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Telma Pantano

Jaime Luiz Zorzi

NEUROCIÊNCIA APLICADA À
APRENDIZAGEM

São José dos Campos


Copyright © 2009 by Pulso Editorial Ltda. ME
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Editor responsável: Vicente José Assencio-Ferreira


Diagramação: Dimitri Ribeiro Ferreira
Capa: Isabel Cardoso e Dimitri Ribeiro Ferreira
Impressão e acabamento: Parma Editora e Gráfica Ltda.

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)

Pantano, Telma e Zorzi, Jaime Luiz / . Neurociência aplicada à


aprendizagem. - Telma Pantano e Jaime Luiz Zorzi. - São
José dos Campos: Pulso, 2009.

Os autores dos capítulos foram organizadores desta obra.


ISBN 978-85-89892-63-6
192p

1. Neurociência
2. Educação
3. Aprendizagem
Apresentação

As relações entre o cérebro e a aprendizagem tornam-se, a


cada dia que passa, cada vez mais explícitas. Antes relegado a uma
“biologização” do ato de aprender o cérebro é considerado, atualmente,
a fonte de registro e integração dos conhecimentos que permitem ao
indivíduo atuar sobre o mundo e adquirir consciência do mesmo.
Este é um papel de indiscutível relevância.
Nos tempos atuais, falar em aprendizagem e negligenciar
os mecanismos cerebrais responsáveis pelo ato de aprender, conservar,
recuperar e associar conhecimentos, significa desconsiderar um dos
principais componentes responsáveis pelo processo evolutivo humano
. Não há como negar a importância do funcionamento mental como
base para a aprendizagem.
Este livro pretende apresentar conhecimentos recentes
relativos às neurociências e relacioná-los com o processo de ensino-
aprendizagem trazendo perspectivas e novos horizontes no raciocínio
e atuação nas áreas de saúde e educação.
Simplesmente conhecer como o cérebro funciona pode
não ser a garantia de uma atuação eficaz nas situações envolvendo a
aprendizagem. Porém, tal conhecimento, aliado a uma postura
reflexiva, que permita levar a teoria até uma aplicação prática, pode
gerar uma atuação mais consciente e eficaz, fundamentada em dados
científicos seguros.
Nosso cérebro está preparado para interagir com o
ambiente, reagindo aos estímulos e formando novas sinapses que se
traduzem em novos conhecimentos. Conseqüentemente, desta
dinâmica dependerá a adaptação do sujeito ao mundo em que vive.
Graças à sua capacidade de garantir a aprendizagem, o cérebro pode
modificar-se, constantemente, a fim de garantir adaptações cada vez
mais complexas.
Desta forma, a aprendizagem pode ser vista como um
processo pelo qual o cérebro reage aos estímulos ou demandas do
ambiente, transformando-se e permitindo uma atuação do indivíduo
no mundo em que vive. Promover situações que facilitem a
aprendizagem, fornecer os estímulos adequados ao cérebro em
formação, sempre considerando o seu desenvolvimento e maturação,
é função daqueles que se preocupam e atuam diretamente com a
aprendizagem. Este é, fundamentalmente, o caso da Educação e de
todos os demais profissionais ligados ao desenvolvimento humano.
Propostas de ensino bem planejadas, fundamentadas, que
levem em consideração o modo como o cérebro trabalha, podem
facilitar e aumentar a conectividade sináptica, garantindo uma maior
eficiência no processo de aprendizagem. Pessoas ensinam e pessoas
aprendem. A todo o momento desempenhamos ambos os papéis.
Porém, o tanto que conseguimos aprender e o tanto que conseguimos
ensinar depende dos mecanismos subjacentes responsáveis por tais
fenômenos. E é neste incrível universo de possibilidades de
transformações que este livro pretende conduzir os seus leitores.
Faça um ótimo proveito...

Telma Pantano
Jaime Luiz Zorzi
AUTORES

Ana Paula Sabatini de Mello Braga


Graduação em Psicologia pela Universidade Metodista de São Paulo
e pós-graduação em Neuropsicologia pela Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). Atualmente é Neuropsicóloga e Coordenadora
do Setor de Neuropsicologia do Serviço de Psicologia Hospitalar da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e
coordenadora do curso de pós-graduação em Neuropsicologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Realiza
atendimento clínico em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica,
com experiência em distúrbios de aprendizagem, distúrbios
psiquiátricos, quadros degenerativos e avaliação pré e pós-cirúrgica
em Neurocirurgia.

Adriana Foz
Educadora, Psicopedagoga, Neuropsicóloga, Membro da diretoria
da SBNp, pesquisadora CNPq - Neurociência na Educação.

Beatriz de Andrade Sant’Anna


Psicóloga Clínica e Professora Universitária, formada pela
Universidade de São Paulo - USP, com especialização em
Neuropsicologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo - USP. Neuropsicóloga do
NANI (Núcleo de Atendimento Interdisciplinar Infantil), Centro
Paulista de Neuropsicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da
Universidade Estadual Paulista - FFC/UNESP - Marília - SP.

Claudia Berlim de Mello


Psicóloga, Especialista em Neuropsicologia, Mestre em Psicologia do
Desenvolvimento no Contexto Socio-cultural pela UnB. Doutora
em Psicologia (Neurociências e Comportamento) pela USP,
Coordenadora do Núcleo de Atendimento Interdisciplinar Infantil
(NANI), Centro Paulista de Neuropsicologia.

Giseli Donadon Germano


Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Jaime Luiz Zorzi
Fonoaudiólogo, especialista em linguagem e Doutor em Educação.
Professor e diretor do CEFAC Pós-Graduação em Saúde e Educação.
Presidente do Instituto CEFAC.

Kátia A. Hühn Chedid


Psicopedagoga. Orientadora Educacional. Curso de extensão em
Neuropsicologia. Participante do grupo de pesquisa na Faculdade
de Educação da

Mari Ivone Misarelli


Fonoaudióloga clínica, graduada pela Unifesp no curso de
Fonoaudiologia, mestre em Fonoaudiologia pela PUC/SP
USP- Neurociências e Educação.

Mirella Liberatore Prando


Fonoaudióloga, membro do Grupo de Neuropsicologia Clínica e
Experimental - GNCE PUCRS, Mestranda em Psicologia, área de
concentração em Cognição Humana da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Porto Alegre, RS, Brasil;
Especialização em Neuropsicologia pela UFRGS.

Rubens Wajnstein
Médico neuropediatra pela FMUSP, Mestre em Distúrbios da
Comunicação pela UNIFESP, Professor da cadeira de Neurologia
pela UNIABC, Faculdades São Camilo e Universidade Metodista de
São Paulo.

Rudá Alessi
Médico residente em Neurologia pela Faculdade de medicina do
ABC.

Simone Aparecida Capellini


Fonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas -
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas - FCM/UNICAMP - Campinas - SP. Docente do
Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista - FFC/UNESP-Marília - SP.
Telma Pantano
Fonoaudióloga, Psicopedagoga, Mestre e Doutora em Ciências pela
FMUSP, Colaboradora pelo SEPIA-IPQ-HC-FMUSP, coordenadora
do curso de Neurociências do CEFAC – Centro de Especialização
em Saúde e Educação, Professora do curso de Psicopedagogia das
Faculdades Mozarteum de São Paulo, Sócia titular e membro da
diretoria da ABPp gestão 2008/2010.

Vera Lúcia Orlandi Cunha


Mestre e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista - FFC/UNESP-Marília - SP.

Vicente José Assencio-Ferreira


Médico, Neuropediatra e Doutor em Medicina (Neurologia) pela
USP, Professor do CEFAC e Diretor Clínico do CEMTE (Centro
Educacional Municipal Terapêutico Especializado) de Taubaté
Sumário
Capítulo 1
Introdução às Neurociências ......................................... 11
Capítulo 2
Atenção e Memória ....................................................... 23

Capítulo 3
Crescimento, Desenvolvimento e Envelhecimento do
Sistema Nervoso .............................................. 37

Capítulo 4
Funções Vísuo-construtivas, Praxias e Agnosias ........... 61

Capítulo 5
Pensamento, Inteligência e Funções Executivas ........... 81

Capítulo 6
Linguagem e Cognição ................................................ 105

Capitulo 7
Processamento Auditivo Central ................................ 113

Capítulo 8
Aprendizagem e Habilidades Acadêmicas .................. 125

Capítulo 9
A análise do Processamento Ortográfico e suas
Implicações no Diagnóstico dos Transtornos
de Aprendizagem ........................................... 141

Capítulo 10
Avaliação das Funções Cognitivas na Criança, no
Adolescente e no Adulto .............................. 157

Capítulo 11
Neurociência na Educação I ......................................... 171

Capítulo 12
Neurociência na Educação II ....................................... 183
10 Neurociências
Capítulo 1
Introdução às Neurociências

Telma Pantano e Vicente José Assencio-Ferreira

Este capítulo abordará alguns conhecimentos de


neuroanatomia e neurofisiologia que formarão a base para os tópicos
discutidos nos capítulos posteriores.
As neurociências cognitivas fornecem aos profissionais de
saúde e educação bases consistentes sobre o funcionamento do cérebro
e suas possíveis aplicações no processo de ensino-aprendizagem. De
uma forma geral, conhecer o cérebro e o seu funcionamento, pode
permitir agregar à atuação clínica e pedagógica, conhecimentos sobre
a maturação neurológica e o desenvolvimento de funções superiores,
fornecendo melhores condições para oferecer estímulos coerentes e
adequados a cada faixa etária.
Uma estimulação em tempo inadequado pode causar tantos
danos quanto a ausência de estimulação. Crianças que “pulam” estágios
de desenvolvimento encontram dificuldades enormes para recuperar o
que perderam1. Da mesma forma a estimulação que não respeita as
etapas do desenvolvimento cognitivo e neurológico da criança pode
fornecer aprendizagens incompletas e imaturas cuja re-significação pode
ser, extremamente, complexa de ser realizada.
O cérebro é a matéria prima para o processo de
aprendizagem. É o principal responsável pela integração do organismo
com o seu meio ambiente. Se considerarmos a aprendizagem a
resultante da interação do indivíduo com o meio ambiente,
perceberemos que é ele que propicia o arcabouço biológico para o
desenvolvimento das habilidades cognitivas.
Sem dúvida nenhuma para o profissional de saúde e
educação torna-se incoerente que trabalhe com processamentos
cognitivos como a linguagem e a aprendizagem, sem o conhecimento
da estrutura biológica em que se dá esses processos. Da mesma forma,
é necessário compreender o funcionamento neurológico, o

Pantano & Zorzi 11


desenvolvimento e a maturação cerebral para que possamos conhecer
e desenvolver o potencial cognitivo de um indivíduo para as funções
relacionadas à linguagem e à aprendizagem.
O cérebro é uma estrutura formada por aproximadamente
100 bilhões de neurônios (1x1011) de formas e tamanhos diferentes
conjuntamente com as células da glia (na proporção aproximada de
10 células da glia para cada neurônio) que lhe oferecem alimento e
sustentação. Atualmente tem-se discutido no meio científico evidências
de que as células da glia teriam um papel importante no
funcionamento neuronal e, até mesmo, diferenciar-se em neurônios,
porém esses estudos ainda não são conclusivos2,3,4.
Cada neurônio comunica-se com milhares de outros
neurônios utilizando prolongamentos curtos (dendritos) ou longos
(axônios) (Figura 1) formando, assim, incontáveis possibilidades de
conexões neuronais, à semelhança de uma rede (Figura 2).

Figura 1. Célula nervosa (neurônio) com corpo celular, axônio e


dendritos (retirado de http://www.cerebromente.org.br/n17/history/
neurons2_p.htm).

12 Neurociências
Figura 2. Comunicação entre neurônios formando redes ou retículos
neurais (retirado de http://www.cerebromente.org.br/n17/history/
neurons2_p.htm).
A cada novo estímulo, que gera um novo conhecimento, uma
nova rede se forma conectando-se às antigas, sendo infinitas as
possibilidades de formação de redes. Assim, para que se estabeleça uma
adequada utilização destas conexões existe um sistema complexo de
processamento que seleciona as redes importantes para cada ocasião, a
fim de possibilitar respostas rápidas a cada estímulo, seja ele verbal ou
não verbal. Por exemplo, se estamos estabelecendo um diálogo sobre
borboletas, o sistema nervoso central seleciona as redes neuronais em
que este inseto está inserido, facilitando a fluidez e ritmo da conversação.
Se estamos sendo atacados por um animal feroz, o sistema nervoso
seleciona as redes que registraram anteriores ataques, para favorecer uma
resposta rápida necessária num momento como este. Obviamente, pessoas
experientes em ataques deste tipo, terão respostas mais rápidas e precisas;
aquelas que nunca antes vivenciaram tal circunstância ficarão paralisadas,
sem opor qualquer atividade motora para fugir ou impedir o ataque.
A “comunicação” neuronal acontece através da transmissão
do impulso elétrico (criado no corpo da célula nervosa) utilizando estes
“fios” (dendritos e axônios); no final de cada um destes
prolongamentos existem estruturas denominadas sinapses, onde estão
localizadas inúmeras vesículas sinápticas, preenchidas com substâncias
químicas denominadas neurotransmissores (NT); com a chegada do
impulso elétrico estas vesículas se rompem os neurotransmissores são
lançados no espaço denominado de fenda sináptica, transformando o
estímulo elétrico em estímulo químico (Figura 3).

Pantano & Zorzi 13


Figura 3. Desenho esquemático da sinapse nervosa com vesículas
sinápticas e os neurotransmissores sendo eliminados após estímulo
elétrico.

Surgem as denominações de neurônio pré-sináptico (o que


enviará o estímulo elétrico) e neurônio pós-sináptico (o que receberá
esse estímulo). Porém, o impulso elétrico não atravessa a fenda
sináptica; na sinapse, o neurônio pré-sináptico libera o NT que ativa
ou inibe o neurônio pós-sináptico modificando seu receptor. O que
determina a ativação ou inibição pós-sináptica é a característica do NT
em ter ação excitadora (exemplo: adrenalina) ou inibidora (exemplo:
ácido gamaminobutírico – GABA). Isto explica e justifica porque um
impulso elétrico pode determinar excitação ou depressão das funções
encefálicas.
Na tabela 1 estão descritos alguns dos NT já classificados
pelos neurocientistas, que afirmam existir muitos deles ainda não
identificados.

14 Neurociências
Tabela 1. Relação de alguns neurotransmissores conhecidos dos
neurocientistas e seus locais de síntese.

Pantano & Zorzi 15


Porém o neurônio não possui função passiva nesse
processo5. Ele é extremamente ativo e integra a informação transmitida
por outros neurônios que chegam até ele, estruturando assim uma
nova informação.
Os neurônios organizam-se no que chamamos de Sistema
Nervoso Central (SNC) e Periférico (SNP). A porção central é composta
pelo encéfalo e pela medula espinhal. O encéfalo, que é protegido
pelo crânio, compõe-se de estruturas denominadas cérebro, cerebelo,
diencéfalo e tronco encefálico (mesencéfalo, formação reticular, ponte
e bulbo) (Figura 4).

Figura 4. Encéfalo em corte sagital, vista lateral direita e corte coronal


(retirado de http://www.neuroanatomia.ufba.br/imagens.htm).

16 Neurociências
A medula espinhal, que é protegida pelas vértebras,
compõe-se de substância cinzenta (com acúmulo de corpos celulares
dos neurônios) central em forma de “H” e substância branca (com
acúmulo de axônios ascendentes e descendentes) circunjacente.
A porção periférica é composta pelos nervos: 12 pares de
nervos cranianos (responsáveis pela sensibilidade e ativação motora
da região da cabeça) e 33 pares raquidianos (responsáveis pela
sensibilidade e ativação motora do resto do corpo).
O cérebro é constituído por dois hemisférios e cada
hemisfério propriamente dito é dividido em cinco lobos: occipital,
temporal, parietal, frontal e insular (Figura 5). O córtex cerebral é
constituído por seis camadas corpos celulares, portanto, de substância
cinzenta, situados na periferia do córtex e formando giros cerebrais,
que revestem os dois hemisférios (direito e esquerdo). O
funcionamento cerebral é integrado, ou seja, uma região depende das
outras para realizar suas funções.

Figura 5. Esquema do encéfalo mostrando a localização dos lobos


cerebrais.
É desse emaranhado de células que surge então um dos
mais complexos (senão o mais complexo) órgão do ser humano que o
possibilita a funções extremamente elaboradas como a linguagem, a
aprendizagem, o pensamento e a consciência.
Apesar da aparente semelhança anatômica entre os dois
hemisférios são grandes as diferenças funcionais que existem entre eles.

Pantano & Zorzi 17


a) Hemisfério Cerebral Esquerdo
- em 98% das pessoas é no hemisfério cerebral esquerdo que está
localizado a função de linguagem, fala e escrita.;
- os neurotransmissores dominantes são a dopamina e a acetilcolina, que
proporcionam o controle motor fino tanto manual como para a fala;
- é responsável pela sintaxe e semântica do idioma;
- permite a compreensão do significado literal das palavras;
- favorece a praticidade nas ações, a ser prático nas atividades e na
conclusões;
- permite a interpretação linear e seqüencial dos acontecimentos;
- reduz algo complexo em partes mais simples;
- procura por detalhes;
- classifica e ordena os estímulos
- faz interpretação e justificação dos acontecimentos;
- realiza observação focada, dirigida do acontecimento;
- segue um padrão lógico;
- é objetivo;
- estima o tempo cronologicamente, hora a hora, dia a dia;
- encara os fatos como verdadeiro ou falso, branco ou preto;
- retém a memória recente;
- tem espírito crítico e “vocação pessimista”.

b) Hemisfério Cerebral Direito


- o neurotransmissor dominante é a norepinefrina que estimula a
percepção de novos estímulos visio-espaciais;
- avalia o contexto, entonação, ritmo da fala (prosódia);
- capta o simbolismo, a metáfora do texto e fala;
- percebe o humor e a estética do acontecimento;
- permite uma visão holística da situação;
- percebe o todo e o padrão do acontecimento;
- possibilita a criatividade, imaginação;
- oferece a percepção de profundidade, reconhecimento do rosto e do
estado emocional;
- oferece a sensação de antipatia, mesmo imotivada, sem ter certeza
da razão, do porque;
- avalia o acontecimento de forma global, sem se deter em detalhes.
- Segue a intuição;
- Estabelece padrões sem seguir um processo etapa por etapa;
- É subjetivo;
- Vê o tempo como um todo – um projeto, uma carreira;
- Pensa positivamente, sem preocupar-se com midéias preconcebidas;
- Pergunta-se “porque não?”e quebra as regras.

18 Neurociências
Para a neurociência essas funções extremamente elaboradas
como a linguagem e a aprendizagem são processamentos cognitivos
resultantes de processos cognitivos primários como: sensação,
percepção, atenção e memória(s).
Tudo tem início com a transformação dos estímulos
sensoriais nos nossos receptores por impulsos elétricos num processo
conhecido como transdução. É dessa forma que fazemos contato com
o mundo que nos cerca uma vez que a rede interna do nosso cérebro
só consegue entender sinais elétricos6.
Dessa forma, o que conhecemos do mundo é uma re-leitura
do que foi transmitido ao nosso cérebro pelos estímulos sensoriais. Os
receptores periféricos transmitem impulsos ao cérebro de acordo com
o que conseguem perceber do mundo externo 7,8. Esses impulsos
devem ser integrados e re-construídos num processo que se denomina
percepção. Essas percepções somente podem ser compreendidas e
reconhecidas depois de um processo de aprendizagem contínuo que
classifica, organiza, compara e integra os estímulos sensoriais em um
único objeto.
Após os processos de sensação e de percepção a informação
em processamento chega ao nosso sistema límbico responsável pela
atribuição emocional ao estímulo. É assim que a informação recebe
um colorido emocional9.
Porém, como o nosso cérebro é inundado a todo momento
por inúmeros estímulos advindos de diversos canais sensoriais (além
de diversos estímulos advindos do mesmo canal sensorial) torna-se
necessário assim uma seleção dos estímulos externos e uma
hierarquização desses estímulos através de um processo cognitivo
denominado atenção. A atenção faz com que alguns estímulos sejam
preferencialmente processados enquanto outros são reduzidos ou não
são processados.
Esta é uma das características mais importantes da atenção:
para que possamos ter atenção a um estímulo específico devemos ter
“desatenção” aos outros estímulos. É através dessa seleção de estímulos
o nosso cérebro pode realizar processamentos cada vez mais
sofisticados com os estímulos selecionados.
A atenção tem algumas características que devem ser
investigadas por profissionais de saúde e educação que trabalhem
com qualquer processamento cognitivo. O sujeito deve poder
focalizar a atenção - o princípio da atenção propriamente dito;
sustentá-la por um determinado período de tempo enquanto se
realizam os processos cognitivos necessários; alterná-la entre dois

Pantano & Zorzi 19


estímulos e dividi-la deixando um processamento automático e o
outro consciente.
Da mesma forma a atenção pode ser automática – através
de estímulos intensos, súbitos, em movimento ou contrastantes com
o fundo que deslocam nosso foco atencional sem o controle do sujeito;
e voluntária – no qual o indivíduo pode ter controle na escolha de seu
foco atencional.
Não se sabe exatamente como o cérebro faz para selecionar
um estímulo em detrimento de outros, porém sabe-se que essa seleção
acontece de dois modos: pela intensidade dos estímulos que estimulam
os receptores sensoriais e por mecanismos de memória baseado nas
experiências anteriormente vividas pelo indivíduo. Memória e atenção
são assim funções intrinsecamente relacionadas.
Memória é uma atividade eletrofisiológica a nível neuronal
que tem a função de fixação, retenção e resgate de informações. Compõe-
se de sistemas inter-relacionados, ou seja, sistemas que funcionam de
forma independente cujo funcionamento pode ser diferente, porém é
colaborativo com os outros. Dessa forma uma lesão neuronal na região
de determinada memória poderá fazer com que deixe de desempenhar
a função daquela região, porém outros módulos são capazes de
minimizar as deficiências alterando seu próprio funcionamento10.
A primeira grande dissociação entre sistemas de
memória diz respeito ao tempo no qual a memória pode ser
armazenada. Surge então a memória operacional cujo funcionamento
é descrito por Baddeley desde a década de 197011 e relaciona-se com o
armazenamento e significação de conteúdos por um curto espaço de
tempo; e as memórias a longo-prazo cuja função é o estoque a por
longo tempo da informação.
Dissociações de diferentes memórias de longo-prazo
também são descritas12, sendo as mais aceitas aquelas relacionadas a
memórias explícitas ou declarativa (que podem ser expressas de forma
verbal) e memórias implícitas ou de procedimentos (cuja expressão
não pode ser explicitada ou pode ser explicitada somente através de
atos motores).
As memórias explícitas tem sua origem principalmente
no córtex temporal e as memórias implícitas no núcleo estriado, no
neocórtex, amígdala e cerebelo. O hipocampo é a principal estrutura
responsável pela organização e passagem da informação da memória
operacional para as memórias de longo-prazo.
Assim, como foi dito anteriormente tanto a linguagem
quanto a aprendizagem têm suas origens nos processos acima

20 Neurociências
explicitados. A linguagem é um sistema cognitivo que permite ao
homem classificar as coisas desse mundo, dar-lhes uma ordem e torná-
los manejáveis9. Já a aprendizagem organiza, integra, dá forma e nome
aos estímulos perceptivos vindos do mundo externo ao mesmo tempo
que permite integrações e elaborações mentais das informações
advindas do mundo externo, permitindo elaborações cada vez mais
subjetivas e simbólicas. O processo de aprendizagem envolve áreas
motoras, sensitivas, auditivas, ópticas, olfativas, vestibulares, térmicas...
Tanto os estímulos a que somos submetidos como aqueles
que conseguimos organizar e elaborar mentalmente são dependentes
de aspectos culturais e sociais. Dessa forma, somente o resultado da
aprendizagem pode ser observado através das mudanças de
comportamento ou de elaborações mentais de um indivíduo.
Chegamos por fim às funções executivas que se
caracterizam por ser uma série de funções complexas dependentes
também dos processamentos anteriores. Tem sua origem no córtex
frontal (área pré-frontal) e são funções extremamente necessárias para
um comportamento eficaz e apropriado. Envolvem a capacidade de
iniciar uma determinada tarefa; o planejamento de ações ou mesmo
de discursos relacionando-os com o contexto; o levantamento de
hipóteses; a flexibilidade de pensamento; tomada de decisões; auto-
regulações; julgamento de si mesmo (auto-crítica e análise contextual)
e a utilização de feedback.
Cabe ao profissional de saúde e educação que atua com
a aprendizagem conhecer, avaliar e intervir no funcionamento
cognitivo da criança, adolescente ou adulto de forma a favorecer um
funcionamento que permita a aquisição de novos conceitos e
significados de forma flexível e organizada permitindo ao sujeito
adquirir assim autonomia no seu processo de elaboração mental e
aprendizagem.

Bibliografia

1. OCDE (Organização de cooperação e desenvolvimento econômicos).


Compreendendo o Cérebro: Rumo a uma nova ciência do aprendizado.
Editora Senac. São Paulo. 2003.
2. Camargo, N.; Smit, AB; Verheijen, MH. SREBPs: SREBP function in glia-neuron
interactions. The FEBS journal. 276 (3), 628-36. Feb. 2009.
3. Lathia JD, Mattson MP, Cheng A. Notch: from neural development to
neurological disorders. J Neurochem. 2008 Dec;107(6):1471-81.
4. Tsui H, Winer S, Chan Y, Truong D, Tang L, Yantha J, Paltser G, Dosch HM.
Islet glia, neurons, and beta cells. Ann N Y Acad Sci. 2008 Dec;1150:32-42.

Pantano & Zorzi 21


5. Yerushalmi U, Teicher M. Evolving synaptic plasticity with an evolutionary
cellular development model. Pos One;3(11):3697. Epub 2008 Nov 11.
6. Mora, F. Como funciona el cérebro? Alianza Editorial SA. Madrid. 2005.
7. Purves, D.; Augustine, GJ.; Fitzpatrick, D.; Katz, LC.; LaMantia, A-S;
McNamara, JO. The chemical senses. Sinauer Associates, Sunderland, EUA.
1996.
8. Buck, L.B. The Chemical senses: Smell and taste. 4a. ed, McGraw-Hill, Nova
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9. Mora, F. El cientifico curioso: la ciencia del cerebro en el dia a dia. Ediciones
temas de Hoy, S.A. Barcelona. 2008.
10. Xavier, 1993. Xavier, G. F. (1993). A modularidade da memória e o sistema
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11. Baddeley, Alan. Memória humana: teoria Y Practica. McGraw-Hill. Madrid.
Espanha. 1998.
12. Xavier, G. F. (1996). Memória: correlatos anatomo-funcionais. Em R. Nitrini,
P. Caramelli & L. L. Mansur (Orgs.), Neuropsicologia, das bases anatômicas à
reabilitação (pp. 107-126). São Paulo: Clínica Neurológica Hospital de Clínicas
FMUSP.

22 Neurociências
Capítulo 2
Atenção e Memória

Telma Pantano e Vicente José Assencio-Ferreira

O processo de aprendizagem necessariamente envolve


compreensão, assimilação (memória), atribuição de significado e
estabelecimento de relações entre o conteúdo a ser apreendido e os
conteúdos a ele relacionados e já armazenados. Nessa visão cognitiva,
a aprendizagem é um processamento resultante de processos
cognitivos que envolvem sensação, percepção, atenção e memórias
(operacional e de longo prazo).
Uma vez que a atenção e as memórias são processos
anteriores aos de aprendizagem, o profissional de saúde e educação que
se ocupe da aprendizagem deve conhecer profundamente e saber avaliar
tais processos para realizar uma avaliação bem estruturada e elaborada.
Assim, conhecimentos básicos sobre a neuroanatomia e
neurofisiologia da atenção e memória, permitem uma melhor
compreensão dos achados teóricos que os neurocientistas nos oferecem
todo dia. Apesar de ser matéria em franco desenvolvimento, suas as
bases anatomofisiológicas já estão bastante sistematizadas.
Neste capítulo, os aspectos relacionados à atenção e à
memória serão abordados separadamente apenas como uma divisão
didática, uma vez que ambos estão intimamente imbricados no
decorrer do processamento cognitivo.

Neuroanatomotofisiologia da Atenção
Para que o sistema nervoso estabeleça a função atenção, é
necessário o trabalho/envolvimento de grandes áreas corticais e
subcorticais. Através de exames funcionais é possível perceber que o
desenvolvimento da atenção determina o aumento de impulsos
elétricos de neurônios localizados em várias áreas do encéfalo.
Quando um animal presta atenção em um estímulo, os
neurônios do córtex frontal e do colículo superior (ponto de passagem

Pantano & Zorzi 23


de estímulos visuais) aumentam sua atividade nervosa. As células do
córtex parietal relacionadas ao processamento visual (percepção da
cor, forma e detalhes finos) também respondem mais fortemente. Isto
sugere que a atenção acentua o processamento sensorial como um
todo, o que facilita o movimento planejado para uma provável/possível
resposta. De uma forma simplista podemos afirmar que os elementos
corticais participantes do controle atencional envolvem o lobo parietal
posterior, a área pré-motora e o córtex pré-frontal. De um lado o lobo
frontal detecta o alvo e prepara a adequada resposta, enquanto o lobo
parietal orienta a atenção.
Uma outra abordagem, com visão integrativa propõe um
sistema que inclui, também, participação co córtex intraparietal e
frontal superior, o qual está envolvido no controle da seleção dos
estímulos e respostas, relacionando-se com a rede neural temporo-
parietal-frontal inferior, especializada na detecção de estímulos
comportamentalmente relevantes.
Quanto as áreas subcorticais são evidentes as participações
do tálamo, área cingulada e formação reticular do tronco encefálico.
A formação reticular situado no tronco encefálico é
constituído por grupos mais ou menos bem definidos de neurônios,
que promovem o controle eferente da sensibilidade, selecionando
informações sensoriais que lhe chegam, eliminando ou diminuindo
algumas e concentrando-se em outras, promovendo a atenção seletiva.
Depende da ativação do córtex frontal anterior que determina o que
deve ou não deve “passar” para o córtex, funcionando como um filtro.
É o denominado filtro atencional em que estímulos seriam selecionados
com base em características físicas pré-estabelecidas pelo córtex frontal
anterior. Estímulos filtrados não teriam prioridade de acesso aos
sistemas corticais de processamento, a não ser que eventos inesperados,
surpreendentes ou incongruentes no ambiente, “furem o bloqueio” e
sejam prontamente, de forma quase inevitável, elevados à categoria
de foco de atenção.
Existe, portanto, um selecionador ou um processamento
pré-atencional antes que a informação se torne consciente e estabeleça
uma resposta específica.
Na Figura 1 estão esquematizados os sistemas de “filtros”
que os estímulos têm que percorrer para desenvolverem ou não a
atenção e serem processados.

24 Neurociências
Filtro
Pré
filtragem Pós filtragem

Entrada de informação

Estímulos selecionados
A. Filtro Simples

B. Filtro Atenuador

C. Filtro Amplificador
Figura 1. Modelo representativo de filtros seletivos de informações.
(A) com filtro simples, que impede a passagem de informações não
selecionadas e deixa apenas os estímulos selecionados alcançarem
níveis superiores de processamento. (B) com filtro atenuador, que
restringe, mas não impede a passagem de informações não
selecionadas. Dessa forma permite que as informações selecionadas
chegem com maior intensidade relativa nos sistemas de processamento
e (C) com filtro amplificador, em que as informações selecionadas
têm sua atividade amplificada pelo filtro1,2,3,4,5.

Neuroanatomofisiologia da Memória
Na contextualização da memória a participação de
estruturas encefálicas subcorticais é marcante, em especial as
relacionadas com o Sistema Límbico. Sabe-se que este mesmo sistema
participa intimimamente com os processos emocionais, em conjunto
com o Hipotálamo e a área Pré-Frontal. Falar de memória nos obriga
a falar das atividades relacionadas à emoção, pois as bases dos impulsos
da motivação, principalmente a motivação para o processo de
aprendizagem, bem como as sensações de prazer ou punição, são

Pantano & Zorzi 25


realizadas em grande parte pelas regiões basais do cérebro, as quais, em
conjunto, são derivadas do Sistema Límbico. Na Figura 2 estão citadas
as áreas corticais e subcorticais que se conectam com o sistema límbico.

Córtex pré-frontal

Corpo Caloso

Tálamo

Hipotálamo

Lobo Temporal

Amígdala

Hipocampo Cerebelo
(vermis)

Figura 2. Esquema representativo das estruturas corticais e


subcorticais que se conectam com o sistema límbico (Tálamo,
hipotálamo, Amígdala e Hipocampo).

A memória de curto prazo permanece no córtex cerebral,


mas a retenção da mesma como memória de longo prazo, promove o
deslocamento dos estímulos para áreas encefálicas mais profundas,
sumarizadas na Figura 3.
Enquanto permanece no córtex, a informação arquivada
temporariamente, sofre ação de dois sistemas de suporte: um de
natureza vísuo-espacial e outro de natureza fonológica. Posteriormente,
para lidar com as associações entre as informações mantidas nos
sistemae de suporte e promover as integração com as memórias de
longa duração é necessário tornar-se consciente (ou seja, cortical) as
memórias de longa duração. Assim, Baddeley 7 estruturou outro

26 Neurociências
Figura 3. Esquema de localização dos sistemas de memória de longa
duração (adaptado de Squire & Knowlton6)

elemento no modelo de memória de curto prazo, em que existe a


participação de estruturas subcorticais, primariamente, inconscientes.
A atenção é um processo neural que se expressa no
comportamento dos indivíduos8 e é observada pela capacidade de
filtrar informações em diferentes pontos do processo perceptivo. A
atenção faz com que haja a percepção de alguns estímulos e a
negligência de outros dentro do processamento cognitivo.
De todos os estímulos perceptivos que invadem o nosso
córtex, a atenção atua como um mecanismo que escolhe os estímulos
relevantes para serem processados enquanto os demais são atenuados
ou não processados9,10. São características do processo atencional a
possibilidade de controle voluntário sobre ele, bem como a sua
capacidade limitada. Assim, pode-se escolher os estímulos a receberem
seleção atencional; da mesma forma, não é possível ter mais de um foco
atencional em um processamento cognitivo complexo ao mesmo tempo.
Com relação à origem do processo atencional, a atenção
pode ser classificada como automática e voluntária ou controlada8,11,12.
A atenção automática não tem o controle voluntário e é destinada a
estímulos salientes sensorialmente ou relevantes biologicamente, ou
seja, estímulos súbitos, intensos, em movimento, contrastantes com o
fundo (exemplo: parede versus animal) e significativos em um dado
contexto (ex.: alguém chamando o seu nome numa festa).

Pantano & Zorzi 27


Já a atenção voluntária pode ser dirigida a motivações
fisiológicas como dor de barriga, fome e sede, assim como a motivações
sociais como sugestões verbais e a procura na internet de um
determinado tema.
A atenção voluntária pode ser operacionalizada de acordo
com algumas características8,12:
• Seletiva: privilegiar determinados estímulos em detrimento de outros
– mecanismo atencional básico;
• Sustentada: manter atenção em um estímulo durante um
determinado tempo;
• Alternada: alternar o foco atencional – desengajar-se de um estímulo
e engajar-se em outro;
• Dividida: desempenhar simultaneamente duas tarefas – um estímulo
torna-se um processamento automático e o outro, um processamento
controlado.
Por sua vez, os focos atencionais podem estar relacionados
a estímulos sensoriais, memórias, pensamentos, recordações e a
execução de cálculos mentais. A atenção está diretamente relacionada
ao contexto em que o indivíduo está inserido, às características dos
estímulos, expectativas individuais, motivação, relevância da tarefa
desempenhada e experiências anteriores13,14.
Pode-se avaliar o funcionamento da atenção através de
exames de ressonância magnética funcional, em que é possível verificar
as estruturas cerebrais envolvidas nos diferentes tipos de informação
sensorial, bem como através de testes atencionais como o stroop 23
(Figura 4), escuta dicótica, testes de performance contínua e o digit
spam, entre outros.

Figura 4. O Canadá está utilizando o efeito Stroop nas estradas para


chamar a atenção dos motoristas, pois eles não costumam prestar muita
atenção nas placas convencionais.

28 Neurociências
A maior parte das alterações atencionais são resultantes de
quadros lesionais e disfuncionais orgânicos e podem sofrer alterações
de intensidade, sendo consideradas: alterações simples, brandas,
oscilatórias e flutuantes. As alterações relacionadas aos aspectos
quantitativos de atenção são classificadas como distração,
hiperprosexia, hipoprosexia e aprosexia8,15,25.
Distração ou distraibilidade é a dificuldade para concentrar
a atenção sobre um estímulo contextualmente mais significativo. Pode
ocorrer por excesso de concentrção como em pessoas ansiosas, ou
pessoas com interesse por estímulos exclusivos (pensamentos,
sensações e percepções). Em situações de hipervigilância, como por
exemplo em situações focos emocionais: filme de terror, terror
noturno, condições paranóides, quadros fóbicos e uso de cocaína e
estimulantes, há a flutuação da atenção com qualquer estímulo do
ambiente. Nesses casos há um aumento da atenção voluntária e uma
queda da atenção espontânea.
A hiperprosexia relaciona-se ao aumento quantitativo da
atenção e, conseqüentemente, à diminuição dos aspectos qualitativos
da mesma. Nesse caso, o indivíduo interessa-se pelas mais variadas
solicitações sensoriais sem se fixar em um objeto específico, ou seja,
sem produzir processamentos mais complexos aos estímulos que
recebem a atenção. Tal quadro envolve estados patológicos que
envolvem excitação psicomotora, tais como episódios maníacos,
transtorno hipercinético da infância, intoxicações por cocaína ou
estimulantes.
Por sua vez, a hipoprosexia envolve o enfraquecimento
acentuado da atenção tanto automática quanto voluntária. Relaciona-
se a quadros como transtornos depressivos, embriaguez alcóolica
aguda e embriaguez patológica, autismo, demências, paralisias,
esquizofrenia, transtorno cognitivo leve, epilepsia, paralisia geral e
deficiências mentais.
Por último, a aprosexia representa ausência total de atenção
por mais intensos que sejam os estímulos. É observada em quadros
de acentuada deficiência mental, distúrbios metabólicos e tóxicos,
traumas cranioencefálicos (TCEs) subcorticais, inibição cortical e
estados demenciais graves.
Em função de memórias previamente armazenadas, o
córtex cerebral sabe quais estímulos devem ser selecionados em
detrimento de outros. Atenção e memória formam, assim, uma via de
mão dupla em que um é dependente do outro para a seleção dos
estímulos e para o seu armazenamento.

Pantano & Zorzi 29


A memória é uma atividade eletrofisiológica que possui a
função de permitir o registro, manutenção e evocação de fatos já
acontecidos 8 . É modulada por fenômenos psíquicos como:
consciência, atenção e concentração, interesse, emoção,
sensopercepção, repetição e associação dos estímulos a serem
percebidos.
De acordo com Nogueira15, os dados de memória podem
ser armazenados de forma isolada (dados vazios e aleatórios – número
de telefone), relacionados (uma relação simples com um objeto ou
pessoa – nomes próprios) e de forma integrada (relacionam-se com
uma série de significados)15. Os dados armazenados de forma integrada
são considerados numa postura cognitiva como a aprendizagem
propriamente dita. Toda memória possui as fases de fixação, retenção
e evocação dos estímulos.
O processo de fixação depende de vários fatores, tais como
nível de consciência do indivíduo, estado geral do organismo (nutrição,
cansaço, calma), atenção global, capacidade de manutenção da atenção
sustentada, interesse e conteúdo emocional que o indivíduo atribui
ao estímulo, assim como de seu conhecimento prévio, da capacidade
de compreensão do conteúdo e dos canais senso-perceptivos
envolvidos. O tempo de fixação é limitado pelo grau de importância e
pelo tipo de utilização que faremos de cada evento registrado. A
capacidade de fixação pode ser trabalhada, treinada e,
consequentemente, melhorada.
A conservação depende da repetição e utilização dos
estímulos e da sua associação com outros elementos é, portanto, um
processo dinâmico e integrativo com as memórias já armazenadas pelo
indivíduo. A evocação é a reprodução dos dados fixados15. Problemas
no resgate (evocação) da informação podem estar relacionados a falhas
nos processos de fixação e conservação, mecanismos fisiológicos
relacionados ao desinteresse ou desuso, lesões, quadros demenciais e
emocionais.
O material evocado nunca é o mesmo que o fixado, uma
vez que sofreu alterações decorrentes do processo de conservação em
que são atribuídas características pessoais aos elementos armazenados.
Fazemos muito mais fixação do que evocação uma vez que nem toda
material preparado para armazenamento é conservado e
posteriormente evocado.
As memórias podem receber diferentes classificações
como, por exemplo, serclassificadas conforme as percepções e
capacidades funcionais, sendo consideradas memórias visual,

30 Neurociências
espacial, gustativa, olfativa, tátil, proprioceptiva, aritmética ou
musical 15,16.
Fisiologicamente, de acordo com o tempo de
armazenamento, a memória pode ser dividida em operacional, que
funciona através de estímulos bioquímicos, e a longo prazo, cuja
consolidação se dá através de reorganização neuronal e de
“brotamento” neuronal17.
A memória operacional é um conjunto de habilidades
cognitivas que permite que informações novas e antigas sejam
mantidas ativas (on-line) a fim de serem manipuladas com o objetivo
de realizar determinada tarefa18. O material armazenado na memória
operacional deve ser utilizado imediatamente para não ser
transformado ou descartado. É uma das principais memórias
relacionadas à produção e compreensão da linguagem, aprendizagem,
funções executivas e raciocínio. Envolve principalmente o
funcionamento do córtex pré-frontal22,24.
Por serem estruturadas de forma mais estável (através de
brotamento neuronal ou reorganização dendrítica, como já explicado),
as memórias a longo prazo podem receber várias classificações. A mais
utilizada relaciona-se ao tipo de informação armazenada. De acordo
com essa proposta de classificação, tais memórias podem ser divididas
em explícitas (semântica, autobiográfica, episódica), que podem ser
reproduzidas por meio de linguagem, e implícitas, que não podem ser
expressas de forma lingüística12,16,19,20.
As memórias implícitas são utilizadas em habilidades
motoras, perceptivas, aprendizado de regras e procedimentos. Estão
relacionadas ao sistema sensorial e/ou motor envolvido no processo de
aprendizado de regras (exemplo: regras gramaticais, conjugação verbal
em língua estrangeira). São memórias não declarantes mais relacionadas
a habilidades e estratégias motoras, sofrendo pouco prejuízo em quadros
de demência. Porém, em quadros degenarativos como a doença de
Huntington, o seu comprometimento é bastante evidente.
A memória explícita envolve o processo de registrar e
evocar de forma consciente informações relacionadas a pessoas, eventos
e conhecimentos factuais. Depende das regiões mesiais dos lobos
parietais. Os processos patológicos envolvidos no prejuízo dessa
memória são a síndrome de Wernicke-Korsakoff e lesões no lobo
temporal que envolvam o hipocampo. Nesses casos, há perda de
capacidade de fixar e lembrar eventos ocorridos há mais de alguns
minutos, incluindo eventos marcantes e traumáticos11. A memória
explícita divide-se em semântica, autobiográfica e episódica.

