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Módulo X - Tópicos Avançados em

Clínica Psicanalítica

Índice

Tópicos Avançados em Prática Psicanalítica 4

INTRODUÇÃO 4

DEFINIÇÃO 6

ASPECTO CLÍNICO DA RESISTÊNCIA 6

O SILÊNCIO DO PACIENTE 6

O SILÊNCIO DO ANALISTA 11

O Silêncio como ferramenta para o analista 12

AFETOS INDICANDO RESISTÊNCIA 13

A POSTURA DO PACIENTE 13

FIXAÇÃO NO TEMPO 14

A MANEIRA DE FALAR DOS QUE EVITAM 14

ATRASO, NÃO COMPARECER ÀS SESSÕES, ESQUECER DE PAGAR 15

A AUSÊNCIA DE SONHOS 15

CLASSIFICAÇÃO DAS RESISTÊNCIAS 16

RESISTÊNCIA DA REPRESSÃO: 16

RESISTÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA: 16

RESISTÊNCIA QUE DERIVA DO GANHO RESULTANTE DA DOENÇA 17

Resistência derivada do ego 18

Resistência do Id 18

Resistência do Superego 18

DE ACORDO COM OS PONTOS DE FIXAÇÃO 19

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DE ACORDO COM OS TIPOS DE DEFESA 19

Repressão 20

Fortalecimento da Repressão. A anulação. 23

Conversão 24

Deslocamento 25

Dissociação da consciência 26

Escotomização 27

Humor 27

Inibição 27

Isolamento 28

Lembrança encobridora 29

Negação 30

Postergação de afetos 32

MECANISMO DE DEFESA 32

RACIONALIZAÇÃO 33

SURDEZ EMOCIONAL 34

FORMAÇÕES REATIVAS 34

REGRESSÃO 36

FIXAÇÃO 37

PROJEÇÃO 37

INTROJEÇÃO 38

IDENTIFICAÇÃO 39

SUPERAÇÃO DE CONFLITOS. ELABORAÇÃO 40

IDEALIZAÇÃO 40

RENÚNCIA ALTRUÍSTICA 41

REPARAÇÃO 41

SIMBOLIZAÇÃO 42

SUBLIMAÇÃO 43

Terapia de Grupo e Análise do Ego 45

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Sobre Hipnose 47

Psicanálise/ terapia de grupo 48

O discurso do Outro 49

Simbólico e imaginário 50

Negatividade 51

Não há Outro do Outro 52

ESSÊNCIA E REGRA DA AUTO-ANÁLISE SISTEMÁTICA (Karen Horney) 53

O PAPEL DO PSICANALISTA NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO 68

Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise.


Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos
do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citação constam
nas Referências Bibliográficas.

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Tópicos Avançados em Prática Psicanalítica

INTRODUÇÃO

O conceito de Resistência foi introduzida cedo por Freud; pode-se dizer que
exerceu um papel decisivo no aparecimento da psicanálise. Com efeito,
renunciou à hipótese e à sugestão essencialmente porque a resistência maciça
que certos pacientes lhe opunha parecia ser por um lado legítima, e, por outro,
não pode ser superada nem interpretada. Isto, pelo contrário, se torna possível
pelo método psicanalítico, na medida em que permite a elucidação progressiva
das resistências que se produzirão particularmente pelas diferentes maneiras
como o paciente infringe a regra fundamental.

Foi como obstáculo à elucidação dos sintomas e à progressão do tratamento


que a resistência foi descoberta.

Sabemos que Freud sempre considerou a interpretação da resistência,


juntamente com a transferência, como as características específicas da sua
técnica. Mas a transferência deve ser parcialmente considerada uma
resistência, na medida em que substitui a rememoração falada pela repetição
atuada; e devemos ainda acrescentar que a resistência a utiliza mas não a
constitui.

A resistência não é algo que aparece de tempos em tempos, durante a análise,


mas algo constantemente presente durante o tratamento.

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Freud considerava os fenômenos da resistência intimamente (embora não
exclusivamente) relacionados a toda a gama e mecanismos de defesa do
paciente, não apenas ao mecanismo da repressão, ainda que ele
freqüentemente usasse o termo “repressão” como sinônimo de defesa geral.
Esses mecanismos são desenvolvidos e utilizados para fazer a situações de
perigo (especialmente os perigos que surgiriam se os desejos inconsciente
sexuais ou agressivos conseguissem expressar-se, livre e diretamente, na
consciência ou na conduta). “Os mecanismos defensivos dirigidos contra um
perigo passado reaparecem no tratamento sob a forma de resistência contra a
cura. Disso se depreende que o ego considera a própria cura como um novo
perigo”. (Freud, 1937).

Em 1936, Anna Freud, em seu livro O Ego e os Mecanismos de defesa,


salientou o modo como as resistências podem proporcionar informações sobre
o funcionamento mental do paciente. As resistências, na medida em que
refletem o tipo de conflito e as defesas utilizadas, tornaram-se elas próprias
objeto de estudo. A análise das resistências poderia ser encarada, em
essência, como a análise daqueles aspectos das defesas do paciente que se
fundiram ao resultado patológicos de seus conflitos e contribuíram para os
mesmos. A “análise das defesas” mediante a análise das resistências, veio
desempenhar um papel cada vez mais importante na técnica psicanalítica
(Hartmann, 1951; glover, 1955, Anna Freud, 1965).

Apesar de estreita ligação entre resistência e defesa, freqüentemente se tem


acentuado que resistência não é sinônimo de defesa. Ao passo que as defesas
do paciente são parte integral da sua estrutura psicológica, a resistência
representa as tentativas do paciente no sentido de se proteger das ameaças a
seu equilíbrio psicológico representadas pelo procedimento analítico. Conforme
Greenson (1967) escreveu: “As resistências defendem o status quo da neurose
do paciente. As resistências se opõem ao analista, ao trabalho analítico e ao
ego racional do paciente”.
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DEFINIÇÃO

O conceito de resistência foi introduzido cedo por Freud; pode dizer que
exerceu um papel decisivo no aparecimento da psicanálise.

Chama-se resistência a tudo o que nos atos e palavras do analisando, durante


o tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso ao seu inconsciente.

É toda e qualquer manifestação de oposição ao método psicanalítico.

ASPECTO CLÍNICO DA RESISTÊNCIA

Antes que possamos analisar uma resistência temos que estar aptos a
reconhecê-la. Devemos lembrar que as resistências aparecem numa variedade
de maneiras complexas e sutis, em combinações ou formas misturadas e que
os exemplos individuais e isolados não constituem a regra. Deve-se também
salientar que todos os tipos de comportamento podem ajudar uma função de
resistência. O fato de o material de um paciente revelar conteúdo inconsciente,
impulsos instintuais ou lembranças reprimidas não exclui a possibilidade de
uma resistência importante estar em ação no mesmo momento.

O SILÊNCIO DO PACIENTE

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É a forma de resistência mais nítida e freqüente que encontramos na prática
psicanalítica. Em geral, essa resistência significa que o paciente não está
disposto – consciente ou inconscientemente – a transmitir seus pensamentos
ou emoções ao analista. O paciente pode estar cônscio de sua má vontade ou
pode perceber apenas que parece que não há nada em sua mente. Em ambos
os casos, é nosso dever analisar os motivos desse silêncio.

Podemos ter determinadas situações, em que o paciente, não está com


vontade de falar. Neste caso, o paciente não está literalmente silencioso, mas
está cônscio de que não está com vontade de falar ou então ele não tenha
nada a dizer.

A instalação de situações defensivas pode decorrer dos seguintes fatores:

• A adoção de mecanismos de defesa contra agentes externos,


incluindo-se aí os procedimentos psicanalíticos.

• A adoção de mecanismos de defesa contra agentes internos, ou seja,


aqueles superegóicos.

Podendo ocorrer situações tão especiais, que o silêncio venha a ser


adotado como:

Defesa contra o erotismo oral: o sugar, que é típico da situação pré-


edipiana, mas que se estenda sobre outras circunstâncias da época,
vindo a ser incluída a falação na atualidade;
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Reação ante a cena primária;

Identificação com uma figura poderosa;

Defesa contra as interpretações do analista;

Defesa contra a perda de controle sobre atos e palavras;

Recurso para chegar às adaptações que se imponham, incluindo a


relacionada com a psicanálise;

Defesa ante conflito de toda ordem;

Defesa adotada dentro de um quadro de grande transtorno;

Defesas contra situações ameaçadoras provindas do superego:

Proibição expressa do superego;

Tentativa de eludir conflitos com o superego;

Inflição de auto-punição, decorrente de sentimento de culpa;


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Defesa contra reprovação.

Sob o aspecto sintomatológico, o silêncio pode ser:

Um sintoma de conversão

Um sintoma passageiro referido


à análise Uma inibição de uma
atividade motora

Um sintoma de neurose
de caráter Um sintoma
psicótico

Manifestações sado-masoquista profundas na transferência


(Kernberg) Fortes regressões paranóides (Kernberg)

Ante o paciente silencioso (I)

Temos por definido que, em se tratando de Psicanálise, o falar é imperativo,


mas o problema é que o falar é um ato que pode ser inibido em função de
muitos fatores, sinalizando o paciente, com o silêncio, estar avassalado por
circunstâncias arcaicas ou atuais, mas todas dotadas de muito poder, o poder
de calar, o poder de impor um impedimento.

Enfrentar-se um paciente silencioso não é nada fácil, pelo que se recomenda


que a abordagem venha revestida de firmeza e decisão.
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Dentro desta idéia, será perfeitamente aplicável, abordar-se o paciente
apresentando questões do tipo:

• “ – Em que você está pensando?”

• “ – Que lhe passa neste momento na cabeça?”

• “ – Já lhe aconteceu algo parecido em alguma circunstância fora da


Psicanálise?”

• “ – Que lembrança lhe traz ficar em silêncio?”

• “ – Parece a você que eu terei condições para interpretar o seu


silêncio?”

• “ – Estaria eu muito errado se dissesse que o seu silêncio tem


qualquer relação comigo ou com o tratamento?”

Mantendo-se na mesma linha, sugere-se que o Psicanalista leve,


decididamente,

1. o paciente a observar a regra fundamental, sendo sincero quando de


suas considerações acerca das proposições do analista.

2. portanto, acrescentar-se à abordagem, outros fundamentos e de


algumas regras da psicanálise, particularmente, no que se refere à
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Associação Livre, empenhando-se, então na sua observação estrita dos
esclarecimentos.

3. estimulá-lo e mesmo acalmá-lo, dizendo que o não cumprimento das


regras será perfeitamente compreensível.

• Por outro lado, como ensina Ferenzi, há que se responder silêncio com
silêncio, vez que o silêncio pesa para o paciente, interpretando que o
analista esteja se sentindo enfadado dele, o que pode levá-lo a ceder e
mudar de postura.

2.1.2 Ante o paciente silencioso (II)

• Aceitar tranqüilamente a atitude de silêncio, como forma de relação


com o analista;

• Manter-se, em relação ao paciente, de forma equilibrada;

• Manter-se numa postura contrária aos ataques internos antes as


pressões do silêncio reinante (contra-transferência).

O SILÊNCIO DO ANALISTA

Uma das mais judiciosas opiniões sobre o silêncio da analista nos vem de
Greenson (1967), quando nos diz:

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Na situação analítica, um importante aspecto da arte da comunicação com o
paciente está no uso do silêncio. O silêncio do Analista adquire muitos
significados para o paciente, dependendo, naturalmente, da situação
transferencial, bem como da contra-transferência do analista. Ademais, o
silêncio é um dos grandes causadores de stress que os nossos pacientes hão
de suportar na situação analítica, devendo, por isso mesmo, ser aplicado
conscientemente, tanto quanto no que se refere à qualidade, quanto ao
quantum. O silêncio é, assim, uma forma de intervenção do analista, que pode
ser tanto passiva, quanto ativa. Assim temos que o paciente pode precisar do
nosso silêncio por necessitar de tempo para seus pensamentos, sentimentos e
fantasias que vão emergir do seu interior. Nosso silêncio também exerce uma
pressão no sentido de levá-lo a comunicar e para enfrentar seus
pronunciamentos e suas emoções sem qualquer chance de desvios.

Do mesmo modo, pode ele sentir o nosso silêncio ou como apoio caloroso, ou
como exteriorização de crítica e de distanciamento. Isto talvez se deva às suas
projeções transferenciais, mas pode, também, derivar-se de uma sua
percepção subliminar de nossas reações contra-transferenciais.

O Silêncio como ferramenta para o analista

Todos sabemos que aquele que quiser compreender o outro, há que ouvi-lo,
sendo que, quanto mais deseje aprofundar-se na compreensão, tanto mais
tempo e oportunidade há de conceder para as exposições. Ora, o dar
oportunidade, se dá por meio do fato de se retrair o analista, oferecendo uma
postura de silêncio de quem quer ouvir, com um toque de simpatia, de
acolhimento, ao que se deve aditar a empatia, o que, de resto, resume a um
dos mais expressivos princípios regentes do nosso ofício.
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AFETOS INDICANDO RESISTÊNCIA

Do ponto de vista das emoções do paciente, a indicação mais típica de


resistência será notada quando o paciente comunica verbalmente, mas existe
uma ausência de afeto. Suas observações são secas, insípidas, monótonas e
apáticas. Tem-se a impressão de que o paciente está alheio e desligado do
que ele está relatando. Isto é particularmente importante quando a ausência de
afeto diz respeito a fatos que deveriam estar cheios de profunda emoção. Em
geral a inconveniência da emoção é um sinal bem impressionante de
resistência.

A POSTURA DO PACIENTE

Muitas vezes, os pacientes vão demonstrar a presença da resistência pela


posição que assumem no divã. Rigidez, contração muscular, o corpo encolhido
como proteção contra uma ameaça, tudo isso pode indicar defesa. Acima de
tudo, qualquer posição inalterada, que é mantida durante toda a sessão, é
sempre um sinal de resistência. Se a pessoa está relativamente livre de
resistência, a sua postura muda um pouco durante a sessão. Movimentos
excessivos também indicam que alguma coisa está sendo descarregada em
movimentos e não em palavras. A discrepância entre a postura e o conteúdo
verbal também é um sinal de resistência. O paciente que fala com suavidade
sobre um fato, mas que se contorce e se mexe, está contando apenas um
fragmento de uma história. Seus movimentos parecem estar contando a outra
parte da narrativa. Mãos apertadas, braços cruzados apertados bem contra o
peito, tornozelos encostados, são indicações de defesa. Além disso, um
paciente que se senta durante a sessão ou fica com um pé fora do divã, são

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indicações de desejos de fugir do analista. Bocejos durante a sessão indicam
resistência. A maneira pela qual um paciente entra no consultório, evitando os
olhos do analista ou dizendo algo que não tem prosseguimento no divã ou
saindo no final da sessão sem olhar para o analista – tudo isto são sinais de
resistência.

FIXAÇÃO NO TEMPO

Em geral, quando o paciente está falando com relativa liberdade, haverá


oscilações entre o passado e o presente em suas produções verbais. Quando
um paciente fala, firme e inalteradamente, sobre o passado sem entremear
qualquer coisa sobre o presente ou se, ao contrário, um paciente fala
continuamente sobre o presente sem mergulhar ocasionalmente no passado,
há alguma resistência em ação. Prender-se a um determinado período de
tempo é uma fuga, semelhante à rigidez e à inalterabilidade no tom emocional,
postura etc.

A MANEIRA DE FALAR DOS QUE EVITAM

Uso de chavões, termos técnicos ou conversas vazias é um dos sinais mais


freqüentes de resistência. Isso geralmente indica uma fuga das imagens
vividas e evocativas da linguagem pessoal de um indivíduo. Seu objetivo é
impedir uma comunicação revelada pessoalmente. O paciente que diz “órgãos
genitais” quando realmente quer dizer pênis está evitando as imagens que
viriam à mente com a palavra pênis. Deve observar-se aqui que o analista use
uma linguagem viva e pessoal ao falar com seus pacientes.

O uso de chavões isola as emoções e afasta o envolvimento emocional.

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ATRASO, NÃO COMPARECER ÀS SESSÕES, ESQUECER DE
PAGAR

Obviamente, o atraso do paciente, o fato de não ir às sessões e se esquecer


de pagar são indicações de uma relutância para vir ou para pagar a sessão
analítica. Isso, novamente, pode ser consciente e, portanto, de uma
acessibilidade relativamente fácil ou pode ser inconsciente no sentido de que o
paciente pode racionalizar o ocorrido. O paciente que se “esquece” de pagar
não está simplesmente relutante em dar seu dinheiro, mas está também,
inconscientemente, tentando negar que seu relacionamento com o analista é
“unicamente” profissional.

