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CENTRO DE TECNOLOGIA
CURSO DE ENGENHARIA CIVIL
Santa Maria, RS
2018
Henrique Neuenfeldt do Nascimento
BIOCONSTRUÇÃO:
SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE
Santa Maria, RS
2018
Henrique Neuenfeldt do Nascimento
BIOCONSTRUÇÃO:
SUAS TÉCNICAS E SEU IMPACTO NA SOCIEDADE
___________________________________________
Marcos Alberto Oss Vaghetti, Prof. Dr. (UFSM)
(Presidente/Orientador)
___________________________________________
Erich David Rodriguez Martinez, Prof. Dr. (UFSM)
___________________________________________
Fernanda Saidelles Bataglin, Profª Ms. (UFSM)
Santa Maria, RS
2018
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Força Divina e a tudo que ela envolve. Sou grato à Mãe Natureza pela
sabedoria e compaixão em abraçar a minha existência e as demais formas de Vida. Sou grato
pelo presente de estar vivo e pela compreensão, em partes, do viver.
Gracias à toda minha família de sangue e de coração por todos os ensinamentos diretos
e indiretos, em especial ao meu pai Cláudio, minha mãe Cádia e minha irmã Camila.
Agradeço à família de coração, os meus amigos da vida, desde os de infância, de Santiago, até
os de Santa Maria e do mundo a fora, passando pelo Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Bahia e por aí vai. Sou grato a todas as pessoas que fizeram parte da minha trajetória
e tocaram e moldaram um pouco de mim para que chegasse até aqui. Em especial à galera que
estava comigo nesses últimos anos de transformação e reconexão: Laura, gracias pelos puxões
de orelha para escrever este trabalho, gracias pelo amor envolvido por me acompanhar nessa
caminhada; fieis do 402, imenso amor e votos de sucesso para todos, aprendi demais com
vocês nesse tempo da faculdade e me identifico muito com cada um, é muita loucura pra
tentar mencionar uma só... para o céu e avante!; república 402, gracias pelas comidas e tragos
compartilhados e por me acolherem sempre; gurizada de Santiago, valeu pelos inúmeros
tragos que foram e ainda virão; coletivo de bioconstrução, gracias e gracias e gracias sempre,
vocês são demais e eu sou apaixonado por cada um do fundo do meu coração.
Gracias aos que abriram as portas para que a Bioconstrução e a Permacultura fossem
uma realidade Viva para os dias atuais.
Sou grato por tudo que vivi e vivo!
RESUMO
The present work presents the techniques of natural construction and the respective
impacts caused by the bioconstruction in the society. In order to emphasize this type of
constructions and to break some preconception that devastate the natural constructions, it tries
to clarify the constructive methods and to emphasize to the qualities of the natural
constructive materials. An analysis is presented on the concept of permaculture, a brief
historical context of the constructions and the relation of permaculture to the present
constructions. The methodology is composed of bibliographical review, demonstrating the
methods and constructive materials. In addition, presents interviews with engineers, architects
and other professionals who work with this natural construction, with the aim of bringing a
human vision to work, addressing issues of social relevance such as self-construction, the
acoustic and thermal comfort of the bioconstructed dwellings, and the female empowerment
aided by these works.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1
1.1 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................ 1
1.2 OBJETIVOS ............................................................................................................... 2
1.2.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 2
1.2.2 Objetivos Específicos .......................................................................................... 2
2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 3
3 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................... 4
3.1 PERMACULTURA: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO ............................... 4
3.2 A PERMACULTURA E A CONSTRUÇÃO CIVIL ................................................. 6
3.3 O CONTEXTO HISTÓRICO DAS CONSTRUÇÕES .............................................. 6
3.4 A BIOCONSTRUÇÃO ............................................................................................... 8
3.4.1 Materiais .............................................................................................................. 9
3.4.1.1 Terra ........................................................................................................ 9
3.4.1.2 Madeira ................................................................................................. 11
3.4.1.3 Fibras .................................................................................................... 13
3.4.1.4 Bambu ................................................................................................... 16
3.4.1.5 Esterco .................................................................................................. 17
3.4.2 Técnicas ............................................................................................................. 19
3.4.2.1 Superadobe ........................................................................................... 20
3.4.2.2 Hiperadobe ............................................................................................ 22
3.4.2.2.1 Processo construtivo ...................................................................... 23
3.4.2.2.2 Detalhes construtivos ..................................................................... 25
3.4.2.3 Adobe .................................................................................................... 29
3.4.2.4 Pau a pique ............................................................................................ 33
3.4.2.5 Taipa de pilão ....................................................................................... 38
3.4.2.6 Cordwood ............................................................................................. 39
3.4.3 A bioconstrução no Brasil ................................................................................. 40
4 IMPACTOS DA BIOCONSTRUÇÃO NA SOCIEDADE .............................................. 42
4.1 CONFORTO TÉRMICO DAS MORADIAS BIOCONSTRUÍDAS ....................... 43
4.2 CONFORTO ACÚSTICO DAS ESTRUTURAS BIOCONSTRUÍDAS ................ 45
4.3 A AUTOCONSTRUÇÃO FAVORECIDA PELA BIOCONSTRUÇÃO ................ 47
4.4 A ARQUITETURA ORGÂNICA COMO UM PROCESSO DA
BIOCONSTRUÇÃO ............................................................................................................ 49
4.5 A BIOCONSTURÇÃO E O EMPODERAMENTO FEMININO NAS OBRAS .... 51
4.6 O IMPACTO DOS MATERIAIS: FATORES AMBIENTAIS E DE
SALUBRIDADE .................................................................................................................. 52
4.6.1 A madeira frente aos materiais construtivos convencionais ............................. 53
4.6.2 A terra frente ao cimento: fatores ambientais e salubres ................................... 55
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 59
6 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 60
7 APÊNDICES .................................................................................................................... 64
APÊNDICE A – MODELOS DE QUESTIONÁRIOS APLICADOS ................................ 64
1
1 INTRODUÇÃO
A bioconstrução é uma das técnicas mais antigas de construção, visto que as primeiras
obras não tinham à disposição os materiais de hoje, como por exemplo o cimento, o concreto
e o tijolo queimado. Entretanto, devido à Revolução Industrial e à ascensão do Ocidente com
a ciência moderna, essa técnica caiu em desuso e a construção, que antes tinha o solo e demais
produtos naturais como matéria prima, agora dava lugar a produtos químicos e
industrializados, gerando resíduos danosos ao meio ambiente e à sociedade.