Pantano & Zorzi 31


As falhas e/ou lapsos de memória comumente observados
em pessoas jovens parecem estar relacionados com a avalanche de
informações do mundo moderno, o que provocaria uma assimilação
superficial dos conteúdos e conseqüentemente pouca retenção devido
a falhas na etapa de fixação. As principais causas desses quadros são
usualmente atribuídas a pouca concentração, estresse (uma vez que o
excesso de cortisol provoca uma “atrofia” do hipocampo), ansiedade,
depressão e o uso contínuo e excessivo de drogas, álcool, maconha e
calmantes.
Em relação às alterações quantitativas da memória, pode-se
citar a hipermnésia, que envolve a recordação em quantidade aumentada,
porém com redução dos aspectos qualitativos, como nos casos de
transtornos orgânicos gerais, excitação maníaca ou hipomaníaca,
epilepsia, sonhos, hipnose, situações limites de risco (sofrimento ou
morte iminente), manifestações tóxicas por cocaína ou anfetamina e o
início de certas evoluções demenciais. Na hipermnésia as capacidades
de fixação e conservação encontram-se diminuídas e está associada a
situações de aceleração do ritmo psíquico.
A amnésia é a perda da capacidade de fixar, armazenar ou
evocar conteúdos. De acordo com Nogueira15 pode afetar conteúdos
específicos ou sistematizados (nomes próprios, palavras, fatos, pessoas
ou números); tempo (inespecíficas ou localizadas) 15. As amnésias
podem também ser classificadas como psicogênicas (perda de lementos
focais com valor psicológico) ou orgânicas (menos seletiva em relação
ao conteúdo esquecido), ou então, conforme a relação temporal com
um evento específico, como anterógradas (depois da causa
determinante ou do distúrbio) ou retrógradas (antes da causa
determinante).
A amnésia pode ser reversível ou irreversível 12 . É
comumente observada em casos de transtornos psicogênicos como
amnésia dissociativa, psicoses agudas e em caso de transtornos
orgânicos como as demências orgânicas, Alzheimer, síndrome de
Korsakov, epilesia, alcoolismo, uso de benzodiazepínicos e anestesias
gerais, traumatismos cranianos e retardo mental.
Quanto aos aspectos qualitativos da memória, as principais
alterações relacionam-se às paramnésias que são deformações do
processo de evocação de conteúdos previamente fixados com distorções
que incluem acréscimos de detalhes, significados ou emoções falsas
aos fatos. São observados em transtornos orgânicos como a
esquizofrenia paranóide, síndorme maníaca e histeria grave,
transtornos de personalidade e transtornos mentais orgânicos como a

32 Neurociências
síndorme de Korsakov, Alzheimer21, alcoolismo, epilepsia e retardo
mental de grau moderado.
Outra alteração qualitativa é denominada memória
enxertada, que se caracteriza pelo acréscimo de informações falsas a
um núcleo verdadeiro de informações. Outras alterações possíveis são
os delírios e alucinações mnêmicas, além das fabulações (nas quais
elementos da imaginação do paciente ou lembranças isoladas
completam lacunas da memória, comuns em encefalites, intoxicações
e alcoolismo crônico).
Os quadros patológicos mais freqüentemente relacionados
a alterações de memória são a criptomnésia (falseamentos de memória
nos quais as lembranças aparecem como novas recordações); lembranças
obsessivas; agnosias (falsos reconhecimentos); quadros demenciais
(exemplo: mal de Alzheimer); traumatismos crânio-encefálicos; acidentes
vasculares cerebrais; epilepsias; hipóxia e encefalites.
Nogueira (2005) 14 apresenta um esquema bastante
simplificado sobre as alterações de memória (Quadro 1).

Quadro 1. Possibilidades diagnósticas das alterações da memória


quantitativas e qualitativas14.

Todas essas alterações de memória assim como de atenção


podem ter repercussões importantes para a aprendizagem, elaboração
e compreensão de linguagem. Cabe então aos profissionais que
trabalham com essas alterações investigá-las e conhecê-las em
profundidade para que o seu trabalho possa se tornar cada vez mais
efetivo e completo.

Pantano & Zorzi 33


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Pantano & Zorzi 35


36 Neurociências
Capítulo 3
Crescimento, Desenvolvimento e
Envelhecimento do Sistema Nervoso

Rubens Wajnsztejn e Rudá Alessi

Introdução

O desenvolvimento humano consiste em interagir sobre a


realidade, perceber e significar o mundo que nos rodeia, transformar,
ou seja, responder a essas informações da maneira que a
compreendemos e interiorizar aquilo que nos foi significativo em
termos de aprendizagem. O Sistema Nervoso, desenvolvido mais
recentemente na escala filogenética, é o elemento que permite ao
homem a modulação de seu comportamento para sobrevivência e
adaptação ao meio ambiente. Em outras palavras, através do sistema
nervoso os indivíduos aprendem a otimizar recursos para viver bem.
Os cinco primeiros anos na espécie humana são cruciais
para seu desenvolvimento. É a fase em que nosso encéfalo sai dos 400
gramas do nascimento para chegar perto de 1,5 quilo da idade adulta.
A diferença de tamanho é explicada pelas conexões que vão
acontecendo nos cinco primeiros anos entre os neurônios das crianças,
formando uma rede de informações que fundamenta o que chamamos
de inteligência.
O desempenho do sistema nervoso humano está de tal
modo relacionado à cultura, consciência, linguagem, memória, que o
distingue dos outros animais. Este é um problema que discutiremos
neste capítulo, na tentativa de entender o sistema nervoso através de
sua intelectualização. É de suma importância, também, entender a
própria evolução do cérebro humano através de sua neurogênese, já
que desta resultará a base anatômica para o seu desenvolvimento, desde
a infância, passando pela adolescência e chegando à vida adulta. Assim
sendo abordaremos, num primeiro tempo, a organogênese do sistema
nervoso, suas correlações e implicações.

Pantano & Zorzi 37


Diferenciação e especialização celular

Durante o período embrionário inicia-se a cadeia de


processos que vai culminar no que conhecemos como diferenciação e
especialização celular. No caso das células nervosas, este processo
implica na capacidade de sintetizar neurotransmissores e enzimas,
desenvolver receptores protéicos e formar conexões específicas com
outras células na sua periferia e à distância.
Resumidamente, podemos dizer que a seqüência de
eventos que levam uma célula indiferenciada a se transformar em
um neurônio inclui a determinação (“separação” de um grupo de
células que vai se expressar geneticamente como neurônios e sua
disposição em regiões específicas do embrião), diferenciação (engloba
a proliferação e formação de neurônios de certa linha, sua migração
para os locais adequados e desenvolvimento de suas interconexões
específicas). Estes dois processos são determinados pela interação
balanceada da expressão genética intrínseca das células e fatores
presentes no microambiente embrionário, sendo que cada evento
ocorrido desencadeia uma seqüência de outros eventos, e assim
sucessivamente, numa cadeia interdependente. O último estágio
deste processo, a formação de interconexões entre os neurônios,
inicia-se no período embrionário, porém só vai se completar na fase
pós-embrionária, através da influência adequada de fatores
ambientais.

Embriologia

O sistema nervoso dos vertebrados desenvolve-se a partir


do ectoderma, camada mais externa dos três folhetos embrionários.
O ectoderma se espessa dando origem à placa neural, a qual se invagina
para formar uma estrutura tubular, denominada de tubo neural. Este
evento ocorre entre a terceira e a quarta semana de idade gestacional,
onde sinais provenientes do mesoderma subjacente (notocorda)
induzem a formação da placa neural, fato este, descoberto em 1924
por Hans Spemann e Hilde Mangold apud Jessel e Sanes, 2000a31.
Assim, o mesoderma libera substâncias químicas específicas para o
ectoderma, as quais influenciarão na expressão gênica das células
ectodermais, cruciais para a formação do tubo neural.
Dentre essas substâncias temos o ácido retinóico, um
derivado da vitamina A e um dos membros da família dos esteróides,
o qual ativa uma classe de fatores de transcrição – os receptores

38 Neurociências
retinóicos – que modulam a expressão de genes particulares. Uma
outra classe de indutores é conhecida como fatores tróficos, dentre
eles, podemos citar o fator de crescimento fibroblástico (fibroblast
growth factor – FGF) e a família dos fatores de crescimento
transformantes (transforming growth factor – TGF)1.
Quando da formação do tubo neural, as duas semanas
subseqüentes, ou seja, quinta e sexta semana de idade gestacional
serão marcadas pela indução das vesículas encefálicas, as quais se
diferenciarão, morfologicamente, em todas as estruturas encefálicas
(Figura 1). Temos, assim, as três vesículas encefálicas primárias
compostas pelo prosencéfalo (encéfalo anterior), mesencéfalo
(encéfalo médio) e o rombencéfalo (encéfalo posterior). Como
conseqüência do desenvolvimento embrionário, o prosencéfalo
originará duas vesículas secundárias: o telencéfalo ou cérebro
propriamente dito, e o diencéfalo; o mesenséfalo não se modifica e o
rombencéfalo originará duas outras vesículas secundárias: o
metencéfalo, o qual se tornará cerebelo e ponte, e o mielencéfalo, o
qual se tornará bulbo43.
Durante todo este processo, a luz do tubo neural se
encontra repleta de líquido cerebrospinal e constituirá o sistema
ventricular, composto pelos ventrículos laterais direito e esquerdo,
terceiro e quarto ventrículos e os forames interventriculares que
conectam os ventrículos laterais ao terceiro ventrículo e o aqueduto
mesencefálico que une o terceiro ao quarto ventrículo1.

Constituição do Sistema Nervoso

Os hemisférios cerebrais são incompletamente separados,


sendo principalmente unidos pelo corpo caloso. Cada hemisfério
possui quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital.
A camada superficial do encéfalo apresenta depressões
denominadas sulcos, que delimitam os giros ou circunvoluções
cerebrais e permite considerável aumento de superfície do chamado
córtex cerebral, onde serão processadas as informações mais
complexas. O padrão de giros e sulcos varia em cada cérebro, podendo
ser diferente nos dois hemisférios de um mesmo indivíduo. Os dois
sulcos mais importantes são o lateral e o central. O sulco lateral separa
o lobo temporal, situado abaixo dos lobos frontal e parietal situados
acima. O sulco central está localizado no lobo parietal, ladeado por
dois giros paralelos, um anterior, o giro pré-central e outro posterior,
giro pós-central.

Pantano & Zorzi 39


O córtex cerebral é a fina camada de substância cinzenta
(corpo celular de neurônios) que reveste o centro branco (área de
projeção das terminações nervosas) do encéfalo. No córtex cerebral
chegam impulsos provenientes de todas as vias da sensibilidade
inclusive formação reticular) que aí se tornam conscientes e são
interpretadas. Do córtex saem impulsos nervosos que iniciam e
comandam os movimentos voluntários e com ele estão relacionados
os fenômenos psíquicos. O córtex cerebral, durante o desenvolvimento
filogenético, sofreu um aumento progressivo atingindo seu maior
desenvolvimento na espécie humana, o que pode ser correlacionado
com o grande desenvolvimento das funções intelectuais nesta espécie.
Assim, ele está correlacionado com o desenvolvimento das funções
nervosas superiores43. Sua superfície se tornou, relativamente, maior
que o seu volume, uma condição que explica o aparecimento de sulcos
e giros, necessários para acomodar o crescimento do cérebro dentro
do crânio 10. No período da adolescência observamos um grande
aumento de circuitos cerebrais, com várias interconexões se formando,
utilizando-se das informações básicas adquiridas durante os primeiros
anos de vida, como descreveremos a seguir.

A Especialização do Sistema Nervoso

Nos recém-nascidos, o cérebro é um órgão de grande


plasticidade. Seus dois hemisférios, o esquerdo e o direito, ainda não
estão completamente especializados. Isso só acontecerá entre os cinco
e dez anos de idade. Dentro de cada hemisfério, não se conectaram as
terminações nervosas responsáveis por dons elementares, como a fala,
a visão, o tato ou tão refinados quanto raciocínio matemático,
pensamento lógico ou musical.
Para se desenvolver, o cérebro precisa de ginástica. Basta
dizer que cada pessoa pode realizar de 3 a 150.000 conexões neurais.
O pico acontece por volta dos dois anos de idade (vide abaixo),
havendo uma perda gradual com o passar do tempo. São muitas
conexões, e melhores também. Isso porque, nessa fase, entre outras
coisas, o organismo produz mielina – substância que envolve os
neurônios, cuja finalidade é aumentar a velocidade e lisura durante
a transmissão de informações. Só que essa produção termina na
terceira década de vida. É por isso que, apesar de o adulto possuir
neurônios e, conseqüentemente, ser capaz de aprender uma língua
estrangeira ou um esporte novo, o tempo necessário é habitualmente
maior.

40 Neurociências
Mielinização

Concomitantemente aos processos de migração e


organização cortical está ocorrendo a mielogênese 47. A bainha de
mielina é um complexo lipoprotéico, caracterizado pela superposição
de várias membranas celulares que revestem o axônio ao longo de seu
comprimento, deixando pequenos intervalos denominados de nódulos
de Ranvier. No SNC está bainha é formada pelo oligodendrócito, o
qual pode envolver, aproximadamente, 15 axônios de uma só vez. A
proporção entre as células do tecido nervoso é de aproximadamente
10 células da glia para cada neurônio33.
O pico de mielinização ocorre de 24 semanas de vida intra-
uterina ao nascimento e do nascimento até, aproximadamente, 24
meses de vida pós-natal47. Entre o sexto e o décimo-oitavo mês de
vida pós-natal a substância branca é, proporcionalmente, de menor
volume em relação ao córtex mais maduro. O crescimento da
substância branca continua por um período longo até o fim da primeira
década, tendo a substância cinzenta já adquirida proporções adultas7.

Sinaptogênese

O mecanismo de formação de sinapses entre as células


nervosas é um mecanismo altamente complexo, pois exige que um número
imenso de células “encontre” seus alvos adequados a fim de formar os
diferentes tratos e regiões cerebrais, para constituir finalmente todo o
sistema nervoso central e periférico. É um processo delicado e de alta
precisão, cujos fenômenos ainda não são completamente compreendidos.
De maneira simplificada, podemos entender que um grupo de células
nervosas “sabe” qual o seu destino através do reconhecimento de
marcadores moleculares presentes em sua constituição que devem “casar-
se” com os do local alvo. Através da completa combinação de marcadores,
como uma “senha” estabelece-se a conexão entre as células. Além disso,
os axônios também devem ser guiados, por mecanismos semelhantes, a
seus alvos, que também serão reconhecidos através de marcadores
químicos. Após o estabelecimento inicial destas conexões, ocorrem
modificações adicionais levando à moldagem da massa de células, com
aumento da diferenciação, retirada da população excedente (em geral
por privação de fatores de crescimento e nutricionais) e remodelação das
sinapses. Finalmente, haverá um ajuste mais fino, sendo que neste último
e mais sofisticado processo o aprendizado passa a ter um papel crucial.
Todas estas etapas de interação celular são altamente complexas e, portanto,

Pantano & Zorzi 41


são etapas críticas para um correto desenvolvimento de toda a futura
rede neuronal. Erros de migração celular levam a uma série de outras
aberrações no processo, que culminam com as chamadas malformações
congênitas acometendo o sistema nervoso, muitas vezes induzidas, por
exemplo, pelo uso de drogas durante o período crítico de diferenciação
celular (primeiro trimestre da gestação)51.
Para que o neurônio seja capaz de realizar uma sinapse, torna-
se mister, após a migração ou, em alguns casos, durante a migração,
estender seus prolongamentos, os quais se tornarão axônios e ou dendritos.
Após o processo de projeção do axônio, o qual é mediado por diversas
proteínas, ele se conectará com seus alvos, com o objetivo de estabelecer
um circuito responsável pela comunicação entre as diversas regiões do
SN e a comunicação do SN com os outros sistemas do organismo.
O contato estabelecido entre o neurônio e outras células
excitáveis (outros neurônios, músculos e glândulas) é denominado de
sinapse, conceito este estabelecido em 1887 por Charles Sherrington
apud Bear et al., 20018.
Parece difícil determinar quando uma sinapse surge e quando
o seu desenvolvimento está completo. Mas, uma vez formada, as junções
sinápticas são estruturas dinâmicas que podem, grosseiramente, ser
remodeladas até mesmo durante a vida adulta38.
As sinapses podem ser elétricas ou químicas. Nas
primeiras, a transmissão do impulso ocorre através de corrente elétrica,
esta se propaga de forma instantânea, ou seja, as membranas
plasmáticas dos neurônios pré e pós sinápticos entram em contato,
permitindo a passagem direta de pequenas moléculas, como íons. Estas
sinapses ocorrem, principalmente, entre um neurônio e outro (sinapse
interneural) e representam uma pequena quantidade nos seres
humanos, os quais têm, na sua grande maioria, sinapses químicas,
onde o contato que se estabelece entre os neurônios e as células efetoras
(sinapse neuro-efetora) só ocorre na dependência de um mediador
químico, denominado neurotransmissor11 ou neuromodulador42.
Durante o desenvolvimento dos contatos sinápticos tem-
se a especialização pós-sináptica com o alargamento da fenda sináptica
e a formação dos receptores. Na região pré-sináptica ocorre a formação
de vesículas, neurotransmissores e neuromoduladores47.
Com o decorrer da maturação do SNC, há um aumento
(no número e densidade dos receptores38, maturação dos componentes
pré-sinápticos e aumento do comprimento dendrítico47.
O período que compreende o mais alto nível de
sinaptogênese está entre o sétimo mês de gestação e dois anos de idade47.

42 Neurociências
Nutrição e desenvolvimento do sistema nervoso

A literatura é controversa quanto ao fator de maturação


mais importante, porém nos períodos gestacional e pós–natal precoce,
evidencia-se decisivamente o fator nutricional. Ocorre intenso
anabolismo e a matéria prima para os processos maturativos provém
do aporte nutricional2,3. Entretanto, a simples assimilação de nutrientes
não está ligada de modo direto ao desenvolvimento cerebral. A idéia
“alimente-se e seja inteligente” é uma compreensão simplória3. O aporte
nutritivo necessita atender à demanda variável do SN como um todo
e a das diferentes regiões encefálicas em particular, e a cada tempo do
período maturativo. A carência de um mesmo nutriente pode portanto
causar anormalidades diversas com diferente gravidade. Também
restrições até moderadas podem produzir lesões permanentes,
conforme o período evolutivo do SN, em que ocorra4-7. Em estudos
de experimentação animal existe descrição as alterações no sistema
nervoso jovem por carência nutricional – celularidade reduzida,
numérica e funcionalmente, diminuição da síntese de DNA, erros na
replicação, diferenciação neural alterada, redução do número de
sinapses por célula cortical, alteração na densidade neuronal e dos
seus circuitos, transtornos no desenvolvimento dos sistemas
neurotransmissores, ainda, modificação nas células de Bell do cérebro,
alterações na glia da córtex cerebral, redução da mielinogênese, e
também, alterações no metabolismo da glicose e do glutamato. Alguns
destes resultados são persistentes, outros revertem, se houver correção
alimentar. Verifica-se que ocorre acometimento em todas as fases do
neurodesenvolvimento, inclusive cruciais como proliferação, migração,
organização e mielinação. Há evidências de sucederem fatos
semelhantes no cerebelo humano. Sabe-se, portanto da possibilidade
do SN ser distorcido quanto a nobres funções, em decorrência de
déficit nutricional na fase de rápido desenvolvimento.

Morte celular programada

A morte celular programada (programmed cell death –


PCD) é um fenômeno que ocorre tanto no SNC, quanto no SNP,
resultando na perda de até metade de todos os neurônios gerados
inicialmente. Este processo de superprodução, seguido por drástica
redução no número de células é, comumente, descrito como um
fenômeno que ocorre após os axônios ter atingido seu alvo e o
estabelecimento das sinapses haver iniciado8,31. Acredita-se que este

Pantano & Zorzi 43


declínio no número de células seja um reflexo da competição entre os
diferentes axônios que inervam a mesma célula-alvo e por uma
regulação na quantidade limitada de fatores tróficos16.
No entanto, Rakic e Zecevic 48 , em pesquisando o
desenvolvimento do telencéfalo humano, postularam dois tipos de
PCD, uma no período embrionário, onde a PCD é sincrônica com a
proliferação e migração das células neurais e, provavelmente, não
estaria relacionada com a estabilização do circuito neuronal e a PCD
no período fetal, esta sim, coincide com a diferenciação e sinaptogênese
estando, pois, relacionada com o desenvolvimento das conexões dos
alvos axonais.
Todavia, a PCD de neurônios e células da glia é
geneticamente regulada e a maioria, se não todas as PCDs ocorrem
em forma de apoptose, estes dois termos são, comumente, usados
como sinônimos48. A apoptose é um tipo de PCD morfologicamente
caracterizada por retração celular, convoluções da membrana,
condensação da cromatina no núcleo, fragmentação do núcleo, porém
existe a integridade de organelas citoplasmáticas e da membrana,
ausência de reação inflamatória e os corpos apoptóticos são removidos
pela ação fagocitária dos macrófagos ou das células glias adjacentes40.
Mas, faz-se necessário saber que há outro tipo de morte celular na
qual a célula sofre necrose, onde há a ruptura da membrana celular e
liberação dos conteúdos intracelulares. A necrose é causada por insulto
ao SNC e se caracteriza por reação inflamatória 52, não sendo esta
característica de PCD no desenvolvimento normal do SN.

Desenvolvimento e crescimento

Sabemos que, para sobreviver, o animal interage com seu


meio ambiente a partir de comportamentos instintivos, considerados
inatos, isto é, geneticamente determinados para uma dada espécie. Esses
comportamentos por mais estereotipados que sejam, podem sofrer
alguma espécie de modificação de acordo com a pressão do meio
ambiente. A atividade de alimentação é um exemplo dessa condição:
programas pré-determinados geneticamente garantem a atividade
muscular relacionada à alimentação: uma seqüência de movimentos
encadeados que tem como resultado final o transporte do alimento ao
trato digestivo. Tal condição “pré-programada” pode ser alterada, pois
os padrões de alimentação podem ser variados de acordo com o tipo de
alimento, volume e densidade do alimento ingerido e a adaptação do
sistema nervoso desenvolve-se ao longo da vida27.

44 Neurociências
Para que o desenvolvimento e crescimento ocorram
adequadamente, sofrerão, ao longo do tempo, influências chamadas
de: hereditariedade, ambiente, maturação e aprendizagem.

Hereditariedade

O desenvolvimento e crescimento do ser humano


começam no momento da fecundação, e é a partir desse momento
que a hereditariedade começa a exercer sua influência, pois ela significa
a transmissão das características da espécie e, em particular, de certas
características individuais dos pais aos filhos. A hereditariedade é
transmitida pelos genes, que têm em seu interior um conjunto de
instruções ou programações para o desenvolvimento do indivíduo.
Tais instruções ou programações dependerão de vários fatores, sendo
o fator ambiental um deles.

Ambiente

É tido como a soma total de estímulos que atinge um


organismo vivo, de modo a traduzir o código genético determinado
no momento da concepção. O ambiente pode ser: intracelular (de
dentro da célula), intercelular (existe entre as várias células orgânicas),
intra-uterino (antes do nascimento) e pós-uterino (depois do
nascimento). Vimos desta forma, que o fator ambiental está presente
desde o momento da concepção.
Além da hereditariedade e ambiente, temos a maturação e
aprendizagem como indispensáveis ao desenvolvimento humano.

Maturação do Sistema Nervoso na adolescência

É definida como o desenvolvimento das estruturas


corporais neurofisiológicas, determinado pelas potencialidades inatas
e independentemente de experiência prévia, que poderá tanto
possibilitar quanto limitar o desenvolvimento do comportamento.
O indivíduo, ao nascer, não tem ainda condições de ter
suas células nervosas em funcionamento, e necessitará de dois
processos para que isto ocorra: a mielinização das fibras nervosas (já
descrito) e um meio ambiente que estimule adequadamente. Assim,
desde que a maturação das ligações nervosas esteja realizada, a
aprendizagem de uma função pode fazer-se facilmente; como a
motricidade e a inteligência desenvolvem-se por etapas sucessivas, é

Pantano & Zorzi 45


necessário que em cada estágio, o indivíduo receba as estimulações e
o tipo de ensino compatíveis com seu potencial cerebral. Temos então,
a partir de um certo estágio do desenvolvimento, o aumento da
importância do fator ambiental na expressão da maturação do sistema
nervoso, o que é fundamental na puberdade e adolescência. A
experiência e o aprendizado passarão a desempenhar um papel
fundamental para a integração das regiões cerebrais e mesmo para
promover alterações estruturais celulares. Nesse estágio, a plasticidade
assume o sentido e garante a especialização crescente.
Também nessa fase temos os chamados “períodos críticos”,
em que o indivíduo deverá ser exposto a determinados fatores
ambientais a fim de permitir o adequado desenvolvimento de suas
habilidades perceptuais, motoras, cognitivas e sociais. Vários
experimentos em recém-nascidos têm demonstrado a importância de
manter um nível de estimulação sensorial e motora, associado à
interação social adequada para permitir que o sistema nervoso complete
a sua maturação (Ex: recém-nascidos hospitalizados por longo tempo,
privados de contato físico e estimulação ambiental adequada,
apresentam desempenhos cognitivos e sociais bem abaixo do normal,
com atraso na aquisição da marcha, linguagem e sua interação com
outras crianças e adultos torna-se deficitária). Outro exemplo que
ilustra bem o papel da estimulação ambiental como determinante da
fase final de maturação do sistema nervoso pode ser inferido a partir
da seguinte observação: indivíduos com estrabismo congênito, não
sendo capaz de fixar os dois olhos no mesmo foco pela presença de
desvio em um deles, favorecem um dos olhos, e podem perder parte
da visão no olho não favorecido, por privação sensorial. O
reconhecimento deste fato permitiu que os oftalmologistas passassem
a intervir mais cedo, mesmo cirurgicamente, para a correção do
estrabismo, a fim de preservar a acuidade visual normal e permitir a
restauração da visão binocular.
A natureza pode moldar processos após o nascimento
também de outra maneira, mais claramente através da programação
genética, que determina seqüências inteiras do desenvolvimento
posterior. Arnold Gesell, 1925, empregou o termo maturação para
descrever esses padrões seqüenciais de mudanças geneticamente
programadas, e este termo ainda é utilizado uniformemente hoje em
dia. Mudanças no tamanho e na forma corporal, mudanças nos
hormônios na puberdade, mudanças nos músculos e ossos, e
mudanças no sistema nervoso, todas elas podem ser programadas desta
maneira. O Timing (o momento no tempo) das mudanças puberais

46 Neurociências
difere de um adolescente para outro, mas a seqüência básica é
essencialmente a mesma em todos os indivíduos. Tais seqüências, que
começam na concepção e continuam até a morte, são compartilhadas
por todos os membros da nossa espécie. As instruções para essas
seqüências são parte da informação hereditária específica que é
transmitida no momento da concepção.
A maioria dos comportamentos do ser humano é
aprendida, ou seja, são produtos da aprendizagem, excentuando-se
os reflexos que são automatismos inatos. Por isso, é de suma
importância que tomemos a aprendizagem como objeto de nosso
estudo.

A evolução da aprendizagem

A partir do nascimento, o indivíduo começa a apresentar


comportamentos que lhe dão condições de sobrevivência no novo
ambiente, que agora é diferente do que tinha no ambiente intra-
uterino. Estes comportamentos são assim chamados de condutas
reflexas, involuntárias e que surgem em função de estimulação
ambiental. Pouco a pouco, os reflexos começam a desaparecer, dando
lugar então, às condutas adquiridas. Para que estas condutas tenham
condições de serem adquiridas, serão necessárias as oportunidades.
O processo de aprendizagem terá início então, quando o
indivíduo, ao exercitar seu próprio reflexo, o generaliza, aplicando-o à
situação diversa. Por exemplo, o reflexo de sucção ao ser “exercitado”
pelo bebê, lhe permite dali um tempo, sugar o próprio dedo,
modificando uma conduta reflexa. A aprendizagem neste exemplo,
não teria condições de ocorrer, se não houvesse o que falamos
anteriormente, a maturação. Se a maturação nervosa não desse
condições ao recém-nascido fazer o movimento de levar o dedo à boca,
o comportamento não seria observado.
São muitas conhecidas as experiências de Pavlov, onde o
mecanismo de base da aprendizagem é o reflexo condicionado, mas
um reflexo não pode ser condicionado senão a partir de uma maturação
suficiente das funções nervosas.
Chauchard diz que “o homem nasce com o cérebro
inacabado e imaturo que não é rico senão de possibilidades: estas
possibilidades, o homem aprende a desenvolvê-las copiando o seu
ambiente”.
A um dado momento da evolução do indivíduo, a
aprendizagem deixa de ser tida como um condicionamento, para

Pantano & Zorzi 47


tornar-se ato intencional, pois é desta forma que se integra na
personalidade daquele que aprende.
Em sua forma pura, como Gesell descreveu, o
desenvolvimento maturacional determinado vai ocorrer independente
da prática ou treinamento. Mas mesmo os teóricos maturacionais
convictos concordam que a experiência tem algum efeito. Esses
padrões maturacionais poderosos, aparentemente automáticos,
requerem um mínimo de apoio ambiental, como uma dieta adequada
e oportunidade de movimentos e experimentação.
Experiências específicas também podem interagir
com padrões maturacionais de maneiras intrincadas. Por exemplo,
Greenough (1991), salienta o fato de que uma das proteínas
necessárias para o desenvolvimento do sistema visual é controlada
por um gene cuja ação só é desencadeada pela experiência visual.
Portanto, alguma experiência visual é necessária para que o
programa genético opere. No desenvolvimento normal,
evidentemente, todas as crianças (não-cegas) terão alguma
experiência visual. Mas exemplos como este afirmam que as
seqüências maturacionais não se “desdobram” automaticamente
apenas. O sistema parece estar “pronto” para se desenvolver em
determinados caminhos, mas é necessária a experiência para
desencadear o movimento.
O termo maturação não significa o mesmo exatamente que
crescimento. Crescimento se refere a um tipo de mudança passo – a –
passo em quantidade, como no tamanho, e pode ocorrer com ou sem
um processo maturacional subjacente. O termo crescimento é uma
descrição da mudança, enquanto o conceito maturação é uma
explicação da mudança.
Existe uma correlação entre o nível intelectual e a
organização cortical nervosa. A ontogênese das funções cognitivas é
esclarecedor neste ponto, passamos sucessivamente de estruturas (não
reversíveis) sensorio-motoras permitindo reflexos, uma coordenação
e uma adaptação intencional, a uma inteligência pré-operacional
simbólica (cujas estruturas são parcialmente reversíveis), e a uma
inteligência operacional concreta sustentada estruturalmente por
grupos, e por fim a uma inteligência operacional formal cuja estrutura
depende de redes neuronais dotadas de flexibilidade e plasticidade.
As capacidades intelectuais parecem, portanto, estarem
relacionadas à riqueza da rede dendrítica cortical, mas também, à
plasticidade dos contatos sinápticos, e isto sob a influência ativadora
ou moderadora das estruturas sub-corticais, e em particular da rede

48 Neurociências
difusa proveniente da substância reticular do tronco cerebral que
permite a ativação cortical.
A capacidade cognitiva será a exteriorização destes
mecanismos e os distúrbios destas faculdades se traduzirão por
distúrbios de aprendizagem, confusão mental, demência, delírios e
alucinações.
Vale a pena salientar que graças à capacidade plástica da
inteligência, ela se torna um “sistema flexível à mudança durante
toda a vida” através da qual podemos e devemos atuar para sua
otimização.

Processo de construção da inteligência

Piaget postula que a inteligência humana é sempre um


conjunto da maturação, da experiência física e social, e de um princípio
dinâmico dominante: a equilibração. A experiência dá origem a novas
estruturas mentais que ampliam a gama de experiência potencial da
criança, o que, por sua vez, origina novas estruturas mentais. De acordo
com sua teoria, pode-se verificar a diferença entre dois processos, já
citados, que são relacionados, mas muito diferentes conceitualmente:
desenvolvimento e aprendizagem. O desenvolvimento refere-se aos
mecanismos gerais do ato de pensar: pertence à inteligência em seu
mais amplo e completo sentido. Tudo quanto pode ser chamado
característico da inteligência humana vem à tona, principalmente,
através do processo de desenvolvimento, como que destacado do
processo de aprendizado. O aprendizado refere-se à aquisição de
habilidades e fatos específicos. Ainda segundo Piaget, a inteligência é o
recurso que o indivíduo utiliza quando não sabe o que fazer. O insight
é, sem dúvida alguma, comportamento inteligente. A aleatoriedade não
o é. A inteligência diz respeito ao processo de improvisação e
aprimoramento na escala temporal do pensamento e da razão, eis porque
conclui que “a maturação não é o único fator em jogo no desenvolvimento
[...] limita-se a abrir possibilidades, [...], mas é preciso atualizá-las”.
Apesar do grau de desenvolvimento suceder sempre na
mesma ordem, ele não corresponde a idades absolutas. A idéia central de
sua teoria é que a lógica de funcionamento mental da criança se desenvolve
gradativamente e qualitativamente diferente da lógica adulta. Sua
aceleração ou retardamento irá ocorrer de acordo com os diversos meios
sociais e a experiência adquirida. Assim, é preciso a escola reconhecer
que não se trata de algo que exclua do aluno a possibilidade de aprender
e sim, algo que lhe conduz a um modo particular de aprendizagem.

Pantano & Zorzi 49


As estruturas variam de acordo com o estágio de
desenvolvimento, que seguem a mesma seqüência em todos os
indivíduos, independente do grupo, lugar ou sociedade em que vivem.
Segundo Piaget, nenhum dos estágios, apresentados abaixo, pode ser
omitido ou saltado. Embora haja certo limite de idade para atingir
cada um dos estágios, pode haver alterações em torno do padrão
médio, dependendo de fatores genéticos e experiências específicas do
indivíduo. A psicogênese é universal, todos se desenvolvem
obedecendo este paradigma básico podendo ocorrer defasagens ou
alterações nas idades para cada estágio.
A construção do pensamento, de acordo com a sua teoria
epistemológica definida como estudo da aquisição, modificação e
desenvolvimento de idéias e capacidades abstratas sobre base de um
substrato herdado ou biológico distingue-se quatro principais estágios:

· Estagio sensório motor (do nascimento a dois anos)


Corresponde aos dois primeiros anos de vida, onde a
inteligência começa a ser construída, numa ampliação constante de
esquemas. É a fase do comportamento inteligente antes do
desenvolvimento da linguagem.
Durante este período, a criança organiza a informação
obtida através dos sentidos e desenvolve resposta aos estímulos
ambientais.
A aquisição mais importante deste estágio é o esquema do
objeto permanente, tido como básico para a construção das noções de
espaço, tempo e causalidade.
O estágio sensório-motor é composto de seis fases:
1ª fase: Exercício dos reflexos (do nascimento até um mês).
Nesta fase ainda não há consciência do “eu”, nem distinção
entre o “eu” e mundo exterior.
2ª fase: As primeiras adaptações adquiridas e a reação
circular primária (um a quatro meses).
Nesta fase o bebê começa a definir os limites do próprio corpo.
3ª fase: As reações circulares secundárias e os processos
destinados a fazer durar os espetáculos interessantes (quatro a oito meses).
Esta fase caracteriza-se pelo surgimento da coordenação
entre a preensão e a visão e pelo aparecimento da reação circular
secundária, que consiste em reencontrar os gestos que exerceram uma
ação interessante sobre os objetos. Exemplo: Se o pé do bebê bateu na
grade do móbile e balançou, e esse fato lhe agradou, ele vai repetir o
movimento do pé sobre a grade para reproduzir o mesmo espetáculo.

50 Neurociências
4ª fase: Coordenação dos esquemas secundários e sua
aplicação às novas situações (8 a 12 meses).
Nesta fase surgem as adaptações sensório-motoras
intencionais (coordenação intencional dos esquemas habituais),
simultaneamente com diferenciações entre meios e fins.
Ao entrar em contato com objetos novos, o bebê vai
explorá-los, procurando compreender a natureza dos mesmos.
5ª fase: A reação circular terciária e a descoberta de novos
meios por experimentação ativa (de 12 a 18 meses).
Nesta fase a criança age por “ensaio e erro” (tentativas).
A criança é capaz de resolver os novos problemas que
aparecem e descobrir meios para atingir os objetivos.
6ª fase: A invenção dos novos meios para combinação
mental (18 a 24 meses).
Fase caracterizada pelo momento de transição entre a
inteligência prática (sensório-motora) e a inteligência representativa,
quando começa a função simbólica.

· Estágio de pensamento pré-operatório (2 a 7 anos)


Durante este estágio a criança, além de utilizar a
inteligência prática, decorrente dos esquemas sensório-motores inicia
a capacidade de representar uma coisa por outra e formar esquemas
simbólicos.
O egocentrismo caracteriza todos os comportamentos da
criança pré-operatória; vêem a si mesma como o centro do universo.
A criança no período pré-operatório usa o pensamento
intuitivo para compreender o ambiente. Há um processo crescente
da formação de conceitos. Observa-se uma evolução na capacidade
infantil de seriar objetos. Nesta fase, as crianças começam a usar a
linguagem de maneira mais elaborada.
Neste período ocorre a função semiótica, a criança pode
representar algo como um objeto, evento ou esquema conceitual com
um significador capaz de utilizar um símbolo ou sinal para representar
uma coisa.

· Estagio das operações concretas (Sete a 11/12 anos)


Observa-se, neste período, um declínio do egocentrismo
intelectual e um aumento gradativo do pensamento lógico. Caracteriza-
se pelas operações mentais, as quais constituem em transformações
reversíveis. Neste estágio, a criança já possui noção de reversibilidade,
conservação de quantidades descontínuas, classificação e seriação.

