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1.
Como foi que Mestre Cereja, o marceneiro, achou um toco de pau que chorava e
ria como um menino
– E ra –uma vez...
Um rei!
– Não, errou. Era uma vez um toco de madeira.
Não era uma madeira de luxo, mas um simples toco da
pilha de lenha, daqueles que colocamos nos fogões e nas
lareiras para acender o fogo e aquecer as casas no inverno.
Não sei como foi, mas o fato é que um belo dia esse toco
de pau apareceu na oficina do velho marceneiro Mestre
Antônio, chamado por todos de Mestre Cereja por causa da
ponta de seu nariz, sempre lustrosa e vermelha como uma
cereja madura.
Logo que viu aquele toco de pau,
Mestre Cereja alegrou-se todo e,
esfregando as mãos de tão contente
que estava, murmurou:
– Esse toco apareceu em boa hora,
serve para eu fazer as pernas de uma
mesinha.
Dito e feito: pegou logo o machado
afiado para começar a tirar a casca e
acertar a madeira. Mas, quando ia dar
a primeira machadada, ficou com o
braço parado no ar, pois ouviu uma
vozinha fraca, fraca, que pedia:
...ouviu uma vozinha fraca, fraca.
N
aquele momento, bateram na porta.
– Entre! – disse o marceneiro, sem força para ficar de
pé.
Quem entrou na oficina foi um velhote muito ágil,
chamado Gepeto. As crianças da vizinhança, quando
queriam provocar muita raiva nele, o chamavam de Polenta,
por causa de sua peruca amarela, que parecia muitíssimo
com uma polenta feita de milho.
Gepeto era muito bravo. Ai de quem o chamasse de
Polenta! Virava uma fera, e não havia mais como segurá-lo.
– Bom dia, Mestre Antônio. O que faz no chão?
– Ensino tabuada às formigas.
– Boa sorte nessa tarefa!
– O que o trouxe aqui, Compadre
Gepeto?
– Minhas pernas, Mestre Antônio. Vim
lhe pedir um favor.
– Estou aqui, pronto para servi-lo –
disse o marceneiro, ficando de pé.
– Esta manhã, tive uma ideia.
– Que ideia?
– Pensei em fabricar um belo boneco
de pau, mas um boneco extraordinário,
que saiba dançar, praticar esgrima e Um velhote muito ágil,
dar saltos mortais. Com esse boneco, chamado Gepeto.
quero andar pelo mundo, para ganhar um naco de pão e um
copo de vinho. O que acha disso?
– Bravo, Polenta! – gritou a vozinha que não se sabia de
onde vinha.
Ao ser chamado de Polenta, Compadre Gepeto ficou
vermelho feito um pimentão e, virando para o marceneiro,
disse, furioso por causa do atrevimento:
– Por que me ofende?
– Quem está ofendendo você?
– Você, que me chamou de Polenta!
– Não fui eu.
– Então, por acaso, fui eu mesmo?! Foi você, sim!
– Não!
– Sim!
– Não!
– Sim!
E, cada vez mais furiosos, das palavras os dois partiram
para a ação e se atracaram, se unharam, se morderam e se
rasgaram.
Terminada a luta, Mestre Antônio tinha na mão a peruca
amarela de Gepeto, e Gepeto tinha na boca a peruca cinza
do marceneiro.
– Devolva minha peruca! – gritou Mestre Antônio.
– E você devolva a minha, e vamos fazer as pazes.
Os dois velhotes, depois de cada um ter recuperado a
própria peruca, apertaram as mãos e juraram ser bons
amigos por toda a vida.
– Então, Compadre Gepeto, o que quer de mim? – disse o
marceneiro, em sinal de que tinham mesmo feito as pazes.
– Quero um toco de pau para fabricar meu boneco. Pode
me dar?
Mestre Antônio, todo contente, foi logo pegar aquele
pedaço de pau que lhe causara tanto medo. Mas quando ia
entregá-lo ao amigo, o toco deu um pinote e, escapando
violentamente das mãos do Mestre, foi bater com força nas
canelas magricelas do pobre Gepeto.
