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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Conceitos básicos -
velocidade e aceleração
Introdução
Velocidade máxima para mim, nunca foi fácil, quando criança era um
dos primeiros a sair na frente, mas curiosamente um dos últimos a
chegar. Dentre todas as capacidades físicas, essa é a que eu tinha
mais dificuldade.
Passei a adolescência inteira e o começo da vida adulta na água na
modalidade natação e com cerca de 23 anos “voltei para terra” e co-
mecei a me dedicar no esporte ao futebol americano flag. Fazia testes
do combine, e eu sempre um dos melhores nos testes de agilidade,
entretanto nas 40 jardas... marcar 5.3 completamente na mão para um
OLB/DE é HORRÍVEL. Mas eu não ligava para velocidade máxima,
achava (assim como muitos que vão ler esse livro) que futebol ameri-
cano é somente sobre aceleração e mudança de direção.
Em 2017 fui para o Corinthians Steamrollers e virei Defensive End.
Meu primeiro passo é e sempre foi muito rápido. Mas ir atrás do QB
em um rollout ou scramble? Nunca cheguei a pegar ninguém. Meu
treinamento, do qual sempre fui responsável, era cheio de agacha-
mentos, olímpicos pesados e saltos, então para que treinar velocidade
máxima?
Fui para a Europa jogar no Lisboa Devils com a intenção de conseguir
uma carreira de futebol americano, e antes de voltar para o Brasil con-
quistei o Campeonato Português.
No meio do caminho, apareceu uma grande chance de um Combine
da Podyum, na Alemanha, com vários coaches da Div. 1 alemã. Uma
grande chance, certo? Eu teria que melhorar minha velocidade máxi-
ma se quisesse alguma chance nas 40 jardas.
Foi aí então que comecei a estudar afundo o treinamento de velocida-
de, e descobri, como vocês vão ler neste livro, que ela pode impactar
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muito mais o seu jogo que você imagina, e é tão importante quanto a
aceleração ou mudança de direção.
Em meus estudos me deparei com um artigo do técnico Cam Josse,
que trabalha com Joe DeFranco, preparando, entre outros esportes,
atletas de futebol americano nos Estados Unidos, desde o High Scho-
ol e College para o Combine, além de veteranos da NFL.

O link estará disponível no final do livro.

Em outubro eu iria para Schwabisch Hall, e foi aí então que come-


cei a aplicar os conceitos comigo 2 meses antes do Combine. Meus
tempos foram: 4.87 nas 40 jardas, 1.49 nos primeiros 10 metros (eu
mal treinei aceleração e saída). Totalmente elétrico, saída e chegada.
Para quem fazia mais de 5 segundos na mão, foi uma vitória. Essa
velocidade impactou também nos outros testes (7.2s no 3 cone drill e
4.27s no shuttle, elétricos). Meu jogo estava melhor. Os QBs podiam
tentar escapar da minha pressão nas pontas, que eu os buscava fora
do pocket antes de pensarem em arremessar.
No final de 2019 fui para o Rio Preto Weilers, e no nosso Camp de
2020, o Coach Lovett, que me conhece desde a época de Steamrol-
lers, disse estar maravilhado sobre como mais rápido eu estou. Resul-
tado: mudei de DE para MIKE.
Desde então, tive a oportunidade de trabalhar com diversos atletas e
desenvolver minha linha de trabalho e provar que o treino de velocida-
de importa sim.
Esse livro é para você que quer ser mais rápido no seu esporte, para
você que quer fazer uma rota GO de qualidade absurda, para você
Wing, que não aguenta mais ser pego antes do Try, para você Ponta
Esquerda, deixar gente para trás (literalmente) como o Robben fazia.
Para coaches e técnicos, vale a pena investir em velocidade. Não só
por ficar mais rápido em si, mas para ajudar seus atletas a prevenirem
lesões.

Boa Leitura!
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Comos e Por quês?


Para entendermos os “comos’’ e os “por quês” do treinamento de ve-
locidade, é essencial que saibamos o que é velocidade máxima e o que
é aceleração. Velocidade diz respeito ao quão rápido você se desloca do
ponto A ao ponto B, e pode ser baixa ou alta, relativamente. Velocidade
máxima é a expressão de velocidade no seu maior potencial, o quão mais
rápido VOCÊ CONSEGUE ir do ponto A ao ponto B no menor tempo
possível. Pense em uma Ferrari, que pode chegar a 250km/h.

Quando você atinge tal velocidade, o ponteiro do velocímetro está no


limite, e você não consegue mais aumentar a velocidade. Para nós, o mo-
vimento de velocidade máxima é corrido de maneira ereta, com os mem-
bros inferiores se movimentando de maneira cíclica.

A aceleração diz respeito a taxa de mudança da velocidade, ou seja,


quando você sai da inércia, do parado no ponto A para ir para o ponto B, o
quão rápido você consegue atingir velocidades maiores? Sabe quando a
gente ouve que tal carro faz de 0 a 100km/h em 4 segundos? Significa que
ele tem uma capacidade de aceleração enorme. Para nós, o movimento
de aceleração é corrido de maneira angulada, com os membros se movi-
mentando como um pistão.

Assim, podemos concluir que velocidade máxima e aceleração não são


sinônimos, apesar de estarem relacionados (como veremos adiante).
Um carro que vai de 0 a 100 km/h em 4 segundos pode não necessaria-
mente chegar a 250km/h, e um carro que chega a 250km/h pode demorar
mais de 4 segundos para ir de 0 a 100.

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Comparações com o mundo do atletismo


e por que treinar velocidade máxima
Quando falamos em treinamento de velocidade, a primeira coisa que
vem a nossa mente são ideias e conceitos tirados do mundo do atletismo,
especificamente da prova de 100 metros rasos. E não há nada de errado
nisso, desde que saibamos interpretar os dados e as análises de maneira
real para os esportes coletivos.

O primeiro erro é sobre aceleração e velocidade, os atletas de pista vão


atingir sua velocidade maxima por volta dos 60 metros. Como a maioria
dos esportes coletivos possui sprints que ficam geralmente entre 5 a 20
metros, extrapolou-se que a aceleração (quem consegue sair da inércia
ou da baixa velocidade e chegar mais rápido no destino) é o fator deter-
minante no sucesso esportivo. As razoes que eu irei usar adiante para
desmistificar o uso do treinamento de velocidade máxima no esporte co-
letivo não excluem o treinamento de aceleração (que já está esgotado no
manual dos técnicos). Apenas justificam a velocidade máxima como mais
um componente a ser utilizado.