Sabe-se que os rejeitos de uma obra convencional são um grande problema das
construções atuais, até mesmo pelo fato de o sistema de coleta e tratamento de resíduos serem
ineficazes na maior parte do território nacional. Dito isso, vale destacar a forma de pensar um
projeto bioconstruído. O produto que vem da terra será aproveitado, reduzindo os dejetos
produzidos no canteiro de obra e, pensando anos à frente, quando a moradia ou
estabelecimento em questão já não for mais útil para o aproveitamento da sociedade, esses
mesmos materiais da construção poderão ser absorvidos pelo ciclo natural de vida da Terra.
Métodos construtivos como o adobe, superadobe, hiperadobe, pau a pique, telhado
verde, banheiro seco e tantos outros que se importam com questões socioambientais, surgem
então como alternativa. Segundo Aresta (2014, tradução nossa), concilia-se ocupação
habitacional e consciência de pertencimento à natureza, afinal somos seres vivos e carecemos
de espaço biológico para existir. É possível buscar um equilíbrio entre as nossas ações e o
entorno que habitamos, garantindo a harmonia com o planeta que compartilhamos.
1.1 JUSTIFICATIVA
1.2 OBJETIVOS
2 METODOLOGIA
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Ainda, de acordo com Strauss (1991 apud MOLLISON, 1991, p. 13) “o nosso erro
mais profundo é o de sempre julgarmo-nos ‘mestres da criação’, no sentido de estarmos acima
dela. Não somos superiores a outras formas de vida”.
Com esse engajamento e preocupação a respeito da vida como um todo, conceitos não
muito recentes, como a permacultura, ganham destaque na relação “homem-natureza”. Como
afirma Mollison (1991), o termo vem não somente de uma contração das palavras permanente
e agricultura, mas também de uma combinação de “cultura” e “permanente”, fomentando a
criação de designs apropriados para ambientes sustentáveis, aliando sistemas ecologicamente
corretos e economicamente viáveis.
Mollison (1991) diz que a “ética é um conjunto de crenças e atitudes morais em
relação à sobrevivência em nosso planeta” e abre os estudos e práticas permaculturais em três
pilares principais:
a) cuidado com a Terra: trabalha-se desde o micro ao macro-habitat, com o cuidado
por todas as coisas, sendo elas vivas ou não, tais como solos, florestas, atmosfera,
animais e águas. O intuito é criar sistemas úteis e benéficos, através de atividades
éticas e de conservação ativa;
b) cuidado com as pessoas: por mais que as pessoas façam parte de um pequeno grupo
em relação à totalidade dos sistemas vivos da Terra, leva-se em conta o tamanho do
impacto causado por essa fração. Suprindo as necessidades básicas de alimentação,
moradia, contato humano saudável, acesso à educação e trabalho satisfatório,
diminui-se as necessidades de práticas destrutivas ao planeta;
5
c) distribuição dos excedentes: para atingir os dois primeiros itens, é válido trabalhar
corretamente com os excessos de tempo, dinheiro e energia. Ao atingir as
necessidades básicas e projetar adequadamente os espaços, pode-se expandir as
influências e energias para que outras pessoas atinjam seus objetivos.
Fonte: http://tripnova.com.br/visitando-a-muralha-da-china-em-badaling/
A partir da segunda metade do século XIX, o uso habitual da terra vai cedendo inexoravelmente ao
aparecimento de materiais de construção industrializados e a terra é marginalizada das grandes obras
públicas e privadas, onde começa a concorrer com o gosto pelos padrões estéticos ditados pelos novos
materiais. Apesar disso, principalmente nos países em desenvolvimento, a terra segue como uma das
únicas alternativas de construção da população excluída do mercado formal de habitação, geralmente
moradores da periferia das cidades e da área rural. Associada a sobrevivência de sistemas construtivos
primitivos, mantida pela necessidade de morar dessas populações, a terra é alvo de pesquisadores que
buscam avançar a tecnologia, através do resgate e conhecimento das técnicas utilizadas no passado e do
desenvolvimento de sistemas construtivos inovadores e coerentes, caracterizados pela simplicidade,
eficácia e baixo custo.
Entretanto, como avalia Dethier (1982, apud SILVA, 2000, p. 8) a construção com
terra “ainda é o sistema construtivo mais utilizado em todo o mundo. Estima-se que cerca de
um terço da população do planeta more ainda hoje em casas feitas de terra crua”.
3.4 A BIOCONSTRUÇÃO
Brasil (2008) afirma que entende-se por bioconstrução os sistemas que conciliam a
construção com o meio ambiente, tanto na escolha dos materiais e técnicas adequados durante
o projeto e edificação, quanto no tratamento de resíduos e eficiência energética durante o uso
do edifício.
9
3.4.1 Materiais
Nas construções naturais e ditas mais sadias para a habitação, Bueno (1995, p. 228)
lembra que “primeiro, devemos exigir dos materiais que sejam sadios, careçam de toxicidade
(declarada ou suspeita) ou de radioatividade (conhecida ou latente).”
Discorre-se, então, a respeito dos principais materiais utilizados nas obras
bioconstruídas.
3.4.1.1 Terra
Quando nos referimos à terra como material de construção, Minke (2015) explica que,
comumente referenciada em termos científicos como barro, é uma mistura de argila, silte,
areia e agregados maiores, como cascalho ou pedras. Usualmente, são adicionadas fibras
naturais ou não à mistura, com a função de diminuir a retração da argamassa, além de
materiais impermeabilizantes, naturais ou sintéticos, como estabilizantes da mescla.
Trata-se de um dos melhores materiais de construção de que podemos dispor amplamente, tanto em suas
versões de terra batida, adobe ou taipa, onde se faz uso em seu estado natural, como em forma de
ladrilhos cozidos sempre e quando a cocção não seja a grandes temperaturas, que cristalizam a argila e
reduzem suas propriedades de material que permite a respiração das paredes, tornando-a mais radioativa.
(BUENO, 1995, p. 231).