– Ah! É dessa bela maneira, Mestre Antônio, que você me
dá essa coisa? Você quase me estropiou!...
– Juro que não fui eu!
– Então fui eu, por acaso?!
– A culpa é toda desse toco...
– Sei que é do toco, mas foi você que o atirou nas minhas
pernas!
– Eu não atirei nada!
– Mentiroso!
– Gepeto, não me ofenda, senão
chamo você de Polenta!...
– Asno!
– Polenta!
– Burro!
– Polenta!
– Macaco feio!
– Polenta!
Ao ser chamado de Polenta pela
terceira vez, Gepeto ficou cego de
raiva, avançou sobre o marceneiro... e
os dois se pegaram com unhas e
dentes.
Terminada a batalha, Mestre Antônio
se viu com dois arranhões a mais no nariz, e Gepeto, com
dois botões a menos no casaco. Com as contas assim
empatadas, apertaram as mãos e juraram ser bons amigos
por toda a vida.
Então Gepeto pegou o bravo toco de pau e, agradecendo
ao Mestre Antônio, voltou mancando para casa.
3.
GEPETO COMEÇA LOGO A FABRICAR O BONECO, A QUEM DÁ O NOME DE
PINÓQUIO. PRIMEIRAS TRAVESSURAS DO BONECO
A casa
de Gepeto era um quartinho térreo que recebia luz
de um vão de escada. A mobília não podia ser mais
simples: uma cadeira ruinzinha, uma cama nada boa e uma
mesinha toda arruinada. Na parede do fundo, via-se uma
lareira com fogo aceso, mas o fogo era só um desenho, e
perto dele estava pintada uma panela que fervia
alegremente e soltava para o ar uma nuvem de fumaça que
parecia fumaça de verdade.
Assim que entrou em casa, Gepeto pegou as ferramentas
e logo começou a entalhar o toco para fabricar seu boneco.
– Que nome vou dar a ele? Já sei, vou chamá-lo de
Pinóquio. Conheci uma família inteira de Pinóquios:
Pinóquio, o pai, Pinóquia, a mãe, e os filhos Pinóquios. O
mais rico deles ainda era pobre. E todos viviam bem. Esse
nome trará sorte a ele – disse para si mesmo.
Quando encontrou o nome para o boneco, Gepeto se
animou mais a trabalhar, e logo fez os cabelos, depois a
cara, depois os olhos.
Feitos os olhos, imagine a surpresa do velhote quando se
deu conta de que se moviam – mas, naquele momento,
estavam parados, imóveis, olhando para ele.
Gepeto, percebendo o olhar dos dois olhos de pau, quase
passou mal e perguntou, incomodado:
– Olhões de pau, por que me olham?
Ninguém respondeu.
Depois dos olhos, Gepeto fez o nariz, mas, assim que
ficou pronto, o nariz começou a crescer – e cresceu, e
cresceu, e cresceu! Em poucos minutos, era um narigão que
não acabava nunca.
O pobre Gepeto já estava cansado de tanto entalhar, e,
quanto mais entalhava e cortava, mais aquele nariz
impertinente espichava.
E
nquanto o pobre Gepeto era conduzido à prisão, sem ter
culpa nenhuma, o moleque do Pinóquio, livrando-se das
garras do guarda, danou a correr pelo campo, para voltar
mais depressa para casa. E, no grande entusiasmo de
correr, pulava barrancos altíssimos, moitas de ameixas e
valas cheias d’água, tal e qual teria feito um cabrito ou um
coelho perseguido por caçadores.
Chegando em casa, empurrou a porta da rua, que estava
meio aberta, entrou, trancou-a e sentou-se no chão,
deixando escapar um grande suspiro de contentamento.
Mas aquele contentamento durou pouco, pois ouviu bem
perto alguém que cantava assim:
– Cri-cri-cri!
– Quem está aí? – disse Pinóquio com medo.
– Sou eu!
Pinóquio virou para aquele lado e viu um grande grilo que
subia devagar, passo a passo, pela parede.
– Diga-me, Grilo, quem é você?
– Eu sou o Grilo Falante, e moro aqui há mais de cem
anos.