O ponto é que atletas de pista possuem uma velocidade máxima muito


maior do que atletas de esporte coletivo, portanto eles vão demorar uma
metragem maior para chegar na sua velocidade máxima. Isso ficou evi-
dente em uma pesquisa (trabalho do Dr. Ken Clark) que analisou dados
dos testes de 40 jardas (cerca de 37 metros) do combine da NFL.

Os atletas correm o mais rápido possível em 40 jardas, e quanto melhor


o tempo, melhor a chance do prospecto. O que a pesquisa mostrou foi que
a maioria dos atletas JÁ ATINGEM SUA VELOCIDADE MÁXI-
MA nessa distância.

Então se a velocidade máxima já é exposta por atletas coletivos em


distâncias menores, não podemos esperar o mesmo comportamento de

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velocidade de um atleta leve, que treinou décadas para ser extremamente


veloz, competindo de sapatilhas em uma pista com chão reflexivo, com o
de um atleta de rugby, que sim, treina para velocidade, mas também treina
para hipertrofia, faz treinos técnicos, táticos, corre de chuteira na grama.

O mesmo autor apontou outro ponto interessante: Quanto maior a ve-


locidade máxima do atleta, melhor era também sua aceleração a partir de
7-8 jardas. Simples: quanto mais você aumenta sua velocidade máxima,
mais sua aceleração longa tende a melhorar.

Pare para pensar sobre isso.

Só de aumentar sua velocidade máxima você melhora sua aceleração


mesmo sem treiná-la. Mas por que treinar velocidade máxima se eu só vou
acelerar no jogo? Se quisermos ser bons atletas, é preciso pensar grande.

Os atletas de pista saem dos blocos, ou seja, numa posição baixa,


e por conta disso começam a corrida na fase aceleração pura (postura
inclinada, mecânica de pistão) passam para a fase de transição (postura
“mista”) e atingem a fase de velocidade máxima (postura ereta, mecânica
cíclica). Eles começam baixos “do chão” e desenvolvem para postura alta.

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Quando um zagueiro toma um drible da vaca, ele não vai colocar as mãos
no chão para ir atrás do atacante, que após fazer o toque do drible, está
em arrancada na postura alta para finalizar o lance.

Os wide receivers não se alinham em three point stance antes de fazer


uma rota Go. Jogos coletivos são jogados em sua maioria numa postura
ereta ou de transição, então faz sentido treinar seu corpo para ser mais
rápido e produzir melhor a mecânica da maneira como você joga.

Outro ponto importante é a construção de uma reserva. A maioria dos


deslocamentos são de 5 a 20 metros. Mas isso não significa que você
nunca vai fazer uma distância maior. E quando esse dia chegar, é melhor
para o seu corpo você ter desenvolvido técnica e resiliência, além de ser
capaz de ser rápido obviamente, para evitar lesões.

O treinamento de velocidade, não somente drills, mas TAMBÉM tiros


em postura ereta, prepara o corpo e o sistema nervoso para lidar com dis-
tancias maiores. Quantos goleiros quando precisam evitar um escanteio
não machucam o posterior (mais sobre lesões de posteriores a diante).
Rebatedores do baseball que se machucam ao se aproximar da última
base. Você pode executar tiros longos em apenas 10% do tempo, mas
aposto que se você for um Wing, vai querer arrancar para o campo adver-
sário o mais rápido possível, sem se machucar de preferência.

Por último, mas não menos importante, o treinamento de velocidade


desenvolve ATLETICISMO, que é habilidade atlética transferível para
os gestos motores diversos no seu esporte. Um cara atlético consegue
fazer tudo melhor. Até gigantes da linha ofensiva são melhores quando
são atléticos.

Capacidade de contração-relaxamento, elasticidade, geração de potên-


cia específica da musculatura do quadril, força de pé, entre várias outras
manifestações e qualidades são aprimoradas pelo treinamento de veloci-
dade máxima.

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Espero ter elucidado algumas concepções mal interpretadas da veloci-


dade máxima para atletas de esportes coletivos, bem como te convencido
da importância de treinamento de velocidade na preparação de um atleta.
O próximo passo é também apontar erros comuns na prescrição em busca
de melhorias da velocidade máxima.

Eu já cometi alguns desses erros, e os vejo sendo executados sempre.

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Erros comuns da pres-


crição do treinamento
de velocidade máxima
Escadinha de agilidade

Sinto muito em quebrar seu coração porque seu wide receiver favorito é
um monstro na escada de agilidade, e como ele é muito rápido, você acha
que o treino de escadinha o deixou assim. Mas o trabalho geralmente
executado na escada de agilidade não tem nada a ver com o trabalho de
velocidade. Seu WR é muito rápido independente da escadinha, e atletas
rápidos tem melhor coordenação motora do que atletas lentos, por isso ele
vai bem no trabalho de escada.

A biomecânica do trabalho na escadinha em nada tem a ver com a bio-

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mecânica da velocidade máxima. Num trabalho de escada, você quer que


seus pés atinjam o solo na maior frequência em um “infinito” jogo de frente
e trás, direita e esquerda, e a intenção não é de atacar o chão nem de des-
locar seu corpo a maior distância possível. Na velocidade máxima, você
se desloca de maneira linear, ou seja, sempre para frente. O movimento
de pernas é completo e acontece de maneira cíclica, e a nossa intenção
não é de bater o pé no chão o maior número de vezes possível, mas sim
nos deslocarmos o máximo possível toda vez que nosso pé atinja o chão.

Mas a escada tem seu espaço no trabalho de velocidade. Pode servir


como parte de uma preparação inteligente. Podemos também utilizá-la
com saltos somente do tornozelo, e desenvolver a rigidez necessária nes-
se complexo para maiores velocidades. Para atletas com baixa coordena-
ção, ela pode ajudar a desenvolver uma melhor consciência. Mas, espe-
cificamente para a velocidade máxima, ela está longe de ser uma opção
fundamental.

Treinar velocidade quando está cansado


(ou ao fim do treino)
Já vimos nos treinos um milhão de vezes que quando alguém chega
atrasado o time inteiro paga uma ida e volta para cada atraso. Ou no final
do treino, idas e voltas sem fim sem nenhum motivo aparente. Geralmente
o coach divide o time em grupos de posição e o descanso entre os tiros é
o tempo em que o outro grupo está correndo. E na nossa orelha, os gritos:
“vamos! Você tem que ser rápido! Tá muito lento! Vamos ficar velozes
essa temporada!