Minke (2015) fala a respeito das vantagens da terra quando comparada com materiais
de construção industrializados.
a) construir com terra economiza energia e diminui a contaminação ambiental: ela
praticamente não polui se comparada com os materiais construtivos convencionais,
além de que, no seu preparo, transporte e trabalho, consome apenas 1% da energia
requerida para preparar, transportar e trabalhar um material de uso mais frequente;
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Além de apresentar bom resultado tanto em regiões de climas secos, quanto em regiões de climas úmidos,
esse material também apresenta eficácia em climas quentes e em climas frios. Quando as paredes são
espessas (40 a 50cm de espessura) garantem a inércia térmica necessária para manter a temperatura
interna constante, a níveis amenos, apesar da temperatura externa estar extremamente alta ou baixa. Essa
inércia térmica garante também a versatilidade do material, no sentido de possibilitar o seu uso em
regiões do planeta, cujos climas sejam tão diferentes entre si, e até opostos.
3.4.1.2 Madeira
compressão, à tração e ao choque, além do baixo peso próprio, bons isolamentos acústico e
térmico, boa trabalhabilidade e bonita aparência. Entre as desvantagens do material, destaca-
se a alta capacidade de comburência, as variações volumétricas frente às oscilações
ambientais e, claro, a suscetibilidade aos ataques de fungos e brocas, por exemplo.
Em relação aos organismos que agridem a madeira, diz-se que é necessário tomar
cuidado com o seu tratamento, pois quando estiver isenta do uso de produtos tóxicos, ela
oferece um ambiente acolhedor. Além disso, quando tratada de forma natural, com ceras
naturais e óleos de plantas, termina por oferecer qualidades neutralizadoras. (BUENO, 1995).
Para Gonzaga (2006 apud BOSSARDI; BARREIROS, 2011) o óleo de linhaça, por ser
secativo, é um dos melhores produtos para impermeabilização e proteção da madeira. Ainda,
Treu et al. (2010 apud BOSSARDI; BARREIROS, 2011) afirmam que a combinação de
cobrecromo proporciona melhor proteção. Já para a preservação, óleos das sementes do nim e
da mamona podem ser uma alternativa.
Em relação à capacidade resistiva, Pfeil (2013) ressalta que, quando comparada com
os outros materiais convencionais, como o aço e o concreto, a madeira apresenta bons
resultados à tração e à compressão.
3.4.1.3 Fibras
arroz, por exemplo. Trata-se de uma matéria-prima renovável e barata que, através da energia
solar e da fotossíntese, retira minerais e água da terra, compondo-se, assim, de celulose,
lignina e terra sílica, com exterior ceroso e impermeável. (MINKE, 2006, p.17, tradução
nossa).
As fibras vegetais têm relação direta com o melhoramento das argamassas à base de
terra, auxiliando nos seus desempenhos a favor do isolamento térmico e da diminuição da
retração da mistura. Minke (1994) diz que, quando se adicionam fibras como o pelo animal ou
humano, fibras de coco, bambu ou palha vegetal cortada, tem-se aumento no potencial para
que reduza a retração da argamassa de terra. O que ocorre é que os poros das fibras absorvem
parte da água que deixaria a argila durante o processo de secagem. Também, vale destacar que
a adição de fibras agrega coesão à mistura. Como mostrado no Gráfico 1, a adição de fibras de
coco, sisal e agave (fibra de coco, sisal e agabe) reduzem a porcentagem de contração linear
(contracción lineal) das argamassas (mortero) argilosas (arcilloso) e arenosas (arenoso).
Ainda, pelo fato de a areia também auxiliar na diminuição da retração da argamassa, vê-se
que nas misturas arenosas a retração linear é menor.
Figura 6 - Sistema construtivo com fardos de palha: 1) estrutura autoportante; 2) estrutura de vedação
3.4.1.4 Bambu
Os troncos de bambu chegam à sua altura máxima depois de 3 ou 4 meses, Depois de crescidos, as
paredes dos troncos vão ficando grossas e fortes. Depois de 3 ou 6 anos, dependendo do tipo de bambu,
os troncos alcançam sua resistência máxima. Só então ele pode ser usado para construção.
Para preparar os troncos, Lengen (2014) cita duas formas, uma através de água
corrente, outra ao ar livre, onde o bambu manterá sua cor natural e não será atacado por
fungos. No método ao ar livre, os troncos, ainda com as folhas, devem ser mantidos de pé
dentro de um cercado até secarem completamente. Faz-se necessário protegê-los da exposição
ao sol, repousando por um período de quatro a oito semanas, dependendo do clima local. Já
com a água corrente, deixa-se o bambu sem as folhas dentro de algum riacho, por pelo menos
quatro semanas.
Em seguida, parte-se para a secagem, que pode ser feita ou ao ar livre, ou com fogo,
ou com ar quente. Para a primeira, os troncos ficam por dois meses em local ventilado. O fogo
é utilizado para dias nublados e/ou para secagens rápidas, assim abre-se um buraco no solo e
reveste-o com tijolos para não perder calor, o bambu vem a 50 cm acima da chama, rodando e
mudando as posições até a secagem completa. Com o ar quente, constrói-se um armazém
coberto de latas pintadas de preto, vidro ou plásticos que deixem o calor passar. Os trancos
ficam repousando e recebendo o calor em local onde as paredes laterais devem ser isoladas
para evitar perdas. (VAN LENGEN, 2014).
A etapa final, segundo Lengen (2014), consiste em preparar os troncos de bambu com
algum líquido protetor que não seja químico, como o bórax, o esterco, a nata de cal, a cera de
abelha e o óleo de linhaça.
Pronto para o uso, o bambu tem diversas aplicações nas obras, compondo estruturas
portantes que, conforme avalia Ubidia (2015), é o caso onde o bambu assume as cargas da
estrutura, com a estrutura sendo construída ou diretamente sobre a base cimentada, seguindo a
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Figura 7 - Estruturas de telhado em bambu: 1) vista externa sem cobertura; 2) vista interna com cobertura
“Pelas suas características de ser um material local e renovável, o bambu oferece uma
possibilidade a mais de diminuir o impacto ecológico provocado pelas edificações,
acarretando numa significativa potencialidade para um dos setores mais poluentes do
planeta.” (UBIDIA, 2015, p. 5, tradução nossa).
3.4.1.5 Esterco
Segundo Minke (1994, tradução nossa), ao adicionar esterco nas misturas à base de
terra, deve-se deixar a argamassa repousar pelo período de um a quatro dias, fato que permite
a fermentação do excremento, como mostra a Figura 8, exemplificando o processo de repouso
da mistura em piscinas naturais, no canteiro de obra.
