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DOIS MANTRAS

Apêndice quatro do livro "O Livro Tibetano do Viver e do Morrer" de Sogyal Rinpoche, edição de 20º aniversário, ed. Palas Athena,
15ª edição revisada e ampliada, agosto de 2015.

Os dois mantras mais famosos do Tibete são o mantra de Padmasambhava, chamado Mantra de
Vajra Guru, OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM, e o Mantra de Avalokiteshvara, o Buda da
Compaixão, OM MANI PADME HUM. Como a maioria dos mantras, eles são em sânscrito, antiga língua
sagrada da Índia.

O MANTRA DE VAJRA GURU

O mantra de Vajra Guru, OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM, é pronunciado pelos
tibetanos como: Om Ah Hung Benza Guru Péma Siddhi Hung. Esta investigação do seu significado é baseada
nas explicações de Dudjon Rinpoche e de Dilgo Khyentse Rinpoche.

OM AH HUM

As síbalas OM AH HUM têm significados externos, internos e "secretos". Em cada um desses níveis,
no entanto, OM refere-se ao corpo, AH refere-se à fala e HUM diz respeito à mente. Eles representam as
transformadoras bênçãos do corpo, fala e mente de todos os budas.

Externamente, OM purifica todas as ações negativas cometidas através do seu corpo, AH através da
sua fala e HUM através da sua mente.1 Pela purificação do seu corpo, fala e mente, OM AH HUM assegura a
bênção do corpo, da fala e da mente dos budas.

OM é também a essência da forma, AH a essência do som e HUM a essência da mente. Recitando


esse mantra, você também purifica o ambiente, você mesmo e todos os demais seres. OM purifica todas as
percepções, AH todos os sons e HUM a mente, com seus pensamentos e emoções.

Internamente, OM purifica os canais sutis, AH o vento, ar interno ou fluxo de energia, e HUM a


essência criativa.2

Num nível mais profundo, OM AH HUM representa os três kayas da família Lótus dos budas: OM é o
Dharmakaya ‒ o Buda Amitabha, o Buda da Luz Ilimitada; AH é o Sambhogakaya ‒ Avalokiteshvara, o Buda

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da Compaixão, e HUM é o Nirmanakaya ‒ Padmasambhava. Isso significa, no caso deste mantra, que os três
kayas são corporificados na pessoa de Padmasambhava.

No nível mais profundo, OM AH HUM traz a realização dos três aspectos da natureza da mente: OM
traz a realização de sua Energia e Compaixão incessantes, AH traz a realização de sua Natureza radiante, e
HUM a realização da sua Essência semelhante ao céu.

VAJRA GURU PADMA

VAJRA é comparado ao diamante, a mais forte e preciosa das pedras. Assim como o diamante pode
cortar qualquer coisa sem ser danificado, também a imutável e não dual sabedoria dos budas pode cortar as
ilusões e obscurecimentos sem nunca ser danificada ou destruída pela ignorância. As qualidades e atividades
do corpo, da fala e da mente de sabedoria dos budas têm a capacidade de beneficiar os seres com o poder
penetrante e desobstrutivo do diamante. E, como este, o Vajra é livre de defeitos; sua brilhante força vem
da realização da natureza Dharmakaya da realidade, a natureza do Buda Amitabha.

GURU significa "importante", "pesado"; alguém repleto de todas as qualidades admiráveis, que
encarna a sabedoria, conhecimento, compaixão e meios hábeis. Tal como o ouro é o mais pesado e precioso
dos metais, as qualidades inconcebíveis e perfeitas do Guru ‒ o mestre ‒ fazem-no inestimável e superior a
todas as coisas em excelência. GURU corresponde ao Sambhogakaya e a Avalokiteshvara, o Buda da
Compaixão. Além disso, como Padmasambhava ensinou o caminho do Tantra, que é simbolizado pelo Vajra,
e através do Tantra ele obteve a suprema realização, tornou-se conhecido como "o Vajra Guru".