Sabe qual é um dos melhores treinos de velocidade para atletas de


pista? Tiros de 150 metros em velocidade máxima com ATÉ 10 MINU-
TOS DE DESCANSO entre cada tiro. E então, existem atletas que
mal sabem correr, com mecânicas erradas, no meio ou no final do trei-

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no, cansados, quando o foco deles estava em questões técnico-táticas,


e mandamos eles correrem o mais rápido possível, com um tempo de
descanso baixo? Não me surpreende o número de OLs que se machucam
nesse tipo de atividade. Esse treino não deixa ninguém mais rápido, o úni-
co positivo que sai dele é a melhora da mentalidade, quando muito.

Velocidade máxima é melhorada através de qualidade, não quantidade.


Você tem que correr o mais perto possível da sua capacidade máxima, e
isso não acontece em um estado fadigado e sem foco mental.

Utilizar SOMENTE educativos.


Esse talvez seja meu maior erro do passado. Acreditar que somente o
trabalho de educativos para correção da mecânica de corrida ia me deixar
mais rápido. Não estou aqui para dizer que educativos não devem ser fei-
tos. Mas quero dizer que eles devem ser feitos de maneira intencional, e
dirigida a solucionar um problema do atleta. No fim do dia, você ainda tem
que fazer seus tiros em velocidade máxima.

Pense assim: Você tem problemas com seu agachamento com 150kg
nas costas. Você acredita que somente educativos vão solucionar o pro-
blema?
Passe três semanas sem agachar, só utilizando corretivos, e me diga como
você se sente após essas duas semanas quando você voltar a colocar
uma barra com peso nas costas.
Identifique o problema, procure soluções simples e efetivas para melhorar
o que realmente importa: o sprint.

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Acreditar demais nos pesos e em saltos.


Esse tópico, assim como o anterior, não é para dizer que você não
deve utilizar academia e saltos para ficar mais rápido. São ferramentas
que devem ser utilizadas no momento certo, com a pessoas certa, com um
objetivo final em mente.
Eles são o meio, e não o fim.

Utilizar competições.
Muitos atletas fazem isso. Acreditam que por estarem competindo, vão
correr mais rápido. Mas não é bem isso. Quando você compete, o seu foco
passa a ser o outro, e não você. Esquece as correções técnicas que você
precisa executar durante um sprint, e o nível de tensão aumenta. Para
ficarmos mais rápidos, precisamos ter total atenção aos nossos pontos
técnicos e manter um estado ótimo de relaxamento/tensão.
Tudo isso vai para os ares em uma corrida contra alguém.

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Somente realizar sprints em momentos si-


tuacionais.
Fazer tiros com a bola no pé, utilizar rotas Go e times de especialistas
são situações especificas do esporte que quanto maior a sua velocidade,
melhor o seu sucesso. Um ala que recebe a bola após um toco e corre
para a outra tabela. Muitos técnicos acreditam que você só precisa treinar
velocidade máxima de uma maneira que se traduza para o que acontece
dentro do campo/quadra, eu chamo isso de visão limitada.

Esses momentos que descrevi não são a única coisa que acontece em
um jogo. Na verdade, a maior parte do jogo é gasto longe da bola. Pensar
em um único gesto/momentos esportivo e basear todo seu treinamento
nele, é limitar seu atleta e colocar uma barreira no seu desenvolvimento
físico-técnico-tático-mental.

Pior é: No momento em que o atleta desenvolve atleticismo suficiente


para executar velozes e eficientes tiros, que o treino de velocidade máxi-
ma começa a contribuir para que outras manifestações esportivas sejam
executadas de maneira natural e fluida. O sprint feito somente nesses
moldes limita o atleta, e o priva de maximizar seu potencial.

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Desenvolvendo um
programa efetivo de
melhora da velocidade
máxima.
Agora que já elencamos os “nãos”, vamos trabalhar nos “comos” e nos
“sims”! O que queremos:

- Foco e intenção: o atleta deve manter 100% de atenção ao que está


fazendo, tornando os educativos e tiros intencionais e não mecânicos. A
automatização vem de repetições bem executadas.
- Prioridade: o treinamento de velocidade, se não for o único do dia, deve
ser o primeiro da lista. Isso garante que seus atletas estejam focados e
aptos a expressar e assimilar velocidade.
- Máximo de descanso: como já dito anteriormente, não existe velocidade
na exaustão. Queremos os atletas descansados e aptos para sempre atin-
gir valores próximos à suas capacidades máximas.
- Qualidade e não quantidade: na dúvida, menos é mais. Três tiros de 30
metros feitos de maneira excelente são muito melhores do que 6 tiros de
50 metros feitos com qualidade mediana.
- Mantenha seus atletas relaxados. É muito comum atletas de esportes
coletivos, especialmente os de contato, correrem fazendo força excessiva
e tensão demasiada. Eles se acostumam com o sprint do jogo, onde você
tem que correr se preparando para receber um tackle, por exemplo.
No treinamento de velocidade, queremos achar a relação ótima entre for-
ça/explosão e relaxamento.

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Pirâmide da técnica

Postura
Como podemos ver na imagem acima, a POSTURA é o primeiro e
mais importante fator a ser analisado e trabalhado. Corrigindo a postura,
muito das ações de perna e braço são corrigidas por arrasto, como con-
sequência.

Longe de querer transformar esse e-book num livro de biomecânica, quero


trazer informações práticas e erros que vejo comumente com meus atle-
tas. Com relação a postura, segue:

Posicionamento pélvico
Vamos considerar dois posicionamentos básicos da pélvis:

Pélvis anteriorizada (antroversão) (bumbum empinado)

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Pélvis posteriorizada (retroversão) (bumbum para dentro)

1 Imagem “Postura neutra” 2 Imagem “Antroversão” 3 Imagem


“Retroversão”

Quando trabalhamos velocidade máxima, queremos manter a pélvis


em posição neutra (meio do caminho) ou levemente em retroversão. Mas
a maioria dos atletas que vejo comentem dois erros: correm com a pélvis
fixa em antroversão ou não conseguem estabilizar a pélvis e assim ela
muda de posição a cada passada.

Mas por que buscar a posição neutra ou levemente em retroversão? Dito


de maneira simples, esse posicionamento permite que mais potência seja
desenvolvida ainda assim economizando maior energia. Win-win.

Utilizo um passo a passo simples para melhorar o posicionamento da pél-


vis, com um exercício conhecido como deadbug, ou tartaruga, como já
ouvi em português.

