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PREFÁCIO 0 CAMPO DA ETNOMUSICOLOGIA BRASILEIRA:

FORMAÇAo, DIÁLOGOS E COMPROMETIMENTO


POLÍTIco

Samuel Araúijo
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Nós (so homens, 5o mulheres, 70 crianças), comuni-


dades guarani-kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue
Mbrakay.., vimos através desta carta apresentar.. esta
informação de que nós, comunidades, logo seremos
atacados, violentados e expulsos da margem do rio
pela própria Justiça Federal de Navirai-M... De fato,
sabemos muito bem que no centro desse nosso terri-
tório antigo estão enterrados vários dos nossos avôse
avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos
nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós
já vamos e queremos ser mortos e enterrados juntos
aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos
hoje, por iss0, pedimos ao Governo e Justiça Federal
para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas
solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para
enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez
por todas,
para decretar a nossa dizimação/extinção total, além
de enviar vários tratores
para cavar um grande buraco
para jogar e enterrar os nossos
corpos. Esse é nosso
pedido aos julzes federais... Assim, é para decretar a
nossa morte coletiva guarani
kaiowá de e
Pyelito Kue/
Mbarakay para enterrar-nos todos aqui...
e
Carta da comunidade
guarani kaiowá de Pyelito Kue
Mbarakay -Iguatemi-MS para o Governo e
Brasil 11 de outubro de 2012.
Justiça do

PREFACIO OCAMPO DA
ETNOMUSICOLOGIA BRASILEIRA
pelo convite das organizadoOra
Imensamente honrado ras a prefa apagamento
no
volume sobre tema tão relevar
quanto oportuuno, redundar até mesmo

ciar este como superiores, podendo significativas


tal tarefa, devido à enorme res- de quaisquer diferenças
salto o caráter desafiador de abrang intelectual e
fisico-material
àquelas preten-
sobre as muitas rotase ncia subalternas após s u a tradução
dopanorama aqui apresentado da no Bra:1
de visões de mundo

inserção que m a r c a m o impacto etnomusicologia Jma


samente superiores.
o termo "superiores", no
contexto

considerar é que, sendo dedicado a Não é v o reafirmar aqui que


primeira questão a se
um
sinalizar na história r e c e n t e
por definição, interdisciplinar de estudos de nômenos socialm ampo, global a que
referindo, veio a
estamos nos

chamar de cultura do
homem, branco,
humanidade o que se possa
definidos como musicais, seja qual for a denição ou genealogiae da ou de
ocidentais e cristão,
descendente de europeus
lheatribuirmos (e há muitas possiveis), são inúmerose não necol
cessa heterossexual, como

afeitos no colonial, cultura essa consagrada


mundo
caminhos de formação e de diálogo sua prole e Portanto,
riamente semelhantes os material e financeira do capital.
inte
lectual que podem ser trilhados por pesquisadoras e pesquisadore
artífice da prosperidade
de visões de mundo opostas
o u resis-
diversidade
o apagamento da domínio da açãooe
individualmente ou em grupos de pesquisa, tomando algum legado estende ao

a tal processo de dominação


se

social, podendo afir-


tentes
da etnomusicologia.como horizonte. reflexão sobre o sonoro e, consequentemente,
ao

etno-
Outro problema central, que permeia as discussões do campo fundo do campo de qualquer
tem sido o tema de
mar-se que tal desde sempre,
da música ou das artes
desde há muito tempo, diz respeito ao próprio objeto "música", musicologia ou antropologia
e m conexão
direta
óbvio,
que, comodizia Alan Merriam em sua obra seminal The anthro- encontrando-se hoje, de modo hoje mais que
de apagamento do
de violência c o m o legado
pology of music (1964), talvez não fosse tão universal quanto ainda e e m variados graus
de possíveis alternativas
se pensava até então, mas, sim, de ocorrência relativamente mais debate e m torno do assunto e do apagamento
sustentáveis de convivência e m
escala global.
restrita, em termos de tempo e espaço, que os complexos feno- dialógicas e quiçá mais
no caso brasi-
Os efeitos predatórios desse triplo apagamento
menos reteridos ao univers0 estudados por etnomusi
sonoro
escancaradamente notáveis e ponto de amar-
são o
leiro são hoje
cólogos nos mais diversos contextos sociais mundo afora, feno-
ração mais eloquente dos textos aqui reunidos a partir dos diálogos
menos esses enquadrados como objeto de pesquisas do dominio entre a etnomusicologia e os mais diversos saberes socialmente
acu-