Pantano & Zorzi 51


· Estagio das operações formais (a partir dos 11/12 anos)
Neste período já se tem capacidade de pensar
abstratamente, raciocinar, e definir conceitos. Representa o grau mais
complexo do desenvolvimento cognitivo. A partir dele, a tarefa passa
a ser o ajustamento e solidificação das estruturas cognitivas.
Caracteriza-se pelo pensamento hipotético-dedutivo que o adolescente
passa a ter e pela capacidade de fazer especulações teóricas, morais,
valorativas, científicas e ideológicas, que independem de seu cotidiano,
da realidade e do concreto.
O adolescente, nesse período, experimenta todas as
alternativas considerando e combinando todas as relações de ordem e
todas as classes possíveis, surgindo o que Piaget chamou de
combinatória.
Sobre o item da maturação não podemos deixar de citar
Piaget num aspecto que se reflete na ciência social contemporânea: o
interacionismo. Para este autor, interacionismo significa que nunca se
pode atribuir uma capacidade, traço ou comportamento humano
unicamente à hereditariedade ou ao meio ambiente, mas sim às suas
transações seqüenciais.
O reconhecimento, pela escola, dos processos
maturacionais da criança e do adolescente – bem como de suas relação
com os processos de ensino-aprendizagem – são um fator prioritário
para que se possa promover um trabalho integrado entre os campos
clínico e educacional objetivando a necessidade de uma política pública
de informação e prevenção em saúde ocular, bem como substituir o
rótulo “fracasso escolar” por um trabalho de investimento no aluno.
Na relação entre os alunos e os processos educacionais, a
percepção exerce um papel, não só necessário, do ponto de vista lógico,
como preponderante, à medida que, é a partir dela que o sujeito se
põe em posição de interação com a experiência do mundo. Toda a
linguagem subjacente e decorrente dos processos educacionais está
irremediavelmente mediada pela percepção, motivo pelo qual se torna
um dos aspectos relevantes a serem abordados nos estudos sobre o
fracasso escolar.
A percepção é o processo com o qual o sistema nervoso
central inicia o tratamento cognitivo, envolvendo funções de pré-
reconhecimento, como a discriminação e a identificação, e de
reconhecimento, como a análise e a síntese, utilizando, para tanto, a
visão. Através da maturação do sistema nervoso, o aparelho visual da
criança amadurece, permitindo que ela faça a distinção entre os objetos
e pessoas de seu meio ambiente de maneira satisfatória e aprenda a

52 Neurociências
controlar o movimento de seus olhos através dos músculos extra-
oculares. Caso a criança apresente distúrbios sensório motores oculares
tais como, baixa amplitude fusional e/ou insuficiência de convergência
ocular, poderá apresentar, como conseqüência, cefaléia, sono, dor
ocular, embaralhamento de letras durante a leitura, ou outros
sintomas, reconhecidos na escola como indicadores que levam ao
fracasso escolar.
Esta alteração poderá provocar dificuldades nas suas
habilidades perceptivo-visuais (constância de percepção, relação
espacial, coordenação visomotora, figura-fundo), gerando, assim,
inúmeros problemas de aprendizagem escolar.
A integração de todas as informações é o objetivo padrão
implícito no comportamento da mente. A atividade mental aglutina dados
adquiridos em diferentes momentos no tempo e em diferentes tipos de
situações, ordenando-as em uma relação global de interdependências.
Este processo, que deriva de generalizações, pode-se dar em nível de uma
simples resposta motora desencadeada no nível motor, a partir de um
elemento perceptivo no nível de percepção ou, mais tardiamente, de um
fato isolado no nível conceitual. Uma alteração orgânica pode alterar o
domínio destas aquisições, provocando dificuldades nas habilidades
perceptivo-visuais (constância de percepção, relação espacial, coordenação
visomotora, figura-fundo) da criança.

Neuroplasticidade

A neuroplasticidade é uma propriedade inerente ao sistema


nervoso com a capacidade de modificar o seu funcionamento e de se
reorganizar através de alterações ambientais ou de lesão. No presente
artigo revemos alguns dos principais ensaios experimentais e clínicos
sobre a plasticidade de áreas corticais somatomotoras relacionadas com
lesões do SNC.
Nos últimos dez anos, descobertas importantes motivaram
um grande interesse na neuroplasticidade. A potenciação e depressão
a longo prazo reconhecem-se como movimentos sinápticos básicos
da recuperação funcional, modulados pelo equilíbrio excitatório-
inibitório relacionado com a atividade do GABA, acetilcolina e
glutamato, entre outros neurotransmissores.
Em humanos existem provas de reorganização do hemisfério
afetado e ativação de áreas homólogas. O uso de técnicas não invasivas
como o EEG multicanal, potenciais evocados, estimulação magnética
transcraniana, ressonância magnética funcional e a TC por emissão de

Pantano & Zorzi 53


prótons, demonstrou a existência de alterações significativas na
topografia dos mapas somatomotores em pacientes com lesões do SNC.
Em animais de experiência, descreveu-se a existência de crescimento
dendrítico e axonal, contudo, a regeneração efetiva não parece um
mecanismo plausível na recuperação neurológica.
As alterações plásticas que ocorrem após lesão o SNC
possibilitam a recuperação funcional em um grande número de
doentes. É necessário entender quais destas modificações se associam
a melhora clínica, como se deve agir no sentido de facilitar a melhora
e inibir os fenômenos de má adaptação, permitindo o desenho de
estratégias terapêuticas racionais com influência moduladora sobre
estes processos.
Com o tempo, uma lesão de áreas motoras pode apresentar
certa recuperação à curto prazo relacionada com fatores como a
reabsorção do edema e do tecido necrótico. A recuperação à longo
prazo relaciona-se com fenômenos como o crescimento dendrítico
com formação de novas sinapses; a reorganização funcional da própria
área lesada; a participação de áreas vizinhas e homólogas do hemisfério
contralateral.
Hoje se sabe que todas as drogas que aumentam a
excitabilidade cortical de forma geral favorecendo o aparecimento de
trocas neuroplásticas agem provavelmente por aumento da
noradrenalina tissular.
Basicamente os mesmos mecanismos são os responsáveis
pelos fenômenos plásticos em áreas motoras e somáticas em funções
relacionadas com linguagem e cognição, entre outros.
Os avanços científicos com a aplicação das novas
tecnologias têm motivado o estudo dos fenômenos que mediam a
restauração das funções nervosas após lesões cerebrais de diversas
etiologias.

Mecanismos de recuperação
O aumento da eficácia sináptica com ativação ou
desinibição de vias existentes e pouco ativas no momento.
O crescimento dendrítico dos neurônios sobreviventes com
formação de novas sinapses.
O aumento da atividade de vias paralelas às lesionadas
também por reforço da atividade sináptica e a desinibição de vias e
circuitos redundantes.
No ser humano, tem-se obtido evidências de ao menos
quatro possíveis formas de plasciticidade funcional:

54 Neurociências
1. A adaptação de áreas homólogas (contralaterais, por mecanismos
de desinibição).
2. Plasticidade de modalidades cruzadas (reativação de funções em
uma área não primariamente destinada a processar uma modalidade
particular).
3. A expansão de mapas somatotóprios (reorganização funcional)
4. Ativação compensatória (desinibição – reorganização funcional).

Quanto às experiências de plasticidade cortical


somatomotora em humanos, a introdução do método de EMT
possibilitou explorar a fisiologia do sistema nervoso, na área de
investigação de sua capacidade plástica.

Envelhecimento Cerebral

Senescência é o envelhecimento natural, que permite


conviver de maneira serena com as limitações impostas pela idade e
manter-se ativo até fases tardias da vida. Em uma parcela significativa
de idosos ocorre de forma anormal ou patológica, incapacitando de
maneira progressiva – o que recebe o nome de senilidade1.
A expectativa de vida vem aumentando de forma linear a
partir de 1840, em uma média de três meses por ano, chegando
atualmente a quase 85 anos para as mulheres em países desenvolvidos2.
Até que ponto a expectativa de vida pode chegar é motivo de discussão
entre os gerontologistas, porém é fato o pouco conhecimento atual
sobre os mecanismos regulatórios do envelhecimento cerebral não-
patológico3,4.
Os estudos experimentais sobre os efeitos deletérios da
idade na memória demonstram uma correlação entre perda celular
no hipocampo e no córtex entorrinal (regiões cruciais para o
aprendizado espacial e contextual) e perirrinal e piores resultados.

Alterações Anatômicas
Estudos comparativos mostram uma redução de volume
mais pronunciada na substância cinzenta (especialmente pré-frontal)
e nos córtices sensitivos e entorrinal2.
Com o avançar da idade, particularmente após a sexta
década, acelera-se o processo de atrofia cerebral, com dilatação de
sulcos e ventrículos, perda de neurônios, presença de placas neuríticas
(PN) e emaranhados neurofibrilares (ENF), depósitos de proteína beta-
amilóide e degeneração granulovacuolar, os quais aparecem

Pantano & Zorzi 55


precocemente nas regiões temporais mediais e espalham-se por todo
o neocórtex. Na DA, já em suas fases iniciais, estas alterações são mais
acentuadas, particularmente a maior densidade de ENF no córtex peri-
e entorrinal, subiculum e região CA1 do hipocampo, em correlação
com os distúrbios precoces e proeminentes da memória factual
(“secundária”) observados nesta doença.
Em sujeitos idosos sadios, a neuroimagem estrutural com
TC e RM mostra redução do volume total do cérebro, com dilatação
dos sulcos e sistema ventricular, especialmente dos ventrículos laterais
e III ventrículo. Estas alterações são mais acentuadas nos sujeitos
dementes quando analisados como grupo, podendo estar ausentes
em casos indivíduais com franca demência e presentes em outros
cognitivamente intactos.

Aspectos neuropsicológicos relevantes

Memória – O padrão de deterioração da memória no velho


normal assemelha-se ao encontrado nas fases iniciais da DA: declínio
da memória “operacional” e da memória “secundária” (“recente”)
maior que o da memória “primária” (“imediata”) e da memória
“terciária” (“remota”). O aprendizado de situações ou informações
novas, a evocação retardada e repetição de números em ordem inversa
são as funções mnésicas mais alteradas, enquanto o vocabulário, o
fundo de informações, a repetição de números em ordem direta e a
realização de tarefas rotineiras e automatizadas mantêm-se
relativamente intactas. As dificuldades de memória relacionadas à idade
são maiores para a memória episódica do que para a memória semântica
e pioram em ordem crescente na seguinte sequência: memória de
procedimentos, reaprendizado, memória de reconhecimento,
evocação baseada em pistas contextuais, evocação livre, memória
prospectiva (lembrar de lembrar). O envelhecimento afeta sobretudo
a memória prospectiva e a evocação livre e retardada de material verbal
aprendido.
Linguagem – De modo geral, a linguagem do idoso saudável
ou demente tem sido avaliada com testes metalinguísticos, limitados
aos níveis fonológico, sintático e semântico-lexical, dando pouca
importância ao nível discursivo-pragmático, que pode mostrar
alterações precoces nessas situações.
No nível discursivo, podemos ver dificuldades narrativas
(especialmente com inferências, sumarização e interpretação moral
de estórias) e omissão de informações sobre a “situação” da estória;

56 Neurociências
omissão de passos essenciais durante a descrição de procedimentos; e
na conversação, dificuldade de compreensão, falta de clareza do
enunciado, “parafasias narrativas” e problemas com inferências e
pressuposições.

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Pantano & Zorzi 59


60 Neurociências
Capítulo 4
Funções Gnósicas, Práxicas e
Vísuo-construtivas

Claudia Berlim de Mello e Beatriz Sant´Anna

Funções gnósicas

Continuamente, o individuo é exposto a uma profusão de


estímulos ambientais, sejam visuais, sonoros, táteis, gustativos ou
olfativos. Estes estímulos têm o potencial de ativar respostas internas,
vinculadas aos processos reguladores da motivação e emoção. Essas
informações externas e as mensagens internas são interpretadas com
base no conhecimento previamente adquirido, armazenado nos
sistemas de memória de longa duração, de forma a organizar o
comportamento consciente. A identificação eficiente dos estímulos
ambientais depende essencialmente da integridade dos sistemas
sensoriais e perceptivos.
A sensação diz respeito à detecção de estímulos sensoriais
(auditivos, visuais, táteis) nos órgãos dos sentidos1. A estimulação
sensorial consiste essencialmente na transformação de diferentes fontes
de energia (luminosa, mecânica, térmica) presentes no mundo externo
em modalidades (ou qualidades) sensoriais especificas. Cada
modalidade sensorial é mediada por determinadas fibras nervosas cujas
propriedades são adaptadas a apenas um tipo de sensação. Os estimulos
recebidos são convertidos em impulsos nervosos por meio do processo
de transdução, para serem transmitidos para o sistema nervoso central.
A eficácia dos sistemas sensoriais deve-se a existência de
um grande número de neurônios interconectados funcionando em
paralelo1. O processamento da informação envolve ainda processos
ascendentes (bottom-up) e descendentes (up-down). Os processos
ascendentes são dirigidos pela natureza da estimulação que entra no
sistema (data-driven). A influência dos conhecimentos prévios sobre
as formas como percebemos os objetos caracteriza os processos

Pantano & Zorzi 61


descendentes. Por exemplo, uma imagem visual não é percebida
exclusivamente com base nas mensagens da retina, como revelam os
fenômenos das ilusões perceptivas. A imagem abaixo ilustra como
contornos e sombras nos dão a impressão de “ver” um triângulo
(triângulo de Kanizsa).

As ilusões perceptivas nos dão uma pista de como o cérebro


organiza as informações sensoriais que recebe a partir de inferências sobre
o que é percebido2. O processo de organização perceptiva é contínuo e
dinâmico, e determinado pela similiaridade e proximidade dos elementos
que compõem um padrão. A percepção, portanto, pode ser definida como
um processo ativo de integração dos estímulos sensoriais em um todo
coerente, de forma extrair-se um significado. Uma melodia não é
identificada apenas pela seqüência das notas, mas pelas ligações entre
elas. Uma imagem visual é construída por meio de uma combinação de
suas partes em um todo com significado. A percepção tem ainda uma
intrínseca relação com os processos de categorização, ou seja, a inclusão
de um objeto percebido a uma categoria conceitual específica. Abrange,
portanto, a discriminação dos estímulos perceptuais e sua interpretação
com base no conhecimento e nas experiências prévias, sendo ainda
influenciada pelas expectativas e pelo estado emocional do indivíduo. Os
modos de funcionamento das funções perceptivas e suas implicações
sobre a natureza do comportamento humano fundamentou os conceitos
da Psicologia da Gestalt3.
Uma questão interessante a respeito dos mecanismos
perceptivos diz respeito a observações de que a percepção pode sofrer
interferências caso o processamento priorize a configuração global
(processamento global) ou o estímulo especifico (processamento
localizado)4. Esta questão foi analisada em experimentos nos quais

62 Neurociências
foram usadas figuras como as ilustradas abaixo. Observou-se que letras
ou formas são mais rapidamente nomeadas ou identificadas quando
há uma congruência entre a configuração e o estimulo especifico
(modelo a) do que em condições de incongruência (modelo b).

a) b)
XXXXXX
X X
X X
X X
X X
XXXXXX

Os sistemas perceptuais são associados a uma complexa


circuitaria neural, que envolve a recepção do estímulo nas células
especializadas dos varios órgãos sensoriais periféricos e um
processamento intermediário em estruturas subcorticais, de onde os
impulsos são transmitidos para regiões corticais específicas1. O tálamo
é um núcleo subcortical que funciona como um integrador das funções
perceptivas. As informações da maior parte dos sistemas sensoriais
convergem para este núcleo e deste são projetadas para as áreas corticais
(áreas primárias e secundárias) correspondentes. Por fim, vias
intracorticais são envolvidas na formulação da representação consciente
dos estímulos percebidos (áreas de associação).
Em relação ao sistema visual, os estímulos são detectados
na retina e então encaminhados por meio do nervo óptico até o núcleo
geniculado lateral do tálamo1. As projeções deste núcleo se dirigem
então para o córtex visual primário situado no lobo occipital, no qual
as informações visuais são processadas. O córtex occipital é subdividido
em áreas distintas (denominadas com a letra V), e cada uma é envolvida
no processamento de diferentes características do objeto percebido,
como formas, movimento e cores. O córtex visual primário representa
o estágio inicial da formação das representações visuais. Suas áreas
projetam-se para outras regiões corticais, nas quais se identifica o quê
está sendo percebido visualmente. A representação de formas
complexas e das faces se dá no córtex temporal inferior. O movimento
é representado em regiões mediais e superiores do córtex temporal.
No que diz respeito ao sistema auditivo, a detecção dos
estímulos sonoros ocorre nas células ciliadas do órgão de Corti,

Pantano & Zorzi 63


localizadas na cóclea1. As informações são então enviadas pelo nervo
auditivo que percorre o conduto auditivo interno. As fibras auditivas
são integradas ao lemnisco lateral e se projetam para o corpo geniculado
medial, e em seguida para as áreas auditivas primárias e secundárias
situadas em regiões especificas no córtex temporal superior.
O córtex somestésico é relacionado à recepção das
informações exteroceptivas e proprioceptivas envolvidas na
identificação dos objetos pelo tato1. É constituído pela área primária
situada no giro pós-central, caracterizada por uma somatotopia
precisa (o homúnculo) e por outra área na porção superior da fissura
de Sylvius, que separa o lobo parietal do temporal. O giro pós-
central recebe as projeções do núcleo ventro-postero-lateral do
tálamo, para o qual os estímulos táteis (dor, pressão, temperatura)
detectados em estruturas especializadas na superfície da pele foram
transmitidos por meio das vias ascendentes da medula espinhal. A
região parietal posterior também está envolvida no processamento
das informações táteis, sendo associada à análise de atributos
espaciais dos objetos.

Distúrbios dos sistemas percepto-gnósicos: as agnosias

A síntese das sensações para compor percepções


conscientes dá-se nas zonas corticais do sistema nervoso central. Nos
casos em que as vias nervosas aferentes estão conservadas, mas
existem lesões corticais nos arredores da área de projeção (nas
chamadas áreas para-sensoriais), mantém-se a integridade das
sensações elementares, porém, há alteração do ato perceptivo. Nesses
casos, fala-se de agnosia.5
A agnosia (ou perda do conhecimento), portanto, é definida
como a incapacidade de perceber objetos através de determinados
canais sensoriais, sendo a percepção normal nas demais modalidades6.
Os pacientes não mais reconhecem os objetos ou sinais ambientais,
embora a acuidade sensorial e a capacidade cognitiva estejam
preservadas. O tipo de agnosia depende do nível de processamento
da informação que foi afetado, que corresponde a partes distintas das
vias senso-perceptivas.
Para uma compreensão adequada das agnosias é necessário
considerar assim a seqüência do processamento da informação nos
sistemas perceptuais:
1) Nível das sensações – as alterações se manifestam em déficits de
acuidade sensorial (por exemplo, a hipoacusia);

64 Neurociências
2) Nível das percepções – diz respeito aos distúrbios da discriminação
do objeto: agnosia aperceptiva. A disfunção, portanto, está na etapa
discriminativa do processamento da informação;
3) Nível associativo – se relaciona aos distúrbios no reconhecimento
do objeto: agnosia associativa;
4) Nível das denominações – as alterações decorrem de disfunções na
integração objeto-nome, resultando em anomia. Trata-se de
dificuldades de nomeação, e envolvem disfunções associadas em
áreas da linguagem.
Em suma, a agnosia não é uma alteração específica das
sensações ou da capacidade de perceber objetos externos, mas sim
uma alteração intermediária entre as sensações e a percepção. Em
alguns casos, observa-se a perda da intensidade e da extensão das
sensações, continuando inalteradas as sensações básicas, em outros
há perda da capacidade de reconhecimento dos objetos.5
Uma descrição dos tipos de agnosia considerando o sistema
percepto-gnósico envolvido é apresentada a seguir.

Agnosia visual
Dentre as agnosias, as mais estudadas são as visuais. A
agnosia visual é a incapacidade de ter acesso ao conhecimento dos
componentes visuais dos estímulos, incluindo objetos, formas, cores,
ou movimentos6. Os tipos de agnosia visual se diferenciam de acordo
com a área cerebral que foi lesionada, que implica em um prejuízo
específico do processamento da informação visual.
Na agnosia para objetos, o processamento das formas e
padrões é afetado. O paciente não é capaz de reconhecer os objetos se
estes lhe são apresentados visualmente, ainda que tenha preservado o
seu conhecimento sobre ele, acessado através de outros canais
sensoriais7. Ou seja, não consegue reconhecer visualmente mas é capaz
de fazê-lo por outros sentidos como o tato. A agnosia visual aperceptiva
refere-se à incapacidade de realizar a síntese visual dos elementos visuais
percebidos. O paciente descreve partes ou detalhes dos objetos mas
não consegue integra-los em um todo coerente. Uma vez que a agnosia
aperceptiva envolve dano na etapa discriminativa do processamento
visual, o paciente também não é capaz de desenhar ou parear objetos
semelhantes apresentados concretamente ou em figuras. Na agnosia
visual associativa, por outro lado, há uma incapacidade de denominação
visual do objeto, estando íntegra a percepção visual propriamente dita.
O paciente não reconhece os objetos visualmente, mas é capaz de
desenhá-los. Isso ocorre porque o que está comprometido é a associação
do objeto percebido com seu conceito correspondente.

Pantano & Zorzi 65


Na agnosia para objetos desenhados, as dificuldades são
seletivas para o reconhecimento de desenhos de objetos.
A agnosia para cor diz respeito à incapacidade para associar
cores e objetos verbalmente (por exemplo, tomate é vermelho). O
pareamento de estímulos coloridos expressos em figuras, por outro
lado, é preservado. Outro distúrbio que afeta o processamento das
cores é a acromatopsia, que significa a incapacidade de reconhecer
cores (visão em cinza).
As agnosias para espaço e movimentos são decorrentes de
lesões parietais do hemisfério direito. A agnosia visuo-espacial se
caracteriza por um distúrbio da apreensão de informações de natureza
visuo-espacial, o que leva a uma desorganização topográfica. As
dificuldades situam-se na apreensão visual global, de forma que o
individuo só detecta partes do todo, e na incapacidade de exploração
sistemática do espaço por meio da visão. Como conseqüência, o
paciente tem dificuldades de situar-se no espaço (mapas, rua) e para
orientar-se mesmo nos ambientes familiares. Na agnosia de movimentos,
há um discernimento prejudicado de objetos em movimentos.
No contexto cotidiano, esses distúrbios gnósicos visuais se
manifestam ainda em dificuldades para localizar objetos no espaço, e
também para julgar a distância e direção entre o próprio corpo e esses
objetos eles.
As principais agnosias visuais estão resumidas no quadro 1.

Quadro 1. Principais agnosias visuais

Os números se referem às áreas cerebrais segundo Brodmann.

66 Neurociências
Agnosia auditiva
Agnosia auditiva é o déficit na recepção cortical das
mensagens sensoriais auditivas. O paciente ouve sons e ruídos, mas
não tem a habilidade em identificá-los.5
Assim como ocorre em relação à agnosia visual, a natureza
do distúrbio será determinada pelo nível de processamento da
informação afetado. Há assim a agnosia auditiva aperceptiva,
caracterizada por um déficit na discriminação dos estímulos sonoros,
e a agnosia auditiva associativa, que afeta a associação som-objeto. No
primeiro caso, o paciente é incapaz de discriminar sons ambientais da
fala humana. Na agnosia associativa, consegue discriminar os sons
mas não identifica se trata-se de uma campainha ou da sirene de uma
ambulância.
A surdez verbal é um tipo de agnosia específica para os
fonemas da língua, decorrente de lesões cortico-subcorticais
bitemporais ou temporais a esquerda. Trata-se de uma incapacidade
para compreender a linguagem falada. A surdez verbal se distingue
da afasia de Wernicke (embora seja frequentemente associada a este
quadro) porque não há desordens da leitura e escrita.
Há ainda a agnosia musical, ou amusia receptiva, que
se caracteriza por uma alteração na capacidade de reconhecer melodias,
assim como de identificar propriedades musicais como timbre, altura
tonal ou ritmo. Lesões nos dois hemisférios podem levar a disfunções
gnósicas associadas à percepção musical. A discriminação da melodia
em comparação a outros estímulos ambientais parece ser associada ao
hemisfério direito. A incapacidade de identificar melodias é freqüente
em casos de lesões no hemisfério esquerdo.

Agnosia tátil
A agnosia tátil, ou astereognosia, é a incapacidade de
reconhecer objetos pelo tato, estando as vias somatossensoriais intactas.
É decorrente de lesões na região parietal posterior, uma região
envolvida na análise espacial e precisão da apreensão manual. A pessoa
perde a capacidade de discriminar as diferenças de intensidade e
alcance das sensações táteis.5
A agnosia digital é um tipo específico de distúrbio que
envolve prejuízos da função perceptiva. O paciente é incapaz de
identificar e designar os dedos da mão tocados pelo examinador. A
agnosia digital é associada a alterações na compreensão direita e
esquerda, a agrafia e a discalculia na chamada síndrome de Gerstmann.
Envolve lesões em região parietal posterior do hemisfério dominante6.

Pantano & Zorzi 67


Outro distúrbio que afeta as funções perceptivas é a
heminegligência. Trata-se de um prejuízo na percepção e atenção
direcionada ao espaço egocêntrico contralateral ao hemisfério lesado,
associada ainda a hemiplegia esquerda. Esta condição é decorrente
de lesões em regiões occipito-parietais do hemisfério não-dominante
(em geral o direito), que resultam em deficits importantes da imagem
corporal e da percepção de estímulos de todas as modalidades
sensoriais recebidos no hemicorpo esquerdo 6 . O quadro é
acompanhado por uma anosognosia, ou perda da consciência da
própria condição. Os pacientes acham que não há nada errado com
eles, não reconhecem partes do lado esquerdo do próprio corpo e
ignoram tudo o que ocorre no espaço externo a esquerda. Embora
as alterações típicas da heminegligência possam ser traduzidas como
alterações de percepção, frequentemente esta condição é considerada
como um transtorno da atenção.

Avaliação neuropsicológica das agnosias


O exame neuropsicológico nos casos de disfunções gnósicas
se baseia em provas qualitativas e medidas mais quantitativas8. Uma
descrição de alguns dos procedimentos tradicionais na prática clínica
é apresentada a seguir.
(a) Agnosia visual
• Provas de transposição visuo-verbal – A tarefa envolve nomear
estímulos visuais (verbais ou não verbais) apresentados em figuras
ou objetos concretos;
• Provas de transposição auditivo-visual - Após solicitação verbal do
examinador, o indivíduo é solicitado a apontar um objeto específico
entre várias alternativas, seja um objeto concreto ou desenhado em
uma folha de papel;
• Provas de pareamento (associação) de estímulos visuais apresentados
pictoricamente (ou objetos concretos);
• Identificação de figuras sobrepostas (Teste de Poppelreuter) – um
desenho com figuras sobrepostas é apresentado ao paciente, que deve
identificar os objetos representados;
• Identificação de imagens fragmentadas – O principio do teste é
identificar figuras quando apenas partes são apresentadas.
(b) Agnosia auditiva
• Repetir sons verbais (palavras ou números) e nomear sons não verbais
(ex: campainha, sirene, ronco do motor, trovão). Trata-se de uma
prova de transposição auditivo-verbal.

68 Neurociências
• Apontar o objeto correspondente desenhado em uma folha entre
várias alternativas após a apresentação oral do examinador
(transposição auditivo-visual).
• Identificar estímulos auditivos semelhantes, sejam fonemas ou sons
ambientais.
(c) Astereognosia
• Identificação de objetos pelo tato, sem apoio visual (mão direita e
esquerda)
É importante mencionar que as mensagens que chegam
ao hemisfério direito (por vias contralaterais ou ipsilaterais) precisam
ser transferidas para o hemisfério esquerdo para que sejam verbalizadas.
Portanto, em casos de lesões afetando a comunicação entre os
hemisférios, como ocorre nas secções de corpo caloso em casos de
epilepsias de difícil controle, o distúrbio gnósico pode ter uma
apresentação unilateral.

Praxias

As praxias podem ser definidas como a seqüência


harmônica dos movimentos necessários para a execução de atos
motores complexos, como a atividade gestual e o uso de objetos. Para
seu entendimento, é necessário antes de mais nada analisar as bases
neurobiológicas do movimento.
A função motora é decisiva para o comportamento, já que
o comportamento é um movimento físico prescrito pela cognição9. O
comportamento pode ser entendido como a tradução de pensamento
em atos concretos; da mesma forma, é comum pensarmos através de
seqüências de ação. O início da experiência que culminará num
movimento se dá quando as informações sobre o mundo chegam
através dos sentidos e depende de como estas informações são
combinadas com estados internos para causar uma ação.
Os sistemas sensoriais formam uma representação interna
do mundo exterior e uma das principais funções desta representação
é guiar movimentos. Para isso, áreas do córtex somatossensorial
processam informações do ambiente externo. O processamento motor
tem seu início numa representação interna que envolve a construção
de atos motores através da montagem e coordenação de componentes
motores elementares1.
Os movimentos podem ser divididos em três categorias1:
• Respostas reflexas: movimentos mais simples e de menor controle
voluntário, como reflexo patelar, retirar a mão de objeto quente,

Pantano & Zorzi 69


deglutição; são respostas rápidas, estereotipadas e involuntárias;
• Padrões motores rítmicos: combinam ações voluntárias e reflexas,
como andar e correr e mastigar. Frequentemente, apenas o início e o
término da seqüência motora são voluntários; os demais
comportamentos costumam ser repetitivos e relativamente
estereotipados.
• Movimentos voluntários: são mais complexos, proposicionais
(dirigidos a um objetivo) e normalmente aprendidos, como tocar
um instrumento ou pentear os cabelos. Quanto mais forem
dominados pela prática, menos conscientes eles ficam.

Qualquer movimento ocorre, basicamente, do relaxamento


e da contração muscular controlado pelo sistema nervoso. Contudo,
o processo como um todo é bem mais complexo. Primeiro é necessário
que comandos muito específicos sejam enviados a diversos grupos de
músculos. Em seguida, os sistemas motores têm que levar em conta a
distribuição da massa corporal e planejar ajustes posturais adequados.
Finalmente, os sistemas motores devem ajustar seu comando para
compensar a inércia dos membros, a disposição mecânica dos
músculos, ossos e articulações. Para tanto, os sistemas motores contam
com uma complexa rede de informações sensoriais, do ambiente, da
posição e orientação do corpo e do grau de contração dos músculos.
Com base nestas informações o corpo seleciona a resposta motora
apropriada e ajusta movimentos em curso.
Os sistemas motores são organizados em três “centros” de
controle que se interligam de modo hierárquico como também em
paralelo: a medula espinal, o tronco encefálico e o córtex cerebral1. Os
níveis menos complexos geram reflexos sem a intervenção de níveis
mais complexos, que ficam livres para emissão de comandos gerais
sem a necessidade de especificar todos os detalhes do ato motor.
Quando organizados em paralelo, os sistemas motores podem regular
determinadas funções de forma quase independente.
Na hierarquia das estruturas que controlam a função
motora, a medula espinal é a mais básica e fundamental, é o ponto de
decisão para as ações voluntárias e também para os reflexos
automáticos e estereotipados. A medula recebe informações
diretamente dos músculos, das articulações e da pele, e seu
recrutamento para a geração de comportamentos mais complexos é
essencial. A seguir no nível hierárquico vem o tronco encefálico, que
desempenha importante papel no controle postural, além de controlar
os músculos distais dos membros, cabeça e olhos e por isso são

70 Neurociências
importantes para movimentos isolados e direcionados a um objetivo.
O nível mais complexo da hierarquia do sistema motor está no córtex
cerebral, nas divisões do córtex motor primário, córtex pré-motor e
área motora suplementar. Além destas regiões, participam do sistema
motor o cerebelo e os gânglios da base, formatando e refinando o
movimento, e influenciando-o através de conexões com áreas motoras
do córtex.
Os centros motores superiores respondem por duas
características essenciais ao movimento voluntário: o planejamento
de acordo com objetivos específicos e a formatação do movimento de
acordo com fatores ambientais. Existem duas áreas motoras principais
no córtex frontal: a área motora primária e a área pré-motora. Ambas
têm mapas somatotópicos do corpo e exercem efeito direto sobre os
neurônios motores. A área motora primária tem informações sobre a
posição e a velocidade do movimento. Assim, o córtex motor primário
parece desempenhar um papel primário no controle dos músculos
importantes nas fases iniciais da orientação do corpo e do braço em
direção a um alvo e ainda participar do controle dos movimentos por
indícios visuais e somatossensoriais. A área pré-motora primária, que
se divide em área motora suplementar e córtex pré-motor, com papel
primordial no planejamento dos movimentos direcionados a um
objetivo. A área motora suplementar é importante na programação
de seqüências motoras complexas. A figura abaixo ilustra subdivisões
deste sistema.

Córtex pré-motor
Córtex pré-central

Córtex
somatossensorial

Pantano & Zorzi 71


Lesões no córtex motor primário causam fraqueza dos
movimentos e lesões em áreas pré-motoras prejudicam a capacidade
de desenvolver uma estratégia adequada. Pacientes com apraxia não
apresentam fraqueza ou perda sensorial e podem realizar com precisão
movimentos simples, mas não são capazes de realizar atos complexos
que exigem seqüência de contração muscular ou estratégias planejada,
como pentear o cabelo ou escovar os dentes.
Existem evidências de que a área motora suplementar faça
parte de uma das etapas fundamentais para transformar e introduzir
as representações temporais e espaciais do movimento, formadas no
lobo parietal inferior, a fim de ativar corretamente sistemas motores
descendentes.
O cerebelo processa as informações sobre o movimento e
a posição do corpo no espaço, sendo responsável pelo equilíbrio,
postura e coordenação. Suas projeções enviam sinais que contribuem
para modificar a postura e coordenar o movimento muscular de forma
a ajustar o movimento em curso e melhora sua precisão9. A atividade
do cerebelo é modificada pela experiência, tendo um importante papel
na aprendizagem dos movimentos. Sua estrutura é formada por um
manto externo de massa cinzenta (córtex cerebelar), uma substância
branca interna e três núcleos profundos (fastígio, interpósito e
denteado)1.
Lesões no cerebelo provocam perturbação da coordenação
dos movimentos dos membros e dos olhos, afetam o equilíbrio e
diminuem o tônus muscular. Dentre suas conseqüências, pode ser
citada a ataxia. A ataxia consiste na falha de coordenação dos
movimentos, podendo se manifestar em um retardo na iniciação de
respostas, erros de alcance ou força e erros na freqüência e regularidade
dos movimentos. É normalmente associada a uma degeneração ou
desconexão de áreas específicas do cerebelo.
Existem evidências de que o cerebelo, além de coordenar
o movimento físico, também é necessário para a coordenação do
“movimento” dos pensamentos, desempenhando um papel na
seqüência de pensamentos necessários para determinada ação, com
implicações importantes na cognição9.
Em relação aos gânglios da base, estes recebem entradas
de todas as áreas do córtex frontal relacionadas ao planejamento da
ação. São formados por: núcleo caudado, putâmen, globo pálido,
núcleo subtalâmico e substância negra1. Dentre as doenças que afetam
os gânglios da base, está a doença de Parkinson. Nessa doença
progressiva, os gânglios da base afetados produzem distúrbios de

72 Neurociências
movimentos involuntários e aumento do tônus muscular. Há
dificuldade em iniciar movimentos, que se tornam rígidos, lentificados
e apresentam temor de repouso característico. A produção de
dopamina, neurotransmissor crítico para o controle do processamento
das informações por meio dos núcleos da base, também está alterada.
No processo de programação motora ocorre ainda a
participação do giro cingulado anterior, interligado à amígdala e outras
estruturas límbicas, que parece desempenhar um papel importante
na iniciação e na motivação dos comportamentos dirigidos a um alvo9.

Distúrbios das funções práxicas: as apraxias


O DSM-IV define apraxia como um prejuízo na capacidade
de executar atividades motoras, mesmo que as capacidades motoras,
função sensorial e compreensão estejam intactas. Podem apresentar
apraxia indivíduos com demência, por exemplo, que teriam
dificuldade em demonstrar através da mímica o uso de algum objeto
ou de executar atos motores conhecidos. Desta forma a apraxia pode
interferir em atividades de vida diária como cozinhar, vestir-se ou
desenhar.
A apraxia pode ocorrer quando há uma ruptura na conexão
do processamento das informações nos centros de programação motora
ou quando há falha na interação entre os sistemas motores e as áreas
frontais relacionadas a funções executivas, envolvidas no aprendizado
de ações complexas 8. Tende ainda a se manifestar através de
agrupamentos (clusters) de distúrbios que compartilham o mesmo local
cerebral da lesão, como é o caso da apraxia facial e a afasia de Broca.
Os distúrbios práxicos parecem ocorrer em três domínios,
1) perda do entendimento do tipo de ação relacionada a instrumentos
e objetos, resultando em erros de conceito de seu uso;
2) perda do conhecimento associativo instrumento-objeto, levando a
uma seleção imprópria de ferramentas adequadas para a tarefa;
3) déficit na compreensão da natureza de problemas mecânicos básicos
e as vantagens do uso de determinada ferramenta, levando à
incapacidade de desenvolver ferramentas adequadas para solução
de problemas10.

A classificação das apraxias é descrita a seguir.


(a) Apraxia ideomotora. Trata-se da inabilidade para
realizar gestos sob comando verbal, embora esses atos sejam facilmente
realizados de modo espontâneo. São associadas a lesões do fascículo
arqueado e da porção anterior do corpo caloso.10

Pantano & Zorzi 73


Nos anos 60, Geschwind propôs um modelo de “síndrome
de desconexão” para explicar as apraxias ideomotoras. O estímulo
auditivo chega ao lobo temporal e é processado na área de Wernicke,
conectada às regiões pré-motoras através do fascículo arqueado. As
informações chegam ao hemisfério não-dominante através do corpo
caloso. Assim, uma ruptura no arco de Wernicke e de suas conexões
para as áreas de associação motoras corticais pré-frontais poderia
explicar grande parte das apraxias motoras de membros. O problema
não estaria na execução do plano motor, mas na compreensão
parcialmente prejudicada10. Este quadro pode aparecer em pacientes
que sofreram um acidente vascular cerebral ou doenças degenerativas
como a Doença de Alzheimer9.
(b) Apraxia ideatória. Comum igualmente em doenças
degenerativas difusas como a Doença de Alzheimer, a apraxia ideatória
pode ser entendida como uma desorganização na seqüência lógica e
harmoniosa de diversos gestos básicos que compõem um ato de maior
complexidade. Uma manifestação típica é quando o paciente com esta
apraxia é solicitado a acender um cigarro e coloca-lo na boca. Esta
tarefa pode ser realizada passo-a-passo, mas a tentativa de fazer todo o
processo seria marcada por omissões e trocas de ordem da seqüência.10
Na tentativa de diferenciar a apraxia ideomotora da apraxia
ideatória, vários critérios têm sido criados10. Um deles diz respeito ao
conceito de movimentos transitivos e intransitivos: os transitivos são
ações do sujeito para o objeto (por exemplo, abrir uma porta), enquanto
que os intransitivos não dependem de objeto algum, e podem ser
simbólicos (por exemplo, gesto de despedir-se) ou sem propósito
determinado. Parece que na apraxia ideomotora haveria dificuldade
em imitar gestos intransitivos e na ideatória o desafio maior estaria na
imitação de gestos transitivos.
Outro critério seria baseado na noção de gestos simples e
complexos. Os gestos simples seriam os que utilizam apenas um objeto,
ao passo que os complexos envolveriam o uso de vários objetos. Supõe-
se que na apraxia ideomotora existiria uma desordem no cumprimento
de gestos simples e na ideatória, por sua vez, a dificuldade residiria na
realização de gestos complexos.
Existem ainda os critérios relacionados ao padrão de
resposta ao comando verbal (a fim de verificar se a compreensão verbal
está preservada, se o déficit ocorre em nível ideatório ou executivo),
de imitação (que se expressa teoricamente através de componente
executivo) e, finalmente, no reconhecimento gestual e tipos de resposta
(através de demonstração de uso de objeto, já que um uso inadequado

74 Neurociências
do objeto sugere uma apraxia dos membros, sendo de extrema
importância saber se o paciente reconhece o erro ou não).10
Apraxias caracterizadas por um distúrbio não-verbal de
simbolização, como prejuízos na gesticulação, incapacidade de
demonstrar ou compreender uma atividade em pantomima (expressão
através de gestos) normalmente estão associadas a lesões que envolvem
áreas de compreensão da linguagem e áreas de sobreposição para zonas
sinestésica e visual do hemisfério esquerdo. Prejuízos na seqüência de
movimentos das mãos estão fortemente associados a lesões no lobo
parietal esquerdo. A agrafia pura pode estar associada a lesões no córtex
posterior esquerdo.8
Outros tipos de apraxia incluem a apraxia oral (apraxia do
discurso), que diz respeito à incapacidade de imitar simples gestos
orais devido a problemas na organização dos músculos do aparato
discursivo a fim de formar sons ou grupos de sons em palavras.
Envolve um prejuízo em iniciar, posicionar, coordenar e sequenciar
componentes motores do discurso, podendo ser confundida com
disartria.
A apraxia de vestir-se, por fim, diz respeito à dificuldade
em relacionar e em organizar partes de seu corpo com peças de roupas.
Este tipo de apraxia está relacionado a lesões no lobo parietal direito. 8

Avaliação neuropsicológica das apraxias


Alguns instrumentos foram criados com o intuito de avaliar
perdas do conhecimento sobre ações necessárias de como usar um
objeto ou ações específicas8. O teste FAST-R (Florida Apraxia Screening
Test-Revised) procura avaliar gestos através de 30 comandos verbais
pra demonstração, 20 itens envolve o uso de objetos e 10 requerem
gestos sem objetos (como por exemplo, saudar alguém). O teste FLART
(Florida Action Recall Test) consiste em 45 desenhos de objetos em
cenas que implicam uma ação. Aos sujeitos é perguntado que tipo de
utensílio foi usado para aquela ação e depois é pedido que eles façam
a mímica da ação. No Test For Apraxia, nove objetos são usados para
testar a habilidade de mímica através do comando verbal na ausência
e na presença de objetos, além de imitação gestual e verbal do
examinador, de olhos abertos e fechados.
Outras provas de funções práxicas são propostas no Exame
Neurológico Evolutivo – ENE, desenvolvido por Lefévre.
• Ideomotora: Reproduzir ações por comando oral e demonstração.
Ex. Mandar beijo; fazer o gesto de tchau; escovar os dentes; usar um
martelo;

Pantano & Zorzi 75


• Ideatória - realizar sequências motoras com objetos. Ex. Acender
um fósforo; colocar água em um copo; colocar uma carta dentro do
envelope;
• Praxia motora. Provas de coordenação apendicular, por exemplo,
manobra índex-nariz com os olhos fechados;
• Praxia oral. Ex: Mandar beijo, encher bochechas.