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Nesse exercício o foco é desenvolver consciência e controle do posicio-


namento pélvico, antes de querermos fazer isso correndo. O atleta irá dei-
tar como demonstrado na imagem, e a primeira coisa que irá fazer é puxar
seu umbigo para dentro, em direção a coluna. Isso irá ativar o transverso
abdominal. Em seguida, ele irá tensionar o abdômen, como se estivesse
em uma luta de boxe, pronto para amortecer um soco. Lembre-se, para
os movimentos citados, e também para os seguintes o atleta não pode
ficar tenso, ele deve procurar um equilíbrio. Com o abdomem contraido,
ele irá agora imaginar que tem que pressionar sua lombar contra o chão,
de modo que não sobre espaço nem para um inseto pequeno passar. No
começo, os atletas irão movimentar as pernas e tensionar o trapézio para
fazer esse movimento. Tudo bem, contato que ele esteja intencionalmente
tentando desligar esses segmentos que estão se movimentando aleatoria-
mente e isolar a musculatura do torso. Não prenda a respiração, busque
mantê-la fluida e constante.

Conseguindo manter essa postura de maneira isométrica, de maneira


isolada, com níveis de tensão equilibrados, o atleta agora irá ativar e des-
ligar esse movimento. Ou seja, irá fazê-lo de maneira dinâmica, num “liga

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e desliga”.

Completando mais essa etapa, o atleta agora irá movimen-


tar os membros (braços e pernas) de maneira alternada, sem per-
der a postura da pélvis que estamos trabalhando até agora.

O atleta agora tem consciência do que é um posicionamento pél-


vico, e de como atingi-lo. O trabalho agora é de reforçar esse po-
sicionamento nos drills específicos de atletismo. Lembre-se: que-
remos SEMPRE uma pélvis neutra ou levemente posteriorizada.
Outra possibilidade, mas que não exclui o uso do deadbug, é de o atle-
ta estar focando excessivamente na fase de extensão do quadril.

Comumente ouvimos a dica dos técnicos “empurre o chão para trás”,


ou “estica a perna toda”. Para que o atleta atinja total extensão absoluta
de quadril, não há outro jeito se não posicionar sua pélvis em antroversão.
Pior, esse foco em jogar o pé para trás demasiadamente faz com que o
atleta extenda demais a coluna.

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Isso gera problemas, como veremos adiante, no ciclo de pernas inteiro.


Diga para o seu atleta agir naturalmente, desenvolva um trabalho a partir
disso. Não force. “Não chute a porta de trás”. Utilize dicas como atacar o
solo, reagir no contato, ou “pedalar o planeta”.

Demasiada extensão ou flexão da coluna


Geralmente, os atletas vivem travados em extensão, devido ao próprio
esporte, mas também devido aos exercícios de força escolhidos. Some
isso a um “excesso de esforço”, e você verá atletas fazendo seus sprints
como patos (atleta em vermelho na imagem)

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Menos comum, mas ainda assim ocorrente, são atletas que correm cor-
cunda, em flexão excessiva, especialmente na parte superior das costas,
ou na coluna torácica superior.
Três maneiras para corrigir o problema: o primeiro é solicitar ao atleta que
pare de exagerar, tanto na vontade ou em menores casos no relaxamen-
to. Isso demanda que o atleta tenha ótima consciência corporal. Caso ele
não consiga corrigir isso dentro dos tiros, reforce as posturas dentro dos
educativos, o que também exige um certo nível de consciência corporal.
Por fim, para atletas com baixa consciência, comece com o exercício ga-
to-camelo.

Esse exercício é ótimo, por que vai ensinar ao atleta o que é flexão e
extensão da coluna, nos seus diversos segmentos, e como sustentar ou
mudar essas posições. A partir daí você reforça os posicionamentos nos
educativos e depois nos tiros.

Rotação de tronco
Pode estar relacionada ao movimento dos membros superiores (como

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

veremos adiante), mas também pode ser um fenômeno por si só. Quere-
mos evitar ou minimizar rotação de tronco excessiva por que, ao girar o
tronco, estamos quebrando o momentum que está acontecendo para o
deslocamento linear que é o trabalho de velocidade máxima.

Se o problema for relacionado ao controle de anti-rotação, sugiro in-


vestir na prancha lateral inicialmente, e evoluir para a prancha lateral com
remada.

Movimentação de pernas
Muitos pensam que a movimentação de pernas é o principal aspecto a
ser corrigido. Como já disse anteriormente, corrigindo a postura, muito da
movimentação de perna vem por consequência. Mas ainda assim, pode-
mos ver erros acontecendo mesmo com a melhora postural. Irei compar-
tilhar os erros mais comum que vejo com atletas que trabalham ou que
jogam/jogaram comigo.

Pare de chutar as portas!


Imagine que no momento da sua passada você tem duas portas, uma a
sua frente e outra atrás de você. Com o seu pé, você pode resolver chutá-
-las. Ou não. É, melhor não mesmo.

O chute da porta de trás eu já descrevi, quando o atleta busca fazer


extensão total do membro inferior (a famosa tripla extensão: quadril, joe-
lho e tornozelo) em sua amplitude máxima. Não só essa mentalidade é
antinatural e fora de ritmo, como acaba por tirar o alinhamento do atleta, e
envolver musculaturas somente estabilizadoras na geração de potência.

NÃO EXISTE TOTAL EXTENSÃO DO JOELHO NA COR-


RIDA! Exceto em casos de atletas muito específicos, onde o técnico
sabe o que trabalhar, a técnica padrão de Sprint não gosta dessa extensão

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

total.
O atleta está sim em explosão e máxima velocidade, mas também en-
contrando um equilibrio com o natural e o relaxado. Como não há exten-
são total, o atleta mantém o perfeito alinhamento postural e pode iniciar
sua próxima passada sem maiores problemas.

Deixando bem claro, não busque extender totalmente a perna que está
em contato com o solo. Não chute a porta de trás.

Agora a porta da frente. Normalmente, quando os atletas chutam essa


porta, ela costuma devolver a gentileza roubando os seus posteriores de
coxa. Então eles nunca chegam a passar da porta. É isso mesmo. Muitas
lesões de posterior, especialmente com atletas de campo/quadra ocorre
por que eles tentam alongar sua passada jogando seu pé a frente quando
o joelho está alto.

Olhe as imagens e imagine a sequência do Sprint (vamos analisar o pé


esquerdo da atleta).