dito "artístico", mas que muitas vezes não permitem suatraduçao esse
mulados, acadêmicos e extra-acadêmicos, destacandoo quanto
como "arte" ou sua separação em subdomínios como música considerados subalternos
triplo apagamento incide sobre os papéis
artes cênicas", "artes visuais" etc. Ou seja, "música", termo que neodesenvolvimentismo, como evi-
no quadro do assim chamado
tantos utilizam até hoje como se universal fosse, seria tão somente
dente a mulheres, juventudes, populaçðes indígenas, quilombolas,
um termo criado em determinado contexto ocidental, porém ae e da
LGBTTT e setores empobrecidos de populações do campo
aplicagão muitas vezes precária, impositiva e/ou mesmo violentd cidade. Ao fazê-lo, autoras e autores apontam o papel
não somente
a outras práticas e saberes, que quase sempre subvertem os dom" alternativas socio-
de resistência, mas também de construço de
nios estanques políticas, que entendo poderem ser articuladas a partir diálogos
do
quadro kantiano das artes. Assim, a apare de
mente neutra socialmente
categoria "música", como evidenciam os artigo entre a etnomusicologia e os mais diversos saberes
TIvos que se
seguem, tem levado à redução de culturas tidas co
Subalternas aos termos de ieiras
outras, que se impuseram às prin

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8. ETNOMUSIcoLOGIA NO
BRASIL
Nesse quadro, é na submissão
desse descompasso duradouro precisamente
extra-académicos.

acadêmicos e o cerne
construídos,
contribuição desse
saber hori- Weber chamava de
se há e qual seria a da sociedade e cultura brasileiras ao que Max
mister indagar u m mundo mais justo,
do
zontalmente compartilhado
à construção de "lógica dos meios", ou seja, a dimensão racional, quantitativa,
de nós, quiçá muitos, per. saber humano, em detrimento da "lógica dos fins", a dimensão sen
sustentável que alguns
democrático e
a apresentar não somente
cebem como
necessário. Não me proponho, porém, sível, qualitativa. Esse quadro, argumenta Furtado,
etno
representativa da formaçâo
da ciências exatas e da
uma reconstrução histórica reforçava o mais que evidente domínio das
ou de pesquisadoras/es
a ela relacionadas/os, tecnologia sobre as chamadas artes e
humanidades nos marcos
musicologia brasileira
contemporâneos no âmbito efeito deletério
um quadro de problemas das relações capitalistas, mas tinha c o m o principal
mas oferecer
e pelo poder no Brasil hoje, pro- a submissão de todo e qualquer projeto
de sociedade ou de toda
das lutas pela cidadania plena
o que assumo, em trabalhos e qualquer identidade humana a noções
de produtividade a n c o -
blemas e lutas essas que perpassam
"macho-branco-cristão
de autoria coletiva e
individual (GRUPO MUSICULTURA, 2010; radas na superioridade do assim chamado
como práxis sonora, ou seja: no poder", que nada mais podiam
trazer além de dominação, vio-
ARAUJO; PAZ 2011; ARAUJO, 2013),
lência e devastação humana e ambiental.
discursos, ações políticas concer
Não é preciso grande esforço para se constatar hoje, no quadro
entre e
a articulação
apresenta, muitas vezes
neodesenvolvimentista que norteia a atual etapa da política e vida
nentes ao sonoro, como esta se

