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O conceito de resistência emergiu das quebras sistemáticas da regra

fundamental da psicanálise, respetivamente, a da livre associação de


ideias. O próprio fenómeno da transferência deve ser entendido coma
manifestação de resistência, visto que procura colocar em ato um
conteúdo inconsciente reprimido, ao invés de o relembrar e integrar pela
via do tratamento psicanalítico, baseado fundamentalmente na palavra.

A resistência é um fenómeno constante na prática clínica, encontra-se


intimamente ligado aos mecanismos de defesa do ego, os quais têm por
função proteger o indivíduo da experiência da ansiedade e do perigo da
libertação dos impulsos sexuais e agressivos reprimidos. O ego, segundo
Freud, apresenta resistência sobretudo quando a própria cura representa
um perigo.

Qualquer comportamento por parte do paciente pode constituir uma


resistência, mais ou menos encoberta.

Uma das formas mais comuns de resistência é a do silêncio, o que deve


ser analisado quanto aos seus motivos. O silêncio poderá expressar uma
defesa contra agentes externos (por exemplo, a psicanálise a decorrer)
e/ou internos, provenientes do superego.

Outras origens da resistência podem ser:


– reação contra o erotismo oral
– reação contra a cena primária
– Identificação com uma figura poderosa
– Defesa contra o trabalho do analista
– Defesa contra a perda do controlo sobre ações e palavras
– Defesa contra potenciais transtornos
– Defesa contra ameaças e castigos do superego
– Proibição do superego ou conflitos com esta instância que se
procuram eludir
– Auto-punição, decorrente do sentimento de culpa
– Defesa contra a reprovação

O psicanalista deve ser firme e decidido a interpretar o silêncio, sempre


procurando que o paciente se questione, com sinceridade, sobre o
significado desse fenómeno, as lembranças e sentimentos que o silêncio
evoca ou a eventual relação entre este silêncio e o momento analítico a
decorrer. Todavia devemos aceitar com tolerância se o paciente ainda
insistir em não obedecer à regra fundamental da livre associação. O
correto a fazer é agir com calma, paciência e de forma contrária às
pressões internas da contra-transferência.

O analista também pode utilizar o silêncio como uma ferramenta no


contexto da transferência, ativa ou passiva, sabendo o desconforto e o
sem número de questões que suscita no interior do analisando. O uso
deste recurso deve ser, no entanto, cautelosamente doseado. O nosso
silêncio pode proporcionar o espaço e o tempo para o paciente elaborar
os seus processos mentais e processar o material que for emergindo. O
silêncio é também uma forma de convite para que o mesmo fale e se
aprofunde na análise.

Uma das manifestações de resistência é a ausência de afeto nas


verbalizações do paciente, principalmente aquelas que deveriam estar
cheias de emoção.

Rigidez, contração muscular ou imobilidade postural são também sinais


de resistência. Por outro lado, movimentos excessivos podem significar
que algo estar a encontrar escape através das vias motoras, ao invés de
ser lembrado. Posturas fechadas pelo cruzar dos braços e pernas,
inalterabilidade no tom emocional, evitar olhares, bocejos, entre outras
expressões corporais, indiciam resistência. Sempre que o paciente se fixa
a um determinado tempo, quer seja passado, quer presente, está a
resistir à possibilidade de encontrar a verdadeira causa dos seus sintomas,
localizada fora do tempo a que se agarra como elemento distrativo.
Existem também diversas maneiras de falar que denotam resistência, tais
como o tom excessivamente formal, técnico e composto de chavões. Estas
formas discursivas pretendem esconder as cargas emocionais/pulsionais
por detrás de uma capa de superficialidade. Recomenda-se uma ação do
analista no sentido de usar uma linguagem vívida e pessoal, para abrir o
acesso à vivência em escala real das emoções que o paciente procura
evitar.
Não pagar, não comparecer ou esquecer as sessões constituem formas
óbvias de resistência. Um dos maiores indicadores de resistência é o
esquecimento dos sonhos, visto serem estes uma das grandes vias por
excelência para se chegar ao inconsciente reprimido.

