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“A Alegoria da Caverna, de Platão”

“A Alegoria da Caverna e a Educação em Platão”

Introdução:
Como diz Casertano (2011, p 24), no sétimo livro de A República, de
Platão, há através da famosa alegoria da caverna uma descrição do “processo
do filósofo que consegue elevar-se do mundo sensível pela visão das ideias”.
Esse processo não é feito sem esforço ou auxílio, nesse sentido a educação
correta é condição necessária para pensarmos em como alcançar o mundo
inteligível - ao menos quando se trata de pensar em uma cidade ideal, que
busca entre os cidadãos aqueles que serão capazes de seguir a educação
mais rigorosa1. Por outro lado, não há aqui - ao se atingir o mundo inteligível -
uma apreciação das ideias desprovida de uma utilização na prática: desde que
Platão começa a refletir acerca da ideia do Bem (que é um conceito
fundamental em sua filosofia), há uma ligação entre prática e teoria, uma
utilização da teoria a qual em sua aplicação mais importante serve de horizonte
para a prática política (CASERTANO, 2011, p. 85). No entanto, poderíamos
nos indagar acerca do motivo pelo qual uma pessoa, sendo capaz de conhecer
a essência das coisas e tendo se desinteressado pelo mundo sensível, iria
utilizar-se de seu conhecimento para governar aqueles que, ao menos em um
primeiro momento, o tratarão com ironia por conta de estar desacostumado
com a falta de luz da caverna2. A resposta é a seguinte: caso os filósofos
tivessem alcançado o mundo inteligível sem o auxílio da educação da cidade,
então não seriam obrigados a governá-la. Mas uma vez que são capazes de
contemplar as ideias por conta da boa educação que a cidade forneceu, então,
serão obrigados a dirigir os cidadãos daquela cidade, pois sua educação foi
feita visando esse fim3. Portanto, a educação não será apenas a ponte que
1
Pois Platão (2006, p. 274-275) não descarta a possibilidade de haver filósofos que assim se
tornaram sem a educação da cidade.
2
Como diz Platão (2006, p, 270), se uma pessoa que consegue libertar-se da caverna e
conhecer a realidade das coisas voltar a ter contato com os prisioneiros da caverna, estes o
tratariam com um tom de jocosidade, uma vez que sua visão estaria desacostumada com as
trevas o que o tornaria momentaneamente cego. 
3
“Diremos que, nas outras cidades, tornando-se filósofos, é de esperar que não participem dos
encargos da cidade, já que se desenvolveram espontaneamente, a despeito do governo de
cada uma das cidades. Diremos também que está de acordo com a justiça que, se alguém
cresceu graças a si mesmo e não deve sua alimentação a ninguém, não se disponha a
reembolsar quem quer que seja. A vós, porém, para vosso próprio bem e o do resto da cidade,
levará uma pessoa do mundo sensível ao inteligível, mas também a razão pela
qual a volta do filósofo ao mundo sensível se torna obrigatória. 4 
Tendo como pano de fundo o panorama feito acima, o presente
trabalho se dividirá em duas partes, na primeira discorreremos acerca da
alegoria da caverna e seu significado, na segunda discorreremos acerca do
tema da educação dentro desse contexto de formação do filósofo e obrigação
deste a tornar-se o governador da cidade. 

A alegoria da caverna e seu significado:


No início do sétimo livro de A República, Sócrates pensa a alegoria da
caverna, na qual uma caverna aprisiona algumas pessoas que nela se
encontram amarrados, tendo seus corpos e cabeças imobilizados. Na parede à
frente de tais prisioneiros projetam-se sombras de objetos que outros homens
carregam por cima de um muro que fica entre os prisioneiros e o fogo de uma
fogueira5, o qual encontra-se em um plano superior - iluminando os objetos
cujas sombras os prisioneiros observam6. Uma vez que tais pessoas
encontram-se aprisionados desde a infância7 eles irão pensar que as sombras
projetadas são objetos reais. No entanto, Sócrates imagina a possibilidade de
um dos prisioneiros ser liberto à força e obrigado a movimentar-se em direção
ao lado de fora da caverna: 

nós geramos para que, como numa colmeia, sejais chefes e reis, educados de maneira melhor
e mais perfeito os outros e mais capazes de enxergar ambas as funções. Sendo assim, cada
um à sua vez, deve descer à morada onde estão os outros e habituar-se a contemplar as
sombras.” (PLATÃO, 2006, p. 274-275)
4
Monique (2000, p. 123-124), ao comentar o sentido da Alegoria da Caverna, no diz que dela é
possível tirar duas conclusões, uma acerca de seu objeto, que é a educação, a qual deve
“arrancar a alma ao mundo visível para a conduzir ao inteligível, em cujos últimos limites se
encontra a Ideia do Bem. A segunda mostra que a carga das questões políticas ·é uma coação
exercida sobre o filósofo, explica
por que motivo é uma delas e porque é que o filósofo deve aceitá-la.’’
5
O fogo que ilumina a caverna está no interior dela, de forma que não podemos confundi-lo
com a luz do sol, o qual ilumina o mundo fora da caverna. No entanto, se formos notar o
significado da alegoria, a luz do fogo - que ilumina a caverna - representa o sol que ilumina o
nosso mundo sensível, e a luz do sol na alegoria representa a ideia de Bem. Com isso,
devemos notar que a luz do sol na alegoria não se identifica com o sol do mundo sensível. 
6
No livro VI da República, Platão se utiliza da analogia da linha para distinguir o modo de
pensar pela opinião e pela ciência: uma linha que se divide em quatro segmentos, cada um dos
quais “corresponde um género (genos) de objectos e, ao mesmo tempo, um estado (pathema)
da alma” (MONIQUE, 2000, p. 99). Os prisioneiros encontram-se no que seria o primeiro
segmento da linha, ou seja, observam sombras e imagens, no que se refere aos objetos, e no
que se refere ao estado da alma, criam conjecturas e ilusões.
7
“Lá estão eles, desde a infância [...]” (PLATÃO, 2006, p. 267)
Sempre que um deles fosse liberado dos grilhões e obrigado a pôr-se
de pé de repente, a virar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, tudo
isso o faria sofrer e, sob a luminosidade intensa, ficaria incapaz de
olhar para aqueles objetos cujas sombras havia pouco estava vendo.
O que diria ele, na tua opinião, se alguém lhe dissesse que o que· ele
via antes era apenas uma nonada, mas que agora, mais próximo do
ser, voltado para o que é mais ser, está enxergando melhor e,
apontando cada um dos objetos que estavam passando, com suas
perguntas o obrigasse a dizer-lhe o que era? (PLATÃO, 2006, p. 268)