A AUSÊNCIA DE SONHOS

Os pacientes que sabem do seu sonho e o esquecem, estão, obviamente,


resistindo à recordação de seus sonhos. Pacientes que contam sonhos, mas
cujos sonhos indicam fuga da análise, como descobrindo o consultório errado
ou indo para um analista diferente etc., também estão, obviamente, lutando
com alguma forma de fuga da situação analítica. Os pacientes que
absolutamente não se recordam de ter sonhado tem em minha opinião, as
resistências mais fortes porque, aqui, a resistência conseguiu atacar não só o
conteúdo do sonho, mas também a lembrança de ter sonhado.

Os sonhos são os meios de acesso mais importantes para o inconsciente, para


o reprimido e para a vida instintual do paciente. O esquecimento dos sonhos é
uma indicação da luta do paciente para não revelar seu inconsciente e, em
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particular sua vida instintual ao analista (Freud, 1900, pp. 517-521). Se um
analista conseguir vencer uma resistência numa determinada sessão, o
paciente pode reagir sendo capaz, repentinamente, de se lembrar de um sonho
até então esquecido ou um fragmento novo de um sonho pode vir à mente.
Inundar, a sessão com muitos sonhos é outra variedade de resistência e pode
indicar o desejo inconsciente do paciente de continuar seu sono na presença
do analista.

CLASSIFICAÇÃO DAS RESISTÊNCIAS

DE ACORDO COM A FONTE DE RESISTÊNCIA:

RESISTÊNCIA DA REPRESSÃO:
Resistências das defesas do ego

RESISTÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA:
Resistência da transferência, que, embora essencialmente semelhante à
resistência da repressão, possui a especial qualidade de, ao mesmo tempo que
a exprime, também refletir a luta contra impulsos infantis que, sob forma direta
ou modificada, emergiram em relação à pessoa do analista.

Freud também classificou esta resistência como derivada do ego.

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RESISTÊNCIA QUE DERIVA DO GANHO RESULTANTE DA
DOENÇA

Embora, inicialmente, o sintoma possa ser sentido “corpo estranho” e


indesejável, pode ocorrer, e muitas vezes ocorre, um processo de assimilação
do sintoma na organização psicológica do indivíduo. Freud assim o descreveu:
“O ego passa agora a comportar-se como se reconhecesse que o sintoma
tivesse vindo para ficar, e a única coisa a fazer é aceitar a situação, sem afligir-
se, e tirar dela a maior vantagem possível.” (1926a.) Esses ganhos secundários
oriundos dos sintomas são bem conhecidos sob a forma de vantagens e
gratificações obtidas da condição de estar doente e de ser cuidado ou de ser
objeto do comportamento dos outros, ou sob a forma de gratificação de
impulsos agressivos vingativos para com aqueles que são obrigados a
compartilhar do sofrimento do paciente. O ganho secundário também pode
resultar da satisfação de uma necessidade de o paciente se punir ou da
satisfação de tendências masoquistas ocultas. Os mais evidentes exemplos de
ganho auferido da doença podem ser constatados nas pacientes como
“neurose de compensação” ou naqueles que permanecem doentes por causa
do ganho secundário subsidiado pela sociedade, por exemplo, nos casos em
que os pagamentos da “previdência social” ultrapassam o salário que poderia
ser obtido. A refratariedade do paciente ao abandono dessas vantagens
secundárias da doença, no decorrer do tratamento, constitui essa forma
particular de resistência.

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Resistência derivada do ego

Resistência do Id
Devido à resistência dos impulsos instintuais a qualquer modificação no seu
modo e na sua forma de expressão. Essa forma de resistência necessita, para
sua eliminação, daquilo que Freud denominou “elaboração”. (a compulsão à
repetição)

Resistência do Superego
Resistência do superego, ou resistência enraizada no sentimento de culpa do
paciente ou na sua necessidade de punição. Freud considerava a “resistência
do superego” como sendo a mais difícil de o analista discernir e abordar. Ela
reflete a ação de um “sentimento inconsciente de culpa” (1923) e é responsável
pela reação aparentemente paradoxal do paciente a todo passo que, no
trabalho analítico, representa a materialização de um ou de outro impulso de
que vão se defendendo pressionados pela sua consciência moral. Assim, um
paciente que possui intensos sentimentos de culpa referentes, por exemplo, ao
desejo de ser filho mais amado e de triunfar sobre seus irmãos, pode reagir
com resistência a qualquer modificação que ameace tornar efetiva uma
situação em que ele tem possibilidade de ter sucesso maior que os seus rivais.
Ou então, um paciente que tem intensos sentimentos inconscientes de culpa
em relação aos seus desejos sexuais, em particular, pode reagir com uma forte
resistência subseqüente à liberação desses desejos através do processo
analítico. A “resistência do superego” pode ser exemplificada com o paciente
que se permite ter um pensamento que desperta culpa, reprime esse
pensamento e vem à sessão com uma sensação de mal-estar que, por fim, é
identificada como um sentimento de culpa que o

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tornou resistência ao trabalho da análise. A mais intensa forma de semelhante
resistência do superego pode ser vista na chamada “reação terapêutica
negativa”.

DE ACORDO COM OS PONTOS DE FIXAÇÃO

Todas as tentativas para classificar as resistências ir-se-ão inevitavelmente,


amontoando umas sobre as outras, apesar disso, é bom que o psicanalista
tenha ao seu dispor, rapidamente, diferentes tipos de classificação porque isso
pode alertá-lo para o material do id, funções do ego, relações objetais ou
reação do superego, material característico com os quais ele pode estar
lidando.

Podemos descrever resistências orais, fálicas, do período de latência e da


adolescência. A pista pode ser dada pela qualidade instintual de uma
resistência ou pelas reações objetais ou pelo traço de caráter que está em
primeiro plano ou por um tipo especial de ansiedade ou atitude ou pela
intromissão de um determinado sintoma.

Devemos salientar que a forma e o tipo de resistência mudam, no decorrer da


análise. Ocorrem regressões e progressões de tal forma que cada paciente
exibe uma abundância de resistência.

DE ACORDO COM OS TIPOS DE DEFESA

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Outra abordagem proveitosa no caso das resistências consiste em determinar
os tipos de defesa empregado pela resistência.

Abordaremos a seguir as atividades defensivas do ego, ordenadas conforme o


seu aparecimento histórico articulado, a sua temática predominante. Cabe
ressaltar que o campo está aberto à observações e à criação. Não deixemos
de notar que a todo momento teremos nomes novos para fenômenos antigos e
já descritos.

Repressão

Em princípio, a repressão é definida como tática ou método de defesa pela


mente humana para evitar que tenham acesso à consciência as excitações ou,
mais precisamente, as representações desconfortáveis, ligadas ou não à
pulsão, frente às exigências do próprio Ego. O Ego se organiza pelo perigo que
corre de perder o controle e “fazer” uma loucura. Também pelos medos: o
medo menor de ser julgado, condenado e punido e o medo maior, de ser
aniquilado. Assim, esse mecanismo de defesa controla a pulsão, organiza o
ego e assegura o amor do objeto.

Depois de um certo momento histórico, todo e qualquer acontecimento psíquico


responsável por um conflito ameaçador de desconforto e ansiedade passou a
ser considerado como passível de ser reprimido.

E isso ocorreria por exigências psicológicas morais, socioculturais e outras de


semelhantes naipes.

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Assim, atuação sexual fora do contexto, má educação, paixões condenadas,
impulsos ditos imorais, agressividade, incesto, sexualidade infantil, maldade,
inveja, atos anti-sociais, ódios, ciúmes, desejos parricidas, matricidas, filicidas,
fratricidas, suicidas, assassinos e perversões, tudo passou a compor o “lixo” a
ser distanciado da luz do processo civilizatório. Uma exigência das forças da
ansiedade. Tudo isso passou a ser confinado em uma metafórica “caixa-preta”
do psiquismo, que o analista se propõe mexer para entender o intrigante
conflito subjacente. Sta é uma analogia, a partir da linguagem da aviação. Em
Freud as analogias são mais fortes: “caos”, “caldeirão cheio”, “agitação
fervilhante”.

Num primeiro momento Freud dizia que o reprimido seria o protótipo do


inconsciente, para mais tarde retificar e concluir que nem tudo que é
inconsciente é, obrigatoriamente, reprimido. Também, num primeiro instante, a
repressão foi usada por ele como protótipo de defesa, para depois se tornar
apenas uma das modalidades de mecanismo de defesa. A idéia de que a
repressão fosse responsável pela angustia foi refeita, para em seu lugar,
permanecer a definição de que é a angustia que produz a repressão.

Merece ser assinalado que várias formas de exercitar as defesas,


transformando-as em “condutas”, mudam em importâncias e intensidade, com
a evolução etária. O que seria bom e saudável em uma certa idade, infância e
adolescência, por exemplo, não mais o seria na vida adulta.

A partir da repressão surgem “freios emocionais poderosos” como o pudor, a


vergonha, a repugnância, normas morais, questão de gosto, atividades
artístico-culturais, pesquisas cientificas, interesses intelectuais, religiosos e até
as diversas formas de psicoterapias pedagógicas e normativas.

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A repressão está visceralmente incluída na pauta comportamental do homem
civilizado. Ela é inevitável, necessária e indispensável para a estruturação do
desejo humano.

Quando exacerbada, a atividade repressora poderá compor sintoma ou uma


doença. Ela é típica dos estados histéricos. Como exemplo, temos o da
emoção alterada diante das situações inocentes, por exemplos: a pessoa não
chora durante uma morte significativa, mas entra em choro convulsivo diante
de uma cena “água com açúcar” da telenovela.

Diversas formas de esquecimento, titubeios no discurso corrente, a gagueira, a


timidez, o mal aproveitamento escolar, a desorganização de vida, as neuroses
de um modo geral, são aspectos clínicos da repressão. O excesso de sono é
outra forma: ao dormir se nega o mundo externo ameaçador.

Pela clínica da repressão entende-se e percebe-se que o reprimido flui e se


aloca, aqui e ali, apresentando-se sob vários modos: nos sintomas, nas
doenças, na linguagem, no comportamento e algumas outras sutilezas
anunciadas, na tentativa de um retorno.

Ainda que na linguagem do dia-a-dia profissional os termos sejam usados


displicentemente como “sinônimos”, Laplanche e Pontalis insistem no seu uso
correto do pondo de vista dos franceses.

Para esses autores repressão caberia à operação psíquica tendente a fazer


desaparecer da consciência um conteúdo desaprovável ou inoportuno, mas
sem que haja transposição para o inconsciente. As características da operação

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permaneceriam no campo consciente ou pré-consciente; atingiriam apenas os
afetos, num movimento de simples eliminação ou inibição dos mesmos.

Recalcamento (refoulement, em francês) seria a operação com as


características de transpor para o inconsciente conteúdos ideativos e
representacionais ligados à pulsão, tais como: pensamentos, imagens e
recordações. Os conteúdos afetivos não seriam considerados, ficando de fora
do conceito de recalcamento e sendo remetidos ao conceito de repressão.

Alguns autores usam mais o termo “repressão” em sentido amplo, deixando ao


leitor a curiosidade de entender as nuances do significado.

Fortalecimento da Repressão. A anulação.

É o mecanismo que tem por característica o fazer desacontecer: faz-se o


contrário do que foi feito anteriormente para tentar “apagar” o significado do
ato. Está presente no pensamento mágico dos obsessivos. O exemplo clássico
é o da pessoa que vai verificar se a torneira do gás está fechada:
primeiramente ela abre a torneira para depois fechá-la novamente.

A “expiação” é uma forma de anulação. A compulsão à simetria da forma e de


números, também. Freud relata-nos o caso de uma mulher que sentia-se na
obrigação de contar as tábuas do assoalho e os degraus de escada como
proteção a pensamentos obsessivos de “tentação”. Essa necessidade de
contar chama-se aritmomania obsessiva. Há os que contam e somam os
números de telefones, de residências, de placas de carro etc.

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Prazeres simultâneos seriam formas de anulação, como o que acontece no fato
de se fazer leitura durante o ato de defecar: a expulsão das fezes seria
compensada pela introjeção da leitura.

As dúvidas obsessivas algumas vezes significariam dúvidas quanto ao êxito da


anulação: foi ou não possível determinado pensamento, sentimento ou ato?,
pergunta-se. A compulsão a mudar de emprego ou de namorada é uma forma
de anulação. O indivíduo conquista para se desfazer, depois, do conquistado.
Há pessoas que só se sentem bem enquanto luta por uma meta; depois da
vitória ela é tomada por uma grande ansiedade, exigindo de si um novo
desafio. Fez inúmeros concursos, saiu-se muito bem em todos, mas não
conseguiu permanecer nos cargos empossados. Continuou fazendo e
desacontecendo.

Conversão

Para alguns autores esta seria uma atividade defensiva relativamente benigna
com deslocamento das catexias em direção a órgãos do sentido e musculatura
estriada, resultando disfunções, tais como: tremores, paralisias, anestesias,
amaurose (perda de visão) não orgânica, contraturas, etc. A função do
mecanismo de conversão é aliviar a tensão afetivo-emocional por via das
expressões somáticas. Choro copioso, risos imotivados, compulsão incoercível
a falar são conversões que precisam ter seu diagnóstico diferencial feitos com
as expressões emocionais normais.

A conversão explicitada através da musculatura voluntária sempre tem um


significado simbólico. Um braço paralisado poderá significar o medo da
atividade masturbatória. Uma boca fechada em trismo (cerração involuntária da
boca), com o maxilar endurecido, poderá significar o desejo proibido de
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destampar impropérios. Pernas contraídas significarão conflitos com o órgão
sexual masculino, pelo desejo da presença ou da ausência.

Certos músculos lisos também seriam atingidos pela conversão levando à


náuseas, vômitos, vontade de defecar e de urinar, talvez pela complexidade
das inervações voluntárias e involuntárias que se combinam.

Um diagnóstico importante é com a Síndrome de Ganser, um modo


semiconsciente de fingir-se doente, mas particularmente como doente mental.

O histérico reprime toda sua sexualidade genital (a que ele tem) que retorna
através das manifestações somáticas, ou ainda, que “converte”,
simbolicamente, em sintoma somático.

Deslocamento

É a medida defensiva comum no cotidiano do cidadão, sem que ele tome


consciência dela. O exemplo clássico é a do funcionário massacrado pelo
chefe que, ao chegar em casa, dirige toda sua contra-agressividade contida
sobre a mulher e os filhos. De certo modo, a pessoa até tem consciência da
tensão a que está submetida, apenas não se dá conta da causa original, do
porquê de sua agressão à família.

Nas fobias é clássico o aparecimento do fenômeno de deslocamento que Freud


estudou no caso clínico do “pequeno Hans”. Nessa defesa muda o objeto e
permanece o ato. No caso dos Hans o temor pelo pai foi deslocado para os
cavalos.
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Fenômeno quase igual ao do deslocamento, com a característica de que o
objeto permanece e o ato muda é o chamado de substituição. Caso do
indivíduo tencionado que vai à academia de ginástica “malhar”.

Dissociação da consciência

Aqui vamos apontá-la apenas como exemplo de atividade defensiva, sem


descer a detalhes dos quadros clínicos próprios de personalidades ou de
doenças histéricas, obsessivas, fóbicas e ansiosas, e de comportamentos de
jovens imaturos ou de síndromes esquizofreniformes.

Como sinonímia fala-se em “estado alterado da consciência”, “estados


segundos”, “dupla personalidade”, “despersonalização”, “estado alternante de
consciência”. Em casos graves tem que se fazer o diagnóstico diferencial com
a desrealização esquizofrênica.

Caracteriza-se pela cisão da personalidade, de tal forma que uma parte se


mantém reprimida e a outra em vigência operativa e plena , com movimento
alternado de aparecimento.

Na clínica suas formas mais comuns são: certo tipo de esquecimento


(amnésia), estados sonambúlicos e estados de “fuga”, em que o paciente vive
“aéreo”, distraído, não se dando conta de acontecimentos a sua volta ou em
que, até mesmo, tenha participado, fala-se em “evitação” de situações
desagradáveis.