AS ORIGENS DA RESISTÊNCIA:

– Transferência: ao mesmo tempo deixando perceber os impulsos


reprimidos na relação com o analista, pretende esconder o conflito
infantil original.
– Repressão: mecanismos de defesa do ego.
– Ganho secundário da doença: o sintoma veio para ficar e foi
assimilado na organização psíquica do ego, que retira gratificações
da doença.
– Necessidade de se punir ou punir aos que rodeiam o paciente.
– Superego (sentimento de culpa e consciência moral)
– De acordo com os pontos de fixação (oral, anal e fálica)

EM ESPECIAL DA REPRESSÃO

A base de toda a resistência é a repressão, levada a cabo pelo aparelho


psíquico no sentido de banir da consciência todo o tipo de inclinações
condenáveis do ponto de vista social, ético, moral e religioso. Logo que o
ego identifica um impulso como sendo causador de angústia, quer seja
por antecipação do castigo ou da perda do amor, a repressão é colocada
em ação contra essa tendência, agora considerada perigosa, e portanto,
proibida.

É interessante observar como o ego desenvolve formações reativas no


sentido de fortalecer as barreiras contra essas tendências reprimidas.
Essas formações reativas tornam-se mesmo traços constitutivos da
personalidade da pessoa, muitas vezes atribuindo-lhe aquilo que
classificamos como mais elevado e nobre no ser humano: a arte, a moral,
o pudor, a vergonha e o repúdio por certas práticas consideradas
aberrantes como o crime, o estupro, o roubo, e por aí fora.
Curiosamente, se a repressão, por um lado, é inibidora de um impulso
primordial, ela é fundadora do próprio desejo humano, já que é pela
separação/castração do objeto de amor primário que somos introduzidos
no universo simbólico: a vasta rede de significantes pelos quais o nosso
desejo desliza interminavelmente, sem nunca encontrar a satisfação
plena, mas antes procurando sempre novos objetos em torno dos quais
desenvolvemos a “fantasia de completude”, conforme expressa Lacan.

ALGUNS ASSISTENTES DA REPRESSÃO – DEFESAS

Anulação – seria fazer “desacontecer” um determinado ato através de


uma certa forma de compensação que anularia os seus efeitos. É uma
defesa característica do pensamento mágico omnipotente dos neuróticos
obsessivos.

Conversão – neste mecanismo as tensões afetivo-emocionais seriam


aliviadas através do deslocamento para os órgãos. Os casos de histeria são
ilustrativos desta operação defensiva. O histérico reprime toda a
sexualidade genital, convertendo a energia proveniente das excitações
libidinais em sintomas simbólicos.

Deslocamento – dá-se um desvio da energia de um objeto considerado


proibido ou perigoso, para outro relativamente mais inofensivo, como é
característico no caso das fobias.

Dissociação da Consciência – Dá-se uma cisão psíquica em que a parte


lesada do eu separa-se do resto do psiquismo. Esta parte assume
autonomia como uma espécie de entidade psíquica que toma o controlo
de forma alternada com o estado normal da personalidade. Estados
sonambólicos, esquecimentos e comportamento muito distraído e
“aéreo” podem constituir também estados dissociativos, através dos quais
se procura fugir a uma determinada realidade, interna ou externa.

Escotomização – é uma recusa de se ver algo óbvio, suscetível de causar


dor psíquica. Esta defesa ocorre principalmente ao nível pré-consciente.

Humor – responder com riso e emoções hilariantes para dar escape à


energia represada.
Inibição – o indivíduo bloqueia quaisquer das suas capacidades:
intelectuais, verbais, motoras, sociais, sexuais, de relacionamento, entre
muitas outras. A inibição tem normalmente raiz em ambientes familiares
pautados pela crítica, invalidação e exposição à vergonha ou mesmo ao
castigo. O propósito da inibição seria, em última instância, o de evitar que
o indivíduo se expusesse novamente ao estímulo negativo causador de
vergonha, culpa, inadequação ou punição.