Figura 8 - Processo de preparo da mistura de esterco e terra: 1) mistura; 2) depósito e fermentação da mistura
Na índia é comum que os rebocos levem altas doses desse material, além disso,
investigações do FEB (Forschungslabor fur experimentelles Bauen – Laboratório de
Investigação para Construções Experimentais) comprovam que, em testes de pulverização de
jatos de água, o reboco de barro erodiu em apenas 4 minutos, enquanto a amostra com 3,5%
com peso de esterco só foi erodir 4 horas depois. (MINKE, 1994, tradução nossa).
Em técnicas como a construção com tijolos crus, Lengen (2015, p. 303) acrescenta que
“o esterco aumenta muito a resistência do adobe, tanto à umidade como o desgaste devido ao
tempo. Além do mais o esterco evita que cupins e barbeiros penetrem as paredes feitas de
terra.”
Santos (2017), através de estudos e ensaios realizados em adobes, concluiu que os
tijolos com adição de esterco bovino tiveram resultados significativos, conferindo-lhes
diminuição da sua massa específica e, por conter fibras, auxilia na diminuição da retração,
além de somar na questão da impermeabilidade. Millogo et al. (2016, p. 1, tradução nossa)
reforça a ideia e diz que “o esterco de vaca reage com caulina e quartzo fino para produzir
amina de silicato insolúvel, que cola as partículas de solo isoladas juntas.”
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Para a mesma técnica, Manette et al. (2015 apud SANTOS, 2017) ressalta que, ao
incorporar 20% de esterco bovino à mistura para fabricar adobes, além da estabilidade
volumétrica, a resistência mecânica subiu de 0,6 para 2 MPa (Mega Pascal).
Por fim, ressalta-se que o esterco de cavalo também pode ser utilizado, entretanto o de
vaca é melhor. Acrescenta-se que a trabalhabilidade do esterco fresco é vantajosa, ao passo
que o seco não tem o problema do odor e tem que ser peneirado para poder usar. (MINKE,
2013 apud DOS SANTOS, 2015).
3.4.2 Técnicas
Além das três categorias acima, é de grande importância falar dos métodos de
construção com terra ensacada (hiperadobe e superadobe), bem como a respeito do cordwood.
No presente trabalho, optou-se por dar maior ênfase às técnicas de pau a pique, por sua
importância histórica e larga utilização em território nacional; adobe, devido à sua
versatilidade; e hiperadobe, por ser uma técnica melhorada por um brasileiro e de fácil
execução, bem como por ter sido presenciada de perto pelo autor, em diferentes etapas
construtivas.
3.4.2.1 Superadobe
A técnica teve início com um programa proposto pela NASA (Agência Aeroespacial
Norte Americana), onde o desafio consistia em elaborar um processo construtivo de
residências que pudessem se adaptar ao território lunar. Nader Khalili, arquiteto iraniano,
21
criou então o método de construção com terra ensacada e compactada. Os materiais que a
compõe são a terra, de preferência do próprio terreno, areia, quando necessário corrigir o traço
do solo, arames farpados, cimento e sacos de polipropileno, em rolo ou unidade. (GOUVEIA
et al., s.d.).
Conforme aponta Santos (2017, p. 38), “a construção é simples, bastando que a terra
local, umedecida, seja colocada em sacos de polipropileno e então socada (com o auxílio de
um socador) em fiadas com até 20 cm de altura. Fiada após fiada, bem compactadas, a parede
vai subindo. Dos Santos (2015) recomenda o uso de arames farpados entre as fiadas de terra
ensacada, afim de aumentar o atrito entre as camadas e a resistência à tração.
Como bem observado por Gonçalves e Gomes (2015 apud dos SANTOS, 2015, p.
108), apesar de Khalili ter originado a ideia no trabalho publicado no simpósio da NASA,
muito antes já se utilizava terra ensacada e compactada para a construção de barragens,
trincheiras e diques militares, além de ser utilizada para abrigos de construção rápida e outras
formas de arquitetura alternativa.
3.4.2.2 Hiperadobe
b) terra;
c) cone ou funil distribuidor;
d) compactador ou pilão vertical;
e) instrumento para rebatimento lateral;
f) prumo;
Para o preenchimento da sacaria são necessárias pelo menos três pessoas. Uma para segurar o cano com o
saco, sacudir para assentar a terra e caminhar para trás à medida que o saco é preenchido; uma segunda
para receber as latas com terra e despejar no cano; uma terceira para receber as latas vazias, enchê-las de
terra e entregar para a segunda pessoa.
Fonte: Hunter e Kiffmeyer (2004 apud DOS SANTOS, 2015, p. 144); Autor (2018)
Com relação ao encontro de paredes, dos Santos (2015, p. 145) diz que “os sacos
contínuos devem ser alocados de maneira alternada nas quinas e deve-se evitar que as
emendas fiquem alinhadas verticalmente.”
Por se tratar de uma estrutura portante, deve-se tomar cuidado com o modo de
distribuição das cargas adjacentes aos sacos de hiperadobe. Para dos Santos (2015), a cinta de
amarração é um elemento de grande valia para o completo funcionamento da estrutura, pelo
fato de interconectar as paredes e servir de âncora distributiva das cargas do telhado. O mais
27
comum é utilizar concreto armado na sua formação, entretanto, pode ser feita com duas fiadas
de terra ensacada estabilizada, pela adição de cimento ou cal, variando a porcentagem de
estabilizante de acordo com o tipo de terra.
No caso das aberturas de portas e janelas também deve-se ter precauções com a
presença de vergas, de madeira ou de terra estabilizada, que suportem as cargas. Há a
possibilidade de cortar o hiperadobe e fazer a abertura da janela, bem como compactar a terra
ensacada na volta dos marcos.
28
3.4.2.3 Adobe
Os tijolos de adobe (Figura 19) compõem-se de terra crua, no estado plástico, onde
adicionam-se fibras, naturais ou sintéticas. A mistura é colocada em moldes retangulares e
seca ao sol ou em locais com sombra. Para assentá-los, utiliza-se de argamassa de terra,
geralmente a mesma utilizada para fabricar os tijolos. (GONÇALVES, 2005 apud SANTOS,
2017).