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Escotomização

Assim chamada por analogia com as zonas cegas da retina denominada


“escotomas”, esse mecanismo, segundo alguns autores, se daria num plano
quase consciente. “Olho mas não enxergo, se enxergo não quero ver”.
Acontecimentos óbvios não são vistos por uma “decisão”, quase de
conveniência.

Em artigo sobre o “Fetichismo” (1927), Freud atribui a Laforque (1926) o uso da


palavra escotomização, mas crítica o termo porque para indicar esse processo
já haveria o vocábulo repressão, “a mais antiga palavra de terminologia
psicanalítica”.

Humor

No artigo de 1927 sobre “O Humor” Freud aponta-o como uma forma de defesa
dentro da “extensa serie de métodos que a mente humana construiu a fim de
fugir à compulsão para sofrer”. Fazer humor e rir sobre o sexo e sobre a morte,
sobre temas raciais, étnicos e situações sociais risíveis, assustadoras,
constrangedoras ou ameaçadores, é uma boa e humana forma de fugir à
perplexidade e ao medo dos temas referidos. Não é raro pessoas terem
“ataques de riso” em um velório.

Inibição

Pouco valorizado, esse mecanismo talvez seja o que está mais presente nas
várias formas de neurose. Algumas vezes é chamado de “bloqueio emocional”.
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Por ele são inibidas funções expressivas da constituição da pessoa: percepção,
psicomotricidade, fenômenos cinestésicos, funções corporais e a capacidade
de relacionar-se com o outro. Falhas intelectuais e lingüísticas, dificuldades
para as trocas afetivas, falta de “malícia”, perplexidade diante do sexo,
ausência de ação diante da agressividade são outros tantos sintomas da
inibição.

O silêncio excessivo, traduzindo um bloqueio do falar, é uma forma de inibição.


Pessoas muito caladas geralmente são inibidas... ou sábias.

Na raiz das inibições está, entre outras coisas, a educação doméstica dada,
principalmente, pelos pais. A mãe exigente em chamar a atenção do filho, o pai
desconfirmador que só tem críticas a fazer, a verdadeira lavagem cerebral que
se faz através das ordens negativas: não faça isso, não faça aquilo, não, não...
fazem parte do processo inibidor.

Isolamento

É a tentativa obsessiva de distanciar-se das experiências ameaçadoras. O


paciente isola-se no seu “pequeno mundo”, geralmente em torno da idéias
filosóficas complicadas, para se proteger dos impulsos instintivos. No plano
afetivo-sexual são pessoas que só fazem sexo com quem não amam, não o
conseguindo fazer realmente quando têm amor e carinho pela pessoa. São,
geralmente, freqüentadores(as) de prostitutas(os).

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A pessoa com tendência ao “isolamento” é capaz de recordar acontecimentos
de sua vida, relatando-os sem emoções correspondentes, como se dissesse:
“não é comigo”.

O tabu do “contato” é o exemplo clássico do isolamento: impulsos de índole


sensual, agressiva ou amorosa são “impedidos”, evitando-se contatos com
pessoas, animais ou objetos. Pessoas muito enojadas, às vezes
corresponderiam a esse mecanismo.

O autismo seria a forma psicótica do isolamento.

Lembrança encobridora

A atividade egóica vai ao baú de lembranças e retira imagens que, na


consciência, têm por finalidade substituir uma outra recordação, esta sim,
penosa, desagradável ou ameaçadora.

As lembranças encobridoras parecem estar sempre protegendo ou escondendo


uma cena de sexualidade infantil. O artigo “lembranças encobridoras’ (1899)
narraria um acontecimento autobiográfico da vida do próprio Freud, seu autor.

Às vezes, lembranças encobridoras monotemáticas se repetem, vida afora,


desde a infância.

A mentira é a forma do mentiroso se ajudar nessa luta entre a lembrança


verdadeira e a necessidade de negá-la.
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A pessoa que ri constantemente para apagar uma tristeza (encobrimento da
emoção).

A autopiedade, caracterizada por lamúrias e queixumes, pode fazer parte


desse tipo de defesa. A pessoa relembra de modo obsessivo temas e situações
da vida passada, de modo a confirmar-se como “vítima”, encobrindo
recordações mais difíceis de virem à tona.

No processo de uma psicoterapia poderão ocorrer associações livres


encobridoras, à semelhança das lembranças.

Negação

No caso desse mecanismo de defesa originário da repressão, as imagens teria


acesso à consciência parcialmente, mas, mesmo assim, para terem a
oportunidade de serem negadas. A dinâmica é mais ou menos assim: o fator
repressivo seria, temporariamente, removido e o reprimido afloraria por um
átimo de tempo, dando chance à consciência para negá-la.

Segundo Fenichel a capacidade de negar partes desagradáveis da realidade é


a contrapartida da realidade alucinatória.

No artigo “A negativa” (1925) Freud dá-nos o exemplo clássico do sujeito que


diz: “Essa pessoa dos meus sonhos, minha mãe, certamente, não é”. Seria a

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aceitação intelectual do recalcado, sem perder a essência do recalcamento, por
meio de uma pretensa liberdade de julgar.

Vários são os tipos sociais de negação da realidade, entre eles: escapismo,


adiamento de compromissos, recusa de enfrentamentos desagradáveis,
criação de doenças imaginárias para fugir de responsabilidades, subterfúgios.
A negação pode ir a um ponto tal de irracionalidade, quando, por exemplo, o
estudante deixa de comparecer à prova, com medo de ir mal, mesmo sabendo
que sua ausência implicará em nota zero.

Geralmente, o negador cria falsas situações “mais importantes”, para não


enfrentar o “mais real”. A arrogância juvenil é uma forma de negar a
perplexidade do jovem diante dos desafios da vida e o seu embaraçamento
diante das tarefas sociais que lhe são postas.

O negador mente para si próprio, prometendo que da próxima vez será


diferente. No caso do estudante, ele promete que vai estudar... mas sempre
semana que vem.

A criação de fantasias e devaneios, sem a correspondente ação realizadora do


ato de fazer, é mecanismo de negação típico de quem não quer enfrentar a
realidade interior ou exterior. Sócrates já dizia que iludir-se a si mesmo é algo
terrível.

Negadores da realidade somos todos nós que acreditamos que vamos ganhar
na loteria esportiva ou em qualquer forma de ficar rico sem fazem força e
caímos na conversa de vendedores hábeis que nos prometem ilusões. O lema
do fantasiador é: “engana que eu gosto”.

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Com as fantasias os negadores colocam-se no lugar dos artistas de cinema e
televisão e das heroínas dos romances e novelas.

Mas um pouco de fantasia é estimulante para as lutas diárias. Na vida adulta


até pode corresponder a possibilidades factuais. Sonhar é o primeiro passo
para a conquista do desejado. Sonhar com o pé no chão, ensinam os sábios,
pois as fantasias, se excessivas e ingênuas, prejudicam o ajustamento à
realidade e trazem amargas decepções.

Postergação de afetos

É o nome que Fenichel dá para situações de luto, raiva, medo, vergonha, nojo,
em que há explosões retardadas de sentimentos. A reação emocional não se
dá no momento do acontecido, mas sim algum tempo depois. Durante um
período, o de perigo, o ego se mostra corajoso, enfrentando o risco, para
depois, já no momento da calmaria, ser tomado de medo intenso. “Na hora do
desastre tive peito para ajudar todo mundo, mas depois me deu uma
tremedeira danada”, diz o herói do cotidiano.

MECANISMO DE DEFESA

É uma forma de substituir, por boas razões, uma determinada conduta que
exige explicações, de um modo geral, da parte de quem adota.

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RACIONALIZAÇÃO

Nada do que fazemos na vida tem uma só justificativa: agimos por


necessidade, motivações, desejos ou com tudo ao mesmo tempo.

As necessidades estariam ligadas a faltas fisiológicas, levando-nos, por


exemplo, a nos alimentar, porque a fome “avisa’ que o corpo precisa de
nutrientes para sustentar-se e sobreviver.

As motivações seriam energias psicológicas estimulando o organismo em


direção a uma meta significativa.

Por sua vez, o desejo pode ser entendido de duas formas: a primeira, bastante
ampla, refere-se ao anseio, ao querer, à aspiração, à cobiça, consciente. A
segunda, forma restrita, refere-se ao desejo como matéria prima das emoções
em que está fortemente ancorada a pulsão sexual inconsciente.

Racionalização não é invenção consciente de motivos e sim escolha


inconsciente, na qual algumas justificativas são selecionadas e outras,
inaceitáveis, são jogadas ao limbo do esquecimento.

Uma forma peculiar de racionalização é a intelectualização, pela qual, com


muita teorização, conhecimentos, especulações, tenta-se entender ou negar
um conflito, sem propor ou aceitar mudanças.

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Não confundir racionalização com pensamento racional (de raciocínio): o
pensamento racional chega a “razões boas” (justas) e a racionalização chega a
“boas razões” (justificativas) para explicações do que é feito.

Os comportamentos ou pensamentos socialmente inadequados são os que


mais necessitam de racionalizações.

O raciocínio deve estar sempre acima da racionalização, distinguindo verdade


e mentira, pelo que a razão cria a esperança da justiça. Ao contrário, com a
racionalização explicamos nossos piores vícios em casa, na rua, na escola e
no trabalho, pois, para o racionalizador, “os fins justificam os meios”.

Os psicanalistas, em tom jocoso, dizem que racionalização é uma mentira


inconsciente

que se opõe no lugar que se reprimiu...

SURDEZ EMOCIONAL

São os famoso ouvidos de mercador, numa decisão quase de conveniência.


“Ouço, mas não escuto, se escuto não quero entender”.

FORMAÇÕES REATIVAS

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Aproveitando o exemplo do barril de Tallaferro, (analogia da repressão com o
esforço da pessoa que deseja manter um barril vazio afundado na água),
poderíamos dizer que a “formação reativa” seria o homem montado sobre o
barril para mantê-lo submerso, sob uma força constante.

A formação reativa leva o ego a efetuar aquilo que é totalmente oposto às


tendências do id que se pretende rechaçar.

As formações reativas seriam compromissos transformados em traços de


caráter, capazes de se constituírem numa barreira defensiva constante contra a
volta das tendências reprimidas.

A formação reativa muitas vezes é consciente, caracterizando-se por ser uma


intolerância desproporcional à causa.

As pessoas que propõem a ser sensores de filmes, teatros, livros e revistas


geralmente conciliam a repressão e a satisfação dos desejos, pois podem ver a
obra proibida e, ao mesmo tempo, manter o seu controle moralista,
condenando-a.

Mas a formação reativa, pelo seu lado bom, permite-nos manter um


comportamento socialmente aprovado e útil para a convivência humana, com
papéis sociais saudáveis. É o caso de alguém que, por formação reativa, faz-se
bombeiro voluntário, como defesa contra sua piromania. Segundo Fenichel, a
pessoa que elaborou formações reativas não criou com isso um determinado
mecanismo para utilizá-lo quando se produz a ameaça de um perigo instintivo;
modificou a estrutura de seu ego como se o perigo estivesse sempre presente,

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de tal forma que ele se encontre preparado em qualquer momento em que o
perigo se produza.

REGRESSÃO

É o processo em que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para


um estágio anterior.

Dá-se o nome de regressão ao processo que conduz a atividade psíquica a


uma forma de atuação já superada, evolutiva e cronologicamente mais primitiva
do que a atual.

Sempre que alguém se depara com uma frustração, há tendências de ter


saudades de épocas anteriores da vida em que as expectativas eram mais
prazerosas.

Num processo psíquico que contenha um sentido de percurso ou de


desenvolvimento, designa-se por regressão um retorno em sentido inverso
desde um ponto já atingido até o ponto situado antes desse.

É o caso de alguém que depois de repetidas frustrações na área sexual,


regride, para obter satisfações, à fase oral, passando a comer em excesso.

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FIXAÇÃO

No estudo da regressão deve-se ter especial atenção ao seu comportamento


chamado fixação. Regressão e fixação são “almas gêmeas”. Fixação seria uma
tendência de se manter cristalizados, ou cronificados, fantasias, sentimentos ou
condutas referentes a determinadas épocas do desenvolvimento psicológicos
neuropsicomotor, libidinal e social, ditos regressivos.

Juntos, fixação e regressão constituiriam perigos ameaçadores ao


desenvolvimento afetivo-sexual iniciado no nascimento. Com a fixação,
exigências de gratificação imaturas e infantis são encontradas no
comportamento do adulto.

Como um exemplo de fixação, no texto “Três ensaios sobre a teoria da


sexualidade” (1905), Freud escreve: “Mesmo uma pessoa que tenha a
felicidade de evitar a uma fixação incestuosa de sua libido não escapa
inteiramente à sua influência. Freqüentemente ocorre que um jovem se
apaixona seriamente pela primeira vez por uma mulher madura ou uma jovem
por uma homem de idade, que desfrute da posição de autoridade. Isto é
claramente um eco da fase de desenvolvimento que vimos discutindo, já que
essas figuras são capazes de reanimar retratos de sua mãe ou pai”.

É importante lembrar, com Freud, que toda neurose implica uma fixação, mas
nem toda fixação leva à neurose.

PROJEÇÃO

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A projeção é o mecanismo de defesa em virtude do qual o indivíduo atribui a
um objeto externo suas próprias tendências inconscientes, inaceitáveis para
seu superego, percebendo-os então como características próprias do objeto.

Ampliando o conceito pode-se dizer que a projeção se dá sobre pessoas e


coisas e o material projetado poderá ser: qualidades, sentimentos e desejos.
Com as características de que este material estará sendo recusado ou
desconhecido pelo sujeito que o projeta, em função do desconforto psíquico e
da ansiedade gerada, em plano inconsciente.

O sujeito projeta o que nega em si próprio, atribuindo ao outro qualidades,


sentimentos ou desejos que seriam originariamente seus.

Laplanche e Pontalis chamam a atenção para equívocos no uso do termo


“projeção”. Muitas vezes ele é usado em lugar de “transferência”, quando se
diz: “Ele projeta a imagem do pai sobre o patrão”; outras vezes é usado em
lugar de “identificação”, por exemplo, quando se afirma que La Fontaine
“projetou”, nos animais de suas fábulas, sentimentos e raciocínios
antropomórficos.

Freud deu interessante exemplo, que se tornou clássico, do “ciúme projetivo”,


em que o indivíduo se defende dos seus próprios desejos de ser infiel,
imputando a infidelidade ao cônjugue.

INTROJEÇÃO

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Para contrapor-se à projeção Ferenczi descreve a introjeção, que seria a
atividade defensiva pela qual o aparelho psíquico normal assimilaria atributos e
qualidades de objetos externos ao Ego: pessoas, coisas, animais.

Se no desenvolvimento infantil a introjeção tem valor como elemento de


crescimento da criança, no adulto ela é mais de caráter defensivo, nem sempre
útil.

É clássico o caso em que ela se evidencia numa situação de luto: é comum,


após a morte do pai, que um dos filhos passe a adotar o “jeitão” do falecido. No
entanto quando a pessoa começa a se comportar como se fora “mesmo” o pai,
provavelmente estaremos diante de um caso psicótico.

Elementos introjetivos são tomados também de professores, esportistas,


ídolos, lideres, políticos, artistas etc. Daí a responsabilidade ética desses
formadores de opinião.

IDENTIFICAÇÃO

É o processo psíquico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma


propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente,
segundo o modelo desse outro.

A identificação pode ser parcial ou total. Num caso de identificação parcial, por
exemplo, o aluno fuma cachimbo, como faz o professor; mas numa
identificação total ele estuda e mantém uma atitude geral idêntica à do mestre.

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SUPERAÇÃO DE CONFLITOS.
ELABORAÇÃO

Diante do chamado instintual conflitivo, de uma dúvida existencial, de um


confronto com as regras sociais, de uma angústia de causa desconhecida, de
pensamentos ambíguos e sentimentos ambivalentes, a dinâmica psíquica é
convocada. “Convocada, consciente e inconscientemente, a superar o
encruzamento conflituoso”. E isso se faz através da “elaboração”, que é a
capacidade de “reviver” criticamente as vivências até que elas percam o efeito
psicogênico e o potencial patogênico. A elaboração substitui, no processo da
realidade psíquica, a compulsão à repetição, evitando que uma análise se
transforme numa neurose compulsiva.

Na elaboração surge a capacidade de se lidar com os termos antagônicos e


excludentes do conflito, gerando um novo plano qualitativamente mais elevado
e quantitativamente diferente.

