondain, Diagne, & Randall, 2013; Prothmann, 2018; Vigh, 2009).
Migração é um processo visto como um dos poucos meios de mobilida-
de ascendente, para ganhar respeito ou para se qualificar para um casa-
mento. Para os autores, o mundo global está continuamente presente na
vida local por conta de migrantes de retorno, de espaços transnacionais
constantemente noticiados, pela presença de mercadorias do mercado
global e da mídia. Em consequência, esse “mundo global” se torna cada

A população senegalesa quase se sextuplicou nos últimos 60 anos, de 2,4 milhões (van der
5 

Land & Fourier, 2012, p. 39) para quase 15 milhões em 2016 (SENEGAL, 2016, p. 3).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 49


vez mais um elemento constitutivo dos mundos de vida (Lifeworlds) das
pessoas e de suas expectativas em relação à vida. Alimentado por aspi-
rações resultantes de processos de globalização e pela exclusão de seus
benefícios (Graw, 2012), o desejo de deixar o país continua forte, espe-
cialmente entre os jovens e adultos no Senegal6, apesar das dificulda-
des a enfrentar (Carling, Fall, Hernández-Carretero, Sarr, & Wu, 2013;
Prothmann, 2018). As imagens de melhores oportunidades e de uma
maior facilidade de ganhar dinheiro fora do Senegal sempre favorecem
a expectativa de as realizar no exterior. Um senegalês desempregado
em Cabo Verde, em 2012, refere-se à imaginação nos processos de deci-
são de migrar: “Souvent tu penses là où que tu vas, peut-être c’est là-bas, que
tu vas être mieux, plus d’où que tu as quitté. C’est ça que nous anime. C’est
comme ça. Là-bas [Sénégal] aussi tout le travail va bien7» (Jung, 2013, p. 48).
Diop (2008) fala de uma economia simbólica ou geografia mental, que não
necessariamente corresponde a condições econômicas reais, mas tem
um impacto forte na decisão de migrar.
Graw & Schielke (2012, p. 13) concebem a migração não apenas
como resultado de um movimento físico, mas como um horizonte de
expectativas e ações, e este horizonte é cada vez mais global. Seguindo
este pensamento, as motivações não se podem resumir a fatores econô-
micos de push-pull, mas devem ser analisadas dentro de seu contexto
social, cultural, econômico e histórico, e isto inclui também o imaginário
e o simbólico (Mbodji, 2008; Salazar, 2011; Vigh, 2009). A análise desses
aspectos evidencia como se constrói socialmente o desejo de migrar e
como as informações que circulam no mundo globalizado mobilizam
homens e mulheres a buscar nos deslocamentos uma alternativa de
vida, uma forma de se aventurar, conhecer outros lugares e experiên-
cias (Assis, 2011; Bredeloup, 2014).
As aspirações em relação à migração que se desenvolvem nestes

6  Apesar de uma cultura de migração forte, o desejo de emigrar não é universal no Senegal.
Veja-se, por exemplo, o estudo de Schewel (2015) sobre a aspiração de ficar, a imobilidade
voluntária, no Senegal.
7  Muitas vezes você pensa que lá aonde você vai, talvez esteja lá, que você estará melhor, mais
do que de onde você partiu. Isso é o que estimula nós. É assim. Lá [no Senegal] também todo
o trabalho está bem. (Tradução nossa)

50 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


contextos podem ser concebidas como a relação: a) de um sujeito com
possibilidades de migração; e b) de um sujeito com relação às transfor-
mações potenciais no contexto da migração (Carling & Collins, 2017, p.
7). A primeira, muitas vezes designada como aspiração de migração,
refere-se à convicção de que migrar é melhor do que ficar. A segunda,
compreende migração não como um fim em si que uma pessoa dese-
ja conseguir, mas como um meio para conseguir algo. Aqui, a relação
que precisa ser explorada é aquela entre o sujeito e suas transformações
possíveis através de uma migração. Carling & Collins (2017) destacam
que estes dois tipos de aspiração estão muitas vezes inseparavelmen-
te entrelaçados e uma análise integrada de ambos não está descartada.
Segundo os mesmos autores (2017), três fatores devem ser considerados
para a formação de aspirações migratórias e sua análise. São eles: as
normas e expectativas sociais referentes à migração ou à permanência;
as oportunidades para migrar e os contextos estruturais que facilitam
ou restringem as diferentes trajetórias migratórias. As normas e expec-
tativas sociais incluem as atitudes individuais e as que se manifestam
no contexto social. Elas são a interseção das dimensões pessoais, coleti-
vas e normativas. Além de comportamentos socialmente sancionados,
as aspirações migratórias também refletem mecanismos sociais de difu-
são (Carling & Collins, 2017). A observação da construção de uma casa,
do retorno de um migrante bem-sucedido ou das postagens e imagens
de um migrante na mídia social pode promover o desenvolvimento de
aspirações de migrar em outras pessoas. Estes mecanismos de difusão
são bem documentados na literatura sobre sistemas e redes migratórias
(Bakewell, Engbersen, Fonseca, & Horst, 2016; De Haas, 2010; Mabo-
gunje, 1970; Massey et al., 1998) e privação relativa (Czaika & De Haas,
2012; Stark & Taylor, 1989).
Como já mencionado, a aspiração de migrar não é suficiente para a
sua efetivação. A capacidade de realizar este desejo é central numa épo-
ca de políticas restritivas de imigração e de controle de fronteiras. Existe
uma variedade de estratégias empregadas pelos migrantes para enfren-
tar diferentes obstáculos, incluindo a utilização de coyotes (traficantes) e
migrações não documentadas (Davidson, 2013; Mainwaring, 2016; Men-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 51


giste, 2018), stepwise e onward migration (McGarrigle & Ascensão, 2017;
Paul, 2011, 2015; Wissink et al., 2013), rotas e destinos alternativos (Fall,
2016; Jung, 2013; Winders, 2014). Parece que uma característica princi-
pal destas estratégias é a necessidade de uma flexibilidade crescente nas
trajetórias e nas formas de mobilidade. A flexibilidade a que aqui se alu-
de não é a liberdade de escolher entre uma variedade de possibilidades.
Em vez disso, ela é, muitas vezes, uma consequência das restrições que
obrigam os migrantes a procurar alternativas e reagir rápido quando
as oportunidades aparecem, o que é facilitado pelos desenvolvimentos
recentes na tecnologia de comunicação, transporte e transferências fi-
nanceiras (Dekker & Engbersen, 2014; Tall, 2004).
A capacidade e os recursos necessários para realizar uma migra-
ção, as diferentes formas de capital (Bourdieu, 1986; Portes, 1998) po-
dem ser entendidos como capital migratório (Paul, 2015). Paul (2015)
mostra como migrantes filipinas adquirem capital migratório durante
os processos de stepwise migration. Para a autora, um capital migrató-
rio insuficiente impede as migrantes de ir diretamente e imediatamente
para o país de destino preferido. Stepwise migration permite às migran-
tes adquirir e acumular capital migratório, que pode permitir a conti-
nuação da migração para outros lugares. Trata-se, aqui, por exemplo,
de capital econômico (poupanças), de capital humano (educação, expe-
riência de trabalho), de capital social (expansão de redes,) ou de capi-
tal cultural (experiências e características individuais). Outra forma de
capital migratório a que os migrantes aspiram nos diferentes passos da
migração é a aquisição de outra nacionalidade. McGarrigle & Ascensão
(2017) mostram, por exemplo, como a imigração recente de indianos
em Portugal é uma estratégia para regularizar a permanência na União
Europeia. As políticas de imigração e naturalização mais favoráveis em
Portugal possibilitam sua integração legal no espaço Schengen.
Seguindo a ideia de migração como horizonte de ação e expectati-
vas (Graw & Schielke, 2012), pode-se presumir que com cada passo de
uma trajetória este horizonte se mova e estenda, de modo a que novas
portas se possam abrir e outras, fechar. Ação e imaginação se formam
dentro de contextos de estruturas sociais, mas, obviamente, em contex-

52 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


tos econômicos, políticos e culturais e em diferentes escalas. A questão
é como os migrantes navegam por essas estruturas e identificam e usam
oportunidades. Tanto oportunidades como obstáculos podem surgir e
desaparecer com igual rapidez. Redes migratórias desempenham um
papel central na transmissão de informações sobre oportunidades e obs-
táculos e podem promover ou dificultar a mobilidade de outras pessoas
(Haug, 2008; Massey et al., 1998; Snel, Engbersen, & Faber, 2016). Estas
redes se estendem hoje, muitas vezes, não apenas entre dois lugares, en-
tre país de origem e de destino, mas conectam simultaneamente pessoas
em vários lugares. De Boeck (2012) descreve as características de redes
multilocais da forma seguinte:

It means that these networks are often open-ended sites of


flux, of contact, transmission, networking, circulation and mi-
gration, generated by the opportunities of the moment, and
capable of quickly changing directions and adapting to new
situations. Through these various “streaming” realities, infor-
mation and connectedness are being channelled, reoriented,
and transformed and new forms of “social navigation” […]
are being generated8 (De Boeck, 2012, p. 76).

Ele destaca o caráter imprevisível e flexível das redes em sua des-


crição de vidas locais em Kinshasa, República Democrática do Congo,
e suas interações com o mundo global. As trajetórias de vida, as biogra-
fias, não seguem um plano cuidadosamente elaborado; pelo contrário,
elas se adaptam às condições e oportunidades que aparecem num mo-
mento específico.

[A]ll of this never seems to be carefully planned in advance.


People are, of course, conscious actors and participants in
their own lives, struggling to some extent to stay in control,

8
  Isso significa que essas redes são muitas vezes sites de fluxo aberto, de contato, transmissão,
“networking”, circulação e migração, gerados pelas oportunidades do momento, capazes
de mudar rapidamente de direção e de se adaptar a novas situações. Através dessas diversas
realidades de “streaming”, as informações e a conectividade estão sendo reorientadas e
transformadas, e novas formas de “navegação social” [...] estão sendo geradadas. (Tradução
nossa)

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 53


and therefore continuously busy seizing and capturing the
moment and the opportunity to reinvent and re-imagine their
lives in different ways. But at the same time these processes
of seizure remain highly unpredictable9 (De Boeck, 2012, p.
80).

Embora as pessoas gozem de certa autonomia, suas vidas são estru-


turadas não apenas através da espacialidade de várias redes, contextos e
conexões, mas também pela temporalidade específica do momento (De
Boeck, 2012, p. 81). Isto leva diretamente às questões da relação entre
estrutura e agência (Bakewell, 2010), entre planejamento e improvisação
(Amit & Knowles, 2017) nos processos migratórios, aspectos centrais
para o entendimento da aspiração e da capacidade de migrar.
Na parte a seguir, o objetivo é demonstrar, através do caso da imi-
gração senegalesa no Brasil, como os migrantes navegam através de es-
truturas em mudança e atuam no processo migratório.

Desenvolvimento da imigração senegalesa no Brasil:


mudança de trajetórias e estratégias migratórias

Esta seção apresenta a evolução e as principais mudanças na imi-


gração senegalesa no Brasil. Diferentes dados quantitativos são usados
para isso. Neste ponto, é importante mostrar que todas as estatísticas
apenas permitem uma estimativa da comunidade senegalesa no país, já
que esses números apenas representam os que estão oficialmente regis-
trados no Brasil e os que solicitaram refúgio. A apresentação de dados
qualitativos serve para complementar essa visão mais geral e para obter
uma compreensão mais profunda das decisões e aspirações dos migran-
tes. Segundo o Global Bilateral Migration Data Bank10, do Banco Mundial,
9
  Tudo isso nunca parece ser planejado cuidadosamente com antecedência. As pessoas são,
naturalmente, atores conscientes e participantes de suas próprias vidas, lutando até certo ponto
para permanecer no controle e, portanto, continuamente ocupadas de aproveitar e capturar
o momento e a oportunidade de reinventar e re-imaginar suas vidas de maneiras diferentes.
Mas, ao mesmo tempo, esses processos de apreensão permanecem altamente imprevisíveis.
(Tradução nossa)
10
  http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=global-bilateral-migration

54 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


apenas 21 senegaleses foram registrados oficialmente no Brasil em 2000.
Supomos que se trate, aqui, em parte, de diplomatas e estudantes do
ensino superior. O número subiu para 970 em 2013 (Zamberlam et al.,
2014, p. 16). Embora haja casos isolados de imigrantes senegaleses em
períodos anteriores, entrevistas e conversas com senegaleses indicam
que uma imigração em maior escala se iniciou no ano 2008 e ganhou
força na primeira parte da década atual. O início e o crescimento da imi-
gração senegalesa no Brasil aconteceram num momento em que grande
parte do mundo passava por uma forte crise econômica, cujos impactos
afetaram o Brasil apenas alguns anos depois, e enquanto a securitização
das fronteiras europeias no espaço mediterrâneo se intensificou, as po-
líticas de imigração na Europa e nos EUA endureciam. Estes aspectos
se refletem nas decisões dos imigrantes senegaleses, como o confirma
o trecho de uma entrevista com um senegalês que chegou ao Brasil em
2010:

Para os Estados Unidos, a gente tentou pedir um visto, mas


[os EUA] não liberou o visto. Europa naquele momento tava

em crise, né. Daí... depois eu consegui um visto para Brasil.


Mas como eu te digo, pensava mesmo de sair. Sabe? Eu
queria muito sair. Daí eu consegui um visto de Brasil e vim
para aqui.11

O destino preferido do migrante eram os EUA, que continuam a


estimular a imaginação de muitos senegaleses, incluindo os que vieram
parar no Brasil, e pode ser considerado com um dos destinos mais pre-
feridos para a emigração senegalesa (Kante, 2014, p. 82). Esta imagem
muito positiva também pode explicar a ignorância do impacto forte da
crise econômica nos EUA. A negação do visto para os EUA, conjugada
à perspectiva de condições econômicas difíceis na Europa e à vontade
de emigrar de qualquer forma obrigou o migrante a procurar destinos
alternativos. Através de parentes na Argentina, ele sabia da possibilida-
de de pedir um visto para o Brasil e, com isto, emigrar para a Argenti-

  Entrevista com senegalês em Caxias do Sul, em abril de 2018.


11

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 55


na. O caso mostra como a realização de aspirações migratórias depende
da capacidade, do capital migratório, que, atuando conjuntamente com
uma relação de parentela, foi determinante para definir a América do
Sul como destino.
Embora não conheçamos os números exatos dos dados sobre a en-
trada de senegaleses em território brasileiro, os pedidos de refúgio e a
integração no mercado de trabalho formal permitem supor um aumen-
to significativo entre 2010 e 2015. O Sistema Nacional de Cadastro e Re-
gistro de Estrangeiros (Sincre) registrou 824 novas inscrições de senega-
leses no Brasil entre 2010 e 2017, com a maioria (301) em 2013 (figura 1).

Gráfico 1. Registro de senegaleses no Brasil por gênero entre 2010-2017. Fonte:


Gráfico próprio, com dados do Ministério da Justiça, Departamento de Polícia
Federal (SINCRE), 2018.

As estatísticas de solicitação de refúgio por senegaleses, registradas


no Conare12 desde 2010, sugerem aumento de fluxo ainda maior a partir
de 2013. Enquanto em 2012 apenas 161 imigrantes solicitaram refúgio,
em 2013 foram registradas 961 solicitações. Este número quase dobrou
nos primeiros dez meses de 2014 e chegou a 1.687 pedidos (ACNUR,
2014). No total, 7.206 solicitações de refúgio foram feitas por senegaleses
entre 2010 e 2015 (BRASIL, 2016). As 251 solicitações de 2016 indicam
uma redução significativa (BRASIL, 2017). Apesar dos altos índices de
pedidos de refúgio, a probabilidade de uma solicitação bem-sucedida é

  Comitê Nacional para os Refugiados.


12

56 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


pequena. Apenas 14 de 5.281 pedidos foram concedidos13, pois, segun-
do a Acnur, grande parte dos solicitantes é de migrantes econômicos.
No entanto, apesar da pouca concessão efetiva de vistos, a maioria
deles se utiliza de pedidos de refúgio como estratégia para obter per-
missão temporária para permanecer e trabalhar no Brasil regularmente,
de modo a, posteriormente, tentar obter um visto permanente por meio
de outros procedimentos. O trecho de uma entrevista com um imigran-
te senegalês em Passo Fundo descreve como a solicitação de refúgio é
uma estratégia migratória:

[Eu] vi que tem um burraco. [...] O protocolo de refugiado é


para quem que sai de um país que tem problema de guerra,
questão de vida, risco de vida, morto. Mas Senegal, graça

a deus, não é um país que tem problema político ou guerra


assim. Mas tem outra razão. Eu posso chegar aqui para
buscar melhorar minha vida. Então, isso é uma razão. Como
eu sei que quando você tem um protocolo [de refugiado], o
protocolo vai durar mais ou menos um ano para dizer que
você é aceitado como refugiado ou não. Então esse tempinho
você vai ganhar um CPF, uma carteira [de trabalho]. Pode
trabalhar também, para você parrá no país. É assim que
buscei o protocolo de refugiado.14

Situações especiais, ou casos omissos na Lei15, constituíam o ampa-


ro legal para a maior parte dos vistos emitidos para senegaleses entre
2010-2015 (Silva, Lima, & Fernandes, 2018). Podemos resumir que todas
as estatísticas apenas permitem estimar o tamanho da comunidade se-
negalesa no Brasil. Sua alta mobilidade dificulta esta tarefa. Apesar dos
13
  Entrevista com Diego Nepomuceno Nardi, “durable solutions assistant” da Agência da
ONU para Refugiados (Acnur) Brasil, ocorrida em 9 de maio de 2017, na sede da instituição,
em Brasília.
14
  Entrevista com senegalês em Passo Fundo, em novembro de 2017.
15
  Os imigrantes que chegaram ao Brasil até 2017 entraram ainda na vigência da antiga lei da
imigração, que compreendia o Estatuto do Estrangeiro (Lei n. 6.815/80) e a Lei n. 818/49 (que
tratava da aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade brasileira). Ambas foram revogadas
pela Nova Lei da Migração, Lei n. 13.445/2017, aprovada em 24 de maio de 2017, que substituiu
o anacrônico e ultrapassado Estatuto elaborado ainda na vigência da Ditadura Militar brasileira,
que abordava a migração a partir de uma ótica da segurança nacional e não de uma perspectiva
que aborda a mobilidade na ótica dos direitos humanos (Assis, 2018).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 57


movimentos de vendedores ambulantes entre cidades e diferentes esta-
dos brasileiros (Heil, 2017; Mocellin, 2017; Tedesco & de Mello, 2015),
acredita-se que uma parte dos senegaleses já tenha deixado o Brasil.
Um número pequeno conseguiu ir para os EUA ou o Canadá; outros
voltaram para o Senegal.
A imigração senegalesa no Brasil é principalmente masculina, si-
tuada na faixa etária entre 19 e 50 anos (Herédia & Gonçalves, 2017;
Tedesco & de Mello, 2015; Uebel, 2017, p. 201). De um estoque imigra-
tório de 3.173 senegaleses no estado de Rio Grande do Sul, apenas 1,6%
é de mulheres (Uebel, 2017, p. 200). Esta distribuição de gênero não é
uma surpresa, desde que a emigração senegalesa é, em geral, mais um
domínio de homens, apesar de a percentagem de emigrantes femini-
nas ter aumentado recentemente (Lessault & Flahaux, 2013; SENEGAL,
2013, pp. 49-50; van der Land & Fourier, 2012, p. 42). Segundo a Agence
Nationale de la Statistique et de la Démographie, 82,9% dos 164.901 emi-
grantes que partiram do Senegal entre 2010-2015 eram homens (SENE-
GAL, 2018, p. 306). Não é de meu conhecimento que haja estudos sobre
senegalesas no Brasil; portanto, são poucas as informações sobre o lado
feminino dessa imigração. Pode-se supor que, à semelhança de outros
processos migratórios senegaleses, algumas mulheres se tenham jun-
tado a seus maridos depois de eles se haverem estabelecido melhor no
país. É possível, assim, que, com um período maior da imigração sene-
galesa no Brasil, o número de reuniões familiares e de mulheres aumen-
te. Apesar da probabilidade de que grande parte das senegalesas tenha
imigrado para reunir a família, há outros casos da imigração feminina.
Apesar da presença de senegaleses em vários estados e em todas
as regiões do Brasil, a concentração é na Região Sul e na Sudoeste. Os
estados com o maior número deles são principalmente o Rio Grande do
Sul, o Paraná e São Paulo. Por exemplo, os números de admissões no
mercado de trabalho formal em 2015 mostram maior concentração nos
três estados meridionais - onde cerca 92% dos trabalhadores senegale-
ses estão registrados -, e em São Paulo. O estado do Rio Grande do Sul
aparece com 2.111 admitidos, o que representa 68% do número total,
ou a maior concentração de admissões (Cavalcanti, Oliveira, & Arau-

58 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


jo, 2016, p. 94). Nesses estados, a população senegalesa também não é
distribuída igualmente. Pode-se observar que se estabelece em poucos
municípios (Cavalcanti et al., 2016, p. 96; Uebel, 2017).
Em base à teoria de redes migratórias, e também em função da de-
manda por empregos específicos nestas regiões, por exemplo, nos frigo-
ríficos, sobretudo no setor de abate de aves16 (Cavalcanti et al., 2016, p.
97; Tedesco, 2017), não surpreende que os senegaleses não se espalhem
igualmente nos estados. Porém, face à importância do setor informal,
sobretudo do comércio ambulante, as admissões desses trabalhadores
apenas indicam alguns padrões de residência. Além disso, a mobilida-
de entre diferentes cidades e estados brasileiros dificulta as estimati-
vas de seu número nos diferentes municípios. Heil (2017), por exemplo,
descreve como os jogos olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro atraíram
um grande número de vendedores senegaleses de outros estados, que
foram para a capital carioca com a expectativa de lucrar com o evento.
Com motivos semelhantes, um número significante deles se movimenta
durante os mêses de dezembro, janeiro e fevereiro do interior do país
para as cidades litorâneas. Também é possível identificar movimentos
constantes de vendedores ambulantes entre a cidade de São Paulo, onde
eles compram os produtos de venda, e pequenas cidades, sobretudo nos
estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Apesar dos fatores econômicos, a velocidade de processos buro-
cráticos, mais especificamente a possibilidade de agilizar a documenta-
ção para a estadia provisória no Brasil, influenciou a escolha de Passo
Fundo e outros municípios gaúchos no princípio dos fluxos migrató-
rios senegaleses para a Região Sul (Tedesco & Grzybovski, 2011). Até
hoje, senegaleses de outros estados procuram a polícia federal no Rio
Grande do Sul para tratar da documentação. Dois deles, que moram e
trabalham em Goiânia, e que visitaram por alguns dias Caxias do Sul
com esse objetivo em dezembro 2018, comentaram sobre as dificuldades

  Uma posição especial ocupa o setor de abate Halal, e sua demanda associada de trabalhadores
16

muçulmanos. Desde os anos 1970, o Brasil exporta carne de frango e de vaca para países com
uma proporção alta de muçulmanos, sobretudo no Oriente Médio (Zamberlam et al., 2014, p.
17). Segundo Tedesco (2017), mais de duas dezenas de empresas são vinculadas à certificação
Halal de carnes na Região Sul do Brasil.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 59


enfrentadas em Goiás, como o desconhecimento dos protocolos e a falta
de apoio por parte da Polícia Federal.
Os motivos para sair do Senegal e as aspirações em relação ao Brasil
refletem as considerações apresentadas na parte teórica deste trabalho.
A falta de emprego pode ser identificada como um dos fatores estrutu-
rais mais importantes no contexto de origem. Senegal é bom, mas falta de
trabalho - é uma expressão utilizada frequentemente pelos imigrantes.
Mesmo com emprego, há os que decidem emigrar para melhorar as
condições de vida. Porém, aspectos como uma cultura de migração
forte ou o desejo de fazer novas experiências, de conhecer outros países
devem ser considerados na análise dos processos de decisão, como
mostram os seguintes trechos de entrevistas:

Trabalhava no Senegal até certo momento que eu decidi de


sair fora do Senegal para ver o que se passa fora para me-
lhor a vida. [...] No Senegal eu não tenho problema de viver.
Entendeu? Eu trabalhava, tinha meu salario, mesmo que não
era grande, eu vivi tranquilo. Só que eu saí para aumentar
meu conhecimento.17
Mas lá, como você sabe, é um país de emigrar. A pessoa cres-
cendo pensa que tem que emigrar. Quando tinha tipo 18, 19
anos, já não queria mais nada lá. Só pensei em sair.18
Eu pensei em vir porque, como eu te falei, meus amigos... não
tinha mais ninguém lá. Tudo mundo saiu do Senegal para
vários lugares. [...]. Eu estava estudando lá também. Se eu
conseguira mais dois, tres anos eu iria ... eu iria ganhar um
dinheiro bom. Mas daí eu não queria mais, entendeu, ficar lá.
Eu queria ver outra coisa.19
[E]stava dificil para ficar lá, porque eu vi muitas coisas na
minha familia, não consegui tentar nada. Sabe? As vezes
que eu ganhei um trabalho, [...], eu trabelhei, ganhei dinheiro,
sabe? Depois eu ajudei a familia, acabou (tudo). Fica mais
dois mêses não vai ter mais nada.20

17
  Entrevista com senegalês em Passo Fundo, novembro de 2017.
18
  Entrevista com senegalês em Caxias do Sul, abril de 2018.
19
  Entrevista com senegalês em Passo Fundo, maio de 2018.
20
  Entrevista com senegalês em São Paulo, fevereiro 2019.

60 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


O último exemplo também mostra como a migração pode ser en-
tendida como um meio para a emancipação social e para seguir projetos
individuais. As trajetórias de imigrantes senegaleses no Brasil mostram
uma variedade de rotas e etapas. De acordo com as estatísticas acima
apresentadas, parece fazer sentido dividir a emigração recente do Sene-
gal para o Brasil em três períodos. Essa divisão serve para ilustrar me-
lhor o impacto das políticas imigratórias nas trajetórias e estratégias dos
migrantes. Porém, os limites dos diferentes períodos não são nítidos.
A primeira fase começou aproximadamente na passagem do milé-
nio e dourou mais o menos até 2012. Nesse período, os primeiros pio-
neiros senegaleses e um grupo de early adopters (De Haas, 2010) estabele-
cerem-se no país. Calcula-se um número limitado de aproximadamente
1.000 senegaleses (Zamberlam et al., 2014). Para vários deles, o Brasil foi
mais uma etapa na trajetória migratória, que, por exemplo, passou por
Cabo Verde, Espanha ou Argentina (Tedesco & de Mello, 2015; Tedesco
& Grzybovski, 2011, p. 141). A grande maioria dos migrantes chegou
ao Brasil de avião, embora alguns autores indiquem haver quem che-
gasse como clandestinos em navios, em geral com o conhecimento da
tripulação, para um dos portos marítimos da costa atlântica brasileira
(Marcelino & Cerrutti, 2011; Zubrzycki, 2012). Argentina e Cabo Verde
ocupam, ambos, uma posição central nas trajetórias de senegaleses no
Brasil, sobretudo nesta primeira fase. Por tal razão, segue-se uma des-
crição mais detalhada dos movimentos entre os três países.
O Brasil era o ponto de entrada na América do Sul a caminho da
Argentina. Devido à ausência de uma representação diplomática argen-
tina no Senegal, os migrantes que queriam ir para esse país pediam um
visto para o Brasil. Uma vez no Brasil, eles atravessavam, muitas vezes
de forma irregular, a fronteira com a Argentina (Kleidermacher, 2013;
Marcelino & Cerrutti, 2011; Minvielle, 2015; Zubrzycki, 2012; Zubrzycki
& Agnelli, 2009). Supõe-se que uma parte deles tenha ficado no Brasil
em vez de prosseguir para o país vizinho; alguns voltaram para o Brasil
depois de uma estadia na Argentina (Tedesco & Grzybovski, 2011).
Destaca-se que as imigrações senegalesas na Argentina e no Brasil
em geral estão entrelaçadas entre si. Os senegaleses se movem regu-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 61


larmente entre os dois países sul-americanos; às vezes, em reação às
crises econômicas no país respectivo, ou para comprar e vender bens
nos dois mercados diferentes (Kleidermacher, 2016; Tedesco & Grzybo-
vski, 2011). A adoção da anistia geral em 2009 (Decreto n ° 6.893 / 2009;
Lei 1.664 / 2009), que regulamentou o status de residência de mais de
40.000 imigrantes que entraram no Brasil até fevereiro de 2009, e resi-
diram irregularmente no país (Patarra & Fernandes, 2011), também foi
um fator para movimentos de senegaleses da Argentina para cá. O caso
de um migrante da região de Thiès, que reside no Rio Grande do Sul, é
um exemplo dos movimentos entre os dois países sul-americanos e de
como os senegaleses navegam aproveitando-se de estruturas políticas e
como identificam e utilizam oportunidades. Em 2010, um deles pediu
um visto para Brasil, com o objetivo de viajar para a Argentina, onde
morava um irmão dele.

Eu peguei um voo, um voo Senegal, Dakar - Cabo Verde, Cabo


Verde - Fortaleza. [...] Fomos para Rio. Passaram para Rio,
depois descemos para São Paulo. [De] São Paulo eu fui para
Argentina visitar minha família também, que já tava lá.21

Sua trajetória da cidade de Praia, em Cabo Verde, para Fortaleza e


São Paulo, é típica das rotas usadas por senegaleses nessa primeira fase.
Também se registram voos diretos de Dakar para Fortaleza (Zubrzycki
& Agnelli, 2009). Depois de alguns dias no Brasil, o cidadão entrevista-
do continuou sua viagem para Buenos Aires.

Lá no Brasil, São Paulo, Rio, quando a gente chegou, tinha


dois ou três senegaleses ali. E eles assustaram [nos]. Como
o Senegal é um país que gosta muito de vender, eles dizerem
que “lá na Argentina é que tem venda. Aqui não tem venda. E
aqui teu visto acaba, a polícia vai te pegar e vai te devolver.
Lá na Argentina não tem isso”.22

  Entrevista com senegalês em Caxias do Sul, abril 2018.


21

  Entrevista com senegalês em Caxias do Sul, abril 2018.


22

62 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


Sua decisão de não ficar no Brasil e continuar sua viagem para a
Argentina não foi apenas o resultado da extensão de sua rede familiar
para Buenos Aires. A ideia de que a venda ambulante correria melhor
lá do que no Brasil; o fato de que a comunidade senegalesa era maior e
mais estabelecida lá e o medo de ser expulso do Brasil depois do fim do
visto foram igualmente importantes. Porém, a venda nas ruas e bares
de Buenos Aires criaram constantes conflitos entre eles, os argentinos e
a polícia. Neste contexto, quando recebeu informações de que, confor-
me suas palavras, “o Brasil deu documentos a imigrantes”, ele decidiu ir
a Passo Fundo para solicitar os seus. Embora pudesse ter pedido seus
documentos em outras cidades brasileiras, preferiu Passo Fundo por-
que ele sabia do caso de um senegalês que morava lá, havia já dez anos,
e o apoiaria com os documentos e na procura de trabalho. Eles não se
conheciam antes; a base para a ajuda era a nacionalidade comum. Antes
de se estabelecer no Rio Grande do Sul, ele voltou mais uma vez para
Argentina para tentar viver lá; mas, tendo em vista a continuação dos
mesmos problemas, decidiu tentar sua sorte no Brasil.
Cabo Verde já foi mencionado acima como um lugar de trânsito,
representando, para os migrantes, uma escala em sua viagem para For-
taleza. Porém, a posição de Cabo Verde nos fluxos migratórios de sene-
galeses para o Brasil excede a mera posição de ponto de trânsito. Vários
migrantes migraram primeiramente para o país membro da Cedeao23 e
passaram vários anos lá. Alguns ficaram por longos períodos em Cabo
Verde, às vezes até dez anos. Outros continuaram sua migração depois
de dois a três anos no arquipélago. Uma diferença clara de Cabo Verde
como ‘país de destino’ ou ‘de trânsito’ é problemática aqui, posto que
muitos migrantes não tiveram uma intenção clara, um plano definido
de continuar sua migração. Estes casos evidenciam como os projetos
migratórios se desenvolvem com o tempo, como migração não é um
ato completo de se mover de um lugar de origem para um destino. Ao
contrário, ela deve ser muito mais entendida com um processo aberto
a alterações. Novos desafios, desejos de mobilidade ascendente ou de

  Ambos, Senegal e Cabo Verde, são membros da Comunidade Económica dos Estados da
23

África Ocidental (Cedeao).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 63


transformação individual não terminam depois de uma primeira migra-
ção; ao contrário, evoluem continuamente.

Não é questão de querer sair, porque ser humano é assim:


Sempre você quer alguma coisa; quando você chega lá, você
quer outra. Isto é uma evolução normal. Não fugi de Cabo
Verde; não tive problemas específicos. Eu estava trabalhan-
do. Só que como você, como eu, cada momento a gente quer
melhorar. Você tá ganhando mil, você quer ganhar 1200 até
um dia que você alcança. É isso. [Em] Cabo Verde eu traba-
lhei normal, tive os documentos, tive residência, todo. Enten-
deu? Visitei uma vez Brasil como férias de 15 dias [...], eu
vi que Brasil é muito grande, tem bastante coisa para fa-
zer. Cabo Verde é muito pequeno. Para quem que quer fazer
muitas coisas, o espaço é muito pouco. Assim eu me disse,
vou para o Brasil, acho que consigo fazer algumas coisas lá.
Assim que eu voltei para Brasil. [...]. Como falei você agora,
quando cheguei aqui eu vi que é um país grande, que tem
muito movimento. Já isso jogando na cabeça. Porque eu gos-
to muito ficar num lugar onde a cabeça trabalha. Não quero
ficar num lugar onde a cabeça não trabalha.24

Esse migrante senegalês, que viveu quase dez anos na ilha de San-
tiago, descreve como a perspectiva de novos desafios foi central em sua
decisão de sair de Cabo Verde e migrar para o Brasil. Embora possamos
falar aqui, e, no caso de movimentos de senegaleses entre a Argentina
e o Brasil, de processos de stepwise/onward migration, ao contrário dos
casos descrito de Paul (2011) ou McGarrigle and Ascensão (2017), estes
processos não são previamente planejados, nem têm um destino pre-
definido. Deveremos entendê-los muito mais como processos abertos e
respostas às oportunidades do momento.
O segundo período da imigração senegalesa no Brasil, que come-
çou mais o menos em 2012/13 e apenas dourou até o fim de 2015, é ca-
racterizado por um aumento notável, que se reflete nas estatísticas sobre
solicitações de refúgio apresentadas acima. Os migrantes senegaleses,

  Entrevista com senegalês em Passo Fundo, novembro 2017.


24

64 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


que chegaram durante nesse período, usaram rotas diferentes25 (BRA-
SIL, 2014; Uebel, 2017). Viajaram primeiro de Dakar para Madrid, às ve-
zes com escala em Marrocos, e da Espanha continuaram para Quito, no
Equador. Na América do Sul, juntaram-se aos migrantes haitianos e via-
jaram por terra via Peru ou Bolívia para os estados do Acre e Amazonas,
no norte do Brasil. Depois, a maioria instalou-se no Sul e no Sudeste do
país. Uebel (2017) oferece uma discrição detalhada das diferentes rotas
por eles utilizadas para chegar ao Sul do Brasil. Central, neste período e
nessas rotas, era a política de portas abertas do Equador, que permitiu
aos senegaleses entrar sem qualquer regulamento de visto (Freier, 2012,
2014). O fato de o Equador ser o único país que permitiu entrar legal-
mente sem visto no espaço da América do Sul influenciou diretamente
as trajetórias dos senegaleses. As viagens para o Equador foram, muitas
vezes, organizadas com a ajuda de parentes e o apoio de mediadores.
A trajetória de um senegalês de 27 anos, que mora hoje em Passo
Fundo, é um exemplo de como ocorriam essas viagens. A viagem foi
organizada com o apoio de seu tio, que já residiu algum tempo em Bue-
nos Aires. Depois de viajar de Dakar via Madrid para o Equador, um
equatoriano em Quito providenciou para ele as passagens de ônibus,
com informações e dinheiro. O tio havia pago adiantado o equatoriano
para organizar a viagem para o Norte do Brasil.

Eu passei pelo Quito e peguei voo da Espanha para lá. Eu


fiquei um tempo lá. Fiquei uma semana lá. [...] Ele é do Equa-
dor mesmo. É amigo de amigo. Ele que me ajudou. Ele me
mostrou os caminhos. [...]. É amigo de meu tio. [Foi] ele [o tio]
que me indicou [lhe]. Ele me deu o endereço. O hotel onde
eu deveria passar. Todas as coisas. Tudo era ele. [...]. Ele
comprou minha passagem de avião. E aí, meu tio deu tudo
o dinheiro pra ele. Aí, ele [o equatoriano] me deu também o
dinheiro pra guardar pra o caso se eu precisava de pagar, de
comer, pegar taxi, fazer ligação. Tudo.

Do Equador, o migrante senegalês foi de ônibus para o Peru. Du-

  Veja também: <http://www.bbc.com/news/world-latin-america-22132976> Acesso em: 31


25

mar. 2019.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 65


rante a viagem, nas rodoviárias onde ele tinha que mudar de ônibus,
sempre havia alguém que esperava por ele para o ajudar a continuar a
viagem. Do Peru, ele atravessou a fronteira com o Acre com um visto
de trânsito, desde seu destino inicial, que era a Argentina. Depois de
alguns dias em Rio Branco, ele foi diretamente para São Paulo e de lá
para Passo Fundo, onde seu tio o esperou. Porém, ele mudou seu plano
inicial de ir para a Argentina com seu tio e decidiu de ficar na cida-
de, no Rio Grande do Sul, onde solicitou refúgio. Com dinheiro da sua
poupança e a ajuda do tio, ele cobriu os custos da viagem, num total de
15.000 reais. Essa viagem aconteceu em novembro de 2015, pouco antes
de o Equador restringir a entrada de cidadãos do Senegal no mesmo
mês26. Assim é que findou a possibilidade de viajar para o Brasil via
Equador. Os senegaleses precisavam agora viajar para o Cabo Verde,
a Argélia ou o Egito, onde se localizavam as embaixadas equatorianas
mais próximas para solicitar um visto.
A reintrodução de vistos e a distância longa que os senegaleses de-
veriam percorrer para solicitar os vistos dificultaram a rota via Equador,
mas não resultaram numa ruptura completa e imediata. Por exemplo,
um senegalês que fez a caminhada, palavra utilizada por ele para des-
crever a viagem de Quito para Rio Branco, em 2017, mostrou que a rota
via Equador continuou, embora com menor frequência, até este ano. Ele
não teve problemas para entrar no Equador sem visto, pois seu objetivo
era simplesmente transitar pelo país:

Mais dificil. Agora ele (o senegalês) não entra mais. Mas


2015, 2016 até 2017 também o Equador liberou para a gente
entrar. Deixou entrar sem problema. Quito. Mas agora não dá
mais. Tem que ter visto.27

Não obstante, com as mudanças da política imigratória do Equador,


começou um terceiro período para a imigração senegalesa no Brasil. Em
consequência da retomada e da progressão deste período, é apenas pos-

26
 <http://www.ministeriointerior.gob.ec/ciudadanos-de-11-paises-requieren-de-visa-para-
ingresar-a-ecuador/> Acessado em: 31 mar. 2019.
27
  Entrevista com senegalês em São Paulo, em fevereiro de 2019.

66 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


sível fazer algumas observações e suposições. Primeiro, podemos ob-
servar que o número de solicitações de refúgio diminuiu bastante desde
2015 (BRASIL, 2017). Supomos que os novos regulamentos de vistos
para senegaleses no Equador e a crise econômica e política que atingiu
Brasil desde 2014 tenham constituído fatores importantes a ser conside-
rados neste contexto. Um número indeterminado de senegaleses tam-
bém deixou o Brasil em razão da crise. Segundo, há reportagens sobre
migrantes africanos que atravessaram o Atlântico em barcos28. Em maio
2018, a notícia era que 25 imigrantes africanos, entre eles 19 senegaleses,
haviam sido resgatados na costa de Maranhão depois uma viagem de
35 dias pelo Atlântico, num barco em condições precárias, a ponto de
receber a atenção da mídia nacional e internacional29. Presume-se que o
fechamento das “portas” do Equador e a ausência de outras oportuni-
dades de entrar regularmente no Brasil sejam responsáveis pelos riscos
enfrentados pelos senegaleses na travessia. Em relação às observações
sobre outros casos de migração, é de se supor que o número de reuniões
familiares venha a aumentar nos próximos anos. Um fato a constatar é
que esta fase se tem caracterizado por forte diminuição da imigração
senegalesa.

Considerações finais

A imigração recente para o Brasil mostra como destinos, rotas e


estratégias migratórias de senegaleses se diversificaram nas últimas
décadas. Esta diversificação é resultado dos desenvolvimentos econô-
micos e geopolíticos no mundo. As mobilidades contemporâneas de
28
  A Al Jazeera informou, em abril de 2016, que cerca de 600 migrantes de vários países africanos
com destino aos Estados Unidos da America foram parados na fronteira norte da Costa Rica.
O artigo afirma que os migrantes cruzaram o Atlântico de barco para o Brasil e viajaram para
a Colômbia, Panamá e finalmente para a Costa Rica. Disponível em: <http://www.aljazeera.
com/news/2016/04/600-africans-stranded-sailing-costa-rica-160421091642240.html>
Acesso em: 31 mar. 2019.
29
  Veja p. ex. <https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/imigrantes-resgatados-em-barco-
a-deriva-no-ma-pagaram-r-48-mil-diz-pf.ghtml> Acesso em: 24 mar. 2019.; < https://edition.
cnn.com/2018/05/21/africa/african-migrants-rescued-in-brazil/index.html> Acesso em: 24
mar. 2019.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 67


senegaleses, como de outros migrantes, evidenciam que as crescentes
dificuldades na migração para a Europa e a América do Norte são res-
ponsáveis pela diversificação dos fluxos migratórios, entre outros, para
destinos do sul global. Nesse cenário, o Brasil emergiu como uma nova
rota para grupos em deslocamento sul-sul, que evidencia a busca por
alternativas, mudanças nas estratégias migratórias e diversificação de
rotas migratórias.
O desenvolvimento dos fluxos imigratórios de senegaleses, e suas
alterações espaciais e temporais, também mostram como os migrantes
se têm adaptado rapidamente às mudanças nos regimes de mobilidade
(Glick Schiller & Salazar, 2013), identificando oportunidades e desenvol-
vendo novas estratégias. Isto se torna particularmente claro na análise
das rotas migratórias via Equador, que, com sua política de portas aber-
tas, permitiu aos senegaleses e a outros migrantes do sul global entrar
legalmente no espaço da América do Sul, permitindo, em consequência,
o desenvolvimento destas rotas ou a possibilidade de refúgio, que se
revelou para esses grupos uma estratégia migratória, pois permitia a
entrada e a permanência documentada no Brasil.
Finalmente, as trajetórias dos migrantes senegaleses mostram a
não linearidade crescente dos processos migratórios em relação a suas
dimensões espaciais e temporais. Como se pode observar nas experiên-
cias dos migrantes para o Brasil, mas também para Cabo Verde ou a
Argentina, uma diferenciação clara entre ‘país de destino’ e ‘de trânsito’
é problemática. Estas categorias falham quanto à fluência das migrações
de senegaleses. O Brasil não é apenas uma etapa na migração para a
América do Norte, projeto que permanece indefinido. Da mesma forma,
não podemos entender o Brasil como o último destino de uma trajetória.
Pelo contrário, deveremos compreender migração mais como um pro-
cesso, aberto a modificações nas diferentes etapas e momentos da traje-
tória e não como um projeto acabado, que segue e executa passo a passo
um plano elaborado no local de origem. As aspirações e as capacidades
mudam na trajetória e os migrantes se adaptam às circunstâncias e às
estruturas de oportunidades com que topam no trajeto.
Em consequência da crise econômica no Brasil e das dificuldades

68 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


crescentes de chegar ao país em primeiro lugar, pode-se constatar, por
enquanto, que o curto período de uma imigração senegalesa em maior
escala chegou ao fim. A brevidade do período e as alterações das rotas
mostram como oportunidades aparecem rapidamente e com a mesma
rapidez desparecem de novo. Muitas vezes, os migrantes não têm muito
tempo para aproveitar a oportunidade. Diminuem as possibilidades de
migrar assim como é curto o espaço de tempo em que oportunidades
aparecem, num mundo em que a migração é cada vez mais considerada
como um problema. Isto haverá de se comprovar, e cada vez mais, tam-
bém para as migrações sul-sul.

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76 Jung, P. R. Desenvolvimento de processos migratórios do Senegal para o Brasil e suas alterações


Imigração senegalesa e oeste-
africana para o Brasil:
novas notas de pesquisa e tendências
político-migratórias futuras

Roberto Rodolfo Georg Uebel

O
fenômeno da imigração senegalesa e oriunda de outros países da
Costa Oeste Africana (ou Costa Oeste da África, que passaremos a
nos referir como “COA”) já foi amplamente discutida e analisada
nos últimos anos por autores como Tedesco e Mello (2015) e Herédia
(2015), além de ter sido tema de nossa dissertação de mestrado (Uebel,
2015) e artigo específico publicado em 2016 (Uebel, 2016), com novas
informações e atualizações sobre o tema.
Entretanto, temos como objetivo deste capítulo trazer a relação
desses fenômenos imigratórios com a política externa migratória bra-
sileira e a incursão do conceito de migrações de perspectiva dentro das
trajetórias de imigrantes da COA, já que temos a forte presença do ca-
ráter governamental brasileiro no fomento, ainda que subjetivo, desses
fluxos. Portanto, se trata de um trabalho que apresenta novas notas de
pesquisa sobre a temática das migrações senegalesas e oeste-africanas
com direção ao Brasil.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 77


Entre 2002 e 2017, cerca de 35 mil imigrantes oriundos da Costa
Oeste Africana migraram para o Brasil, além daqueles provenientes
dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). A Tabela
1 (nas páginas seguintes) a seguir registra esses números, que foram
obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação junto à Polícia Federal,
órgão responsável pelo controle migratório no Brasil:
Apesar de quantitativamente irrelevantes se comparados com os
angolanos – não representam nem 50% da imigração total angolana
(Gráfico 1) –, as dinâmicas dos senegaleses e demais oeste-africanos e
provocações ao debate da reformulação da agenda de políticas migrató-
rias do Brasil foram extremamente relevantes, bem como as consequên-
cias verificadas na sociedade, por meio da xenofobia crescente entre os
brasileiros, como na imprensa e sua abordagem sensacionalista.

Gráfico 1. Maiores grupos de oeste-


africanos no Brasil – 2002/2017.
Fonte: Polícia Federal (2018).

O mapa da Figura 1 a seguir traz a intensidade desses fluxos oriun-


dos da COA, além de informações quantitativas sobre esses grupos
muito interessantes sob uma perspectiva dos estudos migratórios brasi-
leiros, já que se trata de mais uma imigração peculiar para um peculiar
Brasil:

78 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Tabela 1. Contingente imigratório oeste-africano no Brasil – 2002/2017. Fonte: Polícia Federal (2018).

NACIONALIDADE/
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TOTAL
ANO
ANGOLA 209 245 291 386 521 516 588 1.186 903 1.021 1.094 1.150 1.371 1.529 1.093 1.164 13.267
GUINÉ BISSAU 87 95 100 168 169 111 229 576 271 179 268 228 480 284 308 426 3.979
CABO VERDE 116 126 151 152 245 322 341 410 245 181 252 301 383 283 193 189 3.890
NIGÉRIA 64 87 91 169 121 124 87 447 121 177 239 143 474 231 192 620 3.387
SENEGAL 15 11 17 45 16 17 16 332 19 22 30 32 354 60 49 2.131 3.166
GANA 9 14 16 13 8 10 15 63 23 25 25 38 142 207 107 681 1.396
MARROCOS 29 43 46 44 38 56 41 99 54 83 88 93 164 113 121 150 1.262
REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA 4 13 12 14 22 15 37 64 32 49 57 54 96 137 67 178 851
DO CONGO
CAMARÕES 9 6 7 20 23 26 24 63 36 35 60 67 60 45 43 66 590
SÃO TOMÉ E
17 7 36 68 21 26 16 50 24 34 38 21 67 40 33 34 532
PRÍNCIPE
BENIN 1 1 2 1 3 4 8 10 6 19 67 39 108 76 62 111 518
CONGO 8 9 6 14 21 24 65 85 62 81 29 30 25 18 16 22 515
ARGÉLIA 15 19 25 26 22 26 14 32 26 27 56 43 81 30 27 18 487
MAURÍCIO 2 0 2 3 1 2 10 6 4 27 51 32 92 14 7 10 263
COSTA DO

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões


6 11 10 7 10 16 13 23 18 10 24 19 28 19 17 25 256
MARFIM
TOGO 0 1 3 4 3 2 4 4 5 6 18 11 10 35 10 94 210

79
80
Tabela 1. Contingente imigratório oeste-africano no Brasil – 2002/2017. Fonte: Polícia Federal (2018).

NACIONALIDADE/
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 TOTAL
ANO
GUINÉ 2 1 0 2 5 4 5 25 1 7 13 11 14 7 10 35 142
SERRA LEOA 1 2 4 6 6 4 2 9 3 8 7 5 16 9 3 24 109
NAMÍBIA 2 3 7 7 2 2 5 9 1 2 8 1 3 5 32 11 100
GABÃO 4 5 6 5 5 7 6 9 2 6 6 9 9 7 6 4 96
BURKINA FASSO 1 0 2 1 0 1 1 10 4 1 4 3 12 12 4 17 73
LIBÉRIA 0 7 7 10 1 3 4 6 5 8 9 6 3 1 1 0 71
MALI 0 1 0 1 3 0 0 3 1 0 4 4 8 5 2 29 61
GÂMBIA 0 1 0 0 1 1 2 3 1 1 1 0 6 1 2 15 35
NIGER 1 0 0 0 2 1 1 3 2 1 1 3 4 3 3 3 28
MAURITÂNIA 1 1 0 1 1 1 0 3 0 2 2 2 2 0 1 5 22
GUINÉ
1 3 0 1 2 2 1 1 0 1 1 4 1 1 1 0 20
EQUATORIAL

Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


CHADE 0 0 1 0 1 0 2 1 1 0 1 0 5 3 2 0 17
SAARA OCIDENTAL 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1
TOTAL 604 712 842 1.168 1.273 1.323 1.537 3.532 1.870 2.013 2.454 2.349 4.018 3.175 2.412 6.062 35.344
Depois de algum tempo poupando e eventualmente com
ajuda familiar, eles “investem” cerca de R$ 3,4 mil (US$ 1,5
mil) para empreender a viagem Acra-Casablanca-São Paulo
de avião, pagar mais um deslocamento de ônibus e sobrevi-
ver alguns dias no Brasil. Quase todos são homens jovens,
entre 20 e 30 anos. Chegam só com a roupa do corpo e de-
pendem de ajuda. (GANESES com visto..., 2014).

Figura 1. Mapa – Fluxos de intensidade da imigração da Costa Oeste Africana para o


Brasil entre 2011 e 2016. Fonte: Elaborado com Excel pelo autor a partir de dados da
Polícia Federal (2018).

Por que essas migrações foram motivadas por uma agência go-
vernamental subjetiva? Primeiro, há que se rememorar que os fluxos
oriundos desses países, exceto o de nigerianos, eram muito inexpressi-
vos até 2014, quando sofreram um verdadeiro boom, conforme os termos
da literatura de estudos migratórios corrente. Ou seja, a imigração de
perspectiva só poderia ser influenciada por uma variável externa muito
mais forte e que tornasse o Brasil uma alternativa mais atrativa que a
União Europeia e o Canadá.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 81


Segundo, e aí inserimos a resposta ao questionamento anterior, é a
ocorrência de dois eventos que se complementaram e criaram o ponto
de atração aos senegaleses e demais grupos da COA: a Copa do Mundo
de 2014 e a facilitação dos vistos para todas as nacionalidades, fato este
que se repetiria nas Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 e facilitaria o
ingresso de cubanos, venezuelanos e sírios no Brasil, fato que discutire-
mos mais adiante também.
Conforme reportagem vinculada em 2014, e repercutida ampla-
mente na imprensa brasileira, esses imigrantes:

Todos eles entraram no país com visto de turista, concedido


com base na Lei Geral da Copa – permite a permanência
no país por noventa dias. Segundo a freira Maria do Carmo
dos Santos Gonçalves, que ajuda na organização do abrigo
no Seminário Nossa Senhora Aparecida, nenhum africano
tinha ingresso para as partidas da Copa do Mundo. “Vieram
para trabalhar mesmo, alguns chegaram com a roupa do
corpo”, diz ela. (GANESES usam Copa..., 2014).

A permanência dos noventa dias garantidos pelo visto de turista


da Copa do Mundo, que nos referiremos como “Visto da Copa”, foi
o elemento-chave que permitiu a chegada considerável de imigrantes
oeste-africanos no território brasileiro entre 2013 – quando começou a
vigência dessa prática – e 2014, ano da realização do evento esportivo
nas cidades brasileiras.
Ademais, se analisarmos os dados gerais apresentados nas primei-
ras tabelas desse capítulo, veremos que os influxos de oeste-africanos
diminuíram imediatamente após 2014, mesmo com o estabelecimento
de sólidas redes de atenção a estes imigrantes, além de associações cria-
das pelos próprios e seus familiares (Gráfico 2).
Apenas em 2017 registrou-se um novo crescimento, devido apenas
à reclassificação dos solicitantes de asilo, majoritariamente os senegale-
ses, que não receberam o status de refugiado e foram transformados em
imigrantes econômicos, conforme atesta o Gráfico 3.

82 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Gráfico 2. Série histórica dos fluxos imigratórios de oeste-africanos no Brasil –
2002/2017. Fonte: Polícia Federal (2018).

Gráfico 3. Série histórica dos fluxos imigratórios de senegaleses no Brasil – 2002/2017.


Fonte: Polícia Federal (2018).

Assim, desponta mais uma característica da imigração de perspec-


tiva: a sua rápida dinâmica e o desacompanhamento ao mesmo passo
por parte dos entes públicos. Trata-se de uma imigração que traz con-
sigo um boom, uma rápida inserção e capilarização no país e sociedade
de acolhimento e que também, com a mesma velocidade, emigra ou re-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 83


migra para outros países, caso não logrado o sucesso almejado quando
da imigração.
Poder-se-ia afirmar que a imigração de perspectiva, detentora de
tais características, seria uma espécie de imigração golondrina, confor-
me já especificado, entretanto, nem mesmo aqueles categorizados como
golondrindos, até então, tiveram dinâmicas de chegada, inserção e saída
tão rápidas e perceptíveis por parte dos estudiosos e analistas do tema.
Tomemos como exemplo o caso de imigrantes brasileiros na Ocea-
nia, que de certa forma seguiram uma dinâmica rápida e um boom, pro-
piciado também por redes sociais e de trabalho nacionais e regionais
– argentinos e uruguaios também migraram com certa intensidade para
a Austrália e Nova Zelândia –, todavia, ao se depararem com cenários
de trabalhos braçais, não-qualificados e informais, ao contrário dos oes-
te-africanos, não retornaram ao Brasil num primeiro momento.
Outrem poderia argumentar que a imigração de nipo-brasileiros,
que também é muito peculiar e temporal, de acordo com os cenários
econômicos e laborais de Brasil e Japão, é um caso igual àqueles que
estamos a discutir aqui, contudo, olvida-se de um elemento indispen-
sável: a relação familiar, consanguínea e histórica inerente a esses flu-
xos. Os oeste-africanos que estamos a discutir não possuíam esses laços
prévios com o Brasil e, em sua maioria, não o criaram a partir de sua
chegada ao país.
Lamentavelmente não tivemos acesso aos dados de concessão des-
tes Vistos da Copa para qualquer nacionalidade, apesar de nossas atua-
ções constantes junto ao Ministério das Relações Exteriores e Ministério
do Turismo, porém, é possível ter uma estimativa com a informação que
segue:

Levantamento mais recente do Ministério da Justiça mostra


que foram emitidos 8.767 vistos para ganenses durante a
Copa e 2.529 entraram efetivamente no País desde então.
Desses, 1.397 já deixaram o Brasil e 1.132 permanecem
por aqui. Os pedidos de refúgio encaminhados ao Conare
chegam a 180. (GANESES com visto..., 2014).

84 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Os dados, apesar de destoantes daqueles que obtivemos junto à
Polícia Federal, indicam que sim, foi a concessão do Visto da Copa que
permitiu a admissão e trajetória desses fluxos no Brasil. Em relação aos
fluxos, retomamos o mapa que apresentamos em 2015, agora na Figura
2 a seguir.

Figura 2. Mapa – Rotas dos imigrantes senegaleses com direção ao Brasil. Elaborado
pelo autor.

Além das rotas apresentadas no mapa, após a sua elaboração, que


foi baseada em informações obtidas com os próprios imigrantes sene-
galeses – e que também ilustra as rotas dos demais oeste-africanos, com
pequenas variantes – outras trajetórias foram descobertas, como essa:

A porta de entrada no país foram os aeroportos de São Pau-


lo (SP), Porto Alegre (RS) e Natal (RN), este último o único
destino de voos diretos do país africano para o Brasil. Os
demais fizeram conexões em aeroportos da África do Sul, do

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 85


Marrocos e dos Emirados Árabes até desembarcar no Bra-
sil. Das capitais, seguiram de ônibus até Caxias. (GANESES
usam Copa..., 2014).

Invocando motivações políticas, que acabaram por não se confir-


mar a partir de consultas do Ministério da Justiça e dos postos diplomá-
ticos do Brasil na África, os oeste-africanos solicitaram refúgio e asilo
político no Brasil antes do vencimento da sua permanência concedida
pelo Visto da Copa, o que comprovaremos mais adiante na seção espe-
cífica sobre o tema. Deste modo, além de ser uma imigração de perspec-
tiva, era foi essencialmente baseada em ambições laborais e econômicas.
Como a intensidade foi passageira e estatisticamente irrelevante,
se compararmos com os demais fluxos – por exemplo, só o número de
portugueses ou norte-americanos que imigraram definitivamente para
o Brasil foi 42% maior em 2014 –, o que justificou a sua ampla exposição
foram quatro fatores, que abordaremos agora:
1) Exposição midiática excessiva: a abordagem da impren-
sa brasileira, desde veículos mais conservadores, como a Re-
vista Veja, até mais progressistas, como a Carta Capital, foi
baseada num sensacionalismo exacerbado e misturado com hu-
manitarismo midiático, tradicional da imprensa brasileira. Repor-
tagens especiais semanais, envio de repórteres aos abrigos de imi-
grantes nas fronteiras brasileiras, notícias diárias com quantitativos
irrelevantes, como a chegada de senegaleses em rodoviárias municipais
, alusão ao risco da disseminação do vírus ebola no Brasil pelos imigrantes
(no mesmo ano ocorrera uma pandemia da doença no mundo) deram
a tônica que propiciou a exposição de tais grupos no Brasil, além da sua
visibilidade pela cor da pele, negra, e anamnese assimilativa com a crise
migratória do Mediterrâneo.
2) Intensificação dos episódios de xenofobia e sentimento de
aversão aos imigrantes: não raros foram os comentários jocosos e pre-
conceituosos de brasileiros, inclusive afrodescendentes, nas redes so-
ciais e nas interações presenciais, em relação à chegada dos oeste-africa-
nos no país, aparelhados com a prática racista existente no Brasil e com

86 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


a exposição midiática supramencionada. Nesse contexto, episódios de
agressões físicas a africanos, discursos de ódio de políticos e hostilida-
des de cidadãos comuns (autodenominados “cidadãos de bem”) foram
corriqueiros a partir de 2014, e se misturaram às instabilidades, polari-
dades e maniqueísmos em ascensão no Brasil, dado o cenário político
instável, vigente até o momento em que esse artigo é escrito e pensado.
Apesar de outrora ser considerada uma sociedade cordial, a sociedade
brasileira demonstrou, lamentavelmente, diversos episódios de intole-
rância para com imigrantes africanos e haitianos, especialmente, o que,
no nosso entendimento, serviu de aporte para o despertar de interesse
em relação ao tema por parte da academia, posto que, quantitativamen-
te, foram fluxos de pequeno corte e relevância.
3) Tratamento estatal e governamental: a chegada desses novos
imigrantes e a conseguinte exposição mencionada nos dois tópicos an-
teriores provocou também a sensibilidade do aparato estatal e gover-
namental brasileiro, que já se via dentro de um profundo debate em
relação aos imigrantes haitianos desde 2010. Nesse sentido, a atuação
das políticas públicas foi verificada de duas formas: a) acolhimento e
inserção no mercado de trabalho, mormente a cooperação ativa de insti-
tuições religiosas, organizações não-governamentais e órgãos do tercei-
ro setor; e b) endurecimento, acossa
e vexação daqueles oeste-africanos
que praticaram o comércio informal
e irregular, os populares e históricos
camelôs, como bem retrata a atua-
ção do Estado policial na Figura 3:

Figura 3. Atuação do Estado policial


contra imigrantes oeste-africanos
vendedores de mercadorias irregulares –
Município de Novo Hamburgo/RS. Fonte:
Jornal NH, apud Uebel (2015).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 87


4) Ressignificação das fronteiras terrestres: a chegada desses imi-
grantes pelas fronteiras do Norte do Brasil com a Bolívia, Peru e, em
menor grau, com as três Guianas, não apenas redesenhou o papel des-
tas nas relações transfronteiriças, mas também as ressignificou quanto à
importância dos fluxos migratórios com direção ao Brasil. Ademais da
imigração tradicional fronteiriça e de mercosulinos, conforme já discu-
timos, nunca o Brasil presenciara fluxos migratórios internacionais nas
suas fronteiras terrestres. A normalidade até o século XX era via maríti-
ma e após a Segunda Guerra Mundial via área.
O município de Brasiléia, estado do Acre, fronteiriço com Cobija,
Bolívia (Figura 4) onde estivemos em pesquisa de campo em 2014 retra-
tou bem o Brasil das novas migrações terrestres, como a dos oeste-africa-
nos. Não apenas a infraestrutura municipal foi repensada, mas também
o aparato federal, com o des-
locamento, ainda que tempo-
rário, de agentes da Polícia
Federal, Receita Federal, Ita-
maraty, Ministério da Justiça
e Forças Armadas para o aco-
lhimento desses imigrantes,
que já eram de uma segunda
onda, posto que a primeira
foi dos haitianos.

Figura 4. Posto de controle fronteiriço e migratório em Cobija (Bolívia), fronteira


com Brasiléia (Acre, Brasil). Fonte: BOLÍVIA oferece curso..., 2014.

Vimos, portanto, como a dinâmica da imigração oriunda Costa


Oeste Africana foi determinante para a reorientação e posterior ruptura
da política externa migratória de Dilma Rousseff. Discorreremos agora,
brevemente, como a flexibilização dos vistos para os eventos desporti-
vos da Copa de 2014 e os Jogos Rio 2016 permitiu a imigração elevada
de senegaleses e oeste-africanos; uma consequência da política externa
migratória de Rousseff.

88 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Isenção, turismo, migração e irregularização poderiam ser as
palavras-chave para definir a política dos vistos para os grandes
eventos desportivos ocorridos durante o governo Rousseff: a
Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e
os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio de Janeiro de 2016
, e que ajudariam a modificar o panorama imigratório do Brasil naquele
período, além de ser um tema pouco estudado da política externa
migratória brasileira e que, portanto, discutiremos nessa seção.
O primeiro caso que nos ateremos é o da Lei nº 12.663, de 05 de
junho de 2012 (Brasil, 2012), que isentou e facilitou a emissão de vistos
para espectadores da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do
Mundo de 2014, ambas organizadas pela Federação Internacional de
Futebol (FIFA) e realizadas no Brasil.
Obviamente não vislumbramos tal lei como um elemento da políti-
ca externa migratória brasileira, mas sim um instrumento da PEB e que
possuiu repercussões migratórias muito relevantes, que acabaram por
modificar o próprio perfil imigratório do Brasil. A referida lei organi-
zou juridicamente a situação do Estado brasileiro face aos dois eventos
desportivos, deste modo, trata-se de um longo instrumento normativo,
entretanto, a parte que analisaremos corresponde ao Capítulo III “Dos
vistos de entrada e das permissões de trabalho”, conforme segue:

Art. 19. Deverão ser concedidos, sem qualquer restri-


ção quanto à nacionalidade, raça ou credo, vistos de en-
trada, aplicando-se, subsidiariamente, no que couber, as
disposições da Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980,
para:
I - todos os membros da delegação da FIFA, inclusive:
a) membros de comitê da FIFA;
b) equipe da FIFA ou das pessoas jurídicas, domiciliadas ou
não no Brasil, de cujo capital total e votante a FIFA detenha
ao menos 99% (noventa e nove por cento);
c) convidados da FIFA; e
d) qualquer outro indivíduo indicado pela FIFA como mem-
bro da delegação da FIFA;
II - funcionários das Confederações FIFA;

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 89


III - funcionários das Associações Estrangeiras Membros da
FIFA;
IV - árbitros e demais profissionais designados para traba-
lhar durante os Eventos;
V - membros das seleções participantes em qualquer das
Competições, incluindo os médicos das seleções e demais
membros da delegação;
VI - equipe dos Parceiros Comerciais da FIFA;
VII - equipe da Emissora Fonte da FIFA, das Emissoras e
das Agências de Direitos de Transmissão;
VIII - equipe dos Prestadores de Serviços da FIFA;
IX - clientes de serviços comerciais de hospitalidade da
FIFA;
X - Representantes de Imprensa; e
XI - espectadores que possuam Ingressos ou confirma-
ção de aquisição de Ingressos válidos para qualquer
Evento e todos os indivíduos que demonstrem seu en-
volvimento oficial com os Eventos, contanto que evi-
denciem de maneira razoável que sua entrada no País
possui alguma relação com qualquer atividade relacio-
nada aos Eventos.
§ 1º O prazo de validade dos vistos de entrada concedidos
com fundamento nos incisos I a XI encerra-se no dia 31 de
dezembro de 2014.
§ 2º O prazo de estada dos portadores dos vistos concedidos
com fundamento nos incisos I a X poderá ser fixado, a
critério da autoridade competente, até o dia 31 de dezembro
de 2014.
§ 3º O prazo de estada dos portadores dos vistos concedidos
com fundamento no inciso XI será de até 90 (noventa) dias,
improrrogáveis.
§ 4º Considera-se documentação suficiente para obtenção
do visto de entrada ou para o ingresso no território nacional
o passaporte válido ou documento de viagem equivalente,
em conjunto com qualquer instrumento que demonstre a
vinculação de seu titular com os Eventos.
§ 5º O disposto neste artigo não constituirá impedimento
à denegação de visto e ao impedimento à entrada, nas
hipóteses previstas nos arts. 7º e 26 da Lei no 6.815, de 19
de agosto de 1980.
§ 6º A concessão de vistos de entrada a que se refere este

90 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


artigo e para os efeitos desta Lei, quando concedidos no
exterior, pelas Missões diplomáticas, Repartições consulares
de carreira, Vice-Consulares e, quando autorizados pela
Secretaria de Estado das Relações Exteriores, pelos
Consulados honorários terá caráter prioritário na sua
emissão.
§ 7º Os vistos de entrada concedidos com fundamento no
inciso XI deverão ser emitidos mediante meio eletrônico,
na forma disciplinada pelo Poder Executivo, se na época
houver disponibilidade da tecnologia adequada.
Art. 20. Serão emitidas as permissões de trabalho, caso
exigíveis, para as pessoas mencionadas nos incisos I a X
do art. 19, desde que comprovado, por documento expedido
pela FIFA ou por terceiro por ela indicado, que a entrada no
País se destina ao desempenho de atividades relacionadas
aos Eventos.
§ 1º Em qualquer caso, o prazo de validade da permissão
de trabalho não excederá o prazo de validade do respectivo
visto de entrada.
§ 2º Para os fins desta Lei, poderão ser estabelecidos
procedimentos específicos para concessão de permissões de
trabalho.
Art. 21. Os vistos e permissões de que tratam os arts.
19 e 20 serão emitidos em caráter prioritário, sem qual-
quer custo, e os requerimentos serão concentrados em
um único órgão da administração pública federal. (Bra-
sil, 2012, grifo nosso).