PADMA significa "lótus" e se refere à família Lótus dos budas, e especificamente, o aspecto da fala
iluminada que eles apresentam. A família Lótus é a família búdica a que pertencem os seres humanos. Como
Padmasambhava é emanação direta, o Nirmanakaya do Buda Amitabha ‒ o Buda Primordial da família Lótus
‒ ele é conhecido como "Padma". Seu nome Padmasambhava, "aquele que nasceu do Lótus", se refere de
fato à história de seu nascimento, ocorrido no desabrochar de uma flor de lótus.

Quando as sílabas VAJRA GURU PADMA são tomadas de maneira conjunta, significam também a
essência e a benção da Visão, da Meditação e da Ação. VAJRA refere-se à imutável, diamantina e
indestrutível Essência da verdade, que pedimos em nossas orações para realizar em nossa Visão. GURU
representa a Natureza de luminosidade e as nobres qualidades da iluminação, que oramos para aperfeiçoar
na nossa Meditação. PADMA diz respeito à Compaixão, que pedimos para realizar na nossa Ação.

Pela recitação do mantra, então, recebemos as bênçãos da mente de sabedoria, as nobres


qualidades e a compaixão de Padmasambhava e de todos os budas.

SIDDHI HUM

SIDDHI significa "perfeição real", "consecução", "bênção" e "realização". Há duas espécies de siddhi:
o ordinário e o supremo. Pelo recebimento da bênção dos siddhis ordinários, todos os obstáculos da nossa
vida, como por exemplo uma saúde precária, são removidos; todas as nossas boas aspirações são atendidas;
benefícios como riqueza, prosperidade e vida longa advêm naturalmente, e todas as várias circunstâncias da
vida se tornam auspiciosas, conduzindo à prática espiritual e à realização da iluminação.

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A bênção do siddhi supremo enseja a própria iluminação, o estado de completa realização de
Padmasambhava, que traz benefícios tanto para nós quanto para todos os outros seres sencientes. Assim,
lembrando-nos e orando para o corpo, a fala, a mente, as qualidades e a atividade de Padmasambhava,
obteremos os siddhis ordinário e supremo.

Diz-se que SIDDHI HUM atrai todos os SIDDHIS, como um ímã atrai a limalha de ferro.

HUM representa a mente de sabedoria dos budas e é o catalizador sagrado do mantra. É como
proclamar seu poder e verdade: "Assim seja!"

O significado essencial do mantra é: "eu o invoco, Vajra Guru, Padmasambhava; em sua bênção,
conceda-nos os siddhis ordinário e supremo".

Dilgo Khyentse Rinpoche explica:

Diz-se que as doze sílabas OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM contêm toda a
bênção dos doze tipos de ensinamentos trazidos pelo Buda, a essência dos seus oitenta e quatro mil
Dharmas. Dessa forma, recitar o mantra de Vajra Guru uma vez, equivale à bênção de recitar... ou de
praticar o ensinamento inteiro do Buda. Esses doze ramos dos ensinamentos são os antídotos para
nos liberar dos "Doze Elos da Originação Interdependente", que nos mantêm atados ao samsara:
ignorância, formações cármicas, consciência discursiva, nome e forma, sentidos, contato, sensação,
desejo ardente, apego, existência, nascimento, velhice e morte. Esses doze elos são o mecanismo do
samsara, e é por eles que o samsara se mantém vivo. Pela recitação das doze sílabas do mantra de
Vajra Guru, esses doze elos são purificados e você está pronto para remover e depurar
completamente a camada de impurezas emocionais do carma, liberando-se assim do samsara.