– Mas agora este lugar é meu! E se quer me fazer um
grande favor, vá logo embora, sem olhar para trás – disse o
boneco.
– Eu não vou embora daqui sem antes lhe dizer uma
grande verdade – respondeu o Grilo.
– Diga e vá embora depressa.
– Ai daquelas crianças que se rebelam contra os pais e
que, por capricho, abandonam a casa paterna. Nunca terão
nada neste mundo e, cedo ou tarde, vão se arrepender
amargamente.
– Então cante, seu Grilo, como parece que gosta de fazer,
porque amanhã, ao amanhecer, vou embora daqui, pois, se
eu ficar, vai me acontecer o que acontece a todas as outras
crianças: vão me mandar para a escola, e, por bem ou por
mal, terei de estudar, e eu, para dizer a verdade, não tenho
um pingo de vontade de estudar, eu quero é me divertir,
correr atrás das borboletas, subir nas árvores e pegar os
passarinhos no ninho...
– Pobre tolinho!... Você não sabe que, fazendo isso,
quando crescer será um belíssimo burro, e todos vão rir de
você?
– Cale a boca, Grilão azarento! – berrou Pinóquio.
Mas o Grilo, que era paciente e filósofo, em vez de levar a
mal esse atrevimento, continuou, com o mesmo tom de voz:
– E se não gosta de ir à escola, por
que não aprende ao menos um ofício
que dê para ganhar honestamente um
pedaço de pão?
– Quer que lhe diga? Entre os ofícios
do mundo, há só um que
verdadeiramente me dá prazer –
respondeu Pinóquio, que começava a
perder a paciência.
– E que ofício seria esse?
– O de comer, beber, dormir, me
divertir; o de levar, da manhã até a
noite, a vida de vagabundo.
– Todos aqueles que praticam esse
ofício acabam quase sempre no
...pegando na bancada
hospital ou na prisão – disse o Grilo um martelo de madeira,
Falante com a calma de sempre. jogou-o contra o Grilo
Falante.
– Olhe aqui, Grilão azarento!... Se eu ficar com raiva, ai de
você!
– Pobre Pinóquio, você me dá dó!...
– Por que dou dó a você?
– Porque é um boneco e, o que é pior, porque tem a
cabeça de pau.
Ouvindo essas palavras, Pinóquio pulou com muita raiva
e, pegando na bancada um martelo de madeira, jogou-o
contra o Grilo Falante. Talvez não quisesse acertar para
valer, mas infelizmente o atingiu justo na cabeça, tanto que
o pobre grilo apenas teve fôlego para fazer:
– Cri-cri-cri... – e ficou ali, esticado e grudado na parede.
5.
Pinóquio tem fome e procura um ovo para fazer uma omelete, mas no melhor da
festa a omelete voa pela janela
N
esse meio-tempo, começou a cair a noite, e Pinóquio,
lembrando que não tinha comido nada, sentiu um vazio
no estômago muito parecido com apetite.
E o apetite das crianças aumenta rápido, e, de fato,
poucos minutos depois o apetite virou fome, e a fome, pelo
visto e pelo não visto, se transformou em uma fome de
lobos, uma fome tão dura, que quase se podia cortar com a
faca.
O pobre Pinóquio correu depressa à lareira, onde uma
panela fervia, e foi destampá-la, para ver o que havia
dentro, mas a panela era pintada na parede. Imagine como
ele ficou. Seu nariz, que já era comprido, ficou pelo menos
quatro dedos mais comprido.
Então o boneco começou a correr pelo quarto e a remexer
em todas as caixas e em todos os esconderijos em busca de
um pedaço de pão – e podia ser até uma fatia seca, uma
casquinha de pão ou um osso reservado para o cachorro,
um pouco de polenta mofada, uma espinha de peixe, um
bago de cereja, afinal, qualquer coisa para mastigar... Mas o
que encontrou? Nada, um grande nada, o próprio nada.
Entretanto a fome crescia, crescia sempre, e o pobre
Pinóquio não tinha o que fazer a não ser bocejar, e dava
bocejos tão longos que às vezes a boca lhe chegava até as
orelhas. E depois de ter bocejado, cuspia, e sentia que o
estômago parecia ter ido embora.