Antes de tudo, é importante destacarmos que tal lei se baseou no


próprio Estatuto do Estrangeiro, que discutimos na seção anterior e,
destarte, facilitou a emissão de vistos para os dois eventos desportivos,
de forma gratuita e flexibilizada, inclusive via eletrônica, conforme ates-
tam os grifos da citação anterior.
Isto posto, o ponto mais polêmico desta política de vistos despor-
tivos reside no público-alvo generalizado, portanto, espectadores, que
não necessariamente necessitavam dos ingressos para os jogos quando
da solicitação, mas sim uma expectativa de comparecimento, e também
em outros dois fatores: 1) o prazo de 90 dias de permanência no Brasil;
e 2) a interpretação equivocada de um dos incisos do Art. 20, como se

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 91


fosse uma expectativa de concessão de permissão de trabalho, embora
essa se restringisse apenas aos profissionais da imprensa e dos organi-
zadores dos eventos.
Com essa “confusão interpretativa” e por meio das redes já estabe-
lecidas com oeste-africanos no Brasil, observou-se uma imigração em
massa oriunda da costa oeste africana, sobretudo de senegaleses e gane-
ses, cujas seleções nacionais participariam da Copa do Mundo de 2014,
ou seja, por uma aparente brecha legal, milhares de oeste-africanos mi-
graram para o Brasil entre 2013 e 2014 de forma inicialmente regular e,
após os 90 dias de prazo, irregulares perante o Estado brasileiro.
A própria imprensa à época amplamente noticiou a imigração por
meio dos “vistos da Copa” – nome pelo qual ficou conhecida essa prá-
tica de migração sem um visto de trabalho –, como atesta o trecho da
reportagem a seguir:

Ganeses estão em abrigos provisórios em São Paulo, Criciú-


ma (SC) e Caxias do Sul (RS). Após obterem visto de turis-
ta para a Copa, sonham com trabalho no Brasil e querem
ajudar a família que ficou na África. A onda de migração
de ganenses sucede a de haitianos e senegaleses, que
chegam há anos com histórias semelhantes. Depois de
algum tempo poupando e eventualmente com ajuda fami-
liar, eles “investem” cerca de R$ 3,4 mil (US$ 1,5 mil) para
empreender a viagem Acra-Casablanca-São Paulo de avião,
pagar mais um deslocamento de ônibus e sobreviver alguns
dias no Brasil. Quase todos são homens jovens, entre 20 e
30 anos. Chegam só com a roupa do corpo e dependem de
ajuda. Movidos pelas informações de que em Caxias do Sul
a Polícia Federal (PF) estava habilitada a atender 20 pedidos
de refúgio por dia e poderia haver emprego, parte dos ga-
nenses que já estavam em Criciúma tomou o rumo da serra
gaúcha. Ao chegar, foram amparados pelo Centro de Aten-
dimento ao Migrante (CAM), ligado à Igreja Católica, e rece-
beram apoio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
de Vereadores. No ginásio de esportes do Seminário Dioce-
sano Nossa Senhora Aparecida, local encontrado pelo CAM
para abrigá-los, os ganenses de diferentes cidades formam
uma comunidade sem número definido. Como a maioria

92 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


dos ganenses é muçulmana, criou-se, atrás do ginásio, um
espaço atapetado para que todos possam orar voltados para
Meca. Os primeiros que chegaram se disseram persegui-
dos por questões tribais, desavenças religiosas e até bri-
gas de vizinhos. No dia 11, o governo de Acra sustentou
que o argumento não tem fundamento e destacou que
não há conflitos internos. Nos últimos dias, a justifi-
cativa dos que chegam é de que fogem da pobreza, do
desemprego ou dos salários baixos e desrespeito às leis
trabalhistas. Autoridades já observaram que dificilmen-
te os pré-requisitos para a concessão de refúgio, como
o da perseguição, serão preenchidos. Ao mesmo tempo,
admitem que os migrantes poderão ficar no Brasil, mas
em outra condição, com visto de trabalho para ocupar
as vagas que conseguirem no período em que o pedido
de refúgio estiver em análise. Levantamento mais recente
do Ministério da Justiça mostra que foram emitidos 8.767
vistos para ganenses durante a Copa e 2.529 entraram efe-
tivamente no País desde então. Desses, 1.397 já deixaram o
Brasil e 1.132 permanecem por aqui. Os pedidos de refúgio
encaminhados ao Conare chegam a 180. (GANENSES com
visto para a Copa tentam vida no Brasil, 2014, grifo nosso).

A citação anterior permite que discutamos um elemento pouco


abordado pelos demais migrantólogos brasileiros: como uma política
de concessão facilitada de vistos para um evento desportivo (que, ao
cabo, se tornou uma verdadeira isenção de vistos para fins migratórios)
repercutiu no panorama imigratório do Brasil de forma tão expressiva
e significativa, acabando também por moldar a própria política externa
migratória do governo Rousseff nos anos seguintes.
Considerando as estratégias de inserção internacional do Brasil, os
dois eventos em tela faziam parte de um projeto iniciado ainda no go-
verno Lula da Silva, por meio de um sonhado soft power baseado em
grandes eventos desportivos (Jogos Pan-Americanos de 2007, Copa das
Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014, Jogos Olímpicos e Pa-
raolímpicos de 2016 e Copa América de 2019), contudo, de acordo com
as nossas inferências, a administração federal não previra os impactos
migratórios de tais eventos, como os registrados até agora.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 93


Cabe salientar também que a estratégia migratória dos oeste-afri-
canos teve duas consequências imediatas, baseada sempre na perspec-
tiva do acolhimento, o que reforça a nossa hipótese da existência das
migrações de perspectiva (ou perspective migrations), quais sejam: 1) a
permanência ampliada, após os 90 dias do “visto da Copa”, por meio
dos longos processos de solicitação de refúgio; e 2) a permanência defi-
nitiva concedida após a obtenção de emprego durante a tramitação da
solicitação de refúgio.
À época, o Brasil ainda desempenhava um bom cenário
econômico, que se modificaria logo após as eleições de 2014, portanto,
posteriormente à Copa do Mundo de 2014, o que permitiu que cerca
de 85% dos imigrantes oeste-africanos portadores do “visto da Copa”
tivessem uma inserção no mercado de trabalho, especialmente no
interior dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, chegando a
atender nichos industriais específicos, por serem muçulmanos em sua
maioria, como dos alimentos do tipo Halal, como bem discute Tedesco
(2016) em seu estudo.
Na mesma época também, o governo brasileiro deu respostas mui-
to tímidas dentro de sua política externa migratória às demandas dos
novos imigrantes, haja vista que enfrentava um conturbado cenário po-
lítico doméstico, iniciado ainda nas manifestações de junho de 2013 e
piorado com os escândalos quase que semanais de corrupção, além do
foco total na reeleição da presidente Rousseff.
Embora os resultados da política de vistos dos dois eventos tenham
como repercussão as imigrações baseadas em perspectivas, e tenham
aumentado consideravelmente o estoque migratório do país, novamen-
te, em 2015, o governo brasileiro publica a Lei nº 13.193, de 24 de no-
vembro de 2015 (Brasil, 2015), que sustentava o seguinte:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei no 6.815, de 19 de agosto de


1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Bra-
sil e cria o Conselho Nacional de Imigração, para dispor so-
bre a dispensa unilateral do visto de turista por ocasião
dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, Rio 2016,
a serem realizados na cidade do Rio de Janeiro.

94 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Art. 2º A Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, passa a
vigorar acrescida do seguinte art. 130-A:
“Art. 130-A. Tendo em vista os Jogos Olímpicos e Para-
límpicos de 2016, a serem realizados na cidade do Rio de
Janeiro, Rio 2016, portaria conjunta dos Ministérios das
Relações Exteriores, da Justiça e do Turismo poderá dispor
sobre a dispensa unilateral da exigência de visto de turismo
previsto nesta Lei para os nacionais de países nela especi-
ficados, que venham a entrar em território nacional até
a data de 18 de setembro de 2016, com prazo de estada
de até noventa dias, improrrogáveis, a contar da data da
primeira entrada em território nacional.
Parágrafo único. A dispensa unilateral prevista no caput
não estará condicionada à comprovação de aquisição de
ingressos para assistir a qualquer evento das modalida-
des desportivas dos Jogos Rio 2016”. (Brasil, 2015, grifo
nosso).

Novamente as repercussões foram semelhantes no tocante às mi-


grações em números elevados, porém, agora também verificadas com
haitianos, venezuelanos, sírios, bolivianos, cubanos e filipinos, e tam-
bém outros grupos em menor número, que utilizaram da isenção do
visto para ingressarem no território brasileiro de forma regularizada.
A diferença dos eventos de 2013 e 2014 para 2014 foi a forma como
se produziu a política: para as Copas criou-se o dispositivo de um visto
especial, enquanto que para os Jogos Rio 2016 dispensou-se a exigência
de vistos. Deste modo, fica evidente a participação, ainda que não inten-
cional, do governo brasileiro na promoção de tais fluxos imigratórios,
sobretudo a partir de 2015, quando já possuía como case a experiência
dos anos anteriores com os vistos das Copas.
Muito se questiona até que ponto tais leis, logo, políticas, influen-
ciaram nas migrações para o Brasil entre 2013 e 2016, e concordamos
que seja difícil mensurar tais dados, uma vez que muitos migrantes já
remigraram para outros países, conforme veremos na próxima seção,
após o agravamento do cenário de crises no Brasil.
Deste modo, ficou evidente o fator de que o Brasil não era a princi-
pal opção como destino, porém, dois fatores influenciaram no ato deci-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 95


sório de migrar, sobretudo entre os latino-americanos e oeste-africanos:
a) a perspectiva institucional e consular, isto é, a facilitação da entrada
no território brasileiro com um visto “fácil de obter” ou até mesmo com
a sua isenção (caso dos Jogos Rio 2016); e b) a perspectiva econômica e
laboral, em preencher qualquer vaga de trabalho ociosa, a fim de ga-
rantir uma renda melhor e remigrar para outro país após a formação
de uma poupança mínima ou, até mesmo, trazer a família para o Brasil,
dada a oferta de saúde e educação pública gratuitas e o sistema de se-
guridade social, sempre mais atrativos que nos seus países de origem.
Antecipando uma das nossas conclusões, infere-se que sim, os go-
vernos Lula da Silva e Rousseff tiveram parcela de responsabilidade
nas imigrações hiperdinâmicas observadas ao longo dos últimos anos,
pois criaram, ou permitiram que se criasse, ambientes de perspectivas
institucionais, econômicas, laborais e sociais favoráveis à imigração, es-
pecialmente em um cenário global cada vez mais restritivo às migrações
internacionais; cenário este que o país passou a se inserir já na adminis-
tração Michel Temer e tem a perspectiva de consolidar-se no vindouro
governo Bolsonaro.
Deste modo, dedicaremos os próximos parágrafos para discutirmos
a ruptura total nas perspectivas migratórias e dos próprios imigrantes
ocorrida com o impeachment de 2014, além de apresentar as tendências
futuras do panorama imigratório do Brasil, cuja política externa migra-
tória se vê em um processo de questionamentos, tensionamentos e es-
facelamentos, seja na via das emigrações forçadas e remigrações para
outros países, seja na via da xenofobia institucional e governamental
implantada e a implantar-se no país.
No momento em que este capítulo é escrito, última semana de no-
vembro de 2018, o Brasil conta com cerca de pouco mais de 1,5 milhões
de imigrantes, todos migrados a partir de perspectivas sociais, econômi-
cas, políticas e laborais construídas ao longo dos últimos quinze anos e
baseadas num cenário até então positivo para se estabelecerem em solo
brasileiro.
Nos últimos dois anos, entretanto, o cenário institucional do país
tem se transformado de forma igualmente hiperdinâmica, com agen-

96 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


das e processos que discutimos nas páginas anteriores: a tentativa de
formulação de uma política (i)migratória nacional por meio da 1ª CO-
MIGRAR, a criação do dispositivo dos vistos humanitários, a tramita-
ção e a aprovação da nova Lei de Migração, a edição dos vistos para
os eventos desportivos, até então inéditos na jurisprudência brasileira,
as migrações subsidiadas por meio do Programa Mais Médicos, os ve-
tos presidenciais à nova lei migratória, e o impeachment da presidente
Rousseff, considerado neste capítulo como um marco de ruptura entre
a agenda de política externa migratória até então vigente com a nova
agenda implementada pelo governo do presidente Michel Temer e as
promessas do presidente eleito Jair Bolsonaro neste campo.
Embora tenhamos discutido em publicações anteriores (Uebel;
Ranincheski, 2017a; Uebel; Ranincheski, 2017b) as perspectivas a agen-
das do governo Temer em relação ao tópico migratório, muito do que
fora previsto por nós analistas e migrantólogos acabou se concretizando
de forma distinta por ocasião de um novo boom imigratório: o dos ve-
nezuelanos, e também pela sobrevida não-esperada dada às instituições
que tratam das questões migratórias, como o Ministério da Justiça e o
Ministério do Trabalho.
Por que ruptura total? Este questionamento parte do pressuposto
compartilhado entre os pesquisadores de migrações na academia brasi-
leira de que ocorrera uma quebra institucional e política na percepção
da importância das migrações para a construção da política externa bra-
sileira – e da própria imagem externa do Brasil – a partir do conturbado
e contestado processo de destituição da presidente Rousseff no ano de
2016, que deixou feridas não apenas na história democrática do Brasil,
mas também em uma agenda progressista de questões sociais e de di-
reitos humanos.
Se fosse possível imaginar uma linha de uma série histórica na po-
lítica externa migratória brasileira ao longo das últimas duas décadas,
afirmaríamos que, com a ocorrência do processo de impeachment de
2016, restou engavetada toda a agenda progressista de avanços rumo à
implementação de uma efetiva política migratória no país, uma vez que,
ainda em 2014, o governo Rousseff tinha dois objetivos que concentra-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 97


riam todas as atenções do Governo Federal: 1) a sua reeleição a qualquer
custo, no meio de escândalos e denúncias de corrupção, sobretudo por
parte da Operação Lava Jato; 2) a sua sobrevivência face o processo de
destituição, iniciado ainda no final de 2015.
Seria impossível, deste modo, um Governo Federal conseguir man-
ter o seu foco, estrutura e energia para a manutenção de agendas ex-
tra-administrativas, como aquelas da 1ª COMIGRAR, o que explica a
lenta e quase paralisada tramitação da nova Lei de Migração entre 2014
e 2015 e com a inexistência de uma 2ª COMIGRAR, algo que fora pro-
metido quando da cerimônia de encerramento da primeira edição da
conferência.
Isto posto, podemos afirmar que a ruptura não se dera quando da
posse de Michel Temer, primeiro como interino e depois como defini-
tivo, mas sim ainda na sobrevida do segundo governo Rousseff, total-
mente desconectado de políticas para imigrantes, que então passariam
a ser responsabilidade dos governos estaduais e municipais e de outras
esferas do Poder Público, sobretudo do Ministério Público – Federal, Es-
tadual e do Trabalho – e também das organizações não-governamentais
e entidades religiosas.
Poder-se-ia argumentar que o panorama imigratório do Brasil à
época também estava estabilizado, ainda que a integração dos imigran-
tes chegados nos anos anteriores fosse insuficiente e aquém da imagem
projetada externamente de um “país acolhedor de imigrantes”, pelo
contrário, entre 2014 e 2016 foi o período em que mais demandou-se
acesso aos sistemas públicos de saúde, educação e moradia, o ensino de
português como língua estrangeira, a emissão de documentos de regu-
larização, etc.
A referida ruptura total, além de interromper esta agenda progres-
sista, também teve repercussões na política externa brasileira, totalmen-
te paralisada nos anos da administração Temer, uma vez que foi condu-
zida por dois chanceleres não-diplomatas, José Serra e Aloysio Nunes, e
afastada dos grandes fóruns e debates internacionais, tanto pelo cenário
caótico que o Brasil demonstrava externamente, como pela perspectiva
que os outros países e governos estrangeiros tinham em relação ao go-

98 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


verno Temer: de transição e imobilizado pelas questões de corrupção,
restrições orçamentárias e elevados índices de reprovação popular.
Nessa esteira, identificamos que a política externa migratória de
Michel Temer seguiu alguns passos daquela praticada por Rousseff,
como a tentativa de projeção do Brasil externamente como país aco-
lhedor de imigrantes, a manutenção da responsabilidade de controle,
acolhimento e encaminhamento por parte do Ministério da Justiça – e
posteriormente do Ministério da Segurança Pública –, do Ministério do
Trabalho e do Ministério das Relações Exteriores.
Para finalizar, outro ponto que se sobressai nessa agenda de rup-
turas da política externa migratória brasileira na administração Michel
Temer, foi a insólita participação de um Estado estrangeiro nos deba-
tes migratórios do Brasil, incluindo um forte viés securitário, respalda-
da em duas oportunidades diferentes: os Estados Unidos da América.
Nunca na historiografia brasileira um membro do alto-escalão norte-a-
mericano tecera comentários sobre as questões migratórias do Brasil, e
em pouco mais de um ano, tanto o vice-presidente como o secretário de
Estado daquele país o fizeram, a fala de Mike Pence, vice-presidente dos
Estados Unidos reafirma esse pensamento:

[...] With the second-largest military in the Western


Hemisphere, the defense partnership between the Unit-
ed States and Brazil has benefitted us both for many
decades, promoting the safety of our people and the sta-
bility of the region. Last month, the United States and
Brazil launched the first-ever Permanent Security Forum
to integrate all elements of our law enforcement operations.
And we will continue to confront the challenges facing secu-
rity and stability across this region together. There is one
specific threat to our collective security that we spoke
of today and I’d like to address: The ongoing collapse of
one of our neighbors, Venezuela. Venezuela’s collapse
is creating a humanitarian crisis, leading to widespread
deprivation, the denial of basic services, and starvation.
And it’s spurred the largest cross-border mass exodus
in the history of our hemisphere. More than 2 million
Venezuelans have abandoned their homeland, giving drug

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 99


cartels and human traffickers even new opportunities to
engage in their deadly trade and exploit vulnerable fami-
lies. […] Tomorrow, as you mentioned, Mr. President,
Karen and I will be visiting Venezuelans in a shelter in
Manaus. To meet this crisis, the United States is proud
to support, in the fashion of more than $20 million,
efforts to come alongside Venezuelans who fled their
homes. This is in addition to the more than $40 million
that we’ve given to support humanitarian efforts across the
region. […] And, today, Mr. President, I’m pleased to an-
nounce that the United States will provide additional
support of nearly $10 million to Venezuelan migrants,
more than $1 million that will go directly to Brazil as
you address this ongoing crisis. […] Mr. President, let me
say thank you. Thank you for supporting the more than
50,000 Venezuelans who have fled to Brazil to escape the
deprivation and the tyranny that has beset their homeland.
Thank you for your leadership in standing up to the Maduro
regime, and for your partnership in the cause of democracy
in that land with the United States. […] But now is the time
for even stronger action. And, today, the United States
calls on Brazil and all freedom-loving nations across our
hemisphere to take further steps to isolate the Maduro
regime. […] Sadly, in recent days, a flood of migrants from
Central America have been entering the United States ille-
gally. In the first six months of this year, nearly 150,000
Guatemalans, Hondurans, and Salvadorans abandoned
their homes and made the often-dangerous journey to the
United States in the misguided belief that they could enter
our country illegally. And to all the nations of this re-
gion, let me say with great respect: Just as the United
States respects your borders and your sovereignty, we
insist that you respect ours. As President Trump has
said, “If you don’t have borders, you don’t have a coun-
try.” And under our President’s leadership, we’re investing
in our border security as never before. […] But the truth is,
all the nations of our Hemisphere have got to help to ensure
the stability of our neighbors. And so today, on behalf of
the United States, I say to our strong ally here in Brazil,
and to all the freedom-loving nations across the Americas:
The time has come to do more. And lastly, to the people of

100 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Central America, I have a message for you, straight from my
heart, and straight from the heart of the American people:
You are our neighbors. We want you and your nations to
prosper and thrive across Central America. Don’t risk your
lives or the lives of your children by trying to come to the
United States on a road run by drug smugglers and human
traffickers. If you can’t come legally, don’t come at all.
If someone tells you they can bring your child to Ameri-
ca, don’t believe them. Hold on to your children. Build
your lives in your homeland. And be confident that your
neighbors in the United States and across this New World
are all working together to ensure a brighter future for all of
the nations of this hemisphere. (Pence, 2018, grifo nosso).

Pela primeira vez na história diplomática brasileira e, por conse-


guinte, na própria política externa migratória brasileira, um ator exter-
no teve atuação direta, neste caso, os Estados Unidos. Essa é a outra
principal característica da política externa migratória de Michel Temer:
a obtenção de apoio logístico e financeiro dos Estados Unidos para o
controle migratório, especialmente o de retenção de venezuelanos – o
que explica as peculiaridades que apresentamos anteriormente –, o que
poderia ser compreendido inclusive como uma violação da soberania
territorial do Brasil, assunto este que poderá ser terma de pesquisas fu-
turas sobre a securitização migratória do país.
Securitização das fronteiras, militarização do tratamento da ques-
tão migratória, interiorização de imigrantes e refugiados e ingerência
externa são os elementos que caracterizaram, portanto, a agenda da polí-
tica externa migratória de Michel Temer, rompendo então com a agenda
progressista dos governos anteriores. Este cenário criaria um ambien-
te cada vez mais restritivo à chegada e permanência de imigrantes no
Brasil, uma vez que as perspectivas de acolhimento, empregabilidade e
integração se apresentavam cada vez mais anti-imigração, xenofóbicas
e piores inclusive do que aquelas registradas em seus países de origem.
À exceção dos fluxos de venezuelanos, que continuaram para
o Brasil única e exclusivamente por ser a única opção viável, junto à
Colômbia, todos os demais fluxos, segundo os dados mais recentes da

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 101


Polícia Federal e a serem compilados pelo Observatório Brasileiro das
Migrações Internacionais, reduziram entre 2017 e 2018, ocasionando
dois tipos situação que caracterizam o panorama atual das migrações
no Brasil: a) a emigração forçada, isto é, pela indocumentação, falta
de regularização, desemprego, perseguições, violência, aumento
da xenofobia no Brasil e crescimento da vulnerabilidade, além da
perspectiva de uma piora do cenário a partir da posse de Jair Bolsonaro
em 1º de janeiro de 2019; e b) a remigração para os países vizinhos,
como Uruguai, Paraguai e Chile, que receberam, segundo os seus
institutos nacionais de estatística (UEBEL, 2018b), um número elevado
de imigrantes caribenhos e oeste-africanos que estavam no Brasil
anteriormente, ou ainda, remigrações para o Canadá e União Europeia,
mormente a França, Alemanha e Espanha, na busca de asilo ou mesmo
a imigração irregular.
Isto posto, somando-se aos já citados discursos e promessas do
presidente eleito Jair Bolsonaro, trazemos o Quadro 1 a seguir com as
perspectivas do panorama imigratório do Brasil para os próximos anos,
considerando tanto o cenário econômico, político e geopolítico domés-
tico como o internacional:

Quadro 1. Perspectivas do panorama imigratório do Brasil. Elaborado pelo autor.

1. Diminuição dos fluxos imigratórios de todas as origens continen-


tais, em virtude da retração econômica brasileira, a impactar na
criação de novas vagas ociosas, embora exista a previsão de cresci-
mento econômico para os próximos anos, a absorção deverá se dar
primeiro por parte dos nacionais e posteriormente dos imigrantes,
conforme os mecanismos de vinculação de Sassen (2007).

2. Aumento da emigração e remigração dos imigrantes já estabeleci-


dos no Brasil para países com políticas e cenários mais acolhedores,
como Uruguai, Paraguai, Bolívia, em um primeiro momento e, pos-
teriormente, Canadá, Espanha e França.

3. Securitização da questão migratória e fronteiriça, com o aumento


da presença das Forças Armadas no controle dessas áreas, espe-
cialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, em substituição e/ou
complemento à atuação da Polícia Federal, CNIg e CONARE.
4. Criação de instrumentos não-tradicionais na política externa mi-
gratória brasileira, como a construção de abrigos do tipo “campos
de refugiados”, processos dinamizados de expulsão, deportação e
não-admissão de estrangeiros.

5. Maior subordinação – e conseguinte transferência de responsabili-


dades – da agenda migratória ao Gabinete de Segurança Institucio-
nal da Presidência da República, com menor peso do Ministério das
Relações Exteriores e Ministério da Justiça.

6. Desordenamento na gestão de temas migratórios sensíveis, desde


a tabulação de dados estatísticos até a elaboração de normativas e
políticas públicas com a prometida extinção do Ministério do Tra-
balho.

7. Não necessariamente uma revogação da nova Lei de Migração,


mas sim, a elaboração de emendas constitucionais, novos dispositi-
vos legais e leis complementares que possam desconfigurar os pro-
pósitos iniciais da nova lei migratória, levando ao endurecimento e
restrição às migrações.

8. Aumento dos episódios de xenofobia social e governamental/ins-


titucional, dada a onda conservadora registrada após as eleições de
2018, seguindo uma tendência geo-cultural capitaneada pelo go-
verno norte-americano, com ressonância em países vizinhos como
Argentina e Chile, e que encontra respaldo discursivo e imagético
na figura do presidente eleito Jair Bolsonaro.

9. Abandono do discurso por parte da futura chancelaria brasileira


de um país de acolhimento às migrações em gerais, uma vez que
se vislumbra um total reposicionamento do Brasil na arena inter-
nacional, inclusive com maior ingerência em Estados estrangeiros,
como a Venezuela, por exemplo.

10. Inflexão no perfil migratório do Brasil, inclusive com a retomada


do saldo migratório negativo, isto é, mais brasileiros emigrando e
menos estrangeiros imigrando para o país, destacando-se o cenário
de inexistência de perspectivas positivas às migrações.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 103


A partir dessas dez perspectivas, pudemos tecer algumas conside-
rações conclusivas neste capítulo sobre o panorama imigratório do Bra-
sil bem como para as perceptivas migratórias para o país nos próximos
anos.
Fica evidente, deste modo, que a migração senegalesa para o Bra-
sil, mas, sobretudo, a oeste-africana, está em declínio e fez parte de um
processo de hiperdinamização imigratória pelo qual o Brasil passou em
um curto espaço de tempo. De fato, o país hoje se apresenta como uma
nação de remigrantes e emigrantes forçados, dentre eles, aqueles oeste-
-africanos que tiveram o seu “Brazilian dream” irrealizado.

Referências
BOLÍVIA oferece curso de medicina a R$ 700 em Puerto Evo Morales, na
fronteira. In: MACHADO, Altino. Blog do Altino Machado. Rio Branco, 17 nov.
2014. Disponível em: <http://www.altinomachado.com.br/2014/11/bolivia-
oferece-curso-de-medicina-r-700.html>. Acesso em: 06 maio 2018.
BOLSONARO, Jair. Posicionamento de Bolsonaro sobre nova Lei de Migração. 2017.
(2m16s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GgLqhh0X-kk>.
Acesso em: 04 nov. 2018.
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SÃO PAULO. Política. Rio de Janeiro, 14 mar. 2018. Disponível em: <https://
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sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo
FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil;
altera as Leis nos 6.815, de 19 de agosto de 1980, e 10.671, de 15 de maio de 2003;
e estabelece concessão de prêmio e de auxílio especial mensal aos jogadores das
seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. Brasília, DF, 2012. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12663.
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BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.193, de 24 de novembro de 2015. Altera a
Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica do estrangeiro
no Brasil e cria o Conselho Nacional de Imigração, para dispor sobre a dispensa
unilateral do visto de turista por ocasião dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de
2016, Rio 2016. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13193.htm>. Acesso em: 27 out. 2018.

104 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 105


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106 Uebel, R. R. G. Imigração senegalesa e oeste-africana para o Brasil...


Aportes para el análisis
de la migración senegalesa
hacia Argentina y Brasil:
Nuevas rutas en el marco de la
economía global

Gisele Kleidermacher

E
l presente escrito se propone contribuir al estudio de las migraciones
senegalesas hacia nuevas rutas en América Latina como lo son Ar-
gentina y Brasil. Profundizando en las diferencias y similitudes que
los movimientos poblacionales de senegaleses presentan entre ambos
países, así como el establecimiento de circuitos de tránsito en el sur del
continente.
Para arribar a dicho objetivo, en una primera instancia se caracte-
rizarán los factores que influyen en la salida de la población de Sene-
gal, quiénes son aquellos que migran, cuáles han sido los tradicionales
destinos de la migración senegalesa, así como también, qué aspectos
deben considerarse para comprender la construcción de nuevas rutas
que unen al África Subsahariana con América Latina en las últimas dos
décadas.
Finalmente, se indaga acerca de las trayectorias de los migrantes en

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 107


estos dos países, las rutas que atraviesan, su tránsito entre estos dos ter-
ritorios y la importancia para el estudio de esta migración de las redes
migratorias y el contexto global transnacional.
De esta forma, este artículo propone una sistematización de inda-
gaciones previas sobre el fenómeno, ahondando en el tránsito que se
produce entre Brasil y Argentina. Se incorporan observaciones y en-
trevistas realizadas durante el transcurso de este último año (2018) de
formal tal de profundizar las indagaciones y análisis realizados hasta el
momento.

Contexto senegalés

Senegal se encuentra ubicado en el extremo occidental del África


subsahariana. Su nombre oficial es République du Senegal. Limita al
norte con Mauritania, al este con Malí, al sur con la República de Guinea
y Guinea-Bissau, y al oeste con el océano Atlántico. La superficie total
de la república es de 196.722 km² y su capital es Dakar. Antigua colo-
nia francesa, el país consiguió su plena independencia el 20 de junio de
1960, de la mano de Lèopold Senghor. Sin embargo, la independencia
política no significó independencia económica, el país fue víctima de
la aplicación de políticas de desarrollo poscoloniales inspiradas desde
el exterior, el deterioro en los términos de intercambio y una excesiva
carga de la deuda externa (Kabunda, 2007).
Para comprender las actuales migraciones senegalesas, debemos
remontarnos brevemente a aquellos años de colonización francesa que
dejaron hondos efectos en el país. Durante aquel momento, los colo-
nos fomentaron el desarrollo de la agricultura para la exportación,
destruyendo las economías domésticas de subsistencia. Los hombres
debieron dejar sus cultivos y trasladarse a nuevas zonas donde poder
trabajar, comenzando de este modo una migración rural-rural. A ello
debe adicionarse una nueva migración rural-urbana en busca de traba-
jos asalariados y mejores condiciones de vida, que suscitó el crecimiento
desordenado de las ciudades como Dakar y Saint Louis, sin planificación

108 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
ni contención para los
recién llegados1. Las
consecuencias de estas
migraciones fueron, en-
tre otras, el crecimiento
poblacional muy desi-
gual.2
Al mismo tiempo,
la colonización francesa
fomentó la migración
hacia la metrópolis, pri-
mero para formar a las
Mapa 1. Mapa político de Senegal. Fuente: Cartes elites colaboracionistas,
administratives du Sénégal. Gouvernement du
y Senegal. Página oficial del Gobierno de Senegal: tras su retorno, obtener
<http://www.gouv.sn/Cartes.html>. mayor poder (Kleider-
macher, 2013), pero
también, para luchar en las filas de su ejército y luego, como parte del
plan de reconstrucción tras la Segunda Guerra Mundial. Este tipo de
iniciativas estaban enmarcadas dentro del Plan Marshall, que promovía
una serie de proyectos que implicaban fomentar las migraciones. Por
ese entonces, los países receptores de inmigración desarrollaron una
política activa de reclutamiento de trabajadores. Los salarios eran muy
altos en comparación a las posibilidades en Senegal, y les permitían a su
regreso comprar autos, casas y otros artículos que les daban prestigio
frente al resto de la comunidad (Jabardo, 2003; Tall y Tandian, 2010).
Todo ello ha dejado secuelas en el imaginario de la población que
ve en la emigración una salida para la obtención de un futuro más prós-

1
  En la región de Dakar se concentraba a finales de la década de 1990 casi el 30% de la población
del país, en año 2005 esta cifra se situaba en torno al 23%. El ritmo de crecimiento de la región
de Sant-Louis ha crecido, entre el año 2002 y 2005, a una tasa anual superior al 8% mientras
que la región de Fatick apenas registró un 0.5% anual en el mismo periodo. Véase http://www.
statoids.com/
2
  En el año 2005 el 54% de la población se concentraba en el 15% del territorio senegalés. El
patrón de crecimiento de la población se traduce en una fuerte presión sobre la demanda de
bienes y servicios. En este contexto, y a pesar de los niveles de crecimiento registrados por
Senegal en la última década, no se ha observada una mejora sustancial en el PBI per cápita.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 109


pero del que el país puede ofrecerle con sus altas tasas de desocupación,
pero también una posibilidad para emanciparse de sus familias y de
obtener el particular prestigio que los emigrantes poseen en Senegal.
Finalmente, no debe dejarse de lado la influencia que presentan los
medios de comunicación (televisión, radio, Internet, diarios, telefonía
celular, locutorios) al difundir información favorable sobre los países
de destino como puntos de atracción. La totalidad de los jóvenes en-
trevistados posee un teléfono celular para comunicarse con su familia,
en este sentido, la telefonía celular se convierte en una herramienta in-
dispensable que facilita la comunicación permanente entre las familias
(Kleidermacher, 2016). Lo mismo las computadoras a través de las redes
sociales, especialmente Facebook y Skype. Estas herramientas también
favorecen la difusión de imágenes de los jóvenes que los presentan como
“triunfadores”, posando en lujosos coches o frente a enormes edificios,
que nada tienen que ver con sus vidas en el país donde se encuentran,
pero que alimentan el imaginario de la migración como una posibilidad
para generar riquezas.
Con respecto a quiénes son los que abandonan el país, un informe
de FNUAP (Fondo de Población de las Naciones Unidas) correspon-
diente a 2006 revela que quienes se marchan no son los más desfavo-
recidos, sino aquellos que han recibido una instrucción, lo cual supone
una pérdida para los países de origen en competencias y en inversión
inicial. Dicho informe también da cuenta de que en más de la mitad de
los movimientos migratorios internacionales intervienen jóvenes de 15
a 29 años (Kleidermacher, 2013).
No obstante, estos jóvenes no toman la decisión de manera indi-
vidual; como analiza Kaplan (2003) para la región de Senegambia, la
emigración es percibida como una estrategia familiar, asumida por uno
o varios de sus miembros, que se manifiesta en una estrategia de movi-
lidad, una migración de carácter masculino, transcontinental, donde la
familia realiza una inversión económica importante (venta de ganado o
bienes) para ayudar con los gastos iniciales de uno de sus miembros jó-
venes, cuyas perspectivas son la diversificación de las bases económicas
y la promoción del estatus socioeconómico del grupo.

110 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Como ya han mencionado diversos investigadores sobre la temá-
tica (Moreno Maestro, 2006; Kaplan, 2003; Riccio, 2004, entre otros), la
emigración facilita la transformación de la producción de la unidad fa-
miliar, ya que la salida de un individuo no significa que el núcleo fami-
liar se rompa o divida, desvinculando a sus miembros; todo lo contrario,
su flexibilidad y movilidad son ventajosas para la dinámica familiar.
Las remesas mantienen el vínculo familiar y la comunicación de manera
constante e ininterrumpida, así como el peso que esta obligación tiene
en la vida de los jóvenes migrantes.
Es decir, las familias proponen y ayudan para el proyecto migra-
torio, ya sea consiguiendo documentos, contactando conocidos en los
lugares de destino, o bien mediante ayudas materiales para la compra
del pasaje y esta ayuda luego debe ser retribuida cuando la persona
llega a destino, generando un círculo para que nuevos jóvenes sean in-
centivados a salir.
Por lo antedicho, la búsqueda de ascenso social, de mejora econó-
mica o, en otros casos, el mandato familiar, llevan a que jóvenes sene-
galeses consideren la emigración como una iniciativa viable. El antece-
dente histórico de movimientos de población intraafricanos, junto con
un conjunto de condiciones locales particulares, presenta esa opción de
vida como una acción deseable en lo personal y apreciada en la esfera
social (Arduino, 2011).
Para la emigración senegalesa en Barcelona, Goldberg observa algo
similar:

“El emigrado se percibe en origen como un exitoso, un refe-


rente social: hacerse hombre, tener dinero, mujer e hijos. El
prestigio se manifiesta no sólo en términos materiales, sino
sobre todo sociales y simbólicos, ya que el emigrante exitoso
es aquel que mantiene la responsabilidad moral de redistri-
buir su riqueza, manteniendo financieramente a su familia,
su comunidad y sus redes de amigos” (2003:78).

Es decir, las condiciones históricas de fomento de la migración por


parte de la metrópolis, las imágenes de riqueza que los migrantes trans-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 111


mitían a sus familiares a su regreso desde Europa, las bajas posibilida-
des de inserción laboral en el país que cuenta con una amplia economía
informal y altos índices de desempleo, así como las familias ampliadas
con pocas posibilidades de sostener económicamente a todos sus miem-
bros contribuyen a generar una fuerza expulsora para los jóvenes sene-
galeses que buscan nuevos horizontes por fuera de su país.
Si bien Senegal no se encuentra atravesado por guerras ni grandes
hambrunas, deben mencionarse algunos datos estructurales del país
que permiten comprender la búsqueda de mejores oportunidades en
otros destinos para sus habitantes. En relación a los datos del último
censo nacional realizado en Senegal, el indicador de escolarización para
el nivel nacional es 79.1%. Sin embargo, presenta disparidades regiona-
les importantes: las mayores tasas de alfabetización (más del 59,8%) se
encuentran en Occidente, como Dakar, Guédiawaye, Ziguinchor y Ou-
ssouye. Por otro lado, los departamentos de Goudiry y Ranérou tienen
las tasas de alfabetización más bajas (menos del 19.9%)3.
En relación a la economía, la industrialización fue frustrada tras
la independencia, siendo un país fuertemente agroexportador. Moreno
Maestro (2006) destaca entre las razones de esta situación la puesta en
práctica de políticas de liberalización comercial y de privatizaciones im-
puestas por el Fondo Monetario Internacional y el Banco Mundial.
El sector servicios se encuentra ampliamente extendido, por la falta
de oportunidades para insertarse en el mercado formal de trabajo en di-
cho país. La economía informal es visible, es tolerada y fomentada ante
la certeza por parte del gobierno de que es la única salida de gran parte
de su población (Kleidermacher, 2013). El valor de desempleo formal
para el país es del 25.7% de acuerdo a los datos del último censo nacio-
nal de población del año 2010. El departamento más afectado es Kanel
con una tasa que supera el 55.2%. Lo mismo sucede pero en menor me-
dida para los departamentos de Goudomp, Goudiry y Matam, donde la
tasa de desempleo está entre el 45 y el 55,2%. En el otro extremo se en-
cuentran los departamentos de Dakar y Saint-Louis donde el desempleo
no alcanza al 14,4%. Finalmente, en la mayoría de los departamentos

  http://www.ansd.sn/index.php (Consulta realizada el 13/10/2017).


3

112 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
restantes, el nivel de desempleo es comparable al observado en prome-
dio en todo el país (entre 24.6% y 34.8%)4.
Por último, puede mencionarse brevemente la incidencia de la re-
ligión en los movimientos migratorios. El Estado Senegalés es formal-
mente laico, sin embargo, el 80% de su población adscribe a la confesión
musulmana y a su vez el 85% de población musulmana que habita en
Senegal se estructura en hermandades o cofradías. Las cofradías son
definidas como asociaciones de místicos que buscan la unión con lo
sobrenatural a partir de prácticas que llevan a un estado de bienestar
espiritual y por lo tanto, que facilitan en alguna forma la salvación. Las
cofradías sufíes (herederas de la tradición islámica marroquí que llega
al territorio senegalés), surgen a inicios del siglo XVII y cobran cada
vez mayor relevancia al organizar no sólo la vida religiosa sino también
política y económica, actuando como mediadores entre la población
local y las autoridades coloniales. En el caso de la Cofradía Mouride,
endógena de Senegal, combina la enseñanza religiosa con el trabajo, al
principio mediante la producción de maní, y posteriormente, se tras-
ladó a las ciudades cuando una gran sequía asoló el campo senegalés
y forzó el primer éxodo mouride a medidos de los años setenta. Fue
entonces cuando empezaron a ocupar los sectores del comercio (impor-
tación-exportación) o el sector servicios y a extender sus redes por los
cinco continentes. Estas redes en la emigración son potentes, en tanto
que actúan como contención, antes, durante y después del viaje (Evers
Rosander, 1995; Riccio, 2004; Moreno Maestro, 2006; Zubrzycki, 2013;
Kleidermacher, 2013).

Principales destinos migratorios

El principal destino de la migración senegalesa han sido otros paí-


ses al interior del continente africano, principalmente Gambia, Ghana,
Malí, Costa de Marfil, dependiendo de las posibilidades laborales. Tal
como ha sido relatado por Kabunda (2007), las migraciones africanas

  http://www.ansd.sn/index.php (Consulta realizada el 13/10/2017).


4

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 113


son más horizontales que verticales, haciendo referencia a esta gran mo-
vilidad existente entre los países de la región, más numerosa que las
migraciones hacia Europa. Sin embargo, en la década del 80, la crisis
económica internacional afectó los destinos de la emigración senegale-
sa. Al deterioro de las condiciones de vida de las familias rurales y ur-
banas senegalesas debe adicionarse las restricciones para ingresar a los
tradicionales países de destino. Como mencionan Sakho et al (2015), los
países africanos donde solían migrar como Costa de Marfil y Maurita-
nia, los “el Dorado” africanos comenzaron a implementar restricciones
a las estadías, expulsiones, etc.
En segundo lugar, y tal como fue relatado en el apartado anterior,
Francia se consolidó como el principal destino dentro del continente
Europeo en la primera mitad del siglo XX, pero también en este conti-
nente los destinos comenzaron a diversificarse. Entre 1997 y 2002, los re-
sultados del censo 2002 ya mostraban el éxito de los destinos europeos
(42% de las emigraciones), tornándose Italia el primer destino para los
senegaleses antes que Francia, anterior destino “tradicional” europeo
(ANSD, 2006). Este censo, de acuerdo a Sakho et al (2015), también reve-
ló el surgimiento de nuevos destinos como los países del Magreb (10%)
y Estados Unidos (6%).
En relación al continente europeo, el principal y primer país de
emigración ha sido Francia, debido, como relatamos anteriormente, a
los lazos coloniales, lingüísticos, históricos y económicos. Sin embargo,
a partir de 1967 y 1968 Francia comenzó a atravesar crisis económicas,
perjudicando a los migrantes con sus medidas, entre las que se encuen-
tran despidos, planes de reconversión y jubilaciones anticipadas. El go-
bierno francés decide frenar la entrada de trabajadores coloniales que
anteriormente había fomentado, especialmente fueron endurecidas las
medidas de entrada y permanencia de trabajadores senegaleses, malien-
ses y mauritanos. Las políticas de cierre de fronteras francesa, reorien-
taron las migraciones hacia aquellos países con fronteras más porosas,
como España e Italia (Jabardo, 2003).
En esta diversificación de los flujos migratorios de los senegaleses
hacia Europa, es interesante retomar los resultados del Proyecto MAFE,

114 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
donde se sistematizan algunas de las principales características de las
trayectorias migratorias hacia los tres países donde mayor número de
senegaleses han arribado5. En los tres países se han encontrado algunas
diferencias en la población: la distribución por sexo de la población se-
negalesa de edad adulta en Francia es bastante equilibrada (47% muje-
res), mientras que es fuertemente masculinizada tanto en Italia (12 %)
como en España (15%) (González Ferrer, 2012).
En el mismo informe se observan diferenciación en relación a la
etnia, donde es mayoritaria la presencia de los wolof en Italia (80%), así
como su afiliación mayoritaria a la cofradía Mouride (66%). En cambio,
en España y en Francia la composición étnica y religiosa de la población
senegalesa es más diversa. En Francia, el peso es similar de los wolof
y los pulaar, en España, más de la mitad son wolof pero sólo un tercio
del total son Mourides, lo que indica bastante heterogeneidad religiosa
respecto al caso italiano.
De acuerdo a González Ferrer (2012), hay distinciones también en
la forma de ingreso, de esta forma, los senegaleses residentes en Francia
por lo general se dirigieron a dicho país directamente, sin estancias de
tránsito en países africanos o europeos (sólo un 4 %). En cambio, un 13
% de los senegaleses que estaban en Italia en 2008 había realizado estan-
cias de tránsito en otros países europeos, y un 9% de los que residían en
España habían pasado en su viaje a Europa por otros países africanos.
En conclusión, lo que muestra el informe es que hay importantes
diferencias en la composición y rutas seguidas por los senegaleses en
los tres principales países de destino del continente europeo. González
Ferrer (2012) coincide con otros estudios tradicionales respecto a la mi-
gración senegalesa, en que Francia ha logrado atraer a los senegaleses
originarios de familias mejor formadas y con mayor nivel educativo,
una mayor proporción de mujeres, lo que refleja la antigüedad de los
flujos, y también mayor proporción de estudiantes. En cambio, España,
aparece en el extremo opuesto en cuanto al origen socio-económico y

5
  El proyecto fue realizado en el año 2008, se entrevistó en Francia, Italia y España a 200
migrantes senegaleses de entre 25 y 70 años de edad, que habían llegado a Europa siendo ya
adultos.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 115


el perfil educativo de estos inmigrantes: más de la mitad proceden de
familias en la que el padre era trabajador por cuenta propia, en el sector
informal de la economía senegalesa o en la agricultura, y casi la mitad
no han completado ni la primaria en Senegal.
España ha sido, como ya hemos mencionado, un destino posterior
temporariamente a Francia, sin embargo, también pueden distinguir-
se diversas etapas para comprender estos flujos migratorios: España
comienza a formar parte de la Comunidad Económica Europea (CEE),
entre 1985 y 1986, convirtiéndose en ese mismo momento, en un pun-
to importante de entrada a la Unión Europea. La cercanía, tanto de la
península española con la parte norte de África como con las Islas Ca-
narias, era un factor que incentivaba a los magrebíes y subsaharianos a
optar por este punto de entrada, muchas veces de forma irregular.
En la actualidad, sin embargo, España ya no es considerada puer-
ta de entrada principal, hecho que podría atribuirse, por un lado, a la
crisis económica desatada en ese país a partir de 2008 y, por el otro, a la
implementación de una serie de mecanismos de control y restricciones
en cuanto a políticas migratorias. De acuerdo con Mazkiaran (2004), el
proceso de cierre de fronteras que España llevó adelante a partir de su
entrada a la CEE, se realizó a partir de la condición previa de plegarse
a una serie de legislaciones comunes de ese grupo de países europeos.
Es así que se crea una Ley de Extranjería -Ley Orgánica 7/1985 - sobre
los derechos y responsabilidades de los migrantes. Hasta ese momento
en España solo existían normas dispersas que regulaban los diversos
aspectos de la extranjería, por lo tanto, esta nueva Ley Orgánica se pre-
senta como la primera con vocación de generalidad.
España también firma el Acuerdo Schengen en 1991, el cual real-
mente entra en vigor en 1995 y suprime así los controles fronterizos con
Bélgica, Alemania, Francia, Luxemburgo, los Países Bajos y Portugal
(Gabrielli, 2010); se plantean criterios unificadores, en este caso la exi-
gencia de visados para la creación de la frontera común europea. En los
´90 se levantan, además, vallas kilométricas que recorren las fronteras
de Ceuta y Melilla y que separan España de Marruecos.
Asimismo, en octubre de 2004 entra en vigencia la Agencia Euro-

116 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
pea para la Gestión de la Cooperación Operativa en las Fronteras Exte-
riores de los Estados miembros de la Unión Europea (FRONTEX), cuya
función es vigilar, patrullar y controlar las fronteras marítimas, aéreas
y terrestres. Como observa Gabrielli (2010), estos dispositivos europeos
se suman a los de España, que durante el año 2000 ya había puesto en
marcha su propio Sistema Integrado de Vigilancia Exterior (SIVE), con
los cuales además había incorporado el uso de radares con base en el
sur peninsular y que había extendido hacia las Islas Canarias. De esta
forma, los ingresos a España se vuelven mas complejos, y se torna ne-
cesaria la búsqueda de nuevos destinos, sin con esto querer decir que
se frenaran los flujos migratorios, sino que se han diversificado, los se-
negaleses han buscado nuevos destinos en otros continentes, como es el
caso de Argentina y Brasil en América Latina.

Nuevas rutas migratorias:

El control migratorio más restrictivo en el norte es una de las expli-


caciones posibles a la diversificación de los destinos para los migrantes
africanos (Maffia 2010; Wagbou 2008) y, por lo tanto, a su llegada a lu-
gares como América del Sur. A ello deben agregarse también las crisis
económicas que han puesto en jaque al sistema neoliberal global, y la
conformación de nuevas y mas potentes redes transnacionales.
Si bien ya Italia y España representaban destinos que, a diferencia
de Francia y el África francófona, no poseen vínculos lingüísticos ni his-
tóricos, los nuevos países de América Latina implican un desafío aún
mayor, donde lo que se buscan son los nuevos potenciales de inserción
laboral para el envío de remesas. Se trata de países en crecimiento, tal
como ha sido observado por Wagbou (2008) donde “la estabilidad y el
crecimiento económico de varios países latinoamericanos” hacen de la
región “un espacio prometedor para el desarrollo comercial y laboral”.
También Murillo (2010) observa que la región se torna atractiva por per-
mitir a los migrantes, al menos en su imaginario, un acercamiento a
América del Norte por distintas rutas, este hecho también fue observa-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 117


do en trabajos anteriores (Kleidermacher, 2016), donde América Latina
es representado en el imaginario de los potenciales migrantes como una
vía para acceder a la ansiada América del Norte, especialmente Estados
Unidos.
En cuanto a los principales espacios de asentamiento de población
africana en América del Sur destacan Brasil y Argentina, por este mo-
tivo, los próximos apartados estarán dedicados a la caracterización de
estos flujos hacia estos dos países, y finalmente, se analizará la confor-
mación de una ruta de tránsito o movimiento transnacional que involu-
cra a este espacio.

Llegada a la Argentina

La población de origen senegalés comenzó a arribar al territorio ar-


gentino a mediados de la década del ´90 producto de la convertibilidad
cambiaria (un peso equivalía a un dólar), facilitando el envío de reme-
sas. Otro factor beneficioso era la existencia de representación diplo-
mática entre ambos países donde solicitar el visado. Sin embargo, tras
la crisis económica que sufriera el país latinoamericano, en el 2002 se
decidió cerrar las embajadas que la Argentina tenía en diversos países
del África Subsahariana, entre ellas la de Senegal. La crisis de Casaman-
ce, región sur de Senegal con el conflicto del MFDC6 que se inició en los
años 80 fue relevante también en los causales de esa primera migración
senegalesa en la Argentina7.
6
  La llamada “crisis de Casamance” es un conflicto librado entre el gobierno de Senegal y el
Movimiento de Fuerzas Democráticas de Casamanza (MFDC) que tuvo su inicio en el año
1982. Tras el cambio de gobierno, tras 20 años de presidencia de Léopold Sédar Senghor, en
1980 asumió el partido Partido Democrático Senegalés, dirigido por Abdoulaye Wade. El nuevo
gobierno se negó a darle un estatuto de autonomía a Casamance, lo que motivó una corriente
independentista que derivó en un conflicto armado. El MFDC organizó manifestaciones desde
1982, en 1985 se formó su brazo armado llamado Atika que en diola significa guerrero, y que
contó con el apoyo del presidente de Guinea-Bissau, João Bernardo Vieira, hasta su caída en
1999. Se ha mantenido constante una guerra de baja intensidad desde entonces, con varios
acuerdos de alto al fuego que no fueron respetados (Tomás, 2006).
7
  Desde el ámbito académico, una primera aproximación a la caracterización de los migrantes
subsaharianos arribados en las últimas décadas a la Argentina ha sido realizada por Maffia y
Agnelli, 2008, Maffia, 2010; Maffia y Zubrzycki, 2011 y Zubrzycki, 2013 entre otros). También

118 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Resultado de las dificultades para solicitar el visado, así como de
las trabas administrativas que impone la legislación migratoria argenti-
na para regularizar la condición migratoria de esta población, gran par-
te de los ingresos al territorio argentino se producen por pasos fronte-
rizos no habilitados, conllevando una falta administrativa que dificulta
posteriormente su regularización.
De manera muy breve, cabe mencionar que la Argentina se rige en
materia migratoria por la Ley 25.871 sancionada en diciembre de 2003
y promulgada en enero del año 2004. Dicha legislación prevé criterios
bajo los cuales los migrantes pueden obtener su radicación. En relación
a la obtención de residencias permanentes, pueden obtenerla aquellas
personas que tengan hijos/as o cónyuges argentinos, o quienes hayan
gozado de residencia temporaria por 2 años continuos para Mercosur8 y
3 años continuos para Extra-Mercosur9, entre otros.
Para la obtención de residencias temporarias para ciudadanos ex-
tra-Mercosur, las personas deben encuadrarse en diversas categorías
para poder solicitarlas, siendo las más usuales las de trabajador migran-
te y estudiante. Sin embargo, la Dirección Nacional de Migraciones sólo
reconoce la figura de trabajo formal y registrado, mientras en el colecti-
vo senegalés es la inserción laboral mayoritaria la venta ambulante en el
comercio informal, y por lo tanto no son reconocidos en la categoría de
trabajadores. Asimismo, para ser reconocidos en la misma, el emplea-
dor debe registrarse en el RENURE (Registro Nacional único de requi-
rentes extranjeros).
Sin embargo, es necesario aclarar que la categoría “trabajador mi-

otros investigadores han plasmado en escritos sus reflexiones respecto a estas nuevas presencias,
sobre todo desde la perspectiva del refugio (Kobelinsky, 2003, Cicogna, 2009, Asa et.al, 2010).
8
  El bloque Mercosur está actualmente conformado por Argentina, Uruguay, Brasil, Paraguay,
Bolivia y Venezuela, siendo los países con status de Estados Asociados, Chile, Perú, Ecuador,
Colombia, Surinam y Guyana.
9
  Con este término se hace referencia a nacionales de países que no son miembros ni asociados
del MERCOSUR, y que, de acuerdo al informe de OIM (2017), atraviesan situaciones
particulares que complejizan el proceso de su inclusión en el país. Tales situaciones vienen dadas
primeramente por una diferenciación en el tratamiento administrativo para su regularización
migratoria, pero también, por la marcada distancia lingüística y socio-cultural respecto de
la sociedad de acogida, sobre todo si se compara su situación con la de aquellas personas
migrantes provenientes de países de la región.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 119


gratorio por cuenta propia” está definida por la Convención Interna-
cional sobre la Protección de los Derechos de Todos los Trabajadores
Migratorios y de sus Familiares (ratificada por Argentina en 2007) como
“aquel que realiza una actividad remunerada sin tener un contrato de
trabajo y obtenga su subsistencia mediante esta actividad”. No obstante
ello, la Disposición DNM N°1105/2011 Instructivo de Trámites No Mer-
cosur restringe el acceso a la regularización migratoria de los trabajado-
res migratorios por cuenta propia (OIM, 2017).
Otra categoría para poder obtener la regularización es la de “estu-
diante”, éste criterio sólo rige a partir de la educación secundaria y exige
que las instituciones educativas estén también inscriptas en el RENURE.
Sin embargo, el trabajo de campo realizado en los últimos años ha arro-
jado que gran parte de los migrantes senegaleses en la Argentina no ha
finalizado los estudios primarios, razón por la cual no están en condi-
ciones de cursar estudios secundarios y por lo tanto no pueden ingresar
en dicha categoría. De todas formas, aún aquellos que poseen títulos
primario o secundario y quisieran continuar sus estudios en la Argenti-
na, tienen serias dificultades para la convalidación de los mismos, prin-
cipalmente debido a la falta de embajadas entre ambos países, así como
la complejidad y altos costos que implica la gestión (OIM, 2017).
En el año 2004 se implementó un programa de regularización para
ciudadanos extra Mercosur, que al 30 de junio de 2004 residieran de he-
cho en el país (Decreto 1169/2004). Este decreto dispuso de un lapso de
6 meses para que aquellas personas migrantes que quedaban fuera de
la órbita Mercosur pudieran solicitar la residencia acreditando ausencia
de antecedentes penales, prueba de residencia de hecho, pago de la tasa
migratoria e inscripción ante la Administración Federal de Ingresos Pú-
blicos (AFIP) en calidad de monotributistas. En el marco de este decreto,
regularizaron su situación migratoria muchos de los senegaleses que
hoy se encuentran naturalizados o poseen la residencia permanente en
la Argentina.
Posteriormente, en el año 2013 se puso en marcha el proceso de
regularización para migrantes de nacionalidad dominicana y senega-
lesa como respuesta a los informes elevados por la Comisión Nacional

120 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
para los Refugiados (CONARE), que venía siendo testigo del uso de la
petición de refugio como estrategia de radicación de los procedentes de
dichas naciones. Entre 2005 y 2012 aproximadamente 850 personas do-
minicanas y 1.300 personas senegalesas habían solicitado el estatuto de
refugiado ante este organismo. Esto se debía en la mayoría de los casos
a que, al solicitar dicho estatuto, se otorgaba una residencia precaria, la
cual habilitaba a los y las migrantes a trabajar y a entrar y salir del país,
entre otras cosas, si bien de manera temporal y debiendo ser renovada
cada 90 días.
El plan de regularización se orientó a aquellos que residieran en el
país con anterioridad al 1° de julio de 2012 (Disp. 001/2013). Este pro-
ceso también se encontraba asociado a la inscripción en AFIP y pago de
monotributo, por lo cual no todas las peticiones lograron concretarse,
debido a dificultades en el pago, no llegando a obtener la residencia
permanente al cabo de dicho proceso.
Por lo expuesto hasta aquí, gran parte de los residentes senegaleses
en la Argentina cuentan con documentación precaria y se insertan labo-
ralmente en el mercado informal, en la venta ambulante de bijouterie,
ambas situaciones que los torna vulnerables.
Como ya fuera analizado en otros trabajos, la venta ambulante de
bijouterie a la que se dedican la mayoría de los migrantes senegaleses
lleva implícita un factor de riesgo, ya que las personas están “infringien-
do” el Código Contravencional vigente, que según el artículo 83 prohí-
be “impedir u obstaculizar la circulación de personas o vehículos por la
vía pública o espacios públicos, salvo que sea en ejercicio de un derecho
constitucional, y se haya dado previo aviso a la autoridad competen-
te”. Si bien existen opiniones contrapuestas en relación a este artículo
del Código, en la práctica los vendedores ambulantes sufren multas y
decomisos por ocupar con mercadería veredas y paseos públicos (Klei-
dermacher, 2013). En algunos casos, esto los obliga a pagar, como ellos
mismos dicen, “coimas” o “alquileres para permanecer en un lugar”, así
como también multas para retirar mercadería decomisada por la policía
y a cambiar constantemente de lugar. Además, actualmente la política
del gobierno porteño, de prohibir las actividades callejeras de mera sub-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 121


sistencia como la venta ambulante, ha profundizado la represión. Esta
situación de inestabilidad propia de la economía informal, sumado a la
crisis económica que ha afectado a la sociedad Argentina ha impactado
muy fuertemente en el colectivo de origen senegalés que actualmente se
encuentra buscando nuevas rutas donde poder insertarse.

Llegada a Brasil

Brasil fue incorporado a las rutas de migrantes senegaleses tras las


dificultades encontradas en los destinos tradicionales, principalmente
debido a la crisis económica del 2008, que afectó principalmente a Euro-
pa y Estados Unidos, así como las barreras impuestas para su ingreso.
El flujo de inmigración senegalesa a Brasil comienza a partir del año
2012, buena parte de los migrantes se van a instalar en la región del sur
de Brasil, zona que un siglo atrás, ocuparon italianos y alemanes que
arribaron a la región a comienzos del siglo XX.
En cuanto a la composición del flujo, de acuerdo a los trabajos de
Tedesco y Grzybovski (2013) entre otros, son mayoritariamente hom-
bres, pertenecientes a la etnia wolof y discípulos de Amadou Bamba,
fundador del Mouridismo, características similares a los grupos de se-
negaleses observados en Buenos Aires.
Cabe destacar que, si bien con Brasil no hay vínculos lingüísticos,
históricos ni culturales, a diferencia de Argentina, Brasil cuenta con una
embajada en Senegal, donde se puede solicitar un visado de ingreso
por turismo al país. Además, existen rutas entre Brasil y el continente
africano que facilitan la conexión por vía aérea. De acuerdo a Ménard
Marleau, (2018) la inmigración hacia Brasil está prevista en el marco del
Estatuto del Extranjero, bajo la Ley nº 6.815/80, la cual está reglamenta-
da por el Decreto nº 86.715/80. En este marco, todos los pasajeros deben
poseer un visado. Sin embargo, este trámite no es sencillo y en los últi-
mos años se han denegado muchas solicitudes, es por este motivo que
pueden encontrarse rutas de ingreso regular e irregular al país.
De acuerdo a Rangel (2015), los que entran regularme a Brasil pue-

122 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
den ir desde Dakar (capital de Senegal) hacia San Pablo (capital de Bra-
sil), Rio o Fortaleza, pasando por España o por las Islas de Cabo Verde.
Mientras que los que entran irregularmente viajan desde Dakar hacia
España, y de allí hasta Ecuador, de allí a Perú para finalmente ingresar
a Brasil por las fronteras del Estado de Acre (en el noroeste del país).
En su tesis de maestría, Ménard Marleau, (2018) ha analizado los flujos
de senegaleses en el Sur de América Latina, particularmente ha anali-
zado los movimientos de senegaleses desde Ecuador hacia Brasil, rutas
que se han popularizado en los últimos años debido a las dificultades
impuestas por el gobierno brasilero para el ingreso de población sene-
galesa y haitiana.
La elección de Ecuador como primer destino de arribo en América
Latina se debe a la suspensión de visado que el país estableció a media-
dos del 2008, cuando el Gobierno decretó el libre ingreso a Ecuador para
los ciudadanos del mundo. Sin embargo, dos años después, en septiem-
bre del 2010, la Cancillería exigió visado a los extranjeros nacidos en Af-
ganistán, Bangladesh, Eritrea, Etiopía, Kenia, Nepal, Nigeria, Pakistán
y Somalia por el flujo inusual que hubo entre el 2008 y 2010. Y posterior-
mente adicionó entre otros países a Senegal. La medida fue tomada por
el Ministerio de Relaciones Exteriores y Movilidad Humana conforme
al Acuerdo Ministerial N. 000088, que en un solo artículo decide: “Esta-
blecer el requerimiento de visa de ingreso al país para los ciudadanos de
la República de Senegal”, a partir del 16 de noviembre de 2015.
De esta forma, datos de Migración ecuatoriana refieren que entre
2012 y 2014, 3458 senegaleses ingresaron vía aérea a territorio ecuato-
riano. Apenas el 3,9% reportó su salida. Es decir, 3320 permanecen, en
teoría, en el país.10 La razón es que su salida ocurre de manera irregular,
tratando de llegar a Brasil o a la Argentina.
En relación a Brasil, Espeiorin (2014), observa que sus ingresos se
han incrementado a partir del 2012, y que en su mayoría se producen
previo arribo a Ecuador. De acuerdo a los estudios de académicos bra-
sileros, la mayor parte del colectivo senegalés se establece entre San Pa-

 https://www.elcomercio.com/actualidad/ecuador-migracion-ilegal-senegaleses-argentina.
10

html

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 123


blo y el Sur del país. De este último, los mayores establecimientos se
producen en Caixas do Sul y Passo Fundo del estado Rio Grande do Sul
(Espeiorin 2014; Tedesco y Grzybovski 2013). Entre los motivos de esta
instalación se menciona la importancia de las redes de la comunidad,
donde circula información acerca de la facilidad de contratación que
existiría en el sur de Brasil en los mataderos de pollos, astilleros y otras
industrias madereras.
También Merlotti Heredia (2015), postula que la elección de esta
área para el asentamiento se debe a que constituye un polo industrial y
de servicios, aunque al igual que sucede en otros destinos, es muy fuerte
el apoyo de las redes para ingresar al mercado de trabajo. Se trata de
una ciudad media, dinámica, que ofrece oportunidades de empleo a los
senegaleses que llegan, donde muchos de ellos cuentan con experien-
cias laborales previas en el ámbito agrícola o comercial y con habilida-
des técnicas, y se insertan en su mayoría en frigoríficos de carne expor-
tadores a países árabes pero también en la restauración, la construcción,
la industria metalmecánica y como comerciantes de bisutería (Tedesco
y Grzybovski 2013)
Cabe destacar que, si bien es importante el flujo de senegaleses en
Brasil, el destino último, al menos en el imaginario de muchos senegale-
ses, sigue siendo la Argentina, como menciona Ménard Marleau;

“Sin embargo, a pesar de la creciente presencia de senega-


leses en Brasil, el territorio no llega aún a ser el destino pri-
vilegiado sino que continúa considerándose como un país
de tránsito hacia Argentina. En definitiva, por medio de sus
políticas más abiertas a la libre circulación migratoria (en
el caso de Ecuador) o a interconexiones con el continen-
te africano (en el caso de Brasil), ambos países se vuelven
puntos de entrada y/o de tránsito importantes dentro de
las trayectorias de los migrantes senegaleses. La entrada
regular al continente estaba asegurada hasta hace poco por
estos dos territorios, lo que significó la conformación de di-
ferentes rutas que funcionaron intensamente en la primera
mitad de la presente década y que acababan convergiendo
en Argentina”. (Ménard Marleau, 2018:81).

124 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
Analizaremos en el siguiente apartado las rutas y movilidades del
colectivo entre estos países, así como la importancia de las redes trans-
nacionales en la conformación de estos espacios de tránsito, movilidad
y asentamiento temporario.