Funções visuo-construtivas

No funcionamento cotidiano, frequentemente o indivíduo


encontra-se envolvido em situações nas quais necessita reproduzir
graficamente representações diversas como objetos, faces ou trajetos.
As reproduções podem ser feitas de uma forma bidimensional, como
em desenhos ou mapas, ou por construções tridimensionais, como
esculturas ou maquetes, dependendo das especificidades das
representações. Habilidades desta natureza envolvem as funções visuo-
construtivas. Executar tarefas que impliquem em construção envolve
componentes espaciais, percepção visual e trabalho motor e pode ser
designada como “praxia construtiva”, que é a integração da ação
motora empregada na execução de movimentos complexos
aprendidos.
Portanto, as habilidades visuo-construtivas se traduzem
como uma seqüência de processos envolvendo as seguintes funções:
1) Percepção visual – síntese visual: esta etapa envolve a discriminação
de detalhes perceptivos (visualmente ou por tato) do objeto a ser
reproduzido, incluindo componentes visuais e espaciais, e sua
síntese visual em um todo coerente;
2) Elaboração de uma representação mental dos objetos – após a
discriminação, os componentes do objeto devem ser integrados em
um todo único;
3) Reprodução – O processo de execução abrange as funções motoras
e habilidades de coordenação. Envolve planejamento e controle dos
atos motores necessários à reprodução.
A função visuo-construtiva é muito ligada à habilidade
espacial. Para manipular objetos adequadamente e deslocar-se no
espaço, é necessário ter conhecimento de aspectos do ambiente como
a distância entre os objetos, suas localizações precisas e as relações que
eles mantêm entre si, ou seja, suas coordenadas. Além disso, temos
um vocabulário que permite a expressão correta de valores métricos e
uma experiência visual adequada para distinguir diferenças de
tamanhos e distâncias, a fim de formar uma percepção por categorias12.

76 Neurociências
Disfunções das funções visuo-construtivas

A perda das capacidades de reprodução bi ou


tridimensional de objetos são definidas como apraxias visuo-
construtivas. Trata-se de um distúrbio de atividade formativa, como
juntar, construir e desenhar, no qual a forma espacial do resultado
final não é satisfatória, sem que haja apraxia para movimentos isolados.
Estes distúrbios consistem, portanto, na inabilidade de reproduzir ou
copiar um modelo visual apresentado, ou seja, traduzir uma percepção
visual em ação motora adequada, sem que haja alterações visuais,
perceptivas ou motoras. Uma vez que a atividade visuo-construtiva é
marcada pela confluência de processos motores e visuais, seus déficits
se refletem em atividades de montar, desmontar e manipular
objetos 11,12.
Com relação à participação do hemisfério direito nesta
função, seu papel situa-se na percepção e interpretação dos estímulos
vísuo-espaciais. Lesões parietais à direita levam a dificuldades em
perceber o objeto como um todo; mesmo que os detalhes sejam
percebidos corretamente, dificilmente são integrados num todo de
forma correta. É freqüente observar deslocamentos e distorções das
partes, perda da relação espacial entre elas e também o julgamento
adequado quanto aos erros cometidos pode ficar prejudicado12.
Quanto a lesões à esquerda, estas parecem prejudicar a
programação de movimentos necessária à realização da tarefa.
Consequentemente, as cópias são simplificadas, detalhes são omitidos,
ângulos retificados e existe uma tendência a aproximar a cópia do
desenho (fenômeno designado de closing-in). A execução também
tende a ser mais lenta12.
Em síntese, as apraxias se diferenciam se acordo com as
regiões cerebrais atingidas, como segue abaixo.

Lesões posteriores occipitais e parietais:


• Predominando à direita: os prejuízos predominam na configuração
global da representação. São observados em termos de deslocamento
e distorção das partes e perda das relações espaciais. A dificuldade
encontra-se essencialmente na etapa de percepção, de síntese visual.
• Predominando à esquerda: os prejuízos estão na discriminação de
partes de um padrão. Envolvem assim dificuldades para programar
os movimentos necessários à execução da reprodução, resultando
em copias simplificadas, detalhes negligenciados e execução lenta. A
maior dificuldade é de planejamento dos atos motores. A tentativa

Pantano & Zorzi 77


de copiar diretamente sobre o modelo (closing in) é associada a lesões
a esquerda.

Na vida cotidiana, estes déficits podem se manifestar em


dificuldades para arrumar uma mesa, para organizar os móveis da
casa ou desenhar mapas de ambientes familiares.

Avaliação neuropsicológica das funções visuo-


construtivas

A avaliação das funções visuo-construtivas pode ser através


de tarefas que utilizam lápis e papel, construção de duas ou três
dimensões, com ou sem modelo. É preciso que o examinador esteja
atento à capacidade do individuo de discriminação de aspectos
perceptivos, espaciais, motores, na capacidade de atenção e motivação.
A observação das formas como o paciente busca estratégias de
reprodução e de padrões de erro podem denunciar dificuldade de
execução 11,12.
Na avaliação da capacidade visuo-espacial, pode-se
ressaltar tarefas de descrição de trajetos conhecidos ou entre cidades
num mapa, testes de trilhas e provas de orientação de linhas (por via
visual ou tátil). É importante levar em conta também uma possível
limitação de movimentos oculares, negligência de hemi-espaço,
desorientação esquerda-direita, alterações periféricas (como perda de
partes dos campos visuais ou dificuldades práxicas em tarefas que
exijam movimento). Além disso, distúrbios visuo-espaciais podem
influenciar bastante o desempenho em atividades visuo-construtivas12.

Alguns testes tradicionais de funções visuo-construtivas


são descritos a seguir8.
• Desenho livre, desenho do relógio, da figura humana;
• Copia de figura complexa: Figura complexa de Rey.
• Cópias de padrões visuais: Teste Guestaltico Visomotor de Bender;
Prova de cópia de cubos;
• Reprodução de padrões visuais com base em material concreto: Prova
dos bastões de Goldstein e Scheerer ou Benson e Barton;
• Construção com blocos: Teste de Cubos de Kohs; Cubos (Escalas de
Inteligência Wechsler), blocos de Stanford-Binet, Teste de Construção
de Blocos Tridimensionais de Benton;
• Armar Objetos (Escalas de Inteligência Wechsler).

78 Neurociências
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Comportamento do Departamento de Neurologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.

Pantano & Zorzi 79


80 Neurociências
Capítulo 5
Pensamento, inteligência e funções executivas

Claudia Berlim de Mello

A evolução humana pode ser associada à aquisição de


complexas capacidades cognitivas, que permitiram ao indivíduo
responder adequadamente aos estímulos ambientais e engajar-se em
um comportamento dirigido a metas, determinado pela motivação e
regulado pela emoção. Tais capacidades incluem (a) manutenção e
manipulação mental das informações, (b) auto-regulação do
comportamento, o que envolve agir com base em escolhas prévias e
não por impulso, e (c) pronta adaptação a mudanças na ação em curso.
Trata-se, respectivamente, da memória operacional, do controle
inibitório e da flexibilidade mental que, no âmbito da neuropsicologia,
são referidos como funções executivas. Na Psicologia Cognitiva,
capacidades desta natureza são relacionadas aos processos de
pensamento e também ao comportamento inteligente.
Neste capitulo, serão tratados alguns aspectos dos processos
cognitivos abrangidos sob os conceitos de pensamento, inteligência e
funções executivas, considerando características funcionais,
neurobiológicas e métodos de investigação.

PENSAMENTO

Definições
O estudo do pensamento tem uma longa história na
Filosofia e na Psicologia. Na Filosofia, seu objetivo principal é
determinar as leis ideais do pensamento correto, com base nos
fundamentos da lógica 1 . Na Psicologia Cognitiva, busca-se
essencialmente o entendimento da natureza do pensamento, bem
como das condições e leis experimentais de seu exercício 2 .
Investigações sobre as habilidades de pensamento em diferentes
idades consolidaram teorias do desenvolvimento cognitivo 3,4. O

Pantano & Zorzi 81


interesse por este processo cognitivo também é observado na área
das neurociências5.
No âmbito da lógica, o pensamento é definido como o
processo de conhecer, de descobrir em que consistem as coisas e que
relações essas coisas têm entre si. Suas operações incluem:
• Concepção de idéias – se relaciona ao propósito de apreender o que
uma coisa é (ex: triângulo);
• Juízo – permite ao indivíduo afirmar (ou negar) uma relação de
conveniência entre várias idéias (ex: o triângulo tem três lados; o
homem é racional);
• Raciocínio – a faculdade de estabelecer uma ligação lógica entre vários
juízos.

Na Psicologia, algumas das definições de pensamento são:


• Processo simbólico de integração conceitual de percepções,
representações e afetos;
• Método de formular decisões e tirar conclusões, marcado pela
intencionalidade;
• Instrumento para operações de abstração e generalização de
informações recebidas.

Pensamento e integração de conceitos


Para o entendimento do pensamento como processo
simbólico de integração conceitual torna-se necessário considerar seu
conteúdo, ou unidade fundamental, que são as representações
mentais2. As representações mentais dizem respeito aos conceitos e
idéias que formamos a partir de nossas experiências cotidianas e da
aprendizagem formal. Elas podem ser expressas em imagens mentais
quando seus atributos são captados pelos sistemas de senso-percepção.
Conceitos naturais como maçã ou elefante, por exemplo, são passíveis
de serem expressos em imagens mentais. Outras representações, no
entanto, não podem ser expressas em imagens, uma vez que são
desvinculadas do mundo físico. Trata-se do caso dos sentimentos e
das intenções. Os conceitos formais são definidos por regras lógicas.
As idéias resultam das operações de abstração e generalização. Abstrair
é considerar a parte os elementos que compõem um todo complexo;
generalizar envolve aplicar uma idéia abstrata a exemplares da mesma
espécie. Pensar envolve, portanto, a manipulação de representações
mentais de forma a fazer inferências e obter conclusões6. O instrumento
do pensamento é a linguagem. É pela linguagem, oral ou escrita, que
o pensamento “ganha corpo”, se expressa4.

82 Neurociências
O interesse científico acerca da natureza dos conceitos
resultou em diferentes visões na Psicologia a este respeito 7. Na
Psicologia Cognitiva, a visão clássica, que perdurou até os anos 60,
propunha que os conceitos constituem representações sumárias de
eventos ou objetos de uma mesma classe ou categoria. Nesta
perspectiva, os conceitos resultariam de um processo de abstração,
em que aspectos essenciais e comuns a estes eventos ou objetos são
separados do que lhes é apenas acidental. Os atributos essenciais seriam
singularmente necessários e conjuntamente suficientes para definir um
conceito, estando presentes em todos os subconjuntos de sua classe
ou categoria. Por exemplo, o conceito de “ave” abrange atributos como
voar, cantar, ter penas, por ovos. Por outro lado, a visão prototípica,
que surgiu nos anos 70, sustentava que certos exemplares de uma
categoria detém um maior número de atributos definidores e, portanto,
são mais representativos que outros membros. Por exemplo, “sabiá”
seria um exemplo mais típico da categoria ”aves“ do que “pingüim”.
Outra visão, a visão dos exemplares, postula que a inclusão ou não de
um conceito em uma dada categoria ocorre pela comparação a certos
exemplares, que funcionam como padrões de referência da categoria
em questão. A partir da década de 80, uma nova abordagem foi
estabelecida, a visão teórica, segundo a qual o significado de um
conceito é inferido a partir de sua rede de relações com outros conceitos.
Por teoria entende-se aqui o conhecimento construído pelo indivíduo
a partir de suas experiências cotidianas com exemplares da categoria
da qual deriva o significado.
O pensamento associativo simbólico envolve, portanto,
processos de categorização que permitem ao indivíduo reconhecer
conceitos pela identificação de seus atributos ou exemplares
prototípicos e sua inclusão a uma dada categoria. Além do
pensamento, a integração de conceitos tem sido relacionada a
modelos de memória de longa duração. Por exemplo, a teoria de
ativação difusa do processamento semântico de Collins e Loftus8 parte
do pressuposto de que os conceitos são representados na memória
semântica como “nós”, conectados entre si por propriedades
específicas e relações de categoria, formando assim redes semânticas.
Quando uma representação conceitual é acessada, pela nomeação
ou recordação, seria desencadeada uma ativação automática e difusa
dos outros conceitos a ela conectados. Este mecanismo facilitaria a
recordação de estímulos verbais semanticamente relacionados, como
palavras ou figuras, estando ainda envolvido em estratégias de
memória 9.

Pantano & Zorzi 83


Pensamento e resolução de problemas
O pensamento também tem seu significado associado ao
processo de resolução de problemas. Problemas podem ser
solucionados por meio de diferentes estratégias, como por tentativa e
erro, pelo uso de um algoritmo ou por meio de estratégias heurísticas2.
Tentativa e erro significa testar várias soluções de forma a identificar a
mais eficaz. O algoritmo é um procedimento passo a passo de
resolução, como é o caso das fórmulas matemáticas. As estratégias
heurísticas, por sua vez, abrangem regras gerais que permitem dividir
um problema em objetivos secundários ou estimar a probabilidade
de ocorrência de um evento, de forma a reduzir o número de soluções
possíveis. A seleção da estratégia depende, portanto, do problema em
questão e do número de soluções alternativas.
Solucionar problemas refere-se, em suma, ao pensamento e
ao comportamento direcionados a um objetivo específico. Esse processo
comporta etapas sucessivas e interdependentes, descritas a seguir.
1) Identificação do problema. Uma primeira etapa envolve considerar
se se trata efetivamente de um problema ou não;
2) Definição e representação do problema. Em seguida, o processo
demanda analisar as reais dimensões do problema.
3) Geração de estratégias de solução. Possíveis estratégias de solução
podem ser geradas pela análise do problema a partir de sua
decomposição em elementos menores que podem ser mais
facilmente abordados e por sua síntese, que implica na reorganização
destes elementos em uma nova perspectiva. Um pensamento
divergente permite a identificação de estratégias alternativas e um
pensamento convergente envolve a seleção da alternativa mais
adequada. A escolha depende da natureza do problema e dos
recursos e preferências do indivíduo.
4) Organização da informação. Uma aplicação assertiva da uma
estratégia demanda uma organização das informações necessárias
para a solução do problema
5) Alocação de recursos. Inclui-se aqui tanto os recursos do próprio
sujeito como recursos externos, como financeiros e instrumentais,
necessários à resolução do problema.
6) Monitoração do processo de resolução. Neste contexto, enfatiza-se a
importância da flexibilidade cognitiva para a percepção e execução
de mudanças na estratégia adotada que podem ser úteis;
7) Avaliação dos resultados atingidos.
A resolução de um problema nem sempre requer estes
mecanismos explícitos de abordagem, uma vez que a solução pode

84 Neurociências
advir de um insight10. O insight é definido como uma compreensão
nítida e súbita da forma como solucionar um problema, em geral
resultante do esforço mental prévio dedicado no processo. Tratar-se
de uma conceituação do problema ou das estratégias de solução em
uma perspectiva totalmente nova. O insight é explicado na Psicologia
Guestaltista quando partes de um problema passam a ser percebidas
como um todo coerente.

Pensamento e raciocínio
Na Psicologia Cognitiva, o pensamento também abrange
o julgamento e a tomada de decisões, além do raciocínio2. Julgar e
tomar decisões envolve avaliar oportunidades e fazer escolhas. O
raciocínio, por sua vez, diz respeito ao processo de extrair conclusões
a partir de princípios ou evidências.
O raciocínio pode ser dedutivo, quando se parte de uma
verdade universal para se chegar a uma verdade singular. Em outras
palavras, por meio do raciocínio dedutivo, um indivíduo obtém
conclusões a partir de proposições condicionais. Trata-se do caso do
raciocínio silogístico. Silogismos constituem argumentos nos quais
conclusões são obtidas a partir de duas premissas, uma maior e outra
menor. Por exemplo, todo ser vivo é mortal, o homem é um ser vivo, logo
o homem é mortal. Outro tipo de raciocínio dedutivo é o condicional,
no qual a conclusão é baseada na proposição se... então. A formulação
de hipóteses de pesquisa se fundamenta em geral neste tipo de
pensamento. O raciocínio indutivo, por outro lado, é o que parte de
verdades singulares para chegar a uma verdade universal. Por exemplo,
o calor dilata o ferro, o cobre, o bronze, o aço. Logo, o calor dilata todos
os metais. Ou seja, adotando um raciocínio indutivo, o indivíduo baseia-
se na observação sistemática dos fatos e eventos de forma a fazer
inferências causais sobre possíveis explicações para esses fatos.

INTELIGÊNCIA

A inteligência é um constructo teórico de grande


complexidade, uma vez que é vinculada a diversas habilidades
cognitivas, como o raciocínio, o pensamento abstrato, a solução de
problemas, a capacidade de adquirir conhecimentos relevantes e a
criatividade. O estudo da inteligência acompanhou a evolução da
Psicologia como ciência independente. O advento da psicometria, na
virada do século XX, fundamentou os métodos de investigação
científica das aptidões intelectuais e de outras faculdades psicológicas

Pantano & Zorzi 85


individuais11,12. A mensuração da inteligência foi inaugurada em 1890
com o conceito de teste mental, de Cattell, e se ampliou com a
publicação das primeiras escalas, a desenvolvida na França por Alfred
Binet e sua posterior adaptação por Lewis Terman nos Estados Unidos
da América. O conceito de QI foi proposto a partir desta adaptação, a
escala de inteligência Stanford-Binet, e supõe uma relação direta entre
a Idade Cronológica (IC) e a Idade Mental (IM). Seu cálculo envolve a
equação IM/IC X 100.
Uma discussão teórica que se impôs desde estes estudos
pioneiros é se a inteligência se refere a uma habilidade intelectual global
ou a uma diversidade de capacidades qualitativamente diferenciáveis,
embora interdependentes. A concepção de inteligência geral foi adotada
por Charles Spearman, que formulou o conceito de fator g como
representando a somatória das atividades mentais complexas, e que
estaria presente em todas as habilidades específicas. A favor da noção
de um conjunto de aptidões isoladas cita-se teóricos como Louis L.
Thurstone, que propôs a existência de sete habilidades mentais
primárias, incluindo a compreensão verbal, a habilidade matemática, o
raciocínio e a velocidade de percepção. Na mesma perspectiva, David
Wechsler, que desenvolveu nos anos 40 e 50 as mais usadas escalas de
avaliação do desempenho intelectual, definiu a inteligência como a
capacidade global de um indivíduo para pensar racionalmente, agir com
propósito e lidar eficazmente com o meio ambiente13. Sua ênfase,
portanto, estava na expressão do comportamento inteligente e não em
capacidades específicas. Outro conceito relevante foi o proposto por
Luria14, que descreveu o comportamento inteligente como resultado
do interjogo dinâmico de funções mentais complexas que incluem a
ativação, o processamento de informações do ambiente e a regulação
da ação. A concepção multidimensional da inteligência inicialmente
proposta por Thurstone foi posteriormente revisada por Howard
Gardner em um trabalho publicado em 1983, Estruturas da Mente – a
Teoria das Múltiplas Inteligências15. Neste modelo, foi considerada a
existência de pelo menos sete inteligências, a lingüística, a lógico-
matemática, a espacial, a musical, a corporal-cinestésica, a interpessoal e a
intrapessoal. Mais recentemente, o autor incluiu novas modalidades:
naturalista, espiritual e existencial16. Gardner enfatizou a importância
da cultura, uma vez que considerou que as habilidades associadas ao
comportamento inteligente tendem a ser valorizadas de forma diferente,
dependendo do grupo social ao qual o indivíduo pertence.
Outro teórico importante no campo dos estudos da
inteligência é Robert Sternberg2. Este autor interpretou as inteligências

86 Neurociências
tal como definidas por Gardner mais como talentos especiais, e não
como qualidades intelectuais específicas. Desenvolveu o conceito de
inteligência bem sucedida, que compreende três tipos básicos: (1)
inteligência analítica, abrangendo os processos mentais empregados
na aprendizagem de como solucionar problemas, tais como selecionar
e aplicar uma estratégia de resolução; (2) inteligência criativa, que diz
respeito ao uso de conhecimentos e habilidades de forma a lidar com
situações novas e (3) inteligência prática, associada à capacidade de
adaptar-se ao meio.
Na evolução da Psicologia aplicada, o uso dos testes de
inteligência se consolidou no âmbito do psicodiagnóstico e no
diagnóstico nosológico de diversos transtornos do
neurodesenvolvimento descritos em manuais como o DSM-IV 17.
Alguns dos instrumentos mais freqüentemente utilizados como
medidas cognitivas são descritos a seguir.

As escalas Wechsler
A primeira escala desenvolvida por Wechsler foi publicada
em 1939, a Wechsler -Bellevue Intelligence Scale Form I.
Posteriormente, novas versões foram sistematicamente sendo
propostas. Em 1967, foi publicada a versão inicial da Wechsler Preschool
and Primary Scale of Intelligence – WPPIS –, destinada a crianças
entre 3 anos e meio e 7 anos de idade. Atualmente, são amplamente
utilizadas a Wechsler Adult Intelligence Scale – WAIS - para adultos, e
a Wechsler Intelligence Scale for Children – WISC para crianças, ambas
em sua terceira edição. São comercializadas no Brasil pela Casa do
Psicólogo. Para um maior entendimento das alterações nas versões
originais decorrentes das adaptações para a população brasileira ver
Nascimento e Figueiredo13. Revisões atuais estão sendo elaboradas
pela editora americana das escalas Wechsler, a Psychological
Corporation, o WISC-IV e o WPPSI-III.
A escala WISC-III engloba um conjunto de 13 subtestes,
agrupados em uma escala verbal (Informação, Semelhanças,
Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos) e em uma escala de
execução ou não-verbal (Completar Figuras, Arranjo de Figuras,
Código, Cubos, Armar Objetos, Procurar Símbolos e Labirintos). A
escala WAIS-III é composta por 14 subtestes, também agrupados em
uma escala verbal (Vocabulário, Semelhanças, Aritmética, Dígitos,
Informação, Compreensão e Seqüência de Números e Letras) e outra
de execução (Completar Figuras, Códigos, Cubos, Raciocínio Matricial,
Arranjo de Figuras, Procurar Símbolos e Armar Objetos).

Pantano & Zorzi 87


A partir dos escores ponderados obtidos nos subtestes,
chega-se ao QI verbal e ao QI de execução, além do QI global. Além
dos QI´s, as escalas provêm índices fatoriais associados a competências
especificas: Compreensão Verbal (abrangendo os subtestes informação,
semelhanças, vocabulário e compreensão), Organização Perceptual
(completar figuras, arranjo de figuras, cubos e armar objetos)
Resistência a Distração (aritmética e dígitos) e Velocidade de
Processamento da Informação (códigos e procurar símbolos).
Uma estimativa de QI é obtida por meio do uso de apenas
dois subtestes, cubos e vocabulário18. O uso do QI estimado é mais
freqüente em situações de pesquisa, devendo ser restrito na prática
clínica.

Matrizes Progressivas de Raven


O teste das Matrizes Progressivas de Raven é uma medida
de inteligência não verbal, e avalia o fator g19. Há três escalas, Standard
(ou Escala Geral), Colorida e Avançada. A primeira é destinada a
avaliação de indivíduos entre 12 e 65 anos, e consta de 5 séries de 12
problemas cada. A escala das Matrizes Coloridas de Raven é a versão
para crianças de 5 a 11 anos de idade, e contém 3 séries de 12 problemas.
São editadas no Brasil pelo Centro Editor de Testes e Pesquisas em
Psicologia.

Escala de Maturidade Mental Colúmbia


O teste Columbia envolve um material composto por 92
pranchas, nas quais são dispostos estímulos pictóricos ou figurativos.
Cada prancha contém 3 a 5 estímulos, que são associados perceptiva
ou semanticamente exceto um. A criança deve apontar qual dos
estímulos não se associa, ou não combina, com os demais. Há normas
para as idades de 3 anos e seis meses a 9 anos e onze meses20.
Tanto as Matrizes de Raven quanto a Escala Colúmbia
constituem instrumentos que não requerem resposta verbal ou
manipulação do material, sendo assim indicados para uso em
indivíduos com alterações de linguagem oral e dificuldades motoras,
como ocorre em casos de Paralisia Cerebral.

Teste do Desenho da Figura Humana - DFH


O Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) é uma medida
de desenvolvimento cognitivo não-verbal21. A criança é solicitada a
desenhar duas figuras humanas, uma feminina e outra masculina. O
desempenho é avaliado considerando a presença de elementos

88 Neurociências
específicos dos desenhos. Há normas para as idades de 5 a 12 anos.
Uma das utilidades deste instrumento é que envolve uma tarefa de
interesse da maioria das crianças, e teria assim o potencial de minimizar
efeitos de diferenças sócio-econômicas e culturais sobre o desempenho.
Uma questão importante a considerar em testes de
inteligência é sua propriedade psicométrica, baseada em parâmetros
como validade e precisão11. O Conselho Federal de Psicologia tem
estabelecido as regras para o uso destes instrumentos, enfatizando
ainda a necessidade da obtenção de normas para a população brasileira.
Cabe ainda considerar que o desempenho em testes de inteligência
pode ser influenciado por variáveis como o nível sócio-econômico, a
idade, o sexo e o grau de escolaridade dos indivíduos22.
É importante ressaltar, por fim, que a avaliação das
potencialidades intelectuais e psicológicas individuais não deve se
resumir a dados quantitativos. Procedimentos qualitativos, que dêem
conta da subjetividade e que permitam analisar os processos envolvidos
na execução das tarefas e não apenas o resultado final, fornecem
informações muito valiosas para a compreensão fenomenológica dos
transtornos do neurodesenvolvimento e para a proposição de
estratégias de intervenção23.

A questão da deficiência intelectual


Uma questão importante a ser discutida em relação ao tema
da inteligência é o da deficiência intelectual. Os processos de avaliação
cognitiva em casos de hipótese de deficiência intelectual em geral se
baseiam exclusivamente nos parâmetros da normalidade, definidos pelo
QI < 70. Ainda são poucos os programas nas áreas de educação e saúde
que buscam uma identificação mais ampla das potencialidades da pessoa
com deficiência intelectual, e que adotem suportes teóricos como o das
inteligências múltiplas. Uma avaliação de competências, como sociais,
musicais, artísticas e deve complementar as medidas cognitivas.
Em 1992, a Academia Americana de Retardo Mental -
American Association on Mental Retardation- divulgou um modelo de
abordagem para a deficiência intelectual24. O sistema 1992, como ficou
conhecido, ampliou os critérios diagnósticos de forma a incluir não
apenas o resultado do teste de QI como também a presença de
limitações em pelo menos duas áreas de habilidades adaptativas, como
comunicação, atividades de vida prática e habilidades sociais. O
procedimento após o diagnóstico é descrever (a) as capacidades e
limitações do indivíduo relacionadas com aspectos psicológicos e

Pantano & Zorzi 89


emocionais; (b) o quadro clínico (saúde física) e a possível etiologia da
deficiência; e (c) o ambiente atual e o ambiente mais propício que
facilitaria o continuado progresso e desenvolvimento da pessoa com
deficiência. Portanto, esse sistema, revisado em 2001, incentiva
processos de avaliação na deficiência intelectual que não se restringem
ao individuo e seu status atual.
Uma abordagem da deficiência intelectual exclusivamente
por meio de resultados de testes de QI se sustenta no pressuposto da
inteligência como uma entidade única, hereditária e inata. Conforme
extensamente discutido pelo antropólogo Stephen J. Gould em seu
livro A Falsa Medida do Homem 25, a concepção do determinismo
biológico foi adotada em muitas pesquisas do início do século XX e
teve como resultado o uso de testes de inteligência com objetivos de
segregação de populações em função da classe social, origem ou raça.
A este respeito o autor enfatiza que “passamos por este mundo apenas
uma vez. Poucas tragédias podem ser maiores que a atrofia da vida, poucas
injustiças podem ser mais profundas do que ser privado da oportunidade
de competir, ou mesmo de ter esperança, por causa de um limite externo,
mas que se tenta passar por interno (...) Vivemos em um mundo de diferenças
e predileções humanas, mas extrapolar estes fatos para transformá-los em
teorias de limites rígidos constitui ideologia” (Gould, 1991, p.13).

Funções executivas
O termo função executiva refere-se a uma habilidade geral de
planejamento e uso de estratégias de resolução de problemas visando à
execução de metas. Esta definição, assim como sua associação com o córtex
frontal, tem sido proposta desde os trabalhos pioneiros de Luria14 na área
da neuropsicologia. Posteriormente, estudos clínicos e experimentais,
auxiliados pelo advento das técnicas de neuroimagem, vêm ampliando o
conhecimento sobre essas funções e suas bases neurobiológicas.
Diversas habilidades são descritas como funções executivas.
Dentre elas, podem ser citadas:
• Organização e planejamento da ação;
• Comportamento orientado a metas;
• Manutenção da disposição para agir;
• Verificação e regulação da ação – auto-regulação;
• Inibição seletiva do comportamento – controle inibitório
• Capacidade de mudar o plano de ação diante de mudanças na tarefa
– flexibilidade mental;
• Memória Operacional;
• Atenção seletiva e vigilância;

90 Neurociências
• Resolução de problemas;
• Controle emocional;
• Metacognição.

Esta diversidade de habilidades abrangidas sob o conceito


geral de funções executivas resultou em algumas dificuldades para a
classificação das medidas e testes neuropsicológicos destinados a sua
investigação. Esta questão levou Lezak 26 a propor a seguinte
classificação: (1) Volição ou estabelecimento de metas; (2) planejamento;
(3) execução de planos dirigidos à meta; (4) desempenho efetivo.
Estabelecer metas envolve a iniciativa para gerar comportamentos
intencionais (motivação) e a consciência de si mesmo. O planejamento
depende da capacidade para identificar, organizar os passos e
elementos necessários para finalizar uma intenção e alcançar um
objetivo. Neste componente, estariam abrangidos a capacidade
conceitual e a abstração, o pensamento antecipatório e a capacidade
de organizar passos em seqüência. O desempenho envolveria, por
exemplo, a atenção sustentada e o controle de impulsos, ou seja, um
comportamento inibitório seletivo.
Esta heterogeneidade do conceito global de função
executiva tem gerado muitas controvérsias entre pesquisadores na
área27,28,29. Uma questão central é se as funções executivas representam
um único mecanismo relacionado ao controle e regulação do
desempenho cognitivo como um todo ou, por outro lado, abrangem
diferentes habilidades associadas ao funcionamento dos lobos
frontais29. A concepção de mecanismo único parece estar presente no
conceito de executivo central, do modelo de memória operacional de
Baddeley30, e no Sistema Supervisor Atencional, do modelo de Norman
e Shallice 31. A hipótese de múltiplas habilidades se sustenta, por
exemplo, em baixas correlações entre testes tradicionais de funções
executivas freqüentemente observadas em pesquisas em
neuropsicologia, o que sugere que de fato é necessário especificar as
funções que estes procedimentos realmente avaliam. O teste de
Classificação de Cartões de Wisconsin (ver adiante), por exemplo, tem
sido empregado como medida de flexibilidade mental, inibição,
resolução de problemas e categorização.
Recentemente, Miyake e cols29 propuseram que as funções
executivas podem ser associadas a três componentes fundamentais: (a)
mudanças de padrões mentais (mental set shifting); (b) atualização e
monitoramento da informação (information updating and monitoring) e
(c) inibição de respostas predominantes (inhibition of prepotent responses).

Pantano & Zorzi 91


Neurobiologia das Funções executivas
Uma dos primeiros teóricos a destacar o envolvimento dos
lobos frontais na regulação do comportamento foi Luria14. Seu modelo
da organização dinâmica e hierarquizada das funções mentais
superiores, desenvolvido em 1964, se baseia na concepção do
funcionamento cerebral em unidades funcionais, explicitadas a seguir.
- 1a unidade: responsável pela regulação do tônus cortical e vigília
(consciência), é anatomicamente localizada no tronco cerebral,
formação reticular e mesencéfalo.
- 2a unidade: associada à obtenção, processamento e armazenamento
das informações provenientes do meio externo, e inclui as regiões
dos lobos parietal, occipital e temporal (áreas de associação). É dividida
em zonas primárias, secundárias e terciárias. A primeira é envolvida
na classificação e no registro das informações entrantes; a zona
secundária organiza e codifica estas informações e a zona terciária,
por fim, está direcionada à organização do comportamento.
- 3a unidade: responsável pelos processos envolvidos na programação,
regulação e verificação da atividade mental, envolvendo
principalmente os lobos frontais.
O córtex frontal é subdividido em três áreas, (a) o córtex
pré-central (área 4 de Brodmann), que constitui a área motora
primária; (b) o córtex pré-motor (área 6), que inclui a área motora
suplementar na face interna dos hemisférios e a área de Broca (área
44); e (c) o córtex pré-frontal. Estas subdivisões estão ilustradas na
figura abaixo.

Córtex pré-motor
Córtex pré-central
Córtex pré-frontal

Área 44

92 Neurociências
O papel do Córtex Pré-Frontal (CPF) no controle do
pensamento e na organização do comportamento em concordância
com metas internamente definidas vem sendo sistematicamente
confirmado por evidências neuropsicológicas, neurofisiológicas e de
neuroimagem32. O CPF é subdividido em três regiões distintas embora
sem delimitação precisa, associadas a funções específicas33.
1) Córtex dorso-lateral (porções laterais das áreas 9-12, 44-45 e parte
superior da área 47, de Broadmann), relacionado aos processos
associados do funcionamento executivo;
2) Córtex órbito-frontal (porções mediais das áreas 9-12 e parte inferior
da área 47), relacionado ao comportamento socialmente orientado;
3) Córtex mesial, que envolve o cingulado anterior (áreas 24, 25 e 32,
e porções internas das áreas 6, 8, 9 e 10), uma parte do sistema
límbico, com funções associadas à reorientação da atenção e à
detecção de erros provocados por esquemas comportamentais
automáticos.

O papel modulador do CPF é exercido por meio de uma


complexa rede neural, envolvendo suas conexões com outras áreas
corticais e subcorticais. Nessa rede converge o conjunto de informações
provenientes do meio externo (procedentes dos sistemas sensoriais) e
interno (como estados afetivos e da motivação), a partir dos quais se
estabelece o plano de ação. O CPF tem, portanto, relações intrínsecas
com as regiões associadas à análise e tratamento das informações
sensoriais (áreas somestésica, visual e auditiva), áreas corticais
associativas, sistema límbico (córtex cingulado, giro parahipocampal,
amígdala e hipotálamo) e estruturas implicadas no controle motor
(núcleos da base). As projeções do núcleo médio-dorsal do tálamo
para o cortex orbito-frontal fornecem informações das vias de
processamento visual e dos sistemas somatosensorial, olfativo e
gustativo, e suas projeções para o córtex dorso-lateral são associadas a
informações da memória de curto prazo de natureza espacial,
provenientes de regiões parietais34.
As vias de conexão fronto-subcorticais foram descritas
como sistemas funcionais, que seriam implicados na representação
do mundo e do self por meio de coordenadas específicas35: (1) um
sistema perceptual, envolvendo as conexões ventro-laterais do
hemisfério direito, provendo coordenadas do objeto; (2) um sistema
verbalizador, abrangendo as conexões ventro-laterais no hemisfério
esquerdo, proveria as coordenadas da linguagem; (3) um sistema
motivador, associado a vias subcorticais da amígdala, envolveria

Pantano & Zorzi 93


conexões ventro-mediais e orbitais que representariam o mundo e o
self em coordenadas motivacionais e emocionais; (4) um sistema
atencional, associado a uma via subcortical do hipocampo, abrangeria
as conexões dorso-mediais e do giro cingulado anterior de forma a
permitir orientar a atenção para eventos internos e externos a partir
de coordenadas espaço-temporais; e (5) um sistema de coordenação,
que envolveria as conexões dorso-laterais, provendo coordenadas
corporais e visuais para o controle do comportamento dirigido a metas
e da memória operacional.

Disfunções executivas decorrentes de danos frontais


Lesões no córtex pré-frontal, causadas por processos
vasculares, traumáticos ou infecciosos, podem comprometer a
percepção do mundo exterior, o controle motor, o planejamento, o
raciocínio, a atenção, a memória operacional, a aprendizagem
associativa e a expressão da afetividade e da personalidade, dentre
outras funções. Distúrbios desta natureza também são descritos em
alguns transtornos neuropsiquiátricos, como a esquizofrenia 36, o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo37 e o Transtorno do Déficit de
Atenção-Hiperatividade38.
A natureza dos distúrbios cognitivos e comportamentais
decorrentes de danos frontais depende das regiões e circuitos
afetados39. Danos ao córtex pré-frontal dorso-lateral se caracterizam
por alterações no funcionamento executivo, e também podem levar
a um estado contínuo de inércia ou incapacidade de iniciar o
comportamento. Estes sintomas têm sido descritos como a síndrome
dorso-lateral, anteriormente conhecida como pseudo-depressão. Na
síndrome órbito-frontal, por sua vez, predominam sintomas como
desinibição, humor oscilando entre euforia e raiva, controle pobre
dos impulsos e dificuldades para inibir o anseio por gratificação
imediata. Uma das primeiras descrições do impacto de lesões no
córtex orbito-frontal sobre a personalidade envolveu o famoso caso
de Phineas Gage, um operário de 25 anos que teve a base do cérebro
transpassada por uma barra de ferro em um acidente de trabalho.
Após esse incidente, o jovem passou a apresentar mudanças
acentuadas de comportamento, que incluíram oscilações de humor
e falta de inibição comportamental, embora sua inteligência geral e
funções perceptivas e de linguagem tenham se mostrado preservadas.
De fato, outros estudos mostraram que lesões frontais podem co-
existir com desempenhos satisfatórios em testes de inteligências como
o WAIS 40.

94 Neurociências
As alterações causadas por danos no cortex pré-frontal
têm sido ainda descritas como síndrome disexecutiva30. Trata-se de
uma constelação de alterações cognitivas e de comportamento, que
compreende dificuldades para concentrar-se em uma tarefa e finalizá-
la sem um controle ambiental externo; presença de comportamento
rígido, perseverativo e às vezes com condutas estereotipadas;
dificuldades de estabelecimento de novos repertórios de condutas em
conjunto com a perda da capacidade para utilizar estratégias
operacionais; limitações na produção e criatividade com pouca
flexibilidade cognitiva.
As demências associadas ao envelhecimento, como das
doenças de Alzheimer e Parkinson, também são tipicamente associadas
a alterações das funções executivas41,42. Com freqüência, as primeiras
manifestações dessas alterações incluem dificuldades para lidar com
as finanças da casa e com o controle bancário, comportamentos rígidos
e oscilações de humor, que expressam prejuízos da capacidade de
planejamento, do controle inibitório e da flexibilidade mental. As
disfunções do funcionamento executivo e da memória nestas doenças
são associadas à progressiva degeneração neural em regiões frontais e
circuitos fronto-subcorticais.