Então, chorando, desesperado, dizia:
– O Grilo Falante tinha razão. Eu fiz mal em me revoltar
contra meu pai e em fugir de casa... Se o meu pai estivesse
aqui agora, eu não estaria morrendo de bocejar! Oh! Que
doença ruim é a fome!
Nisso, ele pensou ver, no monte de lixo, algo redondo e
branco, que parecia em tudo com um ovo de galinha. Deu
um salto e jogou-se em cima dele. Foi um pulo só: era um
ovo, mesmo!
Impossível descrever a alegria do boneco: é preciso
imaginá-la. Quase pensando que fosse um sonho, revirava o
ovo entre as mãos, acariciando-o, beijando-o, tornando a
beijá-lo, e dizia:
– E agora, como devo cozinhá-lo? Faço uma omelete?...
Não, é melhor fazer um prato com ele!... Não ficaria mais
gostoso se o fritasse na frigideira? E se em vez disso o
cozinhasse como ovo quente, para beber? Não, o modo
mais rápido de todos é cozinhá-lo na frigideirinha: estou
com muita vontade de comê-lo!
Dito e feito: colocou a frigideirinha sobre o fogareiro
sempre cheio de brasas acesas e nela, em vez de azeite ou
de manteiga, jogou um pouco de água. E, quando a água
começou a fumegar...
– Tac!... – quebrou a casca do ovo para despejá-lo lá
dentro.
Mas em vez da clara e da gema, saiu lá de dentro, todo
alegre e gentil, um pintinho que, fazendo uma bela
reverência, disse:
– Mil agradecimentos, senhor Pinóquio, por ter me
poupado o trabalho de quebrar a casca! Até mais ver, fique
bem, e muita saúde aos de casa!
Dito isso, abriu as asas e, atravessando a janela aberta,
voou até se perder de vista.
O pobre boneco ficou ali, como encantado, os olhos
parados, a boca aberta e as cascas do ovo na mão. Refeito,
porém, do primeiro susto, começou a chorar, a gritar, a
bater os pés no chão, desesperado e aos prantos:
– O Grilo Falante tinha razão! Se eu não tivesse fugido de
casa e se meu pai estivesse aqui, eu agora não estaria
morrendo de fome. Ah! Que doença grave é a fome!...
E porque o estômago continuava a roncar mais que nunca
e não sabia como fazer para acalmá-lo, Pinóquio pensou em
sair e dar uma escapada até algum lugar próximo, na
esperança de encontrar alguém caridoso que lhe desse de
esmola um pedaço de pão.
6.
Pinóquio adormece com os pés sobre o fogareiro e, na manhã seguinte, acorda
com eles queimados
E
ra decididamente uma noite infernal. Trovejava forte,
relampejava como se o céu pegasse fogo, e uma
ventania fria e cortante, assobiando raivosamente e
levantando uma imensa nuvem de poeira, fazia gemer e
ranger todas as árvores do campo.
Pinóquio tinha um medo enorme dos
trovões e dos raios, embora a fome
fosse mais forte que o medo, motivo
pelo qual encostou a porta de casa,
pegou a estrada e, com uma centena
de saltos, chegou até um lugar vizinho,
com a língua de fora e ofegando como
um cão de caça.
Mas encontrou tudo escuro e
deserto. As lojas estavam fechadas, as
portas das casas, fechadas, as janelas,
fechadas, e na rua nem ao menos um
Voltou para casa molhado
cão. Parecia um lugar de mortos.
como um pintinho...
Tomado pelo desespero e pela fome,
Pinóquio se agarrou à campainha de uma casa e começou a
tocá-la sem parar, dizendo baixinho:
– Vai aparecer alguém.
De fato, apareceu uma touca de dormir e, debaixo dela,
um velho, que gritou, irritado:
O que quer a esta hora?
– Você faria o favor de me dar um pedaço de pão?
– Espera aí, que eu volto já! – respondeu o velhinho,
acreditando ser alguma daquelas crianças maluquinhas que
se divertem, de noite, tocando as campainhas das casas,
para incomodar as pessoas de bem que dormem
tranquilamente.
