Você está na página 1de 23

ANJOS, Flavius Almeida dos.

O inglês como língua franca global da contemporaneidade: em defesa de uma


pedagogia pela sua desestrangeirização e descolonização. Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p.
95-117.

O INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA GLOBAL DA CONTEMPORANEIDADE:


EM DEFESA DE UMA PEDAGOGIA PELA SUA DESESTRANGEIRIZAÇÃO E DESCOLONIZAÇÃO

Flavius Almeida dos Anjos (UFRB)

If a language can be made a product of colonialism,


then, it should be equally possible to decolonize it,
if there is a collective will.
(KUMARAVADIVELU, 2005, p. 31)

Resumo: O presente artigo intenciona refletir acerca do status de língua franca global que
a língua inglesa ocupa na contemporaneidade. No bojo dessa reflexão, proponho, à luz da
linguística aplicada, conceber a língua inglesa como uma ferramenta de comunicação
global, usada por diferentes povos e culturas e por isso mesmo, aponto a necessidade de
repensá-la, bem como o desenvolvimento de pedagogias críticas que operem no sentido
de desestrangeirizar e descolonizar esse idioma, com vistas a favorecer a formação de
aprendizes críticos, autônomos e preparados para lidar com a diversidade linguística e
demandas contemporâneas, as quais são consolidadas através da língua inglesa, exigindo
desse modo, a comunicação, quer oral, ou escrita, através de uma língua desatrelada de
suas origens, sobretudo, as coloniais e imperiais, mas uma língua que possibilite a
comunicação entre culturas, que permite a manutenção das identidades dos falantes em
situações comunicativas.
Palavras-chaves: língua inglesa. Língua franca global. Descolonização. Desestrangeirização.

Abstract: The present paper intends to reflect upon the global lingua franca status which
the English language occupies in the contemporaneity. In the midst of this reflection, I
propose, under the applied linguistics light, to conceive the English language as a global
communication tool, used by different people and cultures, and because of this, I point
out the need of rethinking it, as well as the development of critical pedagogies which
operate to ‘deforeignize’ and decolonize this language, in order to make possible the
education of critical and autonomous learners, ready to deal with the linguistic diversity
and contemporary demands, the ones which are consolidated through the English
language, requiring, in this way, the communication, both oral and written, through a
language uncoupled of its origins, mainly, the colonial and imperial ones, but a language
that makes possible the communication among cultures, that allows the maintenance of
speaker´s identities in communicative situations.
Keywords: English language. Gobal lingua franca. Decolonization. Deforeignization.
96 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

Introdução

Vivemos uma era marcada pela instabilidade, pela celeridade das informações,
encontro e confronto de povos. Tempos de globalização e reconhecimento das
diversidades, do melting pot. Cenário notadamente delineado por crises econômicas,
políticas, morais e estreitamento de barreiras. Um momento de descontrole, em que a
monetarização sobrepõe valores humanistas. Era da Internet, do Facebook, do Youtube,
do Twiter, do Skype e outras redes de informações. Emerge, nesse cenário, uma língua de
contato entre povos, capaz de possibilitar a preservação das identidades de quem dela
faz uso. Essa língua que conseguiu ‘viajar’ pelo mundo, alcançar muitas nações, passa por
um processo de reformulação da sua própria identidade, que de língua nacional, tornou-
se colonial, imperial (LE BRETON, 2005) e já alcança o status de língua fraca global, ao
desatrelar-se das suas raízes territoriais e culturais, o que também proponho refletir nas
próximas linhas.
O desenfreado processo de desterritorialização da língua Inglesa, delineado por
Crystal (2006), como um dos fatores que fez com que esse idioma se tornasse a língua
global dos tempos atuais, parece também ter provocado, conforme destacou Ventura
(1989), há quase três décadas, uma epidemia que contamina cerca de 750 milhões de
pessoas no mundo todo, incluindo-se aí, dentre outros especialistas, historiadores,
sociólogos, antropólogos, cientistas, médicos e estudantes, cujos interesses em busca de
conhecimento fazem um percurso que inevitavelmente passa pela língua inglesa. Uma
língua sem donos, ou, melhor, de todo mundo. E desse modo, a língua inglesa, prossegue
penetrando diversas culturas, para atender a interesses globais, antes colonialistas.
Essa difusão planetária da língua Inglesa resultou, não apenas no Brasil, mas no
mundo, um montante de pesquisas, sobretudo na área da Linguística Aplicada (LA), em
particular, buscando uma compreensão sobre a questão do imperialismo linguístico da
língua Inglesa. Tais estudos, em certa medida, tem posto luz sob as consequências da
presença desse idioma global no cenário mundial, suas implicações políticas, econômicas,
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 97

culturais e, sobretudo, educacionais. No que diz respeito às implicações de ordem


política, econômica e culturais, pode-se citar a visão de alguns países em alinhar-se
plenamente com as mudanças, os interesses e desafios da civilização global. O Brasil, a
China, o Japão e a Rússia são exemplos de países que perceberam a necessidade de
reforçar o ensino de inglês, a fim de se obter êxito frente aos desafios da realidade global
emergente, já que essa mesma realidade tem mudado o cenário mundial, a vida das
pessoas, seus trabalhos, rendas, saúde, o mercado, as tecnologias, bem como tem
afetado as fronteiras, rompendo-as, acelerando o ritmo com que as informações, ideias,
normas e valores circulam e a comunicação entre povos. Tal perspectiva sinaliza a
existência de uma língua que hoje consolida-se como a língua franca global. No entanto,
parece ainda persistir práticas que corroborem o caráter colonial da língua inglesa.
Assim, o ensino do inglês sendo parte significativa dessa política colonial, à
medida em que o império se dissemina, a língua inglesa também alastra-se mundo afora,
reproduzindo as hostes desse mesmo império. Como bem coloca Paiva (2005), “a força
armada não é mais o meio através do qual se tem dominado o terceiro mundo, a língua
na verdade tem sido a matéria prima do imperialismo cultural, que por sua vez é causado
pela dependência econômica”. Para Rajagopalan (2003), essa questão do imperialismo
linguístico é um fator que tem afetado diretamente o ensino e a aprendizagem de línguas,
já que este provocou um efeito avassalador nas sociedades. Acentua esse autor, que o
imperialismo linguístico delineia-se como um fenômeno amplo e assustador da
globalização, configurando-se em práticas como a norte-americanização das diferentes
culturas. Como resultado, no caso específico da língua inglesa, o imperialismo linguístico
acaba por camuflar questões inerentes às identidades da língua do falante, da cultura,
quando, por exemplo, em países periféricos, com base em orientações reprodutivistas e
imediatistas se propicia atmosfera para a divulgação da cultura e dos valores associados a
essa língua (RAJAGOPALAN, 2003), desconsiderando questões locais, de imenso valor
patrimonial. Vinculado a isso está o processo da globalização cultural, que, em certa
medida, converge para o processo de homogeneização cultural, quando aspectos, como o
98 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