de modo sutil ou imperceptível, no cotidiano de indiví


social no país, do que era criticado por Celso Furtado
que o cerne
duos (músicos amadores profissionais, agentes cul-
ou
como dominador, violento e devastador permanece como está,
turais, empreendedores, legisladores), grupos (coletivos,
públicos, categorias profissionais) e instituições (por
senão ainda pior. Quatro exemplos: 1) assassinatos, em massa ou

não, de indígenas, homossexuais, mulheres e trabalha-


exemplo, conselhos, grupos de idade, empresas, sindi- negros,
catos, agëncias governamentais e não-governamentais dores pobres em geral, na cidade e no campo, assim como de ani-
e escolas). (ARAUJO, 2013) quilamento de seus respectivos modos de vida e visões de mundo,
alternativas a modelos capturados por ideais antidemocráticos,
Em alguma medida,
tal categoria talvez possa ser compreen racistas, homofóbicos e misóginos de "progresso"; 2) aprovação,
dida como análoga, embora certamente menos poética, a um dos sem a devida discussäo e negociação entre as partes envolvidas, de
termos guarani identificadores da aldeia ameaçada referida na epí- leis e empreendimentos potencialmente predatórios em termos
grafe inicial, mbarakay, evocando a sonoridade do mbaraka, ele socioambientais, dos quais o Código Florestal ou Belo Monte já
mento central da cosmovisão guarani. (MONTARDO, 20o9) são exemplos remotos; 3) aprovação, sob semelhantes condições de
Esse quadro inicial
quiçá nos permite uma guinada brusca, para pouca ou nenhuma negociação, de legislação ligada à especulação
referência a um ensaio seminal do economista e
ex-Ministro da imobiliária urbana ou às formas mais recentes de acumulação capi-
Cultura Celso Furtado, Criatividade cultural e
desenvolvimento depen- talista de propriedade em áreas rurais, que privilegiam o poder
dente, publicado originalmente em 1978
(FURTADO, 2012), no qual econômico de grupos e individuos em detrimento das populações
apresenta uma instigante análise dos descaminhos da
brasileira em sua imitação
sociedade politica economicamente
e subalternizadas e ao custo da autori-
necessariamente imprecisa da história e tária criminalização e eliminação dessas últimas; e 4)
modelos dos países
europeus de industrialização. Furtado localiza
manipulação