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(Crédito: Stuart McMillian, ALTIS)

Seu pé acabou de atacar o chão, o que significa que a milésimos de


segundos atrás, os seus posteriores estavam contraindo para gerar po-
tência em extensão de quadril e depois te propulsionar acima e a frente
(imagens 1,2,3). Agora eles devem relaxar, e contrair de maneira sua-
ve, pois você vai posicionar seus calcanhares em seus glúteos (imagens
4,5), dando início a uma nova passada. Agora eles estão encurtados, e
seu joelho sobe para sua passada ser feita obviamente a frente de você
(imagem 6). Nesse momento, neste exato momento, seus posteriores ain-
da estão levemente encurtados e por isso ligeiramente contraídos. O que
você pede para eles fazerem quando chuta a porta da frente? Entrar em
um alongamento enorme, saindo de um encurtamento, a uma velocidade
muito alta, saindo de uma ligeira contração para uma enorme necessidade
de relaxamento. Para os preguiçosos que ainda acreditam que a técnica
correta é buscar a passada lá na frente, e que ainda estão teimosos em
assistir a um único tiro do Yohan Blake em câmera lenta no Youtube e ver
o tamanho desserviço que eles estão prestando a seus atletas quando
falam uma abobrinha dessa, eu já vou comentar o erro técnico que essa
asneira cria. É um assunto que me deixa tenso, porque o problema não é
a falta de conhecimento, já que esse é melhorado naturalmente quando
buscamos ser melhores técnicos. O problema são os índices de lesões
que acontecem e os meses/semestres que os atletas perdem, a frustração

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

que eles sofrem.

Correr em velocidades enormes exige não somente um nível de relaxa-


mento absurdo, mas também um componente coordenativo enorme. Velo-
cistas são atletas altamente coordenados. Pense na infinidade de gestos
motores a serem realizados de maneira rápida. Não somente isso, mas
em como eles tem de saber contrair e relaxar na hora certa (milésimos de
segundo em um tiro de 100 metros). Ainda que chutar a porta da frente
estivesse ligeiramente correto, você quer testar se o seu goleiro que mal
sabe correr tem a capacidade de “ligar e desligar” o posterior na hora
correta? Ele tem essa flexibilidade enorme? Você tem todo o tempo do
mundo para ensiná-lo somente isso?

Se você ainda acredita em chutar a porta da frente como norma bio-


mecânica para uma técnica eficiente, vou te explicar melhor. Quanto mais
à frente do nosso quadril acontece o contato do solo com o nosso pé,
mais desaceleramos o corpo ao invés de acelerarmos. Contatos longe do
centro de massa diminuem nossa velocidade. Se você estica o joelho para
buscar chão novo durante a fase de voo, seu pé tem que descer para fazer
o contato e continuar te impulsionando.
Qual parte do pé você acredita que vai fazer contato com o solo? Do meio
para os calcanhares ou talvez do meio para frente? Hmmm... E as travas
das sapatilhas dos velocistas ficam nos calcanhares ou na bola dos pés?
Hmmmm...

Se você ainda não acredita, assista um vídeo em câmera lenta de velo-


cistas de alto nível. O momento de contato do pé com o solo em 90% des-
ses atletas acontece o mais possível perto do centro de massa, “embaixo
do quadril”. Atletas que realizam o contato mais a frente (não muito mais a
frente) tendem a elevar menos os joelhos para justamente não estressar
em demasia os posteriores. A Jamaicana Shelly Ann-Fraser, realiza essa
técnica. Mas ela é treinada por um dos maiores técnicos de velocidade
da história, possui analistas biomecânicos à disposição, além de outros
aspectos, que conferem A ELA a possibilidade de fugir UM POUCO,

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

do modelo biomecânico.

A passada se alonga, ou seja, cobre mais distância na fase de voo, quan-


do ocorrem melhores manifestações biomecânicas na técnica de passa-
da, aliada a melhores golpes de tornozelo (que ocorrem naturalmente, não
forçados). Maiores distâncias exigidas por colocar o pé mais a frente não
resultam em passadas maiores, e se o fizerem, vamos ter tempos piores,
velocidades menores, e maiores chances de lesão.

Não estou dizendo que seus pés não devam abrir um pouco após você
elevar os joelhos.
Eles na verdade devem, ou você não irá atacar o solo de maneira adequa-
da. Mas, na minha experiência, quando ensinamos os atletas conceitos
de postura e de exagero de passada, eles ajustam muito naturalmente
para próximo do ideal.

Não subir o joelho


Muitos atletas correm com o joelho baixo. Após os calcanhares tocarem
os glúteos, o joelho deve subir de maneira a manter a naturalidade da cor-
rida, e também a melhorar a eficiência do ataque ao solo.

Quanto mais alto você levanta o martelo, mais forte acerta o prego.
Diferentes atletas respondem de maneira diferente a diversas solicitações
de mudança de técnica, mas eu percebi que para a maioria dos atletas,
insistir em educativos específicos, trabalho de parede e tiros em ritmo são
ótimos para solucionar esse problema.
Irei abordar os educativos e os outros exercícios que mencionei mais à
frente.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Pés “frouxos”
Você corrigiu sua passada, sua musculatura posterior é potente e você
consegue manifestar toda sua velocidade de maneira relaxada. Tudo isso
se converte para um único ponto: seus pés e tornozelos e o momento
em que eles atacam o chão. Agora é a hora da verdade. Por que você
quer converter tudo isso em contato, aplicar força rápida no chão, para
ele te devolver essa força e você ser propulsionado. Mas seus pés estão
frouxos, fracos, fora de posição. Toda aquela energia gerada é dissipada
quando você atinge o solo. Triste demais, e eu já estive no seu lugar.

Na hora do contato, os seus tornozelos devem estar em dorsiflexão, e


os seus dedos levantados, puxados para cima. Isso garante que a energia
gerada seja transferida de maneira adequada, e que você atinja o solo
mais perto do seu centro de massa. Também vejo diminuição da famosa
“canelite” quando prestamos atenção a esse detalhe.

Para corrigir o problema, a primeira parte é consciência. Muitos atle-


tas vão antecipar o contato. Olhe as imagens abaixo, correspondentes ao
instante que antecede o contato com solo de um atleta que saltou e está
retornando ao chão.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Na primeira o atleta mantém os pés fixos (em dorsiflexão e com dedos


para cima) e aguarda o contato com solo da fase de descida. Isso conver-
sa a energia elástica e permite que o atleta converta o encontro em força,
e minimiza riscos de lesão.

Na segunda imagem, o atleta antecipa o contato, perdendo a dorsifle-


xão. Consequentemente, o pé entrará desabado ao encontrar o solo, e ele
não poderá converter a força para gerar propulsão.

Após tomar consciência, o atleta deverá praticar em todos os exercícios


que realizar para velocidade (educativos, saltos e tiros).

Um ótimo exercício que utilizo para aplicar essa consciência e desenvol-


ver a “rigidez” chama-se pogo jumps. É uma sequência de saltos realiza-
dos verticalmente ou horizontalmente, onde o atleta vai saltar com mínimo
movimento de joelhos e quadril. Ou seja, a maior parte da absorção e da
amortização vem dos tornozelos e dos pés.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Movimentação de braços
A movimentação de braços geralmente apresenta menores proble-
mas, e corrigindo os outros problemas (postura e perna) ela tende a vir de
arrasto. Mas existem alguns aspectos na movimentação de braços que
são comuns e podem acontecer por si só e influenciar o resto da cadeia.
Vou citar os que mais comumente vejo em atletas.