Movilidades entre Argentina y Brasil

El ingreso a la Argentina y Brasil no es sencillo, tal como fuera men-


cionado anteriormente, la República Argentina no tiene consulado en
la República Democrática de Senegal, por lo tanto, para tramitar la visa
Argentina es necesario viajar hacia Nigeria, viaje muy costoso y en oca-
siones peligroso, motivo por el cual muchos senegaleses tramitan su
ingreso vía Brasil, país latinoamericano con sede diplomática en Dakar,
capital de Senegal.
Sin embargo, tampoco es fácil el ingreso a Brasil, y en no pocas
oportunidades, el mismo sucede con una entrada previa a Ecuador, tal
como fue descripto en el apartado anterior. Este viaje incluye también
el paso por países como Bolivia y Perú, sin embargo, el ingreso a Brasil
tampoco es definitivo, ya que este país suele ser una escala también en
el viaje hacia la Argentina.
En otras ocasiones, el camino es inverso, siendo Brasil un destino
posterior al viaje hacia la Argentina, en estos casos, Passo Fundo es una
opción para mejorar las condiciones laborales que el mercado argentino
ofrece, generalmente se pasa de una inserción en el mercado informal
de la venta ambulante, a un trabajo estable, en las industrias del sur de
Brasil.
En otras ocasiones, Brasil es solo un espacio de tránsito, donde se-
negaleses que se encuentran residiendo en Argentina, viajan frecuen-
temente para comprar mercadería a precios más competitivos que lue-
go serán vendidas en ferias o bien, en el mismo comercio ambulante.
Asimismo, otros viajes tienen como objetivo renovar la documentación
precaria que poseen en Brasil, aún viviendo en Argentina, ya que nunca
se sabe donde se residirá con posterioridad.
En todos los casos tienen un rol central las redes de la comunidad,

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 125


las redes sociales de reciprocidad, confianza y solidaridad operan como
una forma de enfrentar la migración, al proveer alojamiento en el lugar
de destino, pero principalmente información, ya sea para la búsqueda
de empleo, sobre las posibilidades y riesgos a los que se enfrentan en el
país de acogida, así como los procedimientos más habituales para ac-
ceder a la regularización en caso de poder hacerlo. Como observan Ca-
nales y Zlolniski, (2001), los riesgos del traslado, los costos del asenta-
miento, la búsqueda de empleo y la inserción social en las comunidades
de destino, entre otros aspectos, tienden a descansar sobre el sistema
de redes y relaciones sociales que conforman las comunidades transna-
cionales. En este sentido y de acuerdo a las investigaciones realizadas
con anterioridad, el recién llegado suele contar con parientes, amigos
o conocidos que facilitan alojamiento los primeros días de su estancia.
De esta manera, se conforma una regionalización que obedece a la con-
formación de redes de migrantes arribados previamente, así como tam-
bién a la accesibilidad a vivienda con bajo costo de alquiler, ubicados
asimismo en sitios con acceso a medios de transporte (Arduino, 2011;
Kleidermacher, 2016).
Como observan Tedesco y Grzybovski (2013), las redes también
pueden ser entendidas como circulares, ya que los puntos de origen
y destino pueden luego servir de origen para nuevos destinos, convir-
tiéndose en elementos de continuidad, proceso también observado por
Fusco (2001), donde las redes pueden comenzar en el espacio de origen
de los flujos y se van hacia adelante, a partir de factores informales y
formales (tanto del campo empresarial, como del religioso, cultural y
político), producidos en razón de las relaciones que el propio proceso
migratorio exige y demanda, así como de la realidad de la identidad del
inmigrante y de sus vínculos con el espacio de origen .
En relación al breve tránsito por Ecuador, tal como plantea Ménard
Marleau, (2018), se trató de una estrategia de ingreso a la Argentina,
donde en algunos casos, se incluyó Brasil. En su investigación demues-
tra que Ecuador se convirtió en un facilitador de la movilidad dentro
de la región sudamericana, pero que se ha desarticulado rápidamente.
Al observar las estadísticas nacionales ecuatorianas de entrada y salida,

126 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
el autor demuestra que el cambio radical en las cantidades de arribos y
el equilibrio de los saldos migratorios coincide con que a principios de
2016 el gobierno ecuatoriano restringió el ingreso sin visa de senegale-
ses, circunstancia que acabó de forma abrupta con las posibilidades de
ingreso fáciles y regularizadas a territorio ecuatoriano
Estos cambios revelan las diversas estrategias a las que acuden los
migrantes internacionales en general, y en este caso, los senegaleses en
particular, frente a las barreras que encuentran para el ingreso a los di-
versos países que se constituyen en destinos. “Frente a un escenario de
cierre y securitización generalizado y global, los contextos nacionales
suponen ventanas de oportunidad que en una coyuntura concreta pro-
picien el tránsito migratorio mediante la conformación de espacios arti-
culadores entre rutas internacionales” (Ménard Marleau, 2018:94).
Así como lo fue Ecuador durante algunos años, tal vez otros países
emerjan como espacios de tránsito. Sin embargo, la dinámica de movili-
dad entre Brasil y Argentina supone no sólo una estrategia para sortear
las barreras que el ingreso regular al país austral supone, ante la falta
de representación diplomática donde solicitar visado, sino también, un
espacio de circulación de mercancías, de dinero y de personas, ante con-
textos cada vez más hostiles para la inserción del colectivo.
En diversas entrevistas y conversaciones informales realizadas a
población de origen senegalés durante el año 2018, han manifestado
las dificultades que encuentran para enviar remesas a sus familias, eje
central de su proyecto migratorio. A las dificultades económicas que el
cambio del valor del dólar ha suscitado11, debe adicionarse el menor po-
der adquisitivo de la población, que repercute en la disminución de las
ventas de los productos que comercializan, así como los conflictos que
el Decreto de Necesidad y Urgencia (DNU 70/2017) ha generado en las
condiciones de vida12.
11
  El valor del dólar en 2018 se elevó hasta niveles récord en la historia, en solo tres meses
se encareció más de 50%, esto ha sido denominado por algunos especialistas como la “crisis
cambiaria”, cuyas consecuencias han sido altos niveles de inflación que según un reciente
sondeo del Banco Central (BCRA), es probable que hacia fin de año la inflación retorne al
40%. https://elcomercio.pe/economia/mundo/argentina-sacudida-crisis-cambiaria-vez-
noticia-556118
12
  El DNU ha incorporado un procedimiento migratorio especial sumarísimo aplicable a

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 127


Si bien no es el objeto de este trabajo, solo cabe mencionar que las
políticas migratorias y de control urbano han generado condiciones res-
trictivas para la venta ambulante, y han tornado más vulnerable a este
colectivo. En ese sentido, el sur de Brasil emerge como una alternativa
laboral donde poder insertarse en empleos formales, que, si bien impli-
can largas jornadas laborales y menores ingresos, se perfilan como una
alternativa temporaria en algunos casos, en la región sudamericana.

Palabras finales

En primer lugar, la salida de Senegal producto, entre otros, de los


efectos de la colonización, ha creado un habitus migratorio dirigido en
primer lugar hacia Francia. Las reconfiguraciones económicas y el cierre
de fronteras posterior de los países europeos, principalmente Italia y Es-
paña, han configurado nuevos destinos, entre los que se destacan Brasil
y Argentina en América Latina.
A las desigualdades generadas por el capitalismo global, deben
adicionarse entonces las restricciones migratorias, pero fundamental-
mente, las redes transnacionales construidas por la comunidad. En
ellas circula información acerca de los nuevos destinos, las dificultades
y facilidades para sortear los ingresos, pero también informaciones en
muchos casos falaces acerca de bonanzas económicas que, en algunos
casos, existieron en un pasado, pero que ya no son tan reales.
Cabe destacar finalmente, que las trayectorias de los senegaleses,
tal como ha querido reflejar este escrito, no son lineales, sino que son cir-
culares, son cambiantes, dinámicas, e incluyen zonas de asentamiento
y zonas de tránsito. El tránsito migratorio por determinados territorios

las expulsiones que se dicten en aplicación de los impedimentos previstos en el art. 29 y de


la cancelación de la residencia prevista en el art. 62, en particular en todos los supuestos en
que el migrante sea condenado por un delito o tenga antecedentes penales (art. 69). Dicho
procedimiento sumarísimo se caracteriza por la reducción de los plazos en su tramitación, tanto
del procedimiento administrativo como de los recursos judiciales. Así, el plazo para interponer
recurso jerárquico ante la orden de expulsión se reduce a tres días, y agotada la vía administrativa
el plazo para la interposición de recurso judicial también se reduce a tres días (García, 2017 y
Monclús Maso, 2017).

128 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
se convierte en una estrategia de movilidad que permite a los migrantes
concretar su proyecto migratorio y mitigar las restricciones impuestas
en los lugares de destino.
Las migraciones no van a detenerse por el cierre de fronteras es
algo que ya ha sido ampliamente demostrado, solo se modifican las
rutas, se buscan nuevas estrategias para sortear las dificultades en el
ingreso y luego, los distintos obstáculos que presenta el capitalismo glo-
bal, ampliando los destinos, siempre en estrecha relación con las redes
transnacionales de la comunidad que apoyan estos movimientos.
En este sentido, la movilidad de los senegaleses y los cambios de
rutas han combinado las crisis económicas con las barreras a la migra-
ción políticas y la importancia de las redes en la configuración de nue-
vos destinos entre los que se destacan nuevas rutas en el Sur de América
Latina.

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132 Kleidermacher, G. Aportes para el análisis de la migración senegalesa hacia Argentina y Brasil...
INSERÇÃO, TRABALHO, GÊNERO

Mulheres senegalesas em um dos


meios de transporte típico, em Touba,
Senegal. Foto: Juliana Rossa, com
curadoria de Marcia Marchetto.

133
Imigração senegalesa: múltiplos olhares
Vendedora de artesanato, praia de
Toubab Djalaw. Foto: Juliana Rossa,
com curadoria de Marcia Marchetto.
134
Apresentação
Migrações internacionais:
a inserção de senegaleses numa cidade média
no Sul do Brasil

Vania B. M. Herédia

A
Universidade de Caxias do Sul (UCS), por meio de seu Núcleo de
Estudos Migratórios, tem se dedicado à pesquisa acerca de fenô-
menos migratórios. O Núcleo que foi criado em 1993, vinculado ao
Diretório do CNPq, tem realizado dezenas de pesquisas com o obje-
tivo de explicitar os movimentos migratórios que ocorrem no Sul do
Brasil. Esse núcleo nasceu com a intenção de elaborar estudos sobre as
migrações históricas que deram origem às cidades que estão localizadas
no Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul e que foram criadas por
movimentos migratórios no século XIX, favorecidos pela política do go-
verno imperial. Caxias do Sul tem sido objeto desses estudos e é uma
cidade que foi constituída por diversos fluxos que se instalaram em seu
território, atraídos pela possibilidade de terra, trabalho, prosperidade e
riqueza.
Durante mais de um século, as migrações que se destinaram à ci-
dade de Caxias do Sul foram sempre internas, o que reflete que não

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 135


houve problemas de inserção no mercado de trabalho local. Entretanto,
a partir de 2010, começam a chegar imigrantes internacionais, atraídos
pelo crescimento econômico que o País demonstrava e pelos progra-
mas sociais que o governo de então oportunizava às populações mais
subalternas. Na última década, esses fluxos mudaram a dinâmica e a
paisagem local, fazendo com que, em muitos espaços da cidade, hou-
vesse resistência e problemas de convivência interétnica, o que refletiu
conflitos e a dificuldade de aceitar as diferenças causas por essa questão.
Nesse contexto de migrações, o estudo pretende mapear a inserção
dos senegaleses que constituem um grupo que chega a Caxias do Sul,
a partir de 2012, em busca de trabalho e condições de vida. A pesquisa
utiliza os dados do CAM, que faz parte da Congregação Scalabriniana
e tem sede em Caxias do Sul. O estudo conta com uma amostra de 520
senegaleses que procuraram esse Centro em 2015, com o objetivo de
receber ajuda tanto na inserção no mercado de trabalho e no acesso às
políticas públicas. O estudo é de natureza exploratória e expõe dados
quantiqualitativos que fazem parte de uma pesquisa maior sobre “des-
locamentos populacionais e dinâmicas migratórias”, coordenado pela
UCS. O método é descritivo e tem como intenção analisar o registro
acerca do grupo de senegaleses, com vistas a subsidiar estudos compa-
rados futuros.
O referencial teórico da pesquisa tomou como base os estudos de
Oliveira e Oliveira (2011), Ambrosini (2005), Sayad (1998), Zanfrini
(2016) e Trindade (2006). Neste estudo, o conceito de migração é visto
como um fenômeno demográfico que produz “deslocamentos de pes-
soas no interno e entre regiões do mundo que modificam de maneira
irreversível a composição da população, tanto na sociedade de partida
quanto naquela de chegada” (Zanfrini, 2016, p. V). Esta autora estuda
os impactos que os deslocamentos produzem nos contextos sociais que
envolvem e diferenciam as migrações nacionais das internacionais, o
que chama a atenção conceitos de fronteira, identidade e alteridade.
A autora usa o conceito de Sayad quando o autor diz que “pensar
a imigração significa pensar o Estado e é o Estado que pensa a si mes-
mo pensando a imigração”. (Sayad, 1996, p.9-10, apud Zanfrini, 2016,

136 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
p. 5). Esse raciocínio evidencia que a mobilidade está sujeita às regras
estabelecidas pelo Estado nacional e pelo controle de suas fronteiras.
Entende como estrangeiro aquele que não é nacional, que está fora de
suas fronteiras, salientando o papel da identidade e da alteridade como
um jogo dialético, definido por aqueles que fazem parte “da comunida-
de política herdeiros das doutrinas nacionalistas” (Zanfrini, 2016, p. 5).
Na análise “sobre migrações, refugiados e minorias étnicas” (Zanfrini,
2016), chama a atenção que o Estado se desmemoriza quando esquece
que o estado se constitui por fluxos migratórios em sua origem e que
essa “amenésia histórica” indica o que não quer recordar. Lembra e cita
os estudos de Ravenstein, os quais não separavam migrações internas
de externas e refletiam o sentido liberal do deslocamento daqueles que
tinham condições de se deslocar livremente. Desde a literatura escrita
por Ravenstein (1885), quando escreveu “As leis de migração”, essa as-
sociação é feita e comprova os deslocamentos populacionais em busca
de trabalho e condições de subsistência, ainda no período da Revolução
Industrial. Esse autor, um dos mais importantes do século XIX, desen-
volve um raciocínio, mostrando as características dos movimentos po-
pulacionais, seja pela repetição, pela sucessão, pela distância quanto pe-
las etapas, numa demonstração da importância desse fenômeno para a
sociedade moderna e urbano-industrial. Essa base teórica inicial gerou,
por meio de um controle de evidências empíricas, uma série de padrões
que marcaram os estudos de mobilidade populacional.
Muitos anos depois da divulgação da teoria de Ravestein (1885),
Lee escreve uma “teoria sobre migração”, em que afirma que a “decisão
de migrar está sempre vinculada a uma escolha racional entre os fatores
positivos e negativos mediatizados nesta teoria pela maior ou menor
força dos chamados fatores intervenientes entre essas duas áreas” (1996,
p.36). Essa forma de explicar, que o autor chama fatores de atração e
fatores de expulsão, também se encontra em Singer (1998), quando trata
das migrações. É oportuna a referência porque na explicação de Singer
fica claro o vínculo com as condições históricas que o sistema possui e
o próprio sistema que vive dessas relações. Nesse sentido, a visão de
Singer traz para a discussão a migração, como “mecanismo de redis-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 137


tribuição espacial da população que se adapta, em última análise, ao
rearranjo espacial das atividades econômicas”. (1998, p. 31). Esse autor
alerta que a criação de desigualdades regionais pode ter relação com as
migrações internas e os processos de industrialização. Na análise dos
fatores de expulsão, identifica-se o lugar de origem dos fluxos migrató-
rios, mas, como salienta Singer, são os fatores de atração que determi-
nam a orientação desses fluxos e, em consequência, o lugar para aonde
se dirigem. Salienta que onde há demanda por força de trabalho, há flu-
xos migratórios, o que significa que não apenas existe demanda de tra-
balho industrial, mas também na área de serviços, o que revela o cará-
ter de oportunidades para o migrante. Não é tão simples essa inserção,
principalmente porque o migrante não possui a qualificação necessária
para participar do mercado de trabalho.
Tanto as migrações internas quanto as externas indicam busca de
condições melhores de vida; entretanto, as internas se diferenciam das
externas pelo controle e pelos mecanismos do próprio Estado. No sécu-
lo XIX, esses controles estão vinculados ao status de cidadão que o indi-
víduo adquire no momento do nascimento e são regulamentados pelas
instituições que controlam os deslocamentos. Na vinda, por exemplo,
dos emigrantes italianos para o Brasil, nas últimas décadas do século
XIX, o passaporte era o documento de registro de saída e de chegada e,
por meio desses registros, o Estado tinha os números oficiais da mobili-
dade, apesar das estatísticas italianas disporem de dados de emigração
clandestina.
Em ambientes constituídos por movimentos migratórios, consta-
ta-se que, para cada período do seu desenvolvimento econômico, esses
movimentos assumem papéis distintos do seu processo de transforma-
ção. Dessa forma, o estudo mostra que, na fase atual, as migrações in-
ternacionais voltam a ter um papel importante, nem sempre compreen-
dido pelos habitantes da cidade, num esquecimento total de, que, no
passado, também foram emigrantes internacionais, favorecidos por
uma política nacional de ambas as partes, ou seja, de onde partiram e de
quem os recebeu.

138 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Migração em cidades médias

A cidade de Caxias do Sul tem sido cenário de migrações interna-


cionais na última década do século XXI. O município, conhecidao pela
ocupação da colonização europeia no Rio Grande do Sul, no século XIX,
tornou-se um pólo industrial e, consequentemente, um lugar de atração
para destino de fluxos migratórios.
O município, colonizado por italianos a partir de 1876, teve um
rápido desenvolvimento econômico, e passou por todas as etapas do
desenvolvimento clássico-econômico, ou seja: agricultura, comércio co-
lonial, desenvolvimento fabril, formação de pequenas e grandes indús-
trias e polo de serviços.
A cidade acompanhou as fases do desenvolvimento econômico
brasileiro e esteve à frente em vários momentos pela oferta de produtos
no mercado regional e nacional. Foi marcada em toda a sua história pela
presença de fluxos migratórios internos, absorvendo a mão de obra mi-
grante. Para cada fase de seu desenvolvimento, absorveu mão de obra
de diferentes destinos, sendo, na fase inicial do seu processo de expan-
são, a absorção principal de fluxos migratórios do próprio município,
ou seja, das áreas rurais para a sede urbana. Essa observação confirma
o que postula Singer (1998) acerca dos fatores de atração, usados por ci-
dades que se constituíram por meio de movimentos migratórios. Singer
mostra que há uma relação entre urbanização e industrialização, e onde
a indústria é forte a necessidade de mão de obra se torna um elemento
de atração.
Para entender os fluxos migratórios para cidades médias, é impor-
tante olhar para a economia internacional e verificar os movimentos que
a mesma tem promovido. O raciocínio de Simmons (1987) sobre o mo-
delo de acumulação flexível e a relação com os movimentos migratórios
explica que cada regime de acumulação define padrões de migração
distintos. (Simmons, 1987, apud Patarra, 2006).
Ainda nessa direção, as migrações estão atreladas ao modelo de
produção dominante e as guerras promovidas pelo sistema econômico.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 139


As guerras têm sido fator de deslocamentos em áreas não desenvolvi-
das, o que promove mobilidade sem a possibilidade de retorno.

[...] a situação atual do mundo é fortemente determinada


a partir de dois fenômenos: pelas guerras de ordenamento
mundial e das ações policiais globais do Ocidente, sob lide-
rança dos Estados Unidos e pelos movimentos migratórios
volumosos e globais de uma ordem e de um tamanho prova-
velmente nunca vistos antes (KURZ, 2005, p. 25).

Nesse contexto, constata-se que muitos fluxos migratórios procu-


ram outros lugares de destino, que não apenas os países desenvolvidos.
O caso dos senegaleses é exemplo de migração laboral, pois se deslocam
em busca de melhores condições de vida e de poder sustentar a família,
nos locais de origem, por meio de remessas.
Entretanto, é importante ponderar que as cidades médias, nas últi-
mas três décadas, têm sido preferidas pelos fluxos migratórios em rela-
ção que às áreas metropolitanas, devido às oportunidades que oferecem
àqueles que as escolhem. Segundo Amorim Filho e Serra (2001, p. 1),
as cidades médias podem ser “valorizadas pela oferta de emprego, ou
mesmo de subemprego, pela existência de infraestrutura básica, pelas
oportunidades de acesso à informação, pelos melhores recursos educa-
cionais”.
Esses autores comentam o papel estratégico das cidades médias no
Brasil, na década de 70, do século XX, como meio de busca de maior
equilíbrio interurbano e urbano-regional, com a intenção de se “inter-
romper o fluxo migratório na direção das grandes cidades e metrópo-
les”. (Amorim Filho; Serra, 2001, p. 9). Os estudos que tratam desse
tema, inspirados na experiência francesa, mostram que as cidades mé-
dias podem oferecer

um leque bastante largo de bens e serviços ao espaço mi-


crorregional a elas ligado; suficientes, sob outro ponto, para
desempenharem o papel de centros de crescimento econô-
mico regional e engendrarem economias urbanas neces-
sárias ao desempenho eficiente de atividades produtivas
(Amorim Filho; Serra, 2001, p. 9).

140 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
O Município de Caxias do Sul, criado em 1890, tornou-se um centro
de comércio e de indústria em relação aos municípios vizinhos, consi-
derado também um centro regional de bens e serviços. O processo mi-
gratório nesse município, até 2010, foi marcado por migrações internas
e apenas a partir daquele ano é que começaram a ocorrer migrações
internacionais em grande volume.

Quem são os senegaleses que escolheram Caxias do Sul como destino?

A pesquisa realizada em 2015, sobre os migrantes senegaleses em


Caxias do Sul, tem como registro 520 senegaleses, que procuraram o
serviço do CAM. O número é considerável se comparado com o do ano
seguinte que o dado era de 117 senegaleses, quando se instala a crise
política no Brasil. Segundo tabela abaixo, o percentual de homens era de
99,04% e o de mulheres, 0,96%, que comprova os dados anteriores, nos
quais há a predominância masculina. Constata-se que a migração sene-
galesa tem características laborais onde predomina o migrante mascu-
lino, sendo o número de mulheres muito restrito, quase insignificante.

Frequência
SEXO
Absoluta Percentual
Masculino 515 99,04
Feminino 5 0,96
TOTAL 520 100
Tabela 1. Distribuição absoluta e percentual do sexo dos senegaleses
cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações
internacionais: deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de
Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao
Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele Buffon (Probic/
Fapergs).

As migrações laborais têm sido marcadas pela força de trabalho


masculina. Mesmo que esse perfil esteja sendo alterado, na migração se-
negalesa a predominância é masculina. O número de mulheres é muito
reduzido e aponta que são os homens que migram. O número de mu-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 141


lheres tem aumentado, mas ainda é bastante reduzido, se comparado a
outras etnias como o caso dos haitianos.

Frequência
ESTADO CIVIL
Absoluta Percentual
Solteiro (a) 284 54,62
Casado (a) 194 37,31
Separado/divorciado (a) 8 1,54
Não informado 34 6,54
TOTAL 520 100
Tabela 2. Distribuição absoluta e percentual do estado civil dos senegaleses cadastrados
no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais: deslocamentos e
dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações:
Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele
Buffon (Probic/Fapergs).

É importante lembrar que a poligamia é aceita no Senegal e que o


número de casamentos depende da possibilidade de sustento familiar.
Nas pesquisas anteriores, verifica-se que os solteiros eram maioria
apesar do percentual de casados também ser elevado. Esse dado indica
que, na escolha pela parentela de quem vai migrar, o solteiro tem a
possibilidade de se adequar ao padrão desejado de migrante, ou seja,
homem, jovem, com certa escolaridade, que garanta o investimento da
migração pela família.
Quanto à escolaridade, constata-se que o grau de escolaridade que
predomina é o Fundamental incompleto, o que corresponde 52,31% da
amostra. O que chama a atenção é que o analfabetismo não é baixo, ou
seja, 5,77%. A pesquisa evidencia que 10,58% possuem o Ensino Fun-
damental completo e 10%, o Ensino Médio completo, o que caracteri-
za uma mão de obra qualificada e disponível. O número de imigrantes
com curso superior é reduzido; apenas 1,15% possuem nível superior
completo e 2,69% nível superior incompleto. Quanto à língua, muitos
falam o wolof e o francês, sendo que esta é a língua oficial no Senegal. A
língua é uma das dificuldades que enfrentam para a inserção no mer-
cado de trabalho. É importante lembrar que o Senegal é um país jovem,

142 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
uma vez que a independência da França ocorreu apenas em abril de
1960, o que o torna um país com experiência republicana recente. É um
Estado laico, e o islamismo é a religião predominante.

Frequência
GRAU DE INSTRUÇÃO
Absoluta Percentual
Alfabetizado 19 3,65
Analfabeto 30 5,77
Fundamental incompleto 272 52,31
Fundamental completo 55 10,58
Médio incompleto 31 5,96
Médio completo 52 10,00
Superior incompleto 14 2,69
Superior completo 6 1,15
Não informado 41 7,88
TOTAL 520 100
Tabela 3. Distribuição absoluta e percentual do grau de instrução dos senegaleses
cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais:
deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco
de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos
dados: Daniele Buffon (Probic/Fapergs).

Frequência
FAIXA ETÁRIA
Absoluta Percentual
Menos de 20 anos 30 5,77
De 21 a 30 anos 279 53,65
De 31 a 40 anos 177 34,04
De 41 a 50 anos 29 5,58
Mais de 50 anos 1 0,19
Não informado 4 0,77
TOTAL 520 100
Tabela 4. Distribuição absoluta e percentual por faixa etária dos senegaleses
cadastrados no CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações internacionais: deslocamentos
e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do Sul, 2018. Banco de Informações:
Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul. Elaboração dos dados: Daniele
Buffon (Probic/Fapergs).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 143


A maioria dos senegaleses é considerada jovem, uma vez que
59,42% possuem até 30 anos. Essa característica nas migrações interna-
cionais é comum. Normalmente migra aquele que pode enfrentar situa-
ções mais complexas, com o compromisso de enviar recursos para os
membros da família que permanecem no país de origem. Chama a aten-
ção que pessoas acima de 60 anos não aparecem nas estatísticas oficiais
das migrações e não é frequente o registro de idosos nessas estatísticas.

MERCADO DE Frequência
TRABALHO Absoluta Percentual
Autônomo informal 6 1,15
Autônomo formal 2 0,38
Empregado regular 38 7,31
Empregado irregular 1 0,38
Desempregado 425 81,73
Não informado 48 9,23
TOTAL 520 100
Tabela 5. Distribuição absoluta e percentual da situação no mercado de trabalho
dos senegaleses cadastrados no banco do CAM, em 2015. Fonte: Pesquisa Migrações
internacionais: deslocamentos e dinâmicas populacionais. Universidade de Caxias do
Sul, 2018. Banco de Informações: Centro de Atendimento ao Migrante, Caxias do Sul.
Elaboração dos dados: Daniele Buffon (Probic/Fapergs).

Dos que procuraram o CAM, 7,31% possuem situação e emprego


regularizados, e 81,73% procuraram o CAM, pois estão desempregados
e necessitam de auxílio. Os senegaleses chegaram à cidade a partir de
2011, e possuem uma Associação que os representa e com eles colabora
em busca de solução de problemas comuns. Entretanto, a situação de
trabalho para imigrantes tem sido o fórum de debates pelos preconcei-
tos que os mesmos têm enfrentado em ambientes de trabalho e mesmo
na vida coletiva comum. Quando um do grupo consegue migrar para
um destino que lhe ofereça melhores condições de vida, ele se renova,
no sentido de que esperam que essa situação possa ocorrer com os de-
mais. A questão da informalidade ainda é frequente, mesmo que haja a
intenção de entrar no mercado formal. Muitos comentam que a jornada
de trabalho é prolongada e os postos oferecidos são bastante insalubres.

144 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Os setores que empregam são: o de frigoríficos, da construção civil e de
serviços. É frequente a atividade de comércio ambulante.
Nas entrevistas, alguns senegaleses explicitaram o motivo da mi-
gração. Afirmaram que a migração faz parte da cultura do seu país e
que migram em busca de trabalho para o sustento dos que ficam. Regis-
tram que a viagem é muito difícil e que nem sempre tinham dimensão
da cultura do Brasil e da grandeza do seu território.

Algumas considerações finais

A pesquisa evidencia que há um desconhecimento, por parte dos


migrantes, em relação à sociedade brasileira, que inclui desde legisla-
ção, cultura, funcionamento de estrutura das instituições sociais, o que
gera insatisfação por respostas que a sociedade não consegue dar por-
que não são legalmente possíveis. A escolha do Brasil, a partir de 2011,
foi uma alternativa. Preferiam outros destinos, mas o Brasil foi, no mo-
mento de migrar, uma opção viável.
O estudo confirma o que Patarra (2005) discute sobre o processo de
globalização e migrações contemporâneas. A autora postula que, com a
globalização, houve um incremento das migrações internacionais e que
se tornam evidentes as diferenças culturais de cada grupo étnico. Diz
que as migrações internacionais contemporâneas estão relacionadas às
áreas de desenvolvimento econômico, associada à “ausência de paz e
segurança e as situações de violações de direitos humanos como dimen-
sões decisivas para o plano de ação” (Patarra, 2005, p. 29). A migração
senegalesa em Caxias do Sul comprova a tese de Amorin Filho e Serra
(2001), de3 que as cidades médias absorvem mão de obra migrante de
forma funcional, mais que as regiões metropolitanas.
Nas falas dos senegaleses, quanto ao mercado de trabalho, regis-
tram que estão vulneráveis e que enfrentam formas distintas de precari-
zação como: jornadas duplas, trabalho insalubre, salários baixos, impos-
sibilidade de reclamar das condições de trabalho, entre outros aspectos
que envolvem discriminação, preconceitos e diferenças sociais. Nesse

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 145


sentido, o estudo corrobora a análise feita por Ambrosini e Abbatecola
(2009), quando diz que o migrante é o invasor útil, necessário, que solu-
ciona muitas vezes, temporariamente, o problema de mão de obra.
Nessa direção, os autores evidenciam que os migrantes substituem
aquela mão de obra que não se dispõe mais ao trabalho precário e in-
salubre. “O estatuto legal do imigrado é, portanto, a aposta do jogo de
uma negociação complexa, em que diferentes atores e interesses estão
envolvidos” (Ambrosini; Abbatecola, 2009, p.14). Mas essa situação leva
a discussão da diferença conceitual entre políticas e processos de inte-
gração, gerados pelas questões de mercado de trabalho e migração. Os
autores distinguem a política como de natureza pública e os processos,
das relações da esfera cotidiana onde se dão as relações entre “as maio-
rias autóctones, instituições e populações de imigrantes” (2019, p.15).
No caso dos senegaleses em Caxias do Sul, a migração é laboral e
muitos escolheram a cidade para trabalhar, frente ao discurso que era “a
cidade do trabalho, da fé e da migração”. O discurso hegemônico refere-
-se a um processo histórico, construído por políticas imigratórias volta-
das para ocupação de território de mão de obra europeia no século XIX
e XX, e, as políticas migratórias atuais carecem de proteção uma vez que
a mão de obra é necessária, mas o migrante carrega culturas distintas,
heterogêneas o que muitas vezes assusta a população do lugar. Nesse
contexto de migrações distintas, marcadas pela historicidade, o migran-
te que se desloca em busca de trabalho sofre a discriminação pela sua
história e pela cultura que representa.

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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 147


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148 Herédia, V. B. M. Migrações internacionais: a inserção de senegaleses numa cidade média no Sul do Brasil
Migrazioni senegalesi in Italia:
Focus Femmes

Emanuela Gamberoni
Papa Demba Fall

«They never met during the film


but they are all connected under the starry sky [… ]
They’re keeping faith in and hope in their journey»
(Diana Gaye)1

N
ell’ambito dei movimenti migratori della popolazione africana, con-
siderazione crescente è riservata alla migrazione femminile.
Ciò rispecchia la più ampia attenzione internazionale alla don-
na africana: il 2010-2020 è stato decretato dall’Unione Africana (UA),
durante il Forum di Nairobi, il Decennio delle Donne Africane2. Nel

1
  Cineasta franco-senegalese. Intervista al MCCMediaDubai, durante il DIFF ’13 - 10th Dubai
International Film Festival, December 6-14, 2013, in occasione della presentazione del suo
lungometraggio Des étoiles (Under the starry sky), France/Sénégal, 88’. La pellicola affronta il tema
delle migrazioni internazionali e si sviluppa sull’intreccio delle storie di migrazione fra Torino,
Dakar e New York. di tre giovani senegalesi, Abdoulaye, Thierno e Sophie, con particolare
riferimento a quest’ultima e alla migrazione femminile.
2
  Gli obiettivi fissati toccano imprescindibili aspetti sociali, economici, sanitari e di empowerment.
Nello specifico: 1- Combattere la povertà attraverso l’autonomia e l’intraprendenza economica
delle donne. 2- Combattere la fame agendo sull’agricoltura e la sicurezza alimentare.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 149


2011 ha avuto altresì grande risonanza mondiale la campagna Nobel Pea-
ce Prize for African Women (NOPPAW): con lo slogan “L’Africa cammina
con i piedi delle donne. Le donne sono la spina dorsale che la sorregge”,
era stata lanciata la proposta di dedicare a tutte le donne africane il Pre-
mio Nobel per la Pace3 per renderne visibile il loro ruolo nella società4.
Così dopo l’assegnazione del Nobel 2004 a Wangari Maathai5 - e la no-
mina nel luglio 2012 alla presidenza della Commissione dell’UA per la
prima volta di una donna, Clarice Nkosazana Dlamini6 - il riconosci-
mento ha tracciato un ulteriore piccolo segno nel difficilissimo e ancora
lungo - molto lungo - cammino per il riconoscimento dei diritti e delle
aspirazioni femminili africane.
Malgrado i molti impegni e propositi nazionali e internazionali
verso l’uguaglianza di genere, i risultati attesi dalle donne africane non
sono ancora stati raggiunti.
Dal punto di vista migratorio globalmente la componente fem-

3- Combattere l’HIV/AIDS e la mortalità materna aumentando l’accesso femminile ai


servizi sanitari. 4- Incentivare l’istruzione e il contributo scientifico delle donne in materia
di informazione. 5- Identificare il ruolo delle donne nel mitigare i mutamenti ambientali. 6-
Combattere la violenza contro le donne e coinvolgerle nei processi di pace. 7- Rafforzare il
ruolo delle donne nella politica ratificando il Protocollo sui diritti delle donne in Africa. 8-
Aprire alle donne i mercati finanziari e sostenere progetti incentrati sulle donne. 9- Dare più
potere decisionale alle donne. 10- Incentivare l’aggregazione femminile, soprattutto per le
giovani (https://au.int/en/documents-43).
3
  Tale Campagna è scaturita dal seminario internazionale tenutosi a Dakar a fine dicembre
2008, su iniziativa di Cipsi e ChiAma l’Africa, rispettivamente l’uno il coordinamento italiano
che raggruppa una quarantina di organizzazioni non governative e associazioni impegnate
nel settore della solidarietà e della cooperazione internazionale, l’altra identificata con la
campagna di sensibilizzazione nell’ambito delle attività di Educazione allo Sviluppo promosse
da Solidarietà e Cooperazione Cipsi e nel 1999 divenuta associazione.
4
  Come è noto il premio è stato poi conferito alla yemenita Tawakkol Karman e a due africane,
le liberiane Ellen Johnson Sirleaf e Leymah Gbowee, con la seguente motivazione: “Per il loro
impegno non violento per la sicurezza delle donne e per i diritti delle donne di partecipare
appieno al lavoro di costruzione della pace”.
5
  È la prima donna africana a ricevere il Nobel per la Pace in ragione del suo impegno contro la
deforestazione e a favore dello sviluppo sostenibile. Nata in Kenya nel 1940 e morta nel 2011,
è conosciuta per la sua militanza ambientalista e la sua lotta per la diffusione della democrazia e
della pace. La sua azione è portata avanti dalla fondazione che porta il suo nome.
6 
Sudafricana, ha ricoperto cariche di Ministro con diversi Presidenti del Sudafrica: nel 1994 è
Ministro della Sanità nel governo di Mandela; nel 1999 è Ministro degli Affari Esteri nel governo
di Thabo Mbecki; lo stesso incarico l’ottiene nell’amministrazione di Kgalema Motlanthe; nel
2009 è Ministro degli Affari Interni presso il governo dell’ex marito Jacob Zuma (Pothier,
2012).

150 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


minile africana è divenuta più significativa soprattutto negli ultimi
cinquant’anni7. Dagli inizi degli anni Novanta per quanto riguarda il
continente africano “Although, there has been a slight decrease (or con-
stancy) in the percentage of female migrants from most of the African
regions – with the exception of Southern Africa – the overall proportion
still remains significant” (Who, 2018, p. 4), attestandosi poco al di sotto
del 50% del totale dei flussi internazionali8. Ciò è in linea con la tendenza
mondiale che nel 2017 registra il 48,8% della componente femminile sul
totale dei flussi migratori internazionali (UN-DESA, 2017, p. 9). Si coglie
la crescente presenza di donne giovani, con vari livelli di istruzione (Mo
Ibrahim Foundation, 2019) e forte determinazione all’autorealizzazione.
In Italia9, l’incremento progressivo delle donne africane tra il 2002
e il 2010 è del 122% e tra il 2002 e il 2017 è del 134% (rispetto ai maschi:
106% e 137%)10. Da notare che il peso percentuale di genere rimane sos-
tanzialmente costante, oscillando attorno al 40% (38,5% nel 2017). Se
gli anni Settanta del secolo scorso vedono soprattutto arrivare donne
capoverdiane (Arena e Cardillo, 1999), negli anni Ottanta e Novanta si
palesano immigrate nordafricane, ghanesi e nigeriane e negli anni Due-
mila le senegalesi (Ceschi e Lulli, 2012).
La migrazione senegalese in Italia, come è ormai ben testimoniato
da una consistente letteratura scientifica in diversi ambiti disciplinari11,
si è contraddistinta per una decisa tradizione maschile. Essa rimanda al
profilo complessivo della migrazione internazionale senegalese (ANSD,

7
  Secondo Castles e Miller (2012) la femminilizzazione della migrazione è una delle sei tendenze
dell’epoca attuale, epoca riconosciuta e definita dagli Autori “era delle migrazioni”. Per l’Italia
vedasi Cristaldi, 2006. E’ peraltro da ricordare che si è avuta una vera e propria “invisibilità”
della migrazione femminile nel panorama migratorio complessivo (Russo Krauss, 2001 e 2003)
che ha portato ad una iniziale sottostima della donna come attrice dello sviluppo.
8
  Nel 1990 46,6%; nel 2000 47,2%; nel 2010 46,1% e nel 2013 45,9% (WHO, 2018, p. 4).
9
  Pare opportuno ricordare che l’Italia è un paese esemplificativo della “transizione migratoria”
(Castles e Miller, 2012): si identifica con il 1972 (Krasna, 2009) l’anno dell’inversione di tendenza
per cui il flusso migratorio in uscita è stato superato da quello in entrata.
10
  Dati assoluti: nel 2002 maschi 283.989, femmine 180.594, totale 464.583. Nel 2010 maschi
585.628, femmine 400.843, totale 986.471. Nel 2017 totale maschi 673.573 femmine 422.516
tot 1.096.089. (demo.istat.it).
11
  Si ricordano: Casella Paltrinieri (2006), Castagnone e altri (2005), Castagnone (2006), Ceschi
(2006a, 2006b; 2012); Perrone (1995, 2001, 2004), Riccio (2001, 2006, 2007), Schmidt di
Friedberg (1993, 1994).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 151


2019): tale migrazione si caratterizza per essere quasi totalmente mas-
chile (82,9%), in età attiva (20-34 anni: 53,4%), prevalentemente con una
scarsa istruzione (45,5%), alla ricerca di lavoro (73,4%), senza professio-
ne alla partenza (o con mansioni legate al piccolo commercio o al settore
primario).
Tuttavia sempre più di interesse si rivela la componente migrato-
ria femminile senegalese, di cui si evidenziano tratti peculiari quali la
correlazione con esigenze o strategie familiari, l’utilizzo di reti familiari
e/o amicali ma anche le spinte a una maggiore autonomizzazione12.
Il presente scritto13 intende offrire alcune linee di inquadramento
del fenomeno, in un intervallo temporale 2002-2017, finalizzate alla ri-
flessione internazionale che va sviluppandosi con i colleghi brasiliani.

Donne senegalesi migranti

In Senegal la popolazione è composta equamente da maschi e fem-


mine, con una leggera predominanza di queste ultime: “Selon les pro-
jections démographiques, en 2017, la population du Sénégal est estimée
à 15 256 346 habitants avec 7 658 408 de femmes (50,2%) et 7 597 938
hommes (49,8%)” (ANSD, 2018, p. 5).
“Noi [i senegalesi] da sempre ci muoviamo, andiamo, ci spostiamo,
cerchiamo il lavoro, poi torniamo e quando è tempo ripartiamo”: è una
narrazione che si raccoglie dalle tantissime persone che si incontrano
durante le ricerche sul campo, con cui si dialoga e che narrano una sorta
di intreccio tra normalità/quotidianità ed eccezionalità di una partenza
e/o di un ritorno.
Nei movimenti migratori l’Africa è destinazione per il 48,3% di se-
negalesi (rispettivamente: l’Africa occidentale 28,9%, l’Africa centrale
12
  Ad esempio i lavori di De Luca e Panareo (1993; 2001), De Luca, Panareo e Perrone
(1994), Blanchard (2006), De Luca (2007), Panareo (2007), Brugger (2009), Ceschi, Frigeri e
Giangaspero (2009), Scarabello (2011).
13
  Il contributo si innesta nelle ricerche di lungo periodo sulle migrazioni senegalesi in Italia
di E. Gamberoni, con specifico riferimento a un osservatorio sulla presenza dei senegalesi
nel territorio veronese. Ciò si è sviluppato seguendo un approccio multisituato, svolgendo
indagini dirette sul campo sia in Italia sia in Senegal, nell’ambito di un accordo scientifico con
l’Università Cheikh Anta Diop di Dakar.

152 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


12,1%, il Nord Africa 6,1%, altre aree africane 1,2%), a cui segue con va-
lori molto prossimi l’Europa (46,4%); il 3,2% sceglie l’America (America
del Nord 1,9%, America del Sud 1,3%), il 2% l’Asia e lo 0,1% l’Oceania
(ASND, 2019).
Per quanto riguarda la mobilità delle donne senegalesi si legge che
ha iniziato ad assumere un certo peso negli spostamenti interni al Paese
soprattutto dagli anni Settanta del Novecento (ESAM-II, 2004). Si tratta
di passaggi soprattutto dalle zone rurali alle aree urbane nel periodo
della stagione secca al fine di trovare fonti di reddito alternative e/o
integrative14.
A ciò si affiancano progressivamente gli spostamenti internazionali
che si attestano al 17,1% del totale (164.901) dei senegalesi emigranti
internazionali (ANSD, 2019), valore aumentato rispetto a un decennio
precedente, dove si registrava un dato del 16% sul totale di 168.953 sene-
galesi in mobilità internazionale, con un’età tra i 15 e i 34 anni (ESAM-II
2004; Sarr, 2012).
Se agli inizi del Duemila la migrazione femminile era prima di tu-
tto intracontinentale (47,8%) a cui seguiva quella verso l’Europa (41,1%
delle donne) (ESAM-II, 2004, p. 187)15, studi di anni successivi mostrano
una tendenza all’aumento della quantità delle senegalesi dirette verso
l’Europa (Sakho, Diop e Awissi-Sall, 2011, p. 3).
Le donne si spostano tendenzialmente per svolgere attività com-
merciali (in prevalenza tessuti e artigianato)16. “Leur présence dans les
migrations internationales a aussi […] pris une nouvelle dimension qui
leur confère un rôle important dans l’exportation et la circulation de la
main-d’oeuvre dans un cadre mondialisé” (ANSD e OIM, 2018, p. 91).

14
  Questo comportamento si rivela ancora oggi peculiare nelle giovani diola della Casamance
e nelle donne sérér del Sine, area identificabile con la parte occidentale dell’attuale regione di
Fatick (Fall, 2010).
15
  Cfr.: Ba, 2008; Blanchard, 2008, Dianka, 2012.
16
  Pare opportuno ricordare una particolare migrazione femminile, che esula dalle forme di
spostamento tese al miglioramento delle condizioni basilari di vita ma che è finalizzata a ingenti
attività commerciali e d’affari. Le Adja sono vere e proprie donne d’affari, che si muovono per
il rifornimento di merce tra il Senegal e importanti capitali internazionali - Casablanca, Dubai,
Istanbul, New York e più recentemente Bangkok e Pechino - (Fall, 2010). Anche il termine
Noria cioè “commercio della valigia” (Djieba e altri, 2001) definisce questo tipo di spostamento.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 153


Ci sono diversi fattori che possono incidere sui movimenti migra-
tori delle senegalesi. Rispetto ad altre comunità dell’Africa subsaha-
riana, ad esempio, “the more rigid patriarchal norms [restrict] female
autonomy in Senegal, both in terms of mobility and economic activity”
(Toma e Vause, 2014, p. 993) e, più in generale, va considerato che “la
société sénégalaise a une perception négative de la migration autonome
des femmes” (Sakho, Diop e Awissi-Sall, 2011, p. 5)17. Non è da sotto-
valutare, per contro, il diverso ruolo delle donne nei gruppi etnici, che
possono essere, ad esempio, più matrilineari di altri, come i Lebou, e,
di conseguenza, includere anche le femmine all’interno di un progetto
migratorio (Fall, 1997; Sakho e Dial, 2010). Da rammentare, sia in rife-
rimento al territorio di origine che a quello di destinazione, sono poi le
scelte e i comportamenti connessi agli aspetti religiosi (Bianchetti, 2002),
della cultura mouride o delle altre confraternite e spiritualità senegalesi
(Fall, 2016).
Per quanto concerne la regione di partenza al femminile18, i quat-
tro bacini più consistenti sono le regioni di Ziguinchor (32,3%), Dakar
(28,5%), Thies (19,8%) e Saint-Louis (19,1%)19. Questo andamento si dis-
costa da quello maschile che vede al primo posto la regione di Matam
(95,1%)20, a cui seguono Tambacounda (92,9%) Louga (92,5%) e Diour-

17 
Per approfondimenti si vedano i materiali prodotti da specifiche progettualità quali
EUMAGINE Project - Imagining Europe from the Outside e il MAFE Project -The Migrations between
Africa and Europe Projected, con particolare riferimento alla conferenza finale Comparative and
Multi-sited Approaches to International Migration, Paris, 12-14 December 2012. (https://mafeproject.site.
ined.fr/en/events/final_conference/).
18
  Si ricorda che attualmente il Senegal si articola in 14 regioni amministrative. Il censimento del
2002 - su cui si basano alcuni documenti quali il SES 2011 (ANSD, 2013) o i primi rapporti di
ricerca del MAFE project - riporta invece la vecchia suddivisione territoriale in undici regioni. Le
tre nuove regioni istituite nel 2008 sono Kaffrine, scorporata da quella di Kaolack; Kédougou,
prima assieme a Tambacounda, e Sédhiou, compresa nella regione di Kolda. Tale aspetto incide
ovviamente sulla comparabilità dei dati delle regioni interessate a tale riordino amministrativo.
19 
Precedentemente la stragrande maggioranza delle donne senegalesi partiva dalla regione
di Dakar (37,8%), a cui seguivano Ziguinchor (12,8%) e Saint-Louis (12%) (ANSD, 2013).
Il progressivo incremento della componente femminile nella migrazione internazionale è
stato registrato come un fenomeno più intenso nel Dipartimento di Dakar (40,73%) rispetto
alla banlieue (26,77%) e alle altre regioni (22,59%) dove l’emigrazione rimane “une «affaire
d’hommes» signe que la femme est maintenue dans un rôle traditionnel. Les raisons qui poussent
les femmes à migrer sont souvent d’ordre familial (famille, mariage)” (ANSD, 2013, pp. 49-50).
20
  L’area di Matam - e più in generale della Valle del fiume Senegal - ha per tradizione un

154 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


bel (92%). Si evince così che per la componente migratoria maschile
Saint-Louis (80,9%), Thies (80,2%), Dakar (71,5%) e Ziguinchor (67,7%)
occupano rispettivamente le posizioni dalla decima alla tredicesima.
Secondo un’indagine svolta dalla Direction de la Monnaie e du
Credit nel 2011 (DMC, 2012), il ruolo delle donne nelle rimesse è glo-
balmente del 9,8% del totale dei fondi inviati da tutta la diaspora se-
negalese, valore che si assottiglia nel giro di un anno attestandosi al
8,4% (DMC, 2013). Ogni migrante in media invia in Senegal più di un
milione di FCFA all’anno. Tuttavia va ricordato che “en termes de trans-
fert moyen annuel, les résultats indiquent que les migrantes femmes
envoient plus de fonds que ceux de sexe masculin. En effet, les migrants
de sexe féminin transfèrent 1.168.900 FCFA contre 1.076.274 pour les
migrants de sexe masculin. Ceci pourrait s’expliquer par la faible pro-
portion des femmes émigrées mais aussi par le fait que la femme a ten-
dance à investir beaucoup plus dans la famille si elle a des revenus”
(DMC, 2013, p. 33).
Se gli effetti positivi sulla qualità di vita delle famiglie e sulla loro
stabilità economica influiscono positivamente in una graduale accetta-
zione della migrazione femminile (Dianka, 2016), il processo di cambia-
mento non elude tensioni sul piano delle relazioni di coppia e/o, più
ampiamente, sul piano socio-culturale, nei rapporti familiari e societali.
Si innescano diverse prospettive di autonomia, responsabilità, diritti e
doveri, nella complessiva e progressiva rielaborazione e rinegoziazione
del potere decisionale e gestionale (Dianka, 2016), sia nelle relazioni co-
munitarie (foto 1), sia nella prospettiva delle giovani implicate in proge-
tti migratori (foto 2).
Si tenga comunque presente che tale processo di cambiamento è
già in atto, in quanto effetto dell’emigrazione maschile sull’assunzione
da parte delle donne del ruolo di chef de menage. In tal senso l’Enquete
Démographique et de Santé Continue esplicita: “En général, au Sénégal
le chef de ménage est de sexe masculin (70%). Cette situation est bien

forte peso nella migrazione senegalese: “Il primo elemento da sottolineare è la centralità
che la migrazione tuttora riveste nell’opinione degli intervistati, e il suo ruolo fondamentale
nell’economia e nello sviluppo del paese.” (Fall e Gamberoni, 2010; Attanasio, 2018).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 155


plus fréquente en zone
rurale où les trois quarts
des ménages (75%) sont
dirigés par un homme.
En milieu urbain, 35%
des ménages sont di-
rigés par une femme.
Cette proportion a aug-
menté au fil des années
Foto 1. Donne impegnate nella festa in onore di un aussi bien au niveau na-
migrante che è tornato per un periodo di vacanza. La
donna che resta nel paese di partenza accresce il suo
tional que dans chaque
ruolo decisionale nella gestione della famiglia e della milieu de résidence. Elle
casa nonché nel mantenimento delle relazioni sociali. est ainsi passée de 23% à
Fonte: scatto di E. Gamberoni durante la ricerca di
campo a Golléré, comune a Nord-Est del Senegal, vicino 25%, entre 2005 et 2010-
al confine con la Mauritania. 2011, et s’établit à 30% en
2015, soit une hausse de 5
points de pourcentage entre les deux dernières périodes considérées. En
milieu urbain, la proportion de ménages dirigés par une femme a connu
une hausse de 3 points de pourcentage par rapport à 2010-2011 où était
de 32%. En milieu rural, cette proportion est passée de 18% en 2010-2011
à 25% en 2015. Cette augmentation importante de la proportion de mé-
nages dirigés par une
femme peut s’expli-
quer, entre autres fac-
teurs, par l’émigration
qui touche davantage
les hommes” (ANSD,
2016, pp. 19-20).

Foto 2. Giovani ragazze uscite da scuola. Affermano di avere propri


parenti già all’estero e di desiderare di partire non appena possibile.
Fonte: scatto di E. Gamberoni nei pressi della città di Podor, capoluogo
del dipartimento omonimo, nel Senegal settentrionale.
Donne senegalesi e Italia

Se quanto detto evoca alcuni aspetti delle senegalesi che lasciano


il proprio paese per destinazioni diverse e/o lontane, vediamo ora la
situazione in Italia, uno dei paesi europei che riveste un ruolo non certo
secondario nel contesto delle rimesse21.
In Italia il numero totale dei senegalesi residenti si è moltiplicato
negli anni: da 37.204 nel 2002 a 80.989 nel 2010 per attestarsi a 105.937
nel 2017 (tabb. 1-2)22. Questa comunità è la tredicesima in Italia e la
seconda dell’Africa Subsahariana, con pochissimo distacco dalla prima
che risulta essere la nigeriana23.
In questo universo di riferimento le senegalesi appaiono in ma-
niera più consistente proprio a partire dai primi anni Duemila. Se nel
2002 si registrano 5.567 donne senegalesi residenti, al 31 dicembre 2010
esse risultano essere 19.747. L’accrescimento si mantiene e nel 2017 sono
27.400 le senegalesi residenti in Italia, il 25,9% del totale (tab. 2).
L’aumento quantitativo caratterizza anche la componente maschi-
le: da 31.637 residenti nel 2002 a 61.242 nel 2010, a 78.537 nel 2017. L’an-
damento della variazione percentuale nell’arco di tempo considerato,
però, palesa che le donne senegalesi, rispetto ai maschi, registrano deci-
si incrementi percentuali, di dieci punti, dal 15% del 2002, al 24,4% del
2010, per poi assestarsi al 25,9% del 2017 (tabb. 1-2).

21
  I trasferimenti di fondi da parte dei migranti internazionali residenti al di fuori del continente
africano arrivano soprattutto da Italia (28,8%), Francia (18,3%) e Spagna (13,4%) (DMC, 2013).
Dall’Italia durante il 2016 “sono stati inviati in Senegal 279,1 milioni di euro, pari al 6,9% del
totale delle rimesse in uscita, dato che colloca la Nazione in esame [Senegal] in terza posizione per
ammontare degli importi” (Anpal servizi, 2017, p. 66) sulle prime venti destinazioni considerate
nonché la prima di tutto il continente africano. Resta fondamentale il ruolo delle rimesse per
il sostegno familiare e per lo sviluppo locale se si pensa che è quattro volte il totale degli
Investimenti Diretti Esteri e due volte il totale dell’Aiuto Pubblico allo Sviluppo, quantità che
sicuramente è più consistente inglobando sia il denaro che sfugge ai canali ufficiali - in quanto
movimentato attraverso quelli familiari e amicali - sia i beni materiali.
22
  Si precisa che nel presente articolo si utilizzano i dati statistici riferiti alla categoria stranieri
residenti. Nel 1991 compare il primo dato statistico relativo alle residenze degli stranieri di
cittadinanza senegalese: 10.603 unità. Tale valore nel censimento del 2001 aumenta a 31.174
residenti, con un incremento, quindi, del 194% (https://www4.istat.it/it/prodotti/banche-dati/serie-
storiche).
23
  Dati Istat 31.12.2017.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 157


L’incidenza della componente femminile sull’intera comunità se-
negalese in Italia è progressivamente cresciuta sino a toccare sostanzial-
mente un quarto del totale.

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010


F. Senegal 5.567 7.108 8.591 9.687 10.873 12.117 14.385 16.925 19.747
% F. Senegal 15 15,3 15,9 17 18,2 19,4 21,3 23,3 24,4
M. Senegal 31.637 39.370 45.350 47.414 48.984 50.503 53.125 55.693 61.242
% M.
85 84,7 84,1 83 81,8 80,6 78,7 76,7 75,6
Senegal
Tot. Senegal 37.204 46.478 53.941 57.101 59.857 62.620 67.510 72.618 80.989
% Tot.
100 100 100 100 100 100 100 100 100
Senegal
Tab. 1. Popolazione senegalese residente in Italia per sesso dal 31 dicembre 2002 al 31 dicembre
2010 (valore assoluto e percentuale). (Fonte: elaborazione da dati Istat cittadini stranieri - Bilancio
demografico e popolazione residente straniera al 31 dicembre per sesso e cittadinanza dal 2002
al 2010 in demo.istat.it).

2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017


F. Senegal 20.039 22.208 24.710 25.778 26.637 26.873 27.400
% F. Senegal 27,2 27,6 27,2 27,4 27,1 26,6 25,9
M. Senegal 53.663 58.117 66.153 68.252 71.539 74.334 78.537
% M. Senegal 72,8 72,4 72,8 72,6 72,9 73,4 74,1
Tot. Senegal 73.702 80.325 90.863 94.030 98.176 101.207 105.937
% Tot.
100 100 100 100 100 100 100
Senegal
Tab. 2. Popolazione senegalese residente in Italia per sesso dal 31 dicembre 2011*
al 31 dicembre 2017 (valore assoluto e percentuale). (Fonte: elaborazione da dati
Istat cittadini stranieri - Bilancio demografico e popolazione residente straniera al 31
dicembre per sesso e cittadinanza dal 2011 al 2017 in demo.istat.it).

Al di là della pura crescita quantitativa (fig. 1) va osservato che nel


periodo 2002-2017 se la componente maschile aumenta di due volte e
mezzo, quella femminile aumenta di quasi cinque volte. Il rapporto tra
la componente maschile e femminile senegalese sul territorio italiano
(da 5,7 del 2002 a 3,1 del 2010 a 2,9 del 2017) mostra un aumento della
componente femminile seppure con una sorta di stabilizzazione al 2017.

158 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


Ciò risulta in li-

residenti senegalesi per sesso (v. a.)


nea con il totale degli
stranieri ripartito tra
maschi e femmine (da
1,03 del 2002 a 0,93 del
2010 a 0,91 nel 2017).
I dati comprova-
no (fig. 2) che, nel pe-
riodo considerato, l’in-
cremento delle donne
senegalesi residenti in
Italia è del 392,2%, va-
Fig. 1. Aumento della popolazione senegalese residente
lore superiore a quello in Italia per componente femminile (F) e maschile (M) dal
relativo al totale dei 31 dicembre 2002 al 31 dicembre 2017 (valore assoluto).
Fonte: elaborazione da dati Istat in demo.istat.it.
senegalesi (184,7%) e a
quello dei connazionali maschi (148,2%). Tale andamento avvalora il
peso sempre più rilevante della componente femminile nella migrazio-
ne senegalese. Ciò è ben visibile a partire dal 2007, anno complessiva-
mente particolare nel trend nazionale e tracciato in letteratura, ad esem-
pio dal Dossier Caritas e Migrantes (2008), come anno “significativo”.

Fig. 2. Aumento
della variazione
percentuale
femminile (F)
e maschile (M)
senegalese
a partire dal
2002. (Fonte:
elaborazione da
dati Istat in demo.
istat.it).

A fronte di una presenza su tutto il territorio nazionale delle donne


senegalesi, la loro distribuzione territoriale è eterogenea24.

  Per questo aspetto si fa riferimento a: elaborazione dati Istat cittadini stranieri – Bilancio
24

Demografico e popolazione residente straniera al 31 dicembre per sesso e cittadinanza anni

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 159


Ampiamente prevalente nel 2002 è la loro presenza nel Nord-O-
vest dell’Italia (52,6%), a cui segue Nord-Est (28,1%) e il Centro (12%).
Procedendo verso Sud i valori diminuiscono (4,3%); le Isole registrano i
valori minori (3%). Nel 2010 nel Nord-Ovest le donne senegalesi sono il
52,3%, nel Nord-Est il 25,8%, nel Centro il 13,8%, nel Sud il 5,2% e nelle
Isole il 2,9%. Nel 2017, infine, i valori sono rispettivamente: 49,2% nel
Nord-Ovest, 22,8% nel Nord-Est, 16,3% nel Centro, 7,6% nel Sud e 4,1%
nelle Isole.
Globalmente nel periodo considerato si notano valori in diminu-
zione nell’area settentrionale a fronte di un aumento nelle altre zone.
A scala regionale nel 2002 la quasi totalità delle senegalesi (83%)
risiede in cinque regioni che, in ordine decrescente, sono: Lombardia
(42%), Veneto (14,7%), Emilia-Romagna (10,8%), Piemonte (8,6%), Tos-
cana (6,9%). Tutte le altre regioni assommano al 17%. Nel 2010 la quasi
totalità delle senegalesi (82,9%) risiede in cinque regioni che, in ordine
decrescente, sono: Lombardia (42,7%), Veneto (12,6%), Emilia-Romag-
na (11,2%), Toscana (8,8%) e Piemonte (7,6%). Tutte le altre regioni as-
sommano al 17,1%. Nel 2017 il valore totale delle suddette prime cin-
que regioni si attesta al 78,1%. Si conferma al primo posto la Lombardia
(39,4%), seguita da Emilia-Romagna (11,2%), Toscana (10,5%), Veneto
(9,6%) e Piemonte (7,4%). Tutte le altre regioni assommano al 21,9% e
ognuna di loro è largamente al di sotto delle mille senegalesi residenti.
Tra le venti regioni italiane, la Lombardia rimane meta immigra-
toria principale delle straniere: se già nel 2010 ha circa un quarto del
loro totale (22,2%) questo dato si conferma anche nel 2017 (22,1%). Le
senegalesi sono in Lombardia nel 2010 l’1,6% delle straniere e nel 2017
aumentano all’1,8%. Esse costituiscono in questa regione la quattordice-
sima nazionalità su 174 nazionalità presenti e, da ormai un decennio, la
prima nazionalità dell’Africa occidentale25.
Nel panorama nazionale per la migrazione senegalese la Lombar-

2002, 2010, 2017, in demo.istat.it.


25 
Elaborazione da dati Istat cittadini stranieri – Bilancio Demografico e popolazione residente
straniera al 31 dicembre per sesso e cittadinanza anni 2010 e 2017 in demo.istat.it.

160 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


dia è la regione di elezione, strategica sia per la sua posizione geografica
sia per il suo sistema socio-economico26.
Le prime cinque regioni in cui risiede la maggior parte della com-
ponente femminile senegalese sono anche quelle di maggiore residenza
del totale dei senegalesi. Nell’arco temporale analizzato, tuttavia, si nota
una maggiore dispersione dei dati: aumenta il numero delle senegalesi
che risiedono anche nelle altre regioni che non erano rappresentative
della loro presenza almeno fino agli inizi degli anni 2000.
Si può complessivamente affermare che in tutte le regioni italiane
c’è stato un aumento delle senegalesi residenti, seppure con ampie di-
versità quantitative.
Alle regioni più forti fanno ad esempio da contraltare altre regioni
che solo in un secondo momento sono diventate nuove mete: si trat-
ta, nel Centro-Sud Italia, del Molise, dell’Umbria, della Basilicata e nel
Nord Italia della Valle d’Aosta27, suggerendo una possibile redistribu-
zione delle senegalesi in tutte le regioni italiane.
Tale dinamica può avvenire in relazione a una molteplicità di fa-
ttori, riconducibili sia al tempo globale di stanziamento/radicamento
di una comunità, sia al cambiamento del mercato del lavoro o delle
abitazioni (in relazione anche a dinamismi macroeconomici). Resta co-
munque vero che regioni ritenute più scomode in termini di accessibi-
lità e opportunità sono quelle meno scelte, oppure, sono all’inizio mete
temporanee per precise attività lavorative (si pensi alle aree turistiche
durante il periodo estivo) e solo in un secondo momento possono di-
ventare aree di residenza.
Le donne senegalesi non si discostano dai comportamenti più di-
ffusi durante un percorso migratorio, che le portano a collocarsi nelle
aree dove sono già presenti altri connazionali (fatto naturale se il motivo
della migrazione è un ricongiungimento familiare) e/o a concentrarsi
26
  “Les Sénégalais sont souvent employés comme ouvriers qualifiés ou plus souvent comme
non qualifiés, dans les industries manufacturières de Lombardie et Vénète, dans la tannerie en
Toscane ou dans l’industrie agro-alimentaire de l’Emilie-Romagne” (ANSD, 2013, pp. 51-52).
27
  Il Molise nel 2002 risultava l’unica regione italiana senza donne senegalesi residenti,
attestandone poi 14 nel 2010 e nel 2017. La Basilicata e la Valle d’Aosta presentavano nel 2002
rispettivamente 2 e 1 unità di residenti, nel 2010 sono diventate 12 e 17 e nel 2017 26 e 14.
Infine l’Umbria è passata da 10 a 42 residenze per approdare nel 2017 a 72.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 161


verso i comuni capoluogo, dove è più articolata e cospicua l’offerta di
lavoro e abitativa, così come di servizi e strutture (Casti, 2004).
Al fine di una maggiore conoscenza delle donne senegalesi presen-
ti in Italia si possono considerare alcuni ulteriori aspetti.
Le donne senegalesi regolarmente presenti in Italia al 1° gennaio
2017 sono minorenni per il 36% (Anpal Servizi, 2017, p. 27), rispetto al
38,7% del 201028.
Per ciò che riguarda le maggiorenni, dal 1° gennaio 2003 al 1° gen-
naio 201029 e fino al 1° gennaio 2017 si osserva una distribuzione delle
età che progressivamente scivola verso le classi più mature: ad esempio
se nel 2003 la classe più rappresentata nelle donne era dai 25 ai 34 anni,
nel 2010 è dai 30 ai 39 anni e nel 2017 va dai 35 ai 44 anni. Questo trend,
rintracciabile anche nei connazionali uomini verso età ancora maggiori,
può essere interpretato come uno dei segnali di stabilizzazione di ques-
ta comunità sul territorio nazionale.
Anche per le donne senegalesi rimane indispensabile la loro rete
migratoria internazionale, costituita da sistemi di sostegno parentali e
amicali strettamente interconnessi con specifiche forme associative nel
più ampio quadro della mutualità (Gamberoni e Mandelli, 2012). Le as-
sociazioni, nelle loro diverse tipologie e funzioni, sono un vero e proprio
punto di riferimento, atto sia a fornire appoggio in termini di ospitalità
e orientamento, sia a costituire un autorevole attore nel dialogo con i
territori di migrazione (Meini, 2015) e con le autorità locali (foto 3-4)
oltreché una componente attiva nel transnazionalismo e nel cosviluppo.

Foto 3 - L’annuale festa dell’Associazione senegalese Gore Onesta è un


importante appuntamento di incontro e scambio di informazioni tra le
senegalesi e i senegalesi della Provincia e dei territori vicini nonché una
tappa del costruttivo dialogo che l’Associazione sviluppa con l’Ammi-
nistrazione comunale.
28
  Per il gruppo “minori”, va ricordato che l’Istat ha cambiato negli anni l’elaborazione dei
dati relativi ai permessi di soggiorno. Dal 2008 considera anche la stima dei minori al seguito
dei titolari di un documento di soggiorno. I cambiamenti nel sistema di calcolo statistico non
favoriscono così la comparabilità dei dati al 2003, motivo per cui non sono stati qui inseriti.
29 
Per il 2003 e 2010: elaborazione da tav. 11.3, dati Istat dei Cittadini non comunitari
regolarmente presenti in Italia in demo.istat.it.

162 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


Foto 3. L’annuale festa dell’Associazione
senegalese Gore Onesta è un
importante appuntamento di incontro e
scambio di informazioni tra le senegalesi
e i senegalesi della Provincia e dei
territori vicini nonché una tappa del
costruttivo dialogo che l’Associazione
sviluppa con l’Amministrazione comunale.
Fonte: scatto di E. Gamberoni, San
Martino Buon Albergo (Verona).

Foto 4. Una proposta culturale


della festa dell’Associazione Gore
Onesta, importante sia per rivivere
tradizioni e legami, nelle rispettive
usanze femminili e maschili, sia per
diffondere la conoscenza della
comunità nel contesto locale. Fonte:
scatto di E. Gamberoni, San Martino
Buon Albergo (Verona).

Altri strumenti indispensabili sono, come è ormai noto, le tecnolo-


gie informatiche: colei che ha lasciato i figli nel paese d’origine, si defi-
nisce “Maman Skype”30, sottolineando l’importanza di Internet (Pagni-
ni e Terranova, 2018) nell’educazione materna a distanza e nel gestire il
suo essere transnazionale (Cristaldi, 2012).
Ciò riconduce la riflessione all’approccio circolare e multisituato
per cui non si può disgiungere quanto fin qui detto dal mondo femmini-
le in Senegal (Bin, 2007), dai ruoli che le senegalesi rivestono nei luoghi

30
  Espressione utilizzata da una donna senegalese emigrata in Spagna e Italia, in quel momento
rientrata per un periodo di ferie a Saint Louis durante un’intervista raccolta in una fase di
indagine diretta sul campo.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 163


di origine, siano essi urbani e/o rurali, e che giocano nel loro essere
migranti, come - ad esempio - innescare cambiamenti nelle relazioni di
genere all’interno delle famiglie (Primi e Varani, 2011).
Si produce così l’idea di uno spazio migratorio vasto, percorso da
legami plurimi, agiti non da soggetti astratti definiti esclusivamente da
aride categorie statistiche ma da persone, nel nostro dire dalle donne.
Volgendo al femminile quanto affermato da Gaffuri (2012): “Il corpo dei
soggetti è un flusso ininterrotto di sensazioni psicologiche, sentimenti
contrastanti, esigenze pratiche, istanze valoriali, motivazioni, ragioni,
diritti [...] Così parlare di migranti come corpi sociali non significa solo
utilizzare un’espressione metaforica, ma evocare la persona sotto i dati
impiegati per rappresentare una realtà sociale e culturale in movimen-
to” (p. 276).

La migrazione continua

La comunità senegalese in Italia ha una sua storia e una sua geo-


grafia: la penisola, iniziale area di transito a seguito della chiusura dei
confini francesi negli anni Ottanta, è divenuta terra di stabilizzazione di
questa nazionalità.
Molteplici fattori incidono su un fenomeno, quale quello migrato-
rio, che già per sua natura è fluido e dinamico sia per gli aspetti quanti-
tativi che qualitativi.
Le acquisizioni di cittadinanza implicano un effetto sostitutivo a
partire dalle stesse categorie statistiche, effetto che, però, sottende più
articolati e multiformi processi sociali e culturali sia per tempi che per
spazi.
Le criticità sul piano economico nazionale riportano poi l’attenzio-
ne su possibili ripartenze, magari temporanee, verso altri paesi, anche
se - rispetto alle altre nazionalità non comunitarie - quella senegalese
mantiene un alto tasso di occupazione (63,8%) che si articola differen-
temente tra maschi e femmine (75% i primi e 30,3% le seconde) (Anpal
Servizi, 2017).

