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DIÁLOGOS SOBRE
A RELIGIÃO
NATURAL
CLÁSSICOS
J. Michelet — O Povo
Machado de Assis — Dom Casmurro
J.-J. Rousseãu — D Contrato Social
R. Descartes — Discurso do Método
N. Maquiavel — O Príncipe
Erasmo — Elogio da Loucura
A. Comte — Discurso sobre o Espírito Positivo
Voltaire — Cândido
Aristóteles — Política
C. Beccaria — Dos Delitos e das Penas
T. Hobbes — Do Cidadão
P. Verri — Observações sobre a Tortura
Lancelot/Arnauld — Gramática de Port-Royal
Vários — Poesia Lírica Latina
D. Hume — Diálogos sobre a Religião Natural
Próximos lançamentos
J.-J. Rousseau — Emílio
Montesquieu — O Espírito das Leis
DIÁLOGOS SOBRE
A RELIGIÃO
NATURAL
David Hume
TRADUÇÃO
JOSÉ OSCAR DE ALMEIDA MARQUES
Martins Fontes
São Paulo — 1992
Título original: DIALOGUES CONCERNING NATURAL RELIGION
Copyright © Livraria Martins Fontes Editora Lida., São Paulo, 1992
para a presente edição
Prefácio VII
Bibliografia XIX
Cronologia XXIII
Nota ao texto desta tradução XXVII
Michael Wrigley
BIBLIOGRAFIA
Michael Wrigley
CRONOLOGIA
2. L’Art de penser.
PARTE I 21
nimento de natureza menos complicada e obscura.
Uma comédia, um romance ou, no máximo, um li
vro de história parecem constituir uma recreação
mais natural do que tais sutilezas e abstrações meta
físicas.
Em vão procurará o cético estabelecei" uma di
ferença entre a ciência e a vida cotidiana, ou entre
uma ciência e outra. Os argumentos que se empre
gam em todas elas, se corretos, são de natureza si
milar e contêm a mesma força e evidência. E, se hou
ver alguma diferença entre elas, a vantagem estará
inteiramente do lado da teologia e da religião natu
ral. Muitos princípios da mecânica baseiam-se em
raciocínios extremamente complicados; não obstante,
ninguém que aspire ao conhecimento científico, nem
sequer um cético especulativo, alega manter a me
nor dúvida sobre eles. O sistema copernicano con
tém o paradoxo mais surpreendente e mais contrá
rio às nossas concepções naturais, às aparências e aos
nossos próprios sentidos; apesar disso, até os mon
ges e os inquisidores estão hoje coagidos a suspen
der sua oposição a ele. E por que deveria Filo, um
homem de espírito tão liberal e instruído, abrigar
indiscriminadamente escrúpulos gerais com relação
à hipótese religiosa, que se funda nos argumentos
mais simples e óbvios, e que, a menos que se defronte
com obstáculos artificiais, goza de tão fácil acesso
e admissão à mente humana?
E aqui podemos observar [dirigindo-se a Demea],
uma circunstância bastante curiosa na história das
ciências. Após a união da filosofia com a religião
popular, à época do estabelecimento inicial da reli
gião cristã, nada foi mais usual, entre os que ensi-
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3. Mons. Huer.
PARTE I 23
tre os últimos, com muito gosto eu esperaria que fos
sem igualmente escassos os que seriamente se in
cluem entre os primeiros.
Filo: Você não se lembra da excelente afirma
ção de Lord Bacon sobre esse tópico?
Cleantes: Que a filosofia, quando é pouca, faz
do homem um ateu, e quando é muita, converte-o
à religião.
Filo: Essa também é uma observação muito ju-
diciosa, mas o que tenho em vista é outra passagem,
na qual, tendo-se referido ao insensato que servia a
Davi e que dissera em seu coração que não há Deus,
esse grande filósofo observa que os ateus de hoje em
dia revelam uma dupla dose de insensatez, pois nao
se limitam a dizer em seus corações que não há Deus,
mas proferem igualmente com seus lábios essa im
piedade, tornando-se com isso culpados de múltipla
indiscrição e imprudência. Pessoas desse tipo, por
mais que estejam falando a sério, não podem ser,
parece-me, muito temíveis.