individualismo e o consumismo americanos dominam o cenário mundial, fazendo com


que pessoas no mundo todo difundam práticas ‘dominantes’ das culturas hegemônicas,
atendendo a objetivos capitalistas de tais culturas.
Para reagir a tal investida, é preciso compreender a trajetória histórica da língua
inglesa até chegar ao seu status de língua franca global. Mas, o que de fato caracteriza
uma língua franca global? Como ela opera? E quem a usa? O que está por trás dela? Para
Jenkins (2007, p.1) o termo “língua franca” é usado para definir “uma língua de contato
usada entre povos que não compartilham uma primeira língua e é comumente entendida
como querendo significar uma segunda língua de seus falantes”. O inglês tem operado
nesse sentido, possibilitando comunicação entre povos, de diferentes culturas. Por isso
que Jenkins (2007) postula que o ILF é uma língua comum, escolhida por falantes de
diferentes bases culturais, acrescentando que, na prática, isso significa uma língua que é
usada pelos falantes não nativos do inglês do círculo em expansão.
Com visão mais crítica, Phillipson (2014) diz que o ‘Global English’ é mais um
projeto do que uma realidade, que corrobora o estabelecimento de processos de
hierarquização da língua, operando no sentido de privar falantes de outras línguas. Para
esse autor, tal projeto traz consigo forças anglo-americanas. E nessa linha de pensamento,
Phillipson (2014) assevera que o reconhecimento do inglês como língua franca é um
linguicismo banal, que obscurece os interesses particulares dos britânicos e dos norte
americanos, de consolidar as suas línguas como idioma de poder e influência. Evidente no
pensamento de Phillipson um jogo ideológico que é articulado através da língua inglesa,
para expandi-la, ao tempo em que o capital cultural dessas nações é disseminado,
sobretudo, como superior, avançado e moderno. Por isso que essa expansão precisa ser
compreendida em seu cerne, por que os objetivos dela quando não compreendidos
podem favorecer a grupos hegemônicos em detrimento dos feitos minoritários.
Quanto a isso, Le Breton (2005) diz que essa difusão planetária da língua inglesa é
a primeira característica geopolítica do inglês. Esse autor alerta ainda que essa expansão
é grave, porque afeta categorias sociais em risco, acrescentando que não há nenhuma
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 99

categoria humana que não se veja afetada pela universalidade da difusão da língua
inglesa, não escapando nem mesmo as organizações terroristas (LE BRETON, 2005). Nessa
mesma linha de pensamento, ao falar sobre os perigos de uma língua global, Crystal
(2003) argumenta que essa cultivará uma elite de classe linguística monolíngue e levanta
a possibilidade de a presença de uma língua global tornar as pessoas preguiçosas para
aprender outras línguas.
Na visão de Seidlhofer (2005), o inglês funciona como uma língua franca global,
tendo em vista estar sendo moldado mais por falantes não nativos do que por nativos. Já
Crystal (2003) entende que uma língua pode ser considerada global quando desenvolve
um papel especial reconhecido em cada país. A língua inglesa, que ora assume esse
status, coloca-se também como umas das alternativas de comunicação entre povos. Não
sem razão é que 1/5 da população mundial fala esse idioma com algum grau de
competência e outros 1/5 estão se apressando para aprendê-lo. Isso é justificável tendo
vista que a língua inglesa tem sido a língua dos esportes, dos filmes, da diplomacia, da
ciência, do mundo acadêmico, dos desenhos, da publicidade, dos congressos e dos
negócios. Por isso, como bem destaca Rajagopalan (2003), já não se discute mais essa
assustadora hegemonia da língua inglesa no mundo atual. Nessa perspectiva, Ventura
(1998) chama atenção para o fato de esse idioma estar presente em muitos jargões
profissionais, como na publicidade e na informática, em 80% dos trabalhos científicos e
em mais de 10.000 jornais no mundo todo. Obviamente que esse fato não se deu por
mero acaso, a penetração da língua inglesa em diversas esferas da vida social deu-se por
conta do desempenho político, econômico, científico e militar dos povos falantes dessa
língua.
Desatrelada das suas origens, a língua inglesa viajou pelo mundo, fez milhares de
adeptos, e prossegue conquistando outros milhares para usá-la em situações
comunicativas entre culturas, não mais exigindo de um falante qualquer o abandono das
identidades, do eu, para fazer-se um outro estrangeiro, colonial e imperial, como sempre
fazem as abordagens do inglês como língua estrangeira (ILE), quando posicionam os
100 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

aprendizes como estranhos, estrangeiros, alguém distante da língua, que exalta a cultura
estrangeira e luta para obter aceitação da comunidade alvo (GRADDOL, 2006). E nesse
sentido é que acredito poder resolver o grave problema ideológico levantado por
Phillipson (2014), mencionado anteriormente, ao colocar a língua inglesa como a grande
vilã nesse cenário de ideologia linguística, quando na verdade são as abordagens que
podem favorecer o empreendimento de difusão de uma língua em favor do império.
Contrárias a posicionamentos que corroborem o imperialismo, muitas pessoas, em
diversas partes do mundo, já não ensinam/aprendem mais a língua inglesa em
reconhecimento ao poder hegemônico dos falantes nativos. Pois, na contemporaneidade
emerge um novo modelo de inglês, não mais estrangeiro - inglês como língua estrangeira
(ILE) ou o inglês como segunda língua (ESL). O inglês como língua estrangeira (ILE) parece
estar cedendo espaço a um modelo mais adequado para as realidades globais.
Parece que esse novo modelo coloca-se a serviço de diferentes povos, atende a
interesses de quem dele faz uso, possibilitando a comunicação entre culturas. Assim, a
língua franca global contemporânea traz consigo um caráter cosmopolita; uma língua que
não pertence a ninguém em particular, cada vez mais projetada como uma ‘lingua
nullius’, uma língua de ninguém, que serve a todos igualmente (PHILLIPSON, 2014), já que
a conveniência de se ter uma língua franca disponível para servir às relações e
necessidades humanas globais tem sido apreciada por milhares de pessoas. (CRYSTAL,
2003, p. 30). E por isso, há algum tempo, já não faz mais sentido falar exclusivamente em
acentos1 Norte-Americanos e Britânicos como modelos únicos a serem seguidos, cujas
culturas são colocadas como detentoras exclusivas da língua inglesa. Tal sensação de
perda de propriedade, obviamente, gera desconforto para aqueles que acreditam ter a
língua inglesa como propriedade exclusiva, sobretudo os Britânicos, os quais sentem, por
direito histórico, que a língua inglesa lhes pertence (CRYSTAL, 2003). É nesse sentido
também que é preciso atuação profissional crítica, para retirar aspectos coloniais que