A técnica é uma das mais conhecidas, utilizadas e difundidas, sendo comum em
vedações verticais e coberturas de edifícios, por exemplo, é encontrada, historicamente, em
sítios arqueológicos, pirâmides, taludes, torres e muralhas defensivas. “Existem construções
em adobe antigas e modernas, urbanas e rurais, em todas as partes do mundo, regiões e
climas, com exceção dos cascos polares, picos elevados e algumas zonas costeiras”. (FATHY,
1970; CLAVIJO, 2002; HOUBEN; GUILLAUD, 1984; PNUD-UNESCO, 1984;
VIÑUALES, 1987 apud NEVES; FARIA, 2011, p. 16)
30
b) 15 a 20% de silte;
c) 60% de areia;
d) 0% de pedregulho.
31
Entretanto, Motta (2004 apud SANTOS, 2017) sugere que o percentual de areia esteja
entre 70 e 80%, compondo a fração de silte e argila o restante. O autor ressalta que, na prática,
verificam-se muitas diferenças nessas dosagens, variando de um solo para outro, por suas
grandes variabilidades granulométricas em função da sua região e origem.
Já para o limite de liquidez (LL), Minke (2000 apud GONÇALVES, 2005) afirma que
o desejável é que esteja na faixa dos 30 a 50%.
As formas que dão as dimensões dos adobes podem ser construídas artesanalmente,
com madeiras de espessura de 10 cm ou um pouco mais. A largura está na ordem dos 20 cm
para atender a regiões de climas severos, porém, 15 cm já atende à boa parte da realidade
brasileira. O comprimento pode estar em torno de 40 cm, sabendo-se que, muitas vezes,
utilizam essa medida como sendo duas vezes a largura. Um bom exemplo são os blocos de 20
cm x 30 cm x 8 a 10 cm (largura x comprimento x espessura). (GONÇALVES, 2005).
Neves e Faria (2011) recomenda que os adobes sequem ao ar livre durante uma ou
duas semanas e, a partir de então, coloca-o de lado até completar a secagem, por 5 a 10 dias,
dependendo do clima local. Em seguida, são empilhados até uma altura de 1,20 m para evitar
que desagreguem com a água da chuva.
Entretanto, Corrêa et al. (2005 apud SANTOS, 2017, p. 89) ressalta que “o local de
cura ideal para o adobe é o galpão coberto, por proporcionar perda gradual de umidade e
maior uniformidade na secagem, evitando-se assim o fenômeno da contração e o
aparecimento de trincas, que diminuem a resistência e o aproveitamento da produção.”
Para o uso dos tijolos crus, Minke (1994, tradução nossa) diz que a argamassa para o
assentamento do material é composta por barro, quantidade suficiente de areia grossa e,
opcionalmente, cal hidráulica e fibras. Ademais, pode-se acrescentar pequenas quantidades de
cimento na mistura. As argamassas de cimento não são aconselháveis por serem rígidas e
provocarem fissuras.
Vale ressaltar que o engenheiro Gernot Minke garante a possibilidade de fixar estantes
e quadros nesse tipo de parede, quando a técnica é bem executada, e alerta para a maior
facilidade de se furar um adobe quando comparado a um tijolo cozido.
Ainda vê-se com muito preconceito a técnica, entretanto, como afirma Gonçalves
(2005, p. 29):
33
“Os tijolos crus não são resistentes à água como os cozidos, dizem todos, sem lembrar que em muitas
paredes os tijolos, de qualquer tipo que sejam, jamais serão submetidos à ação dela. Com uma proteção
adequada ou com uso de estabilizantes terão a durabilidade necessária. Aliando um material antigo como
a terra com outros modernos como cimento, emulsão asfáltica, etc, pode-se chegar a produtos que,
devidamente estudados, possam inspirar a confiança dos usuários.”
Pode-se falar que a técnica é composta de uma estrutura mestra, que geralmente são
vigas e pilares de madeira; estrutura secundária, que são as chamadas tramas, compostas por
madeiras roliças, ripas e bambus; e material de vedação ou enchimento, composto de terra e,
caso necessário, outros elementos estabilizantes que conferem melhor performance ao barro.
(NEVES; FARIA, 2011).
35
Na etapa de enchimento ou vedação, para Neves e Faria (2011), a terra ou barro deve
ser responsável por atender aos requisitos das condições ambientais, funcionando como uma
pele que regula a temperatura, umidade e o som da edificação.
Entretanto, os autores também ressaltam que, com o intuito de a argamassa de vedação
apresentar boas propriedades isolantes, é interessante fazer algumas observações a respeito da
composição granular da terra:
a) areia: de fundamental importância porque é a parte estável da terra. Estudos
apontam um mínimo de 50% de areia;
b) silte: sugere-se uma quantidade abaixo de 30%, visto que não apresenta a
propriedade coesiva proporcionada pela argila, além de auxiliar, quando em
excesso, no processo de degradação da argamassa pela ação da umidade;
Porém, por mais que fiquem evidentes as vantagens supracitadas, o pau a pique ainda
é mal visto no Brasil. A estrutura é considerada de baixa renda e comumente associada à
doença de Chagas.
Silva (2000), em estudo sobre a salubridade das construções com terra, explica que,
segundo a cartilha dos médicos do Hospital Evandro Chagas, no Rio de Janeiro, o inseto
responsável pela transmissão da doença vive nas frestas das paredes de qualquer casa mal
cuidada e mal executada, seja ela construída em pau a pique ou em tijolo cozido.
38
A técnica com terra compactada foi bem conhecida no decorrer de muitos séculos em
todos os continentes do mundo. Antigamente era muito utilizada para se construir muros,
onde consistia em encher uma forma com terra, até a altura de 10 a 15 cm e, em seguida,
compactar camada após camada. (MINKE, 1994, tradução nossa).
Trazendo para a realidade atual, Neves e Faria (2011) dizem que o método é utilizado
para a construção de fundações e paredes, com o solo previamente preparado e posteriormente
compactado. O processo passa pelo destorroar, secar e peneirar do solo e, se necessário,
adiciona-se algum aglomerante à terra, além de água até que se atinja o ponto ótimo de
umidade. Constrói-se uma caixa denominada de mole ou taipal e compacta-se até a massa
específica máxima, com auxílio de compactadores manuais ou mecânicos.
É de suma importância tomar cuidado com a granulometria da terra, sendo o solo mais
indicado o tipo arenoso, o que facilita o trabalho, seja na etapa retirada da matéria-prima na
jazida ou no canteiro de obra, como na fase de compactação. (NEVES; FARIA, 2011).