Mas embora você me inclua nessa classe de in
sensatos, não posso deixar de referir-me a uma ob
servação que me ocorre em relação à história do ce
ticismo religioso e irreligioso com a qual você nos
brindou. Parece-me que há fortes sintomas de opor
tunismo clerical ao longo de todo esse processo. Du
rante as épocas de ignorância, tais como as que se
seguiram à dissolução das antigas escolas, os sacer
dotes perceberam que o ateísmo, o deísmo ou qual
quer tipo de heresia só podiam provir do questio
namento presunçoso das opiniões recebidas e da
crença de que a razão humana estava à altura de qual
quer tarefa. A doutrinação tinha, então, uma pode
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í P N 3 82 0 -.3
K U v- 's. r-
PARTE VTJ 101
Cleantes: Sou obrigado a confessar que a ta
refa de levantar dúvidas e objeções à qual você, Fi
lo, se propôs convêm-lhe melhor do que a qualquer
dos homens que presentemente vivem, e parece ser-
lhe, de um certo modo, natural e inevitável. TCao gran
de é a fertilidade de sua invenção que não me en
vergonho de admitir meu despreparo para resolver
metodicamente, de imediato, todas as inauditas di
ficuldades que você incansavelmente suscita contra
mim, mesmo percebendo claramente, de modo ge
ral, que elas são falaciosas e errôneas. E não tenho
nenhuma dúvida de que você próprio — não tendo
a solução tão a seu alcance quanto a objeção — está
presentemente na mesma condição; e deve do mes
mo modo reconhecer que tanto o senso comum co
mo a razão lhe são inteiramente contrários e que as
excentricidades que você nos propõe podem talvez
levar à perplexidade, mas nunca ao convencimento.
PARTE VIII
Filo: Aquilo que você atribui à fertilidade de
minha invenção deve-se inteiramente à natureza do
assunto. Nos assuntos adequados ao âmbito estrei
to da razão humana só há, normalmente, uma úni
ca conclusão que traz consigo plausibilidade ou con
vencimento; e todas as outras suposições que não
aquela parecem, a uma pessoa de bom juízo, total
mente absurdas e fantasiosas. Mas em questões co
mo as de que presentemente nos ocupamos, cente
nas de perspectivas contraditórias podem preservar
um certo grau de analogia imperfeita, e a inventivi
dade dispõe aqui de um amplo campo para exercer-
se. Acredito que eu poderia, sem grande esforço in
telectual, propor agora mesmo outros sistemas cos-
mogônicos que teriam uma leve aparência de ver
dade, embora as chances de que o seu sistema, ou
qualquer um dos meus, seja o sistema verdadeiro se
jam de mil, de um milhão contra um.
E se eu revivesse, por exemplo, a velha hipótese
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■i I >i ( ’.larke.
PAR TE IX 121
lação, e qualquer forma pode ser concebida como
sofrendo alteração. Tal aniquilação ou alteração não
é, portanto, impossível?’ No entanto, parecería gran
de parcialidade não reconhecer que o mesmo argu
mento se estende igualmente à Divindade, tanto
quanto nos é dado concebê-la; e que a mente pode,
pelo menos, imaginá-la como não-existente, ou co
mo tendo seus atributos alterados. Se algo faz essa
não-existência aparecer como impossível, ou seus
atributos como inalteráveis, deve tratar-se de certas
qualidades desconhecidas e inconcebíveis; e não há
razão para que tais qualidades nao possam perten
cer também à matéria, pois, dado que são comple
tamente desconhecidas e inconcebíveis, não se po
derá jamais provar que elas lhe sejam incompatíveis.
Acresça-se a isto o fato de que, ao se esquadri
nhar uma sucessão eterna de objetos, parece absur
do perguntar por uma causa geral, ou primeiro au
tor. Como poderia haver uma causa de algo que exis
te desde a eternidade, se essa relação envolve uma
prioridade no tempo e um começo de existência?
Além disso, em uma tal cadeia ou sucessão de
objetos, cada parte é causada pela precedente e é causa
da que lhe vem a seguir. Onde está, pois, a dificul
dade? Mas o todo, você .diz, precisa ter uma causa.
Minha resposta é que a união dessas partes em um
todo, assim como a união de várias províncias dife
rentes em um reino, ou de vários membros distin
tos em um corpo, realiza-se simplesmente por um
ato arbitrário da mente e não tem influência sobre
a natureza das coisas. Se eu lhe tivesse mostrado as
causas particulares de cada indivíduo de uma cole
ção de vinte partículas materiais, seria muito pou
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8. De formatione foetus.
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