Depois de meio minuto a janela se abriu, e a voz do
mesmo velhinho gritou para Pinóquio:
– Venha cá embaixo e apara com o chapéu.
Pinóquio, que não tinha ainda um chapéu, aproximou-se e
sentiu chover em cima dele uma enorme baciada d’água,
que o regou todo, da cabeça aos pés, como se fosse um
vaso de gerânios murcho.
Voltou para casa molhado como um pintinho e morto de
cansaço e de fome. E porque não tinha mais forças para
ficar de pé, foi sentar-se, apoiando os pés encharcados e
enlameados sobre o fogareiro cheio de brasas acesas.
Ali adormeceu; enquanto isso, seus pés, que eram de
pau, pegaram fogo: pouco a pouco viraram carvão e depois,
cinzas.
Pinóquio continuava a dormir e a roncar, como se os pés
não fossem dele. Finalmente, ao clarear o dia, acordou, pois
alguém tinha batido na porta.
– Quem é? – perguntou, bocejando e esfregando os olhos.
– Sou eu! – respondeu uma voz.
Era a voz de Gepeto.
7.
Gepeto volta para casa e dá ao boneco o lanche que tinha trazido para si
O
pobre Pinóquio, que tinha os olhos ainda sonolentos,
não havia visto que seus pés estavam queimados.
Assim que ouviu a voz do pai, escorregou do tamborete
para correr e tirar a tranca da porta, mas, em vez disso,
depois de dois ou três tropeções, caiu de bruços, estendido
de comprido no chão.
Ao bater no chão, fez o mesmo barulho que teria feito um
monte de colheres caindo de um quinto andar.
– Abra para mim! – Gepeto gritava da rua.
– Papai, não posso... – respondia o boneco, chorando e
rolando no chão.
– Por que não pode?
– Porque comeram meus pés.
– E quem os comeu?
– O gato! – disse Pinóquio, vendo o gato, que se divertia
fazendo dançar alguns gravetos de pau com as patas
dianteiras.
– Abra, já! Senão, quando entrar em casa, pego você em
vez do gato! – repetiu Gepeto.
– Não posso ficar de pé, acredite. Oh! Pobre de mim!
Pobre de mim, terei de andar de joelhos por toda a vida!
Gepeto, acreditando que todo esse chororô fosse outra
travessura do boneco, resolveu acabar com ela e,
encarapitando-se em cima do muro, entrou em casa pela
janela.
A princípio, queria fazer o que disse, mas quando viu seu
Pinóquio esticado no chão e, realmente, sem pés, se
enterneceu. E logo o pegou no colo e se pôs a beijá-lo e a
fazer mil carícias e agrados, e, com as lágrimas rolando por
suas bochechas, disse, soluçando:
– Pinoquinho meu! Como é que foi queimar os pés?!
– Não sei, papai, mas acredite que foi uma noite dos
infernos, da qual me lembrarei enquanto viver. Trovejava,
relampejava, e eu tinha uma baita fome, e o Grilo Falante
me disse: “Bem feito: você foi malvado e mereceu isso”, e
eu disse: “Cuide-se, Grilo!...”, e ele me disse: “Você é um
boneco e tem a cabeça de pau”, e eu acertei nele o cabo do
martelo, e ele morreu, mas a culpa foi dele, pois eu não
queria matá-lo, prova é que pus uma frigideirinha na brasa
sempre acesa do fogareiro, mas o pintinho pulou para fora e
escapou dizendo: “Até mais ver... e muitas lembranças aos
de casa”. E a fome crescia sempre, motivo pelo qual
apareceu na janela a touca de dormir na cabeça de um
velhinho, que me disse: “Venha aqui embaixo e apara com o
chapéu”. E eu levei toda aquela baciada de água, mas pedir
um pouco de pão não é uma vergonha, não é verdade?
Voltei logo para casa, e porque estava ainda com uma fome
muito grande, pus os pés sobre o fogareiro para me secar, e
você voltou, e aqui estou eu todo queimado, e no entanto
continuo tendo fome, e pés não tenho mais! Ai! Ai! Ai! Ai!