Trapézios encolhidos (ombro para a ore-


lha).
Charlie Francis disse que se você tensiona os ombros, os quadris
tencionam como em um reflexo. Geralmente isso acontece por excesso de
força e tensão, e também por má qualidade de respiração.
Olhando bem, os dois estão relacionados.

Se este for o seu caso, primeiro de tudo, aprenda a respirar pelo dia-
fragma. Segundo a tensão tem uma velocidade horrível. Já o relaxamento
é muito rápido. Jogue seus ombros para suas orelhas o mais alto possível.
Sinta seu trapézio superior encolher, fazer força. Agora faça o oposto. Fuja
os ombros das orelhas. Você irá sentir o trapézio inferior (no “miolo das
costas”).

Perceba diferença de posicionamento. De tensão. Obviamente, não


queremos que você tampouco tencione excessivamente as costas na cor-
rida.
Queremos o meio termo, mas ele serve para você criar consciência no
posicionamento dos ombros.
Sempre busque o meio termo, em todos os exercícios. Pratique e pra-
tique até se tornar automático.

Existe um terceiro ponto no tensionamento dos ombros, e é um pouco

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

de quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Na próxima vez que fizer um


tiro, repare nas suas mãos e antebraços.

Eles estão duros, rígidos, tensionados? Talvez sim, alguns atletas soltam
os ombros quando soltam as mãos, e para outros é o contrário. Não tente
descobrir qual deles é você. Solte esses dois locais e corra mais rápido.

Lutamos Muay Thai, e não Karatê.


Existe uma movimentação ótima dos membros superiores. Olhe as
imagens. Queremos o cotovelo em flexão. Vão haver sim variações entre
atletas, pois não pode haver fixação excessiva que pode gerar tensão.
Mas definitivamente não queremos verificar constante extensão e flexão
de cotovelo, e sim flexão e extensão de ombros. Vamos golpear com o
cotovelo e não com as mãos.

Cabeça excessivamente a frente.


Sim, eu sei. Cabeça é axial (postural) e não apendicular (membros).
Mas percebo que ela está intimamente ligada aos membros superiores.
Resolvidos os outros pontos de membro superior, muitos provavelmente
a cabeça vai se resolver por si mesma. Mas ainda assim, alguns atletas
tendem a anteriorizar a cabeça numa tentativa de “se lançar a frente”,
achando que por conta desse esforço estarão mais rápidos. Devemos na
verdade buscar um alinhamento de coluna vertical, como se houvesse um
fio nos puxando para cima. E claramente, a cabeça “faz parte” da coluna.
No mais, mantenha a mandíbula relaxada, nada de cerrar os dentes.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Educativos
Educativos são essenciais, mas como meu técnico de sprint Carlão
da CH Runners sempre me diz, tem de haver intenção. Drills espalhados
e feitos de qualquer maneira não vão ajudar ninguém a ficar mais rápi-
do. É preciso que os drills sejam escolhidos para atacar os problemas da
melhor maneira com otimização do tempo e menor gasto de energia. Se
você quer melhorar seu tackle, não vai ficar fazendo duas horas de catch,
vai? Vou listar aqui os educativos que melhor atacam os problemas mais
comuns em jogadores de campo/quadra.

Wall Drill
Esses educativos são ótimos, pois isolar o atleta em uma parede de
modo que ele possa focar exclusivamente em aspectos posicionais, pos-
turais e de movimentação de membros inferiores antes de também se
preocupar também com deslocamento e equilíbrio como em educativos
de pista.

Se apoiando em uma parede, o atleta irá movimentar a perna que está


do lado da parede. Já de início, é possível corrigir e reforçar facilmente os
problemas posturais que descrevemos no começo do livro.

Similar aos exercícios do vídeo, tem uma sequência particular que eu


gosto muito.

Vamos pedir para o atleta fazer o movimento cíclico das pernas en-
quanto está apoiado na parede. Dividindo o movimento em três etapas,
a primeira é o calcanharr pra bunda. Essa fase é onde o atleta inicia a
recuperação de perna para início do próximo ciclo. Uma ótima dica aqui
é que o atleta preste atenção no nível de tensão que ele está fazendo em
sua musculatura de posterior de coxa. Atletas tendem a tencionar excessi-

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

vamente esses músculos para realizar essa tarefa. E sim, o joelho pode e
deve começar a subir enquanto o calcanhar vai para a bunda.

A segunda etapa é o subir de joelhos (flexão de quadril). Aqui o atleta


deve buscar o confortável. Deve haver sim a elevação, mas sem exage-
ros. Dois pontos importantes aqui. O primeiro é que muitos atletas perdem
a ancoragem de tronco ao subirem o joelho, ficam corcundas e levam o
peito também pro joelho. O segundo ponto é que agora você começa a
relaxar gradativamente os posteriores para aumentar a abertura da passa-
da, com o pé começando a ir para frente.

A terceira etapa é o atacar o solo. Agora que após subir os joelhos,


você irá relaxar o quadríceps, lançar o pé um pouco a frente (dez graus
para ser mais exato, se tudo estiver ocorrendo como deveria) e atacar
o chão. Principais pontos a serem corrigidos: quando eu falo de atacar
o chão, atletas especialmente de contato, vão querer quebrar ou o pé
ou afundar o solo. Isso gera muita tensão desnecessária e faz com que
percamos postura. Ligado a isso, outro comum é de também perder an-
coragem de tronco e utilizar a coluna (estendê-la) para gerar impulsão.
Sua coluna está lá para estabilizar. É seu quadril que gera potência. Por
último, nessa fase atletas devem reforçar o pé rígido no contato, puxado
para cima, sem antecipar o solo.

A partir desses três momentos, o atleta tem uma infinidade de com-


binações que ele pode executar de acordo com suas necessidades e pon-
tos que ele precisa trabalhar. Eu nomeio cada fase com um número (1,2,3
respectivamente) e trabalho aumentando a velocidade de transição entre
cada uma. Por exemplo: UM! Eu espero dois segundos, checo se está
tudo certo e então DOIS! Repito a operação e então TRES! Com mais
dois segundos de análise começo o ciclo de novo. Você pode aumentar
ou diminuir as pausas. Você pode somente realizar duas fases, ou repetir
uma fase antes de ir pra próxima. Eu só não recomendo fazer ciclos se-
guidos e é proibido alterar a sequência (ir do 1 para o três, por exemplo).