Desenvolvimento das funções executivas


A aquisição das mais diversas competências, como
cognitivas, acadêmicas e sociais, depende fortemente do
desenvolvimento das capacidades de auto-regulação, que
progressivamente permitem à criança agir de forma independente e
organizar o próprio comportamento. Tal desenvolvimento ocorre em
função de uma complexa interação entre a programação cronológica
dos eventos da maturação neuronal e fatores ambientais, como as
oportunidades de aprendizagem. No córtex pré-frontal, a maturação
segue um curso mais prolongado, completando-se por volta do final
da adolescência ou inicio da vida adulta43. Em relação aos fatores
ambientais, capacidades de auto-regulação são estimuladas, por
exemplo, nas interações sociais, nas brincadeiras e nas atividades
escolares, situações nas quais regras e limites socialmente relevantes
são vivenciados.
O processo de maturação cerebral não ocorre de forma
linear e sim em saltos, caracterizando assim os períodos críticos do
desenvolvimento44. Esses períodos são determinados pela evolução
diferencial de mecanismos neurais como a sinaptogênese e a eliminação
programada de sinapses e neurônios (apoptose) nas várias áreas

Pantano & Zorzi 95


cerebrais. A progressão da maturação nas regiões pré-frontais tem sido
associada ao grau de controle executivo envolvido em uma habilidade,
sendo que as requerem maior demanda de controle amadureceriam
mais tardiamente45. Dessa forma, verifica-se um maior período de
desenvolvimento das funções executivas entre os 6 e 8 anos de idade;
entre 12 e 14 anos, geralmente as crianças já apresentam um
desempenho bastante semelhante ao observado em adultos.
Em conformidade com a noção dos períodos críticos,
lesões na infância em geral repercutem de formas distintas no
desenvolvimento dependendo da idade da criança44. Em uma revisão
da literatura, Moses e Stiles46 descrevem evidências de que lesões
adquiridas entre 1 a 4 anos de idade foram associadas a um maior
prejuízo no desenvolvimento cognitivo em comparação a casos de
lesões congênitas ou adquiridas entre os 4 e os 10 anos. Outros estudos
citados indicaram que efeitos de lesões frontais tendem a ser
observados apenas por volta da adolescência, quando há uma maior
demanda de habilidades associadas ao funcionamento executivo.
Haveria assim um perfil de déficit latente. Em estudos mais recentes,
observou-se que crianças que sofreram danos frontais nos anos
escolares apresentaram menos déficits em vários domínios executivos
quando comparadas a casos de lesão pré-natal47,48. A compreensão dos
efeitos de lesões no cérebro imaturo sobre o desenvolvimento das
funções executivas depende, portanto, de muitas variáveis além da
idade por ocasião da lesão. Em geral, entende-se que os períodos
críticos são de maior vulnerabilidade para efeitos de lesões.
Tem sido também observado que lesões envolvendo o
córtex pré-frontal no hemisfério direito tendem a comprometer o
desempenho de crianças em tarefas de funções de planejamento,
resolução de problemas e que envolvem habilidades mais complexas
de atenção, o que aponta para um papel especial deste hemisfério no
desenvolvimento das funções executivas 49 . Alterações no
funcionamento executivo podem ainda ser causadas por lesões extra-
frontais, abrangendo por exemplo regiões parietais ou temporais
associadas a processos cognitivos necessários para um desempenho
executivo eficiente em medidas de funções executivas, ou ainda serem
decorrentes de rupturas nas vias de conexão entre as áreas corticais e
subcorticais 47.
Assim como ocorre em adultos, crianças com diagnóstico
de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e Transtorno do Déficit
de Atenção-Hiperatividade (TDA-H) tendem a apresentar baixo
desempenho em tarefas que demandam habilidades executivas como

96 Neurociências
planejamento e controle inibitório50,51. O autismo também tem sido
associado a comprometimento desta natureza 52 . Muitas das
características dessa síndrome, como inflexibilidade, perseveração, foco
no detalhe em detrimento do todo e dificuldades no relacionamento
interpessoal, seriam explicadas por déficits executivos.

Avaliação neuropsicológica das funções executivas


Diversos testes neuropsicológicos têm sido utilizados
como medidas de funções executivas na prática clínica e em pesquisas
na área. Uma descrição sumária de alguns destes testes é apresentada
a seguir26.
- Teste de Classificação de Cartões de Wisconsin (Wisconsin
Sorting Card Test-WCST).
O Teste de Classificação de Cartões de Wisconsin (WCST)
envolve um material composto por um conjunto de 128 cartas e outras
quatro que constituem modelos ou alvos (ver ilustração abaixo). As
cartas têm estímulos impressos variando em forma (triângulo, estrela,
cruz e círculo), número (1 a 4) e cor (vermelho, verde, amarelo e azul).
As cartas modelo são expostas ao sujeito em seguida ele recebe
sucessivamente, uma a uma, as cartas resposta. O princípio do teste é
classificar as cartas em função de uma dessas variáveis, segundo um
critério a ser descoberto por dedução lógica em função das respostas
verbais do examinador (“certo” e “errado”), que deve ser mantido
nas classificações subseqüentes. Após dez tentativas, o critério de
classificação é mudado pelo examinador, sem que o sujeito seja
previamente advertido a respeito. Segue uma alternância dos critérios,
cor-forma-número.

O desempenho no teste envolve, portanto, habilidades de


categorização e flexibilidade mental. No estudo desenvolvido por
Miyake e cols29, análises de correlação mostraram que o teste de WCST
foi relacionado à habilidade de efetuar mudanças de padrões mentais
(mental set shifting);

Pantano & Zorzi 97


- Testes de Torres
Os testes de torres envolvem um material caracterizado
por uma base com três pinos na qual são dispostos elementos como
discos de tamanhos diferentes (Torre de Hanói) ou esferas de cores
diferentes (Torre de Londres). Uma disposição especifica destes
elementos é proposta como modelo, e o sujeito é solicitado a mover os
elementos de forma a atingir uma configuração alvo, seguindo um
número de movimentos previamente determinado. Envolve
capacidade de planejamento e, no modelo de Myiake29, foi associada
à capacidade de inibição. Uma ilustração do material da Torre de
Londres encontra-se abaixo, sendo (a) posição inicial e (b) posição alvo.

a)

b)

- Testes do tipo GO-NO GO.


Neste tipo de tarefa o sujeito deve inibir respostas
automáticas. Por exemplo, é solicitado que aperte a mão do
examinador quando este disser “vermelho” e que não aperte quando
disser “verde”. Permite, dessa forma, a investigação de habilidades de
controle inibitório e atenção.

98 Neurociências
- Teste de Trilhas (Trail Making Test)
Neste tipo de tarefa, uma folha de papel na qual são
dispostos números e letras de forma não organizada (ver ilustração
abaixo) é fornecida ao sujeito, que deve ligar os números em ordem
crescente (forma A) ou os números em ordem crescente e as letras em
ordem alfabética alternadamente (forma B). A prova é considerada
como uma medida de velocidade motora e atenção seletiva.

- Teste de cores-palavras (Stroop)


Este teste avalia a capacidade individual para mudar um
padrão perceptivo em conformidade com novas demandas na tarefa.
O sujeito deve nomear quatro cores, depois ler os nomes das cores
escritos em palavras impressas em preto e em seguida dizer a cor da
letra com que as palavras são escritas, sendo que a cor pode ou não
corresponder à palavra escrita. O desempenho nesta tarefa requer
também controle inibitório e sensibilidade a interferências.

- Fluência verbal
Na prova de fluência verbal, o sujeito é solicitado a gerar o
maior número de exemplares de uma dada categoria, como animais
ou frutas (fluência verbal semântica), ou que iniciem com uma certa
letra, como F (fluência verbal fonológica), em um período de tempo
geralmente de 60 segundos. As letras mais usadas são F, A e S. A prova

Pantano & Zorzi 99


requer, além de acesso a conhecimento lexical, uma capacidade de
auto-monitoramento. Uma ocorrência de repetições ou intrusões é
considerada como indicador de dificuldades executivas.
Outros exemplos de tarefas verbais incluem a geração
randômica de números e as provas do tipo n‘back. Na prova de geração
de números, o indivíduo é solicitado a gerar números aleatoriamente
sem repeti-los. Envolve tanto controle inibitório quanto atualização
de informações 29. Tarefas n´back requerem respostas a um dado
estímulo quando este se repetir na seqüência em n’ posições anteriores.
Um exemplo adicional de prova não verbal é a fluência de desenhos,
na qual o sujeito é solicitado a ligar pontos dispostos em forma de
quadrado formando assim desenhos sempre diferentes em um período
de tempo estipulado.
Na prática clínica, é ainda freqüente o uso de baterias
ecológicas como o BADS – Behavioral Assessment of Disexecutive
Syndrome - que consta de diversas tarefas que investigam funções
executivas de uma forma mais semelhante a situações cotidianas26.

Reabilitação neuropsicológica nos distúrbios executivos


A sistematização dos processos de reabilitação
neuropsicológica vem sendo implementada na prática clínica graças
ao trabalho de autores influentes como Ben-Yishay, George Prigatano
e Bárbara Wilson54. As técnicas incluem o treino cognitivo e estratégias
compensatórias, que têm por objetivo melhorar o grau de
funcionalidade e autonomia de pacientes com alterações
neuropsicológicas como as decorrentes de lesões cerebrais. Muitas
dessas técnicas se baseiam na estimulação de habilidades
metacognitivas, que envolvem práticas que procuram estimular o
paciente a regular o próprio comportamento, por meio de exercícios
cognitivos ou uso de recursos externos.
Programas de intervenção com foco em técnicas
metacognitivas visam uma maior percepção dos sintomas e o controle
inibitório. Um exemplo neste sentido é o programa Attention Process
Training (APT) desenvolvido por Sohlberg e Mateer55 com o objetivo
de treino de funções de atenção. Segue alguns exemplos de atividades
e habilidades que procuram estimular.
• Atenção sustentada visual
As instruções são: “eu vou mostrar a você estes cartões,
um de cada vez. Cada vez que você ver uma pessoa com cabelo
castanho seguida de uma pessoa com cabelo loiro, aperte o botão
vermelho. Você tem alguma dúvida? Preste atenção (pay attention).

100 Neurociências
• Atenção seletiva auditiva
Nesta tarefa o sujeito é solicitado a prestar atenção a uma
seqüência de estímulos e responder quando ouvir um estímulo alvo
(palavras, números ascendentes ou descendentes).
• Treino Metacognitivo
O foco aqui é a auto-regulação e auto-monitoração do
comportamento. Algumas das tarefas são:
a) registrar rotineiramente o próprio comportamento:
regularidade e repetição.
Por exemplo, o sujeito é orientado a se perguntar “eu estou
prestando atenção nisso?” e em seguida a registrar sua impressão numa
folha de papel.
b) esquema de auto-questionamento. Por exemplo, ao ler
um parágrafo em um texto, a pessoa é estimulada a se perguntar “qual
foi a idéia principal desse parágrafo”.
No que se refere a reabilitação de funções executivas na
infância56, tem sido ressaltado que (a) embora lesões cerebrais possam
acarretar diretamente dificuldades de auto-regulação, aspectos
ambientais podem contribuir para reduzir ou ampliar seu impacto;
(b) as intervenções devem ser sensíveis ao contexto; (c) rotinas de
instruções e uma adequada interação com a criança são o contexto
ideal para prover a facilitação de funções executivas e (d) especialistas
em reabilitação tem um papel primordial na ajuda cotidiana para
organizar e apoiar as interações sociais da criança com estas disfunções.
É fundamental que pais e professores trabalhem de forma cooperativa
com os profissionais de reabilitação, de forma a prover
progressivamente para as crianças uma maior autonomia em termos
de habilidades auto-reguladoras necessárias para a vida adulta.

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104 Neurociências
Capítulo 6
Linguagem e Cognição

Telma Pantano

A comunicação não é exclusiva da espécie humana, porém


a fala e a escrita da forma como se apresentam são únicas no ser
humano. Lent1 define linguagem como um sistema de comunicação
que envolve a emissão de uma determinada mensagem por um emissor
e a sua compreensão por um receptor. Tem-se assim dois polos que
envolvem a linguagem: a emissão e a compreensão que devem estar
presentes para que a linguagem possa ser constituída de forma efetiva.
De uma forma mais específicas podemos nos referir a
linguagem de acordo com a forma como ela é emitida pelo emissor.
Teríamos então a linguagem oral, escrita, gestual, musical e tanta
outras presentes no nosso dia-a-dia. As duas formas de linguagem a
que se centrará esse estudo relacionam-se com a linguagem oral e a
escrita.
Tanto a linguagem oral (que envolve uma emissão oral e
uma recepção auditiva) quanto a escrita (que envolve uma emissão
motora e uma recepção visual) servem para expressar o conhecimento,
as sensações e os sentimentos e constituem-se a partir das mesmas
bases de conhecimento e das mesmas habilidades de planejamento.
Porém as informações sobre a fala e a escrita estão estocadas em léxicos
distintos e os processos cognitivos relacionados diferenciam-se a
medida que se aproximam dos estágios finais de processamento, uma
vez que originam respostas orais ou motoras2. O quadro 1 apresenta
algumas das diferenças entre esses dois processos de expressão
lingüística:
De uma forma geral utilizamos a linguagem para expressar
pensamentos. Considera-se assim que o pensamento é a capacidade
de ter idéias e de inferir novas idéias a partir das antigas. A linguagem
é a capacidade de codificar essas idéias em sinais para a comunicação.
A linguagem reproduz traços de memória porém, é ela que organiza e

Pantano & Zorzi 105


Quadro 1. Diferenças entre os dois processos de expressão lingüística:
Oral e Escrita.

constitui a memória. Percebemos então que a relação entre memória


e linguagem e co-dependente.
O pensamento é expresso através da linguagem e esta pode
expressar-se de inúmeras formas como por exemplo, a oralidade,
escrita, gestual, desenho, música, artes...
Os estudos mais atuais3,4 consideram o pensamento como o
resultado da interação entre as funções executivas e a linguagem. Sendo
assim a compreensão de processos como sensação, percepção, atenção,
memórias e funções executivas torna-se fundamental para a compreensão
cognitiva da linguagem com relação a sua elaboração e compreensão.
Entendemos como sensação a transdução de estímulos
ambientais em impulsos elétricos. Esses estímulos são captados e
transmitidos de forma isolada ao cérebro que tem como primeira
função unir esses traços sensoriais num processo conhecido como
percepção. Posteriormente, com a atuação da atenção nesse canal
sensorial começarão a ser acopladas a essas percepções características
mais subjetivas como traços de linguagem e memórias relacionadas
ao seu armazenamento (como traços emocionais, cheiros, cores,...).
As funções executivas (dentre elas a memória operacional)
são responsáveis pelo controle atencional desse processamento, na
manutenção dessa informação enquanto unidades de significado são
analisadas e associadas a essa informações (através do acesso às
memórias de longo prazo) e a elaboração de um palnejamento e/ou
raciocínio associado a essas informações. Temos então a construção
de “idéias” que tomarão forma e serão expressas e/ou compreendidas
com o auxílio da linguagem.

106 Neurociências
As unidades mais simples da linguagem falada são os
fonemas que são sons distintos os quais associados com outros sons
formam sílabas e palavras. Temos a percepção como o processo essencial
para o desenvolvimento e a construção do inventário fonético da criança,
uma vez que permite a organização das representações internas a
respeito da língua materna para produzir os sons de determinada língua
– processo ativo. Os processos perceptivos também estão diretamente
relacionados com a produção e a compreensão da linguagem5,6,7,8.
A união desses traços perceptivos dão origem assim aos
fonemas no caso da expressão oral e aos grafemas no caso da escrita
(aqui também os processos perceptivos são fundamentais para o
reconhecimento e diferenciação dos traços gráficos). São os fonemas
e os grafemas que permitem a elaboração de significantes para
representar determinados significados.
Essa associação de um significante (forma oral ou escrita) a
um significado (conteúdo) é conhecida como semântica. O léxico torna-
se assim um armazenamento individual que envolve a relação direta
entre os sons dos fonemas, sílabas e palavras, a gramática que acompanha
determinada palavra e o conteúdo final de significados que os envolve.
O léxico mental deve ser organizado de forma eficiente
para que o sujeito possa fazer uso de forma significativa e
contextualizada do seu conteúdo. O acesso ao léxico mental se dá
através de traços auditivos (semelhança fonológica), traços visuais ou
mesmo de traços semânticos (relacionados às condições conceituais
para a sua utilização). O léxico mental está diretamente relacionado às
memórias semanticas e episódicas já que a atribuição do significado
das palavras comumente é realizada através da análise do contexto
das situações. Freqüentemente observamos no léxico mental o “efeito
de vizinhança” que constitui no fato de que as palavras utilizadas com
maior freqüência possuem acesso mais rápido e, portanto, tendem a
ser mais facilmente recordadas e utilizadas com maior freqüência.
É dessa forma que são originadas as palavras que em
neurociências 9 são divididas em palavras de vocabulário (as que
representam conceitos, objetos, ações, qualidades e lugares incluindo
assim os substantivos, adjetivos e advérbios) e palavras de gramática
(que estão relacionadas às noções de tempo, lógica e as relações entre as
palavras de conteúdo). Essa divisão torna-se bastante interessante a partir
do momento em que nos ajuda a compreender as dificuldades que
encontramos nos nossos alunos e pacientes com às palavras de
gramática. O aprendizado e a utilização dessas palavras é bastante difícil
de ser ensinado e corretamente utilizado.

Pantano & Zorzi 107


As palavras se associam em frases cujo conjunto de regras
gramaticais é denominado sintaxe. Mais do que estruturar as frase a
sintática é importante já que o significado expresso também se
relaciona com a utilização da estrutura sintática. Dessa forma, só é
possível a expressão e a compreensão de conteúdos semânticos
complexos com o apoio de regras sintáticas10.
Shankweiler e Smith 11 referem em seus estudos que o
significado de uma sentença não é meramente a soma dos significados
das palavras, mas o resultado das relações entre os componentes
determinados pela estrutura sintática.
Porém, utilizar somente palavras de vocabulário e de
gramática e uma estrutura sintática coerente não é suficiente para que
possamos produzir ou compreender uma frase, quanto mais um texto.
Para a produção, por exemplo, é necessário ter um foco atencional
bem delimitado, escolher as palavras corretas, utilizar regras
gramaticais para uni-las de acordo com as regras de uma determinada
língua e gerar comandos motores para a expressão das idéias. No caso
da compreensão faz-se necessário acionar o sistema atencional e
coordenar as informações sensoriais com a gramática e o vocabulário
e enviar as informações para os sistemas de memória e ao raciocínio.
Esses padrões de funcionamento dependem de um grande
número de áreas encefálicas e de padrões de funcionamento
extemamente complexos. Os estudos de linguagem mais atuais que
abordam uma linha cognitiva podem ser divididos entre aqueles que
referem-se a bases neuroanatômicas (fornecem as áreas cerebrais
correspondentes a determinada tarefa e o tempo de ativação das
mesmas) e os que se referem ao funcionamento cognitivo (preocupam-
se em correlacionar as áreas e as funções um vez que tenta realizar o
seqüenciamento das funções cognitivas).
Esses estudos são complementares, uma vez que os estudos
baseados em neuroimagem conseguem definir quais as áreas
envolvidas mas não quais as funções que se encontram na área
observada. Porém com o advento desses estudos foi possível verificar
que as áreas até então destinadas a linguagem não eram tão restritas e
definidas como vinha sendo considerado até então12. Percebe-se nesses
estudos que várias áreas associativas do cérebro encontram-se
integradas para a realização de cada processo que resulta em o que
definimos como linguagem.
Conhecer uma ampla rede de conexões encefálicas torna-
se assim fundamental para o profissional que estuda o funcionamento
da linguagem. A linguagem torna-se um processo extremamente

108 Neurociências
amplo que envolve o funcionamento neurológico como um todo. Não
é possível, numa abordagem cognitiva, pensar em estudos que
envolvam linguagem em que não sejam considerados aspectos como
memória e atenção, assim como os fatores que levam o indivíduo a
adquirir os conceitos, uma vez que essa aquisição envolve relações
estreitas com os canais sensoriais e as percepções.
Áreas associativas nas regiões temporal, frontal e parietal
esquerdas estão envolvidas na mediação de conceitos e na produção e
compreensão de linguagem; o córtex insular esquerdo é considerado

planejamento motor comando motor


tato e
direcionamento sensibilidade
da atenção inteligência
espacial

movimento
visual
memória funcional
espacial
controle da visão
escrita
reconhecimento compreensão
de objetos audição das palavras

envolvido na articulação de fala e áreas pré-frontais estão intimamente


relacionadas uma vez que fazem a mediação da memória e dos processos
atencionais necessários. Dessa forma, o esquema atualmente em uso
para a linguagem envolve um sistema de implementação de linguagem,
um sistema mediador e um sistema conceitual12.
O sistema de implementação de linguagem é um sistema
que envolve as áreas de Broca, Wernicke, áreas do córtex insular e os
núcleos da base. É uma região responsável pela análise dos sinais auditivos
Córtex motor Fascículo
primário arqueado

Giro angular
Área de
Broca

Córtex
visual
Córtex primário
auditivo Área de
primário Wernicke

Pantano & Zorzi 109


aferentes de forma a ativar o conhecimento conceitual e assegurar a
construção fonêmica e gramatical, bem como o controle articulatório.
O sistema mediador é intermediário entre o sistema de
implementação e o conceitual e está localizado de forma a circundar o
sistema de implementação e até o momento 9 relaciona-se ao polo
ínfero-temporal esquerdo e o córtex pré-frontal esquerdo. Por fim, o
sistema conceitual é aquele que embasa a estruturação de conceitos
envolvidos na compreensão e na produção lingüística e está localizado
em diversas regiões entre os córtex associativos.
Dessa forma, graças ao advento das neuroimagens
associam-se novas áreas relacionadas a linguagem ás áreas
anteriormente atribuídas e observa-se que para a organização,

Córtex Motor

Área de Broca
Área Visual
Área de Primária
Giro
Wernicke Angular

produção e compreensão da linguagem o cérebro deve organizar-


se e trabalhar em conjunto com diversas outras áreas relacionadas
ao processamento sensorial, ao controle atencional e à memória
operacional. Cabe ao profissional de linguagem conhecer e se
aprofundar nos estudos dessas áreas e suas conexões para uma
melhor compreeensão e elaboração do seu trabalho e raciocínio
diário.

110 Neurociências
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12. Kandel, ER; Schwartz, JH; Jessell, TM. Princípios de neurociência. Manole
editorial. São Paulo. 2003.

Pantano & Zorzi 111


112 Neurociências
Capítulo 7
Processamento Auditivo

Mari Ivone Lanfredi Misorelli e Mirella Liberatore Prando

Os clínicos interessados na avaliação das habilidades


auditivas centrais e no tratamento de suas alterações, necessitam
aprofundar seus conhecimentos na neurociência em geral,
especificamente a neurociência auditiva, especialmente em áreas como
anatomia, fisiologia, farmacologia e plasticidade do sistema nervosos
auditivo central, que são relevantes para o campo do processamento
auditivo (central)1. O conhecimento do sistema nervoso auditivo central
(SNAC) permite diagnóstico e programa de intervenção terapêutica
mais preciso e pontual.

Definição

Processamento auditivo (central) [PA(C)] refere-se à


eficiência e à efetividade com que o SNAC utiliza a informação
auditiva. PA(C) refere-se ao processamento perceptual da informação
auditiva no SNAC e a atividade neurobiológica subjacente ao
processamento, que permite os potenciais auditivos eletrofisiológicos.
E inclui os mecanismos auditivos que permitem as seguintes
habilidades ou funções: localização e lateralização do som;
discriminação auditiva; reconhecimento de padrão auditivo; aspectos
temporais da audição, incluindo integração temporal, discriminação
temporal, ordenação temporal e mascaramento temporal, desempenho
auditivo com sinais acústicos competitivos e com sinais acústicos
degradados2.
Apesar de habilidades como consciência fonológica, atenção
e memória para informação auditiva, síntese auditiva, compreensão e
interpretação de informação apresentada auditivamente, dependerem
da função auditiva central intacta, elas são consideradas funções superiores
de linguagem e, assim, não estão incluídas na definição de PAC2.

Pantano & Zorzi 113


O distúrbio de processamento auditivo (central) [DPA(C)]
é uma falha no processamento neural do estímulo auditivo, que pode
coexistir, mas não é resultado de uma disfunção em outras
modalidades 2. As alterações de processamento auditivo podem
ocorrer em 2 a 3% de crianças, na relação de dois meninos para cada
menina 3.
A dificuldade no PA(C) pode estar associada a dificuldades
de aprendizagem, fala e linguagem. No entanto, esta relação não é
simples, já que a privação auditiva não tem o mesmo impacto nas
pessoas, devido à organização cerebral individual e às condições que
afetam sua organização, como idade desenvolvimental e cronológica,
experiência e tempo de linguagem; habilidades cognitivas, incluindo
atenção e memória; educação; ambiente social, cultural e lingüístico;
medicação; motivação; processos de decisão; acuidade visual,
habilidades motoras; e outras variáveis podem influenciar no
desempenho dos indivíduos2-4.
Apesar do DPA(C) poder coexistir com outras desordens,
em quadros que freqüentemente apresentam dificuldades de
compreensão de linguagem falada e/ou escuta - síndrome de espectro
autista ou transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH);
nem sempre essas dificuldades são devidas a déficit de PA(C) per si,
mas a funções superiores, a desordens mais globais. Por isso, não seria
apropriado aplicar o rótulo diagnóstico de DPA(C) para dificuldades
auditivas exibidas por estas crianças3, 4.
Assim, os termos processamento de linguagem e
processamento auditivo não são sinônimos; apesar de desordens de
linguagem e de processamento auditivo poderem levar a sintomas
comportamentais similares2.

Sintomas

Os indivíduos com dificuldade na função auditiva central


podem apresentar um ou mais dos seguintes comportamentos2:
- Dificuldade de compreensão de linguagem falada em ambientes
ruidosos ou com mensagem competitiva
- Interpretação incorreta de mensagens
- Respostas inapropriadas ou inconsistentes
- Solicitação freqüente de repetição
- Utilização de “Hã?” “O que?”
- Necessidade de mais tempo para responder em situações de
comunicação oral

114 Neurociências
- Dificuldade em manter a atenção
- Distrai-se facilmente
- Dificuldade em seguir ordens ou comandos auditivos complexos
- Dificuldade de localização
- Dificuldade em aprender rimas e músicas infantis
- Problemas de leitura e escrita e de aprendizagem associados.

Anatomia

O nervo auditivo é a primeira estrutura central a receber


os estímulos via cóclea, apresenta organização tonotópica, ou seja, as
fibras são organizadas espacialmente segundo as características
acústicas, essa organização está presente em toda a via auditiva até o
córtex auditivo primário. As vias aferentes originam-se nos núcleos
cocleares (NC) que recebem informação da orelha ipsilateral, sua
função é ampliar o contraste dos estímulos e diminuir os sinais de
ruído. Esses estímulos seguem para os núcleos do complexo olivar
superior (COS), que recebem informação tanto da orelha ipsilateral
quanto da orelha contralateral, essa condição anatômica é base para a
comparação de informações entre as orelhas como diferenças de
intensidade e de tempo interaural, possibilitando as habilidades de
localização, lateralização e fala no ruído.
Os estímulos seguem via lemnisco lateral, com estruturas
ascendentes e descendentes, tendo assim um papel sensorial e motor,
até o colículo inferior que continua a análise sensorial dos estímulos. A
comissura que une essas duas estruturas, também desempenha um
papel na localização da fonte sonora. O corpo geniculado medial (CGM)
continua a análise dos estímulos, aplicando um filtro ativo na
informação.
O córtex auditivo primário (giro de Heschl) recebe
projeções do tálamo e da ínsula e tem representado fibras tanto da
orelha ipsilateral quanto da orelha contralateral, embora com
predomínio de fibras contralaterais, é especializado na análise rápida
de eventos acústicos fundamentais para discriminação de consoantes.
O córtex auditivo secundário (área de Wernicke) é responsável pelo
reconhecimento de palavras e de outros estímulos de linguagem.
O hemisfério esquerdo, para a maioria da população, é
dominante para as funções de linguagem, o hemisfério direito é
responsável pela percepção do estímulo não lingüístico, como ritmo e
entonação e pela percepção do contorno acústico de informações
lingüísticas ou não.

Pantano & Zorzi 115


O corpo caloso (CC) é a maior fibra comissural do sistema
nervoso central e é responsável pela conexão das áreas corticais,
permitindo a integração de informações analisadas pelos hemisférios.
As vias eferentes apresentam trajetos tanto ipsi quanto
contralateral, inclui tanto atividade excitatória quanto inibitória,
embora sua função não seja totalmente conhecida pode-se citar a
redução da atividade nervosa eliciada por estímulo sonoro, a
diminuição de ruído, o envolvimento nos mecanismos de feedback e o
aprimoramento da resolução temporal5.
Toda a passagem do estímulo acústico de uma estrutura a
outra acontece via sinapses, essas sinapses vão permitir a passagem
ou não do estímulo, isso acontece devido ao trabalho dos
neurotransmissores que podem ser inibitórios ou excitatórios.
Os conceitos de neuromaturação e de neuroplasticidade
do sistema auditivo têm importantes implicações na avaliação e
intervenção de crianças com DPA(C). Maturação e plasticidade
neural não são sinônimos, embora sejam fenômenos muito próximos.
Como a neuromaturação de algumas porções do sistema auditivo
podem não estar completas até a idade de 12 anos ou mais, dados
normativos com a faixa etária devem ser obtidos através de
instrumentos de avaliação utilizados na clínica. Além disso, devido
ao alto grau de variação em crianças abaixo de sete anos de idade,
muitos testes centrais não são apropriados ao uso em populações
jovens. O conceito de plasticidade neural está relacionado às
modificações que o SNAC faz frente à estimulação interna ou externa.
Existem três tipos de plasticidade: a plasticidade desenvolvimental,
que ocorre devido aos processos maturacionais, a plasticidade
compensatória e a aprendizagem. A plasticidade neural é a base para
a intervenção6.

Avaliação

A proposta da bateria comportamental que avalia a


função auditiva central é examinar a integridade do SNAC, e
determinar a presença de DPA(C) e descrever seus parâmetros. Para
isto o examinador deve avaliar uma variedade de áreas de
desempenho auditivo. Os testes devem incluir testes verbais e não-
verbais para examinar diferente s aspectos do PA(C) e diferentes
níveis do SNAC 2.
A bateria de avaliação do PA(C) será apresentada segundo
os principais mecanismos auditivos:

116 Neurociências
Processamento temporal
Processamento temporal refere-se ao modo como o
SNAC analisa aspectos temporais do sinal acústico, é o mecanismo
auditivo mais elaborado, pois inclui muitas habilidades auditivas e
muitos níveis do SNAC e seus mecanismos ainda não são totalmente
conhecidos 3.
A habilidade de reconhecer o contorno do sinal acústico
contribui muito para tarefas como extração e utilização de aspectos
de prosódia, como ritmo, tonicidade e entonação. Essas habilidades
permitem ao ouvinte reconhecer palavras-chave em uma frase,
reconhecer a sílaba tônica de uma palavra, permitindo, por
conseguinte, a diferenciação de palavras que se opõem, apenas, pela
mudança da tonicidade, ou de frases que têm seu significado mudado
pela variação da prosódia. A entonação fornece indícios sobre a intenção
da mensagem, assim como o estado emocional do falante. O ritmo da
fala também pode afetar o significado da expressão4.
O processamento temporal inclui quatro categorias:
ordenação temporal, resolução ou discriminação temporal, integração
temporal e mascaramento temporal.
Ordenação temporal refere-se ao processamento de
múltiplos estímulos em uma seqüência temporal, habilidade
importante na percepção da fala. É avaliada por meio de testes de
padrão de freqüência ou duração em que é solicitado ao indivíduo
que nomeie a ordem da seqüência de três tons. A ordenação temporal
de padrões auditivos requer o processamento de ambos os hemisférios
cerebrais: o hemisfério esquerdo, para a ordenação das respostas, e o
hemisfério direito, para o reconhecimento do padrão gestáltico,
considerando este dominante para o reconhecimento desse padrão.
Se a gestalt dos padrões é reconhecida pelo hemisfério direito e a
seqüenciação dos padrões é finalizada no hemisfério esquerdo, a
integração inter-hemisférica e a transferência de informação pelo corpo
caloso estão envolvidas. A resposta verbal para padrões de freqüência
requer, ainda, uma rota neural da seqüência decodificada da região
subcortical da área temporoparietal posterior, via tratos intra-
hemisféricos para as regiões frontais do cérebro próximas, ou na fissura
central, onde a resposta motora seria organizada e iniciada4.
Discriminação ou resolução temporal refere-se ao menor
tempo que uma pessoa precisa para discriminar entre dois estímulos
auditivos.
Os testes disponíveis para avaliar essas habilidades são
importados e foram padronizados para a população brasileira:

Pantano & Zorzi 117


- Pitch Pattern Sequence (PPS)7,8
- Duration Pattern Sequence (DPS)7,8
- Gaps in Noise (GIN)9,10
- Randon Gap Detection Test (RGDT)11,12

Integração temporal resulta da somatória da atividade


neuronal ocasionando em um aumento da energia do som tanto na
duração quanto na intensidade do estímulo. Mascaramento temporal
é mudança de um som na presença de outro estímulo subseqüente.
Atualmente não há ferramentas disponíveis para avaliar a integração
e o mascaramento temporal3.

Escuta dicótica de fala


O termo dicótico refere-se à condição em que diferentes
estímulos são apresentados para cada orelha simultaneamente. Avalia
a função hemisférica, a transferência interhemisférica de informação,
maturação e desenvolvimento do SNAC.
A teoria relativa ao mecanismo da escuta dicótica sugere
que, apesar da entrada auditiva estar representada tanto contra como
ipsilateral através do SNAC, vias contralaterais de uma orelha ao córtex
auditivo são mais fortes e mais numerosas que as vias ipsilaterais. Para
estímulos monóticos, ambas as vias realizam a transmissão do sinal.
Entretanto, para estímulos dicóticos, as vias contralaterais dominam e
suprimem as vias ipsilaterais.
Como um dos hemisférios é dominante para linguagem
(usualmente o esquerdo), a informação apresentada na orelha esquerda
chega inicialmente ao hemisfério direito e precisa passar pelo corpo
caloso para ser percebida e analisada pelo hemisfério esquerdo. Já a
informação apresentada na orelha direita é transmitida diretamente
ao hemisfério esquerdo sem a necessidade de processamento pelo
hemisfério direito ou pelo corpo caloso.
Clinicamente, podem-se identificar dois tipos principais,
os de separação binaural (escuta dirigida) e os de integração binaural.
Nos testes de separação binaural é solicitado ao ouvinte que preste
atenção em apenas uma orelha desprezando a informação da outra, já
na tarefa de integração binaural é solicitada à atenção na informação
das duas orelhas.
Os testes de escuta dicótica podem apresentar
características muito diferentes, incluindo o tipo de estímulo a ser
utilizado, nível de dificuldade, grau de demanda lingüística e solicitação
de tarefa ao ouvinte. Os estímulos apresentados podem ser não-verbais

118 Neurociências
e verbais, os estímulos verbais incluem sílabas, dígitos, palavras até
sentenças completas. A resposta pode ser global, com o ouvinte
repetindo tudo o que ouviu (integração binaural/atenção dividida) ou
limitada, com o ouvinte repetindo somente parte da informação
(separação binaural/ atenção dirigida).
As tarefas de fala dicóticas são sensíveis a disfunções
corticais e do corpo caloso, assim como às disfunções de tronco
encefálico, apesar de que em um grau menor.
Os testes de escuta dicótica de fala disponíveis, no Brasil,
são :13

- Teste dicótico de dígitos


- Dicótico Consoante-Vogal
- Teste de escuta de dissílabos alternados – SSW em Português
- Teste de sentenças sintéticas com mensagem competitiva contralateral
– SSI-MCC em Português
- Teste de inteligibilidade pediátrica com mensagem competitiva
contralateral – PSI-MCC em Português

Monoaurais de baixa redundãncia

Esses testes reduzem a redundância extrínseca do sinal de


fala, distorcendo o sinal por modificações digitais ou eletroacústicas de
freqüência, de intensidade ou das características temporais do sinal e
quando sem distorção, com mensagem competitiva ou com ruído
competitivo. Avaliam a função auditiva central de fechamento auditivo,
que é a habilidade do indivíduo completar a informação, fazem parte
desta habilidade a discriminação auditiva e a decodificação. Essa
habilidade tem importante papel no dia a dia, já que são comuns situações
de comunicação em ambientes ruidosos ou com vários falantes.
Os testes disponíveis, no Brasil, são 13:
- Teste com fala filtrada/passa baixo
- Teste com fala no ruído
- Teste de sentenças sintéticas com mensagem competitiva ipsilateral
– SSI-MCI em Português
- Teste de inteligibilidade pediátrica com mensagem competitiva
ipsilateral – PSI-MCI em Português

Interação binaural

O mecanismo de interação binaural refere-se à habilidade


do SNAC em receber informações díspares, embora complementares

Pantano & Zorzi 119


e unificá-las em um evento perceptual. Este processo depende
primariamente da integridade de estruturas do tronco encefálico, no
entanto, podem ser afetados por disfunções/lesões corticais.
As funções auditivas que dependem da interação são:
localização e lateralização, diminuição de mascaramento binaural,
detecção de sinais no ruído e fusão binaural.
O teste utilizado para avaliar essa habilidade é o Masking
level difference (MLD) 14.
Sugere-se o uso de medidas eletroacústicas: emissão
otoacústica, limiares do reflexo acústico e reflexo acústico decay e
medidas eletrofisiológicos, que avaliam os potenciais elétricos que
refletem a sincronia da atividade gerada pelo SNC em resposta a uma
variedade de eventos acústicos2.

Diagnóstico

A interpretação dos resultados deve incluir2:


- análise intra-teste, que compara padrões observados em um dado
teste que forneça informação interpretativa adicional.
- análise intertestes, que é a comparação das tendências observada na
bateria de testes, consistência de resultados com os princípios da
neurociência.
- análise interdisciplinar, que é a comparação dos resultados observados
na avaliação do PAC e de outras áreas não auditivas
O diagnóstico de DPAC requer déficit de desempenho em
pelo menos dois ou mais testes da bateria. O avaliador deve estar atento,
entretanto, a inconsistências nos resultados que seria sinal de presença
de uma alteração não auditiva. Se o desempenho pobre for observado
em só um teste, deve-se observar o desvio padrão, além disso, é
indicado que o avaliador reaplique o teste em questão ou outro similar
para avaliar o mesmo processo e confirmar seus achados.
A interpretação dos dados interteste e interdisciplinar deve
ser relacionada com os princípios da neurociência sempre que possível,
particularmente quando o objetivo é topodiagnóstico. O avaliador
também deve observar e descrever indicadores qualitativos de
comportamentos de desempenho que ocorreram durante a avaliação,
como tempo de resposta, distribuição de erros durante a avaliação,
atenção, memória, fatiga e motivação.
Existem sistemas ou modelos de classificação, que são
usados para classificar os indivíduos diagnosticados com DPAC13, 15,16.
Cada modelo usa os resultados da bateria de testes auditivos centrais

120 Neurociências
para construir um perfil que pode ser utilizado para auxiliar a equipe
multidisciplinar na determinação estratégias de intervenção do déficit.
Apesar de, estes modelos serem métodos úteis na interpretação dos
resultados da bateria e no programa de intervenção, é importante
enfatizar que seu uso não é universalmente aceito2.

Intervenção

A literatura da neurociência auditiva e cognitiva fornece


um programa amplo, que incorpora tanto uma abordagem botton-up
como top-down baseada nos princípios da neurociência.
Treinamento auditivo deve ser implementado tão logo
quanto possível, deve ser intensivo, explorando a reorganização e
plasticidade cortical, deve ser amplo, maximizando generalização e
reduzindo os déficits funcionais, e deve fornecer forte reforço para
promover a aprendizagem. Além disso, é importante que os princípios
do treinamento sejam ampliados para a escola, lugar de trabalho ou
no lar para maximizar as habilidades trabalhadas2.
Os objetivos da intervenção são determinados com base
nos achados da bateria de testes, na história clínica individual, e nos
dados de avaliação de linguagem e educacional, e deve focar tanto a
reabilitação das habilidades comprometidas assim como os impactos
que esses comprometimentos trouxeram para o indivíduo. O programa
de intervenção deve atuar em três aspectos: atividades de reabilitação,
estratégias compensatórias e modificações ambientais2, 4,15.
Atividades de reabilitação, ou treinamento auditivo,
consistem de estratégias idealizadas com o objetivo de reabilitar as funções
auditivas deficitárias envolvidas no PAC. As atividades de treinamento
auditivo podem incluir, mas não estão limitadas a procedimentos de
discriminação de freqüência, intensidade e duração, discriminação de
fonemas e atividades de fonema-grafema, discriminação de gap,
seqüencialização e ordenação temporal, reconhecimento de padrão verbal
ou não, localização e lateralização de sons e reconhecimentos de
informação auditiva com presença de competição ou ruído. Como a
transferência interhemisférica subsidia o processamento e a escuta
binaural, exercícios para treinar a transferência interhemisférica usando
diferenças interaurais de intensidade, assim como outros exercícios de
transferência interhemisférica que podem ser unimodais (unindo
características acústicas lingüísticas e prosódicas) ou multimodais
(escrevendo um ditado, descrição de uma figura enquanto desenha) são
importantes para o programa de treinamento auditivo2-4.

Pantano & Zorzi 121


Treinamento das estratégias compensatórias é uma
abordagem idealizada com o objetivo de minimizar o impacto que a
alteração das funções auditivas trouxe ao desenvolvimento do
indivíduo e que não são resolvidas com o treinamento auditivo, estão
especialmente relacionadas à memória, atenção e linguagem. As
estratégias utilizadas são as metalingüísticas e as metacognitivas e
incluem: derivação contextual, construção de vocabulário, consciência
fonológica, solução de problemas e auto-instrução2-4,15.
As modificações ambientais têm o objetivo de melhorar o
acesso à informação auditiva, diminuindo o impacto que as alterações da
função auditiva possam trazer para o dia-a-dia do indivíduo. Entre as
mudanças pode-se incluir a melhora do ambiente acústico com
diminuição do ruído e da reverberação e a escolha de assento preferencial,
que considera as características acústicas da sala de aula ou do ambiente
de trabalho e a sua distribuição espacial, designando o local de melhor
aproveitamento da informação do ponto de vista auditiva e visual2, 4,15.