Embora não possamos ver Padmasambhava em pessoa, sua mente de sabedoria se


manifesta em forma de mantra; essas doze sílabas são na verdade a emanação da sua mente de
sabedoria, e são dotadas de todas as suas bênçãos. O mantra de Vajra Guru é Padmasambhava em
forma de som. Assim, quando você o invoca com a recitação das doze sílabas, a bênção e o mérito
que obtém são tremendos. Nesses tempos difíceis, do mesmo modo como não podemos invocar buda
ou refúgio mais poderoso que Padmasambhava, também não há mantra mais apropriado do que o
de Vajra Guru.

O MANTRA DA COMPAIXÃO

O Mantra da Compaixão, OM MANI PADME HUM, é pronunciado pelos tibetanos Om Mani Péme
Hung. Ele encarna a compaixão e a bênção de todos os budas e bodisatvas, e invoca especialmente a bênção
de Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão. Avalokiteshvara é uma manifestação do Buda no Sambhogakaya,

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e seu mantra é considerado a essência da compaixão do Buda por todos os seres. Assim como
Padmasambhava é o mestre mais importante do povo tibetano, Avalokiteshvara é seu buda mais importante
e a deidade cármica do Tibete. Há um dito famoso que diz que o Buda da Compaixão está tão arraigado na
consciência tibetana que qualquer criança que saiba dizer "mãe" sabe também recitar o mantra OM MANI
PADME HUM.

Conta-se que, há inumeráveis eras, mil príncipes juraram tornar-se budas. Um deles quis tornar-se o
buda que conhecemos como Sidarta Gautama. Avalokiteshvara, no entanto, prometeu não obter a
iluminação até que todos os outros mil príncipes a tivessem conseguido. Na sua infinita compaixão, ele
também fez o voto de liberar todos os seres sencientes do sofrimento dos vários reinos do samsara. Diante
dos budas das dez direções, ele rezou: "Possa eu ajudar todos o seres, e se alguma vez cansar nesse trabalho
imenso, possa o meu corpo ser despedaçado em mil partes". Conta-se que primeiro ele desceu aos infernos,
subindo gradualmente através do mundo dos fantasmas famintos até o reino dos deuses. De lá, olhou para
baixo e viu horrorizado que, embora tivesse salvo inúmeros seres do inferno, incontáveis outros estavam
caindo lá. Isso o deixou na mais profunda dor. Por um instante ele quase perdeu a fé no seu nobre voto, e
seu corpo explodiu em mil pedaços. Em desespero, pediu ajuda a todos os budas, que vieram em sua direção
de todos os recantos do universo como uma suave tempestade de neve com seus flocos brancos, segundo
diz um texto. Com seu grande poder, os budas deixaram-no inteiro de novo, e a partir de então
Avalokiteshvara tem onze cabeças e mil braços, e em cada palma das mil mãos tem um olho, significando a
união da sabedoria e dos meios hábeis ‒ marca da verdadeira compaixão. Dessa forma, ele ficou ainda mais
resplandecente e poderoso do que antes para ajudar todos os seres, e sua compaixão aumentou de
intensidade com a contínua repetição de seu voto diante dos budas: "Possa eu não obter o estado búdico
supremo antes que todos os seres sencientes alcancem a iluminação".

Conta-se ainda que, em sua tristeza pela dor do samsara, duas lágrimas caíram de seu rosto: pela
bênção dos budas elas se transformaram nas duas Taras. Uma é Tara em sua forma verde, que é força ativa
da compaixão, e a outra é Tara em sua forma branca, que é o aspecto materno da compaixão. O nome Tara
significa "aquela que liberta": a que nos transporta através do oceano do samsara.

Está escrito nos sutras do Mahayana que Avalokiteshvara deu seu mantra ao próprio Buda, que em
troca lhe deu a nobre e especial tarefa de ajudar todos os seres do universo no caminho para o estado
búdico. Nesse momento, todos os deuses fizeram chover flores sobre eles, a terra estremeceu e no ar
ressoou o som de OM MANI PADME HUM HRIH.