164 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


Tale mobilità interessa scale e aree geografiche multiple, che com-
prendono nuove destinazioni. In tal senso anche il Brasile è considerato
dalla comunità senegalese “como possibilidade emigratória num ritmo
maior ao que já vinha historicamente se processando para muitos gru-
pos africanos” (Tedesco, 2017, p. 180).
Non è possibile ignorare, soprattutto nei tempi più recenti, il ruolo
delle frontiere e delle relative politiche gestionali (Wihtol de Wenden,
2016) nonché l’effetto dei provvedimenti legislativi del governo italiano
- e degli altri Paesi Europei - sui flussi in ingresso: per i senegalesi si re-
gistra un significativo aumento delle forme di protezione internazionale
(+33,8% dal 1° gennaio 2016 al 1° gennaio 2017) che rappresentano più
di un quarto dei motivi di soggiorno e più del 60% dei motivi di primo
ingresso (Anpal Servizi, 2017). Da monitorare anche il gruppo dei mino-
ri stranieri non accompagnati (MSNA) che per la comunità senegalese
sono circa un migliaio, di cui la componente femminile è pari solo allo
0,6%.
In questo scenario la migrazione femminile senegalese in Italia si
presenta ancora polarizzata (in media si ha una donna immigrata ogni
tre immigrati) anche se tale polarizzazione risulta, come si è visto, più
calmierata per le minori.
Un aspetto chiave da continuare ad approfondire è il senso com-
plessivo della partecipazione delle senegalesi alla dinamica migratoria.
La narrazione al maschile della migrazione senegalese, infatti, certo cor-
roborata dai fatti e dalle statistiche, ha comportato il rischio “di mette-
re in ombra la migrazione femminile, con le sue specificità socio-pro-
fessionali, la sua capacità di incidere in termini di potere sui rapporti
di genere, la sua “competenza culturale” vasta, dinamica, innovante,
che si riversa nei modi di sentire e di sperimentare la diaspora, oltre
al transnazionalismo, in un contesto di cosmopolitismo” (Turco, 2018a,
pp. 96-97).
Tale conoscenza si pone sia nel quadro più consolidato delle pro-
gettualità migratorie di questa comunità, sia nell’evoluzione socio-e-
conomico-culturale delle donne senegalesi, che svelano motivazioni
alla partenza simili alla componente maschile ma che anche segnano

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 165


il passo verso una sorta di autonomizzazione della migrazione stessa31.
“La tendance vers son autonomisation croissante relève, d’un part, d’un
contexte local à la fois marqué par les mutations dans les rapports de
genre au sein de la société sénégalaise, et des conditions de vie de plus
en plus difficiles tant en milieu rural qu’urbain” (Sakho, Diop e Awis-
si-Sall, 2011, p. 15).
Si tratta di una dinamica che coinvolge profondamente spazi geo-
grafici, socio-culturali, individuali e comunitari. “Capire la migrazione
significa soprattutto comprenderla attraverso i modi di funzionamento
della cultura. La quale non ha a che fare solamente con la produzione e
la circolazione di informazioni, ma riguarda anche le pulsioni emotive,
gli stati affettivi” (Turco, 2018b, p. 15).
In tal senso la cineasta Diana Gaye, parlando di Sophie, la gio-
vane protagonista del suo film, afferma: “Je parle de circulation géo-
graphique mais il y a aussi tout la circulation interne […] La première
pierre du scénario, c’était Sophie et, oui, il était question d’émancipation
donc la rejoint ce que vous dites - oui - de liberté de femme forte, de
femme qui prends son destin en main. Il y avait une volonté […] d’af-
firmation d’un personnage fort, maître de son destin et qui aspire à un
ailleurs à d’autres possibles et aussi à briser un chemin presque prédes-
tiné quoi”32.
Questo ruolo è giocato, come si è detto precedentemente, nel più
ampio quadro dei movimenti migratori femminili ma non solo: se ne
deve considerare la centralità e/o il ruolo nella “costruzione del capitale

31 
Blanchard (2011) studiando le immigrate senegalesi a Marsiglia ben sottolinea la compresenza
di diverse valenze nel loro essere migranti e nello svolgere attività economiche, implicate “dans
des parcours solitaires et/ou individualistes et aspirant à une réussite personnelle” (p. 156).
32
  Un passaggio dell’intervista rilasciata nel 2013 dalla regista Diana Gaye a Nicolas Gilson
durante il FIFF - Festival International du Film Francophone de Namur. Proprio riguardo
al significato dell’esperienza migratoria internazionale di Sophie, che rappresenta la sfera
migratoria femminile, la stessa regista ne afferma la centralità e la peculiarità nella narrazione
complessiva dei tre destini che non si toccano mai spazialmente ma che sono comunque
intrecciati a distanza per sentimenti, situazioni, immaginazioni, spinta alla libertà (https://www.
youtube.com/watch?v=ORiwscN8ZZU). Il film è stato presentato anche in Italia, in festival di
cinema ed eventi dedicati, come ad esempio il 34° Festival di Cinema Africano di Verona 2014 e
À Travers Dakar, iniziativa sul cinema senegalese organizzata da Progetto Diritti e Roma-Dakar
(https://www.romadakar.org/2015/10/01/a-travers-dakar).

166 GAMBERONI, E. FALL; P. D. Migrazioni senegalesi in Italia. Focus Femmes


sociale territoriale (in termini demografici e culturali) e per la competi-
tività delle città nell’economica globale” (Amato, Cristaldi, Meini, 2017,
p. 1937), nonché in relazione alle politiche di sviluppo, di cooperazio-
ne internazionale e di comunicazione tra i popoli, come sembrerebbe
richiamato anche dall’Agenda per lo Sviluppo Sostenibile 2015-2030:
“Migration is a multifaceted phenomenon that plays a critical role in
today’s world. More recently, the international importance of migration
was emphasized through its inclusion on the 2030 Agenda for Sustain-
able Development, which recognizes the integral function of migration
in achieving development goals” (WHO, 2018, p. vii).
Ciò è particolarmente importante per le donne, per le quali essere
migranti significa spesso aumentare in modo esponenziale le situazioni
di pericolo e di vulnerabilità nei territori di transito e di arrivo, quelle
“pratiques surréalistes au regard des risques” (Fall, 2016, p. 18) per cui i
migranti “ne reculent devant rien pour réaliser leur dessein” (Fall, 2016,
p. 18). A questo si aggiungono gli effetti nelle aree di partenza rispetto
a ruoli e funzioni nel contesto quotidiano di vita: “le donne sono allo
stesso tempo i pilastri dell’equilibrio sociale ed economico della società”
(Fall, 2018, p. 200), e hanno ruoli e funzioni diretti e indiretti nelle dina-
miche complessive della mobilità (Conde, 2018)33.
Nelle diverse aree geografiche (di origine, transito e arrivo), dove
è intensa la concatenazione tra mutamenti socio-culturali e politico-e-
conomici, tra scelte migratorie dei diversi gruppi, condizioni sociali e
legislative e connessioni globali, le donne senegalesi si trovano sempre
più protagoniste dello sviluppo dei territori, nel continuo e incessante
gioco tra tradizione e modernità, delicatamente dipinto dalla toccante

33 
“The ambition to migrate is reflected in people’s role models, or nawle. A nawle for the
Wolof is someone to imitate, to ensure that you make the right choices. In this respect, it is
not uncommon to hear a mother rebuking her son, telling him to do as his nawle does and
migrate to become a local role model. Pressure from one’s own family, and particularly from
one’s mother, is a decisive factor in migration. Dimé, a worker, describes the situation before
his departure, saying: “A day did not pass without my mother showing me the building that my friend
had constructed for his mother.” The role of women is crucial in influencing a son’s or husband’s
decision to migrate. The pressure they can bring to bear can lead many a son or husband to use
clandestine channels, thus endangering their lives” (Sall e altri, p. 25).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 167


epistola di Ramatoulaye ad Aissatou nel famoso romanzo Une si longue
lettre della senegalese Mariama Bâ (2001, p. 165): “Je t’avertis déjà, je ne
renonce pas à refaire ma vie. Malgré tout - déceptions et humiliations -
l’esperance m’habite”.

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Migrantes senegaleses em
Lajeado, RS e suas conexões
transnacionais

Margarita Rosa Gaviria Mejía


Candida Arend

A
maior parte das abordagens dos fenômenos migratórios foca-se
nas causas econômicas que interferem nas decisões dos sujeitos
que migram. Contudo, a literatura contemporânea sobre o assun-
to assinala que são múltiplos os fatores que provocam a mobilização
de pessoas para além das fronteiras de seus países de origem (Patarra,
2006; Martes,1999; Seyferth, 2011). No que diz respeito aos senegaleses,
a migração corresponde a projetos de vida familiares não associados à
pobreza, quem migra conta com recursos financeiros dos membros da
família para se mobilizar (Talli, 2002). O que influenciam são as condi-
ções estruturais do Senegal como secas, contaminação das águas, déficit
orçamentário, entre outros (Thiam; Crowley, 2014)..
Da ótica dos senegaleses, migrar é um investimento em conheci-
mento e em capital financeiro que visa garantir a subsistência de to-
dos os membros da família (Heredia; Gonçalves, 2017). Os movimentos

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 175


migratórios direcionam-se para espaços internacionais que vivenciem
processos de expansão econômica e tecnológica como o Brasil, no pe-
ríodo do auge migratório, em 2012, época na qual as rotas migratórias
para Europa e os Estados Unidos se esgotam pelo controle nas frontei-
ras (Tedesco, 2017; Heredia; Gonçalves, 2017). Conjuntura que estimula
a mobilidade de senegaleses para o Brasil, processo no qual se apoiam
as ponderações apresentadas neste texto, com base numa pesquisa et-
nográfica realizada em Lajeado, uma cidade de 80.000 habitantes no Rio
Grande do Sul, Brasil, marcada por duas ondas migratórias.
A primeira onda migratória, final do século XIX e inícios do XX,
acontece com a chegada de alemães e italianos. Quando a política nacio-
nalista do Brasil pregava “......o branqueamento da raça através da mis-
cigenação seletiva e da imigração europeia. Neste processo, a população
mestiça progressivamente chegaria a um fenótipo branco – com a sele-
ção natural/social encarregada de abolir as “raças inferiores” (Seyferth,
1995, p. 181-182). Nessa lógica, se reprovavam as imigrações negras por-
que impediriam o processo de branqueamento.
A outra onda migratória que define a configuração de uma paisa-
gem marcada pela pluralidade cultural nesta cidade habitada por euro-
descendentes ocorre com a chegada, na segunda década do século XXI,
de migrantes de países centroamericanos, asiáticos e africanos, atraídos
pelas demandas por mão de obra nas empresas, principalmente os fri-
goríficos em Lajeado e em cidades vizinhas. Entre esses imigrantes nos
detemos nos senegaleses que começam a chegar a Lajeada em 2012 e
que, ao igual que os haitianos, sobressaem pela cor da pele entre os nati-
vos da localidade. Nesse sentido sua presença contrapõe-se à ideologia
eugenista defendida pelo governo brasileiro no final do século XIX e
inícios do XX.
Em Lajeado, onde predomina a identidade cultural branca euro-
peia, os migrantes afrodescendentes são associados à categoria pejo-
rativa negro, que denota para o senso comum ser bandido e pobre. A
esse respeito cabe mencionar um dos múltiplos acontecimentos em que
senegaleses e haitianos são vítimas de racismo. Foi no dia em que es-
cutamos um usuário de elevador de um prédio onde há uma agência

176 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
de viagens que presta serviço de envio de remessas de dinheiro para
o exterior, da qual senegaleses e haitianos são fregueses, dizer: “acabo
de passar um susto, entrou no elevador um negão que veio correndo e
eu pensei: pronto vou ser assaltado”. Tratava-se de um migrante negro
(haitiano ou senegalês) que corria para chegar ao elevador antes que
fechassem as portas.
Como o contingente migratório haitiano em Lajeado é maior que o
senegalês (são em torno de 5841 haitianos e 38 senegaleses), a população
local faz generalizações, para ela todos os migrantes negros são haitia-
nos. Diante do qual, tanto haitianos quanto senegaleses expressam in-
dignação e tentam, quando têm oportunidade, deixar claras as frontei-
ras entre eles, invisíveis para as pessoas da cidade, porém marcadas por
diferenças culturais acentudas, evidentes na esfera religiosa.
A visibilidade dos senegaleses é mediada pela imprensa local, a
associação de comerciantes e representantes da administração local por
desenvolverem o comércio de rua, prática “ilegal” conforme os regula-
mentos da prefeitura de Lajeado. Evocando a referência de Bourdieu a
Platão, neste contexto, estes migrantes situam-se no lugar do “bastar-
do”, “na fronteira entre o ser e o não ser social” (1998, p. 11). Suscitam
um incômodo que obriga a repensar a questão dos fundamentos legíti-
mos do acesso à cidadania do migrante nesta cidade. Mas, que cidade é
essa? Como se dá a relação entre os migrantes senegaleses e a cidade de
Lajeado? Questões que tratamos nos seguintes itens.

Categoria cidade e Lajeado

Com base no paradigma da cidade como contexto, apresentado por


Glick-Schiller e Çaglar (2011), analisamos o processo migratório de se-
negaleses em Lajeado tomado como base, não a vida dessa comunidade
diaspórica em Lajeado, mas como os migrantes contribuem na reestru-
turação desta cidade de assentamento. Fenômeno que observamos ao

  De acordo com dados da Polícia Federal em 2018.


1

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 177


evocar a significativa atuação dos migrantes senegaleses na reconstitui-
ção econômica da cidade, atraves de sua participação nos frigoríficos
localizados em Lajeado. Participação que não é reconhecida, pois nos
círculos políticos os migrantes geralmente são associados a problemas
sociais na cidade.
A cidade de Lajeado, como qualquer outra, é afetada pela compe-
tição global por investimento, nova economia industrial e mudanças
nas pressões do mercado, incluso as que favorecem a gentrificação e
a regeneração urbana. A migração, quando considerada localmente, é
parte da reestruturação global e do remanejamento da vida urbana. Os
relacionamentos dos migrantes com as cidades são os configurados pelo
posicionamento das cidades dentro dos campos econômico, político e
cultural de poder. (Glick-Schiller; Çaglar, 2011). Assunto sobre o qual
tratamos ao apresentar os espaços de trabalho dos migrantes senegale-
ses na cidade de Lajeado.
Utilizando-se de diversas estratégias de incorporação, os migran-
tes respondem às diferentes oportunidades oferecidas pelo posiciona-
mento das cidades. Essas oportunidades incluem variações em regimes
regulatórios, infraestruturas locais e possibilidades de atividades em-
presariais, emprego, educação, moradia, e a entrada na política local
e vida cultural. Assunto que tratamos neste artigo, mostrando como
os senegaleses, fundamentados nos princípios religiosos muçulmanos,
vinculados à confraria Mouride, se relacionam com a cidade de Lajeado,
tomando como eixo sua atuação mediada por empresas transnacionais
islâmicas (CIBAL e CDIAL). Cabe então apresentar a infraestrutura des-
ta cidade no marco da qual atuam os senegaleses.
Lajeado é o maior município da região do Vale do Taquari em
número de habitantes (FEE, 2017). A população estimada em Lajeado,
em 2018, de acordo com dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística, é de 82.951 pessoas, sendo que, aproximadamente,
99,6% de sua população reside em área urbana, de acordo com o Cen-
so do IBGE de 2010. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDHM) é de 0,778. Ao longo de sua história, a cidade de Lajeado tem

178 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
abrigado fluxos populacionais de procedências diversas, entre elas as
de origem alemã, italiana e açoriana2. Desde 2012, o fluxo de migrantes
do Haiti, Senegal, Bangladesh, Nigéria, Gana, Afeganistão, Colômbia,
Índia e Paquistão compõem a população de residência, mesmo que tem-
porária, na cidade3.
O principal setor da economia de Lajeado é a indústria (IBGE,
2016), setor “bastante diversificado, com destaque principalmente ao
ramo de produtos alimentícios e bebidas”. As empresas dinamizadoras
dos fluxos populacionais e das transformações sócio espaciais no mu-
nicípio de Lajeado são a Minuano4 e a BRF.5 Para suprir a demanda de
trabalho, a Minuano e a BRF se beneficiaram de mão de obra excedente,
provenientes de áreas rurais e urbanas do município e de regiões menos
dinâmicas economicamente do Estado. A partir de 2012 foram favoreci-
das pelos fluxos migratórios internacionais.
Mesmo que Lajedo seja a maior cidade do Vale do Taquari, no Rio
Grande do Sul, ao se comparar com as grandes metrópoles, o processo
migratório apresenta certas especificidades. A análise fundamenta-se
nas peculiaridades da migração numa pequena cidade, sob os pressu-
postos teóricos de Glick Schiller e Çaglar (2011), conforme os quais, o
que caracteriza esta cidade de pequena escala não é o tamanho físico e
2
  Dados da Fundação de Economia e Estatística, 2016. Disponível em: < https://www.fee.
rs.gov.br/perfil-socioeconomico/coredes/detalhe/?corede=Vale+do+Taquari>. Acesso em:
08 mar. 2018.
3
  Dados obtidos na pesquisa de campo no ano de 2017, em entrevista dirigida com funcionário
da prefeitura de Lajeado que trabalha no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) da
cidade e colabora, principalmente, no acolhimento aos migrantes e refugiados.
4 
De acordo com informações disponíveis no site da empresa, “a Minuano é uma operação
verticalizada na integração avícola, possuindo desde granja de matrizes até produção e abate
de aves, garantindo a qualidade em cada parte do processo. O parque industrial é composto
por uma fábrica de industrializados, incubatório, granjas de matrizes, dois abatedouros de aves
e fábrica de rações” e, “em 2003 firmou contrato de parceria de prestação de serviços com a
empresa Sadia, atual BRF Foods, que permanece em vigor”. Disponível em: <https://www.
minuano.com.br/nossa-historia>. Acesso em: 30 jul. 2018.
5 
A BRF se tornou “uma das maiores companhias de alimentos do mundo, graças ao
nascimento de suas principais marcas [....]; conta com mais de 30 marcas, entre elas as gigantes
Sadia e Perdigão; a empresa conta com, além dos colaboradores BRF, o apoio de mais de 13 mil
produtores integrados, mais de 30 mil fornecedores (4 mil apenas de grãos, farelos e óleos)”.
Informações disponíveis em: <https://www.brf-global.com/sobre/a-brf/quem-somos/>.
Acesso em: 30 jul. 2018.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 179


populacional, mas a posição que esta ocupa numa hierarquia de poder
regional, nacional e global onde convergem as conexões transnacionais.
Hoje a economia neoliberal atinge tanto as grandes cidades quan-
to as pequenas. Os migrantes se congregam a elas conforme as opor-
tunidades que a cidade lhes oferece, portanto, as situações variam de
acordo com o contexto. A análise das condições de vida dos migrantes
nas cidades é fundamental na compreensão das práticas transnacionais,
tendo em vista que eles, inevitavelmente, se envolvem na reestrutura-
ção econômica, social, espacial e cultural das cidades de assentamento
e daquelas a que estão transnacionalmente conectados (Glick-Schiller;
Çaglar, 2011).

Os migrantes senegaleses e a cidade

O contingente populacional de senegaleses em Lajeado é de 38 mi-


grantes, com apenas duas mulheres e três crianças nascidas no Brasil.
Os senegaleses que se encontram em Lajeado são muçulmanos e parti-
cipam de atividades, encontros e associações religiosos ligados à confra-
ria Mouride. Eles começaram a chegar em Lajeado em 2012, mediados
por redes sociais, vindos de outros municípios de Rio Grande do Sul, de
outros estados brasileiros ou de fora do país a procura de oportunida-
des de trabalho,
Os senegaleses ao chegar procuram a infraestrutura da migração,
na qual ocorrem “as mediações sistemáticas entre a tecnologia, as ins-
tituições e atores, que facilitam e condicionam a i/mobilidade” (Heil,
2018, p. 116). Fenômeno observado na Loja de M na cidade de Lajeado,
que disponibiliza aos migrantes recursos tecnológicos para se comuni-
carem com familiares e amigos, dentro e fora do Brasil. A Loja tem ca-
bines de telefone e oferece créditos para uso de telefone internacional.
Estar em Lajeado é estar ao mesmo tempo em outros lugares de âmbito
nacional e internacional, estão sempre conectados com o país de ori-
gem através das redes virtuais e dos meios de comunicação senegale-
ses. Acessam canais de rádio e de televisão senegalês, kourelou, cheikhoul,

180 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
khadim TV Etat, para ouvir cantos religiosos, assistir noticiários e no-
velas. As informações sobre as festas religiosas as encontram no canal
youtube: Toubabrasil.
O dono e gestor desse empreendimento, um senegalês que chegou
em 2014 na cidade, é um líder entre os senegaleses de Lajeado, intervém
como mediador entre seus conterrâneos e as instituições públicas da
cidade. Fato evidenciado, por exemplo, em 2016, quando ele solicita à
prefeitura de Lajeado a autorização para os senegaleses fazerem uma
peregrinação religiosa por uma das ruas principais do centro de Lajea-
do. Mas o pedido foi negado, causando decepção nos senegaleses, já
que é uma prática realizada para lembrar a peregrinação a Touba na
Festa do Magal. Essa celebração é feita pelos senegaleses nos locais de
migração (Ndiaye; Gonçalves; Moojen, 2015).
O líder senegalês se queixa da falta de apoio da prefeitura de Lajea-
do, não oferece local para desenvolver as práticas religiosas muçulma-
nas na cidade, e compara a situação com a experiência de senegaleses
em Caxias do Sul e em Porto Alegre, onde as respectivas prefeituras
emprestam a sede da assembleia municipal para realizarem festas reli-
giosas. Esse líder senegalês é mediador com outras instituições públicas
que prestam serviço aos migrantes como aulas de português e emis-
são de documentos. É mediador também entre os recém-chegados e os
representantes dos frigoríficos que contratam migrantes senegaleses
muçulmanos. Solicita ao conterrâneo, supervisor do abate halal num
frigorífico, a contratação de conterrâneos recém-chegados à cidade. O
qual, segundo o supervisor, gera tensões porque é frequente que estes
permaneçam trabalhando poucos meses, e muitos deles utilizem algum
pretexto para abrir processo judicial contra a empresa.
A maior parte deles deixou a esposa no Senegal, então suas mulhe-
res participam do projeto migratório sem sair do Senegal, tomam conta
dos filhos, da casa, e às vezes dos empreendimentos econômicos que os
migrantes deixaram, participam das famílias transnacionais no Senegal.
No quartier populaire do Grand Dakar, cerca de 50 por cento dos pro-
prietários migraram para o estrangeiro e os novos proprietários passam
a ser mulheres (Buggenhagen, 2011). As mulheres que permanecem no

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 181


Senegal, também atuam nos projetos migratórios dando suporte emo-
cional aos migrantes. Ao ficar são poupadas de vivenciar as dificulda-
des que enfrentam os migrantes, entre elas, “morar no mesmo espaço
com muitas pessoas, dormir no chão, passar fome”, é a explicação que
um senegalês dá para justificar o motivo pelo qual o número de mulhe-
res migrantes senegalesas é tão baixo no Rio Grande do Sul. Segundo
Uebel (2017) neste estado, 1.6% dos migrantes senegaleses é mulher.
Ndniaye et. al. (2015) assinalam que no Senegal é comum os nú-
cleos familiares serem muito grandes e se ampliarem além dos vínculos
sanguíneos. As mulheres senegalesas são comparadas a árvores robus-
tas e de raízes firmes, traduzindo fortaleza, beleza e dignidade. Neste
contexto, a migração autônoma das mulheres é reprovada, de acordo
com as normas culturais o lugar da mulher é na casa da família, por
isso elas não devem trabalhar fora de casa, viajar apenas com os mari-
dos, e as que estão sozinhas (solteiras ou divorciadas) para sair de casa
tem que ser acompanhadas por um homem da família (Rosander, 2010;
Sakho, et.al, 2015).
Assim como há mulheres que participam dos projetos migratórios
de seus maridos ficando no Senegal, há outras que participam da migra-
ção de acompanhamento (Sarr, 2012, apud Sakho et. al., 2015), categoria
usada por esses autores para definir o processo em que as mulheres
migram para o local onde está o marido. Em Lajeado, há duas mulheres
nessa situação. Uma chegou em 2015 e a outra em 2017, ambas para se
unirem a seus respectivos maridos. Logo depois que chegaram ficaram
grávidas, dando à luz a uma nova geração de senegaleses, marcada com
a nacionalidade brasileira pelo local de nascimento. Os filhos desses ca-
sais de senegaleses nascidos em Lajeado são registrados no cartório com
dois nomes, um os vincula ao país de origem dos pais e outro ao Brasil.
Nesse sentido participam da reprodução social e cultural dos senegale-
ses em comunidades diaspóricas.
As duas mulheres senegalesas em Lajeado exibem símbolos de
identidade da cultura de origem como o turbante colorido, as roupas e
as faixas de tecido nas costas onde carregam os bebês. De acordo com
Salazar e Glick-Shiller (2014), o uso de elementos culturais ligados ao

182 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
país de origem é indicativo da ligação dos migrantes com o modo de
vida no país natal, reconfigurado no local de assentamento. Portanto,
nesta mobilidade estão envolvidas tanto as pessoas quanto representa-
ções sociais acerca de práticas culturais. As migrantes senegalesas em
Lajeado também contribuem a manter o vínculo com a cultura de ori-
gem reproduzindo padrões de comportamento nas relações de gênero,
fundamentado numa ideologia religiosa que enfatiza a submissão e a
obediência das mulheres aos homens (Rosander, 2010).
Elas ajudam nos empreendimentos comerciais dos maridos, uma
na Loja de M. e a outra no comércio ambulante, além de realizar as tare-
fas domésticas em suas respectivas moradias. Assumem a responsabili-
dade pelo negócio quando eles se ausentam de Lajeado, seja porque eles
vão participar de feiras ou vendas em outras cidades, seja porque vão
participar das reuniões da associação de migrantes senegaleses. Os dois
maridos são representantes da associação de senegaleses no Rio Grande
do Sul, e, pela posição que ocupam, são convocados para reuniões em
outras cidades do Rio Grande do Sul onde tratam de assuntos relacio-
nados a festas religiosas, que acontecem de acordo com o calendário lu-
nar, e outros eventos sociais, informações que depois são comunicadas a
seus conterrâneos na dahira de Lajeado. A dahira é uma associação local
de membros da confraria mouride, presente no mundo dos senegaleses.
É local de encontro, de oração e de recitação de poemas do líder Bamba
Mbacke, mas também local de prestação de apoio mútuo, troca de infor-
mações e de interações comerciais (Heil, 2018). Em Lajeado os senega-
leses realizam reuniões religiosas semanais nas casas dos imigrantes de
Lajeado, seja na casa do líder ou de senegaleses que moram próximos
da BRF. Quando indispensável, eles se organizam e alugam com recur-
sos próprios uma sede na cidade.
Em Lajeado, os espaços de interação dos migrantes senegaleses com
as pessoas da cidade são limitados, principalmente pela xenofobia e o
racismo dos nativos. Os migrantes reagem reforçando as identidades de
origem nacional através do desenvolvimento de práticas religiosas na
língua materna, promovem rituais sociais, celebrações, reúnem-se em
associações e preparam comidas típicas do país de origem com os ingre-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 183


dientes da culinária disponíveis na cidade (Mejía; Cazarotto; Rogerio,
2018). Essa recriação da identidade cultural no espaço migratório faz
com que na cidade as pessoas convivam com novas e antigas formas de
identificação, gerando a pluralidade cultural (Haesbaert, 1999). Os mi-
grantes buscam viver de acordo com as formas e estruturas da cidade,
negociam e criam práticas sociais de interação e de resistência. Um dos
espaços onde acontece a interação de senegaleses com outros setores
sociais na cidade é nos jogos de futebol, jogam nos finais de semana com
pessoas de outras nacionalidades em espaços públicos da cidade.
Outro fato elucidativo da recriação da identidade cultural dos se-
negaleses com o país de origem, na cidade de Lajeado, o observamos na
Copa do Mundo de 2018. Neste evento o Senegal participou da Copa do
Mundo de futebol, depois de ter ficado fora por 16 anos. Num dos jogos
em que o Senegal ganhou, os senegaleses sairam pelas ruas da cidade
em paseata exibindo a alegria. E no jogo entre Colômbia e Senegal, par-
tida que classificaria um dos times para as oitvas de final, os senegale-
ses reuniram-se para assistir ao jogo em um estabelecimento comercial
no centro de Lajeado, para o qual fomos convidadas. Percebemos uma
concentração enorme na partida, a angustia de perder e sobretudo o
interesse em evocar sua identidade nacional, ao forrar com bandeiras o
estabelecimento (ver fotos).

Fotos 1 e 2. Acervo da pesquisa

184 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
A esfera de trabalho na identidade religiosa transnacional

Uma das questões percebidas em nossa imersão no mundo dos se-


negaleses em Lajeado é que as atividades de trabalho nessa experiência
migratória, ao igual como tem sido apontado em outras pesquisas no
Rio Grande do Sul, são perpassadas por fundamentos religiosos do isla-
mismo. Para seus cinco milhões de seguidores, a tariqa mouride oferece
não só a promessa de prosperidade eterna, mas também o acesso às for-
mas de comércio e produção de riqueza mundana (Buggenhagen, 2011).
Fato manifesto nos significados religiosos de duas formas de atuação,
no trabalho informal (comércio de rua) e no trabalho formal (nos frigo-
ríficos da cidade).
O comércio de rua é uma atividade à qual se dedica uma porção
de migrantes senegaleses numa das principais ruas do centro da cidade
de Lajeado. Vendem produtos como roupas, óculos de sol, bijuterias e
relógios. Para alguns o comércio de rua é um complemento da renda,
trabalham em jornadas duplas para reunir dinheiro a fim de enviar re-
messas e contribuir com as despesas da família no Senegal (Ambrosini,
2010, apud Tedesco, 2018).
Esta prática, rebatida pelos fiscais da prefeitura que veta o comércio
de rua, muda a paisagem da cidade de Lajeado. Nos círculos políticos,
esses migrantes são geralmente associados a problemas sociais. Con-
tudo, segundo afirma um dos interlocutores senegaleses, em uma das
conversas, os senegaleses que trabalham nas ruas estão “acostumados”
com a perseguição que sofrem no exercício dessas atividades. Eles pos-
suem habilidade para recolher os produtos quando os fiscais os abor-
dam e depois retornar para os pontos de vendas – assim é em qualquer
lugar do mundo em que realizam esta atividade – disse ele. Essa luta travada
pelos vendedores ambulantes é valorizada culturalmente porque lem-
bra a trajetória do profeta Cheikh Ahmadou Bamba Mbacké. O profeta
exercia a profissão de comerciante ao ser interpelado e perseguido pelo
regime colonial francês, e em sua procura por refúgio, as comunidades
wolof o reconhecem um serigne, profeta do islã por analogia à narrativa
da hégira (do árabe, “deslocamento” ou “fuga”) do profeta Maomé de

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 185


Meca para Medina, que marca o início do calendário muçulmano (Bava,
2005, apud Tedesco; Kleidermacher, 2017).
Mourides pagam contribuições para sua congregação e seus líderes
religiosos e participam de algumas de suas atividades religiosas. Eles
fazem isso para se tornar parte da comunidade Mouride e ter acesso
a suas prósperas redes comerciais (Kane 1997 apud Rosander, 2010).
Migrantes mourides conectaram os ensinamentos de sua figura funda-
dora, Amadou Bamba, sobre trabalho, sacrifício, prosperidade e salva-
ção ao esforço e luta na vida dos migrantes. Eles fizeram a transição
da agricultura para o comércio urbano, formando associações religiosas
conhecidas como dahira (em árabe é círculo) e procurando novos patro-
nos no caminho de Mouride (Buggenhagen, 2011).
O significado do comércio informal “ambulante” entre os senega-
leses corrobora ponderações desenvolvidas em torno do assunto em
outras cidades. Este comércio expõe o migrante a um modelo de com-
portamento que reproduz a experiência religiosa de mobilidade, que
contribui para a manutenção de um “ethos econômico-religioso”. As
vendas ambulantes operam como diacrítico de senegaleses mourides
em contextos de imigração e permite às lideranças e às dahiras compar-
tilharem e avaliarem a inserção da confraria em diferentes lugares do
mundo (Bava, 2005, apud. Tedesco; Kleidermacher, 2017).
Já o vínculo dos senegaleses ao trabalho formal em Lajeado acon-
tece através das empresas transnacionais CDIAL (Centro de Divulga-
ção do Islam para América Latina) e CIBAL (Central Islâmica Brasilei-
ra de Alimentos Halal Ltda- EPP). Ambas têm filiais em São Paulo e
fazem parte da FAMBRAS (Federação das Associações Muçulmanas
do Brasil), mas têm vínculos com outros países, são transnacionais, as
decisões atingem interesses que ultrapassam as fronteiras brasileiras.
A sede principal da CDIAL é em Arabia Saudita e da CIBAL em Egito,
cada uma dessas empresas atua como prestadora de serviços em um
frigorífico da cidade de Lajeado. Mas as ações são similares, as duas
velam pelo cumprimento das regras na produção de alimentos para
receber o certificado Halal.
Na atualidade CDIAL HALAL e CIBAL HALAL são referência

186 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
global em Certificação Halal e mantém parcerias com empresas mun-
diais de alimentos. Estas empresas atendem as exigências do consumi-
dor muçulmano e oferecem produtos alimentícios Halal, elaborados
conforme os requisitos legais da religião islâmica em todo o processo de
produção (Tedesco, 2018), gerando sempre oportunidades de negócios
e de valor compartilhado com a sociedade brasileira6.
A empresa que emite o certificado Halal fiscaliza toda cadeia pro-
dutiva, a fim de que as normas e regras sejam cumpridas desde a pro-
dução até a embalagem e a estocagem. Nesse processo, as empresas
exportadoras de produtos com certificação Halal, neste caso os dois fri-
goríficos de Lajeado que processam o frango, precisam estar “adapta-
dos” às regras que envolvem tanto o processo produtivo como o abate
Halal.
Para o abate são contratados funcionários homens, preferencial-
mente muçulmanos. O local de trabalho deve dispor de uma sala para
as orações que os funcionários realizam durante o dia. A alimentação
servida pela empresa aos encarregados do abate é preparada conside-
rando proibições alimentícias dos muçulmanos, como o consumo de
carne de porco e de alimentos que contenham álcool na produção.
A sala onde se faz a sangria deve estar virada para Meca, o peito do
frango quando entra na sala para a sangria também precisa estar vira-
do para Meca, na entrada da sala há uma frase, Em nome de Deus, Deus
é maior, que cada funcionário deve proferir no início do abate, “é uma
forma de pedir perdão pelo sacrifício daquele animal”, disse o fiscal.
No processo, o animal não pode sofrer, a faca utilizada deve estar bem
afiada para passar apenas uma vez. Todas as ferramentas utilizadas no
abate Halal não podem ser usadas em outros abates ou outros fins.
Na organização do trabalho no abate Halal se dividem os funcioná-
rios em duas equipes, enquanto uma trabalha (uma hora) a outra faz in-
tervalo (uma hora). Nas quatro horas de recesso, os senegaleses passam
o tempo “conectados” através dos celulares com o país de origem, seja

6
  http://www.cdialhalal.com.br/a-cdial-halal/. In: Halal: tendência mundial para quem busca
novos mercados. A comercialização depende das demandas http://www.revista-fi.com/
materias/115.pdf

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 187


conversando com seus familiares e amigos ou assistindo noticiários e
telenovelas do Senegal. A conexão do senegalês com o país de origem é muito
intensa! Afirma o fiscal.
As empresas transnacionais CDIAL e CIBAL fazem as contratações
de senegaleses conforme as leis trabalhistas brasileiras – CLT. Ampara-
dos na Lei, os migrantes senegaleses fazem reclamatórias trabalhistas,
como é o caso de um senegalês que pede indenização trabalhista por-
que possuía alergia ao sangue. Em outro caso o senegalês abre processo
contra a empresa porque o avental dado para ele usar no abate estava
sujo. Processos que geram conflito nas relações entre conterrâneos, por-
que um dos fiscais é senegalês, só que essas tensões são esvaziadas ao
partilhar das dahiras.
Esse sistema de trabalho mediado pelas empresas islâmicas trans-
nacionais estimula a mobilidade dos senegaleses, já que estes são trans-
feridos de cidade de acordo com as demandas dos frigoríficos. O mi-
grante, nos termos de Sayad (1998), é um sujeito de e para o trabalho,
submete-se a inúmeras situações de trabalho a fim de justificar sua mi-
gração e alcançar as expectativas de quem fica através de remessas de
valores e até mesmo do status de migrante.
A fiscalização das empresas continua após o abate. Controlam que
o frango se mantenha a uma temperatura mínima de 18 cº, em boas
condições para transportá-lo até o país de destino. Outras das etapas
da produção do frango fiscalizada é na criação. A ração para alimentá-
-lo não pode ser animal, senão vegetal. As condições dos aviários são
vigiadas, o frango não pode ser criado em estado de sofrimento. Subjaz
em todo esse processo de certificação Halal, mais do que questões sani-
tárias, princípios de respeito à vida. A certificação Halal não se limita
ao processo de produção e transporte do frango, o Halal é um conceito
ético e moral que dá sustentação ao modo de vida do muçulmano.
O fiscal da CDIAL comenta que o frigorífico de Lajeado/RS em
que ele atua, emprega, em 2019, para o abate Halal dezenove muçulma-
nos (senegaleses, bangladeshianos e paquistaneses), 10 são senegaleses.
Esta mobilidade tem sido um fator estruturante da cidade (Capel, 1997),
já que de 1975 até 2010 a empresa CDIAL vinha atuando no frigorífico

188 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
de Lajeado na certificação halal, mas como não havia muçulmanos, o
ritual era feito por brasileiros católicos ou judeus, portanto não tinham a
mesma conectividade que existe hoje com a cultura muçulmana, quan-
do o ritual é realizado por correligionários.
A participação dos migrantes senegaleses nesta atividade contribui
a gerar recursos financeiros elevados aos frigoríficos de Lajeado. En-
tre 30 e 60 % da produção é direcionada para o mercado externo mu-
çulmano, condicionado por políticas internacionais, informa o fiscal da
CDIAL. Este mercado movimenta anualmente no mundo trilhões de
dólares. Valor que contribui no crescimento e na reposição da cidade
e das que estão transnacionalmente vinculados. Contudo a população
local desconhece a atuação destes migrantes na certificação Halal e sua
influencia nos mercados. Não reconhecem os migrantes internacionais
como atores significativos na reconstituição econômica e política de ci-
dades como Lajeado, afetada pela competição global por investimento,
pela mudança na economia industrial e por pressões do mercado. Como
argumentam Glick-Schiller e Çaglar (2011), a migração, quando consi-
derada localmente, é parte da reestruturação global e do remanejamen-
to da vida urbana.

Considerações finais

Finalizamos este artigo inspiradas em Glick-Schiller e Çaglar (2011)


percebendo que a posição da cidade repercute na vida dos migrantes se-
negaleses. Ela tem certos atributos conhecidos pelos migrantes, através
de suas redes sociais, que estimulam sua mobilidade para essa cidade.
Quanto às especificidades de Lajeado como contexto destacamos: 1) o
índice de qualidade de vida de Lajeado é alto, 2) comparada com outras
cidades do Rio Grande do Sul, o custo de vida é mais favorável, 3) está
localizada numa região onde uma das atividades econômicas principais
está vinculada ao setor de alimentos, no qual se destacam os frigoríficos
de produção de carne de frango, 3) parte das atividades da produção
desses frigoríficos é terciarizada e nesse processo de terciarização atuam

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 189


empresas trananacionais como a CDIAL e CIBAL, 4) essas transnacio-
nais contratam seguidores da religião muçulmana para realizar o ritual
halal, sem o qual não obtem o certificado que os países de oigem muçul-
mana exigem para comprar os produtos, 5) existe um contigente migra-
tório não muito grande que integra uma dahira e ajuda aos migrantes
a administrar as dificuldades no processo migratório, 6) a localização
geográfica de Lajeado facilita a conexão com migrantes senegaleses em
outras partes estado de Rio Grande do Sul, com os quais organizam
eventos religiosos vinculados à religião muçulmana e realizam ações de
solidariedade e apoio mútuo.
O movimento migratório dos senegaleses é fundamentado em prin-
cípios religiosos do mouridismo e condicionado pelas políticas públicas
migratórias de âmbito nacional e municipal, que os pune ao desenvol-
ver o comércio de rua no centro da cidade, uma prática que remete à
trajetória do líder dos mourides, Cheikh Ahmadou Bamba Mbacké. Eles
são impedidos de desenvolver suas cerimonias religiosas em espaços
públicos. Não recebem apoio das autoridades municipais na proposta
de construir um camelódromo em que eles possam comercializar seus
produtos. São vítimas de racismo e xenofobia nas relações que estabele-
cem com pessoas da cidade, para as quais, o único que sabem é que são
negros e falam diferente, confundidos com os haitianos.
Contudo, apesar de se situar numa pequena cidade, está experiên-
cia migratória é influenciada por conexões transnacionais, favorecidas
pelo avanço nas tecnologias da comunicação. Já que as vidas desses mi-
grantes são construidas com base em interconexões sociais que trans-
passam fronteiras locais e internacionais. Os meios de comunicação
possibilitam aos senegaleses manter vínculos com membros da família
transnacional e amigos, no Brasil e pelo mundo afora.

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192 Mejía, M. R. G.; AREND, C. Migrantes senegaleses em Lajeado - RS - e suas conexões transnacionais
Participação feminina nos fluxos
migratórios de senegaleses para o
Rio Grande do Sul

Maria do Carmo dos Santos Gonçalves

“Quando ergueu a cabeça, deparou-se a ele um rosto impo-


nente e altivo, uma cabeça de mulher coberta por um leve
véu de gaze branca. Chamavam-na de Realíssima. [...]. Na
primeira vez em que a vira, Samba Diallo ficara fascinado
por aquele rosto, que era como uma página viva da história
da terra dos diallobé. Nele podia-se ler toda a tradição do
país. Dizia-se que mais do que a seu irmão, era a ela que o
país temia” (Kane, 1984, p. 24).

O
trecho, extraído da obra Aventura Ambígua, do escritor senegalês
Cheikh Hamidou Kane (1928- ), nos parece apropriado para intro-
duzir a tarefa de trazer à luz, a partir do contexto do estudo sobre o
fluxo migratório senegalês para estado do Rio Grande do Sul, algumas
notas sobre a participação das mulheres nesse movimento. Já de início
devemos indicar que se trata de uma tarefa incompleta, mas absolu-
tamente necessária uma vez que vem ajudar a preencher uma lacuna

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 193


nos estudos sobre a migração de mulheres senegalesas para o Brasil.
Tal ausência deve-se, em parte, ao fato de que elas representam uma
proporção ainda bastante pequena do fluxo migratório de senegaleses
para o país. Tanto isso é verdade que se convencionou afirmar que o
fluxo migratório senegalês para o Brasil é caracterizado por uma migra-
ção masculina. Nesse sentido, devemos indicar que, embora a expressão
numérica ou a frequência sejam fundamentais para considerar o peso
maior ou menor de determinado fluxo migratório, também nos ronda o
perigo de não considerarmos pequenos movimentos que podem portar
novidades essenciais para a compreensão e análise de movimentos com
características mais massivas.
No caso específico das mobilidades femininas, de acordo com Pe-
res e Baeninger (2016), a contestação da migração como “um fenômeno
essencialmente masculino” já vinha sendo realizada pelo movimento
feminista nos anos 1990, “a fim não somente de tornar visíveis as mu-
lheres no fenômeno migratório, mas mostrar que padrões, causas, expe-
riências e impactos da migração são diferentes para homens e mulhe-
res” (Peres e Baeninger, 2016, p. 6). Sendo assim, é importante pontuar
que embora a migração senegalesa para o Brasil seja em grande parte
masculina, dirigir nosso esforço de pesquisa também para o diminuto
grupo das mulheres é fundamental para compreendermos as diferenças
de padrões, causas, vivências e impactos que afetam as mulheres de
modo singular, assim como para trazer à luz talvez novos fatores que
ajudem numa melhor compreensão do fluxo senegalês como um todo.
Há que se considerar ainda que muitos dos esforços de pesquisa
sobre a migração senegalesa para o Brasil têm se concentrado nas di-
nâmicas laborais, culturais e/ou religiosas que muitas das vezes ten-
dem a fixar-se sobre o perfil majoritário do grupo migrante. Portanto,
no presente texto, nos propomos a fazer um levantamento preliminar
de dinâmicas presentes observadas na migração feminina senegalesa
para o Rio Grande do Sul que possam vir contribuir na análise do fluxo
migratório de senegaleses como um todo. A personagem Realíssima,
cunhada a partir das memórias autobiográficas de Kane, é uma mulher
forte da etnia peul que, assim como outra personagem do mesmo livro

194 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
–“a velha Rella” –, representa a reflexão do autor sobre os desafios que
a sociedade senegalesa vem enfrentando. Já há algum tempo os sene-
galeses vêm-se diante da complexa tarefa de equilibrar o “tradicional”
e o “moderno” na vida cotidiana de um país que em pouco tempo pas-
sou por profundas transformações com o advento da independência
colonial e da urbanização. É nos diálogos travados por Realíssima, e,
portanto, pelas mulheres, que Kane articula os dilemas pautados por
esse desafio. Também foi nas trajetórias das mulheres senegalesas que
tivemos o privilégio de vislumbrar processos de mudança vivenciados
pela comunidade migrante senegalesa como um todo e pelas mulheres
de modo especial.
No intuito de situar a reflexão que aqui nos propomos fazer, ini-
cialmente trazemos alguns aspectos do marco teórico que vem sendo
utilizado para discutir o tema das migrações e do gênero. Em um pri-
meiro momento, apresentamos uma breve referência sobre as intersec-
ções que vêm ocorrendo amplamente no debate sobre a participação
das mulheres em processos migratórios. Em um segundo momento, te-
cemos algumas notas sobre dinâmicas de participação das mulheres no
fluxo migratório dos senegaleses para o Rio Grande do Sul recolhidas a
partir da análise de material de campo coletado pela autora no contexto
da pesquisa vinculada ao trabalho de tese1 (em andamento) sobre as
dinâmicas religiosas dos senegaleses no RS. Por fim, apontamos alguns
desafios e conclusões preliminares sobre o tema das mulheres.

A busca por um “lugar de fala” das mulheres nos fluxos migratórios


para o Brasil

As migrações femininas têm colocado desafios metodológicos e


teóricos sobre os recentes fluxos migratórios para o Brasil (Marinucci,
2007; Peres e Baeninger, 2016; Dutra, 2013). Isso implica não apenas con-
siderar a complexidade do campo de estudos sobre os fluxos migrató-

1
  O presente foi parcialmente realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal Nivel Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001”

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 195


rios recentes, mas também ponderar o grande desafio que é situar esse
fenômeno dentro do contexto de uma virada epistêmica no campo de
estudos de gênero no qual o feminino emerge não somente como objeto
de análise, mas como uma categoria que pretende abordar as relações
sociais de modo geral (Collins, 1986; Spivak, 2010; Ribeiro, 2018).
Ribeiro (2018), ao refletir sobre “o lugar de fala” das mulheres no
contexto de uma reivindicação do rompimento com discursos feminis-
tas hegemônicos, levanta a questão fundamental de que é necessário
explicitar de quais mulheres estamos falando ao abordar o tema. Um
ponto importante na reflexão da autora – e que nos parece sumamente
importante se quisermos falar sobre a migração de mulheres senegale-
sas – é a consideração de que por muitas décadas os estudos feministas
estiveram exclusivamente pautados por uma episteme alicerçada sobre
a figura da mulher europeia (branca, ocidental) e cristã. Ribeiro (2018)
faz memória de uma série de autoras que passaram a reivindicar, no
âmbito das lutas feministas, “a escrita de si na primeira pessoa” (Ribei-
ro, 2018, p. 18). A autora traz a pertinaz indagação de Alcoff (2016).

É realístico acreditar que uma simples “epistemologia mes-


tre” possa julgar todo tipo de conhecimento originado de
diversas localizações culturais e sociais? As reivindicações
de conhecimento universal sobre o saber precisam no míni-
mo de uma profunda reflexão sobre sua localização cultural
e social. (Alcoff, 2016, p. 131, apud Ribeiro, 2018, p. 14).

Considerando essa perspectiva, nos parece quase obrigatória a ta-


refa de, ao tratar das formas de participação das mulheres senegalesas
nos fluxos migratórios, integrar as localidades culturais e sociais que
ocupam nos diferentes espaços, sopesando a heterogeneidade de per-
tencimentos e trajetórias desde o Senegal até o Brasil. Trata-se da tenta-
tiva de construir uma narrativa “sobre” na qual se evidencia de quais
mulheres migrantes estamos falando, sem perder de vista que estas são
agentes ativas nos processos.
As mulheres no Senegal desempenham tradicionalmente um papel
pouco visibilizado na vida pública. Entretanto, essas dinâmicas vêm so-

196 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
frendo importantes modificações para as quais a participação nos fluxos
migratórios tem desempenhado importante papel no processo de maior
participação das mulheres na esfera pública, mas também no ambiente
familiar privado. Sakho (2015) atribuí a crescente participação social das
mulheres aos processos de urbanização, inserção laboral e escolarização
que vêm incrementando uma ainda reduzida, mas crescente participa-
ção das mulheres nos fluxos migratórios para o exterior. De modo espe-
cial, há uma mudança em curso nas estruturas familiares tradicionais,
nas quais as mulheres passam a desempenhar um papel muito mais
ativo na economia familiar como provedoras, papel até recentemente
reservado aos homens. Ao analisar aspectos da migração feminina sene-
galesa para Caxias do Sul, Heredia (2017) afirma que, a partir das falas
das entrevistadas, foi possível encontrar um “movimento de transfor-
mação que atravessa o Senegal atualmente, no qual as mulheres vão re-
construindo seu papel e participação nas estruturas familiares e sociais
(Heredia, 2017, p. 12).
Sendo assim, esse “lugar de fala” das mulheres senegalesas com-
põe um complexo processo em construção no qual as mulheres migran-
tes participam dos fluxos migratórios de modo negociado, em um mo-
vimento por vezes ambíguo de afastamento e afirmação das tradições
familiares, culturais e religiosas. Ao migrar sozinhas ou para reunir-se
com a família (esposo e filhos) no exterior, essas mulheres romperam
com os limites traçados pelo local. Entretanto, ao viver no exterior elas
mobilizam estrategicamente a figura tradicional da mulher no seio da
família e da comunidade, negociando esse novo modo de participação
nas decisões familiares e comunitárias que são tomadas em conjunto
com os homens. Essas mobilizações ocorrem tanto nas situações coti-
dianas da vida (na família, no trabalho, nas celebrações religiosas, etc.)
quanto nos projetos de mais longo prazo, como decisões de retorno ou
de empreendimento de uma nova etapa migratória para outro país com
a família ou até mesmo sozinhas.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 197


Mulheres senegalesas e as dinâmicas presentes nos processos migratórios

O processo migratório das senegalesas não se dá como um fato


isolado em suas trajetórias, mas está integrado a dinâmicas familiares,
laborais, religiosas, entre outras. Embora tais dinâmicas não transcor-
ram de modo isolado umas das outras, a seguir apresentamos alguns
aspectos que contribuem para uma melhor compreensão de como as
mulheres senegalesas vêm interagindo nos processos migratórios a par-
tir dessas dinâmicas.

Dinâmicas familiares
As dinâmicas que perpassam os arranjos familiares no Senegal são
bastante complexas, envolvendo desde a questão do pertencimento ét-
nico, no qual em alguns casos pode persistir um sistema de castas, até a
questão religiosa, que impõe regras ao sistema de uniões. A legislação
e o direito civil, inspirado no sistema francês, incorporaram, segundo
García (2002), aspectos da sharī`ah2 no que se refere ao regramento sobre
o matrimônio e a herança. Sendo assim, haveriam três possibilidades de
estabelecer tais uniões: matrimônio religioso (cristão ou islâmico); ma-
trimônio tradicional (consensual); matrimônio civil. Embora, de acordo
com o autor, a exogamia (casamento com indivíduos de outros grupos
étnicos) seja aceita e difundida religiosamente como um meio de propa-
gação da fé, a maioria dos casamentos tendem a ser endógenos (internos
ao grupo étnico) em vista dos costumes tradicionais, além de estarem
sujeitos às regras de classe e status social. Ainda de acordo com Garcia
(2002), a homogamia (estabelecimento de vínculos entre pessoas com
características comuns, particularmente em relação aos casamentos) se-
ria uma tendência. Semelhanças que, no caso senegalês, podem vincular
não apenas a religião, mas a classe social, o grupo étnico ou as castas.
Considerando o contexto de origem das mulheres senegalesas, o pro-
cesso de migração ocorre no âmbito de um intenso e delicado processo
de negociação familiar. Nesse processo, o ciclo de vida individual e fa-

  Lei islâmica.
2

198 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
miliar – com suas características geracionais, de classe social, étnicas e
culturais – influência de modo determinante o projeto migratório.
Das 35 mulheres senegalesas acompanhadas no período de 2012 a
2018 , cerca de 50% declararam ser casadas, sendo que algumas haviam
3

migrado para o Brasil pelo processo de reunião familiar e ainda não


possuíam filhos. Dessas, quase a totalidade passou por um processo de
primeira gestação no Brasil dentro do período de até dois anos após a
migração. Awa4, por exemplo, relatou que, quando por fim a família do
esposo concordou que ela viesse para o Brasil residir com ele, ela passou
a fazer muitos planos e sonhava em continuar os estudos e trabalhar
para colaborar com a família que estava no Senegal. Entretanto, quan-
do chegou aqui teve muitas dificuldades com o idioma, não conseguiu
um trabalho e não havia muitas outras mulheres senegalesas com quem
conversar. Apesar de não ter planejado, engravidou após seis meses no
Brasil por pressão do marido e da família. A gestação foi complicada
e ela teve vontade de voltar para o Senegal. Porém, depois de refletir,
decidiu enfrentar tudo, pois se voltasse para o Senegal, além de ser mui-
to difícil conseguir migrar uma segunda vez para o Brasil, sabia que
só veria o marido a cada dois ou três anos e o filho “não teria um pai
perto”. Após o nascimento do filho, ela gostaria de ter logo começado
a busca por um trabalho, mas precisava antes conseguir uma vaga na
creche. “Se estivesse no Senegal era tranquilo. Lá tem muita gente que
ia cuidar meu filho”. Quando o filho ficar um pouco maior (chegar a três
ou quatro anos de idade), ela e o marido planejam viajar ao Senegal e
deixar o filho lá por algum tempo (até atingir sete ou oito anos) sob os
cuidados da família. Segundo Awa, é importante que o filho “aprenda
a viver como a gente”.
Na trajetória de Awa, é possível averiguar que as dinâmicas fami-
liares não incidem apenas sobre o percurso em direção ao Brasil. Não
há um rompimento visível de laços, deveres ou direitos em relação à fa-
mília que ficou no Senegal. Sobre esse aspecto, Peres e Baeninger (2016)
3
  Alguns atendimentos ocorreram no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), entidade
que presta apoio a imigrantes na cidade de Caxias do Sul, RS. Outros ocorreram ao longo do
trabalho de campo junto à comunidade senegalesa.
4
  Os nomes foram alterados para preservar o anonimato das pessoas envolvidas na pesquisa.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 199


chamam a atenção para a importância de apreender o uso estratégico de
cada um dos espaços componentes de uma trajetória, em suas variadas
formas, e sua relação com os percursos empreendidos – ou não – pelos
demais membros da família. A saída do Senegal foi um processo de
longo diálogo e negociação com a família do esposo, com a qual passou
a residir logo depois do casamento. Para os homens, a migração para
outro país em alguns casos é quase natural, principalmente se este for
o filho mais velho a quem caberia o provimento da família no caso de o
pai ser idoso, doente ou falecido. Para as mulheres, a migração já é um
processo que precisa ser negociado, principalmente se na casa do espo-
so ela for a primeira ou a única nora.
Awa criou estratégias para harmonizar no mesmo projeto migrató-
rio as expectativas do marido, da família e suas próprias com relação ao
seu futuro e ao futuro do filho. Nesse sentido, é importante ter presente
que as dinâmicas familiares acompanham as mulheres senegalesas nos
seus percursos, incidindo diretamente sobre as decisões que são toma-
das em vista do futuro. Ao mesmo tempo, a migração representa a pos-
sibilidade de, mesmo mantendo vínculos fortes com o a família no Se-
negal, criar novas formas de participação e incidência sobre as decisões
familiares. Como bem apontam Peres e Baeninger (2016),

[as] trajetórias migratórias de mulheres revelam suas moti-


vações, transformações sofridas ao longo do processo e ain-
da, estratégias utilizadas não apenas para percorrer etapas
migratórias distintas, mas para planejá-las em função de
outros fatores, especialmente ligados ao planejamento do
ciclo de vida familiar.

O casamento, a maternidade e a criação dos filhos são ciclos de vida


individual e familiar que vão passando por adaptações e transforma-
ções ao longo da experiência migratória da maior parte das mulheres
senegalesas que acompanhamos. Ao mesmo tempo em que as mulheres
migradas vivenciam um novo ciclo de vida familiar ao constituir famí-
lia no Brasil, elas também necessitam conciliar esse ciclo com o ciclo de

200 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
vida da família ampliada a que pertencem e no qual continuam com-
primindo um papel como mães, noras, filhas e tias, mesmo à distância.
Carter et al. (1995) trazem alguma luz sobre o grande desafio de
pautar essas dinâmicas, considerando de modo particular as mudanças
que o próprio conceito de ciclo de vida tem sofrido nas últimas décadas,
assim como o fato de por muito tempo a questão migratória, de classe
e étnica ter sido negligenciada na configuração de ciclos de vida consi-
derados funcionais e/ou saudáveis. Daí a importância de olhar para o
modo como as senegalesas organizam e vivenciam esses ciclos de vida
considerando aspectos da tradição e da cultura das comunidades do
país de origem, sem necessariamente buscar enquadrar suas experiên-
cias e projetos naquilo que seria considerado o “normal” para uma mu-
lher brasileira, por exemplo.
Entre as mulheres senegalesas que eram solteiras, e que do univer-
so total dos casos representavam em torno de 40%, havia uma maior di-
versidade de trajetórias. Algumas já haviam feito pelo menos uma expe-
riência migratória para outro país antes de migrar para o Brasil. Embora
quase todas possuíssem algum parente próximo no Brasil (irmão, primo
ou tio), algumas migraram por iniciativa própria. Consideradas mulhe-
res “fortes”, sobre boa parte pesava a primogenitura e responsabilidade
pela manutenção do núcleo familiar que ficou no Senegal –normalmen-
te, pais idosos, irmãos mais novos e, em dois casos, filho. Mesmo que
mulheres com esse perfil representem uma minoria, o fato de migrarem
sozinhas representa um significativo processo de mudança nas rela-
ções sociais no Senegal. Duas delas já haviam feito um movimento de
migração do interior do país para Dakar, onde trabalharam como ven-
dedoras. Ambas são respeitadas na comunidade migrante senegalesa,
participando normalmente da vida da comunidade. Um senegalês uma
vez mencionou que “esse tipo de mulher” é uma “mulher forte” que
“não vai esperar por ninguém e não vai ter medo de nada”. Entretanto,
muitas das falas dos migrantes sobre o fluxo das mulheres consideram
como padrão normal de migração o caso das mulheres que vêm para
reunir-se com o marido ou irmãos no Brasil. Na concepção deles, esse
seria “o normal”. Todavia, parece ser também consenso para a comuni-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 201


dade senegalesa que, se uma mulher migra sozinha, é porque há uma
necessidade por trás de sua decisão. “Ás vezes pode acontecer de não
ter outra pessoa que vai fazer isso por ela”. É interessante notar que o
fato de terem conseguido migrar sozinhas, ao passo que é considerado
fora dos padrões pela comunidade, também lhes confere distinção e res-
peito.

Dinâmicas laborais
O fluxo migratório dos senegaleses para o Brasil vem sendo assina-
lado como um movimento de migração laboral. Nesse sentido, embora
em número proporcionalmente muito menor do que dos homens, as
mulheres senegalesas caracterizam-se como mulheres migrantes traba-
lhadoras, enfrentando as dificuldades que a maioria das mulheres ne-
gras (brasileiras ou migrantes negras de outras nacionalidades) também
enfrentam na inserção no mercado do trabalho e que estão vinculadas à
discriminação étnico-racial ou de gênero (Marcondes, 2013). Ao mesmo
tempo, esse movimento de integração laboral apresenta interrogações
novas para o campo de pesquisa sobre migrações para o Brasil (Heré-
dia; Gonçalves, 2017). Mulheres migrantes não apenas integram as fi-
leiras daquilo que se convencionou chamar de migrações laborais e/
ou econômicas, mas apontam para mudanças importantes nos padrões
convencionais de migração.
A dificuldade em “encontrar um trabalho” é uma das constantes
queixas expressas por mulheres migrantes, principalmente quando
desempenham o papel de chefes de família. Outro dado importante é
sobre como essas mulheres lidam com suas expectativas de realização
profissional, visto que, para os migrantes de modo geral, é muito difícil
continuar exercendo no Brasil a mesma atividade que exerciam no país
de origem.
Nogaye migrou com o esposo em 2015, quando estava prestes a
concluir o curso de enfermagem em Dakar. Planejava continuar estu-
dando no Brasil, mas ao mesmo tempo conseguir um trabalho. As difi-
culdades iniciais a fizeram deixar de lado o desejo de estudar por algum

202 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
tempo. Trabalhou numa cozinha por quase dois anos, mas assim que
surgiu a oportunidade, conseguiu se organizar para iniciar um curso
de técnico de enfermagem. Quando concluir o curso, quer buscar uma
colocação na área. O esposo apoia seu desejo e reconhece o esforço que
vem fazendo. Isso ajudou-a a persistir, pois “no início foi difícil e só
pensava em voltar”.
A expectativa não realizada de imediato afeta de modo diferente
as mulheres migrantes que guardam, por exemplo, características se-
melhantes, mas que variam no que se refere a classe social, nível de
educação formal, aspectos étnicos e religiosos. Embora o grupo das mu-
lheres que acompanhamos apresentasse um nível de educação formal
maior se comparado ao grupo dos migrantes homens, elas tiveram mui-
to mais dificuldade de integração no mercado de trabalho. Muitas se
ressentiam do fato de em muitas agências de trabalho só lhes ofertarem
vagas em serviços de pouca qualificação e remuneração, como serviços
de limpeza, desconsiderando a qualificação que possuíam ou as possi-
bilidades de desenvolvimento de outras habilidades. Observamos que,
assim como para os migrantes homens, a venda ambulante se apresen-
tou como uma alternativa inicial de renda. Algumas já tinham exercido
essa atividade no Senegal, mas outras não sabiam como era trabalhar
“de venda”. Para a maioria, a expectativa continua a ser a de inserção
no mercado de trabalho formal.
Outro ponto interessante que observamos em relação ao discurso
dos migrantes homens sobre o fato de as mulheres trabalharem é que
isto passou a ser valorizado. Em uma conversa informal, Abdou reco-
nheceu ter sido bem melhor trazer a esposa para o Brasil. “A mulher
está lá, você vai ter de mandar muito dinheiro por mês. Aqui tá melhor,
né? A esposa fica junto e vai trabalhar também para ajudar”. A concep-
ção de que a mulher senegalesa no Brasil precisa trabalhar é bastante
difundida na comunidade, sendo de fato a composição da renda um fa-
tor importante no processo de mobilidade social no Brasil, assim como
de possibilidade de constituição de uma família ou de reunião familiar.
Ao mesmo tempo, para as mulheres, o trabalho fora de casa representa
certo ganho de autonomia à medida que esta passa a possuir também

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 203


possibilidades de interação e construção de redes de amizade fora do
ambiente familiar. Ao ajudar a compor a renda familiar, as mulheres
migrantes ampliam suas possibilidades de negociação sobre projetos
futuros que integram a perspectiva de permanecer, migrar internamen-
te no país ou até mesmo retornar ao Senegal. “Constrangimentos como
ganho ou perda de autonomia, o debate entre a permanência e o retor-
no, renegociações entre os sexos, são fatores importantes para o estudo
da migração feminina” (Peres e Baeninger, 2016, p. 3), já que por meio
desses movimentos e pequenas mudanças as mulheres se “afirmam
como agentes de equidade no fenômeno” (Idem).

Dinâmicas religiosas
Os debates referentes ao papel da mulher nas dinâmicas religiosas
islâmicas são amplos, e por vezes controversos, principalmente quando
surgem em contextos migratórios onde há tensões étnicas e religiosas.
No caso das mulheres, estes envolvem principalmente o uso do hijab
(véu). Por outro lado, também é crescente o número de estudos que bus-
cam analisar o espaço de agência das mulheres dentro das estruturas
religiosas islâmicas (Mahmood, 2006). Mateo (2018) investigou a parti-
cipação das mulheres na transmissão erudita de conhecimento, levan-
tando questões importantes para se pensar a integração das mulheres
como autoridades religiosas a partir do conhecimento formal sobre o
Islam que vêm buscando, principalmente aquelas inseridas em contex-
tos migratórios.
Sob a perspectiva religiosa, o Senegal é um país majoritariamente
mulçumano, onde prevalece a presença das confrarias sufistas, sendo
as maiores a Muridia e a Tidiania. Entretanto, do ponto de vista cons-
titucional, o país é laico. No caso específico senegalês, estudos sobre
as relações entre religião e gênero já evidenciam mudanças no campo
religioso do país, apresentando a participação das mulheres no proces-
so sob a perspectiva da atuação em espaços tradicionalmente ocupados
por homens, como no caso da maraboutage (Gemmeke, 2009), ou bus-
cando novas chaves de leitura para locais onde a agência feminina é

204 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
muito forte, mas pouco visível. Ao analisar a participação das mulheres
nas dinâmicas religiosas cotidianas da cidade de Touba, Zingari (2018)
apresenta o papel dessas mulheres como estruturante, principalmente
no meio doméstico, no qual se corroboram as dinâmicas de parentesco
que são um fator importante e essencial das relações de poder no inte-
rior da confraria Muride.
Localmente observamos variadas formas de participação das mu-
lheres nas dinâmicas religiosas da comunidade senegalesa. É importan-
te considerar que, do ponto de vista dessas vivências, há uma grande
diversidade interna à comunidade expressa por pertencimentos às con-
frarias com suas práticas, assim como vivências sincréticas influenciadas
pelas tradições culturais de cada grupo étnico. Embora, como considera
Zingari (2018), a participação das mulheres nos ritos religiosos públicos
– por exemplo, na festa anual Gran Magal – seja bastante restrita, isso
não significa que elas estejam ausentes em outros espaços nos quais a
religiosidade cumpre um papel fundamental, como o ambiente domés-
tico. A observação da participação das mulheres nos eventos religiosos
públicos realizados pelos senegaleses no Rio Grande do Sul evidencia
um tipo de protagonismo das mulheres dado pelo domínio do preparo
das refeições. Embora esse espaço não seja exclusivo das mulheres, visto
que nas festas os homens participam ativamente tanto no preparo das
refeições como na tarefa de servir os convidados, é nesse ambiente que
elas se impõem com um saber fazer (escolha dos ingredientes, tempo e
modo do preparo) herdado de suas mães, irmãs e avós. A comensalida-
de desempenha um papel importante nas cerimônias religiosas, princi-
palmente para os murides.
Outra forma de participação das senegalesas na vida religiosa da
comunidade imigrante diz respeito a uma figura feminina importan-
te para os murides no Rio Grande do Sul. Sokhna, bisneta de Cheikh
Ahmadou Bamba (fundador da confraria Muride), desde de 2013 visita
a comunidade muride no Brasil periodicamente. As visitas são acolhi-
das com grande entusiasmo e tomadas como um momento importante
para a comunidade. A autoridade religiosa de Sokhna provém de sua
participação na linha de hereditariedade do fundador da confraria, sen-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 205


do, portanto, herdeira da baraka (graça, santidade) de Cheikh Ahmadou
Bamba. Embora não exerça oficialmente as mesmas funções de um ma-
rabout, os murides recorrem a Sokhna para pedir a “benção”, conselhos
ou alguma palavra de conforto em relação às dificuldades pessoais en-
frentadas no contexto migratório. Ela recebe o mesmo tratamento que
seria dirigido a qualquer membro da família de Cheikh Bamba, inde-
pendentemente de ser mulher.