E o pobre Pinóquio começou a chorar e a berrar tão forte,
que o ouviam a cinco quilômetros de distância.
Gepeto, que de todo aquele discurso complicado tinha
entendido uma coisa só, isto é, que o boneco estava
morrendo de tanta fome, tirou do bolso três peras e
estendeu-as a ele, dizendo:
– Essas três peras eram o meu lanche, mas eu dou a você
de boa vontade. Coma, e bom apetite.
– Se quer que eu coma, faça o favor de descascar.
– Descascar? – replicou Gepeto, surpreso. – Não sabia,
meu filho, que você tivesse tão pouco apetite e fosse tão
enjoado para comer. Vai mal! Neste mundo, desde criança,
devemos nos acostumar a morder e a comer de tudo, pois
não se sabe nunca o que pode vir pela frente. Acontece
tanta coisa!...
– Você está certo. Mas eu não comerei nunca uma fruta
que não esteja descascada. Não suporto cascas –
acrescentou Pinóquio.
E aquele bom homem pegou um canivete e, armado de
santa paciência, descascou as três peras e pôs todas as
cascas sobre um canto da mesa.
Quando, em duas bocadas, Pinóquio comeu a primeira
pera e fez que ia jogar fora o miolo, Gepeto segurou seu
braço, dizendo:
– Não jogue fora, tudo neste mundo pode ser aproveitado.
– Mas eu não como o miolo, de jeito nenhum!... – gritou o
boneco, revoltando-se, furioso.
– Quem sabe! Acontece tanta coisa!... – repetiu Gepeto,
sem se perturbar.
Fato é que os três miolos, em vez de jogados fora pela
janela, foram postos no canto da mesa, junto com as
cascas.
Comidas, ou, melhor dizendo, devoradas as três peras,
Pinóquio deu um longuíssimo bocejo e disse,
choramingando:
– Ainda tenho fome!
– Mas eu, meu filho, não tenho mais nada para lhe dar.
– Nada mesmo, NADA?
– Tenho somente essas cascas e esses miolos de pera.
– Paciência! Se não há outra coisa, como uma casca –
disse Pinóquio.
E começou a mastigar. A princípio, retorceu um pouco a
boca, mas depois, uma após a outra, engoliu de uma vez
todas as cascas, e depois das cascas, também os miolos, e
quando acabou de comer tudo, bateu todo contente na
barriga e disse, feliz:
– Agora sim, estou bem!
– Veja, então, que tenho razão quando digo que não
devemos ser nem muito exigentes nem muito enjoados de
paladar. Meu caro, não se sabe nunca o que se pode
encontrar neste mundo. Acontece tanta coisa!... – observou
Gepeto.
8.
Gepeto refaz os pés de Pinóquio e vende a própria casaca para comprar-lhe o
Abecedário
A
ssim que parou de nevar, Pinóquio, com seu belo
Abecedário novo debaixo do braço, saiu e foi andando
pela rua que levava à escola; enquanto caminhava,
fantasiava mil raciocínios e mil castelos no ar, cada um mais
bonito que o outro. E discursando para si mesmo, dizia, todo
comovido:
– Hoje, na escola, quero logo aprender a ler; amanhã
aprenderei a escrever, e depois de amanhã, a fazer contas.
Então, com minha habilidade, ganharei muitas moedas, e
com as primeiras moedas que ganhar, quero logo fazer para
meu pai uma bela casaca de pano. Mas... por que de pano?
Vou fazê-la toda de prata e de ouro, com botões de
brilhantes. Aquele pobre homem merece isso de verdade,
pois, afinal, para me comprar os livros e para me instruir,
ficou só de camisa... neste frio! Não há muitos pais capazes
de um sacrifício como esse!...
Nesse momento, ouviu à distância uma música de pífaros:
– Pi-pi-pi, pi-pi-pi...
E batidas de bumbo:
– Bum, bum, bum, bum...
Parou e ficou escutando. Os sons vinham do fundo de uma
rua comprida, que atravessava a rua da escola e levava a
um lugarejo à beira do mar.