1 Não só acentos, mas também das variedades emergentes do inglês no mundo, como o Portenglish, o
Franglais, o Dunglish, o Japlish, o Chinglish.
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 101

insistem em permanecer atrelados à língua inglesa, que oprimem, subestimam e privam


falantes de outras línguas, pois como bem alerta Phillipson (2014), as pessoas, para quem
o inglês se tornou uma importante língua profissional, precisam ficar alertas para as
implicações de política linguística e sua relação com questões de injustiça social.
Nas linhas que se seguem, fica evidente a defesa de práticas que mobilizem
esforços no sentido de descolonizar e desestrangeirizar a língua inglesa. E para corroborar
o que aqui está sendo defendido, alinho o pensamento com Almeida Filho (1993), o qual
defende práticas de ensino-aprendizagem centradas em relações de alteridade, em busca
de experiências que gradualmente desestrangeirizam a língua que se aprende, através de
relações profundas com o outro; com Freire (1979) e Moita Lopes (1996), quando tratam
de atitudes acríticas e alienantes, as quais contribuem para deixar os indivíduos em
estado de alienação, funcionando, desse modo, como objetos para que o colonizador
atinja seus interesses; bem como com Kumaravadivelu (2005), que acredita na
descolonização da língua inglesa, desde que haja um interesse coletivo nessa empreitada.
Para aquecer essa reflexão, inicio a próxima seção retratando a questão colonial
empreitada pelo império britânico. Reflito como isso tem afetado particularmente o
ensino da língua inglesa ainda hoje, bem como reações ao ensino na perspectiva colonial
podem ter bases sólidas, isto é, como é possível pensar a descolonização do inglês.

1. Colonialismo, o ensino da língua inglesa & reações

O instinto de dominar o outro, o estranho, o vizinho, é uma prática política


milenar. Parece que esse sistema de dominação revela-se inerente à condição humana, e
ganha força quando homens adquirem poder e automaticamente têm o interesse de
dominar os mais vulneráveis (WARD, 1967). Os portugueses assim fizeram com nós
brasileiros, (im) pondo-nos a sua língua, cultura, seus jeitos de ser e agir. Os Britânicos
também agiram dessa mesma forma com Africanos, Americanos e Indianos. A
colonização, de um modo geral, possibilitou, particularmente aos ingleses, o aumento do
102 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

poder imperial. Brutalmente, é a partir do século XVI que a Inglaterra inicia a colonização
enquanto empreendimento. No entanto, até o final do mesmo século, muitos problemas
emergiram resultando no fracasso do domínio imperial. Desse período em diante, a
monarquia Tudor assume o controle de uma nova política agressiva de colonização,
cunhada de ‘o principal legado da Irlanda elisabetana tardia para a colonização inglesa no
novo mundo’ (WOOD, 2014, p. 69).
Esse empreendimento de colonização intencionava aumentar a supremacia
comercial da Inglaterra, bem como possibilitar o aumento da riqueza dos ingleses,
criando relações de dependência. No bojo dessa prática, a língua opera como um dos
mecanismos para a consolidação de objetivos de dominação e expansão de poder. Parece
que a imposição da língua do império contribuía com a invalidação das dos grupos
subordinados e, assim, provocava-se agressão ao outro, ao manipular e controlar as
atividades sociais. Por isso, infelizmente, é verdade que a língua inglesa teve uma história
de imposição, frequentemente competindo com outras línguas (CANAGARAJAH, 1999),
porque todas as línguas são confrontadas, ao longo dos seus desenvolvimentos
sóciohistóricos, por questões de poder em nível intra e internacionais (GUILHERME,
2007). No entanto, é preciso reações para que o ensino da língua inglesa não permaneça
mais sendo conduzido em perspectivas coloniais, que, assim, opera no sentido de apagar
a identidade do aprendiz, fomentando o desenvolvimento de uma outra, quando, na
verdade, ele deve e pode mantê-la, sem problemas. Nesse âmbito, a cultura exerce papel
crucial para que se compreenda as forças do processo de colonização através da língua
inglesa. Mais adiante retratarei como aspectos culturais corroboram o processo de
colonização.
À luz da Teoria Educacional Crítica, intenciono, com essa reflexão, alertar acerca
de mecanismos de opressão e dominação que são reproduzidos no processo de
escolarização, sobretudo no ensino e na aprendizagem da língua inglesa, tendo em vista
que muitos professores ainda deixam fluir em seus discursos aspectos coloniais. A
respeito disso, Graddol (2006) é enfático ao dizer que o modelo de inglês como língua
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 103

estrangeira (ILE) tem tendência a destacar a cultura e a sociedade dos falantes nativos,
com base em metodologias que enfatizam a emulação de comportamentos dos falantes
nativos. Tal prática corrobora o desenvolvimento de atitudes ‘colonizantes’. Por isso, a
temática colonialismo e a sua relação com a língua inglesa precisa ser compreendida para
consequentemente tornar o educador linguístico consciente da presença de ideologias
ainda hoje, já que algumas ideologias do ensino da língua inglesa, na
contemporaneidade, tem suas raízes nas construções culturais do colonialismo
(PENNYCOOK, 1998).
Nessa linha de pensamento é que Pennycook (1998) diz que o inglês é produto do
colonialismo. Por conta disso, parece que o ensino e a aprendizagem da língua inglesa
sempre estiveram quase que exclusivamente cercados de elementos que pudessem ecoar
e manter em evidencia as culturas hegemônicas. Obviamente que práticas nesse sentido,
fundamentada numa ‘Pedagogia da Assimilação’ (SCHEYERL, 2012), acabavam por
desprivilegiar o falante não nativo, silenciando a sua cultura e todas as outras questões
relacionadas a quem aprendia uma língua estrangeira.
Para corroborar essas práticas, não sem razão é que associações, centros e
organizações, financiadas por governos, instalavam-se em países, onde permanecem até
hoje, visando à manutenção e à divulgação da cultura e dos povos de cultura
hegemônicas. Como exemplo disso, no Brasil, temos a Associação Cultural Brasil Estados
Unidos (ACBEU)2 e a Cultura Inglesa3, ambas com missões centradas na manutenção e