Considerações finais

Olhar para a realidade das mulheres senegalesas no Rio Grande


do Sul significa tomar as dinâmicas apresentadas como processos de
mudança que não estão desacoplados do contexto de origem e que as-
sumem no Brasil outras características conforme ocorre um processo
de maior integração local da comunidade senegalesa como um todo.
Boa parte das mulheres que vivem no Senegal estão imersas em dife-
rentes ambientes nos quais as relações de gênero e hierarquia passam
por mudanças graduais que não deixam de existir após a migração para
um outro país. Isso ocorre essencialmente porque o espaço da mulher
senegalesa na migração vem sendo mediado por tradições familiares e
religiosas nas quais a mulher paulatinamente vem conquistando o di-
reito de migrar com base na noção do direito à luta “pelos seus”, sejam
estes os familiares que não podem migrar (idosos, crianças, enfermos)
ou membros da família constituída no Brasil.
Os trajetos empreendidos pelas mulheres para chegar ao Brasil
diferem daqueles empreendidos pelos homens. Há um consenso na
comunidade senegalesa no Brasil de que uma mulher não deveria ser
exposta a trajetos irregulares de migração em vista do grande risco que
essas travessias encerram, mesmo que atualmente seja recorrente o fato
de muitas mulheres senegalesas morrerem ao tentar cruzar o mar Me-
diterrâneo em trajetos extremamente difíceis e perigosos em direção à
Europa. Ou seja, as condições de migração nas quais ocorre o processo

206 Gonçalves, M. C. S. Participação feminina nos fluxos migratórios de senegaleses para o Rio Grande do Sul
de deslocamento geográfico dessas mulheres pode estar relacionado ao
maior ou menor grau de liberdade de tomada de decisão da mulher em
relação ao grupo familiar, étnico ou religioso do qual faz parte.
No Brasil, as mulheres enfrentam os desafios de inserção no mer-
cado de trabalho que incluem, além do esforço de aprendizagem do
idioma, a falta de reconhecimento da escolaridade e o preconceito ra-
cial. Além disso, a maioria das mulheres senegalesas passam por um
processo de adaptação à nova realidade familiar, muitas vezes com-
posta apenas pelo esposo e algum parente mais próximo (primos, tios).
Mesmo trabalhando fora, elas acabam tornando-se responsáveis pelo
trabalho doméstico e preparo das refeições. A gestação de um filho sem
o apoio presencial da família ampliada, como normalmente ocorreria se
a gravidez tivesse transcorrido no Senegal, passa a ser ressignificada pe-
las senegalesas que, na ausência da família, estabelecem novas redes de
apoio com famílias brasileiras. Essas dinâmicas também afetam a per-
cepção dos brasileiros em relação aos imigrantes senegaleses em geral.
A presença de mulheres e crianças em ambientes domésticos nucleados
contrasta com a imagem que muitos brasileiros haviam construído so-
bre a migração senegalesa com base nos primeiros fluxos de migrantes
ocorridos entre os anos de 2012 e 2015, nos quais a esmagadora maioria
residia em grupos em alojamentos de empresas ou casas e apartamentos
com despesas rateadas. Sendo assim, a gradual integração das mulheres
na mobilidade dos senegaleses para o Brasil incorpora às comunida-
des migrantes novas dinâmicas que afetam ambos os sexos. Ainda em
relação à comunidade autóctone, a partir da presença de famílias de
migrantes, houve uma melhor percepção sobre a necessidade de criar
espaços de convivência e interação uma vez que não se trata de um flu-
xo migratório sazonal relacionado a oferta de trabalho, mas de um fluxo
composto também por famílias que se fixaram na região com o objetivo
de permanecer por mais tempo. Por fim, é valido indicar que as mulhe-
res e os migrantes em geral já chegam ao Brasil aprisionados em uma
narrativa local prévia sobre seu país e cultura, especialmente construída
a partir das mídias sociais e dos meios de comunicação social e de en-
tretenimento. Pesam sobre a mulher africana estereótipos que exotizam

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 207


suas tradições culturais e religiosas. O pequeno, mas constante aumento
do número de mulheres na comunidade imigrante senegalesa estabe-
le também novas dinâmicas de participação das mulheres nos espaços
religiosos. Assim como os homens, estas também são constantemente
questionadas pelos brasileiros sobre questões referentes à sua religião,
tais como o uso do véu e a prática das orações. Tais interpelações forçam
as mulheres a se posicionar de modo ativo no campo religioso como
comunidade, sem distinções de sexo.
As intersecções entre os debates sobre migrações e gênero ainda
são bastante incipientes, embora um bom caminho esteja em constru-
ção. Talvez o grande desafio seja reconstituir esse lugar de fala das mu-
lheres migrantes. “Assim, entendemos que todas as pessoas possuem
lugares de fala, pois estamos falando de localização social. E, a partir
disso, é possível debater e refletir criticamente sobre os mais variados
temas presentes na sociedade (Ribeiro, 2018, p. 48), inclusive sobre o
lugar das mulheres nos fluxos migratórios.

Referências
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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 209


Lago Rosa – Extração de sal no
Senegal. Foto: Juliana Rossa, com
curadoria de Marcia Marchetto.

210
Apresentação
“ESSE TÁ 10, MAS PRA TI EU FAÇO POR 5!”:
AS SOCIABILIDADES PARA VENDA NO COMÉRCIO DE
RUA SENEGALÊS EM SANTA MARIA (RS)

Filipe Seefeldt de Césaro


Maria Catarina Chitolina Zanini

E
ste artigo visa apresentar e aprofundar alguns dos elementos de aná-
lise presentes em uma etnografia elaborada no formato de disserta-
ção de mestrado, enquanto resultado da relação orientadora-orien-
tando dos autores. Intitulada “‘Tem que conversar, senão não vende,
né?’: a inserção de imigrantes senegaleses no comércio de rua de Santa
Maria (RS)”1, a dissertação procurou identificar como os senegaleses es-
tabelecidos no município de Santa Maria (Rio Grande do Sul, Brasil) se
inseriam no comércio de rua da cidade. Assim, de agosto de 2016 a de-
zembro de 2017, Filipe de Césaro desenvolveu trabalho de campo com
os seis senegaleses à época presentes na cidade, realizando trabalho
1
  Dissertação vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) e ao Necon (Núcleo de Estudos Contemporâneos da
UFSM). Disponível em: http://w3.ufsm.br/ppgcsociais/images/dissertacoes/2016/DE%20
CSARO%20Filipe%20%20Dissertao.pdf. Acesso em: 08/11/2018.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 211


analítico com Maria Catarina Zanini. De modo geral, centramos nossa
atenção nas técnicas de venda, táticas e sociabilidades que constituíam
o cotidiano laboral dos senegaleses com os quais se teve contato. No ca-
minho, tomou-se por ponto de partida metodológico a concepção geert-
ziana de etnografia, definida como uma escrita “em risco” direcionada
à interpretação de interpretações (Geertz, 1989). Os procedimentos de
investigação utilizados e que dizem respeito às reflexões empíricas do
presente trabalho foram a observação participante e as conversas in-
formais junto a vendedores de rua senegaleses e a outros personagens
que configuravam, com frequência, seu espaço de trabalho. Partindo
disso, o autor em campo pôde negociar as possibilidades de “coleta” e
interpretação das informações2. Propomo-nos, agora, a uma breve con-
textualização do “objeto” de estudo a que fazemos referência para, em
seguida, introduzirmos o enfoque específico deste trabalho.
Tanto na Argentina quanto no Brasil, foi durante as décadas de
1990 e de 2010 que o fluxo migratório de senegaleses começou a se fazer
visível (Zubrzycki, 2011; de Césaro, Barbosa e Zanini, 2017). Em sua
maioria mantendo os trajetos de entrada ligados ao fluxo de haitianos,
os senegaleses ingressantes no Brasil faziam desembarque em Quito
(Equador) e seguiam em direção ao estado brasileiro do Acre, através
do Peru (na Rodovia Interoceânica) (Herédia, 2015). Essa via de entrada
foi a utilizada pelos interlocutores de nossa pesquisa, majoritariamente
direcionados ao estado do Rio Grande do Sul, após períodos em outras
cidades e estados do Brasil, e à cidade de Santa Maria, por conta do
acesso a redes de informação sobre oportunidades de emprego junto a
outros migrantes senegaleses.3
2 
Os primeiros contatos com os senegaleses em questão se deram sem a intenção de pesquisa.
Por volta de 2015, Filipe mantivera algumas poucas conversas informais com os senegaleses
em seus pontos de venda, enquanto que, em 2016, ingressou em uma das atividades de
extensão do Migraidh (Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão Mobilidade Humana e Direitos
Humanos, e Cátedra Sérvio Vieira de Mello UFSM): aulas de português a imigrantes, das quais
dois senegaleses da cidade participavam. Foi esse o contexto que, inicialmente, ensejou certa
confiança na relação posterior mantida com todos os seis senegaleses que viriam a participar
da pesquisa. Vale destacar a atuação do Migraidh no apoio jurídico à comunidade de imigrantes
em Santa Maria.
3
  Entre os seis senegaleses que fizeram parte da pesquisa, somente um obteve o aceite de sua
solicitação de refúgio pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) durante o período

212 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Depois de um período de trabalho na construção civil, os interlocu-
tores de nossa pesquisa decidiram mudar sua ocupação para o comér-
cio de rua, ofício que se mostra comum entre os migrantes senegaleses
chegados ao país. Conforme notado por Mocellin (2017), a ocupação
na construção civil resultava em salários insuficientes para o sustento
das costumeiras remessas enviadas ao Senegal, além de ter envolvido
situações de exploração nas relações de trabalho. Ainda assim, a mu-
dança em favor do comércio de rua não significou um cotidiano laboral
livre de relações de poder e de riscos. Pelo contrário, ao se decidirem
pela mudança, os senegaleses acompanhados por este estudo adentra-
ram um contexto social historicamente marcado pelo conflito, tensão e
negociação entre vendedores de rua, lojistas, poder público e imprensa
(Pinto, 2015). Dadas as variações de tal estrutura política, os migrantes
senegaleses tendiam a desenvolver formas próprias de inserção laboral,
tendo em vista, especialmente, a situação irregular de seu novo ofício
na cidade. Em Santa Maria, o comércio de rua é proibido desde 2010,
quando foi criado o chamado Shopping Independência, em prédio cen-
tral e destinado a tornar regularizadas as atividades dos vendedores de
rua então atuantes na cidade (dos Santos, 2011). Além disso, em 2012,
nova legislação municipal4 especificou a fiscalização do comércio de
rua, reiterando que a permanência nas calçadas se mantinha exclusiva
àqueles dedicados ao comércio de artesanato. Aos demais5, ligados a
outros tipos de produtos e não contemplados pelo projeto do Shopping
Independência, restou a atuação nas calçadas, sob o constante risco das

de trabalho de campo. Todos os senegaleses em questão haviam chegado a Santa Maria entre
2014 e 2016, e procuravam a regularização por meio do refúgio. Ainda hoje, tal estratégia é a
mais viável para os imigrantes senegaleses, dados os vetos com que foi aprovada a nova Lei da
Migração em 2017.
4
  Lei Complementar 92/2012. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rs/s/
santa-maria/lei-complementar/2012/9/92/lei-complementar-n-92-2012-dispoe-sobre-a-
consolidacao-do-codigo-de-posturas-do-municipio-de-santa-maria. Acesso em: 29/10/2018.
5  Alguns dos vendedores de rua já estabelecidos em Santa Maria antes da chegada dos
senegaleses, e com os quais também se teve contato, destacavam duas razões pelas quais não
conseguiam regularizar sua atividade no espaço do Shopping Independência: (i) lotação das
vagas disponíveis no prédio, com uma duradoura falta de circulação de proprietários das bancas
regularizadas; (ii) inconveniência econômica da regularização a partir dos moldes propostos
pelo projeto, dadas as diferenças entre as calçadas e um espaço comercial fechado, bem como
o custo elevado do aluguel das bancas.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 213


apreensões de mercadorias realizadas pela Superintendência de Fisca-
lização.6
Partindo deste panorama geral, dedicamos o presente artigo ao que
chamamos, na pesquisa de mestrado há pouco introduzida, de “socia-
bilidades para venda”. Tratando de contatos sociais regulares entre os
vendedores de rua senegaleses acompanhados e seus clientes, procura-
mos aprofundar as proposições feitas na mencionada dissertação por
meio de uma reflexão crítica, ao final do texto, acerca da política pública
para o comércio de rua em Santa Maria.
Assim, pretendemos (i) retomar com
maior especificidade nossas interpreta-
ções acerca de como os interlocutores se-
negaleses se relacionavam com a cliente-
la e (ii) expor o potencial crítico de nosso
empreendimento analítico no que toca
à posição do poder público santa-ma-
riense frente ao comércio de rua. Dada
a necessária limitação do espaço textual,
os dados empíricos citados a partir do
diário de campo produzido envolvem
quatro dos seis senegaleses com os quais
se manteve contato na pesquisa. São eles
Ahmadou7 (23 anos), Cheikh (25 anos),
Maba (27 anos) e Mamour (26 anos), to-
dos presentes em Santa Maria desde pe-
ríodos diferentes de 2016 e originários
da pequena cidade senegalesa de Not- Fig. 1. Cheikh e seu ponto de venda.
to Gouye Diame. De lá, onde se manti- Fonte: Filipe de Césaro.
nham próximos da agricultura familiar

6
  Segundo o Decreto Executivo nº 0093/2017, a Superintendência de Fiscalização é órgão
subordinado à Coordenadoria de Fiscalização de Atividades Econômicas e à Secretaria de
Município de Estruturação e Regulação Urbana de Santa Maria.
7
  Tais nomes são fictícios, já que os vendedores de rua senegaleses de Santa Maria eram alvo
frequente das (por vezes violentas) apreensões realizadas pela Superintendência de Fiscalização.
Decidimos, então, preservar sua identidade em nossa escrita etnográfica.

214 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
e de esporádicas experiências com a venda
de rua em cidades vizinhas, estabeleceram
seus espaços de trabalho8 no comércio de
Santa Maria com o objetivo de alcançarem
melhores condições de vida para si e para
suas famílias:
Tendo em vista a breve contextualiza-
ção feita, buscamos, nas próximas seções, te-
cer uma resposta ao seguinte questionamen-
to: “Como os vendedores de rua senegaleses
estabelecidos na cidade de Santa Maria pro-
curaram, durante o período de investigação
empírica, desenvolver sociabilidades com
seus clientes?”

Fig. 2. Maba e seu ponto de venda.


Fonte: Filipe de Césaro.

O jogo interacional do comércio de rua santa-mariense

Se há um lugar-comum do empreendimento antropológico que


se mostra um lembrete sempre fundamental a quem pesquisa, este é
o caráter de aprendizado das vivências tidas no contato com o Outro
(Ingold, 2008). Isso Phillipe Descola (2006, p. 66) nos expressa com es-
pecial destaque, descrevendo sua posição exploratória no trabalho de
campo entre os Achuar, por exemplo. Nesse exercício, o autor consegue
demonstrar que o aprender a aprender em campo se dá paralelamente à
constituição das condições de possibilidades interacionais de diálogo
com os interlocutores, tratando-se de dois processos interdependentes.
Na tentativa de interpretações sucessivas, então, o antropólogo acerta,

8
  A produção dos espaços de venda (identificados nas fotos expostas a seguir), bem como suas
implicações políticas ao cotidiano dos senegaleses na cidade, já foi o nosso foco de análise em
outro trabalho (vide de Césaro e Zanini, 2018).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 215


erra, constrange, constrange-se e, fundamentalmente, deixa-se incluir
nesse espaço de risco para identificar as pistas empíricas que guiarão a
análise. No caso da investigação empírica de nossa pesquisa, um trecho
de diário remonta à tão comum situação em que se percebe estar avan-
çando na relação com os demais presentes em campo: “foi uma das oca-
siões que mais me marcou no que toca à relação incipiente de camara-
dismo que estou estabelecendo com parte dos interlocutores” (Diário de
campo, 16/11/2016). Como na narrativa de Descola, tratava-se de um
aprendizado compartilhado entre o autor em campo e os vendedores de
rua senegaleses: eles, assim como o autor, tinham de lidar com o risco
circunstancial do embaraço para manter e aperfeiçoar seu ofício. Nesse
sentido, podemos nos perguntar em que medida o campo etnográfico
nos afeta e como nós, também, aprendemos habilidades, estratégias e
formas de comunicabilidade possíveis (vide Favret-Saada, 2005).
Com o tempo em campo, percebemos que o caráter de “improviso”
dessa realidade cotidiana extrapolava os métodos de venda que, em ou-
tro artigo (de Césaro e Zanini, 2018), descrevemos como parte de um re-
pertório de espaço, gestos e linguagem reativado a cada interação com
os clientes. Mais do que isso, o campo tornou visível que certos conta-
tos desse tipo duravam mais tempo, continham elementos interacionais
mais variados e não se limitavam aos pontos de venda dos senegaleses.
Piadas, risos, cumprimentos descontraídos, agito, lembranças de outras
situações compartilhadas, bate-papos despretensiosos e provocações em
torno de produtos e preços estavam no vocabulário dessa nova ordem
de contatos aos quais se começou a atentar. O mais comum era que, em
meio às expressões necessárias à negociação da troca comercial, um dos
envolvidos adicionasse à interação algum gatilho que pudesse marcar a
proximidade ali já existente, a diferenciando daquelas em que o cliente
apenas se interessava em conhecer os produtos ou comprá-los. Desse
modo, interpretamos duas formas diferentes de interação face a face
observáveis, naquele contexto, entre vendedores de rua senegaleses e
clientes. De um lado, alguns clientes se sentiam à vontade nos pontos de
venda em questão, conhecendo os procedimentos interacionais comuns
à compra com senegaleses. De outro, clientes que não só tinham tal sa-

216 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
ber, como também desenvolviam um relacionamento autêntico com
cada vendedor de rua senegalês no âmbito da negociação comercial:
ao invés de uma troca limitada aos termos comerciais (preços, produ-
tos, estoques, descontos, etc.), tais clientes expandiam a interação para
algum referencial próprio à relação mantida com o vendedor na inte-
ração, de modo que certos “assuntos internos” compartilhados davam
o tom à compra. Tendo em vista esse aprendizado de campo, passa-
mos a questionar quais processos sociais possibilitavam que os mesmos
clientes passassem de um estado de interações (pragmático, limitado ao
econômico) a outro (descontraído, não limitado ao econômico). Assim,
a noção de interação social, conforme proposta por Goffman (1971; 1985
[1959]), tem especial importância aqui. Com ela, podemos manter no
centro da análise os esforços face a face que os indivíduos empreendem
mutuamente para definir a situação da interação, ou seja, para dar um
sentido a ela, o qual pode se tornar consensual com a repetição dos con-
tatos. Tudo isso considerando que cada ator, ao interagir ineditamente
com outros, está primordialmente interagindo consigo mesmo (com o
seu self) de modo a gerar certas impressões sobre si mesmo (Hartmann,
2005, p. 135).
Mais especificamente, nos perguntamos se os vendedores senega-
leses contribuíam para que desconhecidos se tornassem conhecidos. Se
sim, como o faziam? Começamos a encontrar pistas para responder tais
questões a partir do momento em que se percebeu, em campo, que as
investidas trocadas entre vendedor e cliente, naquele contexto acerca
do preço de cada compra, representavam mais do que uma etapa ne-
cessária ao acordo comercial informal. Ali, justamente no tratamento de
interesses econômicos imediatos dos dois lados, é que se abria a possi-
bilidade para a maior aproximação entre os envolvidos. Nessa esteira,
destacamos uma interação que o autor em campo teve com um vende-
dor de abacaxis, narrada no decorrer da pesquisa original sobre o tema:

O indivíduo se aproximou rapidamente com seus produtos


à minha frente, fazendo a oferta em voz alta e animada pelo
anúncio dos preços. Esses faziam parte, naquele momen-
to, de uma promoção: podia-se comprar três abacaxis por

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 217


R$10,00, sendo que o preço unitário era de R$5,00. No mo-
mento, achei as frutas bonitas e, apesar do seu notável ta-
manho pequeno, demandei uma unidade. Entregando a ele
uma nota de R$10,00 (a única que possuía no momento),
recebi um “Bah, tô sem troco agora, cara!” Paramos os dois
de falar por um breve momento, indecisos. Foi a atitude
seguinte do vendedor que decidiu a situação, na medida
em que, rindo e em tom provocativo, disse: “Mas então leva
três, cara, aproveita!” Àquela altura, pensei ser inadequa-
do, talvez mesmo contraditório, negar a nova proposta: se
minha intenção original de comprar era legítima, deveria
seguir em frente e adquirir as três unidades pelo preço es-
pecial. Impressionou-me o fato de que o vendedor esperou o
momento certo para agir e convencer-me a gastar mais em
seus produtos. Refletindo à luz das várias outras interações
comerciais que notava no dia a dia do trabalho de campo,
dei-me conta de que, mesmo se ele não tivesse tido a “sorte”
de encontrar um cliente com apenas uma nota de 10 reais,
teria esperado até o instante do pagamento de uma única
unidade para insistir na vantagem comparativa da compra
de três unidades. Era um modo seu de investir nas intera-
ções de venda para obter maior ganho, tanto com clientes
como eu, que “davam a brecha” para essa tática, quanto
com aqueles mais exigentes nas demandas, sendo incisivos
ao pedir desconto com frases do tipo: “Bah, mas tá muito
caro mesmo assim, olha o tamanho desse abacaxi!” (de Cé-
saro, 2018, p. 131).

Tendo tal situação em vista, interessamo-nos sobre como dois in-


divíduos desconhecidos um ao outro buscavam ganhar vantagem na
defesa de seu interesse econômico sobre o preço da compra e, ao fazê-
-lo, abriam a possibilidade para que novas interações se estabelecessem,
tornando-se conhecidos gradualmente. A esse sistema comunicativo
regular identificado nas interações comerciais em campo, envolvendo
tanto senegaleses quanto outros vendedores próximos e seus clientes,
chamaremos de “jogo interacional”9. Esse sistema de comunicação se

9 
Ao falarmos em “sistema comunicativo” para definirmos “jogo interacional”, pretendemos
evidenciar como concebemos as categorias de estrutura e agência. Em poucas palavras, uma
estrutura social teria caráter sistêmico, já que os indivíduos em interação cotidiana contribuiriam

218 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
define pela troca estratégica, de um indivíduo a outro na interação co-
mercial, entre uma atitude ativa e outra passiva no que toca à defesa
dos interesses econômicos de cada um: tanto vendedor quanto cliente
alternam entre uma postura mais incisiva e outra mais inerte de acordo
com a percepção do Outro durante a situação de interação (Cohen, 1974,
p. XXI; Hannerz, 1980, p. 145). À postura mais ativa desse jogo intera-
cional daremos o nome de “aposta” e à mais passiva, o de “recuo”. O
uso dessas figuras, especificamente, nos permite reter a indeterminação,
percebida em campo, com que os vários vendedores e clientes observa-
dos desempenhavam suas investidas para definir o preço. Nesse senti-
do, apostar nas interações comerciais ali era se dispor a uma situação de
risco para defender o interesse próprio, já que eram sempre presentes
as possibilidades do embaraço, da irritação e da vergonha frente a al-
guma postura ativa mal vista pelo Outro. Na mesma esteira, silenciar,
conceder e moderar revelavam uma atitude de prudência e precaução,
por meio da qual se deixava de lado a busca pelo maior lucro para ga-
rantir uma menor possibilidade de que o Outro não se sentisse descon-
fortável/ofendido e encerrasse a negociação. Assim, os vendedores de
rua senegaleses em Santa Maria eram agentes neste processo interativo,
sabendo negociar possibilidades interpretativas no jogo e na cena social
da venda.
Com esse quadro claro, pudemos estabelecer as diferenças, em
campo, entre as apostas e os recuos de vendedores e clientes. No caso
do vendedor, apostar era “assumir as rédeas” do palco interacional

a uma plataforma moral comum para tais contatos, capaz de subscrever quem interagiria com
quem e de acordo com quais prescrições de certo e errado para a interação social. A agência,
dessa perspectiva, estaria no uso criativo que os indivíduos desenvolvem ao se inserirem nas
interações reguladas por tal estrutura sistêmica de fundo moral. A título expositivo, pode-se
dizer que tal ponto de vista teórico perpassa autores como Radcliffe-Brown (1973 [1952]),
Evans-Pritchard (1978 [1940]), Goffman (1985 [1959]), Boltanski (2001 [1990]), de Certeau
(1984 [1980]), entre tantos outros. No caso da estrutura que chamamos de “jogo interacional”,
as regras morais para as interações no comércio de rua santa-mariense são representadas pela
“aposta” e pelo “recuo”, percebidos naquele contexto como fatos dados do cotidiano. Seja
como vendedor, seja como comprador, saber como e quando apostar e recuar nas interações
comerciais é condição fundamental para ali se dar bem. Desse modo, as agências dos indivíduos
inseridos nesse contexto podem ser identificadas nos modos autênticos e improvisados com os
quais aderem aos valores normativos das interações sociais: em resumo, nas formas de apostar
e de recuar que desenvolvem cotidianamente.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 219


para, simultaneamente, (i) atingir a venda de um produto por um pre-
ço livre de desconto e (ii) gerar uma proximidade que fizesse o cliente
retornar para novas interações comerciais no mesmo ponto de venda. A
instância vivida junto ao vendedor de abacaxi, comentada anteriormen-
te, exemplifica isso. Diante da evidência de que o autor em campo não
possuía o dinheiro trocado para participar da promoção em andamento,
o vendedor apostou ao insistir na oferta especial (e, logo, em seu inte-
resse pelo lucro), mas o fez com palavras bem-humoradas, dirigindo o
comprador a aceitar os termos da compra e produzindo uma imagem
positiva de si. De outro lado, notou-se que o vendedor que recuava era
aquele que deixava que as coisas acontecessem por si sós, não insis-
tindo em seus interesses pelo lucro na venda. Assim, o vendedor em
recuo na interação com o cliente costumava admitir que o cliente, por
meio de seu próprio ímpeto e envolvimento com os produtos, chegas-
se à compra. Os atos mais comuns nesse sentido eram o de se manter
quieto enquanto o cliente observava ou comentava sobre os produtos, e
o de cessar alguma tentativa anterior de persuadir o interessado acerca
da justeza da compra de um determinado produto pelo preço original.
Uma situação hipotética (mas comum em campo), na qual o menciona-
do vendedor de abacaxis houvesse se abstido de insistir que o autor em
campo gastasse seus 10 reais, exemplificaria bem um recuo pela figura
do vendedor, desconfiado de que a postura insistente causaria irritação
no comprador.
Há também o cliente. Nesse caso, dispender uma aposta também
era procurar tomar a liderança da negociação, procurando ser o pri-
meiro a agir e manter essa primazia na interação. Cumprimentos ani-
mados e descontraídos ou piadas fabricadas in loco para suavizar um
pedido por desconto servem de exemplos aqui. O cliente que apostava,
em campo, era aquele que sabia jogar com atos lúdicos e que deseja-
va o desconto. Diferentemente do vendedor, entretanto, notamos que o
cliente frequentemente se interessava menos em promover um vínculo
extensivo a outras situações de compra junto ao vendedor com o qual
interagia. Ou, ao menos, pouco se esforçava para que isso se concreti-
zasse. O tipo de aposta que observamos ser o mais regular envolvia pe-

220 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
chinchar com falas descontraídas, por vezes de tom provocativo, fazen-
do graça do fato de se estar pedindo desconto a um desconhecido. Em
um caso hipotético, o autor em campo poderia ter dito àquele vendedor
de abacaxis, por exemplo, algo parecido com: “Bah, mas bem que tu
podia me fazer 4, e não 3, por 10, né? São pequenos esses teus abacaxis!”
Por outro lado, ao cliente, recuar significava assumir posição inerte na
interação. Era comum, em campo, que o cliente em recuo se mantivesse
imóvel e cabisbaixo, de modo a desempenhar uma observação atenta
dos produtos expostos e, após minutos anteriores de insistência, parar
de investir em busca do desconto. Mais uma vez, volta à cena a situação
exemplar vivida com o vendedor de abacaxis: o autor em campo, quan-
do abdicou de defender que compraria apenas uma unidade do produ-
to, recuou por conta das perspectivas de constrangimento, aceitando os
termos de compra postos pelo vendedor. Antes de aprofundarmos as
regularidades das apostas e recuos nessas interações comerciais, vale
mencionar alguns conteúdos empíricos que, inicialmente, deixaram-nos
conscientes acerca do quão importante esse jogo interacional era para
o cotidiano do comércio informal santa-mariense e, paralelamente, aos
senegaleses nele inseridos.
Quando de nossa identificação de tal esquema interpretativo, ainda
restava um tipo regular de situação de campo que resistia a ele. Trata-se
do fato de que, no caso da presença de mais de um cliente no mesmo
ponto de venda, os vendedores senegaleses costumavam saber a qual
interessado deveriam atender primeiro. O autor em campo percebeu
isso ao notar que os senegaleses apreendiam os primeiros sinais de inte-
ração dados por cada cliente de forma a agir apropriadamente de acor-
do com as demandas de cada um. Era comum, então, que o atendimento
de parte dos clientes presentes fosse mantido em pausa, durante o qual
eles seriam levados a esperar a partir de um cumprimento simpático e
rápido do vendedor. Após breve explicação, este se dirigia a outro clien-
te presente, dando-lhe a maior parte da atenção, enquanto os demais
ainda eram ocasionalmente observados pelo vendedor: se dessem sinais
de retirada, os senegaleses costumavam chamá-los, pedindo para que
esperassem mais um pouco ou, mesmo, transferindo imediatamente o

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 221


atendimento a eles. Compreendemos o sentido dessas ocasiões quando
se notou que, raramente, a reação dos vendedores senegaleses parecia
arbitrária, especialmente nas interações comerciais em que parte dos
clientes presentes apostava e a outra parte recuava. Quando isso ocor-
ria, os vendedores sempre começavam por cumprimentar agilmente a
parte dos clientes engajada em apostar, logo atentando com maior du-
ração para a outra parte dos clientes, segura em seu recuo e mera obser-
vação dos produtos expostos.
Em suma, de modo geral, os senegaleses costumavam recuar com
quem apostava e apostar com quem recuava, já que aqueles que se mos-
travam mais desejosos da compra com desconto poderiam aguardar
mais tempo pelo atendimento, enquanto que aqueles que expressavam
certo fechamento em si precisavam de maior estímulo interacional para
se engajar com a compra. Com essa estratégia em uso, mesmo que o
vendedor falhasse em conseguir a venda com os clientes em recuo, ain-
da poderia retornar sua atenção ao cliente mantido em espera e que se
aproximara do ponto de venda apostando: como expressara empolga-
ção e maior ímpeto para a compra, geralmente, podia ser “deixado de
lado” por alguns minutos sem que houvesse prejuízo às possibilidades
de venda. Vale destacar, ainda assim, que o repertório de técnicas co-
merciais já notado no cotidiano dos senegaleses tinha por condição o
conhecimento não só das apostas e recuos mais adequados, como tam-
bém das prioridades de cada situação de contato social (Goffman, 1985
[1959], p. 131). No trecho de diário abaixo, o autor em campo percebeu
essa leitura situacional realizada por Ahmadou. Frente a vários clientes,
o senegalês identificou que o melhor a ser feito era avançar em relação
à parte dos interessados que apostava, já que os demais se mantinham
distanciados do ponto de venda e dando pequenos passos de retirada.
Em poucas palavras, para o senegalês, o olhar interessado desses clien-
tes em recuo sobre os produtos foi pouco para que fornecesse a eles uma
prioridade de atendimento:

[...] por duas vezes, ele soube que não valia à pena deixar
os dois clientes mais interessados para abordar outros que

222 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
olhavam, há alguns passos de distância, alguns produtos,
logo saindo lentamente: eu, sentado e ali observando, pen-
sava que, se o vendedor eu fosse, imediatamente iria aten-
der os demais pedindo aos clientes em questão que espe-
rassem um pouco. Logo percebi que, de fato, eram apenas
indivíduos com uma curiosidade superficial, não devendo
ser priorizados em relação a clientes que abordam o ven-
dedor já perguntando sobre algum produto em específico
(Diário de campo, 08/07/2017).

Tais conhecimentos, ao serem variavelmente mobilizados pelos se-


negaleses de acordo com as situações sociais, nos fizeram atentar para
como outros vendedores de rua daquele espaço social também aposta-
vam e recuavam diferentemente. Cada grupo de vendedores se inseria
flexivelmente nos modos de interagir considerados normais naquele
contexto comercial. Em outras palavras, o jogo interacional se fazia efi-
caz cotidianamente não como um compilado de práticas interacionais
ao qual os envolvidos recorriam de forma prescritiva, mas como um
referencial próximo e genérico que os atores sociais reconheciam e mo-
bilizavam de forma improvisada. No cotidiano de contato próximo com
os demais grupos de vendedores, cada qual com seus modos de agir
no jogo interacional, os senegaleses apostavam e recuavam situacio-
nalmente a partir de “zonas simbólicas de transição” (Arantes, 1994, p.
192). Esse tipo de agência inventiva e, paralelamente, calcada nas ba-
ses de uma linguagem comum àquele contexto social, configurava, a
todo o tempo, o modo senegalês de tratar a clientela, em um processo
de reinvenção simbólica caro a variados contextos migratórios (Fouron
e Glick-Schiller, 1997; Jardim, 2009; Assis, Beneduzi e Zanini, 2015; da
Silva, 2015).
Partindo das instâncias empíricas até aqui comentadas, notamos
a adequação da categoria de “modos de fazer”, de Michel de Certeau
(1984 [1980]), para conceber interpretativamente os modos de apostar e
recuar dos senegaleses de Santa Maria. Para o autor, os modos de fazer
são práticas por meio das quais indivíduos e grupos sociais se inserem
em dado contexto de interações regulares e normatizadas, denominado
de “sistema de produção” pelo autor. Os modos de fazer têm caráter

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 223


distintivo no fato de que se configuram como atos que, de tão imbuí-
dos no cotidiano dos atores, facilmente são percebidos por estes (e por
observadores desavisados) como detalhes irrelevantes de uma mesma
repetição diária. Nesse sentido, de Certeau (1984 [1980], p. XVIII, 97)
defende que os modos de fazer constituem importante fonte de agên-
cia, já que sua insignificância aparente não lhes tira seu potencial sub-
versivo, discreto e eficaz: é por meio dessas práticas que os indivíduos
conseguem levar a cabo a sua inserção em dado sistema de produção no
decorrer de seu próprio cotidiano.
À luz disto, percebemos as apostas e recuos dos vendedores de
rua senegaleses como formas próprias (ainda que não necessariamente
exclusivas) de inserção no sistema de produção que chamamos de jogo
interacional, por meio do qual buscavam o entendimento claro com os
clientes que atendiam e a manutenção de sua frequência e aproximação
aos pontos de venda. Dessa forma, chamamos de “sociabilidades para
venda” o estado de interações face a face pretendido por estes modos
de fazer próprios. Tais sociabilidades constituíam-se de interações
regulares, entre senegaleses e clientes, que tinham por temática um
referencial simbólico próprio a cada coletânea de envolvidos, o qual
informava tanto apostas e recuos recíprocos quanto o resultado da troca
comercial.
Para esclarecer a categoria proposta, temos como ponto de parti-
da a concepção de sociabilidade proposta por Plattner (1989), inspirada
nas reflexões seminais de Simmel (1983 [1917]). O autor retém alguns
dos pressupostos desse tipo de contato social, conforme propostos pelo
sociólogo clássico, e aprofunda o conceito de acordo com a variabilida-
de interacional que encontra em circunstâncias de comércio informal.
Assim, Plattner (1989) revela inúmeras possibilidades interacionais
entre vendedores e clientes, identificando uma gradação entre o extre-
mo do completo desconhecimento, alinhado à “atitude blasé” (Simmel,
1971 [1903], p. 14), e o extremo da intimidade e confiança, ligado a uma
atitude lúdica (Simmel, 1983 [1917], p. 170). Ao longo desse caminho
analítico, as sociabilidades para venda se localizam em um dos pontos
intermediários, no qual o referencial específico de amizade entre vende-

224 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
dor e cliente é delimitado no interior da troca comercial10. Dessa forma
é que tais sociabilidades, resultantes de interações regulares compostas
por apostas e recuos positivos dos vendedores senegaleses, geravam
contatos comerciais descontraídos, em um ambiente de negociação mais
confortável do que o formado na venda para desconhecidos. Em suma,
transações estavam envolvidas por termos comerciais específicos, mas
um relacionamento paralelo de reciprocidade generalizada parecia
apoiar o relacionamento estritamente comercial (Plattner, 1989, p. 212).
Trazendo à tona a variabilidade específica da investigação realiza-
da entre os vendedores de rua senegaleses em Santa Maria, é possível
dar sentido empírico à nossa inspiração na análise de Plattner. Exem-
plos citáveis são as diversas situações que as sociabilidades para venda
possibilitavam ao combinarem proximidade e pragmatismo nas inte-
rações comerciais dos senegaleses. A venda de um produto podia ser
arranjada dias antes de ocorrer, temas de conversa externos ao assunto
comercial eram construídos ao longo das interações sucessivas de uma
mesma sociabilidade e jocosidades compartilhadas apenas entre os en-
volvidos, além de assuntos de interesse comum, costumavam ser reto-
madas quando novas interações ocorriam. Em suma, o autor em cam-
po percebeu que um novo horizonte de possíveis apostas e recuos se
abria quando se atingia uma sociabilidade para venda com determina-
do cliente, em sua maioria atos interacionais relacionados ao conteúdo
compartilhado especificamente entre os envolvidos. No trecho de diário
de campo a seguir, comenta-se uma situação em que Maba arranja para
o dia seguinte uma venda, visto que, no momento da interação comer-
cial, não possuía em seu ponto o produto que despertava tanto interesse
no cliente com o qual mantinha uma sociabilidade para venda:

Aqui, vale frisar que, apesar de ter permitido a análise de uma grande variedade de interações
10 

entre os senegaleses e seus clientes, o trabalho de campo realizado foi ancorado nos pontos
de venda mantidos por tais imigrantes. Em outras palavras, foram raras as ocasiões em que foi
possível aprofundar o assunto de tais sociabilidades com os clientes, devido à sua circularidade
pela urbe e à brevidade de sua presença nos pontos de venda. Portanto, esse tipo de conversa
mais aprofundada acerca das sociabilidades para venda foi comum apenas com os senegaleses
acompanhados em campo. Assim, nossa análise retém um enfoque não apenas sobre a
construção das sociabilidades para venda por tais vendedores imigrantes, mas também sobre
seu olhar cotidiano acerca dessas sociabilidades.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 225


De qualquer modo, Maba acabou voltando, mesmo com a
chuva insistente: estendeu sua lona, arrumou os tênis, e se-
guiu vendendo. Ahmadou e Mamour pareceram avisá-lo da
presença do cliente em sua procura, em wolof11: Maba che-
gara literalmente segundos depois da retirada do homem.
Ainda assim, por alguma razão, o cliente voltou, logo rindo e
dizendo: “Bah, cara, eu tô faz horas aqui te procurando, fui
e voltei umas duas vezes já... e aí, como é que tá?”. O diálo-
go seguiu-se da seguinte forma: “Beleza cara, e tu?”. “Tudo
bem... Tchê eu queria ver um tênis aí, tu tem aquele laranja
lá ainda? É esse aqui, só que laranja...”. “Aquele acho que
não, não sei, vou ver lá em casa, mas acho que não... Tem
esse cinza aí, ó...”. “Bah, mas é eu que queria o laranja...”.
Notei que Maba foi menos performático e agressivo do que
nas outras interações de venda do dia: no nível de minha
compreensão, não era necessário, já que o cliente é que es-
tava definindo a situação para ele, dando o tom à conversa,
então o vendedor poderia manter uma posição mais recua-
da. Frente ao impasse, mantido após Maba constatar que
realmente não tinha o modelo laranja consigo e com a insis-
tência do cliente em relação à sua preferência, mesmo com
as propagandas de Mamour (como: “Mas esse aí é massa
cara!”), ficou combinado que o cliente voltaria no dia se-
guinte por volta das 11h e que Maba traria o tênis desejado
caso o encontrasse em sua casa. “Tá, amanhã eu volto aí
então cara, valeu, abraço!”. “Beleza cara, muito obrigado!”.
O fato de se conhecerem, que ficou claro na interação, teve
seus efeitos na conversa, assim como, quando não há co-
nhecimento, emergem as técnicas corporais mais claras na
venda senegalesa e que desempenham o papel de remediar
essa desvantagem (Diário de campo, 19/05/2017).

Diante das categorias analíticas propostas, identificamos alguns


dos processos interacionais por meio dos quais os senegaleses de Santa

  O wolof é uma das línguas nativas do Senegal. Em campo, era a mais utilizada nas conversas
11

que os senegaleses acompanhados pelo estudo mantinham entre si. Quando, na minoria dos
casos, utilizavam o francês, o autor em campo conseguia se inserir nas conversas. Além disso,
os senegaleses frequentemente traduziam para o português o que falavam em wolof para que o
pesquisador compreendesse parte do que era dito. No que toca ao português, os interlocutores
possuíam níveis variados de fluência, o que foi levado em conta para delimitar a experiência de
campo com cada indivíduo e suas possibilidades de interação de pesquisa.

226 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Maria se inseriam no comércio de rua local, como uma agência mobi-
lizada de situação em situação e cotidianamente: em outras palavras,
eram formas de obter vantagens econômicas das negociações sem dei-
xar de aprender com cada uma delas (Ortner, 2007a, p. 54; 58; Sahlins,
2003, p. 160). Agora, resta-nos descrever alguns dos tipos de apostas e
recuos cuja apropriação se mostrava autêntica aos vendedores de rua
senegaleses acompanhados por este estudo.

Formas senegalesas de apostar e recuar

Quando introduzimos as figuras da aposta e do recuo, pouco apro-


fundamos um importante dado empírico: normalmente, clientes des-
conhecidos se mostravam menos aflitos em medir suas apostas para
que não gerassem embaraços e, assim, prejuízos à possibilidade de uma
sociabilidade posterior com o vendedor. Partir desse ponto se mostra
agora fundamental. Isso porque o autor em campo percebeu, ao longo
do tempo, que em uma interação comercial em que os envolvidos não
se conheciam, manter uma imagem positiva de si frente ao Outro era
algo mais relevante ao vendedor senegalês do que ao cliente, dada a
necessidade de assegurar a presença futura do potencial comprador no
ponto de venda. Isso se tornava claro na frequência das situações em
que os senegaleses, notando não conhecerem os clientes, tomavam a
frente para investir em apostas, enquanto os interessados nos produtos
se mantinham recuados na interação. Nessa esteira, o quadro mudava
quando os senegaleses já tinham algum grau de conhecimento prévio
dos clientes que se aproximavam. Na grande maioria das vezes em que
esse era o caso, já existia algum tema de conversa específico de encon-
tros anteriores entre vendedor e cliente, algo que delimitava as apostas
deste a uma direção diferente: se quisesse perseguir o desconto na inte-
ração sem constranger ou irritar o vendedor, possivelmente perdendo
a compra e o direito à pechincha, deveria fazê-lo aludindo a algum dos
elementos descontraídos característicos da sociabilidade que ali man-
tinha.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 227


Essa profundidade dada ao jogo interacional pelos graus de proxi-
midade entre vendedor e cliente chama a atenção para como trocas ma-
teriais, observadas sob o aspecto das interações face a face, revelam-se
também simbólicas (Sahlins, 1988, p. 68-69): são configuradas de acordo
com o sentido do contato comercial para cada envolvido. Ao cliente des-
conhecido, o mais comum era que a aposta pelo desconto parecesse na-
tural, já que não havia uma sociabilidade (e quaisquer privilégios para
a compra de produtos) em jogo. Assim, o desconhecido apenas deixava
de apostar quando valores pessoais o impediam, situação de pouca re-
gularidade nas observações de campo realizadas: um exemplo são as
situações em que o cliente explicava, ao autor em campo, que seria ina-
dequado pechinchar frente a alguém que não conhecia. Esses mesmos
motivos de ordem pessoal, ao menos ao alcance da investigação tida em
campo, geravam as situações excepcionais em que um cliente conhecido
deixava de apostar, pedindo desconto. Aqui, o caso de maior frequên-
cia era a pechincha, realizada paralelamente ao bate-papo descontraído
que trazia à tona algum assunto próprio da sociabilidade já construída
entre os envolvidos. Nos casos em que esse momento de expressiva in-
timidade ainda parecia superficial e/ou efêmero, o vendedor recuava e
cedia o desconto de antemão para, em seguida, estender a interação e
aprofundar melhor a sociabilidade para venda já iniciada. Em suma, tal
quadro de variações empíricas regulares, ao mesmo tempo em que nos
dá direções analíticas efetivas com as quais prosseguir, relembra que as
possibilidades do jogo interacional identificado sempre podiam fugir ao
esperado, dado o seu caráter performático e situacional (Goffman, 1985
[1959], p. 72-73).
De um lado, pelo fluxo constante de clientes e de lucro, e, de ou-
tro, pelo direito garantido a desconto e demais privilégios de compra,
participar de sociabilidades para venda parecia vantajoso tanto a ven-
dedores senegaleses quanto a seus clientes. Ao direcionar suas apos-
tas e recuos ao objetivo de construir tais sociabilidades, os imigrantes
acompanhados em campo possuíam formas próprias de se inserir no
jogo interacional tão caraterístico àquele contexto de comércio de rua.
Tratava-se de modos de fazer não só submetidos à prova das situações

228 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
interacionais cotidianas pelas quais esses vendedores passavam, dadas
as suas dificuldades com a língua portuguesa. Eram atos adequados ao
tipo de produtos comercializado pelos senegaleses, estratégia que Pla-
ttner (1996, p. 200, tradução nossa) também identifica em uma de suas
pesquisas. Como esses produtos eram, majoritariamente, reproduções
de marcas caras e conhecidas, despertavam certo interesse cauteloso
nos clientes, diante do qual os vendedores senegaleses costumavam ad-
mitir a constante possibilidade de defeitos. Disso emerge, novamente, o
benefício da sociabilidade para venda: sendo a interação comercial uma
interação que remete a encontros passados e futuros, marcados pela
pessoalidade, tornava-se mais fácil assegurar ocasiões extras e livres de
constrangimentos para a encomenda e/ou troca do produto vendido
em caso de aspectos defeituosos.
Tendo isso em vista, as formas de apostar dos vendedores senega-
leses que em campo se mostraram mais expressivas foram seguintes: (i)
negar a possibilidade de desconto e (ii) realizar uma brincadeira com
os clientes. Em segundo lugar, as formas de recuar mais relevantes em
campo foram as seguintes: (i) ceder ou oferecer desconto e (ii) deixar
que um cliente se decidisse sobre a compra12. Comecemos pelas formas
de apostar, mais especificamente pelo ato de negar um desconto pedido
pelo cliente.
Gradualmente, a presença do autor em campo revelou que esse
passo interacional se caracterizava por ocorrer a partir da situação em
que o vendedor se expressava indeciso quanto a conceder ou não um
12
  Além de sua maior recorrência empírica, esses modos de apostar e recuar foram selecionados
para a presente análise por explicitarem, quando em conjunto, a imbricação entre a
instrumentalidade e a intimidade do comércio de rua no que toca às chamadas sociabilidades
para venda. Em outras palavras, a despeito das categorias de aposta e recuo dizerem respeito
a atos diferenciáveis no que toca à sua intenção frente ao valor econômico da troca, ambas só
são concebíveis em configurações simbólicas situacionais. Na prática, então, tal divisão entre
o pragmático e o espontâneo se mostra útil apenas para fins de exposição analítica, tendo em
vista que os dados empíricos interpretados apontam para um convívio indissociável entre o
comércio feito pelo lucro e o comércio feito pelo contato social. Assim, as apostas de negar o
desconto e de brincar com os clientes, bem como os recuos de ceder ou oferecer desconto e
de deixar que um cliente se decida, mostram-se casos cuja interpretação conjunta favorece a
clareza do argumento analítico que estamos tentando desenvolver aqui. Ademais, outros tipos
de apostas e recuos identificados em campo foram mantidos fora do presente trabalho por
conta das limitações de espaço de escrita.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 229


desconto. Entre conhecidos, em situações em que o cliente exagerava no
impulso da pechincha, os senegaleses costumavam praticar essa aposta
gradualmente, como, por exemplo, argumentando até os últimos minu-
tos da interação para que sua negação de desconto soasse menos agres-
siva e pudesse ser inserida em algum dos termos interacionais próprios
da sociabilidade para venda em questão. Era possível, então, livrar-se
de uma venda com taxa de lucro excessivamente baixa sem afetar a pro-
ximidade já conquistada junto ao cliente. Uma situação comum era a
emergida quando o conteúdo de interação da sociabilidade para venda
se centrava em torno do bom-humor e, ao mesmo tempo, envolvia mais
de um vendedor senegalês em contato com o mesmo cliente. Nesse caso,
quando das primeiras resistências do vendedor em ceder à pechincha
(respondendo a uma aposta com outra aposta, portanto), era comum
que o conhecido se expressasse com frases do tipo: “Bah, mas ele [outro
dos vendedores senegaleses] me dá desconto, tu não vai me dar?!”.
Quando o vendedor senegalês avaliava que o melhor era seguir
apostando, negando o desconto, o fazia dando continuidade ao conteú-
do da frase do cliente, no mesmo tom bem-humorado. Os senegaleses
que se viam nessa situação, então, costumavam dizer frases como: “Ah,
o [nome do outro senegalês] não sabe de nada! É sem vergonha! [risos]”.
Em certas ocasiões, essa troca controlada de provocações se estendia
para mais algumas frases, até que, a certa altura, o vendedor dava sua
decisão final, já seguro após toda a conversa descontraída que havia
desenvolvido. Argumentava, com expressão mais séria, que cada um
de seus compatriotas tinha autonomia para trabalhar de sua própria
forma, cobrando o quanto quisesse por cada produto e, logo, fornecen-
do descontos também de forma independente. Dessa forma, tratava-se
de uma aposta, por conter sempre a possibilidade de embaraço. Ainda
assim, pelas observações de campo, os resultados mais frequentes eram
que a compra fosse feita mesmo sem desconto ou ainda que o cliente su-
gerisse sacar dinheiro em uma instituição financeira para, em seguida,
voltar e adquirir o produto de interesse.
Quando tal aposta se dava com desconhecidos, era comum que
ainda se optasse por expressar a negação apenas ao fim da interação

230 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
comercial. Aqui, entretanto, o vendedor senegalês precisava distribuir
seus argumentos para o não desconto sem ter como fazer alusão a quais-
quer elementos interacionais de descontração já conhecidos pelo cliente,
já que não dispunha de uma sociabilidade para venda prévia com ele.
Partindo de uma expressão indecisa, o vendedor começava por um mo-
tivo inicial, o qual aprofundaria ou ligaria a outros motivos pelos quais
não podia ceder o desconto, tudo a partir de como o cliente respondia.
Em geral, a razão era dada calmamente, relacionada ao lucro baixo de-
mais caso o desconto fosse dado: o centro de argumento parecia ser o
de que o preço original já estava no limite máximo possível ao vende-
dor. Em certa ocasião de campo, Maba rejeitou a pechincha feita por um
casal de desconhecidos em relação a alguns dos tênis que o senegalês
expunha no momento e, a despeito do desapontamento dos clientes,
conseguiu defender seu ponto de vista e vender os produtos pelo preço
original:

Maba manteve a aposta, eles provaram os calçados no ban-


co sobre o tablado à direita de Mamour [...] e, notando a
adequação, levaram os dois pares por 110, por mais que a
mim parecessem um pouco contrariados, mas convencidos
das razões do senegalês (Diário de campo, 10/05/2017).

A segunda aposta que destacamos aqui se configurava como brin-


cadeiras realizadas em relação ao cliente. Quando se tratava de clientes
conhecidos, percebeu-se, em campo, que as brincadeiras (fossem elas
piadas sobre algum fato ou pessoa ou, mesmo, provocações trocadas
entre vendedor e cliente) frequentemente eram o próprio conteúdo da
sociabilidade para venda desenvolvida. Assim, a aposta de brincar com
o cliente durante a interação comercial tinha seu perigo de constran-
gimento diminuído, uma vez que a sociabilidade para venda mantida
entre os envolvidos, na maioria das vezes, demandava que o assunto
jocoso viesse à tona em algum momento da negociação. O evento de
campo13 comentado anteriormente, em relação à aposta de negar des-

A descrição mais aprofundada de situações de campo no caso das apostas realizadas com
13 

desconhecidos se justifica por explicitarem, com maior clareza, circunstâncias interacionais em

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 231


contos, esclarece também, aqui, o que queremos expressar: assim como
rejeitar uma pechincha, realizar uma brincadeira com um conhecido era
ato relativamente seguro, pois oferecia pouco risco ao vendedor e à so-
ciabilidade para venda construída.
Já em relação a desconhecidos, o perigo de embaraço era maior,
já que não havia um referencial de assuntos para recorrer durante um
momento de graça, ou mesmo informações prévias sobre o senso de
humor do cliente. De qualquer modo, os vendedores senegaleses acom-
panhados por este estudo mostravam ter brincadeiras reservadas, espe-
cificamente, para constituírem jogadas seguras no caso de essa aposta
ser utilizada com desconhecidos. Essas brincadeiras eram formadas por
frases prontas que, minimamente adaptadas ao contexto, tornavam-se
capazes de causar descontração sem agredir. Diferentemente do que se
costumava fazer quando os clientes já eram conhecidos, a realização de
brincadeiras com desconhecidos ocorria apenas nos finais da interação
comercial, normalmente quando o resultado da negociação já se mostra-
va claro a todos os envolvidos. Nesse sentido, esperava-se pela situação
em que a leitura do Outro estaria mais completa e na qual a venda já
estaria confirmada ou não: nesse período específico, não apenas a brin-
cadeira se tornava mais precisa, como o seu timing se revestia de um
desapego em relação ao ganho econômico imediato, focando, ao invés
disso, no relacionamento humano com o desconhecido e no desejo de
estendê-lo ao futuro.
Nesse tema, destacamos uma brincadeira constante na venda de
rua desempenhada por Ahmadou. Quando a interação comercial se
dava com um casal, o qual se podia interpretar como um par de namo-
rados, o senegalês aguardava até a etapa final do contato para dizer que
fazia casamentos utilizando os anéis que expunha para a venda, sendo
ou não estes os produtos de interesse dos clientes. Em alguns casos,
quando a interação se dava com um único cliente desconhecido, Ahma-
dou procurava detectar se esse estava namorando ou não, por meio de
que os vendedores de rua senegaleses precisavam fomentar a construção de sociabilidades para
venda, nosso foco principal no presente trabalho. No caso das interações com conhecidos,
então, escolhemos encurtar nossa narrativa, já que representam situações em que os senegaleses
apostavam para manter ou aprofundar, e não iniciar, as sociabilidades das quais tratamos.

232 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
frases como: “Não namora? Leva esse aqui de presente, ó...”, apontando
para certa ordem de produtos. Caso a resposta fosse dada, e fosse afir-
mativa, prosseguia com a brincadeira dos casamentos14. A seguir, um
trecho de diário de campo sobre uma situação de venda ocorrida na
Feira de Economia Solidária de Santa Maria, em sua 13ª edição (2017).
Chamou a atenção do autor em campo que uma aposta tão comum na
rua fosse levada por Ahmadou a esse espaço comercial mais formaliza-
do: tornou-se claro, quando das observações empíricas, que o ponto de
venda do senegalês seguidamente era preenchido pelas características
interacionais dos ambientes de feira. Tratava-se de um casal de desco-
nhecidos que se mostrava interessado nos anéis dispostos sobre a mesa
reservada aos expositores da feira. Mesmo longe das calçadas e frente
a clientes que podiam ser, até mesmo, provenientes de fora da cidade,
Ahmadou apostou brincando da forma descrita, procurando estabele-
cer uma aproximação bem-humorada com os interessados:

O primeiro elemento que destaco em termos de interação foi


o relacionado a um casal. [...]. Eles negociavam dois anéis,
parecendo obstruir a compra mais por sua indecisão do que
pelo preço de cada peça. Ao decidirem o que levariam, fica-
ram um tempo com os produtos nas mãos, com expressões
de como quem pensa na adequação ou não da compra. Foi
quando Ahmadou utilizou uma brincadeira que várias vezes
já o notei empregar: “Casa, casa... faço o casamento! [gestos
com as mãos de união, os dois dedos apontando para mãos
de clientes e unindo-as no ar]”. Imediatamente se fez sentir

14
  Vale destacar um trecho da pesquisa original que inspira o presente trabalho, e que relembra
que as apostas e recuos constituíam artifícios interacionais comuns a outros grupos de
vendedores situados no mesmo comércio de rua. “Um tipo análogo de operação da mesma
estrutura encontrava lugar nas práticas de venda dos artesões hippie, ocupantes do mesmo
espaço. Mais uma vez com Iung (2007, p. 38-40), nota-se que esses indivíduos costumavam
apostar frente a clientes por meio da pressuposição de uma intimidade: ela podia não existir,
mas era levada aos contatos face a face com desconhecidos como meio de lhes conduzir a uma
proximidade. A autora também destaca que esses artesãos costumavam contar estórias épicas
das andanças que a liberdade hippie fornecia, estabelecendo vínculo com jovens desconhecidos
que, nas interações, deixavam claro aspirarem (e se inspirarem) pelo tema contado como mito”
(de Césaro, 2018, p. 148). Portanto, frisamos que as diferenças se encontram em como cada
tipo de aposta e de recuo era apropriado por cada grupo e cada indivíduo dadas as situações
interacionais de seu cotidiano frente à clientela.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 233


a reação dos dois, que riram bastante e tiraram o dinheiro
para a compra. A moça ainda complementou: “[Risos altos]
Tu foi o padre!”. Ahmadou riu e, após a compra, os dois
saíram sorrindo com os anéis vestidos (Diário de campo,
08/07/2017).

Ademais, foram identificadas algumas formas de recuar cujo tipo


de mobilização era também fundamental para como os senegaleses
acompanhados se inseriam no jogo interacional de modo autêntico. Co-
mecemos por um dos recuos mais constantes observados no trabalho de
campo realizado: o de oferecer espontaneamente ou ceder após alguma
pressão um desconto ao cliente. Em se tratando de clientes conhecidos,
a grande maioria das interações contava com esse recuo. Isso porque,
como já adiantamos, clientes conhecidos costumavam demandar des-
contos fazendo referência ao conteúdo interacional da sociabilidade
para venda já mantida com o vendedor. Desse modo, excetuando-se os
casos atípicos em que a pechincha pedia por um desconto exagerado, os
senegaleses rapidamente aceitavam a demanda, reagindo positivamen-
te com frases também ligadas ao conteúdo das interações compartilha-
do com o cliente. Comumente, eram os senegaleses que, após alguns mi-
nutos de bate-papo com o conhecido, chamavam a atenção para algum
dos produtos expostos e ofereciam uma compra com desconto. Nessas
ocasiões, a pretensão que se procurava expressar interacionalmente era
a de que a relação de confiança com o Outro importava muito mais do
que o lucro da venda.
Entre os conhecidos com os quais os senegaleses realizavam tal re-
cuo, então, havia uma distinção entre aqueles que precisavam pedir o
desconto para alcançá-lo e aqueles aos quais os senegaleses ofereciam
o preço especial de antemão. Pelos relatos dos interlocutores, algumas
sociabilidades exigiam tal oferta mais do que outras, por terem maior
tempo de existência e condições de confiança consolidadas entre os en-
volvidos. De uma forma ou de outra, entretanto, a aceitação do des-
conto pelos senegaleses sempre vinha complementada por frases que
reforçavam o quão especial era a relação pessoalizada entretida com
o cliente. Após esse perguntar quanto custava certo produto, ou após

234 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
brincar com a possibilidade de desconto, os vendedores senegaleses
costumavam responder com frases do tipo: “Esse tá 10, mas pra ti eu
faço por 5!”. Valorizando a sociabilidade para venda frente ao próprio
envolvido nela e, assim, incentivando sua continuidade, os vendedores
pretendiam expressar, na situação do recuo, que sua simpatia com re-
lação ao cliente e os privilégios que esse recebia eram exclusivos a ele
(Goffman, 1985 [1959], p. 52-53). O trecho de diário de campo a seguir
diz respeito a uma ocasião importante nesse sentido:

Outro contato relevante ocorreu com uma senhora de ver-


melho, muito caricata, que comprou uma pulseira e uma
corrente. Desde o início, estava muito descontraída, comen-
tando a mim, após um tempo de conversa, sobre os produ-
tos: “Eu conheço ele lá do Caridade [hospital santa-marien-
se]”. Notei que Ahmadou ficara mais descontraído desde o
início e de maneira similar à desta cliente, tendo em conta
conhece-la e, assim, saber por quais caminhos poderia di-
recionar a interação. Prova disso foi a frase de Ahmadou
quando, escolhendo uma pulseira excessivamente grande, a
senhora passou um tempo manuseando a peça, dobrando-a
em certa seção para que ficasse justa e, ao mesmo tempo,
esteticamente aceitável: “[Risos] Tu é muito inteligente...”,
disse o senegalês. Ela riu apenas, dizendo: “Viu só?! E ain-
da fica bonito de decoração...”, direcionando-se também a
mim. Na hora da compra, Ahmadou não deixou de oferecer
um desconto, por se tratar de uma cliente mais antiga. Des-
taco que toda a negociação se deu com olhares de intimida-
de, além do contato entre as mãos para que a pulseira e a
corrente fossem vestidas na cliente: mais uma vez, sabia-se
poder fazer aquilo com aquela pessoa, tendo-se um passado
em comum capaz de evitar constrangimentos. A mim, logo
a situação pareceu um ótimo exemplo para como táticas de
venda, entre apostas e recuos, estabelecem, nos contatos
cotidianos, sociabilidades às quais sempre se pode voltar
com certas pessoas (Diário de campo, 08/07/2017, Ahma-
dou utilizando do recuo de oferecer desconto a uma cliente
conhecida bastante próxima e com a qual compartilhava de
uma sociabilidade para venda descontraída).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 235


Já no caso de recuo frente a clientes desconhecidos, era rara a ces-
são de desconto espontaneamente pelo senegalês, sem que o cliente pre-
cisasse demandar: na maioria das vezes, o vendedor aguardava os atos
do desconhecido e, caso esse pechinchasse, começava por negar seu pe-
dido e, simultaneamente, interpretava suas reações. Apenas cedia aos
pedidos no último minuto, em situações em que o cliente claramente se
mostrava disposto a desistir da compra e a procurar o produto de inte-
resse em algum outro ponto de venda.
Dada situação de campo, vivida junto a Maba, chama a atenção
aqui. Tratava-se de um cliente que observava alguns dos tênis expostos
pelo senegalês, questionando o preço logo quando de sua chegada ao
ponto de venda. Maba prontamente respondeu e o homem, com uma
expressão corporal de desapontamento, agradeceu pela informação e
ensaiou retirar-se dali. Notando a reação, o senegalês agiu rapidamente
para tentar não perder a venda, dizendo: “Não cara, peraí, peraí, volta
aqui... eu faço preço bom pra ti...”. Virando-se de frente para Maba, o
desconhecido sorriu e, lateralmente, retomou sua observação dos pro-
dutos de interesse. O vendedor, então, apanhou alguns dos pares de
tênis mirados pelo cliente, entregando-lhe nas mãos. Apalpando as pe-
ças para testar seu material e melhor analisá-lo, o homem começou a
se expressar como quem tenta se livrar de um desejo de compra e não
consegue esconder corporalmente que o faz. Começou, então, a rir e
dizer que tinha outros compromissos no momento. Maba, ouvindo as
frases que pareciam desculpas, logo insistiu de forma mais direta em
seu recuo: “Tá, 60, e para de chorar, cara!”15. Sua frase despertou ainda
maior risada no desconhecido, já que o senegalês se expressara com a
pretensão clara de encerrar a negociação. Após alguns poucos minutos
de timidez de parte do homem, observado pela face séria de Maba, a in-
teração acabou com o cliente mantendo sua posição original. Retirou-se
sem comprar os tênis, mas a insistência de Maba em recuar no momento

15
  Essa frase do senegalês nos faz lembrar, mais uma vez, de como as situações de interação
social sempre podem fazer variar o que é proposto por nossos instrumentos analíticos: apesar
de ainda se definir como um recuo, visto que abre mão do lucro para agradar ao cliente, tal frase
contém um caráter incisivo (de tomada do centro da interação) que, conforme já descrevemos,
é vislumbrado pelo presente trabalho como característico das apostas.

236 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
certo claramente o deixou dividido por mais tempo. O desconhecido,
enquanto se retirava, continuou rindo, afirmando que voltaria em outra
ocasião, enquanto Maba abria meio sorriso e espalmava suas mãos e
braços numa performance de desapontamento. Apesar de não ter con-
seguido a venda, Maba promoveu, com seu recuo, uma primeira apro-
ximação com aquele cliente, que agora possivelmente voltaria ao ponto
de venda e teria algo sobre o que conversar com o vendedor.
Outra forma de recuo notada em campo, e cuja apropriação pe-
los senegaleses era autêntica, refere-se a uma posição de ausência in-
teracional, em que não se falava nada e se deixava que o cliente agisse
livremente durante o contato. Em geral, quando assim recuavam, os
interlocutores de nossa pesquisa costumavam cumprimentar quem se
aproximava do ponto de venda, logo em seguida se distanciando al-
guns passos, mantendo observação silenciosa das expressões corporais
dos clientes que olhavam os produtos e respondendo a eventuais in-
dagações. Quando isso ocorria com clientes conhecidos, se dava logo
nos primeiros momentos da interação, já que o envolvido na sociabili-
dade para venda normalmente se aproximava em conversa, por vezes
já apostando por dado produto. Nesse caso, os senegaleses comumen-
te correspondiam com sorrisos e cumprimentos bem-humorados, mas
apenas respondendo aos primeiros impulsos do conhecido para, em
seguida, recuar em silêncio e deixar que o cliente agisse. A partir desse
período, comumente o cliente trazia à tona o referencial de sua sociabi-
lidade com o vendedor, procurando se livrar do silêncio para “preparar
o terreno” ao seu interesse comercial e possível pechincha. Na situação
há pouco descrita, Maba utilizava também desse recuo para, em certo
momento, pressionar o cliente a comprar o produto cujo preço original
já havia sido descontado.
Como nas demais formas de aposta e recuo trabalhadas até aqui,
entretanto, a importância da situacionalidade continuava presente.
Ainda que com clientes conhecidos que se aproximavam apostando, o
recuo dos senegaleses não parecia algo automático: estes sempre inter-
pretavam as reações simultâneas do Outro de forma a reavaliar cons-
tantemente sua própria linha de ação. Isso fica claro em se tratando de

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 237


conhecidos que, ao invés de viverem a sociabilidade para venda cons-
truída durante todo o período de negociação, preferiam retomar o con-
teúdo interacional de tal relação apenas ao fim do contato face a face,
quando a compra já havia sido realizada. Há um exemplo interessante,
extraído de certa ocasião de campo na qual Ahmadou negociou com
dois conhecidos, uma senhora e seu neto. Deixando nas mãos da cliente
a condução da interação, o senegalês apenas entrou mais incisivamente
na cena quando o menino remeteu a um assunto claramente comum
às interações anteriores daquela sociabilidade para venda. Nesse caso,
então, o vendedor fez uso estratégico deste tipo de recuo, deixando um
dos clientes se envolver com os produtos enquanto o outro, gradual-
mente, cedia ao desejo de reviver a sociabilidade já presente ali:

Trata-se de uma interação com uma senhora (aparentava


ter uns 50 anos) acompanhada do que parecia ser seu filho
ou neto, de uns 12: bastante próximos um do outro [...], se
aproximaram da pequena banca improvisada de Ahmadou
após, como na maioria dos casos que observei, terem olhado
fixamente para os produtos enquanto mantinham os passos
na direção estabelecida pela calçada. [...] Olhavam para as
correntes, naquele tipo de conversa característico de quem
está prestes a comprar algo e legitima o ato a quem acom-
panha: “Olha fulano, vamos ver a corrente, pra tu usar no...
com...”. Ficaram um tempo olhando e, enquanto Ahmadou
pegava dada corrente apontada pelo menino para alcançar
a ele, esse olhou para o relógio que o senegalês usava [...] e
disse: “Ei, que legal o relógio! Como que faz pra ver a hora
nele?!”. Ahmadou apenas reagiu rindo, com o braço levan-
tado à altura dos olhos do menino e apertando dado botão
do dispositivo que iluminava o horário. Logo em seguida
disse um “Quer?” [...], recebendo do menino um “Ei, que
legal!”, seguido de um educado “Não, não...”. A proximidade
de Ahmadou em relação aos clientes atrapalhou um pouco
minha visão do que ocorria [...], mas vi que concluíam a in-
teração de alguma forma, visto que Ahmadou segurava nas
mãos duas notas de 10 reais e alcançava algo para os dois
(Diário de campo, 28/11/2016).