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Não tenho uma recomendação de séries e repetições. Eu e meus


atletas fazemos até começar a cansar ou entediar ou acertar o que estava
errado.
Sim, é bem simples.

Marcha
Aqui vamos inserir deslocamento em baixa velocidade e exigir um con-
trole mais dinâmico. Devemos tentar carregar as dicas do exercício da
parede para a marcha. Como evolução, você pode solicitar ao atleta que
após o contato com o chão, ele fique na ponta dos pés, mas de maneira
reativa ao contato e não como se estivesse na musculação.

15 a 20 metros são suficientes nesse educativo, 2 a 4 repetições. O des-


canso é voltar andando ao ponto de partida.

A Skipping (famoso passear na floresta)


Agora o exercício fica dinâmico, pois o atleta tem de trocar de pés na
fase aérea, diferente da marcha, onde um pé espera o outro chegar para
subir o joelho.

Relaxamento e coordenação são o nome do jogo. 20 a 30 metros, 2 a


3 repetições, voltar andando.

Bicicleta
O atleta vai realizar o movimento cíclico completo, mas sem sair em
sprint. Sim, vai parecer estranho. O ponto aqui é buscar manter o movi-
mento uniforme, achando um equilíbrio entre giro de membros e força. O
atleta deve sentir que está acelerando e ficando mais rápido conforme a
distância progride. 2 a 3 repetições de 30 metros, voltar andando.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

1 2 3, PARA! (Altura do 9:00)


Pessoalmente, eu sofro muito nesse drill. A ideia é ensinar o atle-
ta a produzir contrações muito rápidas com mínimo de tensão, e após o
terceiro passo, no momento onde ele “congela”, ser capaz de absorver o
momentum que ele estava gerando e se perceber relaxado. Na dúvida, co-
mece lento e vá progredindo. 2 a 3 repetições de 20 metros. O descanso
aqui é mais especial. Descanse o suficiente para que sua respiração volte
ao normal e seus músculos “parem de arder”.

Tesoura (altura 1.45)


Esse educativo é ótimo. Muitos erros que você comete na sua velocida-
de máxima serão expostos aqui. E isso é ótimo. Não somente isso, mas
ele também te ensina a gerar potência do quadril.

3 a 4 repetições de 20 a 40 metros, voltar andando.

Corrida de ritmo.
Esse não é um educativo per se, mas funciona muito bem para começar
a transferir o que você aprendeu nos educativos, para a corrida em velo-
cidade em si. Dentro da distância escolhida, o atleta irá reproduzir o que
imagina ser a técnica perfeita da corrida de velocidade máxima. Mas você
não vai correr em velocidade máxima. É RITMO. Parece que você enga-
tou a quinta marcha, mas ainda está na velocidade de segunda. Está OK.
Se você sentir o corpo querendo acelerar, melhor ainda. Tudo bem ir mais
rápido conforme a distância aumenta. Só não transforme essa corrida em
um tiro. Pense em utilizar 70 a 80% da sua capacidade máxima.

1 a 3 repetições, 30 a 60 metros. Aqui vamos descansar 20 segundos

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

para cada 10 metros percorridos.


Se você correu 40 metros, vai descansar 80 segundos.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Tiros de velocidade
Como já disse anteriormente, educativos são importantes quando
escolhidos e bem direcionados. Mas você deve realizar corridas em ve-
locidade caso queira ficar mais rápido. Não dá para colocar 50kg no seu
agachamento sem agachar. É a mesma razão pela qual a conversação é
tão enfatizada em cursos de inglês.

Mas antes de discutirmos os tiros em si, a intensidade aplicada deve ser


discutida. Pouquíssimos de nós vão fazer progresso na academia se toda
vez que agacharem, utilizarem 100% da sua carga máxima. Não somen-
te isso, mas o risco de lesão aumenta muito. Na academia, adaptações
positivas em força podem ocorrer já a partir de 80% da sua carga máxi-
ma. Com velocidade não é muito diferente. Correr sempre em 100%, ou
melhor ainda, QUERER correr a 100% da sua velocidade máxima todo
tempo é impraticável. Adaptações positivas ocorrem na faixa entre 92 a
95% da sua real velocidade máxima.

O que isso significa em termos práticos, para quem provavelmente não


vai ter uma fotocélula para ficar monitorando a velocidade na qual está se
deslocando? Continue correndo rápido, mas não coloque na cabeça que
precisa correr para ganhar o campeonato mundial. Se esforce sim, mas
mantenha o nível relaxamento/tensão em níveis ótimos.

Continuum da prescrição
A metragem que vamos prescrever e o intervalo de descanso entre
cada repetição são determinados pela sua velocidade, peso, e prática de
atletismo. Um wing que foi corredor de 100 metros na escola, e pesa 80kg
vai precisar de metragens e descansos muito maiores do que um pivô
do handebol que nunca fez um educativo de corrida. Isso porque o atleta
mais rápido é capaz de produzir maiores níveis de potência e velocidade,

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

e consequentemente vai mostrar um display neural muito maior, necessi-


tando, portanto, de maior descanso. Não somente isso, mas ele precisa de
maiores distâncias para chegar perto de sua velocidade máxima.

Como guia, vocês podem utilizar a tabela abaixo. Lembre-se que nada
disso está escrito em pedra. Existem atletas leves que não são tão rápidos,
e atletas maiores que são rápidos. Além disso, conforme o atleta evolui e
melhora sua velocidade e conhecimento, ele pode “migrar” de uma ponta
para o meio, ou do meio para a outra ponta.

Duas vezes por semana é o máximo e ao mesmo tempo o ideal para


melhorar a velocidade. Isso por que o treino de velocidade tem alto impac-
to neural e nas articulações. Não somente isso, mas o atleta também vai
realizar outros treinos ao longa da semana, como força e técnico-táticos.
Se for um bloco concentrado de velocidade, onde é a única capacidade a
ser treinada, podemos incluir um treino a mais de aceleração (tiros curtos
e/ou em ladeiras). Entre cada treino de velocidade vamos querer um mí-
nimo de 72 horas de descanso. O ideal é diminuir o volume de hipertrofia,
ou manipular essa hipertrofia para que o atleta possa correr com o mínimo
de dor pós-treino. Mas ainda, em um mundo ideal, queremos que o sprint
seja realizado no mesmo dia do treino de força inferior, preferencialmen-
te antes. Se nada disso for possível, ou se você estiver no meio de uma
temporada complicada, não se preocupe. É possível melhorar, ainda que
de maneira um pouco mais lenta, com apenas uma sessão por semana.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Tiros para desenvolvimento de velocida-


de
Vamos usar três métodos para realizar os treinos de velocidade: fall in
(caindo), fly (lançado) e floating (flutuando). Vamos analisar e descrever
cada um.