Antes de prosseguirmos, devemos notar que esses primeiros objetos


que o prisioneiro está observando não são, ainda, os seres do mundo
inteligível, os quais encontram-se fora da caverna. A contemplação de tais
objetos é como que um intermediário entre a opinião e a ciência 8, mas uma vez
que a visão do prisioneiro estará ofuscada, ele pensará que as sombras eram
mais verdadeiras do que esses objetos que ainda não consegue contemplar
com clareza.  O mesmo aconteceria caso fosse arrastado até o lado de fora da
caverna, de forma que não conseguiria enxergar os objetos que lhe diziam
serem mais verdadeiros que as sombras que outrora o prisioneiro enxergava.
Assim, para que o prisioneiro pudesse enxergar os seres de fora da caverna,
precisaria de acostumar sua visão, de forma que conseguiria enxergar 

as sombras, depois as imagens dos homens e as dos outros objetos


na água e, mais tarde, os próprios homens e os objetos; depois, à
noite, voltando o olhar para: a luz dos astros e da lua, contemplaria o
que estivesse no céu e o próprio céu com mais facilidade que,
durante o dia, o sol e a luz do sol. (PLATÃO, 2006, p. 269)

A última coisa que o prisioneiro conseguiria contemplar seria o próprio


Sol. Assim, há um movimento progressivo que o prisioneiro realiza desde as
sombras projetadas no solo, que representam os objetos do mundo sensível,
até o sol que representa a ideia de Bem.

8
Seria o segundo segmento da Linha imaginada por Platão. Os objetos vistos são viventes e
objetos fabricados, e o estado da alma está associado ao que Platão chama de crenças
(MONIQUE, 2000, p. 99)
Posteriormente, o prisioneiro conseguiria inferir os efeitos que o sol
produz sobre as coisas que ele enxerga, concluindo que o Sol é “a causa de
tudo aquilo que viam.” (PLATÃO, 2006, p. 269). Tendo atingido tal grau de
sabedoria, o homem se alegraria de sua situação ao mesmo tempo que sentiria
compaixão pelos que ainda estão na caverna. No entanto, é possível imaginar
que entre esses últimos há também uma forma de conhecimento baseada na
repetição das sombras que passavam, de forma que conseguiriam prever o
aparecimento de algumas das sombras e o homem que foi liberto, não tendo
investido tempo no estudo desse conhecimento, não seria capaz de realizar
tais repetições, não recebendo os louvores que os mais atentos da caverna
recebem. E mais: se voltasse para o interior da caverna, seus olhos ficariam
ofuscados por conta da escuridão, de forma que não enxergaria as sombras
que os outros prisioneiros enxergam, os quais, por sua vez, o tratariam, por
esse motivo, com jocosidade e achariam que ter saído da caverna prejudicou o
homem liberto. Por outro lado, tendo atingido o mundo inteligível, a pessoa
perderá interesse em questões do mundo sensível, de forma que não se
importará com o conhecimento que estes compartilham.

A educação e o retorno ao mundo sensível:


É nesse contexto que Platão narra como deve ser a educação, ou seja:
a educação não é inserir na alma um conhecimento que ela não tinha
anteriormente, mas fazer com que a alma se volte para si mesma, tornando-se
capaz de contemplar a essência das coisas. Dessa forma, a educação é o que
o filósofo chamou de “arte do desvio”: 

de como, da maneira mais rápida e eficiente, essa pessoa mudaria de


direção. Não seria, porém, para criar dentro dela a visão, porque já a
tem, mas, como não a mantém na direção correta e não olha para
onde deve, para proporcionar-lhe os meios necessários para isso.
(PLATÃO, 2006, p. 272)
O filósofo, tendo recebido uma boa educação e estando voltado para a
essência das coisas, é o mais adequado para dirigir a cidade cuja educação ele
recebeu. E é justamente pelo fato de ter recebido a educação fornecida por
essa cidade que ele irá prestar para dirigi-la: “não o atentaremos contra os
direitos daqueles que entre nós se fizerem filósofos, mas seremos justos
obrigando-os a cuidar dos outro b e a defendê-los.” (PLATÃO, 2006, p. 274)

Bibliografia:

 PLATÃO, A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006.


 CASERTANO, G. Uma introdução à República de Platão. São Paulo: Paulus, 2011.
 DIXSAUT, M. República,  livros  VI  e VII. Lisboa : Didática, 2000. 

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