Considerações Finais

O capítulo foi escrito com o intuito de fornecer aos clínicos


envolvidos em diagnóstico e reabilitação um panorama atual dos
principais conceitos envolvidos na área de processamento auditivo. O
processamento auditivo impulsionado por novas descobertas na
neurociência nos trará cada vez mais uma melhor compreensão dos
processos envolvidos, uma bateria de avaliação de processamento cada
vez mais específica e novas abordagens terapêuticas.
Outro objetivo foi valorizar a avaliação do processamento
auditivo como ferramenta eficaz na elucidação da etiologia, fornecendo
dados para o diagnóstico diferencial e colaborando na elaboração de
estratégias específicas. No entanto, a avaliação do processamento só
trará essa contribuição com a leitura e a interpretação criteriosa de
seus achados, sob a luz do conhecimento da neurobiologia do sistema
nervoso auditivo central.
A investigação da função auditiva central deve ser considerada
parte integrante de uma investigação que envolva a análise completa das
dificuldades apresentadas pelo indivíduo devido à estreita relação que os
aspectos perceptuais auditivos estabelecem com outras funções superiores.
A correlação entre os achados da avaliação da função auditiva
e os da avaliação de linguagem oral e/ou escrita permitem uma
compreensão mais abrangente das dificuldades e facilidades do indivíduo
possibilitando a escolha de um caminho mais produtivo pelo terapeuta.

122 Neurociências
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Pantano & Zorzi 123


124 Neurociências
Capítulo 8
Aprendizagem e Habilidades Acadêmicas

Simone Aparecida Capellini , Giseli Donadon Germano


e Vera Lúcia Orlandi Cunha

Introdução

A entrada na escola para o chamado processo de


escolarização requer uma série de habilidades e competências que se
constituem como pré-requisitos para as aprendizagens que irão ser
processadas. É muito comum que escolares enfrentem problemas nos
primeiros anos de escolarização, pois, neste período, existem variáveis
presentes na própria criança, bem como na escola ou em seu ambiente
familiar e social que são capazes de interferir na aprendizagem,
constituindo-se como obstáculos para a aprendizagem acadêmica.
Na realidade educacional brasileira, há um grande número
de crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem e que não
conseguem acompanhar as atividades de leitura e escrita no contexto
escolar. Ao entrar na escola, a criança aprenderá que as palavras e
sentenças escritas correspondem às unidades de fala, assim, a
consciência dos fonemas é importante para a aprendizagem da leitura
em um sistema de escrita alfabético como o do português. Entretanto,
se algo prejudicar o desenvolvimento desta relação oralidade-escrita,
problemas de aprendizagem poderão aparecer.
Muitas condições genético-neurológicas contribuem
desfavoravelmente para que as crianças que as portam apresentem
dificuldades específicas, como a falta de atenção, alteração de memória,
falhas na percepção auditiva e visual, dificuldade para percepção e
produção de sons na fala que podem de forma direta ou indireta
ocasionar estas mesmas dificuldades no momento da leitura e da
escrita.
Entre estas condições determinadas genética e
neurologicamente encontram-se a dislexia do desenvolvimento, o

Pantano & Zorzi 125


distúrbio de aprendizagem e o transtorno do déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH). Apesar destas condições serem distintas
devido ao fato de a dislexia do desenvolvimento e o distúrbio de
aprendizagem serem transtornos de aprendizagem, o TDAH é um
transtorno do comportamento, entretanto, estas condições acarretam
prejuízos acadêmicos que comprometem o uso de habilidades
cognitivas e lingüísticas que merecem ser identificadas e tratadas
precocemente no contexto clínico e educacional.
Desta forma, compreender os chamados “problemas de
aprendizagem”, que envolvem crianças que não aprendem ou que
não realizam tarefas acadêmicas de forma satisfatória, vai além da
percepção do professor, do fonoaudiólogo, psicólogo ou
psicopedagogo. Essa compreensão abrange o entendimento, por parte
destes profissionais, de que fatores neurológicos, neuropsicológicos,
cognitivos e lingüísticos estão inter-relacionados e susceptíveis à
interferência sociocultural e pedagógica (no caso específico da
metodologia de alfabetização) para a determinação do sucesso ou do
fracasso escolar.
Diante disso, este capítulo objetiva abordar os fatores
neurológicos, neuropsicológicos, cognitivos e lingüísticos da
aprendizagem das habilidades acadêmicas.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem

Na perspectiva neurológica e neuropsicológica, a linguagem


constitui forma complexa de comportamento que exige integridade
de zonas ou áreas cerebrais consideradas necessárias para a sua
aquisição e desenvolvimento. Desta forma, as funções corticais
superiores desempenham papel importante na aprendizagem, pois a
integridade das funções gnósico-interpretativas e práxico-produtivas
são fundamentais para a evolução do aprendizado da linguagem falada
para o aprendizado da linguagem escrita.
Segundo Lúria 1, os processos mentais humanos são
sistemas funcionais complexos que não estão localizados em áreas
específicas do cérebro, mas que ocorrem pela participação mútua
das estruturas cerebrais, contribuindo para a organização desse
sistema funcional. As funções corticais estão relacionadas ao
desenvolvimento de Unidades Cerebrais Funcionais. A participação
destas unidades se torna necessária para qualquer tipo de atividade
mental, podendo subdividir-se da seguinte maneira: uma unidade
para regular o tono ou a vigília, uma unidade para obter, processar e

126 Neurociências
armazenar as informações que chegam do mundo exterior e uma
unidade para programar, regular e verificar a atividade mental. Os
processos mentais e a atividade consciente ocorrem com a
participação das três unidades, cada uma desempenhando seu papel
nos processos mentais e contribuindo para o desempenho desses
processos. Neste contexto, o autor descreveu as três unidades
funcionais, quais sejam:
1. A primeira unidade funcional ou de vigília, composta
por: estruturas do Tronco Cerebral que participam do controle do
ciclo sono-vigília; Sistema Reticular Ascendente, representadas
fundamentalmente pelos núcleos colinérgicos, noradrenérgicos,
dopaminérgicos e serotoninérgicos; Ponte e Medula. O córtex cerebral
também participa, especialmente o córtex pré-frontal (manutenção
da atenção para formação da memória). A alteração anatômica ou
funcional deste sistema produz diversas alterações clínicas, desde
distração até síndrome comatosa.
2. A segunda unidade funcional ou de recepção é a área da
análise e do armazenamento de informação, representada pelo córtex
temporal, parietal e occipital, existindo as áreas primárias, secundárias
e terciárias.
- As áreas primárias são aquelas onde terminam as fibras sensitivas
que provêm do tálamo. No lobo Temporal estão as áreas auditivas
primárias 41 e 42, no primeiro giro temporal superior; no lobo Parietal
está a área somestésica que ocupa o giro pós-central e; no lobo
Occipital, na face interna, a área visual 17. As áreas primárias só
registram os elementos da experiência sem caráter simbólico.
- As áreas secundárias se situam junto às primárias. A área 22 é a área
auditiva secundária; as áreas 18 e 19 constituem a área visual e as
áreas 5 e 7 do lobo parietal, a área somestésica. A principal função
destas áreas é processar a informação que chega às áreas primárias e
dar-lhes conteúdo simbólico.
- As áreas terciárias não têm localização tão precisa. São áreas de
associação entre as áreas secundárias, integrando experiência
multisensorial. Assim, integram-se funções complexas, como a
linguagem, esquema corporal, espaço-tempo e cálculo, entre outras.
O desenvolvimento destas áreas determina o estabelecimento do
hemisfério esquerdo em relação à linguagem.
3. A terceira unidade de programação, regulação e
verificação da atividade é representada pelos lobos frontais, que
tornam possível a intencionalidade, a planificação e a organização da
conduta em relação à percepção e ao conhecimento do mundo.

Pantano & Zorzi 127


Quando é evidenciada a presença de dislexia do
desenvolvimento e do distúrbio de aprendizagem, deve ser
considerada a presença de disfunções neuropsicológicas que acometem
as funções gnósico-interpretativas e práxico-produtivas que ocasionam
falhas na decodificação, processamento, programação e execução da
linguagem-aprendizagem2.
Qualquer disfunção que ocorra na etapa de
desenvolvimento das unidades funcionais cerebrais acarreta alterações
perceptomotoras que podem resultar em problemas de linguagem e
aprendizagem, ou seja, a disfunção nas zonas primárias pode acarretar
problemas de atenção; nas zonas secundárias, pode resultar em
dificuldade na aprendizagem básica de leitura, escrita e matemática;
nas zonas terciárias, pode resultar em baixo rendimento intelectual,
dificuldade na compreensão da linguagem, dificuldade na leitura,
escrita e habilidade matemática3,4.

Habilidades necessárias para a aprendizagem da leitura

Segundo Capellini5, a criança ao ingressar na escola possui


o domínio do sistema lingüístico em sua modalidade oral e, portanto,
encontra-se com suas habilidades lingüístico-cognitivas adequadas
para a aprendizagem de leitura e escrita. No entanto, apesar de ter
domínio destas habilidades na oralidade, a criança não tem noção de
quais aspectos fonológicos relacionados à linguagem oral são
necessários para ler e escrever. Assim, quando entra em contato com
a escrita, ela se depara com um novo sistema, no qual precisa utilizar
novas regras e voltar sua atenção para elementos até então
imperceptíveis.
Para isso, é necessário que a criança desenvolva suas
capacidades metalingüísticas, ou seja, que ela passe a refletir sobre
sua linguagem. Esta reflexão envolve a atenção aos aspectos da
linguagem (níveis fonológico, morfológico e sintático) e não apenas
ao seu conteúdo (nível semântico). A capacidade metalingüística, em
seu nível fonológico, faz com que a criança reflita sobre o sistema
sonoro da língua, tendo consciência de frases, palavras, sílabas e
fonemas como unidades menores6.
A sensibilidade geral das crianças para a estrutura dos sons
da linguagem representa papel importante para aprender a ler e a
soletrar dentro de um sistema de escrita com o princípio alfabético
como o português. Segundo Anthony et al7, a sensibilidade fonológica
pode influenciar o início da aquisição de leitura por múltiplos caminhos,

128 Neurociências
inclusive pela leitura por analogia e leitura por meio de
correspondências de letra-som. A sensibilidade para rima acrescenta
uma vantagem para ler por analogia e a sensibilidade de fonemas soma
uma vantagem para ler pela correspondência de letra–som. Os autores
também reconhecem que a maioria da influência na leitura é
compartilhada por estas duas habilidades de sensibilidade fonológicas.
A correlação entre a consciência fonológica e o desempenho
em atividades de leitura e escrita foi abordada em diversos estudos,
sendo motivo de controvérsias.
Três diferentes posições são apontadas pelos pesquisadores.
Em uma primeira posição, estão aqueles que acreditam que a
consciência fonológica (enquanto habilidade para detectar rima e
aliteração) ocorre a partir do progresso na aquisição da leitura e escrita,
devido ao uso de analogias, da habilidade de perceber que duas
palavras rimam, tornando a criança sensível às semelhanças ortográficas
no final destas palavras e, assim, possibilitar o estabelecimento de
conexões entre padrões ortográficos e sons no final das palavras.
Para estes autores, a consciência fonológica é considerada
a chave para o desenvolvimento da alfabetização. Este papel central
da consciência fonológica sobre a aprendizagem da leitura e da escrita
é atestado, segundo os autores, por numerosos trabalhos de pesquisa,
com seus resultados demonstrando que o desempenho de crianças
pré-escolares em determinadas tarefas de consciência fonológica
relaciona-se com o sucesso na aquisição da leitura e da escrita7-18.
Na segunda posição, encontram-se aqueles que defendem
que a instrução formal do sistema alfabético é o fator ou causa
primordial para o desenvolvimento da consciência fonológica. A
capacidade de fazer analogias no final das palavras pressupõe
capacidade de decodificação letra-som, sendo que a capacidade de
detectar fonemas em uma palavra é influenciada pelo conhecimento
ortográfico 6,19,20.
Já em uma terceira posição, destacam-se os autores que
vêem uma relação de reciprocidade entre consciência fonológica e a
aquisição da leitura e escrita. Estes autores explicam que os estágios
iniciais da consciência fonológica contribuem para o estabelecimento
dos estágios iniciais do processo de leitura e estes, por sua vez,
contribuem para o desenvolvimento de habilidades fonológicas mais
complexas. Desta forma, enquanto a consciência de alguns segmentos
sonoros (supra-fonêmicos) parece se desenvolver naturalmente, a
consciência fonêmica parece exigir experiência específica em atividades
que possibilitam a identificação da correspondência entre os elementos

Pantano & Zorzi 129


fonêmicos da fala e os elementos grafêmicos da escrita. Este processo
de associação grafema-fonema exige um desenvolvimento de análise
e síntese de fonemas.
Para se chegar à descoberta do fonema, é necessário
adquirir e desenvolver a consciência fonológica, que se trata da
competência metalingüística que possibilita o acesso consciente ao nível
fonológico da fala e à manipulação cognitiva das representações neste
nível. O contato com a linguagem escrita possibilita o desenvolvimento
desta capacidade, sendo que, este desenvolvimento auxilia nos níveis
mais avançados de leitura e escrita 21-35.
Apesar das controvérsias, pesquisas realizadas no âmbito
nacional e internacional são unânimes em considerar a importância
da avaliação das habilidades de consciência fonológica em escolares
em fase de alfabetização de um sistema de escrita com base alfabética,
como o português brasileiro.
Durante a leitura, um estoque fonológico é recuperado.
Este código consiste em segmentos fonológicos que são ativados e
reunidos em uma seqüência que controla a produção. Durante a leitura,
os códigos ortográficos são postulados para ter conexões com os códigos
fonológicos36.
Katzir, Misra e Poldrack37 mencionam que os processos
fonológicos são aqueles envolvidos na representação, análise e
manipulação de informações especificamente relacionadas com os
sons da fala ou fonemas. É necessário generalizar representações
fonológicas internas de estruturas de palavras de sua forma escrita,
antes de o significado desta palavra ser acessado. O modelo de dupla
rota de leitura sugere que os bons leitores têm dois modos de leitura
à disposição: um indireto que passa pelo sistema visual para o sistema
fonológico e depois ao semântico; e outro direto, que passa do sistema
ortográfico visual para o sistema semântico, contornando o sistema
fonológico.
A pobre habilidade fonológica implica uma leitura lenta e
menos automática, interferindo na compreensão. Os déficits
fonológicos estão associados à memória verbal de curta-duração,
danificada nos indivíduos com distúrbios de leitura, pois estes
apresentam dificuldades em planejar, monitorar e revisar durante a
aprendizagem ou solução de problemas ou, ainda, podem apresentar
dificuldade em coordenar e integrar informações, como ocorre na
leitura. A memória de trabalho envolve armazenagem temporária, de
capacidade limitada e que realiza o processamento da informação,
enquanto processa simultaneamente outra ou a mesma informação.

130 Neurociências
É composta pelo centro executivo, o loop fonológico e o registro
visuoespacial14,38,39,40.
Esses autores afirmam que, em termos de processamento
de informação, o centro executivo apresenta capacidade limitada de
recursos, sendo o déficit neste aspecto caracterizado pela dificuldade
em executar dois testes simultâneos ou realizar a decodificação da leitura
e não realizar a compreensão da mesma. O loop fonológico é
especializado na manutenção da codificação verbal do material, retido
por uns segundos e associado à memória de curta duração. É subdividido
em duas partes, o estoque fonológico (relaciona a informação da fala
com a articulação) e o processamento de controle articulatório (recupera
informação pelo ensaio subvocal). E por fim, o registro espacial se refere
à capacidade de manipular e armazenar informações visuoespaciais.
Em contraste, a memória de curta duração é utilizada quando
quantidades pequenas de materiais são armazenadas.
Desse modo, Thomson, Richardson e Goswami 41
afirmaram que a memória fonológica de curta duração representa um
papel importante no desenvolvimento do léxico, de novas palavras. A
memória fonológica de curta duração ou loop articulatório retém a
informação verbal em bases temporárias, sendo que essa retenção é
aumentada pela representação de palavras na memória fonológica de
longa duração, a qual auxilia na reintegração ou reconstrução,
facilitando a recuperação da palavra. Devido a este processo de
reintegração, não-palavras ou palavras não-familiares são bem mais
difíceis de serem recuperadas que palavras familiares, ou seja, palavras
similares e de alta freqüência são mais facilmente recuperadas que as
palavras de baixa freqüência.

Alterações neuropsicolingüísticas na dislexia do


desenvolvimento

Dislexia é um distúrbio específico de aprendizagem, de


origem neurológica, caracterizado pela dificuldade com a fluência
correta na leitura e dificuldade na habilidade de decodificação e
soletração, resultantes de um déficit no componente fonológico da
linguagem. Ainda sobre a definição, é importante reconhecer que há
indivíduos com dislexia que apresentam déficits cognitivos e
acadêmicos em outras áreas, como a atenção, matemática e/ou
soletração e expressão escrita ou, ainda, a habilidade de usar
informações supra-segmentais (rima e prosódia) na generalização da
soletração de sons na correspondência de palavras42-45.

Pantano & Zorzi 131


Os indivíduos com dislexia apresentam dificuldades em
diferenciar mudanças rápidas entre consoante e vogal nas sílabas. Nesse
sentido, foi realizado um programa de intervenção acusticamente
modificado, no qual a criança deveria identificar as mudanças rápidas
de estímulo sonoro e, assim, melhorar as habilidades auditivas de
linguagem. O estudo concluiu que houve melhora na percepção
auditiva dos sons e discriminação sonora nas crianças disléxicas e que
há evidência eletrofisiológica de que crianças com transtorno de leitura
apresentam uma anormal representação cortical de mudanças
sucessivas de sons breves e rápidos no nível de entrada cortical auditiva
de representações sonoras46,47,48.
A memória fonológica de curta duração ou loop
articulatório não é muito eficiente nos indivíduos com dislexia. A
memória fonológica de curta duração retém a informação verbal em
bases temporárias, sendo que essa retenção é aumentada pela
representação de palavras na memória fonológica de longa duração.
O sistema fonológico destas crianças atua de forma a tentar
reconstruir e recuperar a palavra na memória de longa duração, mas
não o faz de forma eficiente devido à pobre qualidade das
representações de longa duração, pois ocorrem problemas no
processamento auditivo41.
Os disléxicos tendem a apresentar dificuldades de
processamento de estímulos lingüísticos e não-lingüísticos breves, rápidos
e sucessivos. Essa dificuldade se deve a disfunções em mecanismos de
percepção, responsáveis pelo processamento auditivo temporal da
informação. Conseqüentemente, o problema da percepção da fala causa
um efeito em cascata, iniciando com o rompimento do desenvolvimento
normal do sistema fonológico e resultando em problemas na
aprendizagem da leitura e da soletração49.
Nesse estudo, os autores afirmaram também que o
processamento fonológico dos disléxicos apresenta uma considerável
redução da atividade nas regiões da linguagem (região temporoparietal)
e das regiões do giro frontal inferior (área de Broca). Sobre o argumento
da teoria do processamento auditivo, evidências sugerem que o
cérebro do disléxico não apenas apresenta uma redução da assimetria
esquerdo-direita da região temporal, mas apresenta também uma
desorganização e menor volume de massa branca. Em sujeitos normais,
o volume do córtex auditivo é tipicamente maior no lado esquerdo,
bem como no direito devido a uma maior mielinização. Outra hipótese
refere-se à reduzida mielinização de áreas responsáveis pela análise do
estímulo auditivo.

132 Neurociências
Há evidências de uma base fisiológica para a dislexia,
fazendo com que o cérebro do leitor disléxico tenha um desempenho
diferente do indivíduo sem a dislexia. Exames de ressonância magnética
funcional vêm sendo usados para comparar o fluxo de sangue em
cérebros de pessoas com e sem a dislexia durante provas de leituras.
Os resultados indicaram que nos indivíduos com a dislexia ocorreu
uma atividade menor em algumas partes do cérebro em comparação
aos indivíduos normais50.
Áreas cerebrais responsáveis pelo processamento
fonológico, como o córtex perisilviano esquerdo, córtex temporal
inferior e mediano, apresentaram-se como hipofuncionais em alguns
estudos. Outras áreas, como a inervação magnocelular visual e a
auditiva, também foram encontradas como sendo responsáveis por
disfunções da atenção visuoespacial. Alguns achados indicaram que
houve alteração da medida do corpo caloso, do istmo, dos girus
temporal e frontal, e do cerebelo51.
Os estudos para a descoberta da base neurobiológica da
dislexia iniciaram-se em 1978 por Galaburda, com a observação de um
cérebro de um disléxico após sua morte. Foi observado que o cérebro
investigado apresentava anormal migração de neurônios, referente ao
período de desenvolvimento do cérebro quando os neurônios jovens
vão à busca de sua localização final52.
Galaburda52 ainda afirmou que os neurônios nascem de
células de tronco neural em zonas de proliferação longe das áreas
cerebrais, onde elas deverão migrar. Este controle de migração é dado
pela função genética. Desse modo, o cérebro do disléxico contém
grupos de células e glias (células de suporte) localizadas fora de lugar,
ou seja, em áreas cerebrais que não deveriam ter essas células. Esse
fenômeno é conhecido como heterotopias e ocorre durante o
desenvolvimento do cérebro no período gestacional, entre 16 e 24
semanas. Neste caso, a migração neuronal anormal afeta
predominantemente o córtex do hemisfério esquerdo, em volta da
fissura perisilviana, incluindo regiões do córtex temporo-occipital .
Arduini, Capellini e Ciasca 53 analisaram exames de
neuroimagem de crianças com diagnóstico de dislexia e
correlacionaram com as funções corticais superiores. Os resultados
indicaram que a maioria das crianças apresentou exames alterados,
como hipoperfusão no lobo temporal, sendo que as funções corticais
superiores prejudicadas foram leitura, escrita e memória.
Brambati54 realizaram avaliações neurofisiológicas e de
neuroimagem durante a leitura de palavras e de pseudopalavras em

Pantano & Zorzi 133


amostras de disléxicos com herança familial. A avaliação
neurofisiológica revelou baixo desempenho em memória de curta
duração, consciência fonológica e habilidades de automatização e,
ainda, redução de volume de massa cinzenta nas regiões do giro
fusiforme esquerdo, giro temporal superior esquerdo, giro temporal
medial direito e cerebelo. A avaliação de neuroimagem revelou pouca
ativação na região occipital-temporal, que está relacionada com a
área visual da formação da palavra que realiza a organização das
seqüências de letras. Também observaram hipoativação da região
posterior do giro temporal superior, responsável pelo processo de
leitura sublexical.
Capellini et al 4 realizaram estudo com o objetivo de
caracterizar o desempenho na consciência fonológica, memória
operacional, leitura e escrita do probando com dislexia e de seus
familiares afetados. Participaram deste estudo 10 núcleos familiais de
parentesco natural de indivíduos com queixa específica de problemas
de leitura e compreensão. Foram selecionadas famílias de probandos
naturais e residentes na região do oeste do estado de São Paulo. Os
requisitos de inclusão dos probandos foram: ser falante nativo do
português brasileiro; ter idade acima de oito anos; apresentar histórico
familial positivo para os problemas de aprendizagem, ou seja,
apresentar, no mínimo, um outro parente com dificuldade para
aprender em 3 gerações. Os critérios de exclusão para o grupo de
probandos foram: apresentar qualquer distúrbio neurológico-genético,
como distonia, doenças extras piramidais, deficiência mental, epilepsia,
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); sintomas
ou condições psiquiátricas; ou outras condições pertinentes que
poderiam gerar erros no diagnóstico. Para o diagnóstico de dislexia
do desenvolvimento, foram coletados dados de antecedente familial
na história clínica com os pais das crianças e adolescentes para
realização do heredograma. Foram realizadas avaliações neurológicas,
fonoaudiológicas, psicológicas e de desempenho escolar nos probandos
e em seus parentes. Os resultados deste estudo sugeriram que os
probandos e seus familiares com dislexia apresentaram desempenho
inferior ao grupo-controle quanto à nomeação rápida, leitura, escrita
e consciência fonológica. As autoras concluíram que as alterações em
consciência fonológica, memória de trabalho, leitura e escrita têm
susceptibilidade genética que possivelmente, em interação com o meio
ambiente, determinam o quadro de dislexia.
Os componentes da rede funcional envolvidos no
processamento fonológico e atribuídos ao giro inferior frontal direito

134 Neurociências
e esquerdo e o cerebelo foram comparados em bons leitores e
disléxicos. Para os leitores disléxicos, as conexões funcionais entre o
giro frontal inferior esquerdo com as regiões direitas do frontal,
occipital e cerebelar estavam interrompidas, sendo relacionadas à falha
de decodificação de palavras55.
McCrory et al 56 afirmaram ainda que os disléxicos
apresentam padrões diferentes de ativação em três áreas do hemisfério
esquerdo, sendo o giro frontal inferior, região temporoparietal,
incluindo o giro supramarginal e giro posterior temporal (Área de
Wernecke) e o lobo temporal inferior ou região occipitotemporal,
relacionada ao processamento visual das palavras.
Nos sujeitos com dislexia, a codificação neural de cada
representação fonológica não pode ser ativada de forma efetiva,
acarretando dificuldades em discriminar sons foneticamente próximos
de pares de fonemas. Essas anormalidades de representação fonológica
podem ser detectadas em exames de neuroimagem56,57.
Entretanto, essas características, referentes à alteração de
percepção de sinais acústicos, decodificação de palavras, organização
das seqüências de sons e letras para leitura e escrita de palavras, podem
estar presentes em crianças devido aos motivos relacionados à
metodologia de alfabetização que não enfoca o ensino das habilidades
necessárias para a aquisição do princípio alfabético (relação letra-som
em fase inicial de alfabetização), conforme estudos realizados por
Conrado58, Lanza59, Capellini; Lanza; Conrado4.
Desta forma, ainda há uma lacuna na fonoaudiologia que
se refere à falta do estabelecimento do perfil do mau leitor e do leitor
disléxico. O conhecimento de ambos perfis evitaria a confusão
diagnóstica e suas conseqüências, que geralmente afetam a qualidade
de vida das crianças no contexto familiar, social e educacional.

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em Fonoaudiologia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Orientador:
Simone Aparecida Capellini.
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leitura e escrita em escolares com e sem dificuldade de aprendizagem. 2004. 100 f.
Iniciação Científica. (Graduando em Fonoaudiologia) - Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo. Orientador: Simone Aparecida Capellini.

Pantano & Zorzi 139


140 Neurociências
Capítulo 9
Processamento fonológico e ortográfico
e suas implicações no diagnóstico dos
transtornos de aprendizagem

Jaime Luiz Zorzi

Alterações ortográficas e os transtornos de


aprendizagem

O Manual de Classificação Estatística Internacional de


Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) define uma categoria
de problemas (F.81) que engloba alguns transtornos “nos quais as
modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras
etapas do desenvolvimento. O comprometimento não é somente a
conseqüência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de um retardo
mental, e ele não é devido a um traumatismo ou doença cerebrais”1.
A alteração mais conhecida dentro desta categoria é a
dislexia, definida como um Transtorno Específico de Leitura” (F81.0).
O aspecto principal da dislexia é um comprometimento específico e
importante no que se refere à aquisição de habilidades envolvidas no
aprendizado da leitura. Tal comprometimento, que pode prejudicar a
compreensão leitora, o reconhecimento de palavras, a leitura em voz
alta, assim como a realização de atividades que envolvem a leitura,
não resulta diretamente da idade mental, de problemas sensoriais
visuais e auditivos ou de uma escolarização ineficiente.
Outro tipo de problema apontado pelo CID10, diz respeito
ao Transtorno Específico da Soletração (F81.1). Definido como uma
alteração específica e significativa nas habilidades envolvidas na
soletração, manifesta-se como uma dificuldade para soletrar oralmente
e para grafar corretamente as palavras escritas. Quando o transtorno
de soletração vem associado a um transtorno específico de leitura
(dislexia) e ou de matemática, pode caracterizar o Transtorno Misto
das Habilidades Escolares (F81.3).

Pantano & Zorzi 141


Por sua vez, o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IVTM) aponta na mesma direção, definindo
uma categoria semelhante denominada Transtornos de Aprendizagem.
Tal classe engloba problemas como o Transtorno de Leitura, ou Dislexia
(código 315.00), o qual tem como característica essencial um
desempenho em leitura significativamente inferior àquele esperado
para a idade cronológica, o nível de inteligência e o grau de escolaridade
do sujeito. Envolve também o Transtorno da Expressão Escrita (código
315.2), caracterizado por dificuldades acentuadas que se manifestam
na capacidade para compor textos escritos, erros de gramática e
pontuação, múltiplos erros ortográficos e traçado da letra muito ruim.
Mais geral, o Transtorno da Aprendizagem sem outra Especificação
(código 315.9), caracteriza-se por déficits nas áreas de leitura,
matemática e expressão escrita os quais, em conjunto, prejudicam de
modo marcante o rendimento escolar2.
Apesar de o CID10 e o DSM-IV apontarem a existência de
transtornos expressivos de escrita, sendo os problemas ortográficos
uma de suas manifestações mais comuns, pouco se tem pesquisado a
respeito, em comparação com os problemas de leitura. De qualquer
modo, fica evidente que, em tratando-se dos problemas de
aprendizagem, o foco de investigação não deve ficar reduzido às
características da leitura, necessitando estender-se à análise da escrita,
procurando compreender, também, o quanto de domínio da ortografia
o sujeito avaliado apresenta.
Os erros de escrita fazem parte da aprendizagem “normal”.
Embora sejam progressivamente superados na medida em que as crianças
compreendem com mais profundidade as características do sistema
ortográfico que usam para escrever, a permanência de erros, assim como
os tipos de erros produzidos, podem ser indicadores de transtornos de
aprendizagem ou de falhas nas metodologias de ensino3,4.
Na prática, é muito comum encontrarmos, em crianças
com problemas de leitura, como no caso da dislexia e outros distúrbios
de aprendizagem, a presença de dificuldades ortográficas associadas,
pondo em evidência que o desempenho em leitura tem relações com
o domínio da ortografia. Em outras palavras, quem lê mal tende a
escrever também mal. Porém, a relação inversa não se apresenta com
a mesma evidência. É possível encontrarmos pessoas escrevendo mal
ortograficamente, embora não apresentem problemas na leitura, ou
até mesmo em casos de leitores bastante ativos, como já foi
demonstrado em estudo relacionando perfil de leitor com desempenho
em ortografia 5. Ficou comprovado que, mesmo leitores muito ativos,

142 Neurociências
com leituras freqüentes, podem ter um perfil de domínio ortográfico
baixo, resultando em uma escrita com muitos erros.
Tais fatos nos levam a pensar nas condições que permitem
uma boa aprendizagem da escrita, quais as habilidades e capacidades
envolvidas e, fundamentalmente, como se dá o processamento
ortográfico o qual ativará procedimentos que influenciarão na decisão
de como escrever cada palavra, podendo gerar o acerto ou o erro.
O objetivo deste capítulo é o de analisar a aprendizagem
da escrita do ponto de vista do domínio da ortografia, assim como de
compreender o seu processamento em termos de atividade mental e
de habilidades envolvidas. Estes dados podem ser de grande valia nos
processos de avaliação, diagnóstico e intervenção nos distúrbios de
aprendizagem.

Fases mais iniciais da evolução da escrita e o início do


processamento fonológico

Uma das habilidades fundamentais para o aprendizado


de escritas de natureza alfabética, como tem sido sistematicamente
comprovado, está ligada ao desenvolvimento da consciência
fonológica, ou seja, da capacidade para compreender a estrutura sonora
das palavras, decompondo-as em unidades menores, como sílabas e
fonemas 6-8. Neste sentido, a descoberta do fonema permite, com
clareza, a compreensão do papel das letras enquanto representações
fonêmicas. Por esta razão, existe uma forte relação entre o desenrolar
das fases mais iniciais da escrita e a evolução das habilidades de
consciência fonológica.
Considerando a classificação de Ferreiro e Teberosky9, em
termos do aprendizado da escrita, pode-se inferir que, na fase pré-
silábica, a criança ainda não descobriu as relações entre a oralidade e a
escrita. Trabalhando em sua mente com a representação da palavra
como um todo, ela não entende que a extensão da fala determina a
extensão da escrita, assim como não compreende que as letras a serem
usadas devem corresponder aos fonemas que estão presentes nas
palavras faladas. Desta forma, de acordo com tal perspectiva, a
quantidade de letras usadas nada tem a ver com a extensão da palavra
falada, da mesma forma que as letras empregadas no escrito podem
ser aleatoriamente escolhidas, independentemente dos fonemas que
deveriam representar.
Na medida em que a criança passe a compreender que
uma palavra pode ser segmentada em unidades silábicas, tal

Pantano & Zorzi 143


conhecimento pode servir de parâmetro para a decisão do número de
letras necessárias para a escrita, gerando uma fórmula bastante eficaz:
para cada sílaba da palavra falada, uma letra. Desta forma tem início a
fase silábica. Primeiramente, qualquer letra pode ser empregada na
medida em que não existe uma análise fonológica da palavra
propriamente dita, sendo tal análise apenas quantitativa. Porém, operar
ao nível da sílaba parece facilitar a percepção de unidades menores,
ou seja dos fonemas. Graças à descoberta dos fonemas, uma nova
fórmula mais refinada pode surgir na escrita da criança, caracterizando
a fase silábica com valor sonoro: para cada sílaba uma letra, mas usando
letras que, de fato, representam um dos fonemas componentes da
sílaba, com uma tendência mais acentuada para a representação das
vogais. É talvez, neste momento em que a correspondência fonema-
grafema tem lugar, que se inicia o processamento verdadeiramente
fonológico, demandando maior ativação das áreas cerebrais
responsáveis pela análise das representações fonológicas e sua
associação com os grafemas correspondentes.
Narbona e Fernandéz10 , descrevendo o processamento da
leitura, apontam que as primeiras aferências visuais chegam no nível
da área visual primária (bordo da fissura calcarina), sendo que a primeira
identificação dos sinais gráficos e de sua disposição seqüencial é realizada
no nível do córtex occipital esquerdo. A partir daí, e principalmente nas
fases iniciais de aquisição da escrita, a informação é enviada em direção
à parte posterior do plano temporal (área de Wernicke), onde é realizada
a transposição dos sinais grafêmicos em sinais fonéticos. Tais sinais serão
tratados, na fase da identificação morfossintática e léxico-semântica, no
nível do giro supramarginal e angular, no hemisfério esquerdo. Em
outras palavras, ocorre a ativação da rota fonológica. Por outro lado, a
chamada rota lexical reúne a área de associação visual secundária ao
giro angular, de tal forma que os sinais visuais sejam por si mesmos
dotados de significação, dispensando o processamento fonológico.
Provavelmente, neste momento em que tem início a correspondência
fonema-grafema, poderão surgir os primeiros sinais dos problemas de
aprendizagem ligados a falhas no processamento fonológico, como é o
caso da dislexia11,12.
A fase de escrita denominada silábico-alfabética irá se
caracterizar por um refinamento no processamento fonológico graças
a avanços na consciência fonológica e na correspondência fonema-
grafema. Esta evolução permite uma análise mais depurada da
composição fonêmica das palavras a serem escritas e uma associação
fonema-grafema mais precisa e sistematizada. As representações

144 Neurociências
fonológicas tornam-se mais claras permitindo a escrita de palavras
com sílabas já completas (com precisão na correspondência fonema-
grafema em certas sílabas) enquanto que outras sílabas permanecem
representadas de modo incompleto. Esta forma de escrever caracteriza-
se, principalmente, pela omissão de algumas letras.
A continuidade do processo evolutivo, que irá gerar a
escrita alfabética, torna-se cada vez mais dependente das condições
de ensino ou da capacidade de auto-ensinamento que a criança possa
apresentar 8. A permanência prolongada nesta fase, marcada por muitas
omissões de letras ou por trocas revelando confusões entre fonemas,
pode ser indicativa de falhas pedagógicas e/ou de dificuldades quanto
ao processamento fonológico e a correspondente associação fonema-
grafema 13.

A fase alfabética de escrita e o processamento fonológico

Quais são os sinalizadores que permitem afirmar que uma


criança chegou ao nível alfabético de escrita? O melhor indício de tal
progresso pode ser considerado como a capacidade de escrever novas
palavras, com todos os fonemas representados, ainda que com
substituições de letras em razão de representações múltiplas ou por
apoio na oralidade, por exemplo. Mais especificamente, a criança torna-
se capaz de escrever palavras ainda não conhecidas quanto à sua grafia,
o que elimina o efeito da memória visual. Para escrever uma palavra
não conhecida visualmente, a criança tem que recorrer, a principio, a
um jogo de associações entre fonemas e grafemas muito intenso.
Fica evidenciado, nos próprios escritos infantis, que a
criança toma como referência as representações de palavras de seu
léxico oral, procedendo a uma análise fonêmica das mesmas e
fazendo as correspondências fonema-grafema que são necessárias.
Como tendência geral, observa-se uma escrita com forte influência
fonética, isto é, a criança tenderá a escrever da maneira como
pronuncia ou ouve a palavra, nem sempre escolhendo a letra
convencional, como no caso das confusões entre “s/c/ç/ss”, “j/g”,
“x/ch” e assim por diante3.
Se este procedimento coincide com a forma convencional
da palavra, teremos uma escrita correta ou, caso contrário, poderemos
encontrar “erros”. Porém, do ponto de vista do processamento
fonológico, ou seja, da análise dos fonemas componentes da palavra,
tal e qual a mesma está representada em seu léxico oral, e da
correspondência entre fonemas e grafemas, podemos afirmar que a

Pantano & Zorzi 145


alfabetização está consolidada em seus procedimentos básicos: “que
som que tem, que letra que escreve”.
Chegar ao nível alfabético não significa escrever todas as
palavras corretamente. Significa, fundamentalmente, compreender o
modo de funcionamento básico da escrita. A partir deste procedimento
de análise das representações fonológicas de palavras que fazem parte
do léxico oral, e da correspondência fonema-grafema, a criança põe
em evidência o uso de processos fonológicos, dependentes da ativação
de áreas cerebrais correspondentes. Como foi apontado, falhas em tal
processamento poderão se manifestar em dificuldades significativas
para ler e escrever, ou seja, limitações para a criança chegar a um nível
alfabético de escrita, ou mesmo na forma de uma evolução muito
lentificada12.
Os erros de escrita que podem manifestar dificuldades na
consolidação da fase alfabética dizem respeito, principalmente, às
alterações por omissão de letras, trocas surdas/sonoras, outras alterações
(substituições atípicas revelando possíveis confusões entre fonemas ou
falhas na correspondência fonema/grafema) e os acréscimos de letras,
considerando-se que alteram a estrutura sonora da palavra. Nestes casos,
é o processamento fonológico que se mostra deficitário. Erros
decorrentes de representações múltiplas, apoio na oralidade,
generalização e confusão entre “am” e “ão”, revelam um processamento
fonológico adequado, embora a grafia possa estar inadequada do ponto
de vista ortográfico 13.
A fase alfabética significa um grande avanço no domínio
de uma escrita de natureza alfabética. Porém, dependendo da
complexidade ortográfica de cada língua, muitos poderão ser os
desafios que a criança encontrará pela frente para poder escrever de
um modo convencional. E este é o caso do português escrito.