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espúria de dispositivos constitucionais levando à deposição de pre
sidenta legitimamente eleita e sem culpa comprovada de quais lsso nos leva, porém, à necessidade de exame crítico do quão dis-
quer crimes de responsabilidade, levando o país à desordem pol
hoje a formação em etnomusicologia oferecida em
nossas
tante está
tico-institucional, que inclui a extinção do Ministério de Ciência universidades desse estágio de diálogo, visto que sua interdiscipli-
e Tecnologia, um dos sustentáculos da
produção de massa crítica naridade, sem dúvida presente quer nos cursos de graduação e pós
necessária ao desenvolvimento sustentável. em música ou áreas afins, é ainda exercida nos limites de objetos
Na experieência histórica acumulada pela humanidade em dife. definidos a partir de temáticas, processos de produção e validação
rentes tempos lugares, prossegue Furtado, cenários assim
e de conhecimento restritos em última instància ao meio acadêmico,
sombrios
só conhecem uma saída, qual seja, o exercício tão amplo refletindo em grande e esclerosada medida valores ainda hegemo-
quanto pos
sível da política, aqui compreendida em termos micro e nicos no sentido aqui enfatizado (europeu-hétero-branco-cristão-eu-
macro, e con-
sequentemente do debate de ideias, fonte fundamental da criativi. ropeu), embora estes já tenham sido em grande medida demolidos
dade humana. De um lado, política, debate, reflexäo e por perspectivas criticas geradas dentro e fora do ambiente acade
ação; de outro,
dominação, violência e devastaço humana e ambiental. Parece que mico. Retomando os termos de Max Weber, via Celso Furtado, veri-
aí temos uma boa receita de ficamos em nossos programas universitários, quando muito, uma
formação e um bom roteiro de diálogos
criticos entre uma etnomusicologia e outros modos de interdisciplinaridade mais inclinada a investigar a dinâmica interna
saber parao estudo da práxis sonora no sentido acima
produção de dos meios (por exemplo, os processos de ensino de música sinfönica
enunciado. que trazem a "concentração" e a "paz interior" a jovens "violentos"
Se, por um lado, constatamos
preocupação e até com certo
com
das favelas) que interrogar a subsunção desses meios a fins mais ou
grau de desespero essa escalada predatória e criminosa de
unilineares de progresso, devastando de modo autoritário e
noções menos delimitados (o controle social da "criminalidade"
potencial
irres do jovem morador de favelas, através de falsas promessas de capa
ponsável a diversidade socioambiental e cultural, em trabalho
citação parao trabalho artistico ou reforço de uma não menos fala-
publicado anteriormente na revista Música e Cultura (ARAÜJO, ciosa autoestima).
2012), ressalto, em tom algo mais otimista, os canais
veis a um diálogo entre áreas
hoje disponí- No entanto, devemos nos
perguntar até que ponto é cabível
relativamente especializadas de pro- hoje em dia, após décadas de argumentação contundente de cor-
dução de saber e gesto pública como educação, saúde, economia,
direitos humanos,
rentes pós-marxistas, estruturalistas, modernas, coloniais, femi-
comunicação e, adiciono aqui, até mesmo áreas nistas, "gueis" e inúmeras outras, a defesa de visões convencionais
das ciências ditas exatas
hoje mais desconfiadas de sua própria exa- acerca da efetiva
isenção do mundo acadêmico em relação às
tidão. Como exemplo dessas pres-
últimas, destacaria iniciativas de pes- sões da vida mundana em gerale das lutas sociais em particular.
guisa-ação participativa em campos de saber como a Interessante
de engenharia
produção, não mais na perspectiva de explicar fenômenos
também que, muitas vezes, essa defesa enfa-
notar

ticos com
exó- tiza anecessidade de recolhimento ou isolamento do pensamento
medições precisas, mas de relativizar, diante da diversi- propriamente acadêmico a um estágio de neutralidade reflexiva só
dade de
concepções alternativas e sustentáveis de desenvolvimento, alcançável entre os muros das universidades e instituições social-
seus
próprios parâmetros de precisão e mente legitimadas como de
problemas socioambientais com se capacidade de resposta aoS pesquisa, enquanto esse campo, do
ensino superior e da pesquisa, mais e mais se dobra a
que defronta. parâmetros

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ETMOMUSICOLOGIA NO BAASIL
PREFÁCIO O CAMPO DA ETNOMUSICOLOGIA
BRASILEIRA 13
relações e interesses de mercad referências
de produtividade ditados por esse complicado quadro
de
ou o assim chamado "produtivismo', de lógica particularista e on- Considerado, porém,
este volume reforça-me opinião de que
a