IDEALIZAÇÃO

É a defesa que nos faz acreditar na bondade e beleza dos objetos (pessoas,
coisas, idéias). A pessoa por quem se está apaixonada, a moto do ano
desejada e a proposta política abraçada servem de exemplos de objetos
relacionais em que a idealização é utilizada, transformando-os numa crença
irretorquível. A amada será a mais bela e carinhosa do mundo; a moto será a
melhor até hoje fabricado; e o ideal político, o mais nobre da história. Ninguém
e nada terão defeito para o idealizador.
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No entanto, deve-se ressaltar o lado positivo, construtivo e saudável da
idealização, pois é graças a ela que teremos capacidade de ter um bom e
amoroso relacionamento com o objeto.

RENÚNCIA ALTRUÍSTICA

Esta seria uma forma de sublimação. Por ela o indivíduo usaria os


mecanismos de projeção e de identificação projetiva no que eles têm de útil
para estabelecer boas relações afetivas e consolidar os vínculos positivos.
Então, ser-lhe-ia dada a possibilidade de participar da convivência com seus
semelhantes de modo a ser solidário e camarada.

O nome é assim dado porque a pessoas “renuncia” a desejos instintivos,


narcísicos e de interesses egoísticos.

A generosidade do jovem é a forma de uma atitude defensiva, transformada no


socialmente aplaudido.

REPARAÇÃO

Em linguagem simples e popular, reparação é a capacidade de pedir desculpas


e arrepender-se por atos sacados contra terceiros e socialmente ou
moralmente condenados. Também é satíricos: “o marido leva presentes para a
esposa a cada aventura infiel”; “o negociante que dá dinheiro a obras de

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caridade para abafar sua inescrupulosidade”. É o que se chama aplacar a “má
consciência”.

Reparação é o que dá “grandeza” à personalidade, pois essa reconhece no


outro atributos que merecem respeito e encaminham o sujeito para uma boa
relação humana. Trata-se de uma defesa de crescimento do Ego organizada
de modo lento e por meios de valores como o da gratidão.

SIMBOLIZAÇÃO

É qualquer coisa usada para representar outra coisa. Exemplo: a pomba é


símbolo da paz. Na psicologia psicanalítica símbolo é a imagem que traduz as
tendências inconscientes.

Como mecanismo de defesa, a simbolização é a capacidade do Ego de usar


símbolos tradutores de suas forças afetivas, muitas vezes inconscientes.

Os símbolos utilizados poderão ter sentido universal, como é o caso do folclore,


das lendas, dos mitos, dos provérbios, dos chistes, mas poderão ter
significados particular, espelhando pensamentos encontrados na própria
história inconsciente da pessoa. Muitas vezes o símbolo não deve ser visto
simbolicamente. “Um charuto, às vezes, é um charuto mesmo”, diz a anedota
psicanalítica.

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SUBLIMAÇÃO

Na linguagem cotidiana usamos o vocábulo “sublimação” com certa


ingenuidade. Quando a conceito nos é ensinado nos tempos de colégio,
acreditamos que o demônio possa se tornar santo e o desejo sexual virar obra
de arte. As coisas não são bem assim. A sublimação é de difícil teorização,
áspera para descrever clinicamente e, acima de tudo, nunca teria sido vista
funcionando.

Fenichel coloca no item sublimação todas as atividades capazes de fazer


cessar o móvel do perigo, ou seja, cessação daquilo que se rejeita,
constituindo-se em defesas bem-sucedidas. No entanto, desejos já reprimidos
no inconsciente (recalcados, diriam os franceses) não poderiam ser sublimados
e daí por que a sublimação haveria de ocorrer antes de qualquer repressão.
Ainda é pouco conhecido o malabarismo que o Ego faz para que isso possa
acontecer.

Basicamente, para haver sublimação será necessário que o instinto se


dessexualize ou perca a agressividade e se subordine à disciplina do Ego sem,
entretanto, estar reprimido e sim livre para a criação.

A verdadeira sublimação instalar-se-ia precocemente no momento mesmo das


primeiras excitações sexuais, portanto, na infância, conforme estudo de Freud
sobre Leonardo da Vinci.

Laplanche diz que a sublimação é uma das “cruzes” da psicanálise. Cruz, no


sentido de cruzamento e convergência de vários temas, e cruz, no sentido
mesmo das crucificações no passado, impostas como flagelo.
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A trajetória de Freud nesse terreno estaria repleta de hesitações e sua atitude
não teria sido nada confiante, pois ele foi remetendo para o futuro a melhor
compreensão da tese, não a alcançando no entanto.

No vocabulário de psicanálise, Laplanche e Pontalis assim a definem:


“Processo postulado por Freud para explicar atividades humanas
aparentemente sem relação com a sexualidade mas que encontraria sua
origem na força de pulsão sexual.

Freud descreveu como atividade de sublimação principalmente a atividade


artística e a investigação intelectual. Diz-se que a pulsão foi sublimada ma
medida em que ela é desviada para uma nova meta não sexual e visa objetos
socialmente valorizados”.

Na prática, muitas vezes, o que chamamos de sublimação na verdade são


mecanismos substitutivos da atividade sexual, não correspondentes, em sua
gênese, ao conceito original do termo. Por isso, sublimação não deve ser
confundido com os mecanismos da compensação, do deslocamento, da
substituição, das forças reativas ou com as fases de adaptação estudadas por
Erich Fromm.

Vínculos afetivos como os da ternura, camaradagem, amizade, sem objeto


sexual, apontam para a sublimação como relações humanas.

Interesses humanitários, amor universal, inspiração artística, obra literária, sem


repressão, apontam para a sublimação como criatividade.

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Terapia de Grupo e Análise do Ego

Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (Psicologia das Massas e a Análise do


Eu, no Brasil) é um livro de Sigmund Freud (1856-1939) publicado
originalmente em Leipzig, Viena e Zurique, 1921 com o título original de
Massenpsychologie Ich-Analyse, logo em seguida traduzido para inglês como
Group Psychology and the Analysis of the Ego por James Strachey. Souza,
2010 [1] comenta o estilo dialético de Freud nessa obra e adota a expressão
Psicologia das Massas em vez de Psicologia de Grupo.

A distinção entre a psicologia de grupo e das massas ou coletiva, que inclusive


faz parte da introdução do livro, é um tema ainda polêmico no âmbito da
psicologia social, que para uns limita-se ao estudo do processo grupal ou
dinâmica de grupo e para outros se estende à dimensão sociológica do sujeito
coletivo (sócio-histórico) ou à concepção de mente grupal (dinâmica de um
grupo como sujeito).

Dividido em 12 capítulos o livro Psicologia de Grupo ou das Massas e a Análise


do Ego inaugura a participação de Freud na insurgente escola de psicologia
social, retomando suas anteriores contribuições à antropologia realizada em
seu livro “Totem e tabu, alguns pontos de concordância entre a vida dos
selvagens e dos neuróticos” publicado em 1913 em diálogo com as sugestões
de Carl Gustav Jung (1875 - 1961) e a Volkerpsychologie (Psicologia dos
povos) de Wilhelm Wundt (1832-1920).

Assim subdivide-se o livro:

I – INTRODUÇÃO

II - A DESCRIÇÃO DE LE BON DA MENTE GRUPAL


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III - OUTRAS DESCRIÇÕES DA VIDA MENTAL COLETIVA

IV - SUGESTÃO E LIBIDO

V - DOIS GRUPOS ARTIFICIAIS: A IGREJA E O EXÉRCITO

VI - OUTROS PROBLEMAS E LINHAS DE TRABALHO

VII – IDENTIFICAÇÃO

VIII - ESTAR AMANDO E HIPNOSE

IX - O INSTINTO GREGÁRIO

X - O GRUPO E A HORDA PRIMEVA

XI - UMA GRADAÇÃO DIFERENCIADORA NO EGO

XII - PÓS-ESCRITO

Na introdução Freud [2] apresenta sua proposição, como referido, evidenciando


o aparente contraste entre a psicologia individual e a psicologia social
salientando a impossibilidade de uma separação entre estes campos. Coloca
como possibilidade o entendimento da psicologia individual como se limitando à
esfera subjetiva, mais especificamente ao universo do autismo e narcisismo.
Segundo Pichon – Riviére,[3], que dedicou um capítulo do seu livro "O
Processo Grupal" ao texto de Freud, na proposição freudiana as relações
sociais externas foram internalizadas, o que explica como, vínculos internos
que reproduzem no âmbito do ego relações grupais (ecológicas) ou estruturas
vinculares que incluem o sujeito e objeto e suas mútuas e permanentes inter-
relações dialéticas, evidenciando, a seu ver, que toda psicologia num sentido
estrito, é social.

Na descrição de Gustave Le Bon (1841-1931) da mente grupal apesar de


adotar e comentar a expressão massa analisando detalhadamente o
comportamento humano em grandes grupos amorfos ou multidão, a partir do
seu livro “La psychologie des foules” (1895), Freud nos remete aos princípios

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da determinação do inconsciente e vida instintual destacando a atenção que dá
aos processos de sugestão, e influência do líder.

É nos capítulos II e III, a partir das considerações de Le Bon sobre o prestígio


adquirido e pessoal dos líderes e posteriores observações sobre o modo como
se constitui o Ideal do Ego, a partir dos múltiplos grupos que freqüenta (raça,
classe, credo, nacionalidade, etc.) [4] que traz importante detalhamento
explicativo sobre os mecanismos da sugestão e fascinação da hipnose
consolidando como objeto a teoria psicanalítica os processos simbólicos em
vez dos psicofisiológicos inicialmente previstos na seu “Projeto de uma
Psicologia para neurólogos” como pode ser visto na análise que realiza sobre
hipnose ao longo dessa obra (em especial nos capítulos VIII, X e XII)

Sobre Hipnose
Freud, desde 1888, na resenha da tradução de ‘’De la suggestion et de ses
applications à la thérapeutique’’ (Paris: 1886; 2ª ed. 1887). de H. Bernheim [5]
comentava a divisão de opiniões sobre origem do fenômeno hipnótico. Para
Bernheim sua origem: é a "sugestão" de uma ideia consciente, que foi
introduzida, mediante uma influência externa. Essa ideia atua no cérebro da
pessoa hipnotizada como se tivesse surgido espontaneamente, instalando-se
assim o estado hipnótico. Bernheim considerava que todas as manifestações
hipnóticas seriam fenômenos psíquicos, efeitos de sugestões, mas discorreu
sobre a outra corrente que afirmava que o mecanismo, de pelo menos algumas
das manifestações do hipnotismo, se baseia em modificações fisiológicas
equivalentes à deslocamentos da excitabilidade no sistema nervoso, sem a
participação das partes do mesmo que operam com a consciência. Observe-se
que essa ideia do deslocamento, até então denominado como “transfert”,
posteriormente é empregado por Freud para explicar o trabalho de onírico de
produção de sonhos e controle do sono.

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Apesar de concordar com as ideias de Bernheim, como é sabido por
posteriores publicações, nesse momento Freud ainda contrapõe à proposição
deste às evidências da hipnose de animais por imobilização, de bebês e
crianças pequenas ao serem ninadas e de manifestações histéricas onde é
nítido o fenômeno da “transfert” ocasionando paralisias, agitação, anestesias e
contraturas, etc. explicadas por ele como estados hipnóides. Mesmo assim
registra a discrepância das teorias sobre os mecanismos fisiológicos da
hipnose que não seguem os padrões de sinais físicos especiais, estabelecidos
por Charcot (1825 - 1893) como a condição de natureza muito marcada (tais
como uma extraordinária hiperexcitabilidade neuromuscular, contraturas
sonambúlicas) e até mesmo da presenção do sono hipnótico, como observou
em seu trabalho com Josef Breuer (1842 - 1925) ao substituir essa etapa pelo
estado de concentração, tal como definiu.

Foi somente em 1921, neste livro, Psicologia de Grupo e a Análise do Ego que
se pronunciou, considerando inadequadas as teorias fisiológicas para
compreensão dos fenômenos hipnóticos, em todas as circunstâncias que este
se manifesta: condições patológicas, relações de poder nos tabus e rituais de
grupos primitivos, comportamento da imitação nas multidões, relação entre
amantes, relação entre pais e filhos, etc. Define basicamente a hipnose como
um processo de substituição do ideal do ego fornecendo exemplos
esclarecedores na formação grupal, condição de estar amando e hipnose como
dito.

Psicanálise/ terapia de grupo


Pode afirmar tranquilamente que esse livro é um textos básicos da psicoterapia
e psicanálise de grupo posteriormente desenvolvida por Wilfred Bion (1897 -
1979) e pelo dissidente da Psicanálise Alfred Adler (1870 - 1937) somando às

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contribuições do psicanalista americano Trigant L. Burrow (1875-1950) - autor
da expressão “Análise Grupal” - do psiquiatra Paul Schilder (1886 – 1940), do
médico romeno, criador do Psicodrama Jacob Levy Moreno (1889 - 1974) entre
outros. (Rattner, 1977) [6]

Para Bion a terapia de grupo tanto se refere ao tratamento de um número de


indivíduos (três pessoas no mínimo) reunidos para esse fim, como, no esforço
planejado para desenvolver atividades cooperativas, contra as quais
manifestam-se as forças do inconsciente [7] Ainda segundo esse autor grupos
sempre representam os conflitos da família primal nos processos de: (1)
dependência, (2) fuga e luta ou (3) construção de alianças (pares).

Sem dúvida é nesse livro de Freud, quando retoma as questões das


conjecturas de Darwin (1809—1882), sobre a horda primeva, apresentado
inicialmente no quarto ensaio de seu livro Totem e Tabu (1913-1914) que se
estabelece as questões da organização das pulsões do inconsciente e vida
instintual consolidando as hipóteses do complexo de Édipo tanto no ponto de
vista da antropologia como da clínica psicanalítica, tanto individual como, a
partir de então, de grupos.

O discurso do Outro

Discurso do Outro é uma expressão da pesquisa psicanalítica introduzido por


Jacques Lacan (1901-1981).

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O termo francês “Autre”, traduzido para o português como "Outro" relaciona-se
ao latim alter, de onde vem a palavra “alteridade”. Foi utilizado para diferenciar
de um outro que é semelhante ou próximo.

Quando Lacan apresentou o Outro (l’Autre ou A) como alteridade radical, ou


seja, distinto do outro (autre) que podemos entender como o próximo,
semelhante, estamos nos primeiros cinco anos de seu Seminário Público.[1]

Simbólico e imaginário

Tratava-se, então, de demarcar a diferença entre l’autre imaginário e l’Autre


simbólico. Diferença que ganhava relevo quando Lacan mostrava que, em
certas espécies animais, há dependência de uma imagem do semelhante para
que ocorram determinadas condutas. Entretanto, nos humanos, se depende de
uma ordenação simbólica. Esta ordenação acontece através do Outro
simbólico, como um lugar de registro, de inscrição, como um terceiro que
sustenta o reconhecimento da filiação, do laço social, ou seja, que permite
recuperar o que antecedeu ao sujeito.

A linguagem é um campo, um situs, um lugar[editar | editar código-fonte]

Lacan formulou a definição do Outro como “tesouro” dos significantes (isto é,


das palavras). Ele usava tesouro para diferenciar de código. Em um código, há
correspondência termo a termo isto é, cada palavra designa um significado
(relação unívoca). Nesse sentido, um código é circunscrito, limitado, completo.
A expressão tesouro dos significantes destaca o valor. Em Lingüística, valor é o
diferencial que caracteriza o significante: um significante se opõe aos outros,
assim como na relação em um par de significantes: um significante depois do
outro (S1-S2). Tesouro em economia é uma soma de valores que não pode ser
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avaliada senão em relação a outro valor. Oposição e diferença são descritores
fundamentais para definir o Outro. É nesse contexto de tesouro de significantes
que Lacan propõe que o inconsciente é o discurso do Outro.[2]

Negatividade

Podemos definir o Outro pelo que “ele não é” (estilo de definição chamado de
apofático): o Outro não é o semelhante. Mas quando se trata do conceito de
Outro, a negatividade lhe é própria. Em primeiro lugar, por não se apresentar
imediatamente aos sentidos (ver, ouvir, etc), não podemos ver nem escutar o
Outro. Mas a alteridade radical do Outro também se opõe aos fenômenos que
os sentidos criam, na medida em que as imagens podem ser efeitos de
projeções, elas guardam semelhança com o projetor. Assim, para definir o
Outro, será preciso abandonar uma descrição psicológica e buscar uma
aproximação lógica.

