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CASO CLÍNICO

Sarcoidose cutânea e osteoarticular: caso exuberante*
Natalie Haddad1 Jayme de Oliveira Filho1 Kassila da Rosa Nasser1
Ana Maria França Corbett1 Ana Carolina Franco Tebet1 Mariana Lacerda Junqueira Reis1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20143053

Resumo: A sarcoidose é uma doença granulomatosa multissistêmica de causa desconhecida. O acometimento


osteoarticular na sarcoidose é raro e está, frequentemente, associado ao quadro cutâneo e à doença multissistêmi-
ca crônica de longa data. Mais frequente em mulheres negras, a sarcoidose óssea é uma patologia de difícil diag-
nóstico, com incidência de 3% a 13%. O quadro radiológico mais característico evidencia cistos arredondados,
bem delimitados, sem reação do periósteo e sem esclerose periférica. Os pequenos ossos das mãos e dos pés são
os locais mais frequentemente envolvidos. Este relato tem como objetivo demonstrar um caso raro de sarcoidose
osteoarticular com apresentação clínica característica, além de salientar a importância da detecção do envolvi-
mento osteoarticular nessa patologia.
Palavras-chave: Anormalidades da pele; Deformidades articulares adquiridas; Dermatopatias; Doença granulo-
matosa crônica; Doença nodular cutânea; Doenças da pele e do tecido conjuntivo; Granuloma; Reabsorção óssea;
Sarcoidose

INTRODUÇÃO RELATO DO CASO


A sarcoidose é uma doença granulomatosa Paciente feminina, negra, de 83 anos, hipertensa
multissistêmica complexa de causa desconhecida. O e diabética, apresenta queixa de lesões nasais e defor-
pulmão é o órgão mais afetado, porém virtualmente midades nas mãos há 16 anos. Ao exame mostra nódu-
qualquer órgão pode ser envolvido, como a pele e, los eritematovioláceos com telangiectasias localizados
mais raramente, o sistema osteoarticular. A prevalên- no nariz, com aspecto de “geleia de maçã” à diascopia
cia é levemente superior em mulheres. A distribuição (Figura 1). Nas mãos, exibe deformidades importan-
etária segue um padrão bimodal com picos na tercei- tes, com encurtamento, tumefação, desvio dos dedos e
ra e na quinta décadas. Indivíduos da raça negra ten- presença de nódulos nas articulações interfalangeanas
dem a apresentar doença mais grave, refratária e com e metacarpofalangeanas, dolorosos à palpação (Figura
envolvimento extrapulmonar. Sua fisiopatologia 2). Refere que o quadro iniciou há cerca de 16 anos com
ainda não é compreendida. Da mesma forma, a a lesão nasal indolor e pouco tempo depois as articula-
maneira como ocorrem as lesões extrapulmonares da ções das mãos tornaram-se dolorosas e edemaciadas.
sarcoidose também não foi elucidada até o momento. Com o decorrer dos anos, passou a apresentar defor-
A pele é acometida em cerca de 20% a 35% dos casos, midades nas mãos, que se agravaram progressivamen-
proporcionando ao dermatologista importante papel te. Relata que nessa época recebeu erroneamente o
no diagnóstico da doença. A manifestação cutânea diagnóstico de hanseníase e o tratamento para tal
mais característica da sarcoidose é o lúpus pérnio, que enfermidade, sem melhora do quadro. A radiografia
atinge principalmente mulheres nas regiões centrais das mãos demonstra lesões ósseas líticas destrutivas
da face sob a forma de lesões papulonodulares de cor nas falanges distais, com fraturas patológicas, e lesões
vermelho-violácea, com telangiectasias. As manifesta- císticas bem delimitadas nas falanges proximais e dis-
ções osteoarticulares da sarcoidose são raras, predo- tais (Figura 3). A radiografia do tórax não apresenta
minam nos dedos das mãos e dos pés e frequentemen- alterações. A histopatologia da lesão nasal demonstra
te acompanham lesões cutâneas. O quadro radiológi- dermatite granulomatosa de tipo tuberculoide (granu-
co mais característico evidencia cistos arredondados, loma sarcoídeo) (Figura 4). Iniciamos o tratamento
bem delimitados, sem reação do periósteo e sem escle- com corticoide sistêmico, com rápida melhora da dor
rose periférica. articular e com diminuição da lesão cutânea.

Recebido em 13.08.2013.
Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 23.08.2013.
* Trabalho realizado na Universidade de Santo Amaro (Unisa) – São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
1
Universidade de Santo Amaro (UNISA) – Santo Amaro (SP), Brasil.

©2014 by Anais Brasileiros de Dermatologia

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DISCUSSÃO
O acometimento osteoarticular na sarcoidose é
raro e está associado à doença multissistêmica crônica
de longa data.1 Mais frequente em mulheres e na raça
negra, é uma patologia de difícil diagnóstico, pois
geralmente é assintomática.2 A incidência varia de 3%