2 No site oficial da instituição (http://www.acbeubahia.org.br/institucional/default.asp), fica evidente a


iniciativa do governo norte americano frente ao empreendimento do ensino da língua inglesa, quando
encontra-se neste site, como missão da instituição, a promoção da educação de excelência e a difusão da
cultura (norte americana) para formação do cidadão. Ainda, a ACBEU coloca-se como a única instituição de
ensino de inglês recomendada pelo Governo dos EUA no Estado da Bahia, ressaltando está dentre os 3 mais
relevantes Centros Binacionais, com excelência em educação que inclui mais de 40 instituições no Brasil,
fomentados pelo Governo Americano para oferecer educação de excelência no ensino da língua em
parceria com Education USA (Serviço de Orientação Educacional), único órgão oficial do Departamento de
Estado Americano autorizado a oferecer orientações sobre educação nos EUA, no Estado da Bahia.
3 A Cultura inglesa informa em sua página na Internet (http://www.culturainglesa-ba.com.br/#) ser uma
instituição produtora e fomentadora de arte e cultura. Ressalta o seu trabalho desenvolvido ao longo de
mais de 70 anos no Brasil, com a missão de possibilitar aos aprendizes a ‘mergulharem no universo da
cultura britânica’.
104 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

propagação das culturas anglófonas. Tais iniciativas, em certa medida, acabam por
fomentar sentimentos e atitudes de exaltação em relação à cultura e à língua estrangeira
em detrimento da língua e cultura local.
As atitudes e práticas mencionadas na seção anterior encontram guarida também
em muitos materiais didáticos. Neles os discursos desempenham papel central para a
consolidação e disseminação de ideologias, sobretudo aquelas assentadas nas culturas
europeia e norte americana, as quais quase sempre são exibidas com exclusividade e,
como resultado, acabam fomentando desigualdades culturais entre o inglês falado nesses
territórios e outras línguasculturas.
Nessa perspectiva é que em muitas salas de aula de língua inglesa, professores,
quando questionados pelos seus alunos qual acento seguir, sempre tendiam a sinalizar os
norte americanos ou britânicos. Assim, seguia-se uma linha que desconsiderava e
desprestigiava qualquer outro acento. Tomava-se, desse modo, como paradigma dois
acentos apenas. Consequentemente, tais iniciativas geravam frustração, medo e
desestímulo, quando os discentes não conseguiam alcançar a meta de falar ‘igualzinho a
um americano’, por exemplo. Por isso que Rajagopalan (2003) argumenta que muitos
alunos se sentiam diminuídos em suas autoestimas, na sala de aula de LE, por causa de
práticas e posturas que corroboravam a supremacia das culturas hegemônicas.
Como parece haver uma atitude exagerada de exaltação, de quase adoração pelas
culturas dominantes de língua inglesa, conforme nos revela Moita Lopes (1996), esse
autor chama de “colonizadoras” as atitudes de glorificação de uma cultura estrangeira e
chega a chamá-la de embasbacamento, ecoando a visão de Motta et al (2001), os quais
chamam de “admiração desmedida” as mesmas atitudes em relação aos países
considerados de Primeiro Mundo, especialmente os Estados Unidos e os países
europeus4. Por isso é que valores como eficiência, competitividade, bom senso, controle

4 Santos. M. (2000, p. 20) acredita que a humanidade passa por um estágio de evolução negativa cuja raiz
está relacionada com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que caracterizam ações
hegemônicas.
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 105

emocional e racional são propagados pela indústria cultural, fazendo com que os povos
do Terceiro Mundo não acreditem que têm essas características, e os de Primeiro Mundo,
etnocentricamente, acreditem que apenas eles possuem (cf. BASTOS, 2005, p.35). E o que
se nota, é uma admiração exacerbada e uma evidente emulação, fazendo dos países de
Primeiro Mundo nossos modelos de competência e eficiência na tecnologia,
administração, na moda, música, apontando claramente para uma suposta alienação e
um autodescrédito quase umbilical. A respeito disso, Moita Lopes (1996a, p. 49) coloca
que:
[...] é desnecessário acrescentar ainda a penetração e o status da
língua inglesa, no caso brasileiro, em todos os setores da vida
nacional, confirmando a referida alienação. Este processo de
identificação com o “outro”, o colonizador, ou melhor, com a sua
superioridade, vai levar o colonizado à imitação do colonizador
em todos os níveis.

Sendo assim, é preciso enxergar os limites da imitação, do mimetismo, para não


chegarmos à incômoda posição servil, o que nos coloca numa condição quase que
institucionalizada de inferioridade, reagindo às práticas que corroboram as atitudes de
supervalorização. Merece destaque aqui um dos trabalhos de Canagarajah (1999),
comentado por Rajagopalan (2003), que relata como professores e alunos nos países
periféricos conseguem reagir, desafiando as instituições encarregadas de divulgar a LI e os
valores culturais a ela associados.
Apesar de não ver a imitação dos aspectos culturais de outras nações com bons
olhos, o que para muitas pessoas é símbolo de grandeza, entendo que “o erro não está na
imitação, mas na passividade com que se recebe a imitação ou na falta de análise ou de
autocrítica” (FREIRE, 1979, p.19). Portanto, acredito que a supervalorização da cultura
estrangeira geralmente leva a uma imitação desprovida de autocrítica, fazendo com que a
pessoa deixe de reconhecer os seus valores e de sua comunidade, chegando, em muitos
aspectos, a ter vergonha da sua realidade. Sobre tal questão, Freire (1979, p.19) diz que:
106 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

[...] quando um ser humano pretende imitar a outrem, já não é


mais ele mesmo. Assim também a imitação servil de outras
culturas produz uma sociedade alienada ou sociedade-objeto.
Quanto mais alguém quer ser outro, tanto menos ele é ele
mesmo.