Nas palavras do poema:

Avalokiteshvara é como a lua


Cuja luz refrescante apaga os fogos ardentes do samsara.
Em seus raios o lótus noturno da compaixão
Abre todas as suas pétalas.

Os ensinamentos explicam que cada uma das seis sílabas do mantra ‒ OM MA NI PAD ME HUM ‒
tem um efeito poderoso e específico para produzir transformações em níveis diferentes do nosso ser. As seis
sílabas purificam por completo as seis emoções negativas, que são a manifestação da ignorância e que nos
fazem agir negativamente com nosso corpo, fala e mente, criando desse modo o samsara e nosso
sofrimento nele. Orgulho, ciúme, desejo, ignorância, ganância e ódio são transformados pelo mantra na

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verdadeira natureza de cada um deles: as sabedorias das seis famílias búdicas que se tornam manifestas na
mente iluminada.3

Assim, quando recitamos OM MANI PADME HUM, as seis emoções negativas que são a causa dos
seis reinos do samsara são purificadas. Desse modo, recitar as seis sílabas previne o renascimento em cada
um desses seis reinos, e também dissolve o sofrimento inerente de cada reino. Ao mesmo tempo, a
recitação OM MANI PADME HUM purifica os agregados do ego ‒ os skandhas ‒ e aperfeiçoa os seis tipos de
ação transcendental do centro da mente iluminada, as paramitas: generosidade, conduta harmoniosa,
perseverança, entusiasmo, concentração e visão interior. Também se diz que OM MANI PADME HUM
assegura forte proteção contra todo o tipo de influência negativa e várias formas diferentes de doença.

Com frequência, HRIH, a "sílaba-semente" de Avalokiteshvara, é acrescida ao mantra para fazer OM


MANI PADME HUM HRIH. Essência da compaixão de todos os budas, HRIH é o catalisador que ativa a
compaixão dos budas para transformar nossas emoções negativas na sua natureza de sabedoria.

Kalu Rinpoche escreve:

Outro modo de interpretar o mantra considera que a sílaba OM é a essência da forma


iluminada. MANI PADME, as quatro sílabas do meio, representam a fala da iluminação. A última
sílaba, HUM, representa a mente da iluminação. O corpo, a fala e a mente de todos os budas e
bodhisatvas são parte intrínseca do som desse mantra. Ele purifica os obscurecimentos do corpo, da
fala e da mente, e traz todos os seres ao estado de realização. Quando se junta à nossa própria fé e
aos nossos esforços na meditação e recitação, o poder transformador do mantra aparece e aumenta.
É verdadeiramente possível purificar-nos desse modo.4

Para aqueles que estão familiarizados com o mantra e o recitam com fervor e fé toda a sua vida, o
Livro Tibetano dos Mortos afirma que no bardo "Quando o som do dharmata ruge como mil trovões, possa
todo ele se tornar o som das seis sílabas". Da mesma forma, lemos no Surangama Sutra:

Como é doce e misterioso o som transcendental de Avalokiteshvara! É o som primordial do


universo... É o murmúrio suave da maré vazante. Seu som misterioso traz a libertação e a paz a todos
os seres sencientes que em sua dor estão pedindo ajuda, e traz a sensação de serena estabilidade aos
que estão buscando a paz ilimitada do Nirvana.

NOTAS

1. Há três atividades negativas do corpo: tirar a vida, roubar e má conduta sexual; quatro da fala:
mentiras, palavras grosseiras, difamação e intriga; e três da mente: avareza, malícia e visão errônea.

2. Nadi, prana e bindu em sânscrito; tsa, lung e tiklé em tibetano. Ver capítulo 15 ‒ "O Processo de
Morrer".

3. Cinco famílias búdicas e cinco sabedorias aparecem com frequência nos ensinamentos; a sexta
família búdica aqui abarca as outras cinco juntas.

4. Kalu Rinpoche, The Dharma (Albany: State University of New York Press, 1986), p. 53.

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