A definição do Outro como o que não é nem pode ser semelhante ao sujeito,
supõe que o Outro não pode ser um ser humano. Essa alteridade radical será o
nome de um campo ou lugar que não se situa na geografia, mas na linguagem.
É alteridade radical porque as palavras não se submetem ao domínio de um ou
outro falante. Usamos as palavras, mas esse uso não produz desgaste. A
linguagem é um terceiro que invocamos sempre que nos dirigimos ao próximo,
ao semelhante. Quando falamos, invocamos um lugar terceiro em relação ao
semelhante. Eu-tu-ele. Nesse ternário gramatical, falamos na primeira pessoa
com a segunda pessoa graças a um médio, um terceiro, que é a linguagem.
Mas esse terceiro não é um ele de carne e osso, mas uma referência, um meio,
algo que faz a mediação.

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Não há Outro do Outro
A partir dos Teoremas da Completude e Incompletude de Gödel (o valor
epistemológico da indecidibilidade), Lacan encontra uma explicação lógica para
a expressão “não há Autre de l’Autre”. O teorema de Gödel nos ensina que o
princípio ou a regra que organiza ou funda um conjunto está fora do conjunto.
Para que um conjunto seja consistente, é preciso que a regra que o organiza
seja externa ao conjunto. Ou seja, o conjunto consistente é incompleto, não
pode se completar, caso se complete, se torna inconsistente. Um jogo é
iniciado, por exemplo, jogo de futebol, com as regras definidas antes pela
estrutura do jogo. O sujeito se descobre, se dá por si, já no curso da vida. Não
somos a causa de nosso nascimento, o que nos causou ocorreu antes de
nosso nascimento e não podemos ser a causa de nos mesmos. Os paradoxos
nos apresentam figuras para mostrar essa dificuldade em delimitar o dentro e o
fora. Tomemos o paradoxo do barbeiro que barbeia a todos os homens que
não se barbeiam a si mesmos. Temos a delimitação do conjunto dos homens
que o barbeiro barbeia: os homens não se barbeiam a si mesmos. Assim, se o
barbeiro se barbear a si mesmo. Ele não fará parte do conjunto dos homens
que ele barbeia, pois em seu conjunto somente estão incluídos aqueles que
não se barbeiam a si mesmos. Há então uma continuidade ou uma abertura do
sistema.

Na lógica matemática, o negativo cumpre uma função para os sistemas


abertos, ao se situar como o que excede ou é exterior a um sistema. Dessa
forma, a negatividade pode ser analisada como um princípio fundante de um
sistema. Ao reconhecer que é como impossível que a lógica aborda o real,
Lacan aplicará instrumentos lógicos para circunscrever o real, ou seja,
identificar a homologia entre impossível lógico e os cortes no real ou três
formas de falta: Castração, Privação e Versagung.

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ESSÊNCIA E REGRA DA AUTO-ANÁLISE SISTEMÁTICA (Karen
Horney)

Visto como já examinamos o trabalho psicanalítico sob diversos pontos de


vista, e vimos, através de um exemplo extenso, o processo geral por que uma
pessoa se psicanalisa a si mesma, dificilmente será necessário – e parecerá
mesmo redundante – discutir sistematicamente a técnica da auto-análise. Os
comentários a seguir, portanto, apenas ressaltarão, certas considerações,
muitas das quais já mencionadas a outros respeitos, que merecem atenção
especial quanto se atua sobre o próprio eu.

Conforme vimos, o processo de livre associação, de auto-expressão franca e


sem reservas, é o ponto de partida e a base permanente de todo o trabalho
analítico – auto-análise ou análise profissional -, mas não é, de maneira
alguma, uma proeza fácil. Poderia imaginar-se que este processo fosse mais
simples quando se trabalha sozinho, porquanto, nesse caso, não há ninguém
para interpretar mal, criticar, intrometer-se ou revidar; além disso, não é tão
humilhante manifestar-se a respeito de coisas de que a gente possa
envergonhar-se. Até certo ponto isso é verdade, embora também seja verdade
que uma pessoa de fora, pelo simples fato de estar escutando, proporciona
estímulo e encorajamento. Não há dúvida alguma, porém, que quer se esteja
trabalhando só ou com um analista, os maiores obstáculos à livre expressão
estão sempre dentro da pessoa. Esta anseia tanto por ignorar

que pode esperar é uma certa aproximação do ideal das associações livres.
Em vista destas dificuldades, a pessoa que trabalha só deve lembrar-se, de
tempos em tempos, que estará agindo contra seus verdadeiros interesses se
deixar de lado ou eliminar qualquer idéia ou sentimento que venha à tona.
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Deve lembrar-se, igualmente, de que a responsabilidade é exclusivamente sua:
não há ninguém senão ela para adivinhar um elo que esteja faltando ou para
investigar acerca de um vácuo deixado em suspenso.

Este escrúpulo é particularmente importante com referência à expressão de


sentimentos. A este propósito, há dois preceitos que deve-se ter em mente.
Um, é o de que a pessoa deve procurar exprimir o que sente realmente, e não
o que deve sentir por força de tradições ou de seus próprios padrões morais.
Deve, ao menos, dar-se conta de que pode haver um hiato imenso e
significativo entre os sentimentos genuínos e os adotados artificialmente, e
deve perguntar-se, às vezes – não enquanto estiver associando, mas
posteriormente – o que sente deveras sobre o assunto. A outra regra é que
deve dar rédeas tão largas quanto possível a seus sentimentos. Isto, também,
é mais fácil de dizer do que de fazer. Pode parecer ridículo sentir-se
tremendamente magoado por uma ofensa aparentemente banal. Pode ser
incrível e desagradável desconfiar e odiar alguém que nos é muito chegado;
pode-se não ter dúvidas em admitir um esboço de irritação, mas achar-se
assustador constatar que a ira está deveras presente. Deve lembrar-se,
contudo, que, no que toca às conseqüências externas, nenhuma situação é
menos perigosa do que a da análise, para uma expressão real dos
sentimentos. Na análise só importa a conseqüência interior, e esta consiste em
identificar-se a intensidade total de um sentimento. Pois, em questão
psicológica, também, não se pode enforcar quem ainda não foi capturado.

Evidentemente, ninguém é capaz de desentocar à força sentimento que estão


reprimidos. Tudo o que qualquer um pode fazer é não refrear o que está ao seu
alcance. Com toda a boa vontade do mundo, Clara, no início de sua análise,
não teria podido sentir ou exprimir mais ressentimentos contra Peter do que o
fez, mas, à medida que a análise progrediu, tornou-se capaz de perceber a
intensidade real de seus sentimentos. Sob um certo ponto de vista, toda a

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evolução por que ela passou pode ser descrita como uma liberdade crescente
para perceber o que de fato sentia.

Mais uma palavra quanto à técnica da livre associação: é indispensável abster-


se de raciocinar enquanto se estiver associando. O raciocínio tem seu lugar na
análise e são muitas as oportunidades para utilizá-lo – depois. Mas, segundo já
foi acentuado, a essência mesma da livre associação é sua espontaneidade.
Por conseguinte, a pessoa que estiver tentando fazê-la, não deve procurar
chegar a uma solução raciocinada. Suponha-se, por exemplo, que você está
tão cansado e bambo que gostaria de arrastar-se até a cama e declarar-se
doente. Aí você olha para fora, da janela de um segundo andar, e dá tento de
que está pensando que se você caísse no máximo quebraria o braço. Isto o
espanta. Você não sabia que estava desesperado, tão desesperado a ponto de
querer morrer. A seguir, você ouve um rádio tocando no andar de cima, e
pensa, com uma certa irritação, que gostaria de dar um tiro no sujeito que está
ouvindo o rádio. Você conclui, com razão, que deve haver raiva, além de
desespero, no fato de sentir-se doente. Até aqui você vai indo bem. Você já se
sente menos paralisado, porquanto se está furioso com alguma coisa talvez
possa encontrar a razão para isso. Mas, aí você começa a pesquisar
conscientemente, num frenesi, o que é que pode tê-lo enfurecido. Examina
todos os incidentes que ocorreram antes de sentir-se tão cansado. É possível
que você atine com a provocação, mas o mais provável é que toda sua busca
consciente dê em nada – e que a causa real lhe ocorra meia hora mais tarde,
depois de você ter desanimado ante a futilidade de suas tentativas e de ter
desistido da investigação consciente.

Tão improdutivo quanto essas tentativas de forçar uma solução é o


procedimento de uma pessoa que, mesmo quando deixa a mente trabalhar em
liberdade, procura descobrir o significado de suas associações, ligando-as
umas às outras. Seja o que for que o leva a fazer isso, quer se trate de
impaciência, de uma necessidade de ser inteligente ou de um receio de dar
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saída a idéias e sentimentos incontroláveis, esta intromissão do raciocínio
propende a perturbar a situação de repouso necessária à livre associação. É
verdade que o significado de uma associação pode surgir espontaneamente. A
série de associações de Clara, que terminou com a letra do cântico religioso, é
um bom exemplo disto: as associações dela mostraram um grau crescente de
lucidez, apesar de não ter sido feito nenhum esforço consciente para entendê-
las. Por outras palavras, os dois processos – auto-expressão e compreensão

– as vezes podem coincidir. Sem embargo, no que toca a esforços conscientes,


eles devem ser conservados rigorosamente separados.

Se estabelecermos assim uma distinção clara entre a livre associação e a


compreensão, quando é que se pára de associar e tenta-se compreender?
Felizmente, não há regra alguma para isso. Enquanto os pensamentos
estiverem fluindo livremente, não há motivo para detê-los artificialmente: mais
cedo ou mais tarde, serão contidos por algo mais fortes do que eles mesmos.
Quiçá a pessoa chegue a um ponto onde se sinta curiosa de saber o que é que
tudo aquilo significa; toque, de repente, em uma corda emocional que prometa
lançar luz sobre algo que a incomoda; fique, simplesmente, sem idéias, o que
pode ser um sinal de resistência, mas também pode indicar que esgotou o
assunto, por enquanto; ou pode apenas dispor de tempo limitado e queira
ainda tentar interpretar suas anotações.

Quanto à compreensão das associações, é tão infinita a gama dos temas e


combinações de temas que pode apresentar-se, que não é possível fixar
quaisquer regras a respeito do significado dos elementos individuais dos
contextos individuais. Certos princípios fundamentais são estudados no que
tange à participação do analista no processo analítico; entretanto,
forçosamente muito é deixado a cargo da habilidade, presença de espírito e
capacidade de concentração de cada um. Por isso, limitar-me-ei a ampliar o
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que já foi dito, acrescentando algumas observações sobre o intuito que deve
presidir à interpretação.

Quando uma pessoa pára de associar e começa a examinar suas anotações,


com o fim de compreendê-las, seu método de trabalho deve mudar: em lugar
de ficar inteiramente passiva e receptiva ante tudo o que acontecer, tornar-se
ativa. Agora, o raciocínio dela entra em ação. Prefiro exprimir isso, entretanto,
de forma negativa: ela não mais exclui o raciocínio, pois mesmo agora ela não
o emprega com exclusividade. É difícil descrever exatamente a atitude que
deve ser adotada ao procurar apreender o significado de uma série de
associações. Por certo, o processo não deve degenerar em um mero exercício
intelectual. Se quiser isso, será melhor jogar xadrez, prever a evolução da
política mundial, ou dedicar-se a palavras cruzadas. Um esforço para conceber
interpretações perfeitamente escorreitas, sem perder nenhuma conotação
possível, talvez gratifique-lhe a vaidade, demonstrando a superioridade de sua
inteligência, mas dificilmente a levará mais próximo de uma verdadeira
compreensão de si mesma. Um esforço assim chega mesmo a oferecer algum
perigo, pois pode impedir o progresso ao produzir uma confortável impressão
de “eu-sei-tudo”, enquanto, de fato, ela apenas catalogou dados isolados sem
ter sido tocada por coisa alguma.

O outro extremo, um “insight” meramente emocional, é bem mais valioso. Se


não for posteriormente aperfeiçoado, tampouco é o ideal a atingir, porquanto
deixa fugir muitas pistas significativas, malgrado não estejam ainda nítidas de
todo. Mas, consoante vimos na análise de Clara, um “insight” deste gênero
pode pôr alguma coisa em marcha. No início do trabalho, ela teve uma
sensação intensa de estar extraviada, decorrente do sonho com a cidade
estrangeira; foi mencionado, então, que embora seja impossível verificar se
essa experiência emocional teve qualquer repercussão ulterior na análise, a
inquietação resultante pode ter afrouxado o tabu rígido que ela possuía face
aos vínculos complexos que a prendiam a Peter. Outro caso ocorreu perante a
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batalha final de Clara contra sua dependência, quando sentiu franca resistência
a governar a própria vida; ela, então, não tinha a menor noção intelectual do
significado deste “insight” emocional, e, no entanto, ajudou-a a sair de um
estado de impotência letárgica.

Em vez de desejar produzir uma obra-prima científica, a pessoa que está


trabalhando sozinha deve deixar sua interpretação ser dirigida por seu
interesse. Deve simplesmente ir empós daquilo que lhe atrai a atenção, que lhe
desperta a curiosidade, que toca uma corda emocional em seu íntimo. Se for
suficientemente flexível para deixar-se guiar por seu interesse espontâneo,
pode ficar razoavelmente certa de que intuitivamente escolherá os assuntos
que, no momento, lhe forem mais acessíveis à compreensão, ou que se
enquadrarão no problema em que ela estiver trabalhando.

Presumo que este conselho suscitará algumas dúvidas. Não estarei advogando
uma excessiva tolerância? Será que o interesse do indivíduo não o levará a
escolher assuntos com os quis está familiarizado? Não significará isto ceder
ante as resistências? Isto será estudado. Como lidar com as resistências, basta
dizer, aqui, que é verdade que deixar-se levar pelos próprios interesses,
significa adotar o caminho de menor resistência. Mas, a menor resistência não
quer dizer a mesma coisa que nenhuma resistência. O princípio significa,
essencialmente, a busca dos assuntos que, no momento, são os menos
reprimidos. E é este, exatamente, o princípio que o analista aplica quando
apresenta suas interpretações. Ele, como já foi salientado, escolhe para
interpretar os fatores que, segundo crê, o paciente pode apreender
perfeitamente na ocasião, e renuncia a aventurar-se por problemas que ainda
estão muito reprimidos.

Toda a auto-análise de Clara ilustra a validade deste procedimento.


Aparentemente sem querer, nunca se deu ao trabalho de atacar nenhum
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problema que não evocasse uma reação nela, mesmo que estivesse
praticamente “na cara”. Sem nada saber acerca do princípio de orientação pelo
interesse, intuitivamente o aplicou através de todo seu trabalho, e isso foi-lhe
muito útil. Um exemplo pode representar muitos. Na série de associações que
concluiu com o primeiro aparecimento do devaneio sobre o grande homem,
Clara identificou somente o papel desempenhado em sua relação pela
necessidade de proteção. As sugestões referentes a suas outras expectativas
dos homens, foram por ela postas de lado inteiramente, malgrado fossem
óbvias e se destacassem no devaneio. Esta escolha intuitiva levou-a a adotar a
melhor linha de ação possível. Ela absolutamente não avançou por terreno
conhecido: a descoberta de que a necessidade de proteção era parte
integrante de seu “amor”, foi uma descoberta de um fator até então
desconhecido. Portanto, conforme deve estar ainda na lembrança do leitor,
esta descoberta constitui a primeira incursão contra sua ilusão querida de
“amor”, o que foi, por si mesmo, um passo penoso e incisivo. Tomar, ao mesmo
tempo, o problema agravante de sua atitude parasitária com relação aos
homens, teria sido certamente por demais árduo, a menos que o tratasse de
forma superficial. Isto leva-nos a um último pormenor: não é possível absorver
mais do que um “insight” importante de cada vez. A tentativa de fazê-lo será
nociva a ambos, ou a todos eles. Qualquer “insight” relevante requer tempo e
concentração total, para que possa “assentar” e enraizar-se.