238 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
Em se tratando de desconhecidos, o sucesso desse recuo se man-
tinha ainda mais ligado à interpretação situacional feita pelos vende-
dores. Nesse caso, sem qualquer informação anterior acerca das pre-
ferências interacionais do cliente, os senegaleses costumavam iniciar o
contato com esse recuo, mas, em seguida, se mantinham num vaivém
entre silêncio e pequenos estímulos, normalmente na forma de frases
curtas sobre os produtos expostos. Isso lhes possibilitava suspeitar da
própria postura recuada, avaliando se não constituiria uma perda de
oportunidade de apostar com sucesso, já que “se uns [clientes] prefe-
riam menor influência externa para que se decidissem sobre a compra
com autonomia, outros podiam considerar a posição passiva do vende-
dor como indiferença ou mesmo falta de educação” (de Césaro, 2018,
p. 153). Nesse sentido, como as apostas, os recuos se definiam como
práticas em constante reinvenção no cotidiano dos senegaleses acompa-
nhados, mas que lhes permitiam linhas de ação regulares e adequadas
ao jogo interacional do comércio de rua no qual buscavam inserção.

Considerações finais

Ao longo do presente trabalho, procuramos aprofundar parte da


análise originalmente desenvolvida em uma pesquisa de mestrado, a
partir de trabalho de campo realizado entre 2016 e 2017 com vendedo-
res de rua senegaleses na cidade Santa Maria (RS). Focamos nas for-
mas pelas quais os senegaleses acompanhados pelo estudo fomentavam
contatos sociais de maior proximidade com seus clientes, imbricando
a negociação comercial e a descontração. Nas palavras propostas para
nossa análise, isso significou atentar para como esses vendedores apos-
tavam e recuavam, nas interações com clientes, com o objetivo gradual
de desenvolverem sociabilidades para venda junto a eles. Paralelamen-
te, procuramos sublinhar que tal forma de aproximação entre vendedo-
res e clientes era comum a outros grupos de vendedores que atuavam
no mesmo comércio de rua, num jogo interacional ao qual cada conjun-
to de atores se dirigia com formas próprias.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 239


Nossa descrição esteve especialmente centrada nessas formas pró-
prias de agência apresentadas em campo pelos senegaleses acompanha-
dos na venda de rua, consolidadas em apostas e recuos adaptados situa-
cionalmente e, ao mesmo tempo, reunidas em um repertório cultural de
ressignificação subjetiva daquele cotidiano laboral (Ortner, 2007b). Jun-
to a de Certeau (1984 [1980]), então, propomos que as apostas e recuos,
conforme levadas a cabo pelos senegaleses, constituíam-se de táticas.
Para o autor, estas se definem como práticas cotidianas de ingerência
improvisada sobre dada ordem de relações sociais, que são geradas por
“um cálculo que não pode contar com um centro (uma localização es-
pacial ou institucional), então, nem com uma fronteira que distinga o
outro enquanto uma totalidade visível” (de Certeau, 1984 [1980], p. XIX,
tradução nossa).
A título de conclusão, tomemos esse ponto teórico como válido
a nosso enfoque analítico a partir de dois passos complementares: (i)
os senegaleses se inseriam no jogo interacional e, situacionalmente, o
reinventavam por meio das formas próprias com que se apropriavam
dos instrumentos de aposta e recuo; (ii) nesse movimento de agência, e
ainda que na reserva de suas interações com clientes, esses vendedores
subvertiam o sistema hegemônico de produção da cidade que dá base à
irregularidade do comércio de rua no município. Referimo-nos, aqui, ao
imaginário de um projeto urbano de manter livres as entradas e vitrines
do comércio formal, bem como lotadas as suas lojas e revestidas por um
exterior de impessoalidade pública, à luz do modelo sucessivamente
analisado por autores como Simmel (1971 [1903]), Wirth (1938), Delgado
e Malet (2007), e Da Matta (1984). O ponto crítico é que, em Santa Maria,
o Código de Posturas mencionado na introdução do presente trabalho
estabelece legalmente as normas de tal projeto de urbe, ainda que este,
claramente, mostre-se desconectado da realidade da venda de rua na
cidade. Das diferentes tentativas de regularização dos informais dentro
de espaços delimitados, resultou apenas a reemergência constante do
comércio de rua irregular, tendência que se repete desde a década de
1980 e em detrimento dos ápices de fiscalização organizados pelo poder
público para o cumprimento da lei (Pinto, 2015).

240 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
É nos discursos periodicamente correntes na mídia local, entretanto,
que podemos notar esse imaginário de cidade sempre presente no
horizonte de ação da administração municipal, bem como o sentido
político de subversão envolvido nas apostas e recuos dos vendedores
senegaleses acompanhados. Em 1991, à ocasião da inauguração do
Camelódromo Municipal (nos moldes do Shopping Independência, em
2010), o Diretor Geral de Indústria, Comércio e Turismo de Santa Maria,
alinhado ao esforço de regularização dos informais, constatou: “o ideal
seria uma cidade sem ambulantes” (Pinto, 2015, p. 38; 82). Em setembro
de 2017, enquanto ainda ocorria a investigação empírica de nossa pes-
quisa, o prefeito Jorge Pozzobom como que complementou o viés da
fala de 1991, prometendo, em uma matéria16 do jornal Diário de Santa
Maria17, que o poder público agiria com “regramento”, e que não mais
permitiria a “esculhambação” na qual se encontrava o centro da cidade.
Já em 2018, emergiram outras expressões públicas relacionadas a esse
imaginário de cidade ideal. Dentre elas, destaca-se a do Secretário de
Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ewerton Falk, presente em outra
matéria18 do Diário de Santa Maria. Em sua fala, o secretário frisa a posição
do Sindicato dos Lojistas, parceiro na coordenação do Comitê de Combate
ao Comércio Informal de Santa Maria19: “Ninguém vende produtos ile-
gais em uma esquina, 10, 12 horas por dia, abaixo de sol e chuva, sem
direito a férias, fundo de garantia e outros direitos, se não foi aliciado.
Essas pessoas que trabalham na ilegalidade estão sendo exploradas por
organizações que desconhecemos”.
Desse panorama breve e geral, nota-se o padrão das narrativas que

16
  Disponível em: https://diariodesantamaria.atavist.com/onde-quase-tudo-pode. Acesso em:
08/11/2018.
17
  O Diário de Santa Maria é um dos veículos midiáticos mais relevantes na cidade. Possui
circulação impressa e online.
18
  Disponível em: https://diariosm.com.br/not%C3%ADcias/economia/estudo-sobre-
com%C3%A9rcio-informal-de-santa-maria-%C3%A9-apresentado-no-f%C3%B3rum-das-
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19
  Fonte: https://diariosm.com.br/not%C3%ADcias/economia/comit%C3%AA-
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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 241


ocasionalmente vêm à público para conceber de duas formas o comér-
cio de rua santa-mariense: (i) como constituído de pura desorganização,
causando distúrbios à mobilidade urbana e/ou como (ii) formado por
indivíduos e grupos forçados a trabalhar na venda de rua por supostas
organizações criminosas, possibilitando problemas de segurança pú-
blica aos locais ocupados. Esses elementos recorrentes de discurso não
só carecem de informações capazes de corroborar a si mesmos, como
revelam um problema fundamental da política pública vigente em San-
ta Maria para o comércio de rua: a falta de diálogo e de compreensão
analítica da realidade criada e vivida pelos informais. Nos esforços ad-
ministrativos tanto para eliminar o comércio irregular na cidade (via
regularização em espaços fechados, como mencionamos) quanto para
intensificar a apreensão de mercadorias desse comércio20, encontram-se
narrativas de justificação que desconsideram os significados interacio-
nais e seus processos de organização social presentes no cotidiano da
venda de rua (Marques, Cavedon e Soilo, 2013, p. 53; 56).
A partir de trabalho de campo junto a um dos grupos de vendedo-
res atuantes nesse contexto, identificamos formas regulares de interação
social que nos levam, justamente, em direção contrária à das teses da
insegurança pública e da imobilidade urbana, pretendidas pela posi-
ção de administradores e lojistas. Inseridos em um jogo interacional que
dispunha os tempos, espaços e modos pelos quais vendedores e clientes
negociavam, os indivíduos ali trabalhavam com suas próprias práticas
e conhecimentos, estabelecendo diferentes sociabilidades de descontra-
ção e troca comercial com os transeuntes e mantendo as condições para
que os mesmos circulassem pelas calçadas. Nesse quadro, ao descrever-
mos as formas com que os senegaleses se utilizavam dos instrumentos
das apostas e dos recuos, estamos também identificando o que Hannerz
(1980) destaca em sua antropologia urbana: a vida cotidiana se encontra

20
  Dentre as ações, em 2018, que se destacam nesse sentido, está a criação de um posto de
fiscalização fixo na microrregião da cidade em que a maior parte dos vendedores de rua se
mantinha cotidianamente. A medida obrigou os trabalhadores a ocuparem calçadas mais
distantes da região, nas quais circula menor número de pedestres. Fonte: https://diariosm.
com.br/not%C3%ADcias/geral/prefeitura-cria-posto-de-fiscaliza%C3%A7%C3%A3ode-
com%C3%A9rcio-ilegal-no-centro-1.2105579?l=?l=. Acesso em: 08/11/2018.

242 DE CÉSARO, F. S.; ZANINI, M. C. C. “Esse tá 10, mas pra ti eu faço por 5!”: as sociabilidades para venda...
sempre, de formas complexas, dentro e fora das estruturas da cidade
que tentam determiná-la. Observada desse ponto de vista, portanto,
a inserção dos senegaleses na venda de rua santa-mariense os revela
como sujeitos políticos a construírem condições organizadas de possibi-
lidade de seu próprio ofício. Essa realidade, por sua vez, evidencia o ca-
ráter reducionista das narrativas que procuram justificar, ontem e hoje,
uma postura de política pública, que, afinal, é excludente e distanciada
da realidade histórica e social.

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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 245


Crianças em escola corânica em
Touba, Senegal. Foto: Juliana Rossa,
com curadoria de Marcia Marchetto.

246
Apresentação
LEGISLAÇÃO, RITUALIDADES,
INTERCULTURA

247
Imigração senegalesa: múltiplos olhares
Acima, meninas aguardando encontro com o Califa geral dos murides, em Touba.
Abaixo, senegaleses da etnia Pel, em estrado no interior do Senegal. Fotos: Juliana
Rossa, com curadoria de Marcia Marchetto.

248
Apresentação
Imigrantes no Brasil:
os avanços da Lei de Migração e seus
entraves práticos

Patricia Grazziotin Noschang

A
política migratória brasileira começou a mudar após trinta e sete
anos de vigência do Estatuto do Estrangeiro, a Lei 6815/80 que
tinha como base a segurança nacional e a migração de forma cri-
minalizada, resquícios do período de governo dos militares no Brasil.
A Lei de Migração – 13.445/2017 traz uma nova roupagem à política
migratória no Brasil acompanhando o que está acontecendo em âmbito
internacional e vai ainda além do que muitos Estados prevêem.
A Lei de Migração está alinhada com os principais documentos
internacionais de direitos humanos como a Declaração Universal de
Direitos Humanos no plano universal e a Convenção Americana de Di-
reitos Humanos no plano regional. No seu texto ainda faz referência e
considera as disposições contidas na Convenção sobre o Estatuto dos
Refugiados de 1951, na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de
1954 e no Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 249


Contudo, se houve avanços na Lei de Migração por outro lado o
Decreto 9.199/17 que a regulamentou abandonou a essência humanitá-
ria que a Lei trouxe retrocedendo em alguns aspectos. Outro retrocesso
em relação a imigração no Brasil foi a comunicação de retirada de par-
ticipação do Brasil do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e
Regular que está em total sintonia com os propósitos apresentados pela
Lei de Migração. Ao se retirar do Pacto o governo brasileiro abandona
também os seus nacionais uma vez que o documento também protege
os emigrantes brasileiros residentes no exterior e não somente os imi-
grantes residentes no Brasil.
Utilizando-se do modo dedutivo e da técnica de pesquisa biblio-
gráfica e documental este trabalho busca apresentar os avanços trazidos
pela Lei de Migração e apontar alguns dos retrocessos previstos no De-
creto que dificultam, ao invés de facilitar, a operacionalização da Lei.
Na segunda parte aborda a importância do Pacto Global para Migração
Segura, Ordenada e Regular e o prejuízo para os brasileiros que residem
no exterior com a retirada do Brasil do documento.

Os avanços da Lei de Migração e a sua prática operacional

A proposta de uma nova lei para tratar das condições jurídicas do


estrangeiro no Brasil iniciou em 2014 com a 1a. Conferência Nacional para
Migrações e Refúgio (Comigrar) organizada pelo Ministério da Justiça.
A agenda proposta pela Comigrar buscou abandonar a ideia pautada na
securitização do Estado que era fundamento da Lei 6.815/80, conhecida
como Estatuto do Estrangeiro, para projetar um novo marco regulatório
para a política migratória no Brasil. (Redin, 2015, p.123,130) Com esse
escopo, em 2013, o Ministério da Justiça, pela Portaria n. 2.162/2013,
nomeou uma Comissão de Especialistas para desenvolverem um tex-
to legal em substituição ao Projeto de Lei 5.655/09 proposto também
pelo Executivo que dispunha sobre o ingresso, permanência e saída de
estrangeiros no território nacional, o instituto da naturalização, as me-
didas compulsórias, a transformação do Conselho Nacional de Imigra-

250 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
ção em Conselho Nacional de Migração, a definição das infrações e deu
outras providências, também chamado de Lei do Estrangeiro. (Câmara
dos Deputados, 2019).
Em 04 de agosto de 2015 o Senador Aloysio Nunes Ferreira do Par-
tido da Social Democracia Brasileira (PSDB/SP) apresentou o Projeto
de Lei 2516/2015 (PL 2516/2015) que instituiu após aprovação nas duas
casas legislativas (Câmara de Deputados Federal e Senado Federal) a
Lei de Migração – n. 13.445 de 24 de maio de 2017.
A Lei de Migração inovou ao considerar todas as categorias de mi-
grantes (tanto o imigrante quanto o emigrante) e principalmente em tra-
zer um caráter humanitário em prol dos direitos humanos e garantias
fundamentais. Possui 125 artigos e, além de estar em conexão, reconhe-
ce outros documentos internacionais relativos ao tema como a Conven-
ção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, o Estatuto do
Tribunal Penal Internacional e a Convenção sobre o Estatuto dos Apá-
tridas de 1954.
A Seção II da Lei de Migração traz os “Princípios e as Garantias”,
na qual o artigo 3o determina os princípios e as diretrizes que regem a
política migratória brasileira num rol de vinte e dois incisos. Dentre eles
destaca-se: da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos
direitos humanos; do repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a
quaisquer formas de discriminação;  da não criminalização da migra-
ção;  da acolhida humanitária1 (Brasil, 2019).

1
  Art. 3o  A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes: I -
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos; II - repúdio e prevenção
à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação; III - não criminalização da
migração; IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a
pessoa foi admitida em território nacional; V - promoção de entrada regular e de regularização
documental;  VI - acolhida humanitária;  VII - desenvolvimento econômico, turístico, social,
cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil;  VIII - garantia do direito à reunião
familiar; IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares; X
- inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas; XI - acesso
igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação,
assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;
XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante; XIII -
diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da
participação cidadã do migrante; XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social
e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 251


Também compõe esta seção o artigo 4o que garante ao migrante,
“no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, bem como são assegurados [...]” uma série de direitos
num rol de dezesseis incisos. Desses destacam-se os seguintes: os direi-
tos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos; o direito à liber-
dade de circulação em território nacional; direito de reunião para fins
pacíficos; o direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos; o
direito à educação pública; direito à saúde e assistência social, direito a
abertura de conta bancária; direito de sair, de permanecer e de reingres-
sar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de auto-
rização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de
visto em autorização de residência entre outros2 (Brasil, 2019).
circulação de pessoas; XV - cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de
destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do
migrante; XVI - integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas
públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço; XVII -
proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante; XVIII
- observância ao disposto em tratado; XIX - proteção ao brasileiro no exterior; XX - migração
e desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas;
XXI - promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil, nos
termos da lei; e XXII - repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas.(Brasil, 2019)
2
  Art. 4o  Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os
nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
bem como são assegurados: I - direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos;
II - direito à liberdade de circulação em território nacional; III - direito à reunião familiar
do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes; IV -
medidas de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e de violações de direitos; V - direito
de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país, observada
a legislação aplicável; VI - direito de reunião para fins pacíficos; VII - direito de associação,
inclusive sindical, para fins lícitos; VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência
social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da
condição migratória; IX - amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos; X - direito à educação pública, vedada a discriminação
em razão da nacionalidade e da condição migratória; XI - garantia de cumprimento de obrigações
legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem
discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória; XII - isenção das taxas de
que trata esta Lei, mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento;
XIII - direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais
do migrante, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; XIV - direito a abertura
de conta bancária; XV - direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacional,
mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou
de transformação de visto em autorização de residência; e XVI - direito do imigrante de ser

252 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
De acordo com André de Carvalho Ramos a Lei também inovou
ao vedar o impedimento de ingresso, ou seja, foi assegurado que “nin-
guém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião,
nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibili-
tando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbi-
trários na zona primária de fronteira” (Ramos, 2019).
Com o objetivo de facilitar a regularização dos migrantes que en-
tram no Brasil, Ramos também destaca as seguintes novidades:

i) racionalização das hipóteses de visto (com destaque para


o visto temporário para acolhida humanitária); ii) previsão
da autorização de residência; iii) simplificação e dispensa
recíproca de visto ou de cobrança de taxas e emolumentos
consulares, definidas por mera comunicação diplomática.
Ainda, os integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos
em condição de hipossuficiência econômica são isentos do
pagamento de taxas e emolumentos consulares para con-
cessão de vistos ou para a obtenção de documentos para
regularização migratória (Ramos, 2019).

A Lei de Migração também estabeleceu novos tipos de vistos em


relação ao antigo Estatuto do Estrangeiro. São possíveis de concessão
os vistos de visita, temporário, oficial, diplomático e cortesia. O visto de
permanência foi extinto e a nova Lei prevê a possibilidade da denomi-
nada “autorização de residência”3 (Brasil, 2019).
Muito embora a Lei 13.445/17 tenha inovado em uma série de
questões muitas determinações, prazos e procedimentos ficaram pen-
dentes para regularização posterior. Assim, o Decreto n. 9.199/17 que
regulamenta a Lei de Migração, com o objetivo de sanar essas omissões,
foi publicado no Diário Oficial da União em 20 de novembro de 2017 e
trouxe uma série de retrocessos.

informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória. §
1o Os direitos e as garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na
Constituição Federal, independentemente da situação migratória, observado o disposto no §
4o deste artigo, e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte (Brasil,
2019).
3
  Artigo 30 da Lei 13.335/2017 (Brasil, 2019).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 253


O Decreto 9.199/17 é composto de 319 artigos, ou seja, praticamen-
te o dobro do que a Lei de Migrações contém e, demonstra ser comple-
tamente alheio ao debate que acompanhou o processo de elaboração da
Lei, que se deu principalmente nos últimos dez anos (Ramos et al, 2019).
A Comissão de Especialistas afirmou que “não é exagero dizer que
ele desvirtua o espírito da nova lei.”. Desta forma, a Comissão entendeu
que o Decreto apresenta uma ameaça grave “[...] a conquistas históricas,
tanto no que se refere aos direitos dos migrantes como no que tange
à capacidade do Estado brasileiro de formular políticas adequadas em
relação a esta matéria de relevância crescente” (Ramos et al, 2019).
Entre os retrocessos, incluídos no Decreto 9.199/17 estão principal-
mente os dispositivos que dificultam a entrada no país para os imigran-
tes com viés econômico que deixam seus países em busca de emprego
e principalmente com o objetivo de enviar divisas para seus familiares
que ficaram. Por exemplo: a Lei determinou, indo contra o estabelecido
no projeto, que para concessão do visto temporário para trabalho o es-
trangeiro deverá apresentar “oferta de trabalho formalizada por pessoa
jurídica em atividade no país”(artigo 14, parágrafo 5.)4. O Decreto de-
terminou que a oferta de trabalho é caracterizada por meio de contrato
individual de trabalho ou de contrato de prestação de serviços (artigo
38, parágrafo 1, inciso I)5. De acordo com a Comissão de Especialista
“[...] um contrato não constitui uma oferta e sim a consumação de uma
relação trabalhista ou de prestação de serviços, o que por certo dificul-

4
  Art. 14.  O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com
o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos
uma das seguintes hipóteses:[...] § 5o  Observadas as hipóteses previstas em regulamento, o
visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade
laboral, com ou sem vínculo empregatício no Brasil, desde que comprove oferta de trabalho
formalizada por pessoa jurídica em atividade no País, dispensada esta exigência se o imigrante
comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente (Brasil, 2019).
5
  Art. 38.  O visto temporário para trabalho poderá ser concedido ao imigrante que venha
exercer atividade laboral com ou sem vínculo empregatício no País. § 1o O visto temporário
para trabalho com vínculo empregatício será concedido por meio da comprovação de oferta
de trabalho no País, observado o seguinte: I - a oferta de trabalho é caracterizada por meio de
contrato individual de trabalho ou de contrato de prestação de serviços; [...] (Brasil, Decreto
9.199/17, 2019).

254 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
tará sobremaneira a obtenção de tal visto pelos migrantes” (Ramos et
al. 2019).
A Comissão de Especialistas também assevera que,

Ainda mais grave é admitir que os vistos temporários para


pesquisa, ensino ou extensão acadêmica; para trabalho;
para realização de investimento ou de atividade com rele-
vância econômica, social, científica, tecnológica ou cultural;
e para atividades artísticas ou desportivas com contrato por
prazo determinado (artigos 34, § 6º; 38, § 9º; 42, § 3º e § 4º;
43, § 3º e § 4º; e 46, § 5º do Decreto em comento) dependam
de deferimento, pelo Ministério de Trabalho, de autorização
de residência prévia à emissão desses vistos temporários.
Ora, a autorização de residência não pode ser condicionan-
te da emissão de visto. Tampouco existe base legal para que
o Ministério do Trabalho seja dotado da competência de
“selecionar” migrantes para o ingresso regular no território
nacional, o que representaria um retrocesso, não apenas
em direção ao regime militar (1964-1985) mas ao próprio
Estado Novo (Ramos et al., 2019).

Além de ser contra o que a Lei de Migração já avançou o Decreto


também foi omisso ao não tratar de prazos importantes como o do visto
temporário e da autorização de residência relativos à acolhida humani-
tária, que aguarda um ato conjunto dos Ministérios das Relações Exte-
riores, da Justiça e da Segurança Pública, e do Trabalho. Essas determi-
nações estão acontecendo via Portarias Interministeriais6 envolvendo os
ministérios referidos e trazem uma certa insegurança jurídica pois são
mais passíveis de alteração a qualquer momento comparado a uma lei
ou decreto que requerem um formalidade maior.
A autorização de residência, é a possibilidade que ficar definitiva-

6
  Portaria Interministerial n. 10 Dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização
de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos haitianos e apátridas residentes
na República do Haiti. (Brasil, Imprensa Nacional, 2019); Portaria Interministerial n. 12 Dispõe
sobre o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar. (Brasil,
Imprensa Nacional, 2019b); Portaria Interministerial n. 18 Dispõe sobre os procedimentos para
emissão de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para imigrantes. (Brasil, Imprensa
Nacional, 2019c).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 255


mente no Brasil e é a opção de permanência para os imigrantes que
ingressaram no país como solicitantes da condição de refugiados porém
tal condição não foi reconhecida pelo Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE). Esse é o caso dos imigrantes econômicos, que ingressam
pelas rotas alternativas, conduzidos muitas vezes por coiotes e ao se di-
rigirem ao posto da Polícia Federal requerem a condição de refugiados.
A maioria desses imigrantes são originários de países como Senegal,
Angola, Guiné, Guiné-Bissau e Bangladesh. (Idoeta, 2019). Com o pro-
tocolo de solicitantes de refúgio podem ficar no país, solicitar a Carteira
de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e exercer atividade remunera-
da no país.
Considerando que o CONARE em junho de 2018 estava com cerca
de 86 mil processos em tramitação, esses imigrantes chegam a perma-
necer na condição do protocolo muitas vezes por quatro, cinco ou seis
anos (Brasil, Justiça, 2019). Porém quando a condição de refugiado é
negada pelo CONARE esses migrantes econômicos buscam com base
na autorização residência uma alternativa para permanecer no Brasil.
A partir daí iniciam as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes para
cumprir o que está previsto na Lei de Migração e agravadas pelo Decre-
to que a regulamenta.
Em relato apresentado pelo Sr. Aliou Thiam, Presidente da Asso-
ciação dos Senegaleses de Passo Fundo/RS no evento promovido pelo
II Fórum de Mobilidade Humana7, em Passo Fundo/RS no mês de de-
zembro de 2018, a principal dificuldade para os senegaleses que reque-
rem a autorização de residência está em um dos requisitos previstos
no artigo 1298 do Decreto que determina a apresentação de certidão de
7
  O Fórum de Mobilidade Humana é composto por representantes da sociedade civil e busca,
entre outras ações, auxiliar os imigrantes na cidade de Passo Fundo-RS. Este foi o segundo
evento que o Fórum organizou com o objetivo de ouvir as demandas dos imigrantes da cidade
de Passo Fundo-RS.
8
  Art. 129.  Para instruir o pedido de autorização de residência, o imigrante deverá apresentar,
sem prejuízo de outros documentos requeridos em ato do Ministro de Estado competente pelo
recebimento da solicitação:[...] V-certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente
emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; e
VI - declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país,
nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência (Brasil, Decreto
9.199/17, 2019).

256 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
antecedentes criminais, por autoridade competente, que tenha residido
nos últimos cinco anos. Segundo Thiam o custo para o requerimento
da autorização de residência é muito alto9 para ser possivelmente ne-
gado, considerando que a certidão de antecedentes criminais demora
para chegar ao Brasil e tem um prazo de validade curto. Também há um
descaso da autoridade que recebe esta certidão, não dando importância
ao esforço que os imigrantes fazem para atender os requisitos exigidos
pela lei e o decreto.
Com tantas dificuldades resta perguntar se é possível ao poder pú-
blico aprovar um Decreto que deveria auxiliar a aplicação da Lei e não
trazer entraves a ela. O artigo 84, inciso IV da Constituição Federal pre-
vê que é competência privativa do Presidente da República “sancionar,
promulgar e fazer publicar leis, bem como expedir decretos e regula-
mentos para sua fiel execução” (Brasil, Constituição Federal/88, 2019).
Conforme análise da Comissão de Especialistas:

quando o Estado, ao exercer o poder regulamentar, atua


contra a lei (contra legem) ou “fora da lei” (praeter legem,
no sentido de produzir novas normas que não encontram
respaldo na lei regulamentada), a ordem constitucional per-
mite evocar não apenas o controle jurisdicional dos atos do
Poder Executivo: a Carta Magna admite até mesmo que o
Congresso Nacional suste os atos normativos regulamenta-
res considerados exorbitantes. É o que assegura assentada
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o abuso
de poder regulamentar (por exemplo, AC 1.033 AgR-QO, rel.
min. Celso de Mello, j. 25-5-2006, P, DJ de 16-6-2006).
Causaria dano irreparável ao interesse público que a re-
gulamentação da Lei de Migração fosse alvo de longas e
extensas batalhas judiciais, gerando insegurança jurídica
para os migrantes e para todos os que com eles se relacio-
nam (Ramos et al., 2019).

Desta forma o que se esperaria do governo que aprovou e promul-


gou a Lei de Migrações com todos as suas inovações e princípios, seria

9
  Para requerer a autorização de residência o custo é de R$ 168,13, mais o custo do envio da
certidão do Senegal para o Brasil e soma-se a tradução exigida, R$ 500,00.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 257


um Decreto de acordo com a Lei e não contra legem. Além do Decreto ser
contra o espírito da lei, ainda foi omisso nos principais procedimentos
que interessam aos imigrantes como a autorização de residência, dei-
xando para ser regulado por portarias interministeriais e, assim, trazen-
do insegurança jurídica na aplicação da Lei.

O Pacto Global para Migração segura, ordenada e regular e as


implicações da retirada do Brasil

Em 11 de dezembro 2018 em uma Conferência em Marraquesh, no


Marrocos, os Estado membros da Organização das Nações Unidas reu-
niram-se para aprovação final do texto denominado de Pacto Global
para Migração Segura, Ordenada e Regular o documento foi aprovado
com apoio da Assembléia Geral em julho do mesmo ano (ONUNews,
2019). O Pacto não tem caráter vinculante aos Estados, porém é um
acordo de cooperação intergovernamental que reafirma a soberania dos
Estados baseados no princípio da boa-fé.
O Pacto é resultado de um longo processo de debates sobre migra-
ção internacional no âmbito das Nações Unidas que teve início com o
encontro em 2006 e 2013 denominado de United Nations High-level Dia-
logues on International Migration and Development, somado com o Fórum
Global sobre Migrações e Desenvolvimento, ocorrido em 2007. Esses
debates deram ensejo à Declaração de Nova Iorque para Refugiados e
Migrantes, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 19 de setembro
de 2017. (ONUNews, 2019).
A Declaração de Nova Iorque reconhece que “o mundo enfrenta
um nível sem precedentes de mobilidade humana: em sua maior par-
te positiva, enriquecedora e voluntária” (ACNUR, 2019, p.1). Contudo,
também reconhece que o deslocamento forçado de pessoas que deixam
suas casas está em um nível histórico e demasiadamente alto. Os 193
Estados membros da ONU, ao adotar o documento: “[...] declararam
profunda solidariedade com pessoas forçadas a fugir; reafirmaram suas
obrigações para respeitar totalmente os direitos humanos de refugiados
e migrantes; e, prometeram apoio robusto a países afetados por grandes

258 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
movimentos de refugiados e migrantes”. Assim a Declaração compro-
mete os Estados a abordarem os fatores que levam a migração irregular
(ACNUR, 2019, p.1).
O documento também fixou o compromisso de elaborar um Pacto
Global para Refugiados e um Pacto Global para Migração Segura, Or-
denada e Regular em dois processos distintos. Os dois Pactos Globais
possuem estruturas que se complementam de cooperação internacio-
nal cumprindo seus respectivos mandatos, considerando o previsto na
Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes que reconhe-
ce que migrantes e refugiados possuem vulnerabilidades semelhantes
e podem enfrentar muitos desafios comuns. (United Nations. Global
Compact for Migration, 2019, p. 2).
O Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular com
trinta e quatro páginas reafirma, em seu preâmbulo, a sintonia com os
objetivos propostos pelas Nações Unidas, a Declaração Universal de Di-
reitos Humanos e demais tratados em proteção aos direitos humanos
em âmbito universal. Estipula vinte e três objetivos a serem alcançados
pelos Estados em cooperação, prevê a implementação destes objetivos e
estabelece um Fórum de Revisão de Imigração Internacional para rever
o documento a cada quatro anos (United Nations. Global Compact for
Migration, 2019, p.1).
O documento expressa o compromisso coletivo dos Estados em au-
mentar a cooperação em relação a migração internacional em todas as
suas dimensões, considerando que não há nenhum tratado em âmbito
internacional que regra a condição de migrante como há em relação aos
refugiados10. Desta forma, este Pacto firma o entendimento comum dos
Estados em relação as responsabilidades compartilhadas e um propósi-
to único em relação a migração, fazendo com que todos os atores envol-
vidos trabalhem pelo mesmo objetivo (United Nations. Global Compact
for Migration, 2019, p.1-2).
Entre os vinte e três objetivos11 propostos pelo Pacto destacam-se:
10
  Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, também
conhecida como Convenção de Genebra de 1951.
11
  1- Collect and utilize accurate and disaggregated data as a basis for evidence-based policies;
2- Minimize the adverse drivers and structural factors that compel people to leave their country

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 259


abordar e reduzir a vulnerabilidade da migração; facilitar o recrutamen-
to justo e ético e salvaguardar condições que garantam um trabalho dig-
no a fim de salvaguardar qualquer tipo de exploração, discriminação de
sexo ou gênero e evitar a condição análoga de escravo; prevenir, comba-
ter e erradicar o tráfico de pessoas no contexto da migração internacio-
nal (United Nations. Global Compact for Migration, 2019, p.5-6).
O documento considera que para efetivar a implementação das
suas determinações é necessário que haja um esforço em nível global,
regional e nacional incluindo no âmbito das Nações Unidas, com nego-
ciações e cooperação bilateral, regional e multilateral (United Nations.
Global Compact for Migration, 2019, p. 32-33).
Também prevê um mecanismo de revisão do progresso realizado
em nível global, regional e local na implementação do Pacto Global es-
tabelecendo um Fórum Internacional de Revisão de Migração que se
reunirá a cada quatro anos iniciando seus encontros em 2022. Cada en-
contro do Fórum resultará em uma Declaração de Progresso acordada
intergovernamentalmente, que poderá ser levada em consideração pelo
Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável (Uni-
ted Nations. Global Compact for Migration, 2019, p. 34).

of origin; 3_ Provide accurate and timely information at all stages of migration ;4- Ensure that
all migrants have proof of legal identity and adequate documentation ; 5- Enhance availability
and flexibility of pathways for regular migration; 6-  Facilitate fair and ethical recruitment
and safeguard conditions that ensure decent work ; 7- Address and reduce vulnerabilities in
migration; 8- Save lives and establish coordinated international efforts on missing migrants;
9- Strengthen the transnational response to smuggling of migrants;10- Prevent, combat and
eradicate trafficking in persons in the context of international migration; 11 Manage borders
in an integrated, secure and coordinated manner; 12 - Strengthen certainty and predictability
in migration procedures for appropriate screening, assessment and referral; 13 - Use migration
detention only as a measure of last resort and work towards alternatives;14 Enhance consular
protection, assistance and cooperation throughout the migration cycle ; 15- Provide access to
basic services for migrants; 16- Empower migrants and societies to realize full inclusion and
social cohesion; 17- Eliminate all forms of discrimination and promote evidence-based public
discourse to shape perceptions of migration; 18- Invest in skills development and facilitate
mutual recognition of skills, qualifications and competences; 19- Create conditions for migrants
and diasporas to fully contribute to sustainable development in all countries; 20- Promote
faster, safer and cheaper transfer of remittances and foster financial inclusion of migrants;
21- Cooperate in facilitating safe and dignified return and readmission, as well as sustainable
reintegration; 22 -Establish mechanisms for the portability of social security entitlements and
earned benefits; 23-Strengthen international cooperation and global partnerships for safe,
orderly and regular migration. (United Nations. Global Compact for Migration, 2019, p.5-6)

260 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Há de se considerar que o número de brasileiros residentes no ex-
terior (estimativa do Itamaraty em 2016 é de 3.083.255) é maior do que
o número de estrangeiros residentes no Brasil (a Polícia Federal estima
em cerca de 750 mil a população estrangeira no Brasil em 2017). Logo
o prejuízo maior da retirada do Estado brasileiro do Pacto é para os
brasileiros que estão na condição de migrantes residindo no exterior.
O governo brasileiro, por seu ministro de Relações Exteriores – Ernesto
Araújo - justificou sua retirada do documento afirmando que o docu-
mento não é adequado para tratar da questão migratória e que imigra-
ção deve ser tratada de acordo com a realidade e a soberania de cada
país e não como uma questão global.
Tal afirmação não condiz com o conjunto de princípios orientado-
res transversais e independentes contidos no Pacto, entre os quais está
contida a soberania nacional:
O Pacto Global reafirma o direito soberano dos Estados de deter-
minar sua política nacional de migração e sua prerrogativa de governar
a migração dentro de sua jurisdição, em conformidade com o direito
internacional. Dentro de sua jurisdição soberana, os Estados podem dis-
tinguir entre regularidade e irregularidade migratória, inclusive ao de-
terminar suas medidas legislativas e políticas para a implementação do
Pacto Global, levando em consideração diferentes realidades, políticas,
prioridades e requisitos nacionais para entrada, residência e trabalho. ,
de acordo com o direito internacional.12 (United Nations. Global Com-
pact for Migration, 2019, p.4) (tradução nossa)
Está talvez não seja a real justificativa do governo brasileiro, uma
vez que no conjunto de princípios também figuram além da soberania
nacional os princípios da cooperação internacional, do desenvolvimen-
to sustentável, dos direitos humanos, do estado de direito e do devido
direito, centrado nas pessoas, sensível às crianças, responsivo as ques-

12
  National sovereignty: The Global Compact reaffirms the sovereign right of States to determine their
national migration policy and their prerogative to govern migration within their jurisdiction, in conformity with
international law. Within their sovereign jurisdiction, States may distinguish between regular and irregular
migration status, including as they determine their legislative and policy measures for the implementation of the
Global Compact, taking into account different national realities, policies, priorities and requirements for entry,
residence and work, in accordance with international law.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 261


tões de gênero e da abordagem de toda sociedade e de todo governo
(United Nations. Global Compact for Migration, 2019, p. 4-5).

Considerações finais

A Lei de Migração é um grande avanço em matéria de política mi-


gratória nacional e foi elogiada pelas Nações Unidas pelo seu caráter
humanitário e em proteção aos direitos humanos. Contudo, a letra da lei
não retrata a sua operacionalização. Ao aplicar as determinações trazi-
das pela Lei e complementadas pelo Decreto percebe-se muitos entraves
e falta de esclarecimento dos operadores da lei. A efetivação por porta-
rias interministeriais também traz uma certa incerteza aos imigrantes
que mal compreendem o diploma da lei e ainda devem estar atentos
às determinações advindas das portarias dos Ministérios da Justiça e
Segurança Pública, Relações Exteriores e do Trabalho.
Já em relação ao Pacto de Migração pode-se afirmar que todos per-
dem com a saída do Pacto de Migração. O Pacto Global para Migração
Segura, Ordenada e Regular da ONU tem como objetivo proteger o mi-
grante. Logo sair do Pacto é mais prejudicial para os brasileiros que
vivem no exterior do que para os estrangeiros que vivem no Brasil. 
A saída do Pacto também vai na contramão dos direitos e garantias
aprovados na Lei de Migração (Lei 13.444 de maio de 2017) e é conside-
rada pela ONU um avanço em termos de garantias e de direitos huma-
nos aos migrantes. De qualquer maneira o Brasil não poderá barrar a en-
trada de estrangeiros que estejam sofrendo algum tipo de perseguição
em seu país que traga risco de vida (fundados temores de perseguição
por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões
políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade) . Esse é o “prin-
cípio da não devolução”. Um princípio de direito internacional onde
nenhum Estado pode negar a entrada de um estrangeiro em condições
de vulnerabilidade extrema, garantido por tratados e reconhecido pelo
costume.

262 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Referências
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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 263


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264 Noschang, P. G. Imigrantes no Brasil: os avanços da lei de migração e seus entraves práticos
Regularização documental da
imigração senegalesa no Brasil no
novo marco legal

Giuliana Redin
Jaqueline Bertoldo

A
imigração senegalesa para o Brasil, representativa dos chamados
novos fluxos migratórios Sul-Sul, tem desmistificado o argumento
de que o Brasil é país acolhedor ao mostrar o quanto a sociedade
brasileira está estruturada na discriminação racial e de classe. Esse
fato mantém-se evidenciado no âmbito normativo do novo marco le-
gal das migrações no Brasil, sancionado por meio da Lei de Migração
13.447 de 2017. Apesar de incorporar um importante conteúdo de di-
reitos e princípios fundamentais e protetivos, manteve reservado à dis-
cricionariedade da Administração Pública o poder de definir critérios e
condições para ingresso e permanência de imigrantes no Brasil. Assim,
a agenda nacional das migrações internacionais é tangenciada pelas ló-
gicas do controle e dos interesses nacionais, que relativizam e, por isso,
negam na prática o conteúdo de proteção da pessoa humana que deve-
ria orientar exclusivamente o tema das migrações.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 265


O presente texto expõe as dificuldades práticas para a documenta-
ção de imigrantes senegaleses no Brasil e, a partir desse aspecto, propõe
um diálogo sobre as expressões presentes no novo marco legal reprodu-
toras da exclusão por raça e classe.

Novo paradigma das migrações no Brasil: da proteção à exclusão

Na perspectiva tradicional do tratamento de Estado sobre as mi-


grações internacionais, há pouco espaço para o conteúdo protetivo, pois
esse está diretamente ligado ao compromisso com os direitos humanos
e traz responsabilidades internacionais para o Estado. Na medida em
que os Estados mantêm a discricionariedade em relação ao controle mi-
gratório, acentua-se a securitização sobre a agenda migratória em pre-
juízo do conteúdo protetivo. A própria Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos ao afirmar que “Todo ser humano tem direito à liberdade
de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado” (art.
13, 1), nega a imigração internacional como direito1. Da mesma forma,
a Convenção Internacional sobre a Proteção de Todos os Trabalhadores
Migrantes e Membros de suas Famílias de 1990 não reconhece a regu-
larização documental como um direito do imigrante irregular em face
do Estado e reafirma que documentação é tema do interesse exclusivo
do Estado receptor (art. 35). Ou seja, os dois importantes documentos
internacionais de direitos humanos referidos afastam as migrações in-
ternacionais do âmbito da proteção, pois negam o direito humano de
imigrar. Portanto, “o tema da proteção tem sido dirigido às situações de
migrações forçadas no âmbito do Direito Internacional dos Refugiados”
(Redin e Monaiar, 1018; Redin e Bertoldo, 2018), que garante a proteção
pela condição do refugiado, diferentemente da condição migratória que
não recebe o mesmo tratamento protetivo.
Seguindo essa lógica tradicional sobre a concepção das migrações
internacionais, a incorporação dos dispositivos dos arts. 3º e 4º na Lei
de Migração, que constituem um rol de princípios de direitos humanos

  Vide em Redin (2013, 2018).


1

266 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
e direitos fundamentais, sofreu uma relativização ou um esvaziamento
em razão da manutenção de uma forte política de discricionariedade
do Estado, no âmbito ministerial, em relação à regularização migratória
(Redin e Bertoldo, 2018).
Durante o processo de discussão no âmbito da Câmara dos De-
putados, o Migraidh atuou no sentido de trazer a perspectiva do Direito
Humano de Migrar e da Igualdade Formal para o conteúdo normati-
vo, propondo uma mudança paradigmática da agenda, para afastar do
campo tradicional securitário. Na Nota Técnica do Migraidh ao Projeto
de Lei de Migração, elaborada em coautoria por Redin e Bittencourt
(2015), sustentava-se a necessidade de dois dispositivos estruturais “Di-
reito de Imigrar”2 e “Igualdade Formal”3, como forma de superar a ex-
clusão originária do não nacional, remetendo a agenda das migrações
a um conteúdo protetivo, ou seja, de direitos, e rompendo com a lógica
de que a imigração está sempre voltada a ideia do corpo trabalho e, por
isso, um lugar de eterna provisoriedade (Sayad, 1998).
A nova Lei de Migração, no entanto, não apenas negou a própria
mobilidade humana como possibilidade jurídica (Redin, 2013), como
também a igualdade formal, limitando-se a falar sobre em “promoção
de entrada regular e de regularização documental” (art. 3º, inciso V) e
“igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus fa-
miliares” (art. 3º, inciso IX). Ou seja, promoção da entrada regular e de
regularização documental, ficou condicionada à discricionariedade do
Estado por expressamente afirmar que “o visto é o documento que dá a
seu titular expectativa de ingresso em território nacional” (art. 6º), bem
como igualdade de tratamento e de oportunidade não significa igualda-
de plena ou formal perante do Estado, essa restrita ao vínculo político
de cidadania.
Em relação à promoção da entrada regular e de regularização do-
2
  Conforme explica Redin (2013, p. 17) o direito humano de imigrar é um “direito à mobilidade
humana internacional, de estar, permanecer e aventurar-se ao porvir, sem uma petição de
pertença ao Estado (típica das exigências de naturalização) ou petição de inclusão. [...]. Ao
Estado impõe-se a obrigação de respeitar esse ‘terceiro espaço’, onde está o ‘direito de imigrar’,
e, consequentemente, reorganizar-se como instituição para acomodação dessa realidade”.
3
  MINCHOLA, Luís Augusto Minchola. ´Veias Abertas’ da Cidadania: Nacionalidade,
Imigração e Igualdade Formal. Trabalho de Conclusão de Curso: UFSM, 2017.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 267


cumental, por exemplo, a lei sofreu o veto da ampla anistia documental,
indo

na contramão das práticas reiteradas nas últimas décadas


de garantir periodicamente documentação/anistia à popu-
lação imigrante que aqui vive e constitui sua vida, compro-
mete gravemente o acesso universal a direitos assegurados
na Constituição Federal de 1988. A não documentação im-
plica insegurança jurídica e frequentemente é utilizada para
barrar acesso a direitos, o que potencializa as situações de
vulnerabilidade, exploração e desigualdade social, sobretu-
do se consideradas as motivações que têm impulsionado
os fluxos migratórios nos últimos anos, fortemente ligadas
às injustiças sociais nos vários cantos do mundo. O veto a
esse dispositivo frustra, portanto, a expectativa de milhares
de imigrantes pela regularização rápida da residência com
segurança jurídica (MIGRAIDH, 2017).

Além disso, o esforço estrutural da Lei de Migração quando incor-


porou a promoção da entrada regular e de regularização documental
como princípio, teria que ser a revisão de um sistema vistos, que ao fim
ao cabo, não superou os aspectos de controle e seletividade do revogado
Estatuto do Estrangeiro de 1980.
Em relação à igualdade, a Lei de Migração sofreu veto ao dispositi-
vo que permitia imigrantes exercerem cargo, emprego e função pública,
bem como deixou de reconhecer a possibilidade de direitos políticos,
possibilidade que sequer foi apresentada na proposta inicial do projeto
de lei (PLS 288/2013), a partir da vedação constitucional. Assim, a lei
autorizou o tratamento desigual no campo formal.
Sobre a política de seletividade em relação ao controle migratório,
o sistema de vistos expressamente trata do interesse empresarial e da
valorização de mão de obra qualificada para o visto temporário por tra-
balho (art. 14, § 5o), pois restringe àquele que tenha proposta de traba-
lho de pessoa jurídica ou, não possuindo, queira buscar emprego, mas
possua curso superior ou equivalente. Tanto o regulamento, quanto as
normativas ministeriais têm reproduzido e fortalecido a lógica dirigi-

268 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
da ao “perfil” que se quer do imigrante por trabalho formal. Ou seja,
a dificuldade em documentar aquele imigrante que não se enquadra
nessa nesse sistema também conflui com o perverso mecanismo de um
sistema produtivo de acumulação que lucra com a exclusão e a preca-
riedade das condições socioeconômicas do trabalhador, portanto, com
o desemprego ou o trabalho informal. Trata-se de uma similaridade,
mas pela via da não documentação do imigrante e sua impossibilidade
de ingressar formalmente no mercado de trabalho, ao chamado “exér-
cito industrial de reserva4” teorizado por Marx (2002), que alimenta a
superexploração dos corpos-trabalho que ficam em uma informalidade
e condicionalidade permanentes.
Por outro lado, outros modos produtivos econômicos não hege-
mônicos de um sistema industrial, empresarial de apropriação e acu-
mulação, também não autorizam a concessão de visto por trabalho.
Aqui são exemplos a economia solidária, baseada nos princípios da au-
togestão, cooperação e comércio justo, bem como o comércio informal,
de rua ou ambulante. E essa é uma das situações que mais afeta a imi-
gração senegalesa no Brasil, uma vez que adota, sobretudo pelas redes
constituídas pelos próprios imigrantes, tal prática prática econômica,
como forma de subsistência aqui no Brasil e pelo potencial das remessas
que enviam ao seu país5.
Outro ponto em relação ao controle migratório e a relativização
principiológica, está na questão da acolhida humanitária, que, especial-
mente, para a imigração senegalesa, até o novo marco legal, era a via
de documentação comumente utilizada por essa população imigrante.
Apesar da lei incluir a acolhida humanitária como princípio, a imple-
mentação dessa “proteção”, tem sido dada pela via da regulamentação
e das normativas ministeriais, em uma lógica que retira do Estado a
responsabilidade com o que estruturalmente tem produzido os novos

4
  Cria-se, em grande escala e sistematicamente, um exército industrial de reserva sempre
disponível, dizimado durante parte do ano pelo mais desumano trabalho forçado e, durante
a outra parte, degradado pela falta de trabalho, noutra lançado à miséria por falta de trabalho.
(MARX, Karl. O Capital. Vol 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 543).
5
  Sobre tais práticas vide Herédia, Vania Beatriz Merlotti (Org.). Migrações internacional: o caso
dos senegaleses no Sul do Brasil. Caxias do Sul: Belas-Letras, 2015.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 269


fluxos migratórios, sobretudo aqueles do Sul Global, oriundos das gran-
des injustiças sociais globais. O instituto de proteção foi incorporado
precariamente e de forma restrita na Lei de Migração, uma vez que esta
estabeleceu situações taxativas para a sua aplicação, diferentemente do
que a prática administrativa anterior considerava como “razão huma-
nitária”. As situações taxativas estão sendo ainda mais reduzidas por
meio da discricionariedade do Estado que, atualmente, restringiu ape-
nas aos haitianos6 e venezuelano7, produzindo assim uma seletividade
de quem “merece” acessar a proteção, ainda que de proteção a lei traga
muito pouco.
O novo marco legal, ao reconhecer o migrante como sujeito de di-
reitos, ainda que de forma restrita, em violação ao princípio da igual-
dade formal, e revogar o Estatuto do Estrangeiro de 1980, do período
ditatorial no Brasil, inegavelmente trouxe importante avanço no cam-
po político e de discussão sobre as migrações no Brasil. Isso, porque
reconhece princípios de direitos humanos, diretrizes e direitos funda-
mentais. Contudo, acompanha-lhe um espectro da tradicional formal
de tratamento político-jurídico acerca das migrações, de caráter securi-
tizador, voltado não ao sujeito da mobilidade humana internacional e a
complexidade na perspectiva de sua vulnerabilidade, mas de um inte-
resse de Estado, que é determinado por fatores sobretudo econômicos
hegemônicos.

6
  Vide Portaria Interministerial nº 10, de 6 de abril de 2018, que dispõe sobre a concessão do
visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos
haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Disponível em: <https://sistemas.mre.
gov.br/kitweb/datafiles/Cingapura/en-us/file/Portaria%2010-2018.pdf>. Acesso em:12 dez.
de 2018.
7
  Vide Portaria Interministerial nº 15, de 27 de agosto de 2018. Disponível em: <http://www.
dpu.def.br/images/stories/Infoleg/2018/08/portaria_mj_mre.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.

270 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
A questão documental relativa à imigração senegalesa antes e depois do
novo marco legal

Esse título utiliza a narrativa de um dos casos apresentados por


ocasião do artigo de nossa autoria (Redin e Bertoldo, 2018) intitulado
Novo Marco Legal das Migrações no Brasil: Entre a proteção, a discriciona-
riedade e a exclusão, referente a atendimentos realizados no serviço de
assessoria jurídica a imigrantes e refugiados do Migraidh, Direitos Hu-
manos e Mobilidade Humana Internacional, da Universidade Federal
de Santa Maria. Esses atendimentos revelam no cotidiano de quem vi-
vencia a imigração para o Brasil os procedimentos e as dificuldades em
relação à obtenção de documentação no Brasil.
Um dos atendimentos é de um imigrante senegalês que veio ao
Brasil antes de 2017, portanto, ainda vigente o revogado marco legal ba-
seado no Estatuto do Estrangeiro de 1980. O imigrante assistido atual-
mente sofre os dilemas do novo marco legal para a regulação de sua
documentação. Apresentamos a narrativa desse caso, que foi relatado
no texto acima referido com o objetivo de trazer ao leitor informações
básicas sobre os aspectos jurídicos que envolvem a documentação de
senegaleses no país.

Caso narrado no texto Novo Marco Legal das Migrações no Brasil:


entre a proteção, a discricionariedade e a exclusão
Amadou8 veio sozinho do Senegal no ano de 2015. Sua esposa grá-
vida ficou no país. Tinha como destino o Brasil, mas como não possuía
visto, embarcou até o Equador, cujo país possuía na época isenção de
visto para viajar, e de lá seguiu via terrestre até a fronteira com o Brasil.
Ao chegar na fronteira, procurou a unidade da Polícia Federal para so-
licitar refúgio e obter Carteira de Trabalho e CPF. Seguiu a orientação
obtida por meio das redes dos senegaleses que aqui já viviam. Ainda
no norte do país tomou um ônibus e foi até a cidade de São Paulo onde
8 
Nome fictício.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 271


trabalhou por um período, mudando depois para a cidade de Santa Ma-
ria-RS. Na cidade, junto com outros imigrantes senegaleses, passou a
trabalhar no comércio de rua, prática de trabalho comum na comunida-
de senegalesa imigrante.
O contato de Amadou com o Migraidh/CSVM deu-se no ano de
2015, a partir das rodas de conversa em português voltadas à acessibili-
dade linguística9. Em 2018, reuniu condições financeiras para viajar ao
Senegal e visitar sua esposa e filha, que ainda não conheceu, mas se de-
parou com a impossibilidade jurídica e risco de sair do país em virtude
de possuir apenas um protocolo de solicitação de refúgio. Para tanto,
procurou o apoio do Migraidh/CSVM para assessorá-lo na obtenção de
residência no Brasil, que lhe viabilizasse entrada e saída regular e em
qualquer tempo do país.
Iniciou-se então uma peregrinação junto à Polícia Federal para re-
gularização migratória. O que prometia ser algo facilitado após o re-
cente vigor da Lei de Migração, uma vez que esta consagra a regulariza-
ção documental como princípio, mostrou-se na prática administrativa
impossível. Como Amadou não possui atividade laboral formal com
vínculo empregatício que pudesse lhe permitir autorização de residên-
cia por trabalho10, buscamos uma tentativa de regularização via os cha-
mados “casos omissos”11. Amadou levou cerca de um mês para obter
os documentos exigidos para o pedido de residência no Brasil a partir
dos “casos omissos”, necessitando da colaboração dos familiares que
residem no Senegal. A lista documental para pedidos de residência está
estabelecida em regulamento, varia conforme a motivação migratória,
sendo que, em algumas situações, foi ampliada com mais rigor por meio

9
  As rodas de conversa constituem uma atividade dentro do trabalho de extensão desenvolvido
pelo Migraidh/CSVM, a partir da necessidade de promover espaços para acessibilidade
linguística aos imigrantes residentes em Santa Maria-RS.
10
  Vide Resolução Normativa nº 02, de 1º de dezembro de 2017, que disciplina a concessão de
autorização de residência para fins de trabalho com vínculo empregatício no Brasil. Disponível
em: < http://trabalho.gov.br/trabalho-estrangeiro/nova-legislacao?start=50>. Acesso em: 11
dez. 2018.
11
  Vide Portaria Interministerial nº 4, de 27 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://
www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/05042018-PORTARIAINTERMINI
STERIALN4DE27DEFEVEREIRODE2018.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2018.

272 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
de normativas administrativas.12 Dos documentos exigidos para Ama-
dou, inclui-se a negativa de antecedentes criminais do país de origem
e comprovação de filiação, ambos apostilados13, legalizados14 e traduzi-
dos oficialmente por tradutor juramentado.
De porte dos documentos, acompanhamos Amadou na unidade lo-
cal da Polícia Federal, onde sua documentação foi verificada e foi infor-
mado de que poderia regularizar a residência por acolhida humanitária
e não pelos casos omissos, bastando fazer o agendamento pelo site da
Polícia Federal e retornar no dia marcado, quando já teria o seu Regis-
tro Nacional Migratório expedido automaticamente. Assim procedeu
Amadou, entregou a documentação exigida, incluindo uma solicitação
de isenção de taxas por sua condição socioeconômica, e, ao final do
procedimento administrativo, obteve a autorização de residência com
base na acolhida humanitária para residentes de qualquer país, tendo
finalmente conseguido o seu RNM. Na oportunidade, também lhe foi
solicitado o cancelamento do pedido de refúgio, que foi autorizado por
Amadou diante da obtenção da residência.
No dia seguinte, no entanto, fomos contatados por Amadou de que
ele havia sido procurado pela Polícia Federal em razão de um erro no
seu processo de solicitação de residência e que deveria retornar ao posto
da polícia para resolver o problema. Imediatamente, entramos em con-
tato com a Polícia Federal, quando fomos informados de que a via hu-
manitária, que foi aplicada no seu caso, não poderia ter sido utilizada, já
que as normativas somente autorizam a concessão de residência por ra-

12
  Como é o caso das normativas expedidas pelo Ministério do Trabalho que apresentam
extensas listas para comprovação de atividades específicas.
13
  Conforme o CNJ, a apostila “é um certificado de autenticidade emitido por países signatários
da Convenção da Haia, que é colocado em um documento público para atestar sua origem
(assinatura, cargo de agente público, selo ou carimbo de instituição)”. Disponível em: <http://
www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/convencao-da-apostila-da-haia/
perguntas-frequentes>. Acesso em: 09 nov. 2018.
14 
Conforme a Resolução Nº 228 de 22/06/2016 do CNJ, a legalização ou chancela consular é
“a formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido
pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele
aposto”. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3139>. Acesso
em: 09 nov. 2018.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 273


zões humanitárias para nacionais do Haiti15 e Venezuela16. Foi advertido
a retornar à unidade policial para trocar o protocolo de solicitação para
a hipótese dos “casos omissos”. Manifestamos então nossa preocupação
com a situação pois, além de Amadou não ter dado causa ao equívoco,
pois seguiu todas as instruções recebidas, teria sido prejudicado com o
cancelamento da solicitação de refúgio, encontrando-se em uma situa-
ção de indocumentação por falhas administrativas. Assim, a primeira
tratativa com as autoridades foi no sentido de restabelecer seu proto-
colo de refúgio, retornando-o à sua condição anterior e garantindo sua
regularidade documental, para então encaminhar um novo pedido. Ob-
tido novamente seu protocolo, Amadou tentou iniciar o procedimento
para obtenção de residência pela hipótese dos casos omissos, recebendo
a negativa de realizar o pedido com a manutenção do procedimento da
solicitação de refúgio. Ou seja, foi exigido a ele que procedesse no can-
celamento de sua solicitação de refúgio como condição para dar entrada
no pedido de autorização de residência por caso omisso, o qual, diferen-
temente do caso de acolhida humanitária, é processado e julgado pelo
Ministério da Justiça, sem qualquer garantia de deferimento. Para evitar
o risco de indocumentação, Amadou desistiu de efetuar a solicitação.

Enquadramento jurídico do imigrante senegalês no Brasil

Abaixo sistematizamos conceitos legais comumente utilizados em


relação à documentação de senegaleses no Brasil.

15
  Vide Portaria Interministerial nº 10, de 6 de abril de 2018, que Dispõe sobre a concessão do
visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para cidadãos
haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Disponível em: <https://sistemas.mre.
gov.br/kitweb/datafiles/Cingapura/en-us/file/Portaria%2010-2018.pdf>. Acesso em:12 dez.
de 2018.
16
  Vide Portaria Interministerial nº 15, de 27 de agosto de 2018. Disponível em: <http://
www.dpu.def.br/images/stories/Infoleg/2018/08/portaria_mj_mre.pdf>. Acesso em: 12 dez.
2018.

274 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
O antigo visto permanente por razões humanitárias
No âmbito da legislação anterior, ainda na vigência do revogado
Estatuto do Estrangeiro de 1980, a documentação para o imigrante que
pretendia trabalhar ou estabelecer a reunião familiar no Brasil era pos-
sível por meio do chamado visto permanente, concedido pelo Conse-
lho Nacional de Imigração (CNIg), órgão vinculado ao Ministério do
Trabalho e Emprego, a partir do poder de decisão administrativa do
respectivo órgão, em atenção aos critérios estabelecidos em regulamen-
to e resoluções ministeriais. Para as situações de trabalho não previstas
nestes critérios, havia uma regra geral que permitia ao CNIg decidir por
justificativa de oportunidade e conveniência, embasado na Resolução
Normativa de número 27 de 1998. A motivação imigratória senegalesa
voltada a trabalho em geral não se enquadrava em nenhuma das hi-
póteses específicas que autorizavam visto permanente, por exemplo,
proposta de trabalho de pessoa jurídica, trabalho especializado, dentre
outras situações. Assim, com base em dois importantes movimentos:
um do próprio Ministério da Justiça em buscar respostas de regulariza-
ção documental com o Ministério do Trabalho e Emprego diante do não
reconhecimento de refúgio a muitos pedidos de solicitação formulados
por imigrantes não forçados que não tinham outra documentação; ou-
tro da Defensoria Pública da União em encaminhar listas de imigran-
tes sobretudos senegaleses para regularização migratória; o CNIg pas-
sou a reconhecer visto permanente com base na Resolução Normativa
27/1998, utilizando como justificativa a “razão humanitária”.
O visto permanente por razão humanitária era diferente do visto
humanitário. Esse último foi criado por política interministerial entre
Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e Emprego, especifica-
mente para a situação de haitianos vindos ao Brasil, que não se enqua-
dravam, segundo decisão do Comitê Nacional para Refugiados (CO-
NARE), na situação de refugiados. O visto humanitário fornecido pelo
CNIg, portanto, era restrito aos haitianos e uma modalidade de visto
permanente17, ainda que com prazo determinado (dois anos), que foi

17  Resolução Normativa 97 do Cnig de 2012 que foi, posteriormente, parcialmente revogada

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 275


sendo prorrogado. Para os senegaleses, o visto permanente dava-se por
razão humanitária, não se tratava de um visto humanitário específico
(apenas aos haitianos). Com base no visto permanente, o imigrante
passava a ter reconhecida a residência no Brasil e fornecido o Regis-
tro Nacional de Estrangeiro (RNE), atual Registro Nacional Migratório
(RNM), e documentação como CPF e Carteira de Trabalho.
Com o novo marco legal sancionado em 2017 pela Lei de Migração,
que revogou o Estatuto do Estrangeiro, o visto permanente deixou de
existir como possibilidade jurídica, suas hipóteses foram incorporadas
no visto temporário regulado pela nova lei, que é acompanhado da pos-
sibilidade de obtenção de autorização de residência. Dessa forma, a Re-
solução Normativa n. 27 de 1998, também foi revogada. Atualmente, a
regularização documental de imigrantes senegaleses tem sido uma das
mais difíceis por ausência de previsão normativa específica, como será
analisado abaixo.

A solicitação de refúgio como mecanismo provisório de documentação


O instituto do refúgio é regulado no Brasil pela Lei 9474/1997, e,
diferentemente das migrações em geral, é um instrumento legal com-
preendido como de agenda de proteção internacional. A Lei de Refúgio
ou o chamado Estatuto dos Refugiados prevê hipóteses para o reco-
nhecimento do status de refugiado nas seguintes hipóteses: a) devido a
fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacio-
nalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país
de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal
país; b) devido a grave e generalizada violação de direitos humanos,
é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em
outro país. (Essa última hipótese tem sido entendida restritivamente,
considerando também o fundado temor de perseguição). Como instru-
mento de proteção, uma vez reconhecida a condição de refugiado, a

pela Resolução Normativa 102 do Cnig de 2013. Disponível em: <https://www.legisweb.com.


br/legislacao/?id=116083>. Acesso em: 13 de dez. 2018.

276 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
proteção dá-se por meio do princípio da não devolução, ou seja, não
poderá o refugiado ser deportado, expulso ou extraditado.
Tal instituto assegura um direito, que é exercido antes de um cha-
mado processo de elegibilidade que julga a situação de refúgio, que é
o de solicitar refúgio. A solicitação pode ser feita em qualquer posto
da polícia federal, bastando a alegação do interessado. A partir desse
momento, o solicitante receberá um protocolo e poderá obter documen-
tos como o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e a Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPs). Ficará em situação regular até o julgamen-
to de seu pedido pelo CONARE, vinculado ao Ministério da Justiça.
Contudo, o solicitante de refúgio não recebe autorização de residência,
apenas quando sua situação de refugiado for reconhecida ou após obter
residência pela via das migrações em geral (atualmente pela Resolução
Normativa nº 26 do CONARE, uma vez concedida autorização de resi-
dência por hipótese das migrações em geral, será cancelado o pedido
de solicitação de refúgio, que será arquivado). O solicitante de refúgio,
fica impossibilitado de viajar para o exterior, exceto com autorização do
CONARE, bem como de trazer a família pelo direito à reunião familiar.
Diante do caráter seletivo do sistema de vistos do revogado Estatu-
to do Estrangeiro, que apresentava muitas restrições e dificuldades para
grande parte da população migrante poder obter documento no país, a
solicitação de refúgio passou a ser utilizada como via documental, como
única possibilidade de regularização de condição migratória, e obten-
ção de CPF e CTPS. Um exemplo é o caso dos imigrantes senegaleses
que chegavam no Brasil sem visto, por via terrestre desde outros países
que não solicitam visto para passeio ou turismo, já que, objetivamente,
o Senegal não é reconhecido como país onde se verificam as hipóteses
para concessão do refúgio. Em geral, a motivação migratória dos sene-
galeses no Brasil é por trabalho, mas como não se enquadravam na épo-
ca do revogado Estatuto do Estrangeiro, situação que subsiste no novo
marco legal, nas hipóteses para concessão de um visto, encontravam
e ainda têm encontrado no direito de solicitar refúgio a única via para
regularização migratória. Mesmo com a garantia de estar regular no
país, a solicitação de refúgio constitui uma via precária para obtenção

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 277


de documentos, pois restringe alguns direitos do sujeito, como a possi-
bilidade de viajar para fora do país. Para um solicitante refúgio viajar
deverá realizar uma comunicação da viagem ao CONARE, sob pena de
ter seu processo de refúgio arquivado sem ser analisado. Além disso,
os pedidos de refúgio no Brasil têm, na prática, levado anos sem serem
julgados, o que gera insegurança jurídica e uma permanente situação de
precariedade perante o Estado para muitos desses imigrantes.
Com a Nova Lei de Migração e as mudanças no sistema de autori-
zação de ingresso e permanência, sobretudo com a adoção do princípio
da “promoção de entrada regular”, esperava-se que a solicitação de re-
fúgio deixasse de ser utilizada como via documental para imigrantes.
Aliás, a utilização do instituto do refúgio como única possibilidade de
documentação no Brasil contribui para a própria fragilização deste im-
portante instituto protetivo pela sobrecarga de solicitações e processos
que se acumulam para julgamento, não obstante muitas das situações
não sejam de refúgio.
Apesar da Nova Lei de Migração, subsistem as enormes dificul-
dades para a obtenção de visto e ulterior autorização de residência por
trabalho. São muitas as exigências, a exemplo da comprovação de vín-
culo formal de trabalho, portanto, as barreiras documentais atingem so-
bretudo a população migrante que busca trabalho ou aqui desenvolve
outras atividades produtivas não necessariamente com vínculo laboral.
É o caso da população imigrante senegalesa que ainda encontra na via
da solicitação de refúgio a possibilidade de documentar. Trata-se de
uma via documental precária, uma vez que o solicitante de refúgio pos-
sui uma situação indefinida, pois aguarda um processo de elegibilidade
que pode levar cerca de 4 anos, não pode deixar o país, não consegue
autorização de residência para estabelecer reunião familiar e após um
eventual indeferimento sua regularização pode não ser viabilizada por
outras vias.