FIGURA 4:
Exame anatomopa-
tológico da lesão
FIGURA 1: cutânea: granuloma
Lesão clássica de sarcoídeo
sarcoidose cutâ-
nea na região
nasal: nódulo erti-
tematovioláceo a 13% e é clinicamente significativa em 2% a 5% dos
com telangiecta- casos.1,2 As formas de acometimento ósseo variam
sias desde lesões líticas e císticas (sendo as últimas mais
comuns) até lesões invasivas com irregularidade tra-
becular, lesões destrutivas com reação periostal e
lesões disseminadas, que podem causar confusão
diagnóstica com mieloma e metástases ósseas.
Pacientes com envolvimento ósseo frequentemente
têm doença pulmonar (80% a 90%), o que não foi
encontrado no nosso caso, e são mais propensos a ter
envolvimento cutâneo, principalmente lúpus pérnio
(48% a 70%), como no caso apresentado.3 Os pequenos
ossos das mãos e dos pés são os locais mais frequente-
mente envolvidos.3 A forma de apresentação clínica
mais comum é a dactilite, a qual ocorre principalmen-
te em pacientes negros e é muito similar àquela vista
na artrite psoríaca.4 A chamada doença de Jüngling, ou
osteíte múltipla cistoide, corresponde ao quadro
radiológico mais característico, que evidencia cistos
FIGURA 2: Deformidades exuberantes nas mãos: nódulos articulares, arredondados, bem delimitados, sem reação do
desvios e encurtamento dos dedos periósteo e sem esclerose periférica.5 A reação perios-
teal é rara e, em casos severos, pode ocorrer fragmen-
tação e reabsorção óssea, além de edema de partes
moles. Os cistos são lesões focais pequenas, porém cis-
tos grandes podem envolver tanto o córtex quanto a
medula, predispondo à fratura patológica.1
A artrite aguda ocorre em 10% a 40% dos
pacientes com sarcoidose, principalmente nas fases
iniciais da doença, podendo ser a primeira manifesta-
ção dela ou como parte da síndrome de Lofgren.6 Essa
síndrome se caracteriza pela tríade adenopatia hilar,
poliartrite aguda e eritema nodoso.2 É mais frequente
em mulheres e acredita-se que seja decorrente da pre-
sença de imunocomplexos circulantes. Na maioria das
vezes, é simétrica e oligoarticular. As articulações
mais acometidas são os tornozelos, porém também
FIGURA 3: Radiografia: lesões ósseas líticas e císticas nas falanges pode acometer os joelhos, punhos e cotovelos. Outras

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articulações, tais como as pequenas articulações das artrite crônica que podem ocorrer entre os pacientes
mãos e dos pés, quadril e articulações esternoclavicu- com sarcoidose são: artrite não deformante com sino-
lares e sacroilíacas, são envolvidas menos frequente- vite granulomatosa; deformidade tipo Jaccoud (não
mente. Normalmente, é autolimitada e recorrências erosiva); edema articular adjacente a lesão óssea pela
são incomuns.1,7 sarcoidose; dactilite (edema de partes moles em um
A artrite sarcoidótica crônica é incomum, estan- ou mais dígitos).
do geralmente associada com sarcoidose de longa A história natural da sarcoidose osteoarticular
data em pacientes com envolvimento cutâneo. varia desde raros casos de recuperação a casos pro-
Apresenta-se na forma poliarticular, envolvendo gressivos com autoamputação.1,6 Apresenta pobre res-
mãos, punhos, ombros, tornozelos e joelhos. É fre- posta ao tratamento. Em decorrência de sua raridade,
quentemente acompanhada por lúpus pérnio, uveíte existem poucos estudos guiando sua terapêutica. Os
crônica e sarcoidose pulmonar progressiva, sendo que corticoides ainda são a base da terapêutica, mas
o eritema nodoso quase nunca é encontrado.8,9 É carac- outros imunossupressores podem ser usados. As dro-
terizada por períodos de remissão e exacerbação ou gas biológicas parecem ser uma abordagem futura
pode ser persistente. A deformidade articular é rara, promissora. O caso apresentado demonstra os acha-
ocorrendo em 1% a 4% dos pacientes com sarcoidose, dos clínicos e radiológicos característicos da sarcoido-
já tendo sido descrita inclusive artropatia de Jaccoud, se osteoarticular e sua associação com o quadro cutâ-
que é caracterizada por desvio ulnar dos metacarpos, neo. A detecção do envolvimento osteoarticular da
subluxações das metacarpofalângicas e deformidades sarcoidose pode ajudar o clínico em seu diagnóstico e
em “pescoço de cisne” e em botoeira, além de defor- no início da terapia adequada, evitando as possíveis
midade em “Z” do polegar. As diferentes formas de morbidades associadas.❑

REFERÊNCIAS
1. Zisman DA, Shorr AF, Lynch JP 3rd. Sarcoidosis involving the musculoskeletal sys-
tem. Semin Respir Crit Care Med. 2002;23:555-70. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:
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Dermatol. 2007;82:559-71.
3. Abril A, Cohen MD. Rheumatologic manifestations of sarcoidosis. Curr Opin Rua Professor Enéas de Siqueira Neto, 340
Rheumatol. 2004;16:51-5. Jardim das Embuias
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1999;38:841-5.
5. Souza EM; Rosa SP. Afecções granulomatosas não infecciosas. In: Junior WB, Di Brasil
Chiachio N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. São Paulo: Ed. Atheneu; 2010. p. E-mail: natahaddad@hotmail.com
517-30.
6. Sharma SK, Soneja M, Sharma A, Sharma MC, Hari S. Rare manifestations of sar-
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3rd ed. Philadelphia: Elsevier Mosby; 2005.
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neous sarcoidosis frequently associated with systemic disease? J Am Acad
Dermatol. 2006;54:55-60.

Como citar este artigo: Haddad N, Oliveira Filho J, Nasser KR, Corbett AMF, Tebet ACF, Reis MLJ. Sarcoidose
cutânea e osteoarticular: caso exuberante. An Bras Dermatol. 2014;89(4):660-2.

An Bras Dermatol. 2014;89(4):660-2.

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