correncial, em que todas e todos, com ou sem diplomas acada em que nos movemos,
caminhos de formação
de pes-
alvissareiros os
modo imersas e imersos. são potencialmente da
micos, estamos de certo referenciais do campo
Por outro lado, clamam por crescente atenção em toda a parte quisadoras e pesquisadores a partir dos
não poucos núcleos
de
notando-se em
as experiências de pesquisa em diferentes graus e maneiras de etnomusicologia no Brasil,
abertura
de compromisso
uma semente
político,
social e
colaboração e até mesmo de coautoria com interlocutores não formação de n o v a s pers-
ao diálogo
horizontal entre saberes e construção
reconhecidos como acadmicos, embora seus respectivos saberes mundo que
sintonia mais fina c o m u m
sejam considerados indispensáveis à construção de um conheci pectivas de colaboração em
sustentáveis além da
unilateralidade do pensamento
mento, de fato, universal. Este é o paradoxo em que se movem há
exige soluções
sanha predatória,
racionalista e de ideais de progresso ditados pela
muito tempo campos como a antropologia e a
etnomusicologia em termos sociais e ambientais, da reprodução
do capital à revelia
Nesses campos, a tradução cultural operada por pesquisadora ou de tudo e de todos.
pesquisador do campo acadmico em seu estatuto privilegiado, tomadas
Assim pode dizer que as respectivas direções
como se
por muito tempo legitimada como sua principal tarefa, é hoje em etnomusicologia n o país pro
em alguns núcleos de formação
finalmente entendida, após intensa reflexão crítica, como à "lógica dos meios',
passível curam atentar para a "lógica dos fins" pari passu
de unilateralidade ou produção de grosseiros Carlos Sandroni (2008),
equívocos, em seus a ponto de se converter, c o m o sugerido por
piores momentos distorcendo enunciados locais através de enun- numa das principais marcas distintivas de muito do que se faz no
ciados pretensamente universais codificados em
línguas e modelos Brasil no campo em questão em comparação a outras tendências
de pensamento ainda essencialmente
europeu-ocidentais, mascu- nacionais, creio serem igualmente promissores os recentes posi-
linos brancos, cristãos, heterossexuais e
misóginos. Nessesentido, cionamentos públicos da Associação Brasileira de Etnomusicologia
temos no campo dos estudos musicais
tarefa hercúlea pela
uma (Abet) em relação a questões políticas fundamentais e de âmbito
frente, pois, como mostram as novas levas de
estudos históricos mais amplo, que dizem respeito ao presente e futuro do planeta em
e
antropológicos da música (de base interdisciplinar expandida e que se faz música e à sensibilidade da sociedade para com ambos e
tendo passado por levas críticas a partir de perspectivas feministas, para com sua própria sobrevivência. Com situações como as obser-
gueis', marxistas e outras), a tradição conservatorial vadas, entre outros lugares, em Aty Guassu, no Mato Grosso do Sul,
ainda possui
papel referencial e autorreprodutor dos mitos de dominação em áreas pobres das
grandes cidades brasileiras, de etnocídio em
aqui
referidos,presentes em boa parte, senão na totalidade, das nossas nome de uma visão estreita e
predatória de desenvolvimento, ou
instituições de ensino superior, quer no que tange aos bachare seja, de dizimação seletiva da diferença humana, e de extermínio
lados (incluídos os de música do que venha a ser entendido como
gue se reflete também de modo
popular) quer às licenciaturas, algo empecilho à acumulação eco-
nômica privada desenfreada e
dagens da música em outros
mais ou menos intenso em abor multiplicadora relações domi-
de de
campos de saber, redundando numna nação, desigualdades devastação no campo e na cidade, é alen-
e
espécie de interdisciplinaridade tador ver pesquisadoras e pesquisadores em
conservadora. etnomusicologia, e sua
entidade de classe pequena em número de associadase
associados,

14 ETNOMUsICOLOGIA NO BARASIL
PAEFACIO 0 CAMPO DA
ETNOMUSICOLOGIA BRASILEIRA 15
de abrangência nacional,
mais engajada mobilizar o co
em
o tema da
mas e musicale cultural, ultrapassando
cimento acadêmico para
além de açoes de reconhecimentoe valo anteriores da diversidade "tradicionais",
essencialmente
anti-

rumo a açoes institucionais mais sial


visões de mundo
preservação de abando-
zação da diversidade, partir siste deva ser
dizer que a preservação
central do direito à diferen modernas (o que não quer conheci-
máticas no sentido de assegurar o lugar ença a produção de
nada como tema de pesquisa), priorizando
num Estado democrático.
alternativas e sustentáveis
de modernidade
sobre concepções
Há certamente muitas maneiras de fazë-lo, a começar por con. mento
sintonia com as lutas políticas de
trabalhando em
concretamente
ceder espaço a esse tema em listas de discussão, passando por ahrir e Rafael José
ir dizer u m de nossos decanos,
seus artífices (como costuma
espaço nas atividades da associaçao como encontros regionais são o nosso