Embora seja relevante conhecer a cultura do outro, é preciso ensinar a LI


acrescentando que é possível muito bem usar calças, calçados e moletons produzidos no
Brasil, ou comer um sanduíche, uma pizza numa rede de lanchonetes brasileiras e que
sejam preparados ao modo brasileiro, assim como deve-se mostrar que podemos
degustar uma série de pratos tipicamente brasileiros, em nada deixando a desejar. De
certo, tal atitude, a longo prazo, irá contribuir para desmistificar essa noção de que tudo
daqui é inferior e encontrará meios de deslegitimizar essa supremacia da cultura norte-
americana (ou outras mundialmente dominantes), que há muito ocupam espaço
privilegiado, quase sagrado na sala de aula de LI, visando desconstruir o menosprezo com
que são tratados os aspectos culturais locais e de outras comunidades mundiais.
Na visão de Motta et al (2001), a valorização do que é estrangeiro representa
menosprezo ao que é brasileiro e a identificação com o estrangeiro é a negação da nossa
‘brasilidade’. Esses autores argumentam que, no decurso da nossa história, os donos do
poder adotavam modos de vida estrangeiros, primordialmente dos países tidos como
desenvolvidos na época, com o intuito de poder articular-se com o mundo desenvolvido.
Nesse sentido, esses mesmos autores mencionam ainda que até hoje os Estados Unidos
se encontram nesse lugar, servindo de “norte” para aspectos que dizem respeito aos
diversos campos da nossa vida individual e coletiva, e fazem referência a discursos
ideológicos como “o que funciona nos Estados Unidos deve funcionar no Brasil”.
Quanto a isso, Rajagopalan (2003, p.60) faz menção ao termo “estadunização”,
para se referir ao que ele chama de eufemismo de uma nova ordem mundial sob a égide
da “Pax (Norte)-americana”. Essa nova ordem foi uma pesquisa elaborada por Bayard et al
(2001 apud GILES; BILLINGS, 2004, p.192), que, ao examinar reações ao inglês americano
e o australiano, comprovou que a voz mais respeitada era a americana feminina seguida
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 107

da americana masculina, uma prova da visão equivocada da supremacia linguística dos


Estados Unidos. E por isso parece que Rajagopalan (2003) ressalta que o avanço
triunfante da língua inglesa, nas diversas partes do mundo, como veículo de
comunicação, tem afetado diretamente as demais línguas do planeta.
Como já externado, esse avanço da língua inglesa tem gerado atitudes, como as
de supervalorização. O outro lado da moeda é a atitude de inferioridade e, grosso modo,
para desfazê-la, assim como de práticas e posturas notadamente equivocadas, tanto por
parte do aluno quanto do professor, o ensino da LI nos dias de hoje deve trazer em seu
bojo atividades que foquem a cultura local, privilegiando as identidades e aspectos da
cultura de cada aluno, considerando e construindo conhecimento, valores e crenças que
os participantes trazem com eles para a sala de aula, sem, contudo, deixar de privilegiar o
diálogo entre culturas, sejam elas de países de língua inglesa ou não, pois não convém
rechaçar toda influência vinda de fora5. Tal atitude revelar-se-ia imprudente tanto quanto
a atitude de submissão total, de orientação reprodutivista. (RAJAGOPALAN, 2003).
Portanto, entendendo a língua não apenas como um instrumento de comunicação
ou um código, mas como uma das principais marcas da identidade de uma nação, de um
povo, acredito ser importante tolerar, reconhecer e compartilhar a língua e a cultura do
outro, para nos transformar, pois “uma das maneiras pela qual as identidades acabam
sofrendo o processo de renegociação, de realinhamento é o contato entre as pessoas,
entre os povos, entre as culturas”. (RAJAGOPALAN, 2003, p.69).
Para sustentar o que foi mencionado no parágrafo anterior, numa proposta de
estudo com diferentes culturas, que também privilegiasse a nossa e a do outro, estaria se
promovendo o desenvolvimento de habilidades interculturais. Assim, colocaria em
evidência o respeito, empatia, flexibilidade, interesse, curiosidade, abertura, motivação,
senso de humor, tolerância em relação ao que é nosso e à cultura estrangeira,

5 Apesar de ter sérias reservas em relação ao ensino das culturas hegemônicas de língua inglesa, acredito
que não se deve ignorar a língua do imperialista, mas saber fazer uso dela em benefício próprio (cf. MOITA
LOPES, 1996, p. 59).
108 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

oportunizando a transcendência das limitações de uma única visão de mundo. (cf.


FANTINI, 2011).
Por isso é relevante mencionar a importância de pedagogias que empoderem
aprendizes locais de língua inglesa no sentido de conscientizá-los sobre a valorização da
cultura local, visando, dentre outras coisas, a desmistificação da noção de hegemonia
linguístico-cultural de certos países onde o inglês é o idioma nativo e/ou oficial. Assim, se
estará fomentando e conduzindo uma aprendizagem de LE que não fira a identidade
cultural do aluno, mas que reflita seus interesses e suas necessidades, sobretudo
aprendizes da língua inglesa que (sobre) vivem às margens da sociedade, para que
possam usar o inglês da maneira que mais lhes convêm.
Diante do que foi dito até aqui, é imprescindível atitudes críticas que possam
reverter esse quadro que desautoriza o falante não nativo da língua inglesa a usá-la com
desenvoltura, sobretudo mantendo aspectos da sua própria cultura. Na próxima seção,
argumento em defesa de pedagogias que possibilitem a descolonização e
desestrangeirização da língua inglesa, em favor de falantes de outras línguas.

2. Descolonizar e desentrangeirizar a língua inglesa

Frente a problemas no contexto do ensino/aprendizagem da língua inglesa, quer


de ordem metodológica ou política, algumas reflexões já sinalizam um caminho de
mudança. Alguns trabalhos desenvolvidos à luz da linguística aplicada tem chamado
atenção para a necessidade de tomada de uma consciência crítica, capaz de pensar o
ensino e a aprendizagem da língua inglesa como um ato político (XXXX, 2015) e, desse
modo, como essa língua carrega o peso do colonialismo. Se por um lado podemos
enxergar tal peso, ver a língua inglesa como produto do colonialismo, por outro é possível
pensar a sua descolonização (cf. KUMARAVADIVELU, 2005). E pensar essa descolonização
significa reformular métodos, materiais didáticos, políticas e programas para o ensino da
língua inglesa, os quais devem também atender demandas contemporâneas locais.
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 109