Caracteriza-se por ser um elemento estrutural moldado in loco com altos índices de
resistência à compressão. Devem-se prever elementos construtivos como beirais ou
pingadeiras capazes de garantir a proteção dos topos da estrutura, além de impermeabilizar
bem as fundações, evitando o contato direto desse tipo de construção com o chão, afim de
39
Fonte:https://maisonsuindara.files.wordpress.com/2014/05/06-taipa-paredes-pneumatico.jpg;
http://ecohabittare.blogspot.com/2013/01/professores-universitarios-da-ufgd.html
3.4.2.6 Cordwood
Por se tratar de uma tradição oral, os conhecimentos acerca das técnicas construtivas em terra crua, que
foram trazidos até os dias atuais podem ser considerados apenas uma pequena parte desta tradição. A esse
motivo e à industrialização da construção civil deve-se, em parte, o desprezo desses conhecimentos
históricos pelo homem urbano atual.
convencional sempre tem um limite na cabeça, um resultado só, mas com o barro não há
limite para nada, tudo que imaginar pode fazer.” (informação verbal)1.
Referente ao desenvolvimento social e à visão mais ampla citada por Rocio Bua, o
engenheiro civil Marcos Botelho traz a reflexão acerca do empoderamento da comunidade
através da bioconstrução, como uma ferramenta para a autoconstrução, dizendo acredita que
as técnicas e os materiais de baixo custo podem auxiliar no processo de pessoas de baixa
renda que pensam em uma casa boa e logo associam àquelas de bloco cerâmico e cimento.
Para ele, é um passo importante reverter os investimentos que iriam para a indústria do
cimento e incentivar a sociedade na utilização de terra para a construção da casa própria.
(informação verbal)2.
A condutibilidade térmica das paredes de terra crua é tal, que corresponde à metade da condutibilidade
das paredes feitas de tijolo cozido. Isso quer dizer que as primeiras apresentam um índice de inércia
térmica em suas paredes muito mais elevado do que as segundas. Explicando melhor: a corrente de calor
que atravessa as paredes é conduzida mais lentamente nas paredes de terra crua do que nas paredes de
tijolo cozido, por isso o ambiente interno das construções em terra crua se mantém em temperatura
constante.
1
Entrevista realizada em Serra Grande, na Bahia, com o pedreiro e marceneiro Felipe Cielavin e a arquiteta
Rocio Bua, em maio de 2018.
2
Entrevista realizada com o engenheiro civil Marcos Aurélio dos Santos Botelho Júnior, em Serra Grande, na
Bahia, em maio de 2018.
44
Pela análise da Tabela 3, observa-se que, para obter o mesmo isolamento térmico,
precisa-se de 9,5 cm de parede de barro prensado, enquanto, para um mesmo resultado,
necessita-se de praticamente o triplo dessa espessura de parede de concreto (30 cm).
Contextualizando com a realidade atual, onde constroem-se paredes de tijolos cozidos, em sua
maioria, ao compará-lo com o barro prensado, nota-se que, para um mesmo isolamento
térmico, para o primeiro a espessura correspondente seria de 19,8 cm, já para o segundo, a
metade.
45
Bueno (1995, p. 245) diz que os ruídos em uma edificação têm duas formas de
transmissão: aérea, onde, por reflexão, as ondas sonoras vão do emissor ao receptor,
atravessando obstáculos como paredes e pisos e, nesse caminho, vão sendo absorvidas em
maior ou menor proporção pelos materiais; e material, quando os ruídos são ocasionados por
via aérea ou por aplicação física, como tubulações e passos, por exemplo, e então conduzidos
pelos corpos sólidos, para novamente se tornarem de via aérea e chegarem até o receptor.
46
Ainda, diz-se que, para tratar os ruídos, a melhor alternativa é impedi-lo em sua origem,
isolando-o e/ou favorecendo sua absorção, para que não chegue ao possível receptor.
Para Bueno (1995, p. 246) “quanto mais densa e pesada for uma matéria, maior é a sua
faculdade de isolamento acústico: uma parede maciça de 50 cm possui propriedades de
isolamento sonoro muito satisfatórias.” As paredes duplas com vãos de ar no meio não são tão
viáveis para o isolamento sonoro, o melhor seria preencher esse vão com fibras de rocha ou
areia. Além disso, “os aglomerados de cortiça ou os painéis de fibras de madeira oferecem
uma solução adequada e natural” como reforço e, nessa condição, seria possível utilizar uma
câmara de ar intermediária.
Silva (2000) afirma que, através da análise de dados levantados em entrevistas com
profissionais, é possível verificar as ótimas condições de isolamento acústico que apresentam
as casas de terra crua. Em entrevista com a professora Ana Branco, pertencente ao
Departamento de Artes e Desenho Industrial da PUC-Rio, a mesma relatou que, ao dar aulas
em uma sala de aula construída convencionalmente, ficou tão estressada com o alto nível de
barulho a ponto de optar por construir uma sala de aula não convencional no campus da
universidade. A nova sala, com 2,5 m de diâmetro e piso batido de terra, segundo a
professora, favorece a comunicação de 15 pessoas, que se ouvem com facilidade por não
haver a confusão acústica presente na sala convencional.
Diante da entrevista supracitada, Silva (2000, p. 68) traz a observação de que “o piso
de terra, por sua porosidade, absorve o som, de modo que as vozes do ambiente não se
misturam. Em espaços, cujos pisos e paredes sejam lisos, há uma reflexão do som, e o som
refletido se mistura com os outros no ambiente, causando a confusão acústica [...]”.
Segundo Bueno (1995), o som suportado pela população de qualquer país está no nível
entre 35 e 85 dB (decibéis). Entretanto, sabe-se que o limite para um ser humano está na faixa
dos 65 dB e, conforme Bueno (1995 apud SILVA, 2000, p. 67), em “[...] ambientes cuja
superfície das paredes e pisos sejam lisos, esse nível de poluição sonora pode subir e, caso
alcance 85 decibéis, pode causar danos ao aparelho auditivo humano.”
Aplica-se, então, a reflexão às estruturas de terra em geral, onde a porosidade das
paredes de terra crua tem maior capacidade de absorção do som em relação às paredes
convencionais comumente vistas.
47
3
Entrevista realizada com Randolfo Roberto Barros Filho, em Serra Grande, Bahia, maio de 2018.
48
com as construções que envolvem o cimento, o que permite também que os seus familiares
ajudassem a erguer a estrutura de vedação, sendo “muito importante por incluí-los no projeto
e tirar mais tempo com eles”. Ademais, possibilita realizar formas mais orgânicas. Entretanto,
cabe destacar que o tempo cronológico envolvido é maior por ser um método que requer
testes e experiência. (informação verbal)4.