A fase ortográfica e os processamentos ortográficos mais


complexos

A fase ortográfica corresponde a uma etapa na qual a


escrita das palavras já não depende unicamente de uma análise
fonológica e sua correspondente associação fonema-grafema. Outros
recursos ou processos mentais também são aplicados na decisão de
como escrever palavras, principalmente quando a ortografia é irregular
ou desconhecida, como acontece no português. Podemos imaginar
situações variadas, as quais ativarão diversos procedimentos ou
estratégias para levar à escrita correta das palavras 14:

146 Neurociências
1. Uso da memória: recuperação de representações ortográficas já
armazenadas
Como resultado de um processo de alfabetização, além de
poder escrever, as pessoas tornam-se leitoras. A leitura é um dos mais
importantes recursos para a ampliação do vocabulário ou léxico uma
vez que permite o contato com um universo cada vez mais amplo e
diversificado de palavras. Estima-se que um milhão e oitocentas mil
palavras serão lidas por uma pessoa, em um ano, caso ela dedique
vinte minutos por dia para leituras 12. Desta forma, não somente o
campo semântico será enriquecido. Também será possível a construção
progressiva de um léxico visual ou ortográfico na medida em que as
palavras, ou partes de palavras maiores que as sílabas, mais
freqüentemente encontradas nos textos, poderão ser representadas
em memórias de longo prazo e recuperadas em diversas situações.
Este repertório de palavras ou de partes mais extensas de palavras
(morfemas), formado pela via visual (leitura), constituirá uma nova
fonte de representação de elementos lingüísticos, denominada léxico
ortográfico15, o qual manterá relações estreitas com o léxico oral, já
existente anteriormente.
No caso da escrita de palavras irregulares, porém já
conhecidas ou familiares, como é o caso de “experiência”, como elas
já são familiares ou conhecidas, dúvidas a respeito de como escrevê-
las (se com “s, x, c, ss”), poderá não existir, uma vez que sua forma
total poderá ser recuperada da memória de longo prazo, ou seja, do
léxico ortográfico. Neste caso, ocorrerá a recuperação de um item
lexical representado na memória.
De acordo com Shaywitz 12, a região occipito-temporal
corresponde ao núcleo para o qual as informações oriundas de
diferentes sistemas sensoriais convergem e onde todas as informações
relevantes sobre uma palavra são reunidas e armazenadas. Configura-
se como uma via expressa para a leitura, sendo ativada por leitores
mais experientes. Reage rapidamente à palavra inteira, como sendo
um padrão único. É definida como a área ou sistema de forma da
palavra. Uma palavra lida várias vezes pode provocar a formação de
sua representação (forma da palavra) a qual reflete a ortografia, a
pronuncia e o significado, sendo então arquivada no sistema occipito-
temporal. Quando tal palavra é reencontrada, o sistema de
reconhecimento é ativado. Bons leitores, quando testados, mostram
uma forte ativação desta região em neuroimagens.
Deve-se considerar, entretanto, que as memórias assim
formadas não obrigatoriamente correspondem à palavra como ela é

Pantano & Zorzi 147


realmente vista. Melhor dizendo, as palavras não são automaticamente
retidas na memória. As imagens das palavras, uma vez alcançando a
área visual primária, e provavelmente sustentadas pela memória de
curto prazo, serão, em seguida, processadas e associadas, em outras
regiões corticais, a palavras e conhecimentos anteriormente formados,
antes de serem armazenadas na memória de longo prazo. Ou seja,
poderão ocorrer transformações, de modo que a memória não
necessariamente guardará a imagem tal e qual ela foi objetivamente
vista, podendo formar representações discrepantes com a percepção
original. Este modo de funcionamento da memória pode explicar
porque bons leitores também cometem erros de escrita em palavras
que freqüentemente encontram pela frente em suas leituras 5.
A citação de um caso pode ser bastante ilustrativa. Pedro
tem nove anos de idade, cursa a terceira série e, apesar de ser um
leitor ativo e fluente, comete muitos erros quando escreve, causando
estranheza em seus pais e professores. A mesma pergunta está sempre
presente: “Como ele pode escrever errado uma palavra que vê a todo
o momento?”. Pedro, por exemplo, comete erros como “cinema >
sinema; passarinho > pasarinho; cabeça > cabesa; cidade > sidade;
criança > criança”, e assim por diante. Porém, palavras como “semana,
sopa, salame e socorro”, são devidamente grafadas. Questionado a
respeito das palavras “erradas”, Pedro não consegue identificar os
próprios erros, justificando com argumentos como: “Cabesa está certo
porque “ce” com “a” é “ca”, “be” com “e” é “be” e “esse” com “a” é
“as”: então, juntando tudo fica ca-be-sa. Está certo!”.
Pois bem, embora Pedro veja as palavras escritas de modo
diferente daquele que ele costuma grafá-las, quando vai escrevê-las
recorre a um processamento ortográfico regular, acreditando que existe
uma correspondência única e estável entre o fonema /s/ e a letra “esse”,
tal e qual acontece com outros fonemas que têm sempre um modo
regular de representação. No caso de Pedro, as representações em seu
léxico ortográfico revelam a influência de uma regra incorreta mas
que é automaticamente ativada em seu processo de decisão de escrita:
som /s/, letra “esse”. Para poder melhorar sua escrita, Pedro terá que
compreender que um mesmo fonema pode ter mais do que uma letra,
quais são essas letras, em que situações elas podem ou não ser
empregadas, que regras existem para ajudar em tal definição e assim
por diante. Temos aqui um problema que parece ir além de uma
falha de memória. Faltam conhecimentos para reorganizar
representações já estabelecidas no léxico ortográfico de uma forma
inapropriada.

148 Neurociências
2. Uso da correspondência fonema-grafema
Além de palavras já conhecidas, a todo o momento, quem
escreve, pode deparar-se com palavras que não lhe são familiares, fato
que é muito comum quanto mais iniciante é o aprendiz. Quando tais
palavras, embora desconhecidas em sua forma gráfica, apresentam
correspondências regulares entre fonemas e grafemas, o recurso de
associação fonema-grafema pode ser bastante eficiente para gerar a
escrita correta. Uma palavra desconhecida e até mesmo estranha como
“cleistorcadia” torna-se de baixo risco de erro com o emprego desta
estratégia básica das escritas alfabéticas, mesmo em fases mais
avançadas de domínio da ortografia.

3. Uso de estratégias ortográficas envolvendo


conhecimentos metalingüísticos
Um grande problema pode surgir quando nos deparamos
com palavras de construção não regular e desconhecidas na sua forma
escrita, o que impede o acesso direto à representação ortográfica da
palavra ou a correspondência fonema-grafema. Distintas estratégias
podem ser então ativadas nestes casos, envolvendo o uso de processos
mais sofisticados que lançam mão de estratégias metalingüísticas, ou
seja, conhecimentos em nível consciente a respeito da própria língua.
• Uso de regras contextuais
Mesmo palavras pouco comuns como “gueguendo”
podem ser corretamente grafadas devido ao conhecimento e emprego
de regras contextuais. Por exemplo, “gueguendo” deve ser escrita com
“gue” porque a vogal que segue a consoante “g” é “e”. Portanto, deve-
se usar “gue” para preservar o som desejado /g/. Também sabemos
quando usar “m” ou “n”, a partir da regra contextual que determina
atenção para a letra que vem depois do final da sílaba em questão, o
que nos leva a escrever “guegendo” com a letra ene.
• Uso de regras morfossintáticas
A observação de regularidades morfológicas entre as
diferentes palavras, pode resultar em uma estratégia desta natureza
na tomada de decisão para a escrita de palavras não regulares e não
conhecidas. Este poderia ser o caso de uma criança que, pela primeira
vez, fosse escrever “penteadeira” ou “falasse”. Tomando como
referência outras palavras conhecidas que partilham da mesma
estrutura morfológica, pode-se encontrar a solução adequada para as
palavras em questão: “penteadeira” pode ser assimilada a “bandeira”,
“cadeira”, etc., assim como “falasse” poderia ser assimilada a
“andasse”, “cantasse” e assim por diante.

Pantano & Zorzi 149


• Uso de recursos externos: consulta a outras pessoas ou ao dicionário
Quando alguém pretende escrever uma palavra
desconhecida em sua grafia e sabe que está desprovido de recursos
mnemônicos, de associação fonema-grafema ou de uso de regras para
poder decidir como escrevê-la corretamente, a solução será recorrer à
informação externa. Ou seja, muitas palavras podem não favorecer o
uso das estratégias anteriores, como é o caso de “abissinístico” e
“amochar ”. Nestes exemplos, quais as regras ou estratégias que
poderiam ajudar a decidir o uso de “ss” ou “c” para a primeira palavra
e “x” ou “ch” para a segunda? Não há uma resposta pronta. Para esse
tipo de palavra, o uso do dicionário, ou a busca de uma pessoa que
porventura possa conhecer como se escreve tal palavra, pode ser a
melhor solução. Porém, tendo descoberto que “amochar ”, por
exemplo, escreve-se com “ch” e, dependendo desta palavra vir a ser
representada no léxico ortográfico, ela poderá vir a ser recuperada
futuramente para servir como referência para a escrita de outras
palavras relacionadas a “amochar”, como “amochando, amochasse”,
e assim por diante, ativando o uso de regras morfossintáticas.
Como pode ser constatado, para o domínio adequado da
escrita faz-se necessário a ativação de processos fonológicos e também
ortográficos e que podem ocorrer numa mesma palavra. No caso do
português escrito, dada as suas irregularidades na correspondência
fonema-grafema, a associação entre os fonemas identificados na fala e
as letras que podem escrevê-los nem sempre se dá de uma forma
direta. Freqüentemente tal correspondência é mediada por regras
contextuais e por regras morfossintáticas, o que implica conhecimentos
lingüísticos que vão além da consciência fonológica. Podemos aqui
apontar a importância da consciência morfossintática e do
conhecimento de regras de contexto, o que implica uma atividade de
controle consciente da escrita e de um tipo de processamento que
pode ser considerado como ortográfico.
A permanência acima do esperado de erros provocados
por representação múltipla, apoio na oralidade, confusão entre “am x
ão” e erros por generalização de regras pode estar indicando a presença
de dificuldades por parte do sujeito. Tais dificuldades dizem respeito
à falta de habilidades lingüísticas para operar com conhecimentos a
respeito da estrutura da língua, principalmente em termos de
considerar as similaridades morfológicas entre as palavras, o que
indicaria falhas em termos da consciência morfossintática. Porém, erros
desta natureza também podem ser fortes indicadores de métodos
ineficientes de ensino da ortografia, que não conseguem levar as

150 Neurociências
crianças a dominarem, com mais facilidade e clareza, as regras e
regularidades que podem levar a uma escrita eficiente.
Booth, Burman, Meyer e Mesulam 16 realizaram um estudo
sobre o desenvolvimento dos mecanismos cerebrais envolvidos no
processamento de representações ortográficas e fonológicas. Tiveram
como objetivo examinar as diferenças de desenvolvimento entre
adultos e crianças (de 9 a 12 anos de idade), em relação ao substrato
neural ativado no processamento lexical. Para tanto, utilizaram tarefas
de julgamento de palavras que requeriam a manipulação explícita de
representações fonológicas (rima) e ortográficas (spelling).
Estes autores defendem um modelo neurocognitivo de
processamento lexical no qual os giros supramarginal e angular estão
encarregados de extrair regularidades estatísticas ou probabilísticas
entre a ortografia e a fonologia. O estudo mostrou um aumento,
durante o desenvolvimento, da ativação do giro angular, ou seja, ocorre
uma maior ativação desta área nos adultos do que nas crianças. Para
eles, tal fato sugere que o aprendizado da escrita pode ser marcado
pelo aumento do papel de um sistema voltado para abstrair
regularidades entre ortografia e fonologia, fazendo um mapeamento
entre estes dois aspectos. Mais especificamente, embora os resultados
mostrem que existe uma ativação mais marcante no giro angular na
realização de tarefas multimodais do que em atividades unimodais, as
habilidades de leitura podem estar associadas a um sistema mais
elaborado de mapeamento e de aumento de interatividade entre as
representações ortográficas e fonológicas, durante o desenvolvimento.

Aspectos da avaliação do desempenho ortográfico

Alguns procedimentos podem ser empregados tendo em


vista a avaliação do desempenho ortográfico em um processo
diagnóstico ou em uma situação escolar. Um número mínimo de
palavras escritas, não treinadas anteriormente, deve ser obtido a fim
de permitir um levantamento do perfil ortográfico de cada sujeito.
Para tanto pode-se empregar 13:
• Um ditado de palavras reais, regulares e irregulares, especialmente
selecionadas por conterem diversas características ortográficas, o que
permite verificar processos fonológicos e ortográficos;
• Um ditado de pseudopalavras, também contendo características
regulares e irregulares que permita verificar a ocorrência de processos
fonológicos e ortográficos;
• Uma atividade de cópia de palavras reais e pseudopalavras (as
mesmas já usadas no ditado) a fim de comparar o desempenho em

Pantano & Zorzi 151


escrita espontânea e sob ditado, verificando aspectos de atenção e
processamento visual;
• Produção de um texto narrativo, a partir de um tema dado pelo
examinador, o qual permite verificar o domínio da ortografia
manifestado no uso espontâneo do vocabulário do próprio sujeito,
assim como propicia análises com enfoque na estrutura narrativa,
na capacidade de elaboração, pontuação, qualidade da letra e em
aspectos de coesão e coerência textuais.
Todos os erros observados são identificados, contados e
classificados em onze categorias, de acordo com os critérios
desenvolvidos por Zorzi3: representações múltiplas; apoio na oralidade;
omissão de letras; junção/separação; confusão entre “am x ão”;
generalização de regras; trocas surdas/sonoras; acréscimo de letras;
letras parecidas; inversão de letras e outras alterações.
A soma dos erros, dividida pelo número total de palavras
escritas pelas crianças, nas situações de ditado de palavras reais e
produção de textos, pode dar o coeficiente ortográfico, ou seja, um
número que indica um valor relativo dos erros produzidos por cada
criança, permitindo comparações entre elas. Por exemplo, uma criança
que produziu 25 erros em 150 palavras reais escritas, apresentará um
coeficiente ortográfico igual a 0,16, o que significa a ocorrência de 16
erros para cada 100 palavras escritas. Este valor pode oferecer um
parâmetro quantitativo na análise das alterações ortográficas. Neste
sentido, um estudo sobre o desempenho ortográfico de cerca de 900
alunos de primeira a quarta séries do ensino fundamental de escolas
públicas vem sendo realizado para permitir comparações entre
resultados esperados e resultados obtidos na avaliação de cada criança
nessa faixa de escolaridade.
A qualidade do traçado da letra também é analisada,
recebendo uma pontuação que varia de 1 a 4 (1= boa; 2=média; 3=ruim
e 4=muito ruim), de acordo com o grau maior ou menor de dificuldade
que o leitor encontra para identificar o que está escrito.

O que os resultados de uma avaliação ortográfica podem


indicar

Se procedermos a um agrupamento de tipos de alterações,


poderemos reunir as omissões, as trocas surdas/sonoras, os outros erros
e os acréscimos, como dizendo respeito, principalmente, a aspectos
ligados ao processamento fonológico e à correspondência adequada
fonema-grafema. Estas alterações, quando presentes em valores acima

152 Neurociências
do que pode ser esperado para o nível de escolaridade, e o tipo de
escola freqüentada pela criança, podem ser indicativas de que um
nível alfabético de escrita não foi ainda plenamente atingido. A
capacidade de analisar a estrutura sonora das palavras, identificando
cada um dos fonemas presentes, assim como de discriminá-los
adequadamente depende de habilidades relativas à consciência
fonêmica, por um lado, e por outro, ao conhecimento das
correspondências básicas entre fonemas e grafemas. Esta pode ser uma
dificuldade presente em crianças com dislexia do desenvolvimento,
por exemplo 13.
Quando consideramos principalmente os erros por
representações múltiplas, por apoio na oralidade e pelas confusões
entre “am” e “ão”, estamos nos referindo a aspectos da escrita
fortemente dependentes de processamentos de natureza ortográfica.
A correspondência fonema-grafema, do ponto de vista da
representação dos fonemas, pode estar adequada, porém com enganos
quanto à letra apropriada para grafar a palavra, de acordo com regras
ou normas impostas pela ortografia. O mesmo pode ser dito em relação
aos erros por apoio na oralidade e confusão entre “am x ão”, que
refletem uma escrita com tendência fonética.
Para que tais tipos de erros, muito mais dependentes de
aspectos ortográficos possam ser superados, a criança deverá
desenvolver habilidades metalingüísticas que permitam lidar com
noções diversas: um mesmo fonema pode ser representado por
diversas letras e uma mesma letra pode escrever mais do que um
fonema; quais são esses fonemas, quais são essas letras; a consideração
do contexto de ocorrência das letras, o que gera regras contextuais; o
conhecimento de características morfológicas das palavras, que permita
identificar diferentes palavras como partilhando estruturas comuns;
compreender que o modo de falar pode ser diferente do modo de
escrever; a noção de sílaba tônica, e assim por diante.
Ainda são poucos os estudos que buscam analisar o papel
deste tipo de conhecimento, ou seja, da consciência morfossintática
na dislexia e em outros distúrbios de aprendizagem. Os erros que
pertencem a esta categoria tanto podem ser indicativos de dificuldades
por parte do sujeito para adquirir conhecimentos desta natureza,
quanto podem ser fortemente influenciados por métodos de ensino
que dão pouca atenção à questão dos erros de escrita, ou que empregam
procedimentos pedagógicos pouco eficientes.
O agrupamento de erros, ainda considerando-se o tipo de
demanda cognitiva presente, pode gerar uma terceira categoria a qual

Pantano & Zorzi 153


envolve, predominantemente, aspectos ligados ao processamento visual,
como é o caso dos erros por inversão de letras (espelhamentos ou
mudança de posição das letras dentro das palavras) e a confusão entre
letras parecidas. Curiosamente, embora tais tipos de erros sejam muito
referidos como sendo uma característica típica na escrita de disléxicos,
observa-se que, na escrita de crianças brasileiras, na qual predomina a
forma cursiva de grafar, a ocorrência destas alterações é muito pouco
freqüente, estando entre os erros mais raramente encontrados 13.

Bibliografia

1. CID10- Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas


Relacionados à Saúde. Versão 1.6c - ©1993 by CBCD e DATASUS.
2. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IVTM. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
3. Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto
Alegre: Artmed; 1998.
4. Morais AG. Ortografia: este espetacular objeto de conhecimento. In: Morais
AG, organizador. O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica;
2000. p.7-19.
5. Zorzi JL, Faria AT, Serapompa M, Oliveira P. A influência do perfil de leitor
nas habilidades ortográficas. Revista Psicopedagogia, São Paulo, v. 21, n.
65, p. 146-156, 2004.
6. Olofsson A. Naming speed, phonological awareness and the initial stage of
learning to read. Logop Phoniatr Vocol. 2000; 25(1):35-40.
7. Santos TM. Vocabulário, consciência fonológica e nomeação rápida:
contribuições para a ortografia e elaboração escrita. [doutorado]. São Paulo
(SP): Universidade de São Paulo; 2007.
8. Santos MTM, Navas ALGP . Aquisição e desenvolvimento da linguagem
escrita. IN Santos MTM, Navas ALGP (org). Distúrbios de leitura e escrita:
teoria e prática. Barueri: Manole, 2002, 1-26.
9. Ferreiro E, Teberosky A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas; 1986.
10. Narbona J, Fernández S. Fundamentos neurobiológicos do desenvolvimento
da linguagem. In Chevrie-Muller C, Narbona J. (Org.). A linguagem da criança:
aspectos normais e patológicos. Porto Alegre: Artmed, 2005, 25-51.
11. Shaywitz SE, Shaywitz BA. Dyslexia (specific reading disability). Biol
Psychiatry;57(11):1301-9, 2005.
12. Shaywitz S. Entendendo a dislexia. Porto Alegre: Artmed, 2006.
13. Zorzi JL, Ciasca SM . Caracterização dos erros ortográficos em crianças
com transtornos de aprendizagem. Revista CEFAC, v. 10, p. 321-331, 2008.
14. Zanella MSZ. Leitura e aprendizagem da ortografia: um estudo com alunos
de 4ª a 6ª série do Ensino Fundamental [Tese de Doutorado]. São Paulo:
PUC-SP, 2007.
15. Capovilla AGS, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: como
identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. São Paulo: FAPESP/
Memnon, 2000.

154 Neurociências
16. Booth J, Burman D. Meyer J. Mesulam, M. Development of Brain Mechanisms
for Processing Orthographic and Phonologic Representations. J Cogn
Neurosci. 2004 September; 16(7): 1234–1249.

Pantano & Zorzi 155


156 Neurociências
Capítulo 10
Avaliação das Funções Cognitivas na Criança,
no Adolescente e no Adulto

Ana Paula Sabatini de Mello Braga

Este é um tema bastante importante e apaixonante que tem


sido objeto de interesse das várias áreas que abrangem as Neurociências.
O fascínio que ele provoca é decorrente da possibilidade de se
compreender o modo como opera este órgão tão magnífico que é o cérebro.
Na intenção de se desvendar seu funcionamento, os
neurocientistas foram desenvolvendo meios de avaliar os diferentes
processos que nele ocorrem.
Quando se fala em avaliação das funções cognitivas, se fala
em muito mais do que meramente avaliar pois o ato de avaliar significa
simplesmente determinar a intensidade, a força, a qualidade ou
extensão de algo. Mas, o objetivo aqui não é só mensurar algo estanque,
ou vários aspectos em separado, mas sim entender as relações
existentes, correlacionando os dados, a fim de obter a compreensão
global do funcionamento cognitivo do indivíduo.
É preciso fazer um parêntese quanto aos contextos nos quais
a avaliação se insere pois ela pode ser útil em diversas situações diferentes,
como por exemplo, no diagnóstico clínico, no acompanhamento de
patologias evolutivas, em pesquisas, entre outras. Neste capítulo, nos
prenderemos principalmente ao contexto clínico, justamente por ser
nele que a avaliação se torna mais ampla, profunda e flexível.
Não é um processo em que se basta utilizar um
instrumento que mensure a função, é muito mais do que isto, envolve
acima de tudo o raciocínio clínico, raciocínio este que começa no
primeiro contato com o paciente e estende-se durante toda a
investigação de seu funcionamento cognitivo.
Assim sendo, a avaliação não é algo superficial, mas algo
profundo, e para tal envolve a multidisciplinaridade, na qual diversos
olhares sobre um mesmo objeto de estudo, leve ao conhecimento
profundo do modo como a cognição opera no indivíduo.

Pantano & Zorzi 157


Aspectos históricos

O impulso para o desenvolvimento das Neurociências e


interesse em realizar avaliações do comportamento e do
funcionamento cognitivo deu-se no século XIX, principalmente na
medicina, com a fisiologia e o estudo das patologias e, na psicologia,
com a psicometria e as abordagens comportamentais.
Cada vez mais os métodos de investigação foram
aprimorados, e algumas correntes surgiram e perduram até hoje.
Alchieri1 cita três métodos utilizados em avaliações neuropsicológicas:
o método estatístico-psicométrico, o método clínico-teórico e o método
do processo específico.
O método estatístico-psicométrico visa mensurar as funções
cognitivas, determinar possíveis localizações de lesões e evolução dos
comprometimentos.
Já no método clínico-teórico são realizados experimentos
de situações que abarquem comportamentos específicos
demonstrando eventuais comprometimentos.
No método do processo específico há uma junção dos dois
anteriores, utilizando-se de bateria de testes que possam mensurar as
diversas funções cognitivas permitindo a compreensão do modo como
uma doença ou lesão podem afetar a cognição e o comportamento do
indivíduo. Este tem sido o método mais utilizado atualmente.

Objetivos e meios principais

Como dito anteriormente, no desenvolvimento das


Neurociências, surgiu a necessidade de avaliar o funcionamento
cognitivo de modo a compreender a inter-relação entre os diversos
sistemas, além do grau de comprometimento existente.
Assim, pode-se dizer que os objetivos principais da
avaliação das funções cognitivas são mensurar e compreender cada
função, suas correlações no funcionamento cerebral global e suas
implicações no comportamento do indivíduo.
Este processo exigirá a utilização de instrumentos que
forneçam dados quantitativos permitindo a comparação dos resultados
obtidos com os esperados para a idade e escolaridade do indivíduo,
através da qual se terá o mapeamento das funções preservadas e das
comprometidas, assim como do grau de dificuldade.
Além dos testes, também é útil a utilização de atividades e
tarefas que mostrem de forma qualitativa o desempenho do paciente.

158 Neurociências
Em alguns momentos, estas atividades são as únicas possíveis, dado o
grau de comprometimento do paciente ou até mesmo, por não
existirem testes que avaliem determinado aspecto de uma função e
este aspecto pode ser fundamental para direcionar o diagnóstico e/ou
tratamento do paciente.
É importante que sejam utilizados meios verbais e não-verbais
durante a avaliação, a fim inclusive de verificar possíveis dominâncias.
A análise qualitativa permite explicar como e porque
ocorrem dificuldades e facilidades no desempenho global.
Além dos instrumentos quantitativos e das tarefas
qualitativas, para a avaliação global também é relevante a análise de
dados clínicos e do histórico do paciente obtidos na entrevista de
anamnese, no contato com outros profissionais que lidam com paciente
além da observação do comportamento apresentado durante todo o
processo. No caso de crianças e adolescentes, pode também ser
necessário o contato com escolas.

O processo de avaliação

A avaliação inicia-se com a entrevista inicial.


No caso de crianças, ela é feita com os pais. Com
adolescentes, é realizada primeiramente com os pais e depois com o
jovem. Quando o paciente é adulto, geralmente é feita primeiramente
com o próprio paciente e depois com um familiar ou cuidador,
dependendo do tipo de queixa e objetivo da avaliação.
Esta entrevista, também chamada de anamnese, é
fundamental para se construir a história do paciente. Deve-se questionar
como as queixas surgiram, correlacionando com o momento que o
paciente estava vivenciado, investigar também a existência de outras
patologias prévias ou ainda existentes, assim como o uso de medicamentos
(que podem inclusive influenciar no funcionamento cognitivo), indagar
sobre possíveis flutuações de desempenho, de comportamento e de
humor, habilidades e dificuldades prévias, perguntar sobre histórico
familiar, além do uso de substâncias, condições de sono, e rotina diária
do paciente. No caso de crianças e adolescentes, é imprescindível que se
pesquisem dados sobre a gestação, parto e desenvolvimento
neuropsicomotor, além de informações sobre a vida acadêmica.
Além destas investigações, outras podem ser úteis
dependendo do que é relatado durante a entrevista, ou até mesmo
diante de um objetivo mais específico de diagnóstico.
Caso o paciente tenha exames de imagem ou fisiológicos,
é indispensável sua análise.

Pantano & Zorzi 159


Após este momento inicial, o profissional deverá traçar uma
hipótese diagnóstica e escolher os instrumentos, atividades e provas
necessárias para a compreensão do funcionamento do paciente.
Na análise quantitativa, poderá escolher entre o uso de
baterias fixas ou flexíveis ou ambas. As baterias fixas, são compostas
por vários testes que usados em conjunto fornecem um mapeamento
global de funcionamento. Nas flexíveis, o profissional pode utilizar
instrumentos diferenciados para cada caso, o que permite uma
modelagem individualizada para a avaliação.
Na análise qualitativa, haverá a análise dos dados
quantitativos, além da interpretação de tarefas que tenham sido
propostas para o paciente, e também dos dados de observação acerca
do comportamento do paciente durante a testagem.
Ao final devem-se juntar todos os dados obtidos,
analisando-os e integrando-os, traçando o perfil cognitivo do paciente.
A partir daí, elabora-se um relatório com todos os dados encontrados.
Em geral, o relatório é entregue ao paciente e seus dados
são explicados detalhadamente. Neste momento também se faz
orientações ao paciente e os encaminhamentos necessários para o
tratamento adequado. Nesta etapa, quando o paciente for uma criança,
os resultados serão entregues e explanados aos seus pais, e no caso de
adolescentes, é recomendável que em um primeiro momento também
o sejam, mas depois é viável também um encontro com o paciente, a
fim de explicar a ele os resultados encontrados e sanar eventuais dúvidas.
Todo este processo será mais rico se for realizado dentro
de uma equipe multiprofissional, em que diferentes profissionais da
saúde, avaliam de forma mais abrangente e trocam informações, que
permitirão um diagnóstico mais preciso.
Para a avaliação cognitiva multiprofissional é interessante
contar com o apoio de equipe composta por médico, neuropsicólogo,
fonoaudiólogo, psicopedagogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional
e psicomotricista.

A equipe multiprofissional

A riqueza do trabalho em equipe se deve aos diferentes


olhares sobre o paciente.
Cada área do conhecimento que formam as Neurociências,
tem uma profundidade e especificidade.
Cada área traz a sua contribuição. Assim, o médico fornece
subsídios sobre o estado clínico do paciente, excluindo doenças orgânicas,

160 Neurociências
questionando sobre possíveis etiologias, e orientando o diagnóstico e
tratamento medicamentoso. O psicólogo, especialista em Neuropsicologia,
mensura as funções cognitivas e analisa aspectos psicoafetivos, inter-
relaciona os achados e fornece informações fundamentais para o
diagnóstico diferencial. O fonoaudiólogo analisa a linguagem, fala e
audição, além da influência destas em outras funções e das outras funções
nestas. O psicopedagogo avalia o processo ensino aprendizagem e verifica
as possibilidades de aprendizagem o que é indispensável para o
diagnóstico e tratamento. O fisioterapeuta, o terapeuta ocupacional e o
psicomotricista analisam aspectos práxicos (ligados aos movimentos),
ocupacionais, visuo-espaciais e gnósicos (relacionados ao reconhecimento).
O intercâmbio das informações e dos resultados obtidos
fornece o embasamento necessário para um diagnóstico preciso.

As funções cognitivas e sua avaliação

A cognição envolve múltiplos sistemas funcionais. As


funções cognitivas abrangem a atenção, memória, percepção,
habilidades visuo-espaciais e visuo-construtivas, praxias, gnosias,
linguagem e funções executivas.
Sabe-se que as funções cognitivas estão interligadas,
embora existam regiões mais responsáveis por determinada função,
lesões podem provocar seqüelas diferenciadas, justamente pelas
ligações existentes. Além disso, a uma interdependência entre elas.
Na investigação do funcionamento cerebral este
conhecimento é vital, pois permite analisar quais são os déficits
primários e quais são os secundários.
Assim por exemplo, um paciente adulto pode ter como
queixa perda de memória, mas na investigação de seu funcionamento
observa-se que há também déficit de atenção, dificuldades na
linguagem e alterações no raciocínio. Provavelmente, há um eixo
principal danificado que prejudica as demais engrenagens, que pode
ser, por exemplo, a atenção.
É esta análise que levará ao diagnóstico e norteará o
tratamento e prognóstico do paciente.

Atenção

A atenção engloba diversas modalidades que precisam ser


avaliadas separadamente, uma vez que dificuldades específicas geram
comportamentos diferenciados.

Pantano & Zorzi 161


Além disso, os resultados obtidos devem-se ser analisados
em conjunto com o desempenho das funções executivas, uma vez
que estão intrinsecamente relacionadas.
Quando o paciente for uma criança, é preciso considerar
sua fase de desenvolvimento uma vez que a maior parte dos processos
atencionais está maturada somente por volta dos sete anos. Além disso,
a análise cuidadosa de fatores ambientais e emocionais precisa ser
considerada, uma vez que podem ser a causa das dificuldades
encontradas nesta esfera da cognição.
Nos adultos déficits atencionais podem não ser relatados
nas queixas iniciais, mas na realidade podem ser a problemática de
base para os dados relatados.
No idoso, há o processo de degeneração normal causado
pelo envelhecimento, que traz consigo a lentificação no processamento
de informações, além de prejuízos em áreas sensitivas primárias e
secundárias, o que interfere diretamente na atenção, sendo esta uma
das funções mais comumente comprometidas nesta fase da vida.
Outros fatores que merecem consideração é o uso de drogas,
álcool e medicamentos. Além de fatores ambientais como estresse, fadiga
e problemas de sono.
Normalmente, os instrumentos mais utilizados para a
avaliação quantitativa da atenção são testes de cancelamento, testes
de screening visual e testes auditivos de repetição. Spreen e Strauss2
referem vários testes neuropsicológicos utilizados na avaliação da
atenção, entre eles: o teste de atenção AC, o teste de atenção D2, Stroop
test, Teste de cancelamento de Mesulam, Trail Making, Teste de
Repetição de Dígitos, e o Continuous Performance Test (CPT).

Memória

Na avaliação da memória deve-se considerar primeiramente


que a dificuldade nesta função é uma queixa comumente apresentada,
e que muitas vezes é conseqüência de outros comprometimentos. Em
segundo lugar, é preciso levar em conta que é um sistema que abrange
diversas estruturas cerebrais, podendo acometer diferentes regiões e se
correlacionar a diferentes comprometimentos.
Outro ponto que merece ser levantado é quanto a confusão
de nomenclaturas existentes. É possível encontrar referências a memória
imediata, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Ou
simplesmente memória de curto e longo prazo e subdivisões dentro
destes grupos. Portanto, ao se fazer a avaliação deste sistema é importante
esclarecer qual o tipo de abordagem conceitual o avaliador está usando.

162 Neurociências
Na avaliação de idosos, a memória é uma função essencial
a ser avaliada para o diagnóstico diferencial de diversas patologias e
portanto deve ser bem abrangente e detalhada. Na senescência, esta é
uma função freqüentemente afetada, portanto, não basta identificar
se há ou não e em que grau é o comprometimento nas diversas esferas,
mas é preciso correlacionar com história prévia e evolutiva, além de
analisar suas conseqüências nas demais funções cognitivas.
Em crianças, também se deve ter o cuidado de correlacionar
a etapa de desenvolvimento em que está uma vez que as funções
mnemônicas ainda estão em desenvolvimento até a adolescência.
Nos adultos podem ser decorrentes de estresse físico e/ou
emocional.
A análise de exames também é importante dado que
algumas alterações hormonais, ou até alguns quadros infecciosos
podem explicar quadros transitórios de perda de memória.
Há inúmeros testes que medem este sistema, mesmo
porque esta é uma das funções mais estudadas pelos neurocientistas.
Há inclusive baterias fixas de avaliação de memória como o Wechsler
Memory Scale-Revised 3 .
Também se pode encontrar baterias ecológicas de avaliação
de memória como o Teste Comportamental de Memória de
Rivermead 4. Os testes ecológicos são assim chamados pois são
formados pela realização de atividades similares ao que o paciente faz
no dia-a-dia.
Entre os instrumentos disponíveis pode-se citar como os
mais utilizados Weschler Memory Scale, Rey Auditory Verbal Test, Figura
Complexa de Rey, Wide Range Achievement of Memory Learning Test,
Dígitos (WAIS-III e WISC-III), testes de listas de palavras5 .

Praxias

Dentro da avaliação das praxias, engloba-se a coordenação


motora fina e grossa, a realização de movimentos simples e complexos,
lateralidade, percepção visual e habilidades visuo-espaciais e visuo-
construtivas.
Na avaliação infantil, a fase de desenvolvimento interfere
na análise do desempenho, mas também fatores ambientais,
principalmente quanto a estimulação que é fornecida e as atividades
que são realizadas.
Na fase adulta e na senescência, é importante colher dados
sobre a independência funcional e a realização de atividades diárias.

Pantano & Zorzi 163


São utilizados testes quantitativos, mas há principalmente
o emprego de tarefas qualitativas que situam o paciente no que é
esperado para sua faixa etária.
Pode-se fazer uso de escalas de desenvolvimento como a
de Denver6 , e também escalas de avaliação funcional como a Medida
de Independência Funcional7 .
Algumas provas qualitativas são citadas por Luria8 . Nestas
provas o paciente é solicitado a realizar movimentos alternados em
agilidade crescente.
Baterias de realização de movimentos também são utilizadas
para avaliar praxias ideomotoras e ideatórias9 .
Entre os testes, há instrumentos disponíveis para avaliação
da percepção e das habilidades visuo-espaciais e visuo-construtivas
como alguns subtestes da Bateria Wechsler de Inteligência: Completar
Figuras, Armar Objetos e Cubos; Bender; Figura Complexa de Rey;
Desenho do Relógio, Piaget Head; Cubo de Necker, Test Hooper2.

Gnosias

Avaliar os processos gnósicos é muito importante, mas


muitas vezes esta função é deixada de lado, o que pode levar a
diagnósticos incorretos ou imprecisos. Isto ocorre principalmente pois
falhas no reconhecimento são confundidas com falhas perceptivas,
ou melhor, em áreas primárias, quando na verdade referem-se a
comprometimentos em áreas secundárias.
Quando há comprometimento gnósico fala-se em agnosias.
Dentre os diversos tipos de agnosias, geralmente, as mais
avaliadas são as visuais.
As agnosias visuais, podem ser divididas em para objetos,
nas quais o individuo não reconhece objetos e é incapaz de reproduzi-
los; prosopagnosias quando a falha é no reconhecimento de faces; e
para cores.
Em termos de instrumentos que possam medir as
gnosias, pode-se dizer que a disponibilidade é estreitamente limitada,
sendo que avaliação, muitas vezes, baseia-se somente em provas
qualitativas, nas quais ou o paciente reconhece ou não reconhece
determinado estímulo. E pressupõem que os órgãos perceptivos
estejam intactos.
Cabe ao avaliador desenvolver atividades em que possa
avaliar a capacidade de reconhecimento do paciente. Um exemplo de
bateria pode ser encontrado no quadro a seguir:

164 Neurociências
Embora tenha sido dito que normalmente a avaliação é
realizada somente para a modalidade visual, ressalta-se que tais provas
deveriam abarcar as diversas modalidades gnósicas: auditivas, visuais,
táteis, sensitivas, olfativas.

Linguagem

A avaliação da linguagem é de suma importância, uma


vez que permeia os demais processos cognitivos. Déficits em linguagem
precisam ser diagnosticados até mesmo para se avaliar as demais
funções, uma vez que poderá ser necessário mudar as formas de
compreensão, ou até mesmo direcionar os tipos de instrumentos a
serem utilizados. Por exemplo, se um paciente tem alteração na
expressão verbal, será necessário utilizar testes que associem o visual,
principalmente na forma de resposta.
As dificuldades em linguagem normalmente não são
claramente definidas pelo paciente ou familiar, muitas vezes trazem
outras dificuldades que não desta área. O problema nesta esfera pode
estar até mesmo escondido em uma queixa de confusão mental.
É preciso ter um olhar diferenciado, e fazer provas
específicas que atinjam os diferentes processos lingüísticos.
Independentemente do profissional que esteja avaliando
o paciente, é importante utilizar pelo menos um teste que possa rastrear
as diversas facetas da linguagem. Não se ater a isto pode levar até
mesmo a um diagnóstico errado.
A avaliação da linguagem deve abranger a expressão oral,
a compreensão oral, a escrita e a compreensão escrita.

Pantano & Zorzi 165


Nas crianças, as dificuldades de linguagem podem levar aos
transtornos de aprendizagem. Para a avaliação formal é muito importante
considerar o nível de desenvolvimento que a criança se encontra e a
estimulação que recebe. Alguns exames complementares também são
úteis como a Audiometria e o Processamento Auditivo Central.
Nos adultos e idosos, é importante correlacionar os déficits
nesta área com a história clínica e exames complementares,
questionando sobre características prévias e mudanças estáveis e
crônicas.
Entre os testes utilizados para avaliação da linguagem temos
o Teste Boston de Diagnóstico de Afasias, Teste Boston de Nomeação,
Token Test, Vocabulário e Compreensão (das Baterias Wechsler)5.
Além de testes formais pode-se usar tarefas qualitativas de
desempenho, e que são extremamente úteis para o diagnóstico.
Na compreensão escrita pode-se propor a interpretação
de instruções simples e complexas e a interpretação de textos.
Na compreensão oral solicita-se a execução de ordens
simples e complexas, a interpretação de histórias, a discriminação de
sons e a soletração.
Na expressão oral tarefas de nomeação, repetição, discurso
espontâneo, leitura e a narração são importantes.
Na escrita observa-se a mecânica, além de aspectos de
ortografia e gramática, em tarefas de cópia, ditado, formação de frases
e redação.

Funções executivas

Podem ser definidas como “comportamentos que


permitem ao indivíduo interagir no mundo de maneira intencional,
envolvem a formulação de um plano de ação que se baseia em
experiências prévias e demandas do ambiente atual. Estas ações
precisam ser flexíveis e adaptativas”1 . Envolvem vários aspectos do
comportamento: cognitivo, emocional e social.
São consideradas funções executivas: a capacidade de
tomar decisões, o julgamento de situações, a crítica, a compreensão
de regras e normas, a organização e o planejamento, a flexibilidade
mental, a abstração de conceitos, a resolução de problemas, o
seqüenciamento de ações, o controle do comportamento, a motivação
e a iniciativa, entre outras.
São funções complexas que dependem de outras para sua
execução, sendo assim o funcionamento executivo depende da

166 Neurociências
integração de diversos sistemas. Isto se deve a localização que ocupam
no cérebro, situadas na região do córtex pré-frontal que recebe
aferências diretas e indiretas de áreas corticais ipsilaterais, contralaterais
e tem aferências subcorticais do sistema límbico, reticular, hipotálamo;
sendo assim, se integra ao meio interno pelo sistema límbico, e externo
pelas áreas sensitivas de associação2 .
Estas funções são tão importantes que desde que estejam
intactas, a pessoa pode ter alguma perda cognitiva e continuar
independente e produtiva. Quando comprometidas, dependendo do
grau, podem levar o indivíduo a não ser mais capaz de se cuidar
sozinho, manter relacionamentos, planejar ações, entre outras.
Pacientes com disfunções executivas podem apresentar
desde quadro de apatia e desmotivação, a quadros de impulsividade,
excitação e comportamento bizarro.
Devido a todos estes fatores pode-se concluir que, a
avaliação das funções executivas é fundamental para a compreensão
do funcionamento cognitivo, é bastante complexa e, exige muito do
profissional que a esteja direcionando.
Um dos principais problemas na avaliação executiva é a
diferenciação com quadros psiquiátricos.
Em crianças ainda não estão totalmente desenvolvidas, pois
sua maturação ocorre principalmente dos sete aos vinte anos devido
ao processo de mielinização das fibras que conectam regiões corticais
e córtex frontal.
No idoso podem estar prejudicadas devido a déficits em
outras funções que conseqüentemente geram comprometimentos
executivos.
Embora existam testes formais para avaliá-las, é importante
que também sejam utilizadas provas práticas e em muitas situações,
que os achados sejam correlacionados com aspectos da personalidade
do indivíduo.
Entre os testes disponíveis os mais utilizados são o Teste
Wisconsin de Classificação de Cartas3 , Labirintos, Teste de Stroop,
Fluência Verbal, a Torre de Hanói, Torre de Londres2 , Subtestes da
Bateria Wechsler de Inteligência: Arranjo de Figuras, Compreensão,
Cubos, Dígitos, Aritmética5 , além de testes de Personalidade.