Para Kumaravadivelu (2005), a proposta de descolonização da língua inglesa pode


dar origem a um inglês global, como ferramenta de comunicação global. E essa
ferramenta usada por diferentes povos não pode ser confundida com o inglês falado nos
Estados Unidos, na Austrália ou no Reino Unido (RAJAGOPALAN, 2005). Tal noção,
notadamente ultrapassada, precisa encerrar o seu ciclo, o que só será possível se
encararmos a língua inglesa como ela de fato é hoje, o que ela representa para milhares
de falantes, espalhados pelo mundo afora, a língua global do futuro, em vez de a língua
colonial do passado (KUMARAVADIVELU, 2005).
Alinhado com perspectivas pedagógicas pós métodos, Kumaravadivelu (2005)
defende a descolonização da língua inglesa, ancorado em 3 parâmetros: 1. de
particularidade, 2. de praticidade e 3. de possibilidade. Esse autor postula que esses
princípios podem oferecer a necessária conceituação e contextualização, baseados em
imperativos políticos, sociais, culturais e educacionais do ensino e da aprendizagem de
língua. Assim, Kumaravadivelu define o parâmetro de particularidade como uma prática
pedagógica centrada em princípios de compreensão local, levando em consideração
questões socioculturais e políticas; a sensibilidade do professor e dos programas para o
ensino de línguas para com grupos específicos de aprendizes. Vejam o que esse autor diz
com relação ao parâmetro particularidade:

O princípio da particularidade está fundamentado na filosofia


hermenêutica da compreensão situacional, que afirma que uma
pedagogia significativa deve ser construída com base em uma
interpretação holística de situações particulares e que só podem
ser melhoradas, melhorando aquelas situações particulares.
(KUMARAVADIVELU, 2012, p. 12-13, tradução minha)

O parâmetro praticidade ancora-se no princípio de que professores devem


teorizar com base em suas práticas e praticar o que teorizam, buscando romper a relação
entre teóricos e praticantes. Esse princípio, segundo Kumaravadivelu (2012), possibilita ao
professor monitorar a sua própria atuação profissional, buscando, com isso, romper a
110 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

divisão estabelecida entre ‘o produtor e o consumidor de conhecimento’. A respeito


disso, Kumaravadivelu destaca que:

Tal divisão artificial deixa muito pouco espaço para a


autoconceituação e a autoconstrução de conhecimento
pedagógico por parte do professor. É muito mais aparente que o
conhecimento do pedagógico, para ter qualquer relevância local,
deve emergir da prática do ensino diário. (KUMARAVADIVELU,
2012, p. 13, tradução minha)

Já o parâmetro possibilidade, ancorado na pedagogia crítica Freiriana, busca


empoderar aprendizes, para que possam reagir às práticas de dominação, ao considerar e
por em evidência seus conhecimentos sóciopolíticos, contribuindo, desse modo, para as
suas formações identitárias e, assim, transformação social. Nesse sentido Kumaravadivelu
assevera que:

O princípio da possibilidade está também tratando das


experiências obtidas na sala de aula de língua como recursos
para a formação da identidade individual. Mais do que qualquer
outra experiência educacional, o propósito do uso e do
aprendizado da língua oferece oportunidade singular para uma
busca contínua por subjetividade e autoidentidade.
(KUMARAVADIVELU, 2012, p. 15, tradução minha)

Esses parâmetros pensados por Kumaravadivelu (2005; 2012) trazem em seu bojo
um chamado para posicionamentos e atitudes em relação ao ensino e à aprendizagem da
língua inglesa. E em se tratando de atitudes Rajagopalan (2005) chama atenção para o
fato de termos de desenvolver formas eficazes para o enfrentamento desafiador de
resistência às consequências da expansão da língua inglesa no mundo.
Implicita a essa reflexão, que não se esgota aqui, está o chamado para a
necessidade de adoção de uma nova postura profissional; uma postura que compreenda
a língua inglesa não mais como colonial, mas como língua global, de contato entre povos,
sem traços do colonialismo, nem mesmo um mínimo de resquício. É fato que o
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 111

colonialismo deixou sua marca na língua inglesa, operando no sentido de, através dela,
distribuir e legitimizar o capital cultural das culturas hegemônicas. Embora hoje já
possamos argumentar que o inglês é uma língua sem donos, sem tutelas, de ninguém
especificamente, mas de todos, ainda é corrente práticas pedagógicas acríticas, que
flagrantemente legitimam os modos de ser, agir e falar de povos das culturas
hegemônicas. Na materialização dessas práticas, existe uma relação de dominador-
dominado. O dominador exerce poder sobre o dominado, que, sem opção, é afetado
ideologicamente. Ao ter tal atitude, sem questionar, um aluno pode ter um
comportamento que desvalorize o seu país, o seu povo, a sua língua.
Alinhado a esse pensamento, Kumaravadivelu (2006), ao argumentar sobre a
globalização cultural, faz menção ao termo “macdonaldização”, cunhado por Ritzer
(1993), para se referir aos processos socioculturais de consumo de comida rápida, que
dão forma aos padrões culturais dos Estados Unidos e alastram-se pelo mundo afora.
Nessa linha de raciocínio, esse autor tece comentários que apontam para a
supervalorização da cultura norte-americana, o individualismo e o consumismo, que são
adotados por jovens que usam calças Levi´s e tênis Nike, bonés de baseball da Texaco,
moletons do Chicago Bulls e comem nas redes McDonald´s e Pizza Hut, ressaltando que
essa homogeneização cultural é facilitada por indústrias de comunicação global,
controladas quase que completamente por interesses norte-americanos. Por isso,
concordo que “a aderência dos discursos de colonialismo ao inglês reproduz não apenas
aqueles discursos do colonialismo, mas também relações materiais do colonialismo”.
(PENNYCOOK, 1998, p. 200).
Para reagir a tais práticas, Bastos (2005) diz que o ensino de LE deve ser
conduzido criticamente, baseado na história de cada povo, inclusive no nativo e no
relativismo cultural, que considera que todos os povos e países têm a sua própria história
e valor, inexistindo países ou povos melhores ou piores do que outros. Essa autora
ressalta ainda que o estudo da origem dos povos e como eles se perpetuam pode
contribuir para uma necessária mudança de atitude. No caso específico da LE, deve-se
112 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