Fall in
Aqui o atleta basicamente vai correr a distância prescrita inteiramente
em velocidade máxima. 20 a 60 metros, não importa. O detalhe desse tiro
é a saída. O atleta não vai sair de uma posição estática (2, 3 ou 4 pontos),
mas sim de um movimento dinâmico. Posicionado de pé, o atleta vai deixar
seu corpo iniciar uma queda livre, ou então de maneira fluida e dinâmica o
atleta vai de uma posição alta para uma posição agachada ou curvada e
inicia o tiro. Isso ajuda a entrar em uma postura e em uma sensação mais
próximas da velocidade máxima e a entender a transição de aceleração
para velocidade.

FLYS
Vamos determinar duas metragens. A primeira metragem é a de ace-
leração, onde você vai construindo a velocidade, para quando chegar na
segunda metragem você atingir velocidade máxima. Por exemplo, um tiro
de 30m fly pode ser dividido em 20 metros de aceleração e 10 metros de
velocidade máxima.

Imagine um avião em uma pista de decolagem. Ele precisa, no perío-


do de aceleração, desenvolver velocidade suficiente para quando a pista

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

acabar, ele tenha capacidade de decolar. Nesse exercício é exatamente


isso. Você utiliza a primeira metragem para construir uma velocidade tal,
que quando chega no momento de explosão, você já está o mais rápido
que pode.

Se programarmos 4 tiros desse por exemplo, eu gosto sempre de fazer


o primeiro para ritmo. Isso porque muitos atletas não conseguem “pegar
a sensação” no primeiro tiro. Ou eles chegam no momento de decolagem
com baixa aceleração, ou explodem antes da decolagem.
Raramente vamos precisar de mais de 30 metros na fase de decolagem.

Raramente vamos precisar de mais de 30 metros na fase de decola-


gem. Eu já utilizei até mesmo 7 metros com atletas iniciantes e pesados.
E nem mesmo atletas leves e com larga experiência vão se beneficiar de
metragens muito maiores que essa. Entre 10 a 20 metros é o ideal. E sem-
pre comece com menos. Para a fase de aceleração, vejo como mínimo 15
metros e não há necessidade de mais do que 30 metros. Sendo lógico, a
distância de aceleração vai ser quase sempre maior ou no mínimo igual à
distância de velocidade máxima.

É importante deixar claro que queremos acelerar como um Uno, e não


como uma Ferrari! Ou seja, o atleta deve dar o tempo da metragem res-
crita para que a velocidade se desenvolva gradualmente e ele sinta esse
desenvolvimento, esse aumento gradual. Com uma Ferrari, não tem de-
senvolvimento, ela já sai muito rápido do ponto inicial.

Quando calcular a metragem total e o descanso, inclua nos seus cál-


culos as distâncias de desenvolvimento. Por exemplo: você tem um Line-
backer que irá fazer 35 metros de fly, com 20 metros de aceleração e 15
metros de velocidade máxima, com 40 segundos de descanso para cada
10 metros. Logo ele irá realizar no máximo 4 tiros no dia, totalizando 140
metros na sessão, com descanso de 140 segundos ou 2 minutos e 20 se-
gundos entre cada tiro.

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Floating
Esse método é especial para ensinar o atleta a relaxar durante a fase de
velocidade máxima, mas ainda assim aplicar “intenção”.

Agora vamos dividir a metragem em no mínimo 3 partes, podendo


chegar em até cinco. Não necessariamente nessa ordem, mas os trechos
são divididos entre: aceleração ou desenvolvimento, velocidade máxima
ou decolagem e flutuação. A fase de aceleração é a fase de construção
da velocidade, idêntica a dos flys. A fase de velocidade máxima também
é a mesma do exercício anterior. A coisa fica interessante agora. Vamos
introduzir uma fase de flutuação.

Imagine que você está coma sua moto, quinta marcha, 140km/h em uma
reta. Velocidade máxima. Você está com o acelerador no talo, injetando
o máximo possível de gasolina. Agora você encontra uma descida. Você
precisa continuar injetando gasolina no talo para manter a velocidade de
140km/h? Não, você mantém na quinta marcha, diminui o giro no acele-
rador e relaxa. Essa é a fase de flutuação, você já atingiu sua velocidade
máxima antes, na fase de decolagem. Agora é relaxar e manter o que já
foi alcançado. Eu não disse para colocar no ponto morto. Você ainda está
pilotando, ainda tem técnica, ainda tem intenção, mas você não precisa
mais socar tanta gasolina (esforço) para atingir o máximo.

Por via de regra, se você incluir a fase de aceleração ela sempre tem
que ser a primeira, e uma fase de flutuação nunca vai ser a primeira Fora
isso, sinta-se livre para montar o floating como quiser. Vou dar algumas
sugestões de divisão para ficar mais fácil a visualização.

Aceleração (trechos de 7 até 30 metros)


Explosão (7 a 20 metros)
Flutuação (7 a 20 metros)

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Exemplos:

Aceleração (10m) – Explosão (10m) – Flutuação (10m)


Aceleração (10m) – Explosão (10m) – Flutuação (10m) – Explosão (10m)
Explosão (15m) – Flutuação (10m) – Explosão (10m)
Aceleração (20m) – Flutuação (15m) – Explosão (10m) – Flutuação (10m)
Aceleração (10m) – Explosão (10m) – Flutuação (20m)

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Wrapping it up! Cons-


truindo sessões.
Vou ajudar vocês construindo duas sessões de treino. Uma é para um
atleta muito pesado (135kg) com nenhuma ou pouca experiência em trei-
nos de velocidade. A outra é para um atleta pesado (+100kg) mas com
larga experiência em treinos de velocidade

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Conceitos básicos - Velocidade e Aceleração

Conclusão
Aqui, descrevi uma metodologia, um plano eficaz e seguro para trabalhar
velocidade máxima no contexto do esporte coletivo. Coloquei também
meus melhores insights de um trabalho que continuo aprimorando, em
mim e em outros atletas. Espero com esse trabalho ajudar a desenvolver
uma cultura de treinamento de velocidade dentro do esporte coletivo,
para que nossos atletas tenham melhores condições de treino, menores
chances de lesões e um melhor desempenho.

Qualquer dúvida, estou a disposição na minha conta do Instagram:


@alarconpreparadorfisico e no e-mail: laperformance15@gmail.com.
Muito obrigado e lembrem-se: Speed Kills!

Bibliografia
https://simplifaster.com/articles/rethinking-speed-american-football/
https://simplifaster.com/articles/nfl-speed/
https://simplifaster.com/articles/four-coactive-model-player-preparation/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28658072/

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