Considerações finais

Como se pode observar no decorrer deste capítulo, a


avaliação das funções cognitivas é algo bastante complexo e trabalhoso.

Pantano & Zorzi 167


No entanto, é necessário que seja feita com todo cuidado e critério
para que possa cumprir sua finalidade principal que é a compreensão
do funcionamento cerebral do indivíduo.
A experiência clínica permite ao profissional que realiza a
avaliação aprimorar cada vez mais seus métodos, mesmo porque cada
paciente é único e traz consigo uma peculiaridade que quando bem
explorada leva não só a um diagnóstico mais preciso, mas também ao
enriquecimento único e crescimento do profissional que está fazendo
a avaliação.
Cada paciente novo implica em novas pesquisas e novas
descobertas, esse é o fascínio de quem explora o cérebro.

Bibliografia

1. Alchieri, J.C (2004). Aspectos instrumentais e metodológicos da avaliação


psicológica. In: Andrade, V. M., Santos, F. H., Bueno, O. F. A. Neuropsicologia
Hoje. São Paulo, Artes Médicas.
2 . Spreen, O.; Strauss, E. (1998). A compendium of Neuropsychological Tests:
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3. Wechsler, D. (1987). Wechsler Memory Scale-Revised. Santo Antonio Texas:
The Psychological Corporation.
4. Wilson, B.A., Cockburn, J., Baddeley, A. D. (1985). The Ribermead Behavioral
Memory Test. Reading,: Thames Valley Test Co.
5. Lesak, M.D. (1995). Neuropsychological Assessment . 2nd. Edition. New York,
Oxford University Press.
6. Frankenburg, W. K.(1967) Denver Developmental Screening Test. Journal
Pediatric (71): 181-91.
7. Laíns, J. (1991). Guia para o Sistema Uniformizado de Dados Para Reabilitação
Médica (SUDRM). Trad. autorizada pelo Uniform data set for medical
reabilitation., Coimbra.
8. Luria, A. R. (1975). La investigación neuropsicológica. MGU, Moscú.
9. Carrilho, P. E. M. Apraxias ideomotora e ideatória. In: Nitrini, R., Caramelli,
P., Mansur, L. (1996) Neuropsicología das bases anatômicas à reabilitação.
São Paulo: Clínica Neurológica DO Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo.
10. Santos, F. H. (2004). Funções executives. In: Andrade, V. M., Santos, F. H.,
Bueno, O. F. A. Neuropsicologia Hoje. São Paulo, Artes Médicas.
11. Goldberg, E. (2002). O cérebro executivo: lobos frontais e a mente civilizada.
Rio de Janeiro: Imago Editora.
12. Heaton, R. K., Chelune, G. J., Talley, J. L., Kay, G.G., Curtiss, G (2005). Teste
Wisconsin de Classificação de Cartas. Autorização e Padronização
brasileira: Cunha, J. A. et al. São Paulo: Casa do Psicólogo.

168 Neurociências
Capítulo 11
Neurociência na Educação I

Adriana Fóz

Este capítulo pretende apresentar as principais perguntas


e respostas com relação ao tema “Neurociências e Educação”. Foi
estruturado de forma a apresentar os principais questionamentos e
dúvidas destinados aos profissionais que trabalham com a interface
entre neurociências e aspectos da educação, tal como a Leitura .

O que é Neurociência?

Farei uma breve introdução ao tema, como um pré-


aquecimento de nossos neurocuriosos neurônios diante um novo assunto
ou uma nova abordagem.
Voltando um pouco no tempo, foi a partir de 1950 que a
Neurociência passou a ganhar força, pois até então era considerada
uma “caixa preta”.
“Penso, logo existo”, Descartes (1596-1650) 5a sustentava
a idéia de dualidade, ou seja, corpo X alma ou mente X cérebro.
Desde o século XIX já existia uma Psicologia com uma
proposta de uma abordagem científica da mente. A neurociência
começava sua fase embrionária, principalmente após a descoberta do
neurônio como unidade fundamental do cérebro, além do advento
da Inteligência Artificial, é claro.
Foi a época em que o cérebro era visto como computador
e a mente como o software.
Já em 1990 é publicado o livro ”O erro de Descartes” de
Antonio Damasio 5 onde se revê, amplia e ganha-se uma outra
compreensão da relação entre a “estrutura”e a “função”. Agora mais
dinâmica, complementar e interativa.
Ao longo desta década o quadro muda novamente com a
biopsiquiatria, com descobertas sobre a depressão, o Prozac, a
neuroimagem, etc.. Mas, e a consciência?

Pantano & Zorzi 169


Antes, reduto da filosofia passou a ser uma das matérias
prima da neurociência. Da questão dual, então, passamos a ter uma
outra triangular: mente- cérebro- consciência.
A questão hoje não é apenas como os cérebros podem gerar
mentes, mas como as mentes podem afetar seus cérebros. E mais,
como a mente afeta o cérebro, o organismo e vice- versa.
A neurociência abarca estas questões. Assim como a
neuropsicologia e ainda a gestacional neuropsicopedagogia ou
neuropsicoeducação.
A questão da delimitação de áreas, das searas de saberes,
ainda será tema de anos pela frente. Mas uma coisa é certa: a
neurociência é a “bola da vez”!

Pra que e por que neurociência na Educação?

“Dois aspectos importantes das neurociências para a


educação são: a organização funcional e as áreas especializadas para
processar informações em categorias”, segundo Elvira Souza Lima 23,
24
. Estas dimensões são essenciais uma vez que podemos considerar a
maleabilidade das redes neurais, ou seja, a possibilidade de
reconfiguração destas.
E como mencionado anteriormente, a neurociência trata
das relações entre mente- cérebro- consciência.
A Educação representa a área do ensino e da
aprendizagem, de modo geral.
Para ensinar e aprender devemos considerar nossos recursos,
nossa cognição. E para aprender contamos com estruturas físicas (cérebro),
psicológicas (mente) e cognitivas (mente/cérebro). Ou ainda, contamos
com redes neurais e sua capacidade dinâmica de reconfiguração, que a
partir da educação podem ser otimizadas e reorganizadas.
Mas quem é essa tal Cog-ni-ção? É o link daquela tríade.
Segundo a etimologia, esta palavra vem do latim -cognitio onis- ou
seja, significa origem, aquisição de um conhecimento, percepção. É a
capacidade para adquirir conhecimento.
Adquirimos conhecimento através do processo de
aprendizagem.
Aprender fazendo, é o princípio que rege os primeiros anos,
depois aprender aprendendo, “aprender pensando”e “pensar aprendendo”.
”Com a cabeça, o coração e as mãos”, assim deve ser o
aprendizado ideal, segundo Peslalozzi50, em 1746-1827 34 .
Hoje sabemos que ele tinha razão, o cérebro reúne três
aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação.
170 Neurociências
E quando falamos de cognição não podemos deixar de falar
de Jean Piaget19 , que dentre várias contribuições preciosas, organizou
o desenvovimento cognitivo em estágios:
*sensório motor;
*pré-operatório;
*operatório;
*formal ou abstrato.
Cada fase tem sua própria organização, esquemas e
aprendizado.
Sendo assim, pensar e aprender , na neurociência da
educação, leva em conta a arquitetura estrutural do cérebro bem como
seus esquemas cognitivos e funcionais, a partir de um contexto de
tempo, maturação, desenvolvimento e interrelações.

Cérebros célebres

Como e quando o cérebro aprende?


O cérebro aprende desde cedo, desde que é do tamanho
de uma “cabeça de alfinete ”17.
O cérebro aprende através do exercçicio das habilidades,
das necessidades, da motivação, da curiosidade, do interesse, da
repetição e das fases inerentes ao desenvolvimento neuro-cognitivo.
O cérebro aprende desde sempre.
Nascemos com 100 bilhões de neurônios22. Nosso cérebro,
ao nascermos, aumenta de tamanho radicalmente com a multiplicação
das células gliais, ou glia, para os íntimos.
A glia é a célula responsável pela comunicação,
sobrevivência e aprendizado dos neurônios, dentre outras funções.
Os prolongamentos dos neurônios são chamados de
axônios, geralmente únicos, de um ou mais dentritos. O axônio veicula
os sinais de saída do neurônio22.
E é neste mesmo período que o número de sinapses, a
região de contato entre um axônio e outro neurônio, no cérebro
aumenta enormemente.
Toda aprendizagem se dá através das sinapses17.
Seis dias antes do nascimento, nosso cérebro assim como
uma torre de cartas, começa a desmoronar.
É “um suicídio coletivo”,segundo Suzane Herculano-
Houzel17 . Há a morte celular programada, quando se acreditava que
a eliminação acontecia por competição, mas estudos recentes mostram
que é através do funcionamento.
Quem não funciona é eliminado, ou seja, “neurônios que se
comunicam, não se trumbicam”, parodiando Chacrinha.

Pantano & Zorzi 171


Logo, aprendizagem é reorganizar, eliminar, construir e
otimizar.
Uma outra preciosa informação é que nascem novos
neurônios todos os dias!22
Por enquanto sabe-se que isso acontece no hipocampo e
no bulbo olfatório. Se nascem novos neurônios, aumentam mais ainda
as chances de novos aprendizados, certo?
Uma das “leis de organização importantes do cérebro é
manter e fortalecer o que é usado e deixar sumir o que não é”,
segundo Shors 37.
Podemos também chamar este processo de lapidação
cerebral.
Há, para uma exposição didática, três grandes fases desta
lapidação. A primeira acontece no nascimento, onde a “pedra
bruta”recebe cortes. Quando bebê, há uma diminuição significativa
de neurônios. Depois, quando temos por volta dos cinco anos, há uma
nova lapidação. E na adolescência, quando, por exemplo, nossa massa
cinzenta já chegou ao auge no lobo frontal e só tende a diminuir17. No
adulto a massa branca também diminui, mas não na velocidade da
outra. A substância branca, neste período, por volta dos 14,15 anos se
expande, correspondendo à mielinização das conecções. Só para elucidar,
a mielinização é como se fosse uma capa de um fio. Com quarenta anos
é que esta quantidade de reduz significativamente. Na opinião mais
recente da neurociência, o funcionamento adulto do córtex pré-frontal
depende de um refinamento das suas conecções, ou seja, da eliminação
dos contatos excedentes. Logo, nós, adultos não precisamos nos
desesperar uma vez que sabemos que quantidade não é qualidade.

As crianças aprendem mais e mais rápido?

A base do aprendizado é a modificação do cérebro, ou seja,


das sinapses25.
Na infância, ou seja, nas crianças, as moléculas que fazem
as alterações nas sinapses são outras cuja ação é mais rápida e mais fácil.
Também estas possuem um número maior de sinapses
como uma pedra bruta que vai sendo esculpida.O processo de
aprendizado é também a tarefa da eliminação das sinapses excedentes,
ou seja, a “lapidação ”39.
Para entender e otimizar o aprendizado de modo geral, é
essencial que haja a estimulação das sinapses tão cedo e variável quanto
possível.

172 Neurociências
A multiplicidade dos estímulos exteriores determinam qual
será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas
se comunicarão.
O fluxo das informacoes que vêm dos sentidos e a
interação dinâmica é constante com o meio e são o que determinarão
como o cérebro irá se desenvolver, ou seja, o que e como vamos
aprender, quais talentos desenvolveremos.
Aí que entra o precioso papel da educação: a didática, a
informação e a formação. A educação propicia às crianças os estímulos
intelectuais de que o cérebro precisa para desenvolver suas
capacidades, seus talentos3.
Mas devemos ter em mente o respeito às leis naturais do
desenvolvimento. Por exemplo: uma criança de 3 anos não tem
condição de enfiar uma linha na agulha, do mesmo modo que esta
mesma criança não está pronta para ler e escrever. Não podemos
esquecer que o desenvolvimento é um processo global e particular,
onde o tempo é uma condição preciosa e inerente.
Este processo acontece de modo conjunto, como numa
receita de bolo.
Os ingredientes vão se juntando numa determinada fase,
procedimento e tempo. Senão, o bolo pode desandar...

“Janelas e portas” de oportunidades

Lembrando mais uma vez da metáfora da pedra esculpida,


todo processo de “lapidação” tem suas fases.
Segundo Jean Piaget19, são 4 as fases do desenvolvimento
cognitivo (mencionadas anteriormente).
Cada fase corresponde então a uma configuração da pedra
“lapidada”, ou seja, da arquitetura neuronal.
Retomando o exemplo dado, uma bebê não consegue ler
do mesmo jeito que uma criança de 2 anos não consegue enfiar uma
linha na agulha, pelo menos por enquanto...
Cabe aos educadores o papel de orientar a relação entre
conteúdo e continente, assessorar a relação entre o que está aquém ou
além do desenvolvimento do aprendiz e promover uma relação
harmônica e desafiadora entre o objeto a ser apreendido e as habilidades
coletivas e individuais.
Creio que este é um papel também importante dos
educadores, pontuar o que é inerente ao desenvolvimento da neuro-
cognição infantil, uma vez que a ansiedade e exigências da

Pantano & Zorzi 173


modernidade nos faz confundir e atropelar a natureza do
desenvolvimento da criança e do adolescente.
Seguem alguns estudos que colaboram com a Educação.
Aprendemos:
• 70% do que discutimos,
• 80% do que experimentamos,
• 95% do que ensinamos para outra pessoa.
Fonte: Glasser47
Numa turma escolar comum:
• 46% são aprendizes visuais,
• 35% aprendizes cinestésicos,
• 19% aprendizes auditivos. Fonte: Souza44

Estes são alguns dos dados de pesquisas cognitivas que


auxiliam o processo de ensino-aprendizagem.
Do mesmo modo que, segundo pesquisas da neurociência,
por exemplo, o córtex pré frontal- aquela parte do cérebro que organiza
nossas ações, elabora estratégias e direciona respostas impulsivas do
cérebro— ainda é imaturo nas crianças. O que não significa que uma
criança não desenvolva o controle de impulsos, ou aperfeiçoa a
capacidade atencional, as habilidades de planejar e relacionar-funções
típicas do córtex pré-frontal. Logo, qualquer aula que requer
organização é preciso ser iniciada pelo be-a-ba: escolher a resposta
certa para cada estímulo, e de maneira simples17.
Uma coisa são as possibilidades outra são os pré-
requisitos!E felizmente não existem receitas de aprendizagem ou
“ensinagem”, mas um processo contínuo de informação, formação,
desenvolvimento de habilidades, potenciais e possibilidades.

As janelas individuais

Como seres ontogenéticos, podemos pensar de forma


coletiva, porém também temos nossas particularidades que faz com
que cada um seja indivíduo, único!
Retomando Piaget, o período operatório, por exemplo,
configura-se entre 7 e 11 anos, uma faixa larga para não relevarmos
diferenças, não é mesmo? Quantas vezes numa mesma classe não notamos
uma criança com facilidade para interpretar, perceber e sentir as notas
musicais ao mesmo tempo que seu colega mostra uma preferência e
facilidade para interpretar movimentos, ritmos e cordenar o corpo?
Portanto é importante permitir, propiciar que as criancas
também aprendam de acordo com seus dons e talentos individuais.

174 Neurociências
Podemos facilmente observar em uma mesma turma
escolar crianças mais sensíveis à estética, outras à música, outras aos
esportes, etc.. Howard Gardner 14, com a teoria das Inteligências
Múltiplas, descreve muito bem o rol de possibilidades intelectuais de
cada indidivíduo.
Sendo assim é bastante importante que estas e outras
características sejam levadas em conta para o melhor aproveitamento
de um aprendiz.
Abaixo seguem algumas características que ajudam a
identificar o potencial individual nas seguintes áreas:

INTELECTUAL
- facilidade para lidar com abstrações, lembrar informações e perceber
relações de causa e efeito;
- vocabulário avançado para a idade ou série;
- grande bagagem de informações sobre um ou vários tópicos;
- habilidade de fazer observações perspicazes e sutis, de transferir
aprendizagens de uma situação para outra e de fazer generalizações.

CRIATIVIDADE
- senso de humor e pensamento imaginativo;
- atitude não conformista e disposição para correr riscos;
- habilidade de adaptar, melhorar ou modificar objetos ou idéias e de
produzir respostas incomuns, únicas ou inteligentes;
- tendência para ver humor em situações que não parecem
humorísticas para os outros;
- habilidade de gerar um grande número de idéias ou soluções para
problemas ou questões.

MOTIVAÇÃO
- persistência para atingir um objetivo;
- interesse constante por certos tópicos ou problemas e obstinação em
procurar informações sobre eles;
- comportamento que requer pouca orientação dos professores;
- habilidade de se concentrar em tópico por muito tempo;
- preferência por situações nas quais possa ter responsabilidade pessoal
sobre o produto de seus esforços.

LIDERANÇA
- tendência a ser respeitado pelos colegas e autoconfiança quando
interage com eles;

Pantano & Zorzi 175


- comportamento cooperativo, habilidade de articular idéias e de se
comunicar bem com os outros;
- tendência a dirigir as atividades quando está envolvido com outras
pessoas;
- comportamento responsável.
Fonte: Conselho Brasileiro para Superdotação45

Natureza e Ambiente

As áreas neurocognitivas para a leitura envolvem as regiões


temporal basal (occiptotemporal), temporoparietal e frontal inferior,
de um modo mais predominante no hemisfério esquerdo43. A natureza
promove recursos neurológicos estruturais para a aprendizagem.
Já as pré- condições cognitivas são dadas pela genética, sob
a forma de potencial.
O desenvovimento ou não dos talentos depende do seu
ambiente, da estimulação. Tal potencial se desenvolve através da
aprendizagem.
Portanto, é importantíssimo que os professores, pais,
educadores descubram o que a criança domina melhor, seus talentos,
o que lhe é fácil, interessante, prazeroso, o que dá prazer e alegria.
Essa sim é uma receita infalível!
Lembro mais uma vez aqui do Johann Comenius , um dos
fundadores da didática, século XVII, “tudo que dá prazer a memória
auxilia”. Podemos também falar de um outro modo mais contemporâneo,
ou seja, tudo que é interessante, fácil, desafiador e exitante aumenta e
estimula a quantidade de serotonina, dopamina (neurotransmissores) em
nosso cérebro, nos propiciando uma sensação de prazer.
Um ambiente dotado de colorido emocional e estímulos
de prazer, sem dúvida, é mais efetivo e eficaz.

Plasticidade: caminhos e atalhos de possibilidades

Costumo criar a imagem de um caleidoscópio para


compreender um pouco mais o cérebro, que está em constante
transformação.
O cérebro se transforma com uma orientação natural, mas
o desenvolvimento normal se altera também diante a obstáculos neste
desenvolvimento.
Assim como numa high way, se estiver interditada,
podemos pegar um atalho ,ou ainda, se uma ponte se rompe
construímos outra, diferente, mas que possa ligar pontos.

176 Neurociências
A plasticidade neuronal é fato, é ciência. É o fenômeno
inerente ao cérebro, quando este está em constante reorganização para
se desenvolver e compensar possíveis desvios e deficiências.”Nos
últimos 5 anos neurocientístas têm descoberto que o cérebro se
modifica durante a vida”, de acordo com Gage 13.
Este fenômeno se configura no advento da neurocognição,
da neuropsicologia, da “neuropsicopedagogia”ou “neuropsico-
educação”.
Através do aprendizado podemos construir novas pontes,
atalhos e assim reconfigurar nosso cérebro.
Conforme informações de diversos neurocientistas como
Nelson Anunciato e cols49, “a plasticidade neural é a propriedade do
sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações
estruturais em resposta à experiência, e como adaptação a condições
mutantes e a estímulos repetidos”.
Cada experiência vivenciada estimula o processo de
plasticidade neuronal em diferentes espécies, que vão desde
invertebrados aos humanos.
A plasticidade é melhor compreendida através do
conhecimento morfológico-estrutural do neurônio, da natureza das
suas conexões sinápticas e da organização das áreas associativas
cerebrais.
Sendo assim, a “aprendizagem pode levar à alterações
estruturais no cérebro”, segundo Kandel20 .
A cada nova experiência do indivíduo, portanto, redes de
neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e
múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis.
Portanto, “o mapa cortical de um adulto está sujeito a
constantes modificações com base no uso ou na atividade de seus
caminhos sensoriais periféricos”, ainda de acordo com Kandel20.
Esta sim é uma notícia de primeira página, onde o trabalho
do educador ganha novas fronteiras e ao mesmo tempo, novos desafios.
O que antes era experimentado pelo educador, hoje ganha
respaldo da neurociência, podendo assim alargar ambos os campos
para um fim maior: a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e
da humanidade.

A Escrita das “Leituras”

O que significa “ler ”? Esta é uma pergunta que nós


educadores devemos sempre nos fazer.

Pantano & Zorzi 177


Ler intenções, desejos. Ler símbolos e signos. Ler palavras
e textos. Ler por ler, ler para saber, ler para ser. Ler para desenvolver
maiores e melhores rotas cerebrais, ler para fortalecer sinapses.
Buscando novamente a origem...
LER: (Lat. legere)
a) Conhecer, interpretar por meio da leitura;
b) Conhecer as letras do alfabeto e saber juntá-las em palavras;
c) Pronunciar ou recitar em voz alta o que está escrito;
d) Estudar, vendo o que está escrito;
e) Decifrar ou interpretar bem o sentido de ler.
CONHECIMENTO:
a) ato ou efeito de conhecer.
b) Informação ou noção adquirida pelo estudo, experiência.
Fonte: Dicionário Michaelis46

Algumas considerações sobre a alfabetização

“O propósito da alfabetização é ajudar as crianças a


compreenderem o que lêem e a desenvolver estratégias para continuar
a ler com autonomia. Da mesma forma, o propósito de escrever é
comunicar, de modo que um leitor, situado remotamente no tempo e
no espaço, possa compreender o propósito e o sentido do que foi
escrito”, conforme apontam os estudos da Comissão de Educação e
Cultura48, que concluíram, como um fato científico, bem estabelecido,
que aprender a ler requer:
- Compreender o princípio alfabético.
- Aprender as correspondências entre grafemas e fonemas.- Segmentar
seqüências ortográficas de palavras escritas em grafemas.
- Segmentar seqüências fonológicas de palavras faladas em fonemas
- Usar regras de correspondência grafema- fonema para decodificar
informações.
O educador, no papel de professor, precisa estar atento a
cada um de seus alunos, ensinando a cooperação com o colega, num
ambiente com oportunidade para todos, cada um a seu jeito, sem
espaço para fracasso, porque o erro, antes de ser um sentença final, é
o inicio de uma solução.
“A adaptação da criança diante de problemas de leitura e escrita
também dependerá de outros fatores, como motivação, relações afetivas,
habilidades intelectuais gerais, idade e condições sociais” (Capovilla4).
E é por isso a necessidade de ampliarmos nossa
compreensão sobre a leitura, para de fato entendermos as disfunções
e dificuldades cognitivas.

178 Neurociências
Segundo Frith 10 , a leitura e escrita são habilidades
cognitivas que se desenvolvem através de um processo interativo que
ocorre em três fases distintas:
- Fase logográfica: tratadas com um todo (pré- silábica, pré-alfabética
– hemisfério direito.)
- Fase alfabética: requer consciência fonológica, correspondência,
grafema/ fonema (principalmente hemisfério esquerdo).
- Fase ortográfica: analítica, compreensão de leitura de palavras segue
rota lexical sem necessidade de segmentação das sílabas (hemisfério
esquerdo).
Já a linguagem, morada das habilidades citadas
anteriormente, não é uma função estanque, dependendo assim de
outros tipos de função tais como audição, visão, atenção, memória e a
função motora, necessária para produzir os sons, que se configuram
em palavras, são agrupadas em frases e assim por diante33. Assim nos
processos de Linguagem podemos considerar:
1.Fonética- constitui o processo que governa a produção e percepção
dos sons falados.
2. Fonologia- conjunto de regras especificamente da linguagem, através
das quais os sons são representados e manipulados, formando as
palavras.
3 Semântica- permite atribuir um significado às palavras ou nomes.
4. Sintaxe - permite utilizar as palavras, a partir de uma estrutura.

Todas estas informações que são construídas a partir da


interface entre as áreas da lingüística, didática, semiologia, semântica,
fonética, dentre outras se reconfiguram com a neurociência para melhor
nos oferecer compreensão e instrumentos de avaliação e habilitação.
A questão que se coloca é transmitir o conhecimento necessário aos
aprendizes/alunos de um modo que corresponda ao funcionamento
cerebral. “Mas isso só será possível quando professores e educadores
compreenderem como transcorrem os processos de aprendizado do
ponto de vista neurobiológico” segundo Friedrich & Preiss15.

Algumas considerações sobre aprendizagem

Existem fatores estruturais e funcionais no processo de


aprendizagem.
Não discorrerei aqui a respeito dos fatores estruturais por
não pertencer ao meu domínio de conhecimento. Porém, são vários
os aspectos funcionais:

Pantano & Zorzi 179


Atenção, Memória, Linguagem, Executivo Central e
Inteligência. Também é importante relevar as várias compreensões a
respeito das Inteligências14. São vários os tipos de memória, cujo processo
envolve diferentes etapas, como a recepção da informação, sua
codificação, armazenamento e recuperação, que seria a recolha e
evocação dos dados armazenados. Há também uma memória sensorial,
imediata, em que nos chegam informações através dos órgãos dos
sentidos e se pode converter em memória de trabalho. Os lobos frontais,
principalmente o pré-frontal, e o córtex parietal têm importância
significativa nestes processos. Há a memória de longo prazo, que pode
ser explícita ou declarativa (Ex: Bagdá é a capital do Iraque) ou implícita-
procedimental (Ex: andar de bicicleta ou nadar). Por sua vez a memória
declarativa se divide em memória episódica (Ex: fatos relacionados com
a nossa vida passada) e ou semântica (Ex: conjunto de conhecimentos
relacionados com o significado das palavras, objetos, etc.)33.
Os processos cognitivos básicos para a aprendizagem da
leitura são: a linguagem, a compreensão oral e auditiva, a memória de
trabalho, e processos superiores, tais como, o monitoramento da
compreensão, a integração textual e outras habilidades da
metacognição relacionadas com a compreensão33.
São vários também os aspectos cognitivo-emocionais que
influenciam diretamente na capacidade de aprender:
•Motivação
•Interesse
•Auto-estima
•Autoconhecimento
•Imaginação
•Criatividade
Quanto aos aspectos neuropsicopedagógicos, um bom
começo é se perguntar, diante o processo de ensino aprendizagem,
quem é que aprende e quem é que ensina.
São dois universos, que se interrelacionam intimamente e
constantemente no qual o objeto de aprendizagem pode ser visto
como conseqüência de um processo dialético.
Quem aprende, o que aprende, por que aprende e como
aprende se relacionam de um modo particular com quem ensina, o que
ensina, como ensina, por que e pra que ensina. Uma relação que se mostra
tão peculiar e rica que poderíamos chamá-la de maternagem educativa.
É uma relação de troca, onde não se perde a identidade
dos pólos, mas se soma e interage principalmente se relevar o ambiente
cultural, emocional, e institucional no qual se vive.

180 Neurociências
Algumas recomendações sobre o aprendizado da leitura

São as seguintes as recomendações da Carnegie Foundation


para melhorar a compreensão leitora de acordo com Fletcher 8.
1. Fornecer instrução explícita nas estratégias e nos processos que
sustentam a compreensão.
2. Ensinar compreensão nas áreas disciplinares.
3. Motivar a aprendizagem auto-dirigida dos estudantes para ler e
para escrever.
4. Usar aprendizagem cooperativa com textos variados.
5. Aplicar intervenção em grupos pequenos para alunos que
apresentem dificuldades com a compreensão da leitura, com a
escrita e com áreas disciplinares.
6. Usar textos diversos com níveis de dificuldade e temas variados.
7. Usar bastante escrita em todas as áreas temáticas.
8. Desenvolver tecnologias como ferramentas de instrução.
9. Apresentar avaliações do progresso dos alunos e da eficiência do
programa.
10. Propiciar tempo extra para o letramento. No ensino médio são
necessárias de 2 a 4 horas de instrução.
11. Proporcionar capacitação profissional contínua em letramento.
12. Avaliar os resultados dos alunos e do programa.
13. Formar equipes de professores entre áreas disciplinares que se
reúnam regularmente.
14. Proporcionar liderança de professores e de diretores que entendam
a instrução em leitura.
15. Os distritos escolares devem ter um plano amplo de toda a
escolaridade, que seja interdisciplinar, interdepartamental, intersérie
e coordenado com recursos externos e a comunidade.

Sabemos que é difícil encontrarmos todas estas atitudes


dentro de uma escola, por exemplo. Sabemos também que muito do
desempenho do aluno depende do mediador e nem tanto dos recursos
materiais. Porém, é importante que a informação, o afeto e as condições
mínimas de trabalho sejam oferecidos.
“A vida educa, mas a vida não é uma questão de palavras,
e sim de ação”, palavras de Johann H. Pestalozzi 50.

A prevenção dos transtornos de aprendizagem da leitura

Os programas de prevenção geralmente envolvem


avaliações para identificar a aquisição de habilidades básicas, no que

Pantano & Zorzi 181


diz respeito principalmente, ao reconhecimento de palavras, fluência,
registro, vocabulário e compreensão. Os estudos para avaliar a
capacidade de determinadas abordagens para prevenir os transtornos
da leitura aumentaram nos últimos anos 9. Alguns programas e
estratégias foram criados, tais como: instrução direta6, estudo das
intervenções de sala de aula da Universidade do Texas-Houston e
estratégias de aprendizagem com auxílio dos colegas, PALS -Peer-
assisted Learning Strategies)8. Estudos sobre tutoria também têm sido
desenvolvidos40.
Os programas de prevenção se complementam muito com
os processos de avaliação, uma vez que é preventiva a atitude de
conhecer e reconhecer as habilidades cognitivas dos alunos. Avaliações
devem incluir um rol de atividades, dentre elas as testagens, exercícios,
auto-avaliações, provas e outros. Não discorrerei sobre este assunto,
pois precisaria de um capítulo a parte para fazê-lo. Porém, o
importante aqui é apontar para a diversidade de estilos cognitivos e
multiplicidade das possibilidades de aprendizagem relevando um
projeto consciente e qualitativo de avaliação e prognóstico dos aspectos
envolvidos.

Considerações finais

“Uma das mais significativas descobertas das neurociências


é que a diversidade cultural do ambiente provoca mudanças no
cérebro. Novas sinapses são adicionadas e ampliadas em resposta a
experiências e a aprendizagem”, segundo Silvia Helena Cardoso,
psicobióloga com pós doutorado pela Universidade da Califónia 51.
Ler a diversidade, ler novas formas de se trabalhar com a
leitura, como por exemplo, a neuropsicoeducação, é que nos faz chegar
mais próximo da finalidade de educar com consciência e
sapiência. Afinal, entre a ciência e a sapiência1 é que mora um mar de
possibilidades.

Bibliografia

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184 Neurociências
Capítulo 12
Neurociência na Educação II

Kátia A. Kühn Chedid

Nas últimas três décadas estamos discutindo vários aspectos


relacionados com o cérebro e seu funcionamento, estes assuntos estão
na pauta do pensamento dos homens desde os primórdios de nossa
existência, mas neste momento de nossa civilização temos disponíveis
ferramentas de pesquisas eficazes que vieram facilitar a compreensão
sobre a mente e o cérebro.
Atualmente, entramos em contato com inúmeras pesquisas
sobre os processos de aprendizagem, de pensamento, de memorização,
etc. As consequências destas pesquisas parecem óbvias, mas ainda
dependem do conhecimento e da sistematização destes novos estudos
científicos para que possamos delinear uma nova teoria da
aprendizagem baseada nestes conhecimentos.
Esta nova teoria pode oferecer abordagens diferentes em
relação a avaliação, currículo, ensino, aprendizagem e estratégias a
serem utilizadas em sala de aula, pode também resgatar algumas
estratégias encontradas nas escolas atuais, quem sabe remodelando,
quem sabe explicando o porquê de seu sucesso no aprendizado dos
alunos. As pesquisas multidisciplinares trazem inúmeras contribuições
de outras áreas para a prática pedagógica, antes deste movimento
iniciado ha algumas décadas os educadores nem levavam em conta
as pesquisas, pois elas pareciam desvinculadas da realidade da sala de
aula e não traziam contribuição a nossa prática, hoje percebemos que
os pesquisadores se preocupam em aplicar suas teorias e observar a
influência desta aplicação, com um trabalho mais próximo ao professor,
a sua prática e a sala de aula e aos alunos.
Tomemos como exemplo o foco do ensino que era o
aprendizado da leitura, escrita e das operações matemáticas, mas com
o advento destas pesquisas este foco continua sendo a aquisição destas
habilidades, visando agora “a compreensão do significado, da

Pantano & Zorzi 185


importância e da aplicação do que foi estudado”, mostrando
perspectivas diferentes como a leitura crítica, a literacia, a resolução
de problemas, a capacidade de expressão clara das idéias, etc.
Compreender não é só conhecer ou adquirir a habilidade, é a
“capacidade de pensar e agir de maneira flexível 1” com seu
conhecimento e habilidade, usando-o de maneira inovadora e isto agora
parece óbvio para todos os educadores.
As Neurociências também nos forneceram provas de que
a prendizagem modifica a estrutura física do cérebro e também, por
consequência sua organização funcional, o que para nós educadores é
uma prova de como o conhecimento pode influenciar na vida de um
indíviduo e na maneira como ele vai tomar sua decisões,interagir com
seu ambiente e compreender a realidade que o cerca.
Os ambientes educacionais não devem ter mais como
objetivo a seleção de talentos, mas sim o desenvolvimento destes talentos!
Para que isto aconteça os alunos ainda precisam da memória e do
entendimento, do conteúdo em si, do conhecimento sobre o assunto,
que é de fundamental importância, mas precisam ir além e tornar este
conhecimento utilizável, usando o que foi aprendido para solucionar
novos problemas e não só saber o conteúdo de forma desconexa.Quando
o professor entra na sala de aulas com seus planos, seu conteúdo,sua
lição, ele tem como objetivo o entendimento, a recordação e
principalmente quer que aquilo seja útil na vida de seus alunos.
As Neurociências tem iniciado uma mudança de
pensamento acerca da prática e da teoria da aprendizagem, estão
iniciando um entendimento mais amplo sobre a memória, o sono, a
estrutura do conhecimento, o raciocínio, a resolução de problemas,a
metacognição,o pensamento simbólico, a modelação
computacional,etc. Este conjunto de assuntos relativos a cognição e a
aprendizagem estão começando a contribuir para avanços nos
procedimentos e metodologias de pesquisa, além de modificar as
concepções teóricas existentes sobre os alunos, a aprendizagem, o
professor e o ensino.
Algumas pesquisas já foram incorporadas a prática
pedagógica,hoje não podemos mais ignorar, por exemplo, o
conhecimento preexistente de nossos alunos.Nem sempre este
conhecimento da realidade é correto e devemos conhecer a forma de
entendimento do mundo que este aluno traz para sala de aula para
poder modificá-lo ou contribuir para seu desenvolvimento. Estes
conhecimentos prévios sempre formam a base para a construção de
um novo conhecimento, por vezes eles devem ser integrados a novos

186 Neurociências
conceitos e informações e por vezes, devem ser corrigidos: “nas
Ciências, os estudantes muitas vezes possuem concepções incorretas
acerca das propriedades físicas, que não podem ser facilmente
observadas. Nas Ciências Humanas, suas idéias preconcebidas
frequentemente incluem estereótipos ou simplificações, como por
exemplo, entender História como uma luta entre mocinhos e
bandidos1.” O ensino deve portanto, proporcionar oportunidades para
que o aluno elabore ou conteste sua visão inicial sobre o assunto.
Bom, sabemos então que, para o desenvolvimento de
nossos alunos eles devem ter uma base sólida de conhecimento,
entender fatos e idéias relacionados a este conhecimento e organizar
este conhecimento, selecionando e lembrando de informações
relevantes, para aplicá-lo e recuperá-lo quando isto se fizer necessário.
As pesquisas recentes trazem consequências imediatas
para a prática dos professores, tais como: a compreensão e o trabalho
com o conteúdo preexistente, o ensino em profundidade, “fornecendo
exemplos em que o mesmo conceito está em ação e proporcionando
uma base sólida de conhecimento factual2” e o ensino de habilidades
metacognitivas integradas no currículo. Isso exigirá que: alguns
modelos sejam substituídos; o papel da avaliação seja expandido,
revelando o entendimento; a quantidade de tópicos trabalhados seja
reavaliada para que os principais conceitos de cada disciplina sejam
entendidos; os professores desenvolvam ferramentas pedagógicas
eficientes, desenvolvendo não só a competência na matéria a ser dada,
mas a competência no ensino e também que os professores possam
enfatizar o processo de metacognição, integrando a instrução
metacognitiva com a aprendizagem baseada na disciplina,
desenvolvendo estratégias metacognitivas e a aprendizagem dessas
estratégias em sala de aula.
Talvez as questões levantadas sobre qual a estratégia
“correta” a ser utilizada em sala de aula, desviem os professores de
sua meta que deveria ser: como meu aluno aprende. Não existe
nenhuma prática de ensino que possa ser considerada a melhor. Usar
só ferramentas eletrônicas não surtirá o efeito de sejado depois das
primeiras aulas, o professor deve servir-se de uma gama enorme de
estratégias de ensino e selecioná-las, por assunto, série e pelo resultado
que ele queira alcançar. Estas possibilidades farão com que cada
professor elabore um programa adequado ao seu aluno e não “um
caos de alternativas concorrentes3”.
O professor não precisa escolher uma coisa ou outra, pode
utilizar todas as estratégias de acordo com sua classe e seu objetivos,

Pantano & Zorzi 187


pode mesclar aulas expositivas, com exercícios práticos, com projetos e
com a utilização de ferramentas eletrônicas. Não é mais necessário optar
por uma estratégia como sendo a única que sutirá efeito, como também
não é preciso escolher entre o ensinar a pensar e resolver problemas e o
ensino de conteúdo. “Na realidade, a capacidade dos estudantes de
adquirir conjuntos organizados de fatos e habilidades aumenta quando
estes estão relacionados a atividades significativas de solução de
problemas e quando os alunos são ajudados a entender por que, quando
e como esses fatos e essas habilidades são relevantes. Além disso, as
tentativas de ensinar habilidades de raciocínio sem uma base sólida de
conhecimento factual não favorecem a capacidade de resolver
problemas, nem sustentam a transferência para novas situações4.”
Pesquisas recentes também versam sobre como projetar
ambientes de sala de aula e observam quatro princípios fundamentais
a serem cultivados nestes ambientes:
1.As salas de aula e escolas devem ser centradas no aluno,
por exemplo levando em conta as teorias dos estudantes a respeito do
que significa ser inteligente e sabendo que isto pode afetar seu
desempenho.
2.Deve-se prestar atenção ao que é ensinado, por que é
ensinado e como se revela a competência ou habilidade no que foi
ensinado. “A competência envolve o conhecimento bem organizado
que sustenta a compreensão,e aprender entendendo é importante
para o desenvolvimento da competência, pois facilita a nova
aprendizagem (isto é, apóia a transferência)1.”
3.Saber que a avaliação é essencial, principalmente a
formativa, que permite que o professor compreenda o conhecimento
prévio do aluno, perceba como levar o aluno do raciocínio informal
para o formal e planeje a instrução de acordo com seu objetivo.
4.Não negligenciar o fato de que existem diversas
oportunidades de aprendizagem em cenários diferentes da escola e
montar uma parceria com os pais e a comunidade que cerca o aluno.
Desde o nosso nascimento o cérebro recolhe informações e aprende com
seu meio ambiente, atualmente usando tecnologias modernas os
pesquisadores podem exibir as diferenças no metabolismo celular do
cérebro que ocorrem em resposta aos diferentes tipos de trabalho cerebral.
Jean Piaget disse “Se nós apenas soubéssemos o que está
acontecendo na mente de um bebê enquanto o observamos em ação, nós,
certamente, entenderíamos tudo o que há sobre psicologia” e é o que
começamos a fazer hoje com a tomografia funcional e outros tipos de
tecnologias.

188 Neurociências
Os neurocientistas estão convencidos que a base do
aprendizado é fortalecer as novas conexões, estabilizando-as, e criando
assim novas associações, para que isto aconteça temos que conhecer
não só como o cérebro aprende, mas também a influência do sono
sobre o aprendizado, a plasticidade cerebral, o trabalho dos neurônios-
espelho, a maturação do córtex, a poda neuronal, as células gliais e
suas funções, o uso do humor, as emoções, a imaginação, a memória,
a atenção, a repetição e tantos outros aspectos relacionados ao cérebro
e a aprendizagem.

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190 Neurociências
Pantano & Zorzi 191
192 Neurociências

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