Menezes Bastos, os índios não são o nosso passado,


nacionais, constituir grupols) de trabalho, lançar ou coassinar de
futuro). tipos
manifestos epetiçöes, e estreitar laços com áreas de conhecimento A dimensão política aqui
ressaltada tem resultado em novos

entre
e organizações afins engajadas nos processos macropolíticos com assentada na interdisciplinaridade,
de associação, fortemente inter-
repercussão para os caso como o denunciado abaixo. Tudo isso, e suas
interlocutoras e seus

pesquisadoras e pesquisadores
claro está, necessita mais debate em atividades de formação e pes- academicamente no sentido convencional
locutores não titulados
quisa, em simpósios e encontros, além de organizaçãoe agão con- da palavra, motivando, por exemplo, a criação, em 2007, do
grupo
International Council
de estudos deetnomusicologia aplicada doum crescente interesse
junta, resultando em publicações densas e reflexivas como a que
aqui se apresenta. for Traditional Music (1CTM), refletindo
Tomando por base de estudantes em programas
interlocuções mais constantes com alguns nesses novos experimentos por parte
âmbito do
de referência no campo da etnomusicologia. Ainda
outros contextos nacionais, regionais e internacionais de prática de no

algum tipo de etnomusicologia, percebo também que há crescente ICTM, entidade junto à qual a Abet exerce o papel de representação
consciência por parte de pesquisadores, mas principalmente de seus nacional desde 2011, tem se destacado como tema central a práxis de
escrutínio fino
interlocutores, das implicações políticas perversas de circunscrever o pesquisa no mundo contemporâneo, colocando sob
objeto de estudo desse campo a noções de tradição ainda percebidas a própria mnissão daentidade.
em senso comum como E, enfim, muito dificil, em rápidas pinceladas, dar conta da com
visões de mundo e modos de vida arcaicos e
imutáveis. Face tal evidência, o
diálogo interdisciplinar e simultanea plexidade do desafio que me foi proposto pelas organizadoras deste
mente político tem sido livro sem recair em simplificações, erros de avaliação e injustiças,
indispensável. Seguindo-se a contribuição de
autores Eduardo Viveiros de Castro e Bruno Latour na
como donde limito-me aqui a manifestar convicção de que as sólidas con-
antro tribuições aqui reunidas demonstram haver um legado positivo em
pologia, ou Rafael José de Menezes Bastos ou Elizabeth TravassoS na
antropologia musical (SEEGER, 1987)/ etnomusicologia, há maior tudo isso, mas exigindo ser contínua e profundamente problema-
consciência em muitos pontos do tizado e repensado, e principalmente desdobrado em novas ideias
planeta de que concepções ae e formas de atuação, num mundo em constante
modernidade mais sustentáveis transformação, no
que as que regem o
podem ser encontradas entre as formas de vida um dia capitalismo qual, a despeito de avanços em muitas direções, perdura a capaci-
definidas un dade reativa de formas de exploração, degradaço e extermínio ao
lateralmente por um discurso
de mundo
europeu e
pan-europeu como visau que se possa conceber como condição humana.
"tradicional", resistindo a qualquer ideia de
Isso muda
profundamente todo o quadro em modernidade
arelação abordagens
16 ETNOMUSICOLDGIA NO BRASIL PAEFACIO 0 CAMPO DA ETNOMUSICOLOGIA BRASILEIRA 17
REFERENCIAS
blindados: trabalho acia:

e
veiculos tico
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18 ETNOMUSICQIOGIA NO n

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