278 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
O atual sistema de vistos e a autorização de residência
O novo marco legal alterou significativamente o sistema de contro-
le para ingresso e permanência no Brasil. No que se refere ao sistema de
vistos, a lei extinguiu o antigo visto permanente e incluiu novas hipóte-
ses para concessão do visto temporário, que agora pode ser concedido
com base nas seguintes finalidades: trabalho, tratamento de saúde, estu-
do, acolhida humanitária, reunião familiar, dentre outros.
No entanto, foi mantida a expedição de vistos restrita às embaixa-
das e consulados, com exceção ao visto oficial, diplomático, e de cor-
tesia, únicos que podem ser expedidos dentro do território nacional.
Além disso, a lei manteve o visto como mera “expectativa de ingresso”
e não como direito. Por outro lado, todas as hipóteses relativas ao visto
temporário agora estão também incluídas como hipóteses para conces-
são de autorização de residência, além de outras possibilidades, como
é o caso da pessoa reconhecida como refugiada ou, por exemplo que
“tenha sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de vio-
lação de direito agravada por sua condição migratória” (art. 30). A au-
torização de residência constitui a principal via de regularização migra-
tória por imigrantes que já estão em território nacional, como o caso de
solicitantes de refúgio, com ou sem visto, que possam enquadrar-se em
alguma das hipóteses legais para obtenção da residência. Além disso,
imigrantes com visto expedido na vigência do Estatuto do Estrangeiro e
que desejam permanecer no território brasileiro também devem realizar
um novo pedido de permanência por meio da autorização de residência
antes do prazo de vencimento do visto. Se já vencido o visto, durante
o procedimento de deportação, a nova lei previu um prazo de 60 dias
prorrogáveis para regularização da condição migratória que pode ser
feito dentro do território nacional por meio de pedido de autorização
de residência.
No caso de imigração com motivação de trabalho, as autorizações
de residência são concedidas por meio do Ministério do Trabalho e os
pedidos são feitos de forma online por meio do sistema “MigranteWeb”,
cujo acesso se dá por certificação digital. Enquanto a Lei de Migração

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 279


limitou-se a trazer a hipótese de residência por trabalho, é no Regula-
mento da Lei de Migração, Decreto nº 9199 de 2017, e nas Resoluções
Normativas do CNIg onde estão especificados todos os procedimentos,
requisitos e restrições à concessão da autorização de residência. Em ge-
ral, as normativas exigem vínculo formal de trabalho, justificativa acerca
da necessidade de permanência do imigrante no país pelo empregador,
bem como a demonstração de formação compatível com o cargo exer-
cido. Por outro lado, a possibilidade para concessão de autorização de
residência por motivo de trabalho sem vínculo empregatício refere-se
a hipóteses taxativas e restritas a interesses empresariais e produtivos.
A exigência de vínculo formal de trabalho tem sido, desde a lei an-
terior, a principal barreira para que os imigrantes senegaleses possam
regularizar sua condição migratória, já que é comum entre essa popula-
ção migrante a prática econômica do comércio de rua. Ou seja, não sen-
do considerados como trabalhadores “ideais” aos interesses nacionais,
conforme a política adotada nas normativas do Ministério do Trabalho,
grande parte da população senegalesa têm sido excluída da possibilida-
de de obter residência por trabalho.
Evidenciando ainda mais essa realidade, o Ministério do Trabalho
publicou, em 14 de dezembro de 2018, a Resolução Conjunta nº 1, com
o objetivo de regularizar a documentação de solicitantes de refúgio in-
seridos no mercado de trabalho no país. Para obtenção da residência
com base nessa normativa é preciso comprovar apresentação da solici-
tação da condição de refúgio e inserção no mercado de trabalho formal
antes da data de vigência da Lei de Migração, ou seja, 21 de novembro
de 2017. O pedido é feito diretamente ao CNIg por meio do envio da
documentação necessária, cuja lista está no art. 2º da referida resolução.
Dentre as facilitações, há a possibilidade de dispensa de documento ofi-
cial que comprove filiação do imigrante, bem como de isenção das taxas
migratórias mediante declaração de hipossuficiência.
A atual Lei de Migração criou também a possibilidade de conces-
são de autorização de residência por acolhida humanitária “ao nacional
de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade insti-
tucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de

280 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de di-
reito internacional humanitário” (art. 14). Pela legislação anterior, a prá-
tica administrativa do CNIg passou a reconhecer visto permanente por
razão humanitária, com o objetivo de documentar alguns dos recentes
fluxos migratórios para o Brasil, como o caso dos senegaleses. Contudo,
a partir da nova lei e do regulamento, mesmo com a expressa previsão
sobre a acolhida humanitária, é em âmbito interministerial onde se es-
tabelecem os requisitos para sua concessão, sendo que, até o presente
momento, essa via documental está restrita a nacionais e residentes do
Haiti e Venezuela. Ou seja, com atual marco legal a antiga prática admi-
nistrativa foi restringida, negando-se uma importante via documental
para diversos fluxos como de senegalese, ganeses, dentre outros, que
geralmente não tem visto prévio ou vínculo formal de trabalho.
Por fim, há também Portaria Interministerial nº 4 de 2018 do Minis-
tério da Justiça como forma de regulamentar os casos que não estão pre-
vistos em lei e no regulamento, chamados de “casos omissos”. O pedido
de residência com base nessa normativa é feito em uma unidade da Po-
lícia Federal que será encaminhado e julgado pelo Ministério da Justi-
ça, cuja decisão cabe recurso. Dentre a lista documental exigida estão:
certidão de antecedentes criminais de onde tenha residido nos últimos
cinco anos e comprovante de filiação, ambos apostilados, legalizados e
traduzidos por tradutor público juramentado, além da comprovação de
pagamento de taxas migratórias.

A reunião familiar no novo marco legal


O direito à reunião familiar é um dos direitos mais fundamentais
dentro da agenda de direitos humanos no contexto das migrações in-
ternacionais e do refúgio. Nesse sentido, o novo marco legal adotou o
princípio da garantia do direito à reunião familiar (art. 3º) e o “direito à
reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus
filhos, familiares e dependentes” (art. 4º).
Dentro do sistema de controle migratório, o instituto da reunião
familiar é considerado mais uma hipótese típica para concessão de visto

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 281


ou autorização de residência e, por isso, sujeito a uma série de requisitos
legais e hipóteses taxativas para sua concessão. Conforme o regulamen-
to da Lei de Migração, Decreto nº 9199 de 2018, poderá ser concedida
autorização de residência ao imigrante: a) cônjuge ou companheiro; b)
filho de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de resi-
dência; c) que tenha filho brasileiro; d) que tenha filho imigrante benefi-
ciário de autorização de residência; e) ascendente até o segundo grau de
brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência; f)
descendente até o segundo grau de brasileiro ou de imigrante beneficiá-
rio de autorização de residência; g) irmão de brasileiro ou de imigrante
beneficiário de autorização de residência; ou h) que tenha brasileiro sob
a sua tutela, curatela ou guarda.
No caso dos senegaleses no país, a restrição ao conceito de família
imposta pelo veto18 ao parágrafo único do art. 37 da Lei de Migração
constitui uma barreira, pois o conceito de família é restrito à cultura
ocidental e de influência cristã, ou seja, exige-se comprovação do paren-
tesco entre ascendentes, descendentes ou irmãos, bem como certidão de
casamento ou certidão de união estável. Outras hipóteses de parentes-
co, sobretudo ligadas à parentalidade afetiva ou designadas por cultu-
ras diversas, estão restritas no âmbito da nova Lei de Migração. Além
disso, a exigência de comprovação de residência impede, por exemplo,
que os membros da família de um solicitante de refúgio possam obter
visto ou autorização de residência no país com justificativa de reunião
familiar. Em síntese, o direito de reunião familiar está diretamente liga-
do às hipóteses taxativas que a lei autoriza para obtenção de visto ou
residência no país, como trabalho formal, acolhida humanitária, estudo,
dentre outros.

18
  Vide conteúdo do dispositivo legal que ampliava o conceito de família e foi vetado: “Art.
37, parágrafo único: A concessão de visto ou de autorização de residência para fins de reunião
familiar poderá ser estendida, por meio de ato fundamentado, a outras hipóteses de parentesco,
dependência afetiva e fatores de sociabilidade”.

282 REDIN, G.; BERTOLDO, J. Regularização documental da imigração senegalesa no Brasil no novo marco legal
Considerações finais

Os desafios da população senegalesa no Brasil são refletidos em


especial, no campo jurídico, a partir das barreiras para obtenção de do-
cumento e regularização de condição migratória. Mesmo após as alte-
rações no sistema de vistos e autorização de residência da Nova Lei
de Migração foi mantido um modelo de controle e restrição de fluxos
migratórios, que encontra sua expressão máxima de seletividade e ex-
clusão sobretudo naqueles imigrantes representativos dos fluxos do Sul
Global, onde estão mais visíveis as intersecções de raça e classe.
Essa realidade está amparada na ampla margem que a nova Lei de
Migração deu para a manutenção da discricionariedade por parte da
Administração Pública. Embora tenha afirmado princípios protetivos
e de direitos humanos, a nova Lei de Migração remeteu a questão do-
cumental, especialmente sua operacionalização para âmbito do Poder
Executivo, por meio das normativas e portarias. Isso diz muito sobre
quanto deixamos de avançar na proteção de direitos humanos, uma vez
que o tema documental é um dos mais essenciais em termos de digni-
dade humana, de acesso a direitos, à integração local e inclusão social.
A Lei de Migração teve enfraquecida a capacidade normativa para ga-
rantir e efetivar seus princípios. No caso dos senegaleses no país, as
restrições impostas à acolhida humanitária, bem como a exigência de
vínculo de trabalho formal têm dificultado e até mesmo impossibilitado
a obtenção de autorização de residência. Muitos imigrantes senegaleses
mantêm-se no Brasil como solicitantes de refúgio como forma de regu-
larização precária no país. Somado a isso, o acesso ao direito de reunião
familiar, um dos mais fundamentais direitos, tem sido restritivo, não
apenas pelo conteúdo legal que reduziu as hipóteses ao conceito tradi-
cional de família, mas também pelas exigências que regulamentam a Lei
de Migração.
Negar a possibilidade de ter documentos a quem quer que esteja
no território nacional mantém o sujeito migrante em uma condição pre-
cária perante o Estado que vulnerabiliza-o e amplia a possibilidade de
violação de outros direitos. Garantir direitos humanos para a população

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 283


migrante no Brasil significa primeiro garantir um acesso facilitado a do-
cumentos, que não esteja ligado ao âmbito do controle e segurança, mas
sim como garantia de proteção do sujeito por sua condição de migrante.

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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 285


Mesquita de Diourbel.
Foto: Juliana Rossa,
com curadoria de
Marcia Marchetto.

286
Apresentação
Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba:
apontamentos etnográficos sobre a vivência
da fé no contexto migratório de senegaleses
Murides

Juliana Rossa

R
efletir sobre o cenário migratório dos senegaleses que vieram para
o Brasil1 na atualidade implica levar em conta a religião que eles
trazem na bagagem. As redes de irmandade que se formam na diás-
pora senegalesa são uma ferramenta extremamente eficaz para orientar
e apoiar a imigração, contribuindo para a manutenção dos seus fortes
laços de identidade coletiva (Salis; Navarra, 2010). A importância do
aspecto religioso nesse contexto é unanimidade entre os pesquisadores
em diferentes partes do mundo2 e também no Brasil3.
O Senegal conta com uma população com mais de 90% de muçul-
manos (Sambe, 2007; Thiam, 2010). O islamismo, longe de constituir

1
  Essa é uma imigração essencialmente laboral, conforme apontam estudos de Herédia (2015)
e Tedesco e Mello (2015a, 2015b), entre outros.
2
  Ver estudos de Arduino (2011), Bava (2003), Bava e Gueye (2001), Dang (2013), Holm (2016),
Riccio (2006), Salis e Navarra (2010, p. 11), Sambe (2007), Zubrzycki (2011), entre outros.
3
  Ver estudos de Diaz (2017), Herédia (2015), Romero (2017), Tedesco (2016, 2017), Tedesco
e Mello (2015a, 2015b), entre outros.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 287


uma prática uniforme, possui uma diversidade de expressões, entre as
quais suas vertentes sufis de caráter místico como o Muridismo4, uma
das confrarias mais representativas no contexto dos senegaleses que
deixam sua terra natal.
Esse fato pode ser compreendido pela ótica de Geertz (2018), que
afirma que as práticas religiosas “modelam” a vida dos sujeitos. A reli-
gião e seus símbolos sintetizam o ethos de um povo, “[...] o tom, o caráter
e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticos – e
sua visão de mundo” (Geertz, 2008, p. 103). Sob essa perspectiva, a reli-
gião é um dos elementos que regula as ações humanas.
Diante do complexo cenário das religiões no mundo, Geertz (2004)
afirma que os estudos nessa área não devem se deter em propriedades
universais, mas nas diferentes formas como a religiosidade se expressa
na sociedade. Em seu estudo comparativo sobre a islamização do Mar-
rocos e a Indonésia, o autor mostra como as especificidades que envol-
vem um e outro país e suas próprias culturas foram capazes de produzir
maneiras diferenciadas de pertencimento à religião islâmica, no sentido
que “tipos particulares de fé [...] florescem em tipos particulares de so-
ciedades” (Geertz, 2008, p. 33).
Sob essa perspectiva, de uma tentativa de compreensão das par-
ticularidades dos significados da vivência da religião por senegaleses
murides no contexto migratório, é que este artigo se debruça, com o
intuito de apresentar as raízes que nutrem a continuidade das práticas
religiosas no cenário de destino. Para discutir essa realidade, apresento
aspectos do percurso etnográfico que realizei, em especial, na cidade de
Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul5, durante os últimos cinco anos; e
também de uma vivência no Senegal, com duração de duas semanas, no
mês de março de 2017. Os registros apresentados são fruto do conteúdo
do diário de campo entre os anos de 2013 e 2018.
Neste trabalho, trago a exposição de recortes da tese intitulada
“Cantos religiosos de senegaleses murides: escrita, leitura, poética vo-
4
  Opto pela palavra Muridismo, que é como os senegaleses assim a representam graficamente
no Brasil, ao menos na maioria das situações. É frequente, ainda, a grafia Mouridismo, em
francês.
5
  No mesmo período também realizei etnografia nas cidades de Porto Alegre e Passo Fundo.

288 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
cal e performance”, orientada pelo professor Dr. Rafael José dos Santos,
defendida em agosto de 2018 junto ao Programa de Doutorado em Le-
tras – Associação Ampla UCS-UniRitter.
O intuito é refletir sobre aspectos observados no percurso etno-
gráfico, que podem tornar possível um melhor entendimento sobre as
práticas religiosas no cenário migratório. Para fins de contextualização,
apresento alguns apontamentos teóricos sobre o islamismo na África,
em especial, sobre o Muridismo, de cuja confraria provém grande par-
te dos imigrantes que integram a diáspora senegalesa, revelando um
transnacionalismo religioso (Arduino, 2011; Zubrzycki, 2011; Tedesco;
Mello, 2015b).

Muridismo: o Islã sufi do Senegal

No final do século X, emergia o mundo islâmico, que era unifi-


cado por uma cultura religiosa comum, expressa pela língua árabe e por
relações construídas pelo comércio, pela imigração e pela peregrinação.
Esse mundo islâmico formava um grupo dominante na Arábia Ociden-
tal, criando uma aliança de interesses com a ideia de expansão das so-
ciedades as quais governava. Os recursos militares e administrativos do
então comando desse grupo, o Califado Abácida, não eram suficientes
para manter a estrutura de unidade política na época, num Império que
se alargava da Ásia Central à costa do Atlântico. A partir do século X, a
história política dos países muçulmanos desmembrou-se em uma série
de histórias regionais, de ascensão e queda de dinastias, em que o poder
era irradiado de suas capitais para fronteiras em geral não claramente
definidas (Hourani, 1994, p. 99). Fruto dessa expansão, o islamis-
mo chegou à África, difundindo-se, conforme Demant (2013, p. 73-74)
“mais pelo comércio, pela migração e pela influência pessoal de profes-
sores e místicos do que propriamente pela conquista militar”.
Dos séculos X a XVI, as populações eram, em sua maioria, politeís-
tas. As colônias de muçulmanos ficavam separadas da corte real, porém,

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 289


sua cultura logo se comprovou útil para os monarcas, que se aproveita-
vam do conhecimento, empregando-os como administradores letrados,
beneficiando-se da suposta superioridade mágica dos rituais do Islã
para ganhar batalhas e consolidar sua legitimidade. Para Demant (2013,
p. 75), “essa eficiência conduzia a uma certa adoção do Islã; todavia cul-
tos animistas anteriores continuavam concorrendo e se misturando com
a nova fé”. Assim, alguns reis convertidos auxiliaram o avanço do Islã.
“Nos próximos séculos, até às vésperas da colonização europeia, o Islã
constituiu a principal presença ‘importada’ no continente negro – uma
presença, contudo, já fortemente integrada nas sociedades africanas na-
tivas” (Demant, 2013, p. 75).
Os primeiros relatos da presença do Islã, no que hoje é o territó-
rio do Senegal, remontam à primeira metade do século XI. Nesse perío-
do, segundo Babou (2007), o Islã se espalhou pelo vale do rio Senegal
devido aos esforços de Waar Jaabi, o primeiro governante de Tekrur (no
norte do Senegal), para se tornar muçulmano. Waar Jaabi era um defen-
sor do movimento Almorávida, que se originou na atual Mauritânia e
então estabeleceu sua dominação política sobre o Marrocos e o sul da
Espanha.
Pouco se sabe sobre o desenvolvimento do Islã nessa área geográfi-
ca habitada pelo povo denominado Wolof nos quatro séculos seguintes.
A partir do século XV, relatos de viajantes e escritores europeus dão
indícios que as práticas islâmicas nos estados wolofianos era superficial
e basicamente confinada à classe dominante6. Na época, o Islã era prati-
cado entre os wolof, especialmente pelos governantes e seus seguidores.
O rei e a nobreza de Wolof (o primeiro estado wolof historicamente co-
nhecido) eram seguidores de Maomé, mas apenas uma minoria da po-
pulação leiga era muçulmana. Havia a influência religiosa dos clérigos
mouros da Mauritânia e do Marrocos no reino Wolof, cuja sociedade
era caracterizada, principalmente, por misturas religiosas, segundo as
quais os rituais islâmicos eram observados ao lado de elementos das
religiões tradicionais (Babou, 2007).

6
  Babou (2007), aqui, baseia-se nos apontamentos dos autores Alvise da Mosto e Valentin
Fernandes.

290 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
A partir do século XVI, a mudança das circunstâncias políticas deu
um ímpeto ao desenvolvimento do Islã, que, nesse século, começou a se
expandir gradualmente nos círculos de poder. Esse desenvolvimento
ocorreu, em parte, devido ao surgimento de novas políticas. Ocorreu a
queda do Império Wolof, que dominava a paisagem política do Senegal
por mais de dois séculos. Esse acontecimento deu origem a uma série
de estados menores, entre os quais os reinos wolofianos de Jolof, Waalo,
Kajoor e Bawol, e o estado de Saalum, dominado pelas dinastias Wolof
e Sereer (Babou, 2007).
Esses estados wolof compartilhavam estruturas sociais e políticas
semelhantes, caracterizadas por uma divisão em grupos ocupacionais
endógamos, em um sistema de castas, e a presença de classes de escra-
vos, governantes e homens livres. Os governantes desses novos estados
estavam mais abertos à influência de comerciantes e clérigos muçulma-
nos que lhes forneciam bens materiais e opiniões sobre o governo (Ba-
bou, 2007).
Nesse período, o continente africano foi marcado por confrarias
sufis, as tariqa (que significa, em árabe, “via” ou “caminho”; singular
turuq), que abriram uma nova página na história religiosa do Senegal,
como em várias outras partes do continente. As confrarias que marcam
o espaço religioso senegalês se subdividem em duas categorias: as cha-
madas alogênicas – com origem fora do Senegal –, como a Qâdiriyya e
Tijâniyya, e as endógenas – nascidas no Senegal –, como a Muridiyya
(Sambe, 2007). Os tijanes são a maioria, com 49% de praticantes no país,
seguidos dos murides, com 31% (Thiam, 2010). As outras confrarias me-
nores somam os outros 20%.
O sufismo é conhecido como um conjunto de correntes místicas
do Islã, tendo seus preceitos descritos no Alcorão. Sua etimologia revela
uma derivação da palavra árabe safa ou sawf, que significa pureza e lim-
pidez. Também significa lã (al-Souf), que o povo simples da cidade de
Kufa costumava vestir. É um movimento de transcendência, de proxi-
midade de Deus (Hourani, 1994, p. 87). “The ultimate goal is to become
a wali Allah (friend of God)”7, liberando-se das garras de preocupações

  Tradução da autora: “O objetivo é tornar-se um wallAllah (amigo de Deus)”.


7

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 291


mundanas para elevar gradualmente o espírito em direção ao Reino de
Deus (Babou, 2007, l. 126).
O sufismo, de acordo com Babou (2007, p. 132-143), passou por três
fases:

• 1ª fase, chamada khanaqah (lugar de estudos sufi), nos séculos


VIII a XII: foi o período de amadurecimento das ideias e de de-
senvolvimento intelectual dos pensadores sufis, em que houve
a organização social entre mestres e discípulos, porém, ainda
de maneira informal.

• 2ª fase, chamada tariqa (confraria mística), nos séculos XIII a XV:


foi o ciclo em que o sufismo tornou-se mais institucionalizado.
Discípulos e aspirantes organizavam-se em diferentes ordens
místicas, cada uma desenvolvendo um conjunto de exercícios
espirituais, tendo como lideranças xeiques ligados a linhagens
santas (silsila).

• 3ª fase, chamada taifa (principado muçulmano), nos séculos XV


em diante: nessa fase, houve um aumento da representação do
poder (baraka8) do xeique, passado de forma hereditária, dando
origem a poderosas dinastias santas, com status especial basea-
do na descendência. O sufismo passou de uma prática de elite
para um movimento devocional atraente para a população.

Para Sambe (2007, p. 2), as confrarias sufis no Senegal, bem como


na África Ocidental, além do importante papel que tiveram na expansão
do Islã e na sua adaptação às culturas africanas – sendo os principais
centros produtores de saber religioso –, desde há muito tempo desem-
penham relevantes papéis sociais e políticos. Nos séculos XVIII e XIX,
as confrarias estiveram na origem de algumas importantes teocracias
muçulmanas e na linha de combate à conquista colonial. Desde finais
do século XIX, os seus dirigentes tornaram-se, em inúmeros casos, os
principais intermediários entre as populações muçulmanas e o Estado.
  Baraka significa dom divino, bênção. O termo será explicado com mais detalhes a seguir.
8

292 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
É o caso do Senegal, em que as confrarias têm desempenhado, desde o
início do século XIX, um papel fundamental na expansão e formatação
do Islã, além de uma importante função de influência econômica, social
e na cultura política e administrativa subjacente ao Estado colonial e
pós-colonial.
As relações do Estado com as confrarias muçulmanas sufis foram
construindo a história do Senegal. Nesse processo, emerge o papel dos
marabus9 (ou marabouts), “termo que de uma forma genérica desde o
tempo colonial designa no Senegal e nos países vizinhos os dirigentes
das confrarias (califas, serignes10, xeiques), e são hoje, como no passado
colonial, uma referência essencial no jogo político senegalês” (Sambe,
2007, p. 2). Babou (2007, l. 159), cita um dos autores pioneiros a tratar
sobre o Islã no Senegal, o francês colonialista Paul Marty (1882-1938),
para descrever os marabus: “The black Muslims of Senegal align them-
selves, without exception, behind the banner of marabouts. They do not
conceive of Islam outside the affiliation to a Sufi order, or more exactly,
without allegiance to a ‘serigne’[...]”.11
Grande parte dos mais importantes marabus descende dos funda-
dores das confrarias ou dos seus ramos locais, tendo influente domi-
nação sobre os discípulos (taalibe, singular: taalib), por meio da baraka,
que é um poder que emana de Deus (Babou, 2010, l. 170). A baraka se
transmite “[...] predominantemente no interior das famílias de marabou-
ts e de todo o conhecimento religioso dos taalibe ser adquirido através
de uma cadeia de transmissão de autoridade espiritual e intelectual ini-
ciada pelo fundador e controlada pelos seus sucessores (silsila)” (Sambe,
2007, p. 3).

9
  De acordo com relatos de campo, a figura do marabu é fundamental dentro das práticas
murides, como exemplo moral e intelectual, e de ligação direta com o líder maior, que lhes
transmitiu baraka. Os murides apresentam especial respeito e fidelidade a seus marabus, pois
representam para eles a continuidade da vida e da missão de Cheikh Ahmadou Bamba. Cada
muride segue, geralmente, o marabu ao qual seu pai já era seguidor. É a linhagem paterna que
define esse processo, sendo que a mulher, ao casar, acaba por seguir o marabu do seu marido.
10
  Serigne, “cheikh” (em árabe), significa líder religioso de grande prestígio.
11
  Tradução da autora: “Os muçulmanos negros do Senegal se alinham, sem exceção, atrás da
bandeira dos marabus. Eles não concebem o Islã fora da afiliação a uma ordem sufi, ou mais
exatamente, sem fidelidade a um ‘serigne’ [...]”.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 293


Cheikh Ahmadou Bamba, o fundador do Muridismo

Na metade do século XIX, dentro da área de colônia francesa no


centro do Senegal, vivia uma proeminente e respeitada família de estu-
diosos muçulmanos, pertencentes à confraria Qadiriyya (Qadiri Tarīqah).
Nessa família, em 1853, na aldeia de Khuru Mbakke (Mbacké), no rei-
no wolof de Bawol, nasceu Cheikh Ahmadou Bamba Mbacké12. Seu pai
foi juiz, acadêmico, professor, líder da comunidade muçulmana local e
conselheiro do rei de Kajoor (Cayor). Sua mãe, Maam Jaara Buso (Mame
Diarra Buso), era uma mulher erudita e uma esposa e mãe exemplares,
dotada de grande poder espiritual. Nesse cenário, Ahmadou Bamba de-
monstrava interesse precoce em relação aos estudos islâmicos e místi-
cos, muitas vezes passando longos períodos longe de seus colegas de
escola para meditar sozinho no mato (Babou, 2007, l. 652).
Ele recebeu a educação padrão para as crianças muçulmanas da
região: começou seu estudo preliminar de árabe e memorização do Al-
corão aos sete anos, finalizando essa fase aos doze. Depois, ele estudou
ciências linguísticas, como gramática, retórica e prosódia árabes, além
de ciências islâmicas de tafsir (exegese do Alcorão), hadith (as tradições
do Profeta do Islã), sira (a história da vida do Profeta), fiqh (jurisprudên-
cia islâmica) e tasawwuf (misticismo islâmico, sufismo). Bamba rapida-
mente ganhou reputação como professor, sendo descrito como paciente
e brilhante, com uma aptidão especial para poesia, resumindo muitos
dos textos que ele estudou em versos (Babou, 2007, l. 782), denominados
khassidas13.
Seus primeiros escritos concentraram-se em tawhīd (teologia ou es-
tudo racional da unicidade de Deus), fiqh e Shari’ah (jurisprudência e
lei islâmica, como o correto desempenho dos rituais e comportamento
religioso) e tasawwuf (misticismo e sufismo). Essa estrutura de três ca-
madas foi a característica essencial da formação de Bamba, que marcou
a sua epistemologia e seu sistema educacional. Para o ele, o principal
12
  Cheikh Ahmadou Bamba também é conhecido como Serigne Touba, entre outros nomes.
13
  A minha tese de doutorado versa, principalmente, sobre a poética vocal, performance e
significações envoltas nos cantos de khassidas (Rossa, 2018). Ainda sobre a mesma temática ver
Rossa (2017).

294 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
dever do ser humano era buscar a educa-
ção, que levava as pessoas a serem bons
muçulmanos (Babou, 2007, l. 1201). No
entanto, ele preconizava que era preciso
aliar conhecimento e prática religiosa.
O sistema que Bamba projetou foi
uma educação ao longo da vida voltada
para transformar o caráter e o comporta-
mento do discípulo. Ele compreendia três
etapas principais: a educação exotérica,
ou taalim, que visava transmitir conhe-
cimento através do estudo do Alcorão e
das ciências islâmicas; a educação esoté-
rica, ou tarhiyya, que visava à educação
da alma; e a sua ascensão, a targirya. Este
terceiro passo era atingido por apenas
um pequeno número de discípulos espe-
Fig. 1. Cheikh Ahmadou Bamba.
cialmente capacitados, permitindo a ele- Fonte: Babou (2007). Esta foto
vação de suas almas além da futilidade é a única imagem real existente
do líder.
da vida material, colocando-os em uma
posição de liderança na comunidade (Ba-
bou, 2007, l. 1201). Assim, os conceitos sufis de taalim, tarbiyya e tarhiyya
moldavam o sistema educacional de Bamba e eram familiares aos clé-
rigos instruídos. O que ele trouxe de novo foi o esforço para realmente
dar conteúdo educacional concreto a essas noções abstratas. Uma de
suas preocupações era encontrar um método que ajudasse a traduzir as
crenças internas em práticas exteriores (Babou, 2007, l. 1213).
Embora Bamba fosse o assistente e secretário de seu pai, também
mostrou uma forte tendência à independência. Seus pensamentos fo-
ram influenciados por outras ordens e mestres sufis, como Ghazali, que
era reconhecido na época por suas ideias renovadoras do Islã, concilian-
do a interpretação racional e rigorosa da religião com a espiritualidade
e esoterismo místico (Babou, 2007, l. 1157).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 295


Nesse sentido, o sufismo é uma “ciência da práxis”, enraizada na
sharia, as leis islâmicas baseadas no Alcorão, e no misticismo voltado à
educação do coração. Essa preocupação foi reafirmada em seus ensina-
mentos e trabalhos eruditos, nos quais a crença na unicidade de Deus
e sua adoração sempre vieram antes da purificação. A ideia do líder foi
moldada pelo desejo de misturar misticismo, sharia e envolvimento na
sociedade (Babou, 2007, l. 1169).
Bamba era adepto de um sufismo minimalista, que associava
esoterismo moderado e respeito aos rituais ortodoxos (Babou, 2007, l.
1279). As particularidades do pensamento de Bamba fizeram com que
ele fundasse a sua própria tariqa, após implantar a tarhiyya como méto-
do de estudo (Babou, 2007, l. 1149). Assim, em 1887, fundou a aldeia de
Touba, localizada a 193 km de Dakar, que se tornou local sagrado e de
peregrinação para os murides.
A reputação de piedade e erudição do líder atraiu para junto dele
uma grande massa de discípulos. Essa comunidade, de base wolof
(membros da aristocracia, antigos guerreiros, camponeses, descenden-
tes das classes servis, antigos escravos), já no início dos anos 1890, con-
tava com várias centenas de membros, na sua maioria implicados no
cultivo, em grandes extensões, de amendoim (Dias, 2007, p. 2).
Entre seus ensinamentos, Babou (2007, l. 1279) destaca uma fala
de Bamba que descreve o que ele desejava dos seus discípulos: “The
genuine Murid is the sincere disciple who loves his sheikh, submits to
his service and gives hadiyya [offering, present, gift]”.14
Com o passar do tempo, a forte liderança de Bamba em relação ao
seu grupo de seguidores chamou a atenção do poder colonial francês,
que não estava de acordo com o proselitismo da confraria e a atitude
pouco cooperante do seu líder com a administração da época. Assim,
as relações entre Ahmadou Bamba e o poder se deterioraram nos anos
seguintes, levando a administração colonial, que o acusava de subver-
são, a exilá-lo por duas vezes, a primeira no Gabão, entre 1895-1902, e
a segunda na Mauritânia 1902-1907. Em seu retorno do exílio, ele viveu

  Tradução da autora: “O muride genuíno é o discípulo sincero que ama seu xeique, submete-
14

se a seu serviço e oferece ofertas e presentes”.

296 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
em residência vigiada, em Diourbel, até sua morte, em 1927 (Kane, 2010,
p. 50).
Todas as provações pelas quais Bamba passou frente aos emba-
tes com a administração da colônia francesa aumentaram ainda mais
a admiração de seus seguidores. E uma das heranças religiosas mais
importantes deixadas pelo seu líder aos murides é o Grand Magal de
Touba (Grande Festa de Touba), que é a principal celebração muride.
De acordo com Bava e Gueye (2001, p. 424), o Grand Magal é comemora-
do no dia 18 do mês de Safar do calendário muçulmano. O desenvolvi-
mento desse evento e seus significados são característicos da evolução
dos bens religiosos para a autoridade da irmandade e seus membros.
A celebração é um pedido feito pelo próprio Cheikh Ahmadou Bamba
aos seus discípulos, em comemoração ao aniversário de sua primeira
partida para o exílio no Gabão.
Já que a administração colonial queria quebrar seu ímpeto e de sua
irmandade, ele escolheu essa data especialmente pelo significado que
deu às provações, que ele acabou chamando de “benefícios”. Ou seja,
esses testes que lhe permitiram, de acordo com a lógica sufi, acessar as
mais altas graças divinas. Ahmadou Bamba teria agradecido ao Senhor
por esse isolamento que o tirou dos homens e o aproximou dele, de seus
companheiros e anjos. Ele teria entrado em um pacto de lealdade com
o profeta a fim de alcançar o estágio espiritual que desejava. Para isso,
foi preciso se afastar de Touba, onde ele estava protegido pelo poder
divino, para enfrentar o seu destino e passar por muitas dificuldades,
o que contribuiu com sua busca espiritual (Bava; Gueye, 2001, p. 424).
O Magal de Touba, ao longo do tempo, foi transformado em um
feriado religioso, em que ocorrem celebrações com diferentes práticas,
como cantos de khassidas, recitação do Alcorão e orações, além de visitas
a marabus, à mesquita, aos mausoléus e a outros lugares sagrados. Mais
do que uma comemoração, esse momento de exaltação coletivo é um
ato global de captura do poder sacral da irmandade muride por meio
da baraka. Nesse dia, quase dois milhões de discípulos do Senegal e de
todo o mundo visitam Touba (Bava; Gueye, 2001, p. 424).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 297


De acordo com Kane (2011,
p. 51), nas últimas décadas sur-
giu no Senegal um movimento
dentro do Muridismo chamado
Hizbou Tarqiya (ou Hizbou Tar-
qiyyah), que foi criado por es-
tudantes da dahira15 (associação
religiosa) muride da Universi-
Fig. 2. Grand Magal de Touba (Senegal).
Fonte: Reprodução Jumia Travel (2015). dade de Dakar durante o ano
Disponível em: https://travel.jumia.com/blog/fr/ letivo de 1975-1976. Essa neo-
magal-touba-1640. Acesso em: 7 nov. 2016.
confraria tornou-se uma das
mais poderosas organizações de toda a África subsaariana. Em Touba,
a organização possui uma sede fundada em 1981, em uma área de sete
hectares de terra. Nesta área, há escolas modernas do jardim de infância
ao ensino médio, uma grande mesquita e locais de encontro e formação,
onde foi criado o Instituto de Estudos e Pesquisa sobre o Muridismo,
que, entre as atividades, organiza seminários sobre diferentes aspectos
do Islã no Senegal (Kane, 2011, p. 51). Esse movimento administra di-
versas atividades econômicas no País. Além disso, recebe contribuições
financeiras significativas de seus membros no Senegal e na diáspora
(Kane, 2011, p. 52).

Relato etnográfico: o Muridismo no cenário da diáspora

A etnografia que realizei junto à comunidade senegalesa em


Caxias do Sul, em especial, permitiu identificar uma série de práticas re-
ligiosas murides no cenário da diáspora16. Uma das manifestações mais
representativas é o Grand Magal de Touba, que é realizado em Caxias do

15  As dahiras podem ser organizadas de acordo com a aldeia de origem ou de acordo com a
categoria socioprofissional do muride, como, por exemplo, dahira de estudantes, de estivadores,
de trabalhadores de uma determinada área (Kane, 2011, p. 51).
16
  Destaco que existem diversos imigrantes senegaleses na cidade que são de outras confrarias,
como os tijanes, que, muitas vezes, também participam das práticas murides.

298 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Sul desde 201217, sendo que participei de todas as edições entre 2013 e
2018. As características do evento se repetem, edição após edição, com
grande mobilização entre os integrantes da confraria para a organização
da festa – aberta à comunidade –, que reúne centenas de imigrantes não
só da cidade, mas também de cidades vizinhas menores.
A organização do Grand Magal inicia-se com antecedência, com
diversas atividades, como, por exemplo, a produção de material gráfico
especial contendo as informações sobre data, programação e local da
festa. O objetivo é atingir não somente os senegaleses, mas especialmen-
te os brasileiros18. Em todos os eventos do Magal de Touba que partici-
pei, a lógica de funcionamento foi sempre a mesma: uma celebração que
vai da manhã ao início da noite. No evento são servidos café Touba19 e
pratos típicos do Senegal, há momentos de salāt (ritual de prece dos mu-
çulmanos cinco vezes ao
dia), e, de maneira quase
ininterrupta, há cantos
de khassida, entoados, na
maior parte por um ku-
rel (coral) ou individual-
mente.
Uma prática comum
entre os senegaleses em
diáspora é a instalação de
uma dahira. Nas dahiras
são realizados encontros Fig. 3. Kurel Khassida em Magal de Touba em
Caxias do Sul. Fonte: Foto da autora (2016).
semanais, principalmente

17
  Ou seja, desde o primeiro ano da chegada dos primeiros imigrantes senegaleses à cidade. Ver
Rossa (2018).
18
  Os imigrantes fazem questão da grande participação de brasileiros no Magal de Touba para
a popularização de suas crenças. No caso dos gestores de empresas que empregam murides, é
importante que eles compreendam o significado da celebração e liberem seus funcionários nesse
dia, caso a data não ocorra em final de semana. Assim, além da hospitalidade característica dos
imigrantes senegaleses, esse é um momento em que se procura difundir a sua cultura religiosa
em todos os âmbitos de suas convivências.
19
  Café típico senegalês, condimentado com especiarias como djar, uma semente moída de uma
árvore de mesmo nome do Senegal.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 299


aos domingos à tarde, quando são feitas as práticas religiosas como a
recitação de khassidas e leitura do Alcorão. Funciona em modelo de as-
sociação, de cujos praticantes murides recebe contribuição financeira
mensal. Em Caxias do Sul, a dahira denominada Nourou Narayni20 teve
sua primeira instalação, em 2014, no bairro Floresta, a cerca de quatro
quilômetros do centro da cidade. Posteriormente, mudou-se para o cen-
tro de Caxias do Sul, e atualmente encontra-se a quatro quilômetros da
área central, no bairro Cruzeiro.
Também há o hábito
dos murides imigrantes
realizarem encontros da
dahira em locais públicos,
como é mais comum na
praça central da cidade,
chamada Dante Alighie-
ri, em frente à catedral
diocesana. Essa prática
revela a ocupação dos es-
paços por esses imigran-
Fig. 4. Dahira, no bairro centro, em Caxias do
Sul. Fonte: Foto da autora (2016).
tes e o desejo de mos-
trarem a sua fé para os
moradores de Caxias do Sul, buscando maior integração por meio do
compartilhamento de suas práticas religiosas.
A manutenção dos laços religiosos da terra natal é realizada, tam-
bém, pela visita de marabus aos imigrantes. A primeira visita de um ma-
rabu que acompanhei foi a de Serigne Khalil Mbacké, em maio de 2014,
em um ginásio de esportes de Caxias do Sul, com a participação de cen-
tenas de imigrantes.
Uma das mais importantes visitas de marabus à cidade até o mo-
mento ocorreu em março de 2015, no auditório de um colégio particu-
lar, no centro da cidade. O local ficou lotado, com a participação de mais
de 500 imigrantes senegaleses que vieram prestigiar Serigne Mame Mor

20
  Nourou Narayni significa “a luz dos dois mundos, ou seja, a terra e o céu” (DIÁRIO DE
CAMPO, 2016).

300 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Mbacké, referência política,
religiosa e acadêmica no Se-
negal e no cenário da diáspo-
ra. Na ocasião, durante seu
discurso, o líder falou da im-
portância que tinha para ele
conhecer detalhes da adap-
tação dos senegaleses no
território de destino. Além Fig. 5. Dahira em espaço público, na praça central
disso, destacou a necessida- de Caxias do Sul. Fonte: Foto da autora (2017).
de dos murides obedecerem
às leis locais e serem bons
exemplos de conduta, para
que não houvesse uma ima-
gem negativa da comunida-
de senegalesa no local que a
recebeu.
Essas e outras manifes-
tações religiosas vivenciadas
durante o percurso etnográ-
fico permitem perceber que
as comunidades murides Fig. 6. Ginásio esportivo lotado para a visita do marabu
Serigne Khalil Mbacké. Fonte: Foto da autora (2014).
formadas por imigrantes
senegaleses diferem-se das
comunidades formadas por
imigrantes contemporâneos
vindos de outros países,
como do Haiti, que também
manifestam suas crenças,
mas, talvez, não de forma
tão vigorosa como os muri-
des vindos do Senegal.

Fig. 7. Visita do marabu Serigne Mame Mor Mbacké (de


branco).Fonte: Foto da autora (2015).
Relato etnográfico: o Muridismo no Senegal

A oportunidade de visitar o Senegal permitiu adentrar no comple-


xo cenário das raízes da fé muride. Quando cheguei à capital Dakar, já
foi possível perceber o quanto Cheikh Ahmadou Bamba influenciava
vida das pessoas no Senegal. Mas foi no interior do país que as mani-
festações ficaram mais evidentes. A viagem de cerca de 200 quilômetros
rumo ao interior do Senegal começou a dar a dimensão de como re-
percute a imagem do líder fundador do Muridismo, tendo sua imagem
estampada, por exemplo, em carros, ônibus e placas.
A minha experiência no Senegal centrou-se, principalmente, em
duas cidades: Touba – por ser a cidade fundada por Cheikh Ahmadou
Bamba e concentrar o que há de mais importante para os murides em
termos históricos e materiais – e Diourbel – cidade vizinha à Touba,
onde o líder religioso viveu seus últimos 15 anos21.
Andar por essas cidades permitiu observar, em praticamente todas
as pessoas, vestimentas muçulmanas e mulheres com a cabeça coberta.
Tanto nos rádios dos estabelecimentos e dos táxis como no toque dos
celulares, era comum eu ouvir cantos religiosos e recitação de Alcorão.
O nome e imagem de Cheikh Ahmadou Bamba também estavam pre-
sentes nas paredes das residências e nos negócios, tendo, ainda, uma
especial referência à mãe do líder Maam Jaara Buso.
A herança religiosa é algo que se transmite desde cedo na vida dos
murides. Com cerca de cinco anos, a maioria das crianças senegalesas
passa a frequentar a escola corânica22, chamada de dahara, onde ocorre
uma espécie de catequese sobre o muridismo. Tive a oportunidade de
visitar duas dessas escolas, a Abdou Dieng, em Touba, a Serigne Mous-
tafa Gueye, em Diourbel.
21
  Realizei visita a outras pequenas cidades no interior, tendo destaque, também, Mbacke
Kadior, onde os murides afirmam ter nascido o Muridismo. Este é um local onde há uma aldeia
composta por murides Baye Fall, que é uma vertente da confraria, cujo principal expoente é
Cheick Ibrahima Fall, contemporâneo de Cheick Ahmadou Bamba e considerado seu maior
discípulo. Sobre esse tema, devo dedicar-me em um futuro estudo. Nessa cidade, está sendo
construído um complexo muride, que servirá como centro de encontros religiosos.
22
  Deposita-se na escola corânica grande importância no processo de islamização na África
Ocidental. Sobre esse aspecto, ver estudo de Mota (2018).

302 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Fig. 8. Gráfica em Touba com o nome em
homenagem a Cheikh Ahmadou Bamba.
Fonte: Foto da autora (2017).

Nessas escolas, ocorre, em primei-


ro lugar, a alfabetização em árabe23. A
permanência maior ou menor na esco-
la – cerca de três a cinco anos – vai de-
pender do desejo da família da criança.
Somente após esse período na escola
corânica é que as crianças ingressam
na escola regular francesa.
Quanto maior o tempo na escola
corânica, mais entendimento da língua
árabe e dos preceitos religiosos terá o
aprendiz. O primeiro nível de aprendi-
zado é a alfabetização em árabe, o que Fig. 9. Serraria em Touba com o nome
em homenagem à mãe de Bamba.
permite a decodificação das escrituras Fonte: Foto da autora (2017).
sagradas24. Crianças que permanecem
mais tempo passam para um nível mais profundo do aprendizado da
língua, que consiste no entendimento do significado dos textos do Al-
corão e das khassidas. A esses processos de aprendizagem, soma-se o
ensino de fundamentos de ciências da religião.
Nas duas escolas, percebeu-se uma estrutura muito simples, sem
quadro negro e outros materiais didáticos. As crianças não possuem
carteiras e cadeiras, sentam em tapetes no chão de areia. A manutenção
das escolas se dá por contribuições das famílias das crianças e por doa-
ções espontâneas de fiéis.
Muitas vezes as crianças passam por algumas dificuldades, como a
necessidade de pedir esmolas e comida na vizinhança, algo que, soma-
do a outras experiências nesse período, de acordo com o líder de uma
das escolas, vai contribuir com a formação do caráter dos jovens muri-
23
  A língua oficial do Senegal é o francês. Também se falam diversas línguas locais, sendo a
principal delas o wolof, a cuja etnia de mesmo nome pertence grande parte da população
senegalesa.
24
  Discorro na minha tese sobre esse aspecto (Rossa, 2018). Muitos murides leem em árabe,
mas não necessariamente compreendem a totalidade dessas leituras.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 303


des, fortalecendo-os para a superação de dificuldades da vida. Um de
meus interlocutores da pesquisa no Senegal contou-me sobre o baol baol,
o espírito de humildade dos murides, que contribui, inclusive, com a
maior facilidade de adaptação dos senegaleses no contexto migratório.

Fig. 10. Escola corânica (dahara) em Touba. Fonte: Foto da autora (2017).

O aprendizado do árabe contribui para a manutenção religiosa de


forma bastante significativa, já que muitas das práticas estão centradas
na palavra escrita, tanto do Alcorão como das khassidas. Principalmente
no interior do país, as khassidas estão por toda a parte. Elas são vendidas
nas ruas e em pequenos negócios. Além do consumo para leitura e canto
dos poemas de Bamba, elas também podem servir como proteção.
De fato, as khassidas são primordiais na vida dos murides, sendo
que eles exaltam a capacidade de escrita “sobre-humana” que o
líder possuía, culminando no que eles repetidamente falam: as sete
toneladas de poemas de louvor a Deus e ao profeta Maomé. A ideia
de sete toneladas revela a importância que a comunidade muride dá à
quantidade de textos escritos pelo líder.

304 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Fig. 11. Originais escritos por Cheikh
Ahmadou Bamba, na Biblioteca
Daaray Kamil, em Touba. Fonte: Foto
da autora (2017).

Na biblioteca Daaray
Kamil, em Touba, estão dis-
postos em prateleiras os ma-
nuscritos de Cheikh Ahma-
dou Bamba, cujos volumes
são encapados e catalogados. Esse é um local bastante sagrado da bi-
blioteca, sendo zelado por um curador, cujo pai também fazia a mesma
função.
Em outra sala da biblioteca, há um espaço reservado para os per-
tences de Bamba, com destaque para a sua cama, e sobre ela, exatamen-
te como ele fazia, estão exemplares seus de Alcorão. O responsável pelo
espaço explicou que, para o fundador do Muridismo, esses livros eram
mais importantes do que ele, e, por isso, mereciam repousar confortá-
veis sobre sua cama enquan-
to ele podia dormir no chão.
O lugar de maior sacra-
lidade para os murides é a
Grande Mesquita de Touba,
onde está sepultado o corpo
de Cheikh Ahmadou Bamba.
Ao redor de toda a quadra
que circunda o templo não Fig. 12. Exemplares de Alcorão de Bamba, sobre
é permito andar com os pés sua cama, em sala especial na Biblioteca Daaray
Kamil, em Touba. Fonte: Foto da autora (2017).
calçados. Percebe-se um in-
tenso respeito ao local, que tem capacidade para 7 mil pessoas. Há todo
um rigor para o ingresso na mesquita, que é zelada pelos descendentes
de Bamba e guardada por seguranças dia e noite. É um local de constan-
te peregrinação, sendo o ponto de encontro dos murides principalmente
durante o Grand Magal de Touba.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 305


Fig. 13. Mesquisa em
Touba. Fonte: Foto da
autora (2017).

Outro local bastante importante para os murides é o complexo reli-


gioso na cidade de Diourbel. O bairro central conta com diversos locais
sagrados, que contemplam uma mesquita e várias outras construções
utilizadas para fins religiosos. Foi-me concedida a oportunidade de che-
gar até a porta de entrada da sala onde faleceu Cheikh Ahmadou Bam-
ba, sendo que essa autorização não é comumente permitida a mulheres,
nem ao menos as muçulmanas25.
Também visitei o local
onde o fundador do Muri-
dismo estudava e escrevia,
além da residência onde ele
morou, lugar onde hoje está
instalado um museu com vá-
rios objetos que pertenceram
ao líder. Em cada um desses
locais do complexo religioso
em Diourbel há um zelador Fig. 14. Local onde faleceu Cheikh Ahmadou
permanente que cuida do es- Bamba, em Diourbel. Fonte: Foto da autora (2017).

  Meu interlocutor possuía grande prestígio junto aos líderes religiosos locais, e conseguiu a
25

autorização para a visita após a explicação dos fins da minha pesquisa. Destaco a forma positiva
como fui recebida por diferentes marabus, que demonstraram satisfação por “uma brasileira
estar pesquisando sobre o muridismo”.

306 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
paço, demonstrando a preocupação com a preservação dos elementos
físicos e espirituais envolvidos no local.
A preservação religiosa, contudo, está centrada fundamentalmen-
te na figura dos marabus. Os líderes religiosos são figuras de destaque,
com grande prestígio no Senegal. Durante a minha estada no país, tive
a oportunidade de conhecer e conversar com vários deles. Além disso,
acompanhei um encontro com o califa geral dos murides (equivalente
ao papa para os católicos) Serigne Sidi Makhtar Mbacké26 com dahiras
femininas em Touba. Era visível entre os presentes a ansiedade que pre-
cedeu o momento do encontro, que não durou mais do que alguns mi-
nutos com o líder.

Fig. 15. Encontro de dahiras femininas com o califa geral dos murides em Touba.
Fonte: Foto da autora (2017).

Os aspectos aqui elencados, entre tantos outros que presenciei no


Senegal, contribuem para embasar uma comparação com as práticas
realizadas no local de destino dos imigrantes. Como já apontado por

  O líder faleceu no mês de dezembro de 2017. Cher me passou um card que circulava no
26

WhatsApp dos imigrantes senegaleses com a notícia do falecimento. Nas redes sociais também
foram muitas as manifestações referentes à morte de Serigne Sidi Makhtar Mbacké.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 307


diversos autores, existe uma transposição de elementos e ritos, que aca-
bam contribuindo com o fator migratório em si, proporcionando maior
coesão da comunidade muride.

Reflexões e considerações finais

Acredito que tentar compreender as particularidades da vida dos


Senegaleses no cenário de diáspora, em especial, sobre aspectos religio-
sos, pode contribuir para a desmistificação de algumas opiniões massi-
ficadas, de entendimentos generalistas, como é o caso que ocorre com a
difusão de informações sobre a fé muçulmana, muitas vezes de caráter
depreciativo.
Mesmo que de forma não aprofundada, e longe de atingir a ple-
nitude de aspectos envolvidos entre o muridismo e sua relação com
a diáspora senegalesa, o objetivo principal deste estudo foi socializar
experiências etnográficas, por meio de alguns recortes descritivos e de
imagens, com o acréscimo de alguns apontamentos teóricos.
O encontro entre religião e migração, de acordo com Bava (2003),
expressa a circulação, a interação, o encontro mais do que a perda (mar-
cada pela partida da terra natal), e, finalmente, a recomposição, em vez
da aculturação. Assim, os ritos religiosos murides integram um trans-
nacionalismo religioso, que tem nas suas práticas uma oportunidade de
recomposição de uma identidade religiosa muride.
Esses apontamentos marcantes no contexto da diáspora nos ins-
tigam a perceber que os espaços de prática religiosa transpõem os as-
pectos espirituais, servindo, também, como um ambiente de proteção.
Como aponta Arduino (2011), o campo religioso age dentro de uma
perspectiva de comunidade, que se transnacionaliza dentro de uma he-
terogeneidade de fatores. Assim, é possível se manter os valores, costu-
mes e posturas, que proporcionam a manutenção da identidade do gru-
po e a conexão com o local de origem. Esse aspecto também contribui
no processo de adaptação simbólico-cultural, visando alcançar melhor
inclusão no território da diáspora.

308 ROSSA, J. Seguidores de Cheikh Ahmadou Bamba: apontamentos etnográficos sobre a vivência da fé...
Para Zubrzycki (2011), essas relações criadas nos países de destino
podem estar ligadas à questão de que o Muridismo é uma confraria
islâmica essencialmente senegalesa, estruturada por seu fundador em
torno da cidade de Touba, oportunizando uma diáspora ligada à cidade
a partir da emigração dos seus discípulos para o exterior. São fiéis que
aderem a um projeto comum, que constrói e reafirma a identificação
com a confraria, que representa um Islã predominantemente senegalês
em qualquer lugar do mundo. Esse é um contexto, inclusive, de manu-
tenção de recursos financeiros para a confraria por meio desses líderes.
Diante desses aspectos, torna-se possível compreender a figura re-
presentativa de Cheikh Ahmadou Bamba, que continua presente entre
seus discípulos por meio de seus herdeiros, os marabus, que simbolizam
a “presença viva” do seu líder e que permite a transmissão da baraka.
Isso tudo representa um estímulo à continuidade de suas diferentes prá-
ticas religiosas no país de destino, fundamentalmente ligadas às dahiras,
às festas religiosas, entre outras manifestações. São representações de
um universo simbólico muride, que pode tornar menos árido o territó-
rio de destino, podendo se configurar com um dos fatores que contri-
buem positivamente com a diáspora senegalesa.

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Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 311


Biblioteca central da Universidade
Cheikh Anta DIOP - UCAD–Dakar.
Foto: Emanuela Gamberoni.

312
Apresentação
Interculturalidade e inserção
sociolaboral:
Estratégias e contraposições da
presença de senegaleses no Centro-Norte
do Rio Grande do Sul

João Carlos Tedesco

A humanidade suporta mal os confins e os limites e, os


homens que os ultrapassam tornam-se “estrangeiros”.
(Bauman)

O
momento presente, ao que parece, um pouco movido pelos fatos
em torno de conflitos étnicos, culturais e de identidade social, num
mundo global que se diz aberto, revela maior premência do conví-
vio intercultural (Bauman, 2017).
A imigração faz desencadear uma realidade multicultural, que é,
de fato, a característica das sociedades complexas atuais. Sabemos que
as culturas não são estáticas, definitivas, nem paradigmáticas, ainda que
numa sociedade em constante mudança e cada vez mais multicultural
e multirracial. Há culturas e sociedades, ambas no plural; e nem uma
delas revela ser um sistema autônomo e independente. Há múltiplos
fatores que as dinamizam, determinam e vinculam.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 313


Autores continuam apontando a dificuldade do diálogo aberto, de-
sestereotipado com a diversidade, com o estrangeiro. A dificuldade que
temos de entender a cultura e o mundo como mutáveis, faz, também,
com que a diversidade aparece como ameaça, como impossibilidade de
convivência e de integração.
A interculturalidade se constrói nas relações sociais, na interdepen-
dência dessas, nas necessidades humanas de pertencimento, de coesão,
de sentir-se num grupo referenciado; expressa-se também nas determi-
nações de direitos e nos processos democráticos de agir e de participar,
ou seja, nas políticas inclusivas (Caetano; Paiva, 2018; Corte, 2002), nas
manifestações culturais, na luta por conquistas de espaços sociais.
Desse modo, a questão da integração e/ou inserção social e pro-
dutiva, ligada aos imigrantes, não se processa só no âmbito instrumen-
tal da língua e dos braços no universo do trabalho. No caso específico
da língua, revela-se como fundamental, porém, muitas vezes, há con-
dicionamentos culturais do acervo linguístico em questão de uma for-
ma unilateral, ou seja, pragmaticamente, imigrantes e não autóctones,
interessam-se pela aprendizagem da língua do espaço de destino (não
conhecemos ninguém em Passo Fundo que demonstrou interesse em
aprender a língua wolof, falada pelos senegaleses). Há necessidade do
alargamento dos contatos, das ocasiões de comunicação e das experiên-
cias em comum, da solidariedade mais ampla, superando as separações
e as divisões (Favaro; Napoli, 2002).
Entendemos que nesse mundo dito de fronteiras deslizantes (glo-
balização de várias dimensões) a convivência, num determinado espa-
ço, se faz, mais do que nunca, necessária, pois não dá para não reconhe-
cer a realidade da copresença em nossas sociedades. É um imperativo
para a sociedade maior saber que não importou só mão de obra, mas,
sim, pessoas, com seu mundo e seus problemas e os que a própria situa-
ção cotidiana produz.
A relação com a alteridade, numa sociedade que quer ser homo-
gênea em razão dos elementos universalizantes da globalização, colo-
ca em crise as certezas do nosso tempo, desse modo, relativiza noções,
como autonomia, autenticidade e identidades. Segundo Ajello (2000), só

314 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


é possível falar em interculturalidade no momento em que a noção de
identidade perde seu sentido estático, incorpora multiplicidade, dinâ-
mica, reciprocidade e relação com o outro. Daí a experiência migratória,
por exemplo, em conexão com a noção de estranhamento; esta última,
provocada pelo contato de diversas culturas, deverá produzir menos
temor a quem a experimenta.
Permitir e/ou reconhecer o limite, a incerteza (como o fazem os imi-
grantes, os que incorporam a identidade estigmatizada de estrangeiro)
poderá ser uma ocasião para experimentar novas formas de diferenças,
novas modalidades de convivência (Portera, 1993; Bauman, 2017). Isso
significa reconstituir ideais humanistas de diálogo, de respeito às dife-
renças e compreensão recíproca. Esse processo é difícil, mas necessário
para a convivência social, para que, nas culturas e interações de contato
interétnico, possamos ir além do mero assimilacionismo ou multicultu-
ralismo (Besozzi, 1995).
Dito isso de forma genérica, desejamos com esta singela reflexão
dar ênfase ao horizonte da interculturalidade e alguns dos processos
de inserção social no cenário de imigrantes senegaleses na sociedade
regional, em particular, tendo o município de Passo Fundo como epi-
centro, espaço de mais de uma década de presença desse grupo étnico.
Localizaremos dinâmicas conflituosas de convivência social, tentativas
de amenização, de assimilação, de intercâmbio cultural e religioso, es-
tratégias identitárias, aprendizagens e inserções em espaços escolares
de filhos de imigrantes, dentre outros aspectos, como horizontes rela-
cionais, estratégicos, integrativos entre imigrantes e autóctones. Talvez
sejam processos que não necessariamente revelam ações e/ou práticas
interculturais, porém denotam busca de espaços, tentativas de integra-
ção e interconhecimento, ritualização de saberes (arte, futebol, música,
gastronomia, crenças, inserções sociais, encontros interculturais etc.),
inserções em processos produtivos (mercantis em geral), reveladores de
seu ethos social como forma de produzir renda, construir mercados re-
lacionais e de sociabilidade étnica, pertencimentos de grupo, fortalecer
representações de si e permitir uma melhor convivência social no espa-
ço onde se localizam.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 315


A análise baseia-se em notícias de jornais, entrevistas diretas com
senegaleses, professores, diretores de escolas, secretário de Educação
do município, representantes do campo jurídico e da Associação dos
Senegaleses, bem como presenças em escolas e em momentos festivos
e interculturais, de discussão em torno de aspectos da presença de imi-
grantes no município, em espaços acadêmicos, midiáticos e junto à es-
fera pública municipal.
Fomos juntando um material e sistematizando conteúdos que ex-
pressavam fatos e seus desmembramentos junto aos imigrantes senega-
leses e, ao mesmo tempo, tentando refletir sobre a dinâmica da intercul-
turalidade e sua importância nesse cenário migratório regional.
O texto não objetiva mais do que uma tentativa de mapeamento e
reflexão em torno da pedagogia intercultural e alguns aspectos que en-
volveram ações de (co) presença de imigrantes senegaleses no referido
município, sejam no campo das festividades étnicas, dos regramentos
sociais, das questões e tragédias envolvendo relações de trabalho, no
campo afetivo, de lazer e cultura.
Utilizamo-nos de uma literatura, em boa parte, italiana sobre o con-
ceito e sua aplicabilidade em razão de que no referido país essa realida-
de imigratória é muito intensa e há muitos estudiosos em torno do tema,
também porque a utilizamos para alguns estudos em outros momentos
sobre a imigração de brasileiros no referido país.1

Elementos genéricos que compõem a noção de interculturalidade

Inúmeras reflexões contemporâneas no campo das ciências sociais


e da ciência da educação acentuam a natureza processual, dinâmica,
interrelacional das culturas e das identidades, bem como as pluridire-
cionalidades das bagagens culturais, principalmente com os intensos

1
  Estivemos por vários momentos fazendo pesquisa na Itália sobre brasileiros naquele país.
Desse modo, o tema da intercultura fez parte de nossa análise. Para consulta, ver TEDESCO,
J. C. Entre raízes e rotas: identidades e culturas em movimento. Itajaí/Passo Fundo: Univali/UPF
Editora, 2012.

316 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


fluxos migratórios (Portera, 1997). A imigração desenvolve a noção de
identidade, de reconhecimento do “outro”, de imperativo de construir
novas relações e de produzir alteridades (Bettetini, 2001).
Na noção de interculturalidade, a alteridade é seu mote maior. O
outro é visto não de forma pragmática, ou como alguém passível de
inserção unilateral num universo geográfico e relacional, mas na dupla
face, no encontro de desejos e possibilidades para além das diferenças
que marcam as relações.
É importante enfatizar que a interculturalidade não pode ser
identificada e deduzida unicamente do fenômeno imigratório. Essa vai
muito além. Contextos históricos, concepções de homem, de sociedade,
de cultura, de identidade, de convivência social, nas chamadas
“sociedades globais e complexas”, revelam necessidades, evidências,
desejos, possibilidades do processo intercultural. Isso significa
abertura, desejo de conhecer e conviver com o outro de forma recíproca,
compreender os processos que induzem a migrações, conceber a
convivência entre diferentes no mesmo espaço, sem guetos e/ou muros
que separam.
Como já falamos no início, a pedagogia da ação intercultural reve-
la ser uma proposta estratégica que desenvolve a sensibilidade para a
diversidade e a complexidade cultural que nos caracteriza. Problemati-
za o tema da diferença e da relação numa situação multiétnica. Nesse
sentido, pode ser uma estratégia para imprimir um novo discurso pe-
dagógico contra o racismo, a intolerância, a discriminação, a desigual-
dade, a imposição cultural etc. Esses horizontes são muito comuns num
cenário de imigração.
Porém, como já falamos, a interculturalidade não surge e não se
justifica só pela presença de imigrantes, mas também pela crise cultu-
ral da sociedade, principalmente em termos de convivência harmônica
(que, em geral, a imigração vem provocando) e de seus valores funda-
mentais (Secco, 1992).
Alguns autores dizem que não tem sentido falar e propor uma pe-
dagogia intercultural num cenário onde as desigualdades sociais e as
condições materiais são intensas, onde situações de exploração e de res-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 317


trição de possibilidades de autodeterminação são constantes, como se o
evidenciado atualmente no cenário imigratório (Ambrosini, 2010).
Na realidade, a intercultura não pretende se desenvolver num ce-
nário de harmonia e profunda igualdade, também não quer esperar que
isso aconteça unicamente por suas forças, ou seja, está situada no campo
da epistemologia da complexidade; seu discurso e seus promotores de-
vem estar em estreita correlação com as formas, as políticas, as relações
de força e de poder, as culturas e os processos que produzem relações
de desigualdade socioeconômica, política e cultural (Rizzi, 1992).
A interculturalidade é uma relação de síntese, de pessoas portado-
ras de culturas diversas, de sistemas sociais e econômicos, como parti-
lha do patrimônio do conhecimento e do saber, como aliança entre asso-
ciações que trabalham para um projeto político-social diferente (Ajello,
2000).
A pedagogia intercultural se propõe a fazer frente e fornecer pis-
tas para um universo de convivência e interação de troca, possibilida-
de de diálogo, de renúncia à dominação e à concepção universalista e
congelada da própria cultura e dos grupos sociais (Agosti, 1996), bem
como à concepção neocolonialista que desqualifica os imigrantes, prin-
cipalmente, os provenientes de países empobrecidos, dentre esses, os
africanos, como portadores de doenças, atrasados em termos de conhe-
cimento técnico e progresso econômico.
A educação para a interculturalidade objetiva promover uma sínte-
se entre universalismo e relativismo; propõe-se a desenvolver a ideia de
uma conciliação da unidade e do diverso, em reconhecer a identidade
do outro; quer tutelar e promover os direitos de cidadania. Para tanto,
desenvolver noções como interação, empatia, diversidade, acolhimento,
convivência civil, descolonização e desnaturalização da cultura e de seu
patrimônio simbólico e do pluralismo etc., parecem ser fundamentais
(Nanni, 1995).
Saber ouvir, estar abertos a trocas culturais, à desconstrução de
representações negativas em torno do imigrante, mas sobretudo aos
horizontes das relações mentais, físicas e interpessoais, para que haja
comunicação recíproca e acolhimento. Fazendo isso, estaremos produ-

318 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


zindo processos relacionais que se encaminham para um universo in-
tercultural.

Alarmismos sociais e sua eficácia simbólica e relacional

O imigrante, ao mesmo tempo que é considerado um recurso eco-


nômico, é também visto como uma ameaça, uma interferência no tecido
social e cultural na convivência com os autóctones; é tratado como um
bloco, um todo único e homogêneo (Secco; Portera, 1999). Um fato nega-
tivo no cenário relacional de imigrantes na sociedade maior (de destino)
contamina a todos. Em Passo Fundo, ao falarmos em senegaleses, ime-
diatamente há uma correspondência com os “vendedores ambulantes”
e, concebidos, pela representação negativizada a eles atribuída pelas es-
feras midiáticas locais. Há essa identificação social e cultural deles com
a venda em espaços de rua.2 A sua presença no mercado de trabalho
conflitua com a sua presença no meio social.
Sabemos que a dimensão do alarmismo social ligado aos imigrantes
é forte ainda em vários países onde se estabelecem em grande quantida-
de. O etiquetamento negativo e os estereótipos são formas de linguagem
que constroem categorias sociais, em geral com distorções cognitivas,
discriminações e intolerância cultural e/ou etnocêntrica (Agosti, 1996).
No caso de senegaleses, em alguns momentos de sua chegada no
Brasil, houve grande discussão sobre o fato de estarem portando o vírus
do ebola.