A compreensão de uma série de associações exige flexibilidade, não só na


direção do trabalho, como acabamos de ver, mas também no modo de abordar.
Por outras palavras, na seleção de problemas a gente deve orientar-se pelos
interesses emocionais espontâneos, bem como pela inteligência; também no
estudo dos problemas que aparecem, deve-se passar com facilidade do
pensamento deliberado para a apreensão intuitiva das ligações. Este último
requisito pode ser comparado à atitude necessária quando se estuda uma
pintura: pensamos a respeito da composição, da combinação de cores, das
pinceladas e de coisas do mesmo jaez, mas também levamos em conta as
reações emocionais provocadas em nós pela pintura. Isto corresponde,
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igualmente, à atitude que o analista adota face às associações de um paciente.
Enquanto estou escutando o que o paciente me diz, às vezes medito
intensamente sobre possíveis significados, chegando a uma conjetura só por
deixar a conversa do paciente agir sobre minhas faculdades intuitivas. A
verificação de qualquer conclusão, contudo, não importa como se tenha
chegado a ela, sempre impõe completa atenção intelectual.

Uma pessoa pode achar, naturalmente, que em uma série de associações


nada lhe desperta o interesse em particular; ela apenas vê uma ou outra
possibilidade, mas nada de esclarecedor. Ou, no extremo oposto, pode achar
que mesmo que se detenha em uma conexão, certos outros elementos
também a impressionam. Em ambos os casos, será bom que anote à margem
as questões deixadas em suspenso. Talvez no futuro, ao recapitular suas
anotações, as possibilidades meramente teóricas tenham algum significado
para ela, ou as perguntas guardadas possam ser agora examinadas em maior
detalhe.

Há, ainda, um último escolho a ser citado: nunca aceite mais do que você pode
acreditar deveras. Este perigo é maior na análise regular, especialmente se o
paciente é daqueles que tendem a concordar com afirmações peremptórias.
Mas também pode desempenhar um papel quando a pessoa confia em seus
próprios recursos. Ela pode sentir obrigada, por exemplo, a aceitar o que quer
que de “mau” surja a seu respeito, e a desconfiar de uma “resistência” caso
hesite em fazê-lo. Ficará mais garantida, porém, se encarar sua interpretação
como simples tentativa, sem procurar convencer-se de que é definitiva. A
essência da análise é a verdade, e isto deve aplicar-se igualmente à aceitação
ou não das interpretações.

O perigo de fazer uma interpretação desorientadora, ou pelo menos improfícua


nunca pode ser eliminado, mas não se precisa temer isso excessivamente. Se
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a pessoa não baqueia, mas prossegue dentro da mentalidade certa, mais cedo
ou mais tarde aparecerá uma trilha mais proveitosa, ou então se dará conta de
estar em um beco sem saída e talvez até aprenda alguma coisa com essa
experiência. Clara, por exemplo, antes de empenhar-se na análise de sua
dependência, passara uns dois meses escavando à procura de uma suposta
necessidade de impor sua vontade. Graças aos dados que surgiram
posteriormente, podemos entender porque ela se deixou arrastar naquela
direção. Ela me contou, todavia, que durante essas tentativas nunca tivera uma
convicção nem de longe semelhante às que sentiu mais tarde, durante o
período relatado. Ademais, o fato de Peter censura-la frequentemente por ser
dominadora. Isto ilustra dois pontos acima assimilados: a importância de seguir
os próprios interesses, e a de não aceitar nada sem plena convicção.
Conquanto esta busca inicial de Clara tenha se traduzido por um desperdício
de tempo, deu em nada sem prejuízo algum, e não a impediu de realizar
trabalho altamente construtivo mais tarde.

O caráter construtivo do trabalho de Clara deveu-se não só à conexão


intrínseca das interpretações dela, mas igualmente ao fato de sua análise,
naquele período, mostrar um notável grau de continuidade. Sem pretender
concentrar-se em um problema – por longo tempo ela nem soube qual era –
tudo em que ela se embrenhava acabava sendo uma contribuição para o
problema de sua dependência. Esta constante concentração inconsciente em
um único problema, que a levou a abordá-lo inexoravelmente de ângulos
sempre novos, é conveniente, mas raramente conseguida na mesma medida.
Podemos explicá-la, no caso de Clara, por estar ela vivendo, na época, sob
uma pressão formidável – cuja intensidade só reconheceu perfeitamente mais
tarde – e, daí, inconscientemente, aplicar todas suas energias na resolução de
problemas que contribuíam para esta. Uma situação assim compulsória não
pode ser criada artificialmente; quanto mais absorvente for o interesse da
pessoa em um problema, porém, tanto mais próxima desta será a
concentração conseguida.

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A auto-análise de Clara ilustra muito bem as três etapas da análise:
identificação de uma tendência neurótica, compreensão de suas implicações, e
descobrimento de suas inter-relações com outras tendências neuróticas. Na
análise de Clara, como sói ocorrer muitas vezes, as etapas recobriram-se até
certo ponto: ela identificou muitas das implicações, antes de finalmente
localizar a própria tendência. Tampouco fez qualquer esforço para executar
qualquer etapa definida em sua análise: ela não se dispôs deliberadamente a
descobrir uma tendência neurótica, nem examinou deliberadamente as
ligações entre sua dependência e sua modéstia compulsiva. A identificação da
tendência veio por si mesma; e, analogamente, os elos de conexão entre as
duas tendências tornaram-se cada vez mais visíveis, quase que
automaticamente, à proporção que o trabalho analítico foi progredindo. Por
outras palavras, Clara não escolheu os problemas – pelo menos
conscientemente – mas os problemas vieram a ela, e ao se exibirem revelaram
uma continuidade orgânica.

Houve, na análise de Clara, uma continuidade de outra espécie, ainda mais


importante, e mais possível de ser emulada; em nenhum momento houve
qualquer “insight” que ficasse isolado ou desligado. O que vimos desenvolver-
se, não foi um acúmulo de “insights”, mas sim uma configuração estrutural.
Mesmo que cada “insight” de per si, que o indivíduo obtenha esteja certo, ele
ainda pode privar-se dos maiores benefícios do trabalho se os
“insights”permanecerem dispersos.

Portanto, Clara, após reconhecer que se deixara afundar na desgraça porque


secretamente acreditava que com isso poderia obter ajuda, podia ter-se
limitado a localizar a origem dessa tendência na infância e a encará-la como
uma crença infantil persistente. Isso talvez lhe ajudasse um pouco, por que
ninguém gosta realmente de ser desgraçado sem uma boa razão; na vez

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seguinte em que se visse sucumbindo ante uma crise de desgraça, talvez se
sentisse desprevenida. Mas, na melhor hipótese, essa sua maneira de tratar o
“insight” teria diminuído, com o passar do tempo, os ataques flagrantes de
infelicidade exagerada. E esses ataques não eram a expressão mais
importante da tendência. Ou então, ela poderia não ter ido além da etapa
seguinte, de ligar sua descoberta com sua real falta de agressividade e de
reconhecer que sua crença em ajuda mágica podia substituir uma forma ativa
de enfrentar as dificuldades da vida. Isto, embora ainda inadequado, teria
auxiliado bem mais, porque teria aberto um novo incentivo para pôr fim a toda
atitude de impotência que se ocultava por detrás daquela crença. Mas, se ela
não tivesse associado a crença na ajuda mágica com sua dependência, e visto
uma como parte integrante da outra, não teria podido superar completamente a
crença, porque faria sempre a restrição inconsciente de que se ao menos
pudesse encontrar o “amor” permanente, sempre poderia contar com ajuda. Foi
só porque viu essa conexão, e reconheceu a falácia de uma tal expectativa e o
tremendo preço que tinha de pagar por ela, que a introvisão teve o efeito
radicalmente libertador.

Assim, não é absolutamente uma questão puramente de interesse teórico uma


pessoa descobrir como um traço de personalidade está implantado em sua
estrutura, com múltiplas raízes e efeitos; também é da máxima importância
terapêutica. Este requisito pode ser expresso em termos familiares de
dinâmica: é preciso conhecer-se a dinâmica de uma tendência antes de poder
mudá-la. Mas, esta palavra é como uma moeda que com o uso vai ficando fina
e um tanto gasta. Além do mais, sugere comumente a idéia de forças
impulsoras, e pode ser interpretada aqui como significando que se deve
apenas procurar essas forças, quer nos primeiros anos da infância quer no
presente. Neste caso, a noção de dinâmica seria enganosa, porquanto a
influência que uma tendência exerce na totalidade da personalidade é tão
importante quanto os fatores que determinam sua existência.

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Não é de modo algum somente em questões psicológicas que é essencial esta
percepção das inter-relações estruturais. As considerações por mim
salientadas aplicam-se com o mesmo peso, por exemplo, às questões de
doença orgânica. Nenhum bom médico considerará uma doença do coração
como um fenômeno isolado. Ele também levará em conta como o coração é
influenciado por outros órgãos, como os rins e os pulmões. E ele deve saber
que o estado do coração, por sua vez, afeta outros sistemas do corpo: por
exemplo, a circulação do sangue ou o trabalho do fígado. Seu conhecimento
das influências dessa ordem irão auxiliá-lo a entender a intensidade da
perturbação.

Se é assim essencial, no trabalho analítico, não perder-se em detalhes


dispersos, como se pode conseguir a desejada continuidade? Teoricamente, a
resposta está implícita nos parágrafos precedentes. Se uma pessoa fez uma
observação pertinente ou conseguiu um “insight”, deve examinar como a
peculiaridade desvendada manifesta-se em várias áreas, quais as suas
conseqüências e quais os fatores de sua personalidade por ela responsáveis.
Isto, porém, pode ser encarado como uma afirmação assaz imaginária. Deve-
se ter em mente, entretanto, que qualquer exemplo sumário necessariamente
dá a impressão de uma clareza e simplicidade que na realidade não existem.
Ademais, um exemplo desses, destinado a mostrar a variedade de fatores a
serem identificados, não pode indicar as experiências emocionais que a pessoa
tem ao analisar-se e, por conseguinte, só dá uma imagem unilateral e supra-
racionalizada.

Tendo em mente estas restrições, suponhamos uma pessoa que observou que,
em dadas situações em que gostaria de participar de discussões, fica com a
língua presa porque receia as possíveis críticas. Se ela permitir esta
observação arraigar-se em si, começará a matutar acerca do receio em
questão, visto como não é proporcional a qualquer risco real. Pensará porque o
medo é tão grande que lhe impede não só de exprimir suas idéias, mas
também de pensar claramente. Perguntar-se-á se o medo é maior do que sua

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ambição, e se é maior do que quaisquer considerações de ordem prática, que,
pelo bem de sua carreira, tornem conveniente causar uma boa impressão.

Tendo obtido assim um interesse pelo problema, procurará verificar se


dificuldades semelhantes fazem-se sentir em outros setores de sua vida e, em
caso afirmativo, de que forma se revestem. Examinará suas relações com
mulheres: será que ele é tímido demais para aproximar-se delas receando que
encontrem defeitos nele? E que dizer de sua vida sexual? Esteve impotente
durante algum tempo por não poder esquecer-se de um insucesso? Reluta em
ir a Festas? Como é que age quanto a compras? Dá gorjetas exageradas
porque teme que, de outra forma, o vendedor o considere sovina? Ainda mais,
quão vulnerável é ele exatamente com relação a críticas? O que basta para
deixá-lo embaraçado ou para fazê-lo sentir-se melindrado? Ele fica magoado
quando sua esposa critica abertamente sua gravata ou fica incomodado
quando ela apenas elogia João por combinar sempre a gravata com as meias?

Essas considerações dar-lhe-ão uma impressão da intensidade e extensão de


sua dificuldade e de suas várias manifestações. Quererá saber, então, como é
que ela afeta sua vida. Já sabe que o deixa inibido em muitos setores. Ele não
pode afirmar-se; é muito complacente com o que os outros esperam dele;
portanto, nunca pode ser ele mesmo, mas sim tem que desempenhar
automaticamente um certo papel. Isto o deixa ressentido contra os demais, pois
parecem dominá-lo, além de rebaixar seu amor-próprio.

Finalmente, procura os fatores responsáveis pela dificuldade. O que o deixou


tão receoso de críticas? Pode recordar-se de que seus pais fizeram-no apegar-
se a padrões muitos severos, e pode lembrar-se de uma série de incidentes em
que foi repreendido ou em que o fizeram sentir-se deslocado. Mas também terá
de pensar em todos os pontos fracos de sua verdadeira personalidade que, em
sua totalidade, tornam-no dependente dos outros e, por isso, fazem-no
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considerar a opinião que fazem dele como da máxima importância. Se puder
encontrar respostas para todas essas perguntas, seu reconhecimento de que
teme as críticas não mais será um “insight” isolado, mas verá a relação deste
traço com toda a estrutura de sua personalidade.

Pode bem ser perguntado se com este exemplo eu quero dizer que uma
pessoa que haja descoberto um novo fator deve deliberadamente esquadrinhar
suas experiências e seus sentimentos das várias maneiras indicadas. Por certo
que não, pois um procedimento desses envolveria o mesmo perigo de um
domínio meramente intelectual, que já foi discutido. Pelo contrário, ela deve
assegurar-se um período de contemplação. Deve meditar sobre sua
descoberta mais ou menos da forma que um arqueólogo que descobriu uma
estátua enterrada, muito mutilada, olha seu tesouro de todos os ângulos até
que as formas originais revelem-se à sua mente. Qualquer fator novo que a
pessoa identifique é como a luz de um projetor voltada para certos domínios de
sua vida, iluminando pontos que até então haviam permanecidos no escuro.
Ela quase não é obrigada a vê-los, se ao menos estiver verdadeiramente
interessada em conhecer-se. Estes são pontos em que a orientação de um
especialista seria particularmente útil. Nessas ocasiões, um analista ajudaria
efetivamente o paciente a ver o significado da descoberta, fazendo uma ou
outra pergunta sugerida por ele e ligando-a a descobertas anteriores. Quando
não se dispõe de um auxílio exterior desses, a melhor coisa a fazer é abster-se
de prosseguir correndo na análise, recordando que um novo “insight” significa a
conquista de território novo, e procurando beneficiar-se dessa conquista
consolidando a vantagem obtida. Podemos estar bem certos de que a razão
pela qual as pessoas interessadas não atinaram com essas perguntas, foi
somente por ter o seu interesse acabado com o afastamento de suas
dificuldades imediatas.

Se perguntássemos a Clara como foi que conseguiu tão notável continuidade


em sua análise, provavelmente ela daria a mesma resposta dada por uma boa
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cozinheira quando lhe é pedida uma receita: a resposta, em suma, é que segue
seu “instinto”. No caso da análise, contudo, essa resposta não é tão satisfatória
como no de uma omelete. Ninguém pode tomar por empréstimo os “instintos”
de Clara, mas todos possuem seus “instintos” próprios pelos quais se podem
guiar. E isso traz-nos de volta a algo que foi discutido acima, ao tratarmos da
interpretação de associações; é útil ter uma noção daquilo que se está
procurando, mas a procura deve ser dirigida pela iniciativa e pelo interesse da
própria pessoa. Deve-se aceitar o fato de que se é um ser humano, movido por
necessidade.

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O PAPEL DO PSICANALISTA NO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO
Thomas
Freeman

A psicanálise é geralmente considerada como um método de tratamento que


tem sua melhor aplicação em certos tipos de neurose. Tais estados se
encontram em contraste com os que são mais comumente achados nos
hospitais psiquiátricos. Os casos de neuroses que lá encontramos são
caracterizados por sintomas tão graves, que impedem o paciente de levar uma
vida normal, com seus compromissos em relação ao lar e ao trabalho. Os
hospitais psiquiátricos são também ocupados por pacientes que sofrem de
formas diferentes de perturbação mental – as psicoses orgânicas e funcionais.
Tais pacientes não se consideram enfermos. O observador imparcial pode,
justificadamente, perguntar: o que pode um psicanalista fazer de útil se estiver
trabalhando num hospital psiquiátrico, confrontado com várias centenas de
pacientes cujas condições são geralmente consideradas inadequadas para seu
método de tratamento? Que contribuição pode ele prestar à terapia e ao
tratamento?

O propósito desta palestra é tentar responder a estas perguntas. Antes de fazê-


lo, contudo, é necessário relembrar que, para desordens mentais graves, não
dispomos, até o momento, de nenhum tratamento etiologicamente
fundamentado. Os atuais métodos físicos de tratamento, que incluem a terapia
de eletrochoque e as várias drogas tranqüilizantes e anti-depressivas, são
medidas sintomáticas. Não combatem as causas do funcionamento mental
anormal, mas apenas mantêm sob controle as manifestações clínicas mais
perturbadoras. É quase impossível predizer seu efeito no caso individual, e o
tratamento do paciente não pode se basear inteiramente em sua aplicação. Isto
implica em que estas medidas físicas só podem ser encaradas como um dos
aspectos da abordagem terapêutica. Outras considerações devem ser levadas

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em conta quando se planeja o tratamento de um paciente. É aqui que a
psicanálise tem um papel a desempenhar.