mostrar para os aprendizes que o inglês é uma língua sem pátria e de muitas nações, que
pertence ao mundo, e que devemos nos orgulhar de sermos brasileiros falantes de inglês,
e que valorizamos a cultura brasileira. A despeito disso, Kramsch e Sullivan (1996), ao
falar sobre a pedagogia apropriada para o ensino de línguas, chamam atenção para um
pensar global, mas um ensino local, que contemple determinada comunidade. Logo, faz-
se necessário que esse quadro aconteça com frequência nas salas de aula de LI, levando-
se em consideração a língua inglesa como língua franca (ILF) e todas as implicações
políticas e pedagógicas que tal condição acarreta.
O reconhecimento do ensino/aprendizagem da língua inglesa como ato político
possibilita, dentre outras coisas, elaboração de pedagogias apropriadas para tal feito.
Condição sine qua non para que uma pedagogia apropriada para o ensino do inglês como
língua franca global aconteça é pensar tanto na descolonização, como já argumentado
aqui, quanto na desestrangeirização da língua inglesa. A pedagogia a qual faço referência
é aquela capaz de possibilitar o empoderamento do aprendiz, o desenvolvimento de
competências sociocomunicativas, partindo de realidades locais, para o estabelecimento
da comunicação e consequentemente fazê-lo sentir gradualmente que a língua alvo, não
mais estrangeira, lhe pertence também.
Uma língua se desestrangeiriza quando nos é familiar, já não pertence apenas ao
outro, mas a mim também, que dela faço uso. Desmistifico, com isso, uma série de
questões, elimino o medo e a distância supostamente existente entre mim e ela, e
próximo dela, consigo beneficiar-me dessa relação. Na intimidade emergida daí, sinto
uma tranquilidade tão intensa que torno-me, assim, um falante local, de uma língua
global, que naturaliza cada som, cada palavra, cada sentença produzida.
E para que a descolonização da língua inglesa aconteça é preciso, em primeira
instancia, compreender o seu caráter de língua franca global, para, então, dentre outras
coisas, reagir a padrões linguísticos rígidos da pronúncia nativa que ainda são propagados
exageradamente em sala de aula de LE. No âmago dessa compreensão, um dos pontos
mais relevantes a ser considerado é a inteligibilidade da comunicação entre os falantes do
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 113

ILF. Quanto a isso, Jenkins (2007) coloca que a suposta falta de inteligibilidade dos
falantes não nativos do inglês tem sido usada para justificar atitudes negativas em relação
a certos acentos. A despeito disso, Graddol (2006) coloca que a inteligibilidade é o que há
de mais importante no ILF, em vez da precisão expressa pelos falantes nativos. Nesse
sentido, Jenkins (2000, apud SEIDLHOFER, 2005), em seus estudos, coletou dados que
apontaram que ser capaz de pronunciar sons em inglês, que são considerados difíceis
pelos falantes não nativos, tal como o th /ð/, não é necessário para a inteligibilidade
internacional no ILF. Essa autora ressalta que não importa a que círculo pertence um
falante e que, na perspectiva do ILF, todos precisam fazer ajustes às suas variedades de
inglês local em benefício dos interlocutores:

[...] o ILF é assim uma questão não de orientação às normas de


um grupo particular de falantes do inglês, mas uma negociação
mútua envolvendo esforços e ajustes de todas as partes.
(JENKINS, 2009, p. 201)

O que Jenkins (2009) postula aqui coloca em evidência uma das mais fortes
características do ILF, que é o fato de ter flexibilidade, independente de um grau
considerável de normas estabelecidas pelos seus usuários nativos (SEIDLHOFER, 2005). O
que há de mais importante é a efetivação da comunicação e, nesse sentido, o ILF
configura-se como língua mais viável, pela sua flexibilidade, já que possibilita a um falante
qualquer comunicação com elementos inerentes à sua própria língua e cultura. Isso, por
sua vez, nos remete a uma reflexão levantada por Graddol (2006), ao dizer que o
aprendizado do acento nativo é uma das ideias mais antiquadas sobre o ensino de inglês,
mas que ainda tem espaço nas salas de aula de LE.
Nesse contexto em defesa de uma pedagogia pela descolonização e
desestrangeirização da língua inglesa, é oportuno o chamado de Kumaravadivelu, para a
uma tomada de consciência de interesse coletivo nesse sentido. Acredito que só assim
será possível a abertura para a adoção de políticas afirmativas para a inclusão de
114 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

aprendizes que vivem à margem, fomentando o desenvolvendo de debates que


vislumbrem a aprendizagem da língua inglesa, que prepare para vida em sociedade,
numa perspectiva emancipatória, levando em consideração particularidades locais,
possibilitando que gradualmente a LE nos seja familiar, nossa também!

3. Concluindo por enquanto o raciocínio

Aprender línguas hoje tem sido um referencial para profissionais das mais diversas
áreas. A demanda para a aprendizagem de LE, sobretudo da língua inglesa, tem
possibilitado a milhares de pessoas participar de muitas ações na contemporaneidade. A
dinâmica social contemporânea tem suscitado o conhecimento dessa língua que
possibilita contato entre culturas mundiais. Aprender essa língua e dominá-la para
engajar-se em discussões contemporâneas deixou de ser diferencial para ser necessidade
profissional, acadêmica e social cotidiana; por ser uma língua global que localmente
manifesta-se em diversas esferas sociais. Por isso que o engajamento nesse processo de
aprender a língua inglesa precisa ser mediado por pedagogias que tomem a língua inglesa
como uma língua franca global, mas sempre partindo de uma perspectiva local, em favor
dos falantes de outras línguas, cujo número ultrapassa os nativos, considerando as
idiossincrasias, as peculiaridades locais, para, assim, empoderar aprendizes no sentido de
possibilitar reações contra práticas colonialistas e imperialistas.
Conscientes de determinadas investidas imperiais e coloniais, educadores
linguísticos precisam fortalecer os objetivos do ensino de uma língua com status de
global, como a língua inglesa, para desvencilhar-se do imperialismo linguístico. Assim é
que Graddol (2006) sinaliza a existência de um novo modelo de inglês, o qual não está
sendo mais aprendido como língua estrangeira, ao tempo em que se reconhece o poder
hegemônico dos falantes nativos da língua inglesa. O objetivo do ensino da língua inglesa
não deve ser o de atender aos interesses do império. Nesse sentido é que assumindo
posição contrária a esse cenário onde ocorrem práticas homogeneizantes, é que
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 115