Isolamento – O paciente isola-se dos impulsos instintivos de várias formas


possíveis: refugiando-se em abstrações intelectuais para evitar entrar em
contacto com as excitações somáticas ou envolvendo-se sexualmente
apenas com indivíduos que não se ama. No isolamento existe sempre
uma certa dissociação do afeto ou pulsão. Pode relatar acontecimentos de
marcantes como se estes não tivesse nenhuma carga afetiva. A evitação
do contacto físico-sensual é uma forma de isolamento através do qual o
indivíduo foge das sensações estimulantes suscetíveis de despertar o
desejo pelo objeto do qual não quer passar a depender. O autismo seria
um bom exemplo do uso psicótico deste mecanismo de defesa.

Lembrança encobridora – o inconsciente apresenta uma memória como


suposta causa do sofrimento psíquico do paciente, que serve apenas para
encobrir a verdadeira origem da sua dor.

Negação – recusa de se ver uma parte da realidade. A constatação pode


aflorar à consciência, para logo de seguida ser negada. Esta é a
contrapartida da alucinação.

Postergação de Afetos – o ego lida inicialmente com uma situação de alto


risco e exigência, inviabilizando a experiência de estados afetivos que
poderiam comprometer a eficácia da ação requerida no momento. Algum
tempo depois, o Ego permite-se então, já em segurança, dar escape às
emoções que tinham ficado suspensas.

Racionalização – Buscar explicações racionais, fundamentadas na lógica e


no suposto bom senso, sentido moral ou ético, para realizar ações que são
motivadas por pulsões inconscientes condenadas pela sociedade e/ou
consciência do sujeito.
Surdez emocional – auto-incapacitação (inconsciente) da capacidade de
compreender algo.

Formação reativa – O Ego utiliza a própria energia da pulsão proibida para


criar reações de repulsa, nojo, desprezo e aversão ao objeto de desejo. Ao
longo do decurso do desenvolvimento psicossexual, essas formações
transformam-se em traços de caráter.

Regressão – O ego regride a um estágio anterior para fugir a uma


condição atual frustrante. A regressão leva o ego ao retorno a um ponto
de Fixação onde as expectativas de prazer e realização eram muito mais
gratificantes.

Projeção – O indivíduo ejeta partes constituintes de si próprio, atribuindo-


as a objetos do mundo exterior. Por exemplo, objetos que recebem a
projeção de impulsos agressivos da parte do sujeito, passam a ser
percebidos como maus, persecutórios e cruéis.

Identificação – depende diretamente do mecanismo de Introjeção, que


implica a assimilação de características e atributos de objetos ou pessoas
do mundo exterior. Estas qualidades passam a ser parte constituinte do
próprio Ego, e portanto, da sua identidade, agora construida à
semelhança do objeto incorporado. Assim, a Identificação assume um
papel preponderante no desenvolvimento psicológico da criança, que irá
modelar os traços identitários de pais, educadores, professores e figuras
importantes no seu crescimento.

Elaboração – É uma defesa que, em abono da verdade, constitui uma das


grandes metas do tratamento psicanalítico: o de conciliar as partes em
conflito no inconsciente, à luz da consciência, alcançando o sujeito a
capacidade de lidar com essas dinâmicas antagónicas que habitam a sua
psique. A partir desta capacidade de lido com o conflito, passa a
dispensar-se a compulsão à repetição.

Idealização – conceção imaginária de uma perfeição que se atribui a um


determinado objeto de amor/desejo. As qualidades do desejado são
sobre-estimadas.

Renúncia Altruística – A pessoa renuncia aos seus desejos instintivos,


narcísicos e de interesses egóicos, invertendo-os na atitude oposta (uma
variante da formação de reativa).

Reparação – trata-se de uma forma de compensação através da qual o


indivíduo procura ressarcir um mal que fez ou desejou fazer. Um exemplo
seria o do indivíduo que pratica atividades de caridade para anular os seus
“pecados” e impulsos de “má índole”.