Para Brasil (2008, p.11):
Ryan Luckey, músico, ecologista e futuro morador de uma casa bioconstruída, ressalta
a ideia de autonomia ofertada pela bioconstrução destacada por Brasil (2008), dizendo que
pretende ele mesmo “rebocar o material e trabalhar na manutenção da casa, se preciso.” Ele
percebeu que pode construir o sonho da casa própria com a ajuda da família, e se a filha de 3
anos quiser ajudar na construção, tem certeza que não precisa se preocupar com os materiais
que ela está se envolvendo, “porque o pior que pode acontecer é ela ficar suja de terra”.
(informação verbal)5.
Figura 29 - Mulher de Ryan (em azul) pisando argamassa de terra para a vedação do pau a pique (ao fundo)
4
Entrevista realizada com Gonzalo Nadal Carrara, em Serra Grande, Bahia, em maio de 2018.
5
Entrevista realizada com o músico e ecologista Ryan Luckey, em Serra Grande, Bahia, em maio de 2018.
49
organizados da forma mais cômoda para essas estruturas, mas que pouco tem a ver com o ser
humano.” (informação verbal)6.
É claro o valor da construção arquitetada organicamente, não só pelo fato de respeitar
os conceitos da natureza, mas também por levar em consideração o melhor para a saúde dos
moradores. Irina diz que o trabalho com bioconstrução a preenche porque tem muitos
desafios, pesquisas e novas descobertas envolvidos, mas o principal é poder desenvolver a
sensibilidade a respeito do cliente e do ambiente natural: “minha tarefa é cuidar das pessoas
no projeto, e sinto que essas moradias são muito mais saudáveis para as pessoas e local
envolvidos.”
Cintia Oliveira Matos, jornalista e cliente de Irina, afirma que “além do impacto
ambiental e o cuidado por não usar tanto cimento e outros materiais que, com o passar do
tempo, só virariam entulho, a questão visual de um projeto que combina arquitetura orgânica
e bioconstrução é que faz a diferença.” Para ela, estamos tão acostumados a viver e olhar a
construção como quadrados, e viver em uma casa assim ajuda a pensar fora da caixa
literalmente, onde as curvas da casa se combinam com o ambiente externo, por exemplo.
(informação verbal)7.
6
Entrevista realizada com a arquiteta Irina Biletska, em Serra Grande, Bahia, em junho de 2018.
7
Entrevista realizada com Cintia Oliveira Matos, em Serra Grande, na Bahia, em junho de 2018.
51
8
Entrevista realizada com a arquiteta e urbanista Bruna Ferri Viesi, em Serra Grande, na Bahia, em maio de
2018.
52
Muito do que se fala a respeito dos impactos ambientais referentes à construção parte
da identificação dos materiais que a compõe. Mateus (2004 apud FERREIRA, 2015, tradução
nossa) faz referência ao conceito de materiais ditos ecoeficientes ou ecológicos que, segundo
ele, devem passar pela identificação de suas fases, desde a extração até a sua devolução ao
ambiente. Para tal, observam-se as seguintes características do material:
a) ausência de produtos químicos nocivos à camada de ozônio;
b) durabilidade;
c) poucos gastos energéticos na extração do material e de seus componentes;
d) estar disponível nas proximidades da construção;
e) baixo gasto energético em manutenções;
f) ser composto de materiais reciclados ou que tenham potencial para serem
reciclados posteriormente.
9
Entrevista realizada com a arquiteta e urbanista Bianca Carvalho de Carvalho e a engenheira Bruna Arantes,
em Serra Grande, na Bahia, em maio de 2018.
10
Entrevista realizada com a arquiteta Rocio Bua, em Serra Grande, na Bahia, em maio de 2018.
53
“Os materiais de construção naturais, como a madeira, são ótimos do ponto de vista
eco-harmônico. A madeira de construção, até sua disponibilidade para uso, consome a terça
parte de energia que o ladrilho cerâmico, a quarta parte que o cimento [...]”. (BUENO, 1995,
p. 229).
Tabela 5 - Consumo de energia de cada material construtivo, comparados ao gasto equivalente, em litros de
petróleo
Equivalente em
Materiais
litros de petróleo
Estrutura de madeira (cercas de madeira colada) 35.000 litros
Estrutura de aço 74.700 litros
Pré-fabricados de concreto 95.400 litros
Bastidores de aço com revestimento de alumínio 114.500 litros
Fonte: Adaptado de Bueno (1995, p. 229)
As tecnologias de construção com terra apresentam baixo impacto ambiental por sua matéria-prima ser
pouco processada. Têm pouca energia incorporada. O barro não queimado evita o consumo de madeira e
a emissão de gases poluentes à atmosfera. Como geralmente a terra é extraída próxima do local onde está
a edificação, não existem custos ambientais com o transporte. As arquiteturas de terra que não são
estabilizadas por cimentação podem ser recicladas. Ao fim do ciclo de vida da edificação, o material de
construção é reintegrado à natureza.
Emissão de
Material
CO2 (kg CO2 / kg)
Concreto 2,546
Argila sem cozer 0,69
Fonte: Adaptado de dos Santos (2015)
57
Ademais, Neves e Faria (2011) apontam que as técnicas com barro proporcionam a
participação comunitária e utilização de mão-de-obra local, desenvolvendo o processo de
produção social do habitat. Ainda, caso seja investida a tecnologia certa, podem reduzir
significativamente o custo total da obra.
Faz-se necessário dizer que principais usos da terra em detrimento ao cimento e outros
materiais construtivos convencionais encontram-se nas argamassas e estruturas à base de
terra. As últimas foram esclarecidas no item “3.4.2 Técnicas”. Assim, a partir de então dá-se
maior atenção às argamassas de terra.
As misturas de barro podem ser utilizadas para reboco externo e interno, assentamento
de tijolos e preenchimento de estruturas de vedação. Em casos como o assentamento de
blocos cerâmicos, por exemplo, vale ressaltar o que foi dito no item “3.4.1.5 Esterco”, que o
esterco auxilia na estabilização da mistura e a endurece, pois libera ácidos que o ajudam a
atuar de forma semelhante ao cimento na argamassa.