Kumaravadivelu (2005) tem defendido a descolonização da educação em língua inglesa,


propondo, desse modo, a reformulação das políticas, programas, materiais e métodos, no
sentido de privilegiar a educação local, primando por particularidades sociais e culturais.
Nessa linha de pensamento, como alternativa para o desvencilhamento das amarras do
colonialismo, esse mesmo autor sugere que os livros didáticos de LI promovam o
letramento crítico.
Ao alinhar o pensamento com Kumaravadivelu (2005; 2012), consequentemente a
pedagogia apropriada para ensino do inglês como língua franca, assentada na praticidade,
na possibilidade e na particularidade, convergirá para a consolidação de aprendizagens
significativas, capazes de empoderar aprendizes para lidar com as demandas sociais,
dando-lhes vozes para agir e reagir, sobretudo, frente às injustiças que assolam milhares
de pessoas, principalmente aquelas que vivem à margem. Por isso, novos caminhos
precisam ser desbravados.
Caminhos possíveis são aqueles que apontam para um ensino e aprendizagem
que giram em torno da negociação entre povos, respeitando as suas diversidades,
primando pela compreensão das questões locais, o respeito pelas identidades, a
alteridade e a retratação das realidades, numa perspectiva cultural, política, filosófica,
científica, mediados imbricadamente por diferentes áreas do conhecimento. Numa
perspectiva política, a globalização, o colonialismo, a identidade do falante, o espaço
onde vive, são elementos que precisam ser levados em consideração. E ensinar a língua
inglesa hoje, sem atentar para esses fatores, significa ensinar conteúdos frágeis,
desvinculados das realidades comunicativas dos aprendizes. Não se pode mais continuar
cometendo o equívoco de lecionar a língua inglesa ignorando o seu peso sócio-histórico,
desde o seu violento caráter colonizador até chegar ao status de língua franca global. Só
assim, é possível alcançarmos outros tempos. Novos tempos. É tempo de mudar!
116 | O inglês como língua franca global da contemporaneidade...

Referências
ALMEIDA FILHO, J. C. P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas, SP:
Editora Pontes, 1993.
ANJOS, F. A. Um olhar sobre o ensino da língua inglesa na escola pública. In: Presença
Pedagógica, V21, no. 124. Jul/Ago. Minas Gerais: Editora do professor, 2015.
BASTOS, Herzila Maria de Lima. Identidade Cultural e o ensino de línguas modernas no
Brasil. In: PAIVA, V. L. M. O. (Org.). Ensino de língua inglesa: reflexões e
experiências.Campinas, SP: Pontes, 2005.
CANAGARAJAH. S. Resisting Linguistic Imperialism in English teaching. Oxford University
Press, 1999.
CRYSTAL, D. English as a global language. Cambridge University Press, 2a ed. 2003.
FANTINI, E. A. A central concern: developing intercultural competence. Disponível em:
<http: mail.mailig.ig.com.br/mail/?ui=2&ik=f5ec20b144&view=att&th=12f1df318c46...>.
Acesso em: 04 abr. 2011.
FREIRE, P. Educação e mudança. São Paulo: Paz e terra, 1979.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 15ª Ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GILES, H.; BILLINGS, C. A. Assessing language attitudes: speaker evaluation studies. In:
DAVIES, Alan.et al. The handbook of applied linguistics. Blackwell publishing, 2004. p. 187-
209.
GRADDOL, D. English Next: Why global English may mean the end of English as a
foreign language. The British Council. London: The English Company (UK) Ltda, 2006.
JENKINS, J. The phonology of English as a international language. Oxford: Oxford
University Press, 2000.
JENKINS, J. English as a lingua franca: attitude and identity. Oxford, UK: Oxford University
Press, 2007.
JENKINS, J. English as a lingua franca: interpretations and attitudes. World Englishes, v. 28,
2009. p.200-207.
KRAMSCH, C.; SULLIVAN, P. Appropriate pedagogy. ELT journal. Oxford university press,
1996.
KUMARAVADIVELU. B. Deconstructing Applied Linguistics: a postcolonial perspective. In:
MAXIMINA, M. F. et alli, Linguística Aplicada & Contemporaneidade. São Paulo: Pontes
Editores, 2005. p. 25-37.
KUMARAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização. In: MOITA LOPES, L.
P.da. (Org). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. p.129-
148
KUMARAVADIVELU, B. Language Teacher Education for a Global Society. A modular Model
for Knowing, Analyzing, Recognizing, Doing and Seeing. Routledge, 2012.
LE BRETON, J-M. Reflexões anglófilas sobre a geopolítica do inglês. In: LACOSTE, Y.;
RAJAGOPALAN, K. (Org.). A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola Editorial, 2005, p.12-
26.
Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117. | 117

MOITA LOPES, L. P.“Yes, nós temos bananas” ou “Paraíba não é Chicago não”, um estudo
sobre alienação, e o ensino de inglês como língua estrangeira no Brasil. In:oficina de
lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996a. p.37-61.
MOITA LOPES, L. P.“Eles não aprendem português quanto mais inglês”. A ideologia da falta
de aptidão para aprender línguas estrangeiras em alunos de escola pública. In:oficina de
lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996b. p.63-79.
MOTTA. F. C. P.; ALCADIPANI, R.; BRESLER, R. B. A valorização do estrangeiro como
segregação nas organizações. 2001. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S1415-
65552001000500004 Acesso em 29 ago. 2011.
PAIVA, V. L. M. O. (Org.). Ensino de língua inglesa: reflexões e experiências.Campinas, SP:
Pontes, 2005.
PENNYCOOK, A. English and the discourses of colonialism. London: Routledge, 1998.
PHILLIPSON, R. Linguistic imperialism of and in the European Union. Disponível em:
http://www.linguistic-rights.org/robert
phillipson/Robert_Phillipson_Linguistic_Imperialism_of_and_in_EU.pdf, 2014. Acesso em
29/fev/2016.
RAJAGOPALAN, K. Por uma lingüística crítica. Linguagem, identidade e a questão ética.São
Paulo: Parábola, 2003.
RAJAGOPALAN, K. A geopolítica do inglês e seus reflexos no Brasil. In: LACOSTE, Y;
RAJAGOPALAN, K. (Org.). A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
RITZER, G.The macdonaldization of society. Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press, 1993.
SEIDLHOFER, B. English as a lingua franca. ELT Journal, v. 59, n .4, October 2005, p.339-
341
SCHEYERL, D.; SIQUEIRA, D. S. P. (Orgs.) Materiais didáticos para o ensino de línguas na
contemporaneidade: contestações, proposições. Salvador: EdUFBA, 2012.
VENTURA, M. Yes, nós também falamos inglês. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 23
abr.1989. Domingo. p. 34-39.
WARD, B. Cinco ideias que transformaram o mundo. Editora Forense, 1967.
WOOD. E. M., O império do capital. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2014.

Você também pode gostar