Sublimação – Este é considerado um mecanismo de defesa maduro e


adaptativo, dando origem às mais elevadas formas de cultura humana,
como a arte e trabalho intelectual, por exemplo. Os objetos devem ser
dessexualizados e isentos de agressividade para que a energia pulsional
fique disponível para fins criativos, sem necessidade de repressão.

LACAN – O DISCURSO DO OUTRO, O SIMBÓLICO E O IMAGINÁRIO

Lacan concentrou grande parte do seu estudo na dimensão da alteridade,


isto é, o fenómeno que torna o outro realmente num ser distinto do
sujeito. Antes da linguagem, o ser vivo é uno com a matéria viva orgânica
intra-uterina em que nasce, não tendo consciência alguma de
individualidade. Esta noção só pode surgir quando a palavra introduz um
espaço entre a criança e o seu objeto de desejo, a mãe. Através da
linguagem desta figura, e outros cuidadores, a criança é inscrita como
sujeito num campo de linguagem, composto de significantes encadeados
entre si de forma interdependente. Surge então o conceito de Grande
Outro, que é a própria linguagem que nos atravessa e define lugares,
significados, propósitos e, principalmente, restrições e obrigações. Este é
chamado o registo do simbólico, que vem substituir o estado pré-verbal
fusional, “autístico”, e que, segundo Lacan, “recorta o sujeito como uma
borda em torno do espaço vazio – eu, como sujeito, surjo e defino-me
pelos significantes que me separam desse estado unitário primordial e
que me individualizam como ser, sobretudo pela ação da palavra.
Então a alteridade do Outro emerge na criança quando a sua mãe lhe
frustra as projeções imaginárias, aquelas que procuravam satisfazer as
demandas omnipontentes e a realização mágica dos seus desejos. A
entrada do Pai enquanto significante do desejo materno é o derradeiro
corte que acaba por inscrever a criança no universo simbólico como
sujeito dividido.

Lacan mencionou que “não há outro do outro”, que significa que o


indivíduo emerge de uma conjuntura de circunstâncias que levam ao seu
surgimento na vida, sem que ele escolhesse, previamente, nascer por sua
própria vontade, e muito menos por seu próprio poder.
A criança que existe primeiramente no campo do Real, como unidade
indistinta com a mãe, vai emergindo enquanto indivíduo a partir de três
experiências fenomenológicas que o delimitam como ser circunscrito no
universo simbólico:
– A Castração: é confrontado com a separação física da mãe, logo a
partir do nascimento e do corte umbilical. Aqui inicia-se o processo
de diferenciação (corporal e psíquica) entre o Eu e o Outro.
– A Privação: a criança experimenta necessidades e desejos que não
podem ser realizados imediatamente, e que contribuem para a
construção da representação psíquica do objeto de desejo como
estando ausente e não fazendo parte dela, e do qual ela depende
para subsistir no mundo.
– Versagung (Frustração): A criança sofre uma ferida narcísica que
curiosamente coincide com o surgimento do próprio Ego separado -
“Eu sou um ser desejante, em estado de falta e défice, não o ser
omnipotente que julgava ser.” Nesta experiência de inferioridade a
criança busca o significante do desejo materno, que vem a ser o
Nome-do-Pai, aquele que ocupa o lugar simbólico de objeto de
desejo da mãe (o Falo, segundo Lacan). A partir daí, o pequeno ser
irá incorporar precisamente essas características que lhe faltam e
que parecem existir nessa pessoa que preenche o desejo materno.
Essas qualidades que o Ego não possui passam a constituir o Ideal-
do-Ego, substituto agora de uma satisfação pulsional que fora
negada pela presença da Lei. A felicidade do indivíduo transita então
da busca pela satisfação dos desejos primitivos infantis para a
realização das metas mais elevadas que compõem a grandeza da
nossa cultura: o Direito, a Ética, a Religião, a Arte, a Intelectualidade,
entre outras.

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