Caso de Ebola confirmado no Senegal deve preocupar


autoridades locais
Um homem infectado pelo vírus Ebola viajou para a capital
do Senegal, Dacar, no fim de semana, tornando-se o primei-
ro caso registrado da doença no país. O atual surto da doen-

2
  Existe uma integração invisível ainda que num sentido marginal, assim como uma
representação social, pois, na medida em que é objetivada, socializada genericamente, produz
a própria realidade, ou seja, o imigrante apresentado como perigoso, vagabundo e marginal é
predisposto a se tornar.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 319


ça já matou mãos de 1;500 pessoas na África. A chegada da
doença no Senegal, que é um destino turístico, mostra que
o surto não está sob controle [...]. Uma preocupação que
pode acabar atingindo o Rio Grande do Sul e, especifica-
mente, Passo Fundo. Tudo isso devido à grande procura por
africanos e especialmente senegaleses, pelo município que
tem recebido nos últimos meses uma grande quantidade de
estrangeiros.3

Percebe-se que a narrativa jornalística local dá ênfase à doença, cor-


relacionando-a a um grupo de imigrantes, no caso os senegaleses; são
utilizados números genéricos referentes à doença na África como forma
de potencializar o problema, alertar para os perigos da presença deles
na sociedade local.
O alarmismo social tende a produzir irracionalidades e referencia
sujeitos de forma muito apressada, processo esse que dificultam os ca-
minhos para uma relação intercultural. Alguns dos entrevistados dis-
seram que ao atravessar os múltiplos caminhos e países para chegar ao
Brasil (entre o Equador até o Acre, no norte do Brasil) havia sempre a
preocupação de que não os deixariam entrar em razão da doença, pois
“havia uma grande preocupação no país, e diziam que éramos nós que
estávamos trazendo essa doença”. Isso se reproduz ainda com o alar-
mismo dos últimos meses de 2018 em torno do sarampo no país e sua li-
gação com os venezuelanos que estão entrando pelo estado de Roraima.
Outras formas de alarmismo se dão no campo do trabalho; jornais
estampam matérias dando ênfase ao desemprego no município e que
imigrantes estariam ocupando espaços de trabalho que deveriam ser
dos autóctones. Outro horizonte de intensa polêmica e contraposição do
campo comercial e de controle social do município, como já menciona-
mos, é no tocante à venda ambulante nas ruas do centro da cidade por
senegaleses. No entanto, essa generalidade, que estigmatiza o grupo,
esconde ou escamoteia uma outra que é a de sujeitos vinculados ao mer-
cado formal de trabalho, em geral, em espaços insalubres, de grande
3
Fonte: Rádio Uirapuru. Passo Fundo, 1º abr. 2014. Disponível em: <http://rduirapuru.com.
br/saude/caso-de-ebola-confirmado-no-senegal-deve-preocupar-autoridades-locais/>.Acesso
em: 09 dez. 2019.

320 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


intensidade de esforço físico, como é o caso em frigoríficos, na pavimen-
tação de asfaltos e em construções.
Essa questão do denominado trabalho ambulante, ou venda infor-
mal na rua, há quase uma década vem ocasionando grandes polêmicas,
embates, discussões, propostas e contraposições. Várias entidades es-
tiveram até então envolvidas, porém, sem encontrar soluções. Vimos
manchetes de jornais que enfatizam a proibição de venda informal nas
ruas como se fossem apenas os senegaleses que a exercem, em nenhum
momento menciona-se autóctones que também a praticam.
Argumentos nesse campo são múltiplos a favor e contra; dinâmi-
cas em rede, mercados informais são produzidos socialmente, múltiplas
atividades são desenvolvidas. Reuniões com representantes do poder
público municipal, lojistas, membros da esfera jurídica e dos imigrantes
e outras entidades foram efetivadas no sentido de colocar o problema
em discussão e encontrar alternativas.
Esse processo demonstra níveis de integração de imigrantes, tenta-
tivas de assimilação à sociedade maior, incorporação e/ou (não) cum-
primento da legislação. A presença de senegaleses na venda de produ-
tos na rua, se até então não foram encontradas soluções, pelo menos
permitiu discussão, visibilidade sobre essa realidade. Os imigrantes
fazem ver que há uma dinâmica de venda informal nas ruas para além
do horizonte étnico, de cultura de determinados grupos sociais e/ou
nacionais, que faz parte de estratégias de obtenção de renda num cená-
rio de redução de oferta de trabalho.
Nesses últimos
Fig. 1. Imigrante
anos tem havido mui- senegalês que havia
tos conflitos no centro montado uma loja
na cidade de Passo
da cidade de Passo Fundo. Atualmente,
Fundo entre senegale- vende seus produtos
em espaços
ses e lojistas, policiais
variados nas ruas
e fiscais municipais. da cidade. Fonte:
Várias apreensões de Rádio Uirapuru.

produtos, imigrantes
presos, legislações fei-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 321


tas de forma apressada, muitas discussões e midiatização. Numa maté-
ria de jornal, de 13/06/2016, estampou-se uma mensagem em que cor-
relacionava a venda informal de produtos nas ruas da cidade de Passo
Fundo aos senegaleses: “Legislação municipal impede que senegaleses
vendam seus produtos nas ruas”.4 A notícia não menciona as múltiplas
outras pessoas autóctones que também vendem produtos, inclusive al-
guns deles juntos ou muito próximo aos senegaleses. Esse tipo de man-
chete reforça a representação da identificação de senegaleses com essa
prática mercantil, identifica-os como contraventores, legitima ações do
poder público e da pressão de entidades de lojistas, bem como produz a
contraposição social em relação aos referidos imigrantes, além de gene-
ralizá-los na identificação social.
Em 2017 houve um conflito mais intenso, com confrontos físicos5,
prisões de imigrantes, contestações múltiplas em veículos de comunica-
ção, intervenção da Comissão dos Direitos Humanos de Passo Fundo e
de outras entidades sociais e políticas. Na realidade, é um conflito con-
densado e represado em função de uma difícil convivência, tolerância,
normatização dos processos mercantis no centro da referida cidade.

Fig. 2. Fiscais da prefeitura retendo produtos de senegaleses


no centro de Passo Fundo. Fonte: Rádio Uirapuru.

Fonte: Jornal Uirapuru, Passo Fundo, em 13 jun. 2016, p. 3.


4 

5
Fonte: Jornal Uirapuru, em 22 fev. 2017, p. 01. Disponível em: <http://rduirapuru.com.br/
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em: 09 dez 2018.

322 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Esse processo conflituoso, que ainda permanece, revela múltiplas
dinâmicas sociais, preconceitos, racismos, contraposições aos imigran-
tes; da parte deles, houve conquista de espaços para demonstrar seus
limites de obtenção de renda em atividades formais, sua característica
nesse tipo de intercâmbio mercantil, bem como para clarear as lógicas
de obtenção dos produtos etc.
Em outubro de
2018, houve novos e in-
tensos conflitos, com
apreensão de mercado-
riais, três seengaleses
presos e muita polêm-
ica em torno da referida
questão.
Percebe-se que não
há tanta fiscalização ou Fig. 3. Presença da fiscalização e consequente
repressão aos vendedo- apreensão de produtos que seriam vendidos por
senegaleses na rua do centro do Passo Fundo, em
res de rua de uma forma outubro de 2018. Fonte: Foto Fábio Lehmen – RBSTV.
geral e, sim, aos senega-
leses vendedores de rua. Há uma correlação negativizada, como traba-
lho ilegal, antes mesmo de adoção de práticas de averiguação; amplia-se
o potencial da correlação com a ilegalidade mais ampla (procedência,
informalidade etc.); isso justifica as ações dos fiscais. Há um jogo inter-
relacional no qual são acionadas estratégias de legitimação de ambos
os lados. Imigrantes dizem que não têm emprego, que trabalham para
obter uma renda para a família, que não são contraventores, que não há
ilegalidade e, sim, que a ilegalidade está na ação dos fiscais, principal-
mente pelo seu peso racial. Informam que autóctones também vendem,
inclusive próximos aos espaços que os senegaleses ocupam e que não há
repressão a eles. Desse modo, os agentes da legalidade estariam promo-
vendo uma prática antiética e desigual.
De uma forma ou de outra, pela mediação do conflito, surgiram
oportunidades de participação social em espaços de mídia, de expres-
são de opinião pública e de tentativas de encontrar soluções, fatos esses

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 323


que revelam níveis de inserção social, necessidade de diálogo e partici-
pação comunitária.
No dia 20 de novembro de 2018 houve mais um acidente de traba-
lho envolvendo um senegalês, dessa vez, de forma trágica, ou seja, soter-
rado numa valeta, na construção de uma pavilhão nas proximidades da
Rodovia BR-285, próximo da cidade de Passo Fundo. Ele estava fazendo
uma medição de nível no interior da valeta de mais de dois metros de
profundidade quando desabou uma grande quantidade de terra sobre
ele, sendo sufocado6. O fato ocasinou movimentação da Associação dos
Senegaleses de Passo Fundo, bem como a Comissão dos Direitos Huma-
nos, Ministério Público e do Trabalho, dentre outras entidades.
No local foram constata-
das e publicizadas pelos canais
jornalísticos e televisivos várias
irregularidades, ou seja, imi-
grantes trabalhando sem regis-
tros, sem segurança e preven-
ção contra acidentes, fato que
revela as condições precárias
dos trabalhadores, em parti-
Fig. 4. Abertura de “valeta” em que um
cular, imigrantes, esse setor de
senegalês estava trabalhando e morreu
soterrado, próximo da cidade de Passo infraestrutura, além de atestar
Fundo, em 20 de novembro de 2018. Foto: a presença de senegaleses em
Mateus Miotto. Fonte: Rádio Uirapuru.
atividades para além das já es-
tigmatizadas e representadas genericamente ao grupo como vendedo-
res de rua.

Representações e fronteiras culturais

Autores dizem que na dinâmica da interculturalidade não basta


apenas conhecer outras culturas, é necessário legitimá-las, reconhecê-
6
  Jornal Uirapuru. Imigrante morre soterrado em obra às margens da BR-285, em Passo Fundo.
Passo Fundo, 20 nov. 2018. Disponível em: <http://rduirapuru.com.br/policia/imigrante-
morre-soterrado-em-obra-as-margens-da-br-285-em-passo-fundo/>. Acesso em: 09 dez 2018.

324 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


-las e resultar em interações. Esse processo envolve intersubjetividade,
saber ler o outro (como expressão histórica e sociocultural), saber que
os imigrantes são sujeitos portadores de necessidades, de culturas e de
direitos (Beccegato, 1995).
O imaginário do estrangeiro foi comumente produzido numa di-
mensão negativa, ambivalente e estranha; habita mundos diversos e,
muitas vezes, quase que simultaneamente. Há uma ideologia nas mi-
grações internacionais que se alimenta e produz uma ideia de uma vida
melhor fora do país, de ascensão social, independentemente dos hori-
zontes concretos das relações sociais que se apresentam. Imagens, ima-
ginários, símbolos, rótulos e desejos vão sendo produzidos pelo mundo
globalizado, tanto no sentido de atração a determinados espaços quanto
de resistência à inserção nesses por imigrantes. As identidades e iden-
tificações produzidas no interior das sociedades hospedeiras se cons-
troem ou são reconstruídas pelos autóctones e estrangeiros também a
partir desses referenciais simbólicos.
Os valores culturais e simbólicos são produzidos historicamente
e formam a matéria-prima da (auto) identificação de grupos sociais.
Eles servem de base para a demarcação de fronteiras culturais, poden-
do produzir, dependendo das circunstâncias e dos sujeitos, autodistan-
ciamento, estranheza e exclusão por parte e em relação ao estrangeiro,
eliminação do diverso, separações estruturais entre trabalho e cidada-
nia (Cotesta, 2005). Por isso, não basta simplesmente adquirir algumas
informações sobre usos, costumes ou apreendendo línguas estrangeiras
para se fazer educação intercultural; deve-se adentrar, sim, para as pro-
blemáticas cognitivas, afetivas, sociais. Há necessidade de desenvolver
um pensamento aberto, flexível, inclusivo, que valorize os comporta-
mentos reconhecidos no diálogo e no encontro. Para isso há necessidade
de encontros, ritualização de momentos de intercâmbios que produzam
interesses nos grupos sociais para aprender com o outro, saber que o
imigrante não deve apenas absorver e integrar os fatores presentes e
consolidados na sociedade de destino, mas essa também deve fazer a
viagem inversa.
Em Passo Fundo, por exemplo, em junho de 2018, houve o II En-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 325


contro das Etnias, com o objetivo de valorizar os diferentes povos que
constituem o município. Houve apresentações artísticas, gastronômi-
cas e exposições fotográficas e de artesanatos. Senegaleses estiveram
presentes com várias manifestações culturais (artesanato, música, gas-
tronomia, exposição de livros etc.). Porém, justamente nesse período
houve um intenso processo repressor junto ao grupo de vendedores
ambulantes no centro da cidade. Imigrantes aproveitaram o momento
para demonstrar também sua indignação, falta de solução e contraposi-
ção aos processos de vigilância.

Fig. 5. Senegaleses, por ocasião do “Encontro de Etnias” em Passo Fundo, expuseram edições do
Alcorão, outros livros religiosos e de história do Islã, bem como vestimentas típicas do Senegal,
em junho de 2018. Fonte: Jornal O Nacional, Passo Fundo, 17/06/2018.

Entendemos que não é a cultura que forja as pessoas, mas são as


pessoas que fazem a cultura; a estratégia intercultural intervém lá onde
está presente a multicultura (Portera, 1997). Desse modo, as identidades
são plurais e dinâmicas, pressupõem alteridade e diversidade, ou seja,
não podem ser dadas como estanques, certas e definitivas; trata-se de
um sistema aberto, em contínua evolução no mundo social. A reflexão
pedagógica da interculturalidade propõe um modelo identitário dispo-
sto ao confronto, à troca com o outro, para reconhecer o papel positivo
do diverso, ainda que nas situações inevitáveis de conflito (Dusi, 2000).
No dia 9 de dezembro de 2018 houve um Encontro Intercultural
na cidade de Passo Fundo, no qual estavam presentes senegaleses, co-
lombianos, peruanos, haitianos, dentre outros; houve apresentações

326 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


musicais, reflexões em torno da interculturalidade, gastronomia, brin-
cadeiras com crianças, filhos/as de imigrantes. São momentos, ainda
que fragmentados e aleatórios, que vão produzindo interações, con-
tatos, intercâmbios, interconhecimentos, desejos de participação e de
estar juntos.

Fig. 6. Crianças, filhos/as de imigrantes em momento do Encontro Intercultural em Passo Fundo,


promovido pela Pastoral de Imigrantes, em 9/12/2018. Fonte: pesquisa de campo.

No caso específico de imigrantes na região de Passo Fundo, vários


encontros são promovidos para criar condições de intercâmbio cultural,
definir horizontes integrativos e de participação social. A ideia é fazer
com que os imigrantes possam se sentir cidadãos da pátria e da cultura
de origem, mas também recebidos e inseridos em rituais que favoreçam
o intercâmbio e os intercontatos.
A integração dos estrangeiros depende também da integração da
sociedade em si mesma. Existem fronteiras geográficas e simbólicas que
produzem a “invenção” do estrangeiro e que definem as diferenças, o
pertencimento nacional, do direito de cidadania, os graus de integração
e de seleção.
O fenômeno migratório contemporâneo revela com mais intensida-
de uma sociedade aparentemente mais aberta, com fronteiras deslizan-
tes, ou, então, em razão disso, mais fechadas para alguns. Ele se torna
indutor de ações e reflexões em torno da convivência, da alteridade, do
contato interétnico e da diversidade (Corte, 2002).

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 327


Alguns autores colocam,
do ponto de vista da sociedade
maior, numa perspectiva estri-
tamente econômica, que o imi-
grante “que convém” é aquele
apenas um pouco integrado
socialmente; se crescer a inte-
gração social, o mesmo tende a
diminuir a conveniência econô-
mica, pode se tornar empreen-
dedor, galgar trabalhos de me-
lhor qualificação, inserir-se nos
horizontes sindicais, incorporar
direitos etc. (Ambrosini, 2000).
Em grande parte, os traba-
lhadores imigrantes são incluí-
dos na forma subordinada, no
Fig. 7. Imigrantes e autóctones por sistema produtivo e excluídos
ocasião do Encontro das Etnias,
promovido pela Pastoral de Imigrantes de cidadania; expressam, objeti-
de Passo Fundo, em 1° de julho de va e praticamente, formas de ra-
2018. Fonte: Fotos de Manoel V. S. de
Mattos, gentilmente cedidas. cismo que se desenvolve na vida
cotidiana. Pela sua experiência
no enfrentamento do novo, são mais sensíveis aos limites e aos confins
(Cotesta, 2005). Desse modo, torna-se imperativo garantir direitos de
cidadania para evitar conflitos econômicos e sociais e promover as bases
de uma interculturalidade.
Nesse sentido, pressuporia, além do expresso, paridade no ponto
de vista de salário, tutela contra a desocupação, direitos previdenciários,
direitos políticos e civis, pois se pagam as taxas, deveriam se beneficiar
dos serviços. O direito ao voto, por exemplo, é um bom remédio para
a participação na vida social e reconhecimento do estrangeiro como in-
tegrante da sociedade em que vive e trabalha, de entendê-lo não como
mero hóspede, mas cidadão, como elemento constitutivo da sociedade,

328 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


produzindo espaços democráticos, sociais, novas culturas, estas, partes
de um mesmo processo e percurso.
No município de Passo Fundo há, semestralmente, fóruns que en-
volvem o tema da imigração, dentre esses o da mobilidade humana, no
qual participam várias entidades, como a Universidade de Passo Fun-
do, a Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo, Câmara de Ve-
readores, a Associação Beneficente dos Muçulmanos de Passo Fundo,
a Associação dos Senegaleses de Passo Fundo, dentre outros grupos.
O objetivo dos encontros é discutir as ações e políticas públicas para
migrantes e refugiados. Há intercâmbios de demandas, principalmente
na confecção de documentos, que, em geral, são encaminhados à esfe-
ra pública municipal e federal. É um espaço produzido por entidades
de ambos os grupos (autóctones e imigrantes de várias nacionalidades)
para tentar viabilizar processos que produzam uma convivência mais
harmônica, integrativa, intercultural e que contemplam discussões em
torno de direitos, deveres e cidadania aos imigrantes.

Fig. 8. Fórum de Mobilidade Humana de Passo Fundo realizado em 23 de março de 2014.


Foto: Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo.

Esses fóruns tornam-se momentos de interconhecimento e de le-


vantamento de demandas de ambos os lados, mas principalmente para
os imigrantes exteriorizarem sua situação, encaminharem soluções e

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 329


atualizarem suas preocupações, limites, bem como seus avanços e busca
de soluções. A intercultura e a integração social necessitam de espaços e
momentos para a fala, conhecimentos recíprocos, troca de informações,
clareza em torno dos direitos e deveres, bem como ocasiões para de-
núncias de situações negativas vividas por imigrantes, bem como mo-
mentos de interconhecimento; são circunstâncias que, por mais que não
se obtenha grandes resultados efetivos, criam possibilidades, convívios,
revelam intenções de produzir uma convivência mais harmônica e soli-
dária nos enfrentamentos dos limites vividos pelos imigrantes.

Fig. 9. Fórum Municipal de Mobilidade Humana em Passo Fundo, em 01/12/2018.


Fotos de Janquiel Sinhorini, gentilmente cedidas.

Aprendizagens formais e territórios simbólicos

Aprender a língua portuguesa passa a ser fundamental para se-


negaleses, “se “quisermos ser melhor reconhecidos e encontrar traba-
lho melhor”, diz um entrevistado. É uma condição fundamental para
os processos de cidadania social, autoestima, empregabilidade, capital
social e humano.
Os limites da língua levam a que os senegaleses também aceitem
qualquer trabalho, ou, então, trabalhar bastante para mostrar que mes-
mo sem saber falar o português dão conta do recado; uma espécie de
compensação.

330 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


O domínio da língua é fator indispensável para se fazer entender,
fazer as tarefas, exigir direitos, reconhecimentos, evitar discriminação,
ofensas e constrangimentos, propiciar processos integrativos e de inser-
ção social mais abertos e francos (empatia, amizade) entre trabalhadores
e contratantes, criar níveis de intimidade e de distância, expressar com-
petências, administrar e compreender as diferenças, os sentimentos de
ambos os lados (contratantes e contratados), de confiança recíproca etc.
(Decimo, 2005; Bettetini, 2001).
Integração social se alia com a ideia e prática de cidadania. Mas,
para que isso ocorra, alguns elementos, como conhecimento da língua,
possibilidade de encontrar ocupação, acesso aos serviços sociais, mora-
dia, respeito para com a história e cultura de cada um etc., passam a ser
imperativos. “Quanto mais tenazmente uma civilização se defende da
ameaça externa, quanto mais se fecha sobre si mesma, tanto menos, no
fim sobra a defender” (Enzensberger, 1993).
Mas, para isso, um dos pressupostos e exigência de políticas pú-
blicas deve bater na tecla da necessidade da aprendizagem da língua.
Essa é fundamental; não é critério absoluto, mas é um grande passo.
Outro aspecto fundamental é a valorização do trabalho, as qualificações
existentes, as condições legais de cidadania etc. Além de ser um enfren-
tamento social/de convivência em inúmeros ambientes e territórios na
sociedade maior, esse processo revela um cenário complexo, conflituoso
e preocupante para a escola e a educação formal, pois é nesse cenário
que se congrega e se manifesta um mundo solidificado externamente
da correlação entre intercultura e imigração (Secco, 1992; Portera, 2002).

Fig. 10. Curso de língua portuguesa promovido pela Pastoral dos Imigrantes de Passo
Fundo. Fotos de Manoel V. S. de Mattos, professor do curso, gentilmente cedidas.
A língua vai auxiliar, em muito, na adaptação cultural no país de
destino, mas vai também provocar tensões no horizonte da família, en-
tre gerações, nos universos referenciais de pertencimentos.
Senegaleses também se inserem no ensino superior em Passo Fun-
do. Há vários deles em algumas instituições. Na Universidade de Passo
Fundo, Abou Ba foi o que inaugurou a inserção de senegaleses na ins-
tituição, optando pelo curso de Letras7. Segundo informações que obti-
vemos no setor de bolsas da referida instituição, todos os estrangeiros
possuem algum tipo de incentivo para efetivar seus cursos.
Os espaços públicos, pra-
ças, escolas, campos de fute-
bol e ruas passam a ser vis-
tos como oportunidades para
o intercâmbio cultural. Em
Passo Fundo há um grupo de
senegaleses que toca tambo-
res e se apresenta em teatros,
praças e ruas; sua sonoridade
se faz sentir em várias partes
da cidade e torna-se atração
principal onde estão presen-
Fig. 11. O senegalês Abou Ba, na
Universidade de Passo Fundo. tes. São ações e espaços sim-
Foto: Divulgação/Assessoria UPF. bólicos para viabilizar a visi-
bilidade, a integração social e,
ao mesmo tempo, expor publicamente a diversidade. O grupo tem mais
de vinte tambores, trazidos do Senegal com a participação financeira de
autóctones. As apresentações revelam a profunda simbologia da expres-
são sonora dos tambores para a cultura africana e, em particular, sene-
galesa. Através da apresentação, alguns membros do grupo vão narran-
do e explicando significados das danças, da sonoridade, dos ritmos etc.,
como constitutivos de culturas e história local/regional do país. Com

7
Jornal Uirapuru. UPF recebe primeiro aluno senegalês. Passo Fundo, 17 mar. 2016. Disponível
em: <http://rduirapuru.com.br/educacao/upf-recebe-primeiro-aluno-senegales/>. Acesso
em: 09 dez. 2018.

332 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


isso, produz-se também um processo de internacionalização cultural e
de representações simbólicas necessárias para a troca de aprendizagens,
informações e contatos sociais. São, sem dúvida, momentos de efetiva-
ção intercultural. Junto com a apresentação de senegaleses e de seus
ritmos, há também grupos locais que se apresentam, ou, como já vimos
numa apresentação num teatro do município, senegaleses apropriam-se
de alguns ritmos e músicas brasileiras e as apresentam como expressão
de incorporação, reconhecimento e saber fazer, ou, em determinadas
situações, como se vê na primeira ilustração a seguir, em que autóctone
se apresenta-se junto ao grupo de imigrantes como forma de expressão
universal da música, dos ritmos e das linguagens que a integração social
manifesta.

Fig. 12. Senegaleses do grupo


Afrika Lamp Fall Music e
autóctones tocando tambores
em praças da cidade de Passo
Fundo. Fonte: Jornal O Nacional,
Passo Fundo, 22 ago. 2015.
Foto: Vinícius Coimbra.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 333


Partilhamos a ideia de que junto com o imigrante há um capital
social composto de tradição de trabalho, de cultura, de relações e ca-
pacidades de se relacionar com contextos sociais diferentes. Partindo
dessa premissa, é possível pensar e auxiliar na realização de formas de
ação, de auto-organização, de criar representações de direitos, de parti-
cipação, de cidadania. Porém, esse processo não é linear, nem isento de
contradições.
A sociedade autóctone tem a tendência de atribuir a determinados
grupos de imigrantes péssimas características ou os piores elementos
que constituem sua representação (Elias; Scotson, 2000). Nessa, há uma
tendência em pensar em si mesmo a partir de seus melhores elementos.
Esse processo faz com que o grupo instalado tenha convicção de ser um
grupo “bom”, porém os outros grupos são “ruins” (Susi, 1995).
Não podemos esquecer que a noção de “estrangeiro” incorpora o
heterogêneo, o diferente, o que não é daqui, mas está aqui. “O fator-
-chave para determinar a realização da integração dos grupos imigran-
tes não está na diferença de cultura entre países de origem e aquele de
destinação, mas nas políticas de acolhimento. A integração ou a exclu-
são dos imigrantes depende, acima de tudo, das diferenças culturais ou
níveis de instrução, das políticas públicas com esse objetivo” (Kimlicka,
1997).
Nessa dimensão do diferente, mas que realiza atos e/ou produz
coisas parecidas com os já instalados (autóctones), está o futebol, que
encarna dimensões populares e socioculturais que irmanam senegaleses
e brasileiros. Nesse sentido, as fronteiras se tornam menos agudas e di-
visoras. Senegaleses já participaram de várias edições de campeonatos
municipais de Passo Fundo, bem como sua presença em municípios da
região norte do estado, torna-os mais receptivos, atraem público, criam
ambientes festivos e de integração. O futebol passa a ser um atestado de
processos transnacionais em que os grupos reproduzem e se equivalem
em termos de significados.

334 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Figs. 13, 14. Senegaleses no futebol amador de Passo Fundo, em agosto de 2015, em outubro
de 2017, respectivamente. Fotos: Jornal Diário da Manhã, Jornal O Nacional (Gerson Lopes).

Figs. 15. Equipe do Senegal na preleção da disputa da final do campeonato


municipal da segunda divisão de Passo Fundo, em 06/01/2019.
Foto gentilmente cedida pelo senegalês “Lami”, membro da equipe.

A escolarização e a segunda geração

Já enfatizamos que a correlação entre línguas e culturas se torna


cada vez mais fundamental. A língua, por exemplo, é um dos aspectos
elementares desse processo. A linguagem reflete e fornece o acesso à
cultura e, muitas vezes, constitui um modelo de cultura; é um mediador
cultural e define a competência comunicativa tanto para o estrangeiro
quanto para o autóctone (Negris, 1996).
Professores entrevistados numa escola onde havia filhos de imigran-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 335


tes em séries iniciais deram intensa ênfase a esse processo. Uma delas
diz que “começamos há três anos com imigrantes na escola, de Bangla-
desh; a menina não falava uma palavra e nós não falávamos uma pala-
vra da dela. O pai dela veio aqui para dizer para ela onde era o banheiro
das meninas; ou seja, não havia língua comum”. Diz outra entrevistada
que, “o celular se tornou e, ainda é, a nossa mediação [...]. Eles (alunos)
não deixam a língua deles, parece uma resistência cultural”. A diretora
de uma escola que visitamos disse que “seria necessário mediadores ou
monitores que falam inglês, estagiários do curso de letras que cursam
inglês, recursos técnicos como tablets para visualização, tradução e co-
municação; enfim, processos que realmente evidenciem inclusão”.
Professores reconhecem a extrema dificuldade de trabalhar a par-
te pedagógica, os conteúdos curriculares, formas de fazer as crianças
terem um ritmo de aprendizagem que não distancia os demais alunos,
nem crie divisões e/ou níveis diferenciados de aprendizagem tão agu-
dos.
O campo educacional reflete as dinâmicas da vida do imigrante
que constituiu ou agrupou a família no espaço de destino. Em geral, os
pais precisam trabalhar, não têm condições de acompanhar os filhos na
escola, “largam os filhos aqui e confiam na gente”, diz uma professora
entrevistada. Os pais também, em geral, não falam o português e muito
menos incorporaram níveis de escolarização e/ou domínios de conheci-
mentos que permitem auxiliar seus filhos nos temas de casa, compreen-
der os processos de alfabetização e de assimilação de conteúdo, a filo-
sofia da escola etc.
Nesse sentido, os filhos de imigrantes vão acumulando dificulda-
des e limites, processo que se torna quase inevitável na produção das
diferenciações e dos conflitos que passam a ser produzidos no interior
de toda a comunidade escolar onde há filhos de imigrantes. Esse pro-
cesso é muito comum em países onde há uma história mais longa da
presença de imigrantes e seus filhos em idade escolar. Desse modo, a
interculturalidade, a riqueza das culturas de contato entre culturas pas-
sa a ser subsumidas pelos problemas de aprendizagens e as diferenças
que são produzidas.

336 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


A insegurança no contexto social, escolar e do trabalho, as nítidas
diferenças culturais os pré-juízos recíprocos, as fraturas entre o antes e
o depois em sua vida cotidiana, tendem a influenciar e contribuir para
a difícil concepção em torno da mediação da escola para os imigrantes.
Essas representações todas tendem a ser levadas para a escola também,
pois há comentários nas casas dos pais dos alunos sobre imigração, a
mídia os referencia, em geral, de forma negativizada.
A escola é o ter-
ritório do simbóli-
co, das relações com
amigos, das competi-
ções, dos confrontos
identitários, da cons-
tituição de grupos in-
formais, os quais vão
permitir maior segu-
rança, identificação
Fig. 16. Professores e alunos imigrantes de coletiva, assimilação
Bangladesh na Escola Municipal Wolmar e mimetismo, descobrimentos
Salton em Passo Fundo. Fonte: Pesquisa de
campo, em novembro de 2018. de mundos que as famílias de
imigrantes não fornecem.
Na escola, os filhos de imigrantes adquirem o status e o papel so-
cial de estudantes, porém carregam simbologias de sua origem, valo-
res, crenças, saberes etc. de seu espaço de origem, de seus horizontes
familiares que, mesmo sendo estudantes, não se desvinculam desses
quando estão na escola; há incorporação de papéis, bem como manifes-
tação de outros já existentes, inclusive, como nos disse uma professora
entrevistada, “como resistência cul-
tural”, referindo-se ao fato de que
se comunicam entre si pela língua
Bangla.

Fig. 17. Pinturas feitas pelos alunos bengalis nos


braços e mãos das professoras com símbolos que
expressam momentos de rituais festivos em seu
país, principalmente casamentos. Fonte: Pesquisa de
campo na Escola Wolmar Salton em Passo Fundo.
Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 337
Numa das escolas que visitamos, há alunos bengalis em que a mais
velha dentre eles, que domina consideravelmente o português, passa a
ser a mediadora entre os demais e os professores, acaba exercendo certa
liderança no interior do microgrupo, ao mesmo tempo em que produz
dependência das demais em relação a ela. Os professores dizem que ela
os auxilia muito nesse processo de diálogo e encontro cultural.
Vários filhos de imigrantes estão inseridos nas escolas públicas
de Passo Fundo. Segundo informações obtidas nas duas secretarias de
Educação do município, há mais de duas dezenas, de várias nacionali-
dades, com preponderância para senegaleses e bengalis. Diz o secretá-
rio de Educação do município de Passo Fundo, em entrevista direta, que

[...] o importante para esses alunos é receber afeto, aten-


ção dos professores, colegas e da escola como um todo. Aos
poucos, eles vão assimilando conteúdos e o processo peda-
gógico [...]. O vínculo da escola com a família é importante
[...]. Há algumas perdas e/ou dificuldades para os demais
[autóctones] no processo de aprendizagem e da alfabetiza-
ção, mas há ganhos de intercâmbio cultural, de convivência
[...]. Imigrantes revelam a importância da língua, de se co-
municar para dialogar, aprender e se virar na vida.

O referido gestor do setor de educação do município, quando ques-


tionado sobre as políticas municipais, bem como a preparação para pro-
fessores e escolas na atuação pedagógica junto aos alunos imigrantes, ele
foi enfático ao dizer que a escola “precisa acolher as crianças; elas vão
se integrando aos poucos, não dá para ter um professor de inglês por
escola para atender a esses alunos”. O entrevistado reconhece a dificul-
dade pedagógica, integrativa e curricular enfrentada pelos professores
em várias escolas do município, porém, relativiza essa situação-limite
ao afirmar que, “aos poucos, essa realidade vai tomando corpo na vida
escolar de Passo Fundo e vamos nos preparando melhor e reduzindo os
limites existentes hoje” (em entrevista direta).
Não temos dúvida em afirmar que a possibilidade de estudar, de
socializar-se no interior da sociedade de destino transforma-se, para o

338 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


imigrante, em algo promissor e que, talvez,
com o tempo, altere seu quadro receptivo no
caminho da integração social.

Fig. 18. Senegaleses em Passo Fundo em momentos festivos, revelando


alguns rituais de integração cultural. Foto gentilmente cedida pela
família do senegalês, em momento de pesquisa de campo.

A literatura sobre o tema que revisamos enfatiza a possibilidade


de que a segunda geração, em seus vínculos com a escola, possa trans-
formar-se numa grande possibilidade de integração e intercultura na
convivência social, bem como possa alterar o quadro da identidade do
migrante nas sociedades de destino.
A escola é entendida como uma instância de oportunidade de so-
cialização para a interculturalidade e para as mudanças no âmbito do
preconceito em relação ao imigrante. Porém, a grande questão é que
há uma lógica que alimenta o fenômeno migratório internacional nos
países de destino, a qual reserva um lugar e uma condição específica ao
imigrante. Um dos exemplos dessa lógica é que os títulos e as qualifica-
ções obtidas no âmbito escolar pelos imigrantes em seu país de origem
não são valorizados e/ou levados em conta no âmbito do trabalho no
lugar de destino.
Sabe-se que é difícil entender a vida cotidiana dos alunos, suas cul-
turas, as intenções dos pais, a grande tendência de transformar a imi-
gração numa dimensão temporária, os elementos que significam suas
vidas, seus comportamentos, imagens individuais e de grupos. Pro-

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 339


fessores entrevistados dizem que não se sentem capazes para exercer
sua prática de ensino como gostariam; dizem que não há um suporte
pedagógico para facilitá-las, não há conhecimento elaborado junto à
mantenedora (no caso Secretaria Municipal de Educação), não há uma
construção coletiva de ações entre professores e escolas que atuam nas
salas com crianças, filhos/as de imigrantes, não há monitores; haveria
necessidade de algum domínio da língua portuguesa antes de adentrar
para o horizonte formal de ensino; necessitariam de recursos técnicos,
e imagem e vídeo para facilitar a comunicação visual etc. Isso tudo é
demanda de quem está envolvido diretamente com os alunos e que sen-
tem os inúmeros limites, além de os professores sentirem-se com cons-
ciência de que não estão exercendo uma boa alfabetização e difusão e
intercâmbio de conhecimentos. “Nós é que precisamos aprender para
poder ensinar”, diz uma coordenadora pedagógica de uma escola onde
há imigrantes.
Fig. 19. Família de imigrante senegalês
que até há pouco tempo residia em Passo
Fundo com a filha em idade escolar.
Foto: Giseli Furlani (Nexjor-FAC/UPF).

O campo educacional de-


verá expressar com veemência
a dinâmica integrativa e não
meramente assimilacionista
que envolve os imigrantes e au-
tóctones tanto em sua incipiên-
cia quanto em sua possibilida-
de (Waldinger; Perlamann, 2010). Com isso, as segundas gerações de
imigrantes terão possibilidade de transcender a dimensão étnica, que,
em geral, na sociedade de destino, é ainda muito estigmatizada. Elas
revelam o quanto é difícil a integração cultural, quanto somos segmen-
tados e fronteiriços. A escola remarca, ritualiza e fortalece as diferenças
de classes sociais, áreas de residência, níveis de instrução, etnias etc.,
mas, ao mesmo tempo, pode se tornar um espaço por excelência para

340 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


a dimensão da integração e o futuro da convivência interétnica. Esses
imigrantes da segunda geração, por terem sido socializados no país hos-
pedeiro, assimilarão a cultura, a escolarização e o modelo social do mes-
mo, logo, ao transformarem-se em adultos, tendem a refutar as ocupa-
ções subalternas e isso pode se tornar problemático, pois o argumento
de que os imigrantes roubam os empregos dos autóctones pode ganhar
mais corpo.
Competências linguísticas, formativas, profissionais, relacionais,
oportunidades ocupacionais e redes ampliadas com autóctones são im-
portantes para a constituição de novas gerações de filhos de imigrantes.
Por isso é interessante que as escolas tenham momentos de ritualiza-
ção de processos de intercâmbio cultural, que haja mediação e acompa-
nhamento dos alunos estrangeiros em turnos inversos para que não se
sintam “atrasados” em relação aos demais, não criem resistências em
relação à aprendizagem formal, bem como produzir contraposição de
autóctones em relação à sua presença na sala de aula.
As segundas gerações devem ser vistas como identidades múlti-
plas, complexas e variáveis, negociadas cotidianamente. “A integração
das segundas gerações representa não só um nó crucial dos fenômenos
migratórios, mas também um desafio para a coesão social e um fator de
transformação das sociedades hospedantes” (Ambrosini; Molina, 2004).
Segundo os autores, há uma grande tendência, equivocada, ao assimi-
lacionismo, ao abandono com as identidades de pertencimento étnico
dos imigrantes, porém, em concomitância, há uma visível continuidade
de permanência dos mesmos nos estratos desvantajosos da sociedade e
o agravamento de uma condição de exclusão e desocupação, no limite,
uma assimilação seletiva, segmentada com conservação de traços iden-
titários reduzidos, reelaborados e readaptados ao novo contexto.
Como já falamos, professores entrevistados preocupam-se com
a ausência de infraestrutura na escola e de momentos para criar con-
dições de melhor qualificação e redução de limites enfrentados pelos
filhos de imigrantes inseridos nessas. Por isso, estão em debates em al-
gumas escolas os programas, os níveis da aprendizagem, a integração,
as dificuldades de comunicação, as relações com colegas, o papel dos

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 341


pais, a frequência, a motivação e justificativa para o estudo, o campo
didático e pedagógico, a relação dos e com os professores (principal-
mente dos pais), a formação inadequada dos professores para essa nova
realidade, a dificuldade de comunicação, as políticas públicas restritivas
de processos integrativos e que reproduzem estereótipos, dentre outros
aspectos. Isso tudo revela limites, mas também, desejos de acertar, de
integrar, harmonizar relações para ambos os lados, de exercício efetivo
da prática educacional. Nesse sentido, filhos de imigrantes em escolas
em Passo Fundo revelam, atestam e produzem realidades novas, de-
safios, evidenciam os limites delas e o atraso em relação a essa intensa
dinâmica presente no mundo na atualidade.
É nesse sentido que a imigração exacerba e complexifica os quadros
psíquicos, sociais e políticos inerentes à transmissão de valores e de
formas culturais. Entendemos que seja importante que os filhos tenham
possibilidade de pertencer a um grupo identitário e de referência
para sua construção como indivíduos; que não é bom não ter raízes; é
interessante ter uma história familiar e cultural bem aceita. A ausência
de comunidade e de comunicação, de uma passarela entre o mundo
de antes e o de agora como imigrante, pode provocar insegurança e
vulnerabilidade, tanto para os filhos quanto para os pais (Nanni, 1995);
revela também capacidade de negociar com os dois horizontes espaciais
e culturais.
A escola, nesse sentido, torna-se muito importante, pois permite o
encontro com a diferença, a confrontação de ambientes; expressa inte-
resse ou não dos autóctones pela sua cultura e seu país. A expressão da
língua materna em casa e o contato com os amigos do espaço de origem
podem também ser expressão do duplo pertencimento, da segurança
e satisfação em ser portador de um horizonte cultural, além de alargar
relações e famílias (Zoletto, 2007).
É importante dar ênfase ao fato de que tanto as segundas gerações
quanto a escola (como instituição) não estão desvinculadas das
concepções sociais, das políticas migratórias e das expectativas de
imigrantes em permanecer por um bom tempo ou não no país. Nesse
sentido, a escola produz processos sociais não tão deslocados da vida

342 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


comum do imigrante e dos
autóctones. As visões de mundo
que nessa se desenvolvem são
representativas da sociedade
maior.
Os filhos de imigrantes car-
regam identidades múltiplas,
complexas e que terão de ser pen-
sadas e negociadas cotidia-
Fig. 20. Imigrante bengali em escola em
namente, tanto hoje quanto
Passo Fundo. Fonte: Jornal do Almoço. RBS -
em momentos futuros de Passo Fundo - Globo Play.
maior inserção, em particu-
lar, no campo laboral, pois integrações subalternizantes de sujeitos que
se consideram cidadãos do país poderão ser causas de múltiplos con-
flitos posteriores. “A integração das segundas gerações representa não
só um nó crucial dos fenômenos migratórios, mas também um desafio
para a coesão social e um fator de transformação das sociedades de aco-
lhida” (Ambrosini; Molina, 2004, p. 46).
A escola é um espaço ou um
território de fronteira, de passagem,
que separa e/ou integra. Os pro-
cessos cognitivos, afetivos, sociais,
relacionais e comunicativos impli-
cam um grande envolvimento e in-
teração entre escola e família do imi-
grante (Kymlicka, 1997).
A família imigrante organiza
Fig. 21. Tajin Akter, aluna bengali, em um mundo e uma sociabilidade,
escola de Passo Fundo. Fonte: Jornal O
Nacional. Passo Fundo, 01/04/2017, p. 3. em grande parte, diferente daque-
la de seu lugar de origem; isso se
reflete na vida dos filhos. Estes, no início, têm dificuldade de adaptação
e assimilação ao novo contexto. Tanto a família quanto a escola são de
fundamental importância para as segundas gerações; são universos de
pertencimentos onde as principais relações se produzem.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 343


Encontros afetivos e redes de pertencimentos

Imigrantes possuem uma identidade deslocada, a qual, também,


dificulta processos de integração local. Esse processo de deslocamento,
de temporalidade curta e instrumental dificulta processos integrativos
interculturais, bem como possíveis junções de cunho afetivo entre imi-
grantes e autóctones, bem como de agrupamentos familiares entre imi-
grantes.
A possibilidade do matrimônio misto, por exemplo, carrega ain-
da muita incerteza, dificuldade de entender e valorizar a pluralidade
e a diversidade. Os casamentos mistos revelam que está havendo pro-
cessos de integração e/ou assimilação no tecido social do país; pode
revelar ser uma estratégia defensiva, expressão da instabilidade econô-
mica, das leis referentes à imigração, da redução da oferta de trabalho
e, por consequência, dos ganhos econômicos, da dificuldade de serem
contempladas pela lei do reagrupamento familiar (custos financeiros al-
tos e muitas exigências legais), bem como da impossibilidade de obter
documentos que permitam retornar ao Senegal, visitar seus familiares e
voltar ao Brasil, dentre outros aspectos.
A possibilidade de reagrupar algum dos cônjuges e alguns dos fi-
lhos tende a favorecer a um maior tempo de permanência no país. Em
teoria, o processo funcionaria assim, porém, as condições objetivas vivi-
das pelos imigrantes (moradia, escolarização, trabalho precário e cada
vez mais achatado em termos de remuneração etc.) podem produzir
efeito contrário (Ambrosini, 2010).
Os matrimônios mistos demonstram certa redefinição de regras
consuetudinárias do campo matrimonial, enfrentamento de resistências
por sujeitos considerados estranhos e de fora do quadro de referências
idealizado por pais e, em algumas situações, pelos diretamente envol-
vidos; são mundos que estão e/ou sempre estiveram em movimento no
cenário migratório, culturas que podem se ligar a horizontes de mobi-
lidades geográficas, mas também social, afetividades que transcendem
regras sociais e fronteiras geográficas.
Porém, casamentos mistos podem ser, sim, como muitos analisam,

344 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


uma estratégia de enfrentamento aos limites e à discriminação vivida
como imigrante, desejo de pertencimento social, de incorporação de di-
reitos, de desenvolver horizontes afetivos distante do local de origem,
de aceitar desafios, ocasião de instrumentalizar uma melhor situação de
vida em correspondência e/ou prolongamento do desejo que alimenta
o ato de emigrar (Gozzoli; Egalia, 2005).
Essa estrada não tem uma mão só. Para autóctones, os universos
também são amplos, alguns até de enfrentamento de oposições no in-
terior da própria família, de dúvidas e incertezas, de realizar fantasias
em torno de representações de sexualidade, curiosidade, atração pelo
diferente, contrapor-se aos pais e aos grupos sociais locais e de seu per-
tencimento, diferenciar-se, emancipar-se da dependência da família de
origem, de possibilidade legal de morar no Brasil.
Em Passo Fundo, há vários casamentos entre senegaleses e brasilei-
ras. Foram registrados, entre janeiro de 2017 a abril de 2018, 18 casamen-
tos envolvendo estrangeiros (homens) com mulheres brasileiras. Há,
porém, denúncias de que tem havido “compra de casamentos” entre
senegaleses com mulheres em Passo Fundo, em particular, com meno-
res e que atuam no ramo da prostituição. Segundo delegado da Polícia
Federal, havia, em abril de 2018, mais de dez casos que estavam sendo
averiguados.

Fig. 22. Notícia sobre a “compra de casamentos” em Passo Fundo. Fonte: Jornal
Uirapuru, Passo Fundo, 13 abr. 2018, p. 3.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 345


Essa realidade de matrimônios mistos revela também vínculos de
pertencimentos transnacionais, além, é evidente, de a possibilidades de
alterar costumes, estilos de vida, formas outras de ser pai e mãe, novas
expressões relacionais, formas alternativas de integração e que não se-
jam meramente assimilacionistas; é uma colocação em jogo das iden-
tidades culturais, uma tentativa de unir mundos, criar vínculos mais
estreitos em horizontes transnacionais (Portera, 1997).
É importante termos presente que intenções subjetivas são difíceis
de ser analisadas e de produzir julgamentos. Autores insistem que
cada situação reserva expectativas e definições das formas de agir,
de enfrentar esse novo acordo, que há novas inserções em redes de
pertencimentos de ambos os cônjuges, bem como estratégias e renúncias
no âmbito cultural, principalmente em torno de hábitos e crenças, que
são estratégias e racionalidades adaptativas de ambos os envolvidos.

Pressupostos de inserção e integração de imigrantes

A inserção econômica do imigrante na sociedade hospedante é, um


princípio, um primeiro passo para o reconhecimento da cidadania. A
dimensão econômica não é suficiente, mas sem essa nenhuma outra se-
ria possível.
As políticas sociais de integração dependem muito da categori-
zação social e da representação que se tem do estrangeiro. As de cunho
defensivo, por exemplo, são aquelas que buscam se livrar da ameaça, da
concorrência; buscam limitar e controlar os fluxos. Esse é mais imple-
mentado por políticas públicas e de intervenção política, as quais veem
o estrangeiro numa perspectiva instrumental, utilitarista; valorizam o
estrangeiro pela sua regularização funcional (Dusi, 2000; Corte, 2002).
Outra ação pode se dar na esfera assistencial, que vê o imigrante
como pobre, portador de necessidades, de demandas e carências mín-
imas, como alimentação, vestimentas, moradia etc.; atua muito pouco
no horizonte da emancipação. Dusi (2000) aponta o modelo promocio-
nal que busca inserir o imigrante no campo econômico, porém não só;

346 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


esse requer implementar o encontro de mundos diversos, que implica o
rompimento de conceitos, como marginalidade, desviança estranheza,
barreiras e distâncias. Esse último modelo visualiza a imigração como
algo estrutural e que produz processos de vulnerabilidade e margina-
lidade social do imigrante. Nesse sentido, são necessárias políticas de
facilitação no mercado de trabalho, do âmbito da habitação, da tutela da
saúde, de cidadania sociocultural etc. (Bettetini, 2001).
Muitos imigrantes constroem sua relação com o país de forma
instrumental. Podemos dizer que, nesse aspecto, a recíproca também é
verdadeira. Isso anula a possibilidade da abertura para o intercâmbio
sociocultural.
Imigrantes, por sua vez, também buscam otimizar espaços, sujeitos
e situações em benefício próprio; isso produz preconceitos, desqualifi-
cações, distâncias sociais e grandes desafios de gerenciamento social,
pois a sociedade de destino, não obstante a curiosidade, como é o caso
da que analisamos em razão também de ser algo bastante novo, reage
e passa a duvidar e incorporar notícias negativas, referenciar, de forma
preconceituosa, grupos sociais e generaliza identidades (todos os mu-
çulmanos são iguais, por exemplo; todos os senegaleses são vendedores
ambulantes), faz aflorar e/ou renascer processos discriminatórios e pro-
jeta realidades vividas em outros cenários com a que está vivenciando
no âmbito local.
Entendemos que o recurso espiritual passa a ser importante em
meio à luta pelo recurso econômico que alimenta a vida do imigrante.
A identidade cultural de grupos (crenças, concepções de mundo, mitos
etc.) se fortalece e se ritualiza pela mediação religiosa (Prencipe, 2010).
As necessidades materiais e espirituais se ligam e são recorrentes na
vida do imigrante, fundamentais à socialização no novo espaço e para a
sua territorialização.
Desse modo, imigrantes acumulam certo capital social, que se ex-
pressa na confiança, credibilidade, eficiência e garantia do serviço para
além do cenário original, o qual acaba produzindo efeitos para si e para
os outros imigrantes, em geral conacionais.
Essa mediação é fundamental para a garantia de trabalho ao novo

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 347


imigrante, bem como na facilitação na busca por locais de moradia. O
campo religioso transforma-se numa totalidade de vida para ele e, o
seguidor, de forma geral, produz hierarquias religiosas, lideranças, ri-
tuais cotidianos e públicos, festejos, locais de cultos e a mística necessá-
ria para o viver cotidiano.
No dia 3 de abril de 2019, senegaleses de Passo Fundo e região, em
particular, da confraria Mouride, e alguns brasileiros, receberam o líder
Mame Thierno Imam Mbacké, que veio do Senegal8. O referido líder é
bisneto do Serigne Amoudou Bamba, líder
máxima da referida confraria. A intenção
do encontro era ritualizar símbolos e ma-
nisfestções de paz, solidariedade, sensibi-
lizar a comunidade senegalesa de Passo
Fundo para que não perca sua identidade e
relação com o país de origem. Houve uma
caminhada, com canções, tambores, mui-
tas cores nas vestimentos e grande parti-
cipação de seus membros, principalmente
no momento do encontro com o referido
líder proveniente do Senegal.
O encontro também serviu para que o
grupo pudesse refletir e discutir suas de-
mandas, suas dificuldades e situação como
imigrantes. Segundo narrativas do jornal
O Nacional de Passo Fundo, o momento
ritualístico e de agregação comunitária e
dos seguidores da confraria, serviu para
Fig. 23. Líder religioso
Mame Thierno Imam produzir integrações, ritualizar uma cultura
Mbacké, em Passo Fundo. de paz que deve unir a todos, bem como uma
Foto: Redação do Jornal
O Nacional. nova representação do Islã, que deve cami-
nhar pela estrada da paz e da solidariedade.

8
  Jornal O Nacional. Senegaleses promovem movimento pela paz. Passo Fundo, 03
abr. 2019. Disponível em: http://www.onacional.com.br/geral/cidade/90231/
senegaleses+promovem+movimento+pela+paz. Acesso em: 05 abr. 2019.

348 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Imigrantes senegaleses uti-
lizam desse fator religioso para
fazer-se representar nos espaços
ecumênicos, em seus festejos re-
ligiosos com a presença de autóc-
tones, nos processos produtivos
em frigoríficos de abate halal, no
qual há necessidade de funcioná-
Fig. 24. Caminhada de Senegaleses
rios adeptos ao Islã, em encontros pelo Avenida Brasil em Passo Fundo em
de formação para jovens islâmi- ritual de homangem à presença de seu
líder religioso. Foto: Redação do Jornal
cos, em festejos outros em que o O Nacional.
princípio da integração e da fra-
ternidade são lugares comuns. A presença de crianças, jovens, represen-
tantes de entidades de cunho social e cultural, bem como dos “amigos
dos senegaleses”, como eles dizem, e como somos vistos quando parti-
cipamos de suas festas religiosos, são fundamentais para ir produzindo
integrações, interconhecimento, amizades e interesses recíprocos.
Os imigrantes senegaleses da região de Passo Fundo expressaram
isso tudo por meio de ritualidades religiosas festivas, como momento
de expressão de pertencimento, de identidade religiosa (confrarias, em
particular, a Muride
e Tjane) e vínculos
transnacionais (im-
portação de crenças,
ritos, referências geo-
gráficas e princípios
religiosos).
A leitura do Alco-
rão e de outros ensina-
mentos como os do lí-
der Ahmadou Bamba
Fig. 25. Crianças senegalesas com uma brasileira
em encontro promovido por senegaleses para
e seu seguidor Serigne
“promover a integração, cultura e fraternidade”, Touba, bem como de
em Passo Fundo, em 04 de abril de 2016. Fonte:
Rádio Uirapuru.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 349


outras confrarias,9 as quais têm
referência a homens piedosos,
protetores das massas oprimi-
das, guias espirituais e chefes
temporais, é parte integrante
do ser imigrante no Senegal.
Bamba foi um líder no perío-
Fig. 26. Encontro religiosos de senegaleses em do da colonização e domínio
Passo Fundo, no qual a presença de mulheres francês, exilado no Gabão e da
senegalesas é muito evidente. Fonte: Foto
gentilmente cedida por Cláudia Furlanetto. Mauritânia, fundador da dou-
trina Muride (no início, mais
intensa em meio aos camponeses no Senegal, mas bem presente tam-
bém junto aos senegaleses da região em questão), que também viveu a
realidade de imigrante na condição de exilado.
As confrarias são importantes no cenário migratório de senegale-
ses, desde a partida até a chegada e, fundamentalmente, na permanên-
cia. Autores enfatizam que as confrarias são fundamentais na diáspora
senegalesa das últimas décadas (Masud, 1990). A emigração produz
uma dimensão transnacional das confrarias, em particular a Muride.

Fig. 27. Festa religiosa do Grand Magal promovida por senegaleses em Passo Fundo,
em 19/11/2016 e em 07/11/2018. Fotos: Alex Antônio Vanin.

  As principais são Muride, Tidjanes, Khadirs e Layènes (Masud, 1990).


9

350 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Os senegaleses festejam todo o ano o retorno do exílio de Bamba;
é a Grand Magal de Tuba, uma das maiores festas da confraria Muride.
Milhões de pessoas se reúnem em Touba ou, mesmo, nas cidades onde
há maior fluxo de senegaleses no exterior. Por isso, podemos dizer que
há “dispositivo religioso migrante” (Prencipe, 2010), que vai se adap-
tando, deslocando, exportando e interligando a memória Muride do
Senegal com a dos imigrantes no cenário limitado da imigração, prin-
cipalmente no que tange à hierarquia religiosa, os lugares de oração,
a mistura e convivência de confrarias, os referenciais e os limites da
simbologia religiosa nos espaços migratórios novos (como é o caso em
questão na análise), bem como a identidade de imigrante enquanto tal.
Nesse sentido, reinterpreta-se o fenômeno, porém os elementos centrais
e simbólicos se conservam e são acrescidos pela identidade de emigran-
te (Masud, 1990).
As confrarias são uma espécie de segurança, fator de unificação
(Masud, 1990). Desse modo, a emigração, além de ser uma busca de
recursos financeiros para a família, é uma forma de poder participar do
desenvolvimento da cidade de Touba, lugar central do muridismo, bem
como para divulgar os ensinamentos do Cheik Ahmadou Bamba pelos
espaços migratórios e promover adesões. Os cenários de imigração tor-
nam-se expressão do território religioso muçulmano de Touba.

Fig. 28. Festas religiosas do Grand Magal em Passo Fundo, realizadas em 2015 e 2018.
Fotos: Rádio Uirapuru e Caroline de Oliveira Morais, respectivamente.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 351


Entendemos que o campo religioso simboliza um refúgio de gru-
pos que tentam e sentem falta de constituir comunidades, ao mesmo
tempo com conotação de respaldo e reconhecimento social (respeito ao
sagrado como ordem de identidade social, é o caso, em especial, dos
muçulmanos), assim como de recurso mediador na esfera da mobilida-
de social.
O associativismo de imigrantes, no caso em questão o dos senegale-
ses, bem como as suas redes étnicas e religiosas, são muito importantes
no processo integrativo e de cidadania social e econômica aos imigran-
tes. Em Passo Fundo há a Associação dos Senegaleses. Em pesquisa que
fizemos junto a imigrantes e mesmo em conversa com seu o atual (2018)
presidente, a referida associação é fundamental para servir de ponto
de ancoragem do grupo, para promover várias ações em benefício dos
imigrantes senegaleses, espaço de reivindicações e demandas, referên-
cia para a representação de imigrantes em momentos de necessidades
(trabalho, legislação, envio de dinheiro, informações variadas, recepção
de novos imigrantes, doenças, mortes, prisões etc.). Esses vínculos auxi-
liam imigrantes nas questões pragmáticas, mas, também, de lazer, nos
festejos, no esporte, nas apresentações culturais, na inserção junto aos
órgãos públicos municipais para representar os seus associados, na me-
diação junto aos cursos de aprendizagem linguística, na regularização
do trabalho etc.
A gestão administrativa e política em relação aos imigrantes, as
manchetes alarmantes em torno da constituição da negatividade de
ações de muitos deles expressam, em geral, formas equivocadas ou
apressadas de gerir o fenômeno da conflitualidade entre imigrantes e a
sociedade hospedeira, dificultam o associativismo e o acolhimento inte-
rétnico, podendo, também, redefinir tempos de permanência no país ou
no município por parte de imigrantes, assim como ampliar ou não po-
líticas de controle das ações dos mesmos pela burocracia pública; nesse
caso, a venda de produtos em ruas do centro de Passo Fundo, a qual,
por inúmeras vezes, a Associação dos Senegaleses necessitou exercer
intermediação, participar de debates etc., é bem expressiva.
Enfim, entendemos que o associativismo voluntário e/ou institu-

352 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


cional é fundamental no processo integrativo de cidadania social e eco-
nômica aos imigrantes, auxilia na mediação intercultural e nas ações de
enfrentamento de suas demandas.

Considerações finais

Descrevemos alguns elementos que configuram horizontes de ten-


tativas interculturais, de intercâmbio, de enfrentamentos, de estratégias
que imigrantes senegaleses lançam mão para se situar melhor no espaço
da sociedade de destino. São processos ainda incipientes, recentes e que
revelam passos iniciais para que se constituam elementos societários
que transcendam a mera assimilação social dos imigrantes. Essa última
pode se dar com mais intensidade no regramento do trabalho, dos alu-
guéis, da legislação imigratória brasileira, dos múltiplos serviços etc.,
porém, no âmbito mais amplo da convivência social, há outros elemen-
tos e que precisam ser vistos nas tentativas das estratégias de demarcar
e transcender territórios, de se integrar, de produzir intercâmbios, de
ritualizar-se e de situar-se de forma mais harmônica no espaço de des-
tino.
Vimos que a intercultura revela relações expressivas de identida-
des grupais numa sociedade definida social, política, geográfica e etni-
camente. Essa materializa-se com processos de socialização e educação,
expressando tradições, arte, saberes, valores, crenças, representações
simbólicas, solidariedade grupal (pertencimentos).
Ao que podemos concluir, pelo que vimos nesses anos que estamos
acompanhando eventos e processos de inserção social, é que imigran-
tes senegaleses demonstram querer reconfigurar seu projeto migratório,
otimizando, dentro dos limites e possibilidades que se apresentam, seu
modo de ser, o que são e o que querem. Eles se reconfiguraram no seu
projeto; buscam criar condições para a interculturalidade num mundo
em que o mais certo é a falta de conhecimento sobre si e os outros de
ambos os lados (imigrantes e autóctones). Eles sabem que não basta a
oferta da força e o próprio trabalho, ou, então, vontade e desejo de tra-
balhar e ganhar dinheiro – ainda que a lógica que norteia o dinheiro na

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 353


sociedade tenda a ser central – outros horizontes precisam e necessitam
ser alimentados.
Senegaleses reclamam da demora, quando não da impossibilidade
da regularização documental (principalmente do documento que au-
toriza a eles a residência) e que isso dificulta a possibilidade de aspi-
rar melhores trabalhos, direitos sociais e uma convivência social mais
aberta e correlacional. Facilitar ou permitir a regularização, auxiliaria
no trabalho dos elementos de integração e da cidadania em seus vários
âmbitos, bem como possibilitaria que pudessem visitar seus familiares
e retornar para seu espaço de destino anterior, como também agrupar
membros da família e, com isso, produzir processos de inserção inte-
grativa com maior expressão, propiciar a criação de valores comuns na
dimensão universal dos direitos e da cidadania e, com isso, superar o
assimilacionismo anulador das diferenças.
Vimos que a presença de filhos de imigrantes nas escolas em Passo
Fundo, por exemplo, expressa muita dificuldade de sociabilidade e am-
bientação de ambos os sujeitos envolvidos: escola, professores, alunos
em geral, imigrantes em particular, seus pais, a comunidade e a esfera
pública mantenedora. Alunos imigrantes necessitam conhecer a língua
para acompanhar as turmas, recebem uma atenção especial por parte
do corpo pedagógico da escola, mas torna-se quase que inevitável sua
performance de um aluno mais fraco, criando diferenciações no interior
das turmas.
Concluímos que há enfrentamentos em múltiplos âmbitos por par-
te dos imigrantes; o laboral (empregos e a venda ambulante), o da cida-
dania social e política (documentação), o da integração social (inserção
em universos de expressão cultural) e da performance como imigrantes
negros (discriminação, preconceitos etc.), o estudo e a inserção em uni-
versos de qualificação e valorização profissional já existente e a adqui-
rida, dentre outros aspectos de seu cotidiano; demonstram ser univer-
sos relacionais desafiadores e que demandam os pressupostos de uma
convivência intercultural para mediar e servir de ponto de ancoragem
social. São imperativos que a presença de imigrantes na sociedade local
colocam e desafiam a todos.

354 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Referências
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356 TEDESCO, J. C. Interculturalidade e inserção sociolaboral: Estratégias e contraposições...


Sobre os autores e autoras
Candida Arend: Advogada. Mestre no Programa de Pós-graduação em Am-
biente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari -
Univates.

Emanuela Gamberoni: Doutora em Geografia. Professora de Geografia no


Departamento de Cultura e Civilização na Università degli Studi di Verona.
Seus temas de estudo são no âmbito da Geografia Social, a relação entre cine-
ma e geografia da África Ocidental, mobilidade e migração, em particular, da
imigração senegalesa. É vice-presidente da Associazione Italiana Insegnanti di
Geografia del Veneto

Filipe Seefeldt de Césaro: Mestre em Ciências Sociais e Bacharel em Relações


Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Membro do
Núcleo de Pesquisa, Ensino e Extensão Direitos Humanos e Mobilidade Hu-
mana Internacional (MIGRAIDH) e do Núcleo de Estudos Contemporâneos
(NECON).

Gisele Kleidermacher: Doctora en Ciencias Sociales (UBA), Investigadora del


Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) con
sede trabajo en el Instituto de Investigaciones Gino Germani, Facultad de Cien-
cias sociales de la Universidad de Buenos Aires. Profesora de Metodología en
la Carrera de Sociología, UBA.

Giuliana Redin: Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do


Paraná (PUC-PR). Professora do PPGD e Departamento de Direito da Univer-
sidade Federal de Santa Maria (UFSM). Coordenadora do Migraidh, Direitos
Humanos e Mobilidade Humana Internacional, e Cátedra Sérgio Vieira de
Mello da UFSM (CSVM).

João Carlos Tedesco: Doutor em Ciências Sociais. Pós-doutorado em História


Contemporânea pela Universidade de Verona. Professor do PPGH/UPF. Pes-
quisador de temas como imigração, colonização e movimentos sociais. Membro
do Grupo de Pesquisa sobre Imigração Senegalesa na América Latina (MISAL).

Jaqueline Bertoldo: Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa


Maria (PPGD-UFSM). Pesquisadora-extensionista pelo Migraidh/CSVM.

Juliana Rossa: Doutora em Letras (Associação Ampla UCS/UniRitter), mestre

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 357


em Letras, Cultura e Regionalidade (UCS); graduada em Comunicação Social
- Habilitação em Jornalismo (UCS). Atualmente é professora dos cursos de gra-
duação da Faculdade Murialdo, em Caxias do Sul-RS, onde também coordena
a Linha de Pesquisa em Migrações Contemporâneas na Serra Gaúcha.

Margarita Rosa Gaviria Mejía: Graduada em Antropologia na Universidade


de Antioquia, Medellín, Colômbia (1986). Mestrado em Antropologia Social
pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992). Dou-
torado em Ciências no Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agri-
cultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(2005). Pós-Doutorado em Violência e Cidadania no Curso de Pós-Graduação
em Sociologia da Universidade Federal de Rio Grande do Sul (2006-2008). Do-
cente do Curso de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD)
e da Área das Humanidades do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS)
da Universidade do Vale do Taquari-Univates, Lajeado, Rio Grande do Sul,
Brasil. Coordenadora do Grupo de Pesquisa MIPESUL (Migrações Internacio-
nais e Pesquisas no Sul).

Maria Catarina Chitolina Zanini: Doutora em Ciência Social (Antropologia


Social) pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora em Antropologia
Social pelo Museu Nacional (MN-UFRJ). Professora titular da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenadora do Núcleo de Estudos Con-
temporâneos (NECON).

Maria do Carmo dos Santos Gonçalves: Doutoranda do Programa de Pós-Gra-


duação em Ciências Sociais da PUCRS, Brasil). Bacharel em Filosofia pela Uni-
versidade de Caxias do Sul (2002), Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2007). Membro da Congregação
religiosa das Irmãs de São Carlos – Scalabrinianas. Temas de interesse e pes-
quisa: Migrações e refúgio; Religião (com enfoque nos estudos sobre o Islam);
Metodologias (Narrativa biográfica, Etnografia).

Papa Demba Fall: Doutor em Geografia. Diretor de pesquisa junto ao Institut


Fondamental d›Afrique noire de l›Université Cheikh Anta Diop de Dakar
(Senegal). Chef du Département des Sciences humaines  et Directeur du Réseau
d’étude de Migrations internationales africaines. Membre de l’Ecole doctorale
ETHOS/Sciences sociales appliquées au développement. Coordinateur/Chef
des projets de recherche internationaux sur le migrations.

358 SOBRE OS AUTORES E AUTORAS


Patricia Grazziotin Noschang: Doutora em Direito PPGD/UFSC. Mestre em
Direito e Relações Internacionais PPGD/UFSC. Especialista pela Fundação
Getulio Vargas em MBA Comércio Exterior e Negócios Internacionais e pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Direito Internacional Públi-
co, Privado e da Integração Regional. Professora na Faculdade de Direito e no
Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) da Universidade de Passo
Fundo/RS.

Philipp Roman Jung: Doutorando em Migrações – Geografia Humana. Institu-


to de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), Universidade de Lisboa.
Pesquisar sobre imigração senegalesa e suas múltiplas rotas.

Roberto Rodolfo Georg Uebel: Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais


pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do curso de Rela-
ções Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM Sul)
e da Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN).

Vania Heredia: Doutora em História das Américas pela Universidade de Gê-


nova. Pós-doutora em História Econômica pela Universidade de Padova e em
Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Titular
da Universidade de Caxias do Sul. Tem experiência de pesquisa nas seguintes
temáticas: migrações contemporâneas, migrações internas, migrações históri-
cas, envelhecimento populacional e políticas públicas, trabalho e políticas so-
ciais, história regional e história de empresas. Membro do Instituto Histórico
de São Leopoldo. Sócia da Associazione Italiana per il patrimonio archeologico
industriale (AIPAI). Sócia correspondente dell´Accademia Olimpica di Vicenza
na classe di Diritto, Economia e Amministrazione.

Imigração senegalesa: múltiplas dimensões 359

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