Antes de apresentar um relato acerca do que a psicanálise e o psicanalista têm


a oferecer à clínica do hospital psiquiátrico, ou de detalhar as dificuldades que
tais empreendimentos acarretam, é necessário oferecer uma definição
operante da psicanálise. Não é ela apenas um método especial de
psicoterapia, mas oferece uma série de conceitos e hipóteses, cujo propósito é
explicar como e porque surgem os sintomas e sinais das diferentes doenças
mentais. Os conceitos psicanalíticos são de dois tipos: primeiro, os conceitos
descritivos que identificam os fenômenos clínicos específicos; segundo, os
conceitos explanatórios que fornecem uma descrição de como surgem certos
fenômenos. Exemplo dos primeiros é o fenômeno da resistência, que
inevitavelmente aparece no tratamento de uma doença psiconeurótica; uma
ilustração do segundo é fornecida pelo conceito das repressões. Este conceito
oferece uma explicação de porque certos pensamentos, desejos ou
lembranças são automaticamente afastados da consciência e não podem ser
trazidos de volta quando se quer. O emprego desse tipo de conceitos permite
que se realize uma comunicação entre aqueles que se acham diretamente
interessados no cuidado e no tratamento do paciente.

Uma apreciação completa do modo pelo qual o psicanalista pode influenciar


beneficamente a doença de um paciente é inteiramente impossível, sem que se
tenha uma certa familiaridade com as principais características da teoria
psicanalítica da formação do sintoma. A psicanálise oferece uma teoria
desenvolvimental do funcionamento mental. Os processos mentais são
encarados como simples e não organizados ao nascimento, mas, à medida que
o indivíduo cresce, eles se tornam complexos e integrados. Na doença mental,
há uma perda das capacidades psicológicas mais avançadas e estas são
substituídas por funções que foram outrora apropriadas para um estágio
primitivo do desenvolvimento mental. É muito comum, por exemplo, que a
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criança fique com medo quando está sozinha. Há certas formas de neurose
nas quais o paciente se sente aterrorizado por ser deixado sozinho em casa o
por achar-se só na rua. Aqui, pareceria que a capacidade adulta de
independência e autoconfiança foi perdida e substituída por um estado mental
que fora outrora apropriado para a infância. Esta teoria que tenta explicar os
sintomas mentais como sendo, primeiro, a perda das capacidades adultas e,
segundo, a sua substituição por atividades apropriadas a estágios primitivos da
vida mental, baseia-se principalmente em idéias apresentadas por Hughlings
Jackson, médico inglês do século XIX, a fim de explicar a modalidade de
origem dos sintomas da doença neurótica. Ele, por sua vez, derivava sua teoria
da evolução e dissolução do distúrbio nervoso da obra do filósofo inglês
Herbert Spencer.

Em termos simples, então, os sinais e sintomas das moléstias neuróticas e


psicóticas são de dois tipos. Uma das categorias consiste nas capacidades e
habilidades que foram perdidas. A segunda categoria abrange todos os
pensamentos, idéias, emoções e experiências subjetivas inapropriadas e
irracionais, que se achavam ausentes antes do desencadeamento da doença.
Em perturbações mentais como a esquizofrenia e as melancolias, o paciente
perdeu o uso de várias das funções mentais necessárias a uma adaptação
ambiental satisfatória. A fala, o pensamento voltado para a realidade, a
capacidade de concentração, os poderes perceptivos e a memória podem estar
desorganizados. A psicanálise descreveu todas estas funções cognitivas
altamente desenvolvidas, tal como operam no indivíduo sadio, juntamente com
o conceito do ego, e constrastou-as com os processos inorganizados e
indiferenciados do id.

Os pacientes psicóticos perdem a capacidade se relacionar com os outros, e


esta perturbação nos relacionamentos é uma característica marcante de tais
estados. O paciente pode tornar-se insensível, abstraído e indiferente quanto
aos que o cercam. Além dessas mudanças, o paciente apresenta um grande
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número de manifestações novas e fora do comum. Nutre idéias irracionais que
insiste serem corretas, apesar das contradições apresentadas pela realidade.
Pode experimentar falsas percepções (alucinações) e seu pensamento assume
uma qualidade mágica; os desejos, bons ou maus, tornam-se realidade. Esses
fenômenos delirantes e alucinatórios assumem agora, para o paciente, uma
importância maior que o mundo da realidade. Os objetos fantasiosos dos
delírios e das alucinações parecem substituir as antigas relações com pessoas
reais. Há breves ocasiões, entretanto, em que o paciente parece recuperar sua
antiga capacidade de relacionar-se com os outros, e isto proporciona uma
oportunidade para a intervenção terapêutica. Os psicanalistas acreditam que a
nova realidade do paciente é a expressão de uma realidade psíquica exposta
pela doença. Sua segunda realidade, ou realidade psíquica, permanece
reprimida no indivíduo sadio.

Novas manifestações aparecem também na vida instintiva do paciente. Em


situações onde antes pode ter sido gentil e atencioso, torna-se agora
impulsivamente agressivo. Muito amiúde há uma grande ansiedade quanto à
sua identidade sexual. Teme estar mudando de sexo; pode notar sinais disso
em seu corpo e obter confirmação nas atitudes dos que o cercam. Torna-se
preocupado com o homossexualismo e pode realmente experimentar
sentimentos homossexuais. Surgem também outros fenômenos que não se
necessita examinar aqui.

No caso das neuroses graves, os pacientes não apresentam a ampla perda


das funções mentais característica do paciente que sofre de uma psicose. Eles
mantêm a capacidade de se comunicar através da fala e, assim, podem
adaptar-se facilmente ao ambiente hospitalar, sabendo-se doentes. Acham-se
perturbados, primordialmente, em seu relacionamento com os outros.
Entretanto, a natureza desse distúrbio é quase qualitativamente distinta
daquela do paciente psicótico. O paciente neurótico não se afasta dos outros,
nem usa como substituto uma realidade falsa constituída por objetos de delírio,
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como faz o paciente psicótico. Ele se apega ainda mais às pessoas que o
cercam, mas este apegamento é de um tipo muito especial. Ele não pode
existir sem seus objetos (empregando um termo psicanalítico) e lhes faz
grandes exigências. É aqui que se pode notar indicações de atitudes mentais
que, embora novas na vida adulta, caracterizaram outrora o comportamento da
primeira infância posterior. É esta perturbação das relações interpessoais que
frequentemente conduz à hospitalização, uma vez que os que cercam o
paciente são incapazes de fornecer-lhe a segurança e a satisfação pelas quais
está se esforçando.

A posição psicanalítica é a de que em ambas as categorias de enfermidade –


na neurose e na psicose – há, em diferentes graus, uma perda das funções
mentais adultas e sua substituição por atitudes, sentimentos, desejos e idéias
apropriados a fases iniciais do desenvolvimento infantil. A psicanálise utiliza o
conceito de regressão para descrever este movimento para trás da vida mental,
de um estado mais adiantado para outro menos adiantado. Na psicose, ocorre
também algo mais. A forma pela qual o mundo e os que nele se acham são
percebidos pelo paciente não é semelhante a nada que já tenha sido
experimentado, mesmo na infância. É como se uma espécie de função mental
irrompesse

na consciência, possuindo características semelhantes aos sonhos do


indivíduo sadio. No entanto, o fato decisivo para o psicanalista é que, mesmo
na psicose, a totalidade da vida mental não é desorganizada pela doença. A
regressão – o movimento para trás – do funcionamento mental e a
desorganização do ego não são completas. Há sempre uma certa capacidade
para estabelecer relacionamentos e resquícios de um funcionamento cognitivo
sadio, mesmo nos pacientes mais perturbados. No caso da neurose, o
problema é diferente. O paciente pode relacionar-se com o psicanalista,
psiquiatra ou enfermo, mas a qualidade do relacionamento nem sempre auxilia
os esforços terapêuticos.
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Quando a psicanálise pela primeira vez se defrontou inicialmente com
desordens mentais que exigiam hospitalização, o principal interesse dos
clínicos foi descobrir até que ponto o método era aplicável a tais condições.
Relatos de esforços terapêuticos surgem na literatura psicanalítica inicial. Em
1926, foi criado na Alemanha um hospital psicanalítico, onde pacientes
psicóticos, viciados em drogas e neuróticos graves podiam ser tratados.

Logo tornou-se aparente (Simmel, 1929) que o tratamento psicanalítico de


pacientes gravemente enfermos era um empreendimento muito mais
complicado e difícil que a psicanálise das neuroses. Era necessário fornecer
condições que assimilassem prontamente os concomitantes afetivos da doença
e da terapia, os quais se entrelaçavam rapidamente. As reações ao
psicanalista, descritas através do conceito de transferência, não se confinavam
ao consultório, apesar da interpretação, mas estendiam-se facilmente a outros
membros da equipe hospitalar e a outros pacientes. Vínculos intensos e
ambivalentes desenvolviam-se com a equipe de enfermagem, vínculos
excluídos da situação de tratamento.

A fim de lidar com esses problemas, teve que ser estabelecido um estreito
contato entre o psicanalista e a equipe de enfermagem. O intercâmbio de
informações que se realizava em tais reuniões possuía o efeito de fazer o
pessoal do hospital compreender que a conduta do paciente no hospital era,
acima de tudo, devida à repetição de relacionamentos infantis emocionalmente
carregados, isto é, transferências. Este conhecimento possibilitou que
atendentes e enfermeiros encarassem o paciente e suas reações com o
hospital sob um novo ângulo.

A possibilidade de utilizar o método psicanalítico com pacientes hospitalizados


foi rapidamente aproveitada por psiquiatras americanos. De fato, Sullivan
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(1932), no Sheppard and Enoch Pratt Hospital, em Baltimore, estava tratando
de pacientes esquizofrênicos através de uma psicoterapia baseada na
psicanálise, contemporaneamente às tentativas que se faziam na Alemanha.
Sullivan reconheceu a necessidade de a equipe de enfermagem receber um
treinamento especial, se é que se pretendia que seus membros fizessem uma
contribuição máxima ao regime de tratamento. Ele se achava à vanguarda
daqueles que não apenas discerniam o potencial terapêutico do enfermeiro,
mas também reconheciam a necessidade de tornar explícita a maneira pela
qual este potencial deveria ser objetivado.

Poucos anos mais tarde, esforços sérios de tratar pacientes esquizofrênicos


por meio da psicanálise foram colocados em prática na Menninger Clinic, em
Chericolt Lodge, e em um ou dois hospitais psiquiátricos norte-americanos.
Desde então, criou-se uma literatura ampla, que fornece detalhes acerca dos
meios pelos quais os pacientes podem ser psicanaliticamente abordados. Foi
dada atenção às modificações da técnica de tratamento e dispensou-se
consideração especial aos modos pelos quais os pacientes devem ser
manejados no decurso do tratamento.

Foi no decorrer desses esforços pioneiros que se tornou aparente o potencial


terapêutico da comunidade hospitalar. O efeito benéfico da hospitalização fora
observado em ocasiões anteriores, mas foi somente durante o tratamento
psicanalítico de pacientes internados que se tornou possível conceptualizar, ou
seja, tornar explícito, o que conduzia à melhora clínica. Achava-se agora ao
alcance do psiquiatra identificar e descrever as causas daquilo que antes se
pensava serem recuperações espontâneas e, além disso, criar as condições
que facilitassem tais desenvolvimentos. Já em 1936 William Menninger
propunha que programas especiais de terapia ocupacional fossem preparados
para cada paciente, programas esses baseados nos problemas centrais que
haviam formado a predisposição à doença.

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Tais programas baseavam-se num reconhecimento da influência terapêutica
que o enfermeiro e terapeutas ocupacionais e recreacionais podiam exercer
sobre o paciente, em resultado do relacionamento surgido da missão instrutiva.
Eles foram entusiasticamente adotados por um certo número de hospitais
americanos antes de 1939, e demonstraram que a introdução da psicanálise no
hospital psiquiátrico possuía implicações muito mais amplas do que
simplesmente o tratamento intensivo de um pequeno número de pacientes.
Demonstraram, de maneira notável e dramática, de quão grande ressonância
podia ser a influência terapêutica da psicanálise.

Nos hospitais psiquiátricos britânicos a psicanálise seguiu uma evolução


inteiramente diversa. Embora seu efeito tenha sido profundo, ele foi menos
evidente e direto que nos Estados Unidos. Antes de 1939, a psicanálise não
desempenhava papel algum nos hospitais psiquiátricos britânicos. Talvez
houvesse umas poucas exceções nos casos em que as teorias psicanalíticas
eram discutidas e se faziam algumas tentativas de experimentar o método
psicanalítico. A tradição do tratamento psicanalítico de pacientes individuais no
hospital psiquiátrico não surgiu da mesma maneira que nos Estados Unidos.
Após 1945, o impacto da psicanálise apresentava-se menos concentrado que
no hospital psiquiátrico americano e, sendo mais difuso, sua influência deveria
fazer-se sentir mais na esfera da clínica do hospital psiquiátrico do que no caso
individual.

Os fundamentos para o emprego das idéias psicanalíticas nos hospitais


psiquiátricos britânicos foram estabelecidos durante os anos de guerra. No
Hospital Militar de Northfields, métodos de tratamento em grupo baseados em
princípios psicanalíticos foram introduzidos por Bion, Rickman e Foulkes. Main
(1946) e outros estenderam esta atividade, a fim de incluir grupos de
enfermaria e grupos recreacionais. Em todos os pontos de contato entre

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pacientes e equipe, estabeleceram-se canais de comunicação, de modo a
facilitar a troca de informações referentes ao status do grupo e dos indivíduos
que o formavam. Este trabalho preparou o palco para a introdução da
abordagem da comunidade terapêutica.

Foi Jones (1952) quem reconheceu, com base na compreensão psicanalítica,


que os vínculos transferenciais que os pacientes têm com a comunidade
hospitalar em geral podiam ser explorados para fins terapêuticos. Achou ele
que os conflitos subjacentes aos sintomas e as dificuldades comportamentais
poderiam vir a se manifestar através do veículo de comunicação de seus
pensamentos, sentimentos e fantasias acerca de suas experiências enquanto
se achavam no hospital. As discussões, tanto em grupos pequenos como em
grandes, permitiria a expressão dessas reações e, ao mesmo tempo, daria à
equipe médica e de enfermagem a oportunidade de oferecer ao paciente uma
avaliação baseada na realidade dessas reações.

Deste modo, Jones esperava realizar uma análise do conflito do paciente, não
na terapia individual, mas no grupo. Acreditava que, através desse processo, o
paciente viria a se identificar mais facilmente com os valores do grupo e do
hospital, o que o fortaleceria e suplementaria o efeito benéfico resultante da
análise de um ou mais conflitos conscientes, pré-conscientes e inconscientes.

O trabalho de Jones apresenta uma aplicação de conceitos psicanalíticos que


tem como objetivo o fornecimento de uma estrutura hospitalar que possa
influenciar positivamente os pacientes. A aproximação dele ao paciente se dá
através do ambiente hospitalar e não diretamente pelo tratamento psicanalítico,
como ocorre nos hospitais americanos. Embora as idéias de Jones tenham
sido entusiasticamente adotadas em muitos lugares, a base teórica de tais
desenvolvimentos foi amiúde negligenciada, tornando assim a técnica
excessivamente empírica. São consideráveis os problemas que tal situação
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engendra. Eles podem corromper o potencial terapêutico e pôr em risco a
viabilidade da comunicação hospitalar.

Até este ponto, apresentou-se um breve esboço das maneiras pelas quais a
psicanálise contribuiu para a psiquiatria hospitalar na Grã-Bretanha e nos
Estados Unidos. O tratamento intensivo de casos individuais, que ocorre nos
hospitais americanos menores e melhor equipados, nunca constituirá um
empreendimento prático na Grã-Bretanha, mesmo que se pensasse que este
fosse um curso de ação desejável. Que lugar a psicanálise deveria ocupar no
hospital psiquiátrico britânico, e que papel deveria o psicanalista assumir?