Minke (1994, tradução nossa) considera que os rebocos são compostos por solos com
diferentes proporções de argila, areia e silte, dependendo das propriedades e quantidade
dessas frações. Corrige-se o traço, se necessário, de um solo utilizando areia, água, fibras
como cabelos ou palha vegetal, e aditivos estabilizantes na mistura, tais como esterco e cal.
Ressalta, ainda, a comum adição de cal e esterco nas misturas feitas no período antigo, para
58
aumentar a estabilidade da argamassa de reboco, contra a ação da água. O esterco reage com a
cal para formar o albuminato de cálcio, componente não solúvel em água, além de favorecer a
resistência à flexão, aumentando-a.
A adição de cal à mistura úmida proporciona o intercâmbio entre os íons presentes na
cal e na argila, entretanto, o mais importante a ser citado é que a cal reage com o CO 2 presente
no ar e libera água, formando calcário. (MINKE, 1994, tradução nossa). Assim, pelo fato do
produto proporcionar resgate de gás carbônico da atmosfera, considera-o um aliado na luta
ambiental.
Para Motta (2004 apud SANTOS, 2017), nas técnicas construtivas que têm a terra
como protagonista, novas propriedades podem ser adquiridas, sendo essas benéficas em sua
maioria. O barro tem a facilidade de ser moldado e permite que se agreguem materiais
naturais a ele, tais como fibras, seivas e óleos, auxiliando no reaproveitamento desses
produtos e aperfeiçoando suas próprias propriedades naturais.
Vale lembrar da questão do conforto e condições de salubridade para o trabalhador. A
argamassa com cimento não dá a liberdade de atuar com as mãos e restringe-se ao uso de
EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual) e, sem o uso desses protetores, o cimento é
considerado um material irritante para quem o manuseia. Como afirma Schlottfeldt (s.d., p. 3),
ele “reage em contato com a pele, com os olhos e vias respiratórias” e as reações provocadas
pelo calor e umidade da pele podem levar desde a vermelhidões (eritemas) até inchaços
(edema), eczemas e necrose do tecido. Ainda, a inalação da poeira inerte do material, por um
período entre 10 e 20 anos de trabalho é o suficiente para que as partículas se depositem no
pulmão e acarretem em doenças pulmonares. Em contrapartida, a argamassa de terra
apresenta-se como um material natural e de livre manuseio, como é mostrado na Figura 31.
Felipe Cielavin, pedreiro e marceneiro há mais de 10 anos, agora trabalha em obra
bioconstruída e defende o uso de argamassa à base de terra e esterco que, segundo ele, tem
melhor trabalhabilidade e consegue-se um ótimo resultado com a plasticidade certa. “O
cimento com a areia fica muito duro, com a cal até dá uma ajuda na trabalhabilidade, mas
prejudica muito a pele, já a terra dá gosto de trabalhar porque não prejudica a pele.” O
engenheiro civil Marcos Botelho reitera a ideia de que a mistura com a terra fica com melhor
trabalhabilidade e sente isso diretamente na sua pele, quando trabalha com argamassas à base
de terra ou de cimento. (informação verbal)11.
11
Entrevista realizada com Felipe Cielavin e Marcos Botelho, em Serra Grande, na Bahia, maio de 2018.
59
5 CONCLUSÃO
É notório o imenso impacto causado pela simples existência da vida humana na Terra.
Os setores de produção de alimentos, de bens de consumo e de construção são apenas alguns
dos exemplos dos responsáveis por descartar de maneira inadequada os rejeitos das
produções. Entretanto, chega-se a um ponto da história da humanidade em que não se pode
ignorar os prejuízos ambientais causados pelo consumo desenfreado e a falta de consciência
ecológica. Não há mais como pensar em conciliar a vida na superfície terrestre e o consumo
desenfreado, e dentro desse leque de possíveis mudanças, a construção aparece como um forte
nome para o desenvolvimento social com olhares positivos para a questão ambiental.
Em decorrência dos processos e características da bioconstrução apresentados no
presente trabalho, tais como versatilidade e impacto ambiental dos materiais, impacto social e
cultural das técnicas e metodologias de trabalho, por exemplo, resume-se que esse tipo de
construção já é, há muito tempo, natural dos seres humanos e pode mudar globalmente o
cenário ambiental e social no qual estamos inseridos. A construção natural é uma alternativa
sim, de inclusão social e construtivamente eficaz, caso contrário não seria possível notar
exemplos da antiguidade que ainda exercem sua funcionalidade estrutural e visual muito bem,
como por exemplo a Muralha da China, também demonstrada neste trabalho.
O Brasil ainda tem preconceitos com relação às construções naturais, entretanto
caminha-se a favor de uma realidade mais natural e renovável ambientalmente. Comissões na
ABNT já estudam as normas que possibilitarão as obras construídas com terra e bambu.
Pensando a nível mundial, em alguns países latino-americanos como Peru e Equador e no
continente africano, por conta do menor custo, os adobes de terra, por exemplo, continuam
tendo uma larga utilização. Ademais, em países desenvolvidos o emprego desse material
“vem crescendo por conta do apelo ecológico dos dias atuais.” (GONÇALVES, 2005, p. 15).
Assim, cabe a cada ser humano o próprio despertar para um pensamento mais
verdadeiro de como viver na Terra. Tem-se déficit habitacional por falta de recursos
financeiros para se construir casas convencionalmente e existe, também, o fator poluente
ambiental da construção civil. Deve-se pensar a respeito de uma alternativa que resgata os
saberes ancestrais e pode contribuir para o desenvolvimento socioambiental. Construir de
forma mais natural é uma escolha, não existe construção certa ou errada, o que há, de fato, é
uma consciência capaz de unir a população mundial, a consciência de pensar no próximo
como uma extensão de si, assim como pode-se pensar na natureza como uma extensão da
habitação.
60
REFERÊNCIAS
BUENO, M. O grande livro da casa saudável. / Mariano Bueno; / tradução de José Luiz da
Silva. São Paulo: Roca, 1995.
MILLOGO, Y. et al. Earth blocks stabilized by cow-dung. Burkina Faso: Materials and
Structures, 2016.
MINKE, G. Manual de construcción con fardos de paja. Uruguay: Editorial Fin de Siglo,
2006.
NEVES, C. M. M.; FARIA, O. B.. Técnicas de construção com terra. Bauru, SP: FEB-
UNESP/PROTERRA, 2011.
PFEIL, W.; PFEIL, M. Estruturas de madeira. Rio de Janeiro, RJ: LTC – Livros Técnicos e
Científicos Editora S.A., 2013.
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