O psicanalista tem um duplo objetivo quando empreende o tratamento


psicanalítico de uma neurose. Espera compreender a sintomatologia, transmitir
este conhecimento ao paciente e, no processo, colaborar para a melhora ou
remoção dos sintomas. Suas ambições não são menores quando decide
intervir no caso de um paciente de hospital psiquiátrico. Neste caso,
infelizmente, acha-se privado do aliado que a parte sadia e integrada da
personalidade fornece no caso do paciente psiconeurótico considerado
adequado para o tratamento psicanalítico normal. No caso do paciente
hospitalizado, a capacidade de cooperação é limitada, e ele não pode
estabelecer um relacionamento suficientemente forte para tolerar os
desapontamentos, demoras e ansiedades que, inevitavelmente, acompanham
o tratamento psicanalítico. As dificuldades são ainda maiores no caso de um
paciente psicótico, que possui apenas a mais limitada capacidade para se
relacionar. O psicanalista reconhece que será incapaz de conduzir um
tratamento psicanalítico porque não há tempo para tal empreendimento e
porque a tentativa estaria quase fadada a revelar-se infrutífera. Entretanto, ele
retêm seu objetivo original de tentar compreender o sentido e a significação
dos fenômenos clínicos e, tendo por base esta compreensão, prescrever o
procedimento que será útil para o manejo e tratamento.

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Talvez o modo mais fácil de transmitir como o psicanalista pode intervir
beneficamente no caso de um paciente internado seja apresentar uma série de
ilustrações clínicas extraídas de pacientes com psicoses esquizofrênicas. O
primeiro paciente era um jovem de vinte anos de idade, que progressivamente
se alienara daquilo que o cercava. Expressava idéias de estar sendo
espionado; ficava imóvel durante horas, sentado numa cadeira; adotava
posturas fora do comum. Quando foi admitido pelo hospital, mostrava-se
incooperativo, não se misturava com os outros pacientes e era virtualmente
inacessível. Não melhorava com a administração de drogas do tipo fenotiazina.
Descobriu-se considerar ele os enfermeiros como perseguidores, acusando-os
de serem inimigos disfarçados. Identificava erroneamente, isto é, confundia
visualmente, os enfermeiros com um ou outro desses perseguidores. O
resultado disso foi que se tornou menos acessível a enfermeiros e médicos.
Por sorte desenvolveu um apreço por uma terapia ocupacional, e foi através
dela que pôde-se obter informações acerca das atitudes do paciente para com
a equipe médica e de enfermagem. Mesmo aqui, entretanto, havia momentos
em que acreditava ser ela uma outra pessoa, e gritava e praguejava contra ela.
Um desapontamento muito leve em suas relações bastou para que ele se
recusasse a vê-la de novo.

Este caso foi mencionado porque ilustra duas características dos pacientes
psicóticos seriamente perturbados. Primeiro, mostra como a capacidade do
paciente de conhecer a realidade do meio ambiente através das funções de
seu ego (percepção, fala, pensamento, memória) acha-se submersa sob uma
realidade psicótica, a qual, incluindo suas fantasias irracionais, altera-lhe de tal
modo o julgamento que pessoas reais como enfermeiros e médicos vêm a ser
confundidas como figuras de seus delírios. Isto leva o paciente a opor-se aos
enfermeiros e aos médicos, e resulta em agir ele de maneira autoprejudicial.
Neste caso, os próprios meios empregados para ajudar o paciente atuam como
fonte de agravamento da doença.

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A segunda característica ilustrada por este exemplo é que o paciente não
perdeu inteiramente a capacidade de se relacionar com figuras reais. Esta
capacidade, porém, é limitada e fraca em sua expressão. Ninguém pode dizer,
a princípio, com quem o paciente será capaz de estabelecer um vínculo. Neste
caso, foi com a terapeuta ocupacional. O vínculo era fraco e foi fácil e
irrecuperavelmente rompido pelo desapontamento. O fato de que vínculos
emocionais possam ocorrer nas doenças psicóticas significa que a influência
terapêutica é possível. A tarefa do psicanalista, portanto, é descobrir se tal
capacidade existe e para onde é dirigida. Isto só pode ser feito por sua
comunicação direta com a equipe de enfermeiros e auxiliares.

É inevitável que alguns pacientes, para sua própria segurança, tenham de ser
confinados, e, então, a realidade psicótica amiúde resulta numa piora do seu
estado, levando-os a crer que se acham cercados por perseguidores. O
confinamento com pacientes do mesmo sexo pode ter resultados adversos, por
outra razão. Se um paciente se encontra preocupado com problemas de
identidade sexual, e, em conseqüência da doença, experimenta a sensação de
que seu corpo é parcial ou inteiramente feminino, pode acreditar que está
atraindo ou será sexualmente atraído pelos outros pacientes. Com muita
freqüência, o comportamento incooperante, agressivo ou aterrorizado de
pacientes pode ser remontado a estas causas: a intrusão da realidade psicótica
ou o surgimento de tendências homossexuais na consciência. Os psicanalistas,
compreendendo que ambos os tipos de experiências podem surgir na psicose,
acham-se alertas quanto à sua ocorrência. Quando fazem sua aparição,
medidas apropriadas devem ser tomadas, a fim de aliviar os temores do
paciente, transferindo-o para uma situação em que sua liberdade não seja
restringida.

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Quando pacientes psicóticos são tratados psicoterapeuticamente, podem surgir
certos problemas que, no caso de um paciente psiconeurótico que se submete
a tratamento psicanalítico, podem ser superados. Uma jovem paciente que
sofria de uma moléstia esquizofrênica estava sendo vista várias vezes por
semana. Era filha única e sal doença começara quando a mãe morrera de
câncer. Vivia com o pai. Quando a doença começou, a paciente ficou
preocupada com uma série de idéias irracionais. Julgava que seu pai fosse
homossexual e estava convencida de que ela própria também o era. Ouvia as
pessoas dizendo isto no trabalho, nas ruas, e mesmo em casa, quando ali não
havia ninguém. Acabou por fugir de casa, em pânico, temendo que o pai fosse
atacá-la sexualmente. Posteriormente, no hospital, revelou que experimentara
sentimentos sexuais em relação ao pai.

Durante o curso da psicoterapia, manifestaram-se tendências eróticas em


relação ao analista, tal como havia ocorrido com o pai. No caso de uma
paciente neurótica que desenvolve fantasias sexuais com relação ao analista,
seria possível apelar para a sua parte razoável e sadia e demonstrar que estas
manifestações constituíam uma repetição do relacionamento com o pai, que
agora atuavam como uma resistência ao progresso do tratamento e esta
resistência dissipar-se-ia com o tempo. No presente caso, a paciente achava-
se envolvida demais com suas idéias, não havia um ego razoável a quem
apelar e seus controles eram deficientes. O conhecimento de fora a perda da
mãe que a levara ao movimento para trás (à regressão) da vida mental e ao
surgimento de atitudes instintivas infantis fez com que o tratamento fosse
temporariamente abandonado e que os cuidados com a paciente fossem
continuados pela encarregada da enfermaria, sob a supervisão do analista.
Nestas circunstâncias, a enfermeira, “in loco”, pode ajudar a paciente a
recuperar o controle. A continuação do tratamento com o analista teria apenas
exaltado a sexualidade e as ansiedades que esta originara.

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Sob circunstâncias ideais, seria necessário, nos hospitais psiquiátricos, decidir
quem é a pessoa mais indicada para ter contato com o paciente, se deve ser
homem ou mulher, moço ou velho. A melhora ou a deterioração do estado
mental amiúde se deve aos fatores que foram descritos. O psicanalista se
encontra em posição de cuidar que o manejo do paciente seja de tal ordem,
que não vá de encontro ao efeito benéfico do tratamento por drogas ou
psicoterapia.

O psicanalista pode também ajudar os pacientes diretamente, através do


emprego de métodos de grupo. Ele encontra-se numa posição favorável para
empreender esta espécie de tratamento, devido a seu conhecimento de que as
formas de relacionamento que se realizarão no grupo serão repetições de
relacionamentos que estão ocorrendo na enfermaria do hospital, que ocorreram
em casa, ou na infância. Pacientes com neuroses graves e estados
depressivos podem ser tratados através de terapias de grupo, mas, nesta, tal
como no tratamento individual, a natureza divergente da capacidade de se
relacionar conduz a sérias dificuldades. Entretanto, mesmo quando a influência
terapêutica positiva é limitada, o analista obtém um quadro muito claro da
doença do paciente e da maneira de seu desenvolvimento.

A terapia de grupo, tal como, na realidade, todas as espécies de intervenção


terapêutica, requer a mais íntima cooperação com a equipe de enfermagem e
com todos os médicos que estejam diretamente ligados aos pacientes. Já
fizemos referência à maneira pela qual as reações dos pacientes tendem a
transbordar do consultório para a enfermaria, onde encontram expressão com
relação aos outros pacientes e à equipe de enfermagem. Isto significa que
enfermeiros e médicos devem achar-se especialmente informados acerca dos
pacientes individuais e, particularmente, conhecedores de maneira pela qual os
pacientes transferem para eles suas atitudes e comportamentos com referência
a maridos, esposas, pais e irmãos.

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O psicanalista tem como tarefa revelar o potencial terapêutico que existe em
todos aqueles que têm contato com o paciente. A teoria psicanalítica fornece
os conceitos que ajudam a descrever os processos que atuam nestas relações
interpessoais e, com seu auxílio, o que era latente passa a ser manifesto e
comunicável. Caso se pretenda que tal abordagem obtenha sucesso, entre os
membros da equipe de médicos e enfermeiros os canais de comunicação
devem estar abertos. A forma que tomarão, isto é, se deve haver reuniões
estabelecidas ou discussões informais é secundária quanto à criação de um
meio pelo qual todos possam relatar suas experiências com os pacientes.
Deste modo, o amplo conhecimento que enfermeiros e terapeutas
ocupacionais acumularam através dos anos pode tornar-se aproveitável. Tais
informações revelam quão numerosas são as influências que atuam sobre um
paciente durante sua estada no hospital e impedem que o psiquiatra ou
psicanalista acredite ter sido uma pílula especial ou uma interpretação
específica que conduziu a uma mudança nos sintomas do paciente.

A questão é: como psiquiatra e enfermeiro vêm a reconhecer que os sintomas


do paciente e a maneira pela qual se relaciona (isto é, com o médico, com o
enfermeiro e com outros pacientes) são, em essência, uma repetição do modo
pelo qual outrora se relacionou com os outros? No que concerne á equipe
médica, não pode haver melhor maneira de aprender a reconhecer os
fenômenos em questão que o tratamento, sob supervisão, de um ou mais
pacientes psiconeuróticos através de uma psicoterapia que deve começar com
a seleção de pacientes apropriados. Se não for possível encontrá-los no
hospital psiquiátrico, procuram-se casos adequados nos ambulatórios.

A relação médico-paciente torna-se o centro do programa de instrução. Isto é


particularmente vital, uma vez que o psiquiatra em formação subestima a
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potência do efeito das forças emocionais que atuam nesta relação, seja na
psicoterapia, seja em outra forma de tratamento. Muito rapidamente o
psiquiatra em formação descobre que as dificuldades de comunicação do
paciente são devidas a pensamentos e sentimentos pré-conscientes a respeito
do terapeuta. Dá-se conta das alusões à situação de tratamento que o paciente
faz constantemente, as quais torna manifestas e utiliza para fortalecer a
confiança do paciente em sua capacidade terapêutica. O objetivo da instrução
é permitir que o psiquiatra em formação observe as resistências, a
transferência e os conflitos subjacentes aos sintomas. O psiquiatra pode utilizar
o conhecimento que obteve em muitas situações diferentes, o que o impede de
ignorar as influências psicológicas que atuam na terapia orgânica, ao mesmo
tempo em que reconhece os sinais indicadores de que um paciente que não
está em psicoterapia estabeleceu espontaneamente um relacionamento com
ele. Com este conhecimento, acha-se apto a explorar o relacionamento para
fins terapêuticos, o que é particularmente valioso com pacientes psicóticos.

Uma tarefa mais difícil é transmitir esse conhecimento à equipe de


enfermagem, mas tal pode ser feito se tomar-se em consideração as
resistências dos enfermeiros e se elas forem manejadas com bastante tato e
paciência. Somente quando enfermeiro e atendentes vêm a reconhecer que os
sintomas e o comportamento são, em larga escala, o resultado da regressão, é
que estão aptos a adotar uma atitude mais objetiva e menos emocional com
relação a seus pacientes.

O psicanalista também pode contribuir para a pesquisa. Seu treinamento


alerta-o para a complexidade dos estudos clínicos e seu conhecimento acerca
da realidade psíquica e da transferência impede-o de super-simplificar as
dificuldades metodológicas que assediam a pesquisa clínica. Os psicanalistas
reconhecem que a coleta de dados primários não é tão simples quanto na
doença física. A variabilidade de reação do paciente fisicamente enfermo é
muito menor que a do doente mental. Esta variação se deve a numerosos
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fatores, entre os quais as atitudes para com o médico se acham altamente
colocadas. Além da relutância dos pacientes em revelar algo de importante a
quem mal conhece, essas influências, usualmente pré-conscientes ou
inconscientes, podem deformar a atitude do paciente com respeito à
comunicação por longos períodos. A situação experimental também pode vir a
ter um significado inconsciente para o paciente.

Quando técnicas terapêuticas são empregadas para registrar dados clínicos, o


psicanalista pode participar diretamente da pesquisa. Sua formação qualifica-o
particularmente bem para esta tarefa. Contrariamente a uma crença
comumente sustentada, a psicanálise sempre manteve um sério interesse pela
forma que os sintomas e sinais assumem na doença mental. A situação
psicoterapêutica é especialmente adequada para a observação das
comunicações dos pacientes, sejam elas verbais ou não-verbais. Sua
preservação e manutenção não dependem, como alguns podem pensar, de o
médico constantemente apresentar “interpretações” ao paciente. A situação
permanecerá viável enquanto as ansiedades do paciente com relação às
intenções do médico se acharem adequadamente ventiladas.

Embora a educação e a pesquisa constituam campos importantes para o


psicanalista, deve-se dar prioridade ao tratamento de pacientes. Não é
apropriado, e, parafraseando as palavras do Imperador Trajano, “contrário ao
espírito dos tempos”, encarar ou designar o psicanalista como uma “avis rara”,
cuja tarefa exclusiva é a de fazer a psicoterapia o dia todo. O psicanalista deve
estar apto a participar de tarefas hospitalares de rotina, bem como empreender
o tratamento psicanalítico de pacientes selecionados, quando se acha que isto
é necessário. Ele deve ter plena responsabilidade clínica por casos de todas as
naturezas, inclusive aqueles cujo estado mental é basicamente devido a
causas orgânicas. Desse modo, o psicanalista fica mais próximo do psiquiatra
comum, através de uma melhor compreensão dos problemas e dificuldades
que o último tem de enfrentar. Não há nenhum campo de trabalho psiquiátrico
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hospitalar para o qual o psicanalista não possa contribuir, nem tampouco existe
nenhuma atividade de hospital psiquiátrico da qual não possa beneficiar-se.

Na Grã-Bretanha, a separação entre a psicanálise e a psiquiatria clínica teve


efeitos nocivos para ambas as disciplinas. Deu aos psiquiatras uma impressão
errônea a respeito da psicanálise e cegou-os para as possibilidades
terapêuticas que são inerentes às medidas psicoterapêuticas nela baseadas.
Impediu-os também de reconhecer a importante contribuição que a psicanálise
pode fazer à investigação clínica em psiquiatria. Por outro lado, a experiência
clínica de muitos psicanalistas permaneceu limitada, devido à sua falta de
contato com a psiquiatria hospitalar. Isto ocasionalmente levou, por parte de
certos psicanalistas, a uma recusa em reconhecer os limites terapêuticos do
tratamento psicanalítico e facilitou também a preservação de certas teorias
psicanalíticas que certamente teriam sido modificadas se houvessem sido
expostas ao campo de provas do hospital psiquiátrico.

É pena que tantos psiquiatras sejam perturbados por temores irracionais com
respeito à psicanálise, com resultantes suspeita e preconceito. Isto causou, e
continuará a causar, conseqüências desafortunadas para a psiquiatria e para a
psicanálise. Os psiquiatras que trabalharam com psicanalistas sabem que
esses temores são infundados. Talvez o futuro conduza a uma cooperação
maior, de modo que a psicanálise possa, como um sócio com iguais direitos,
participar dos cuidados e do tratamento do doente mental.

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Este material é parte das aulas do Curso de Formação em Psicanálise.
Proibida a distribuição onerosa ou gratuita por qualquer meio, para não alunos
do Curso. Os créditos às obras usadas como referências ou citação constam
nas Referências Bibliográficas.

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