– O que será essa música? Pena que eu tenho de ir para a
escola...
E permaneceu ali, indeciso. Mas precisava tomar uma
decisão: ou ir para a escola ou ir ouvir os pífaros.
– Hoje vou ouvir os pífaros e amanhã vou à escola. Para ir
à escola sempre há tempo – disse finalmente o moleque,
sacudindo os ombros.
Dito e feito: entrou na rua comprida e começou a correr.
Quanto mais corria, mais claro ficava o som dos pífaros:
– Pi-pi-pi, pi-pi-pi, pi-pi-pi...
E as batidas do bumbo:
– Bum, bum, bum, bum...
Logo Pinóquio se encontrou no meio de uma praça cheia
de gente, a qual rodeava um grande barracão de madeira e
de lona pintada de mil cores.
– O que é aquele barracão? – perguntou Pinóquio a um
menino do lugarejo.
– Leia o cartaz e saberá.
– Leria numa boa, mas justo hoje não sei ler.
– Belo burro! Então eu leio. Naquele cartaz de letras
vermelhas como o fogo está escrito:
GRANDE TEATRO DE BONECOS
– E faz muito tempo que começou a comédia?
– Vai começar agora.
– E quanto se paga para entrar?
– Quatro moedas.
Pinóquio, que tinha a febre da curiosidade, perdeu toda a
timidez e, sem se envergonhar, disse ao menino:
– Você me emprestaria quatro moedas até amanhã?
– Emprestaria numa boa, mas justo hoje não posso
emprestar – respondeu o outro, rindo dele.
– Por quatro moedas eu lhe vendo a minha jaqueta – disse
o boneco.
– Que quer que eu faça com uma jaqueta de papel florido?
Se chove, não há mais como tirá-la do corpo.
– Quer comprar os meus sapatos?
– São bons para acender o fogo.
– Quanto me dá pelo chapéu?
– Bela compra, essa! Um chapéu de miolo de pão! Os ratos
podem até vir comer minha cabeça!
− Você me dá quatro moedas por este Abecedário novo?
Q
uando Pinóquio entrou no teatro de marionetes,
aconteceu um fato que quase provocou uma revolução.
A cortina estava levantada, e uma comédia muito antiga e
conhecida por todo mundo já tinha começado.
Em cena, os personagens de sempre, Arlequim e Pulcinela,
estavam brigando e, como costumavam fazer, ameaçavam
de um momento para o outro trocar uma sequência de tapas
e pauladas.
A plateia, muito atenta, passava mal de tanto dar risadas
ao ouvir o bate-boca dos dois bonecos, que gesticulavam e
falavam cada insulto com tanta perfeição que pareciam ser
dois animais racionais de verdade, duas pessoas de carne e
osso.
De repente, no meio daquele “é-não é”, Arlequim parou de
recitar e, virando-se para o público e abanando a mão para
alguém no fundo da plateia, começou a gritar em tom
dramático:
– Deuses do céu! Estou sonhando ou estou acordado?
Aquele lá embaixo é Pinóquio!...
– Verdade! É Pinóquio! – gritou Pulcinela.
– É ele mesmo! – gritou a personagem Rosaura, apontando
a cabeça no fundo da cena.
– É Pinóquio! É Pinóquio! – gritaram em coro todos os
bonecos, saindo aos saltos das coxias.
– É Pinóquio! É nosso irmão Pinóquio! Viva Pinóquio!...
− Aquele lá embaixo é Pinóquio!...
O titereiro
Come-Fogo (era esse o seu nome) parecia um
homem espantoso, não nego, em especial por aquela
barba negra que, como um avental, lhe cobria inteiramente
o peito e as pernas; no fundo, porém, não era um homem
mau. Prova disso foi que, quando viu trazerem diante dele o
pobre Pinóquio, que se debatia para todo lado berrando
“Não quero morrer, não quero morrer!”, começou logo a
ficar comovido, penalizado, e, depois de resistir por um bom
tempo, não pôde mais e deixou escapar um sonoríssimo
espirro.
Ao ouvir o espirro, Arlequim, que até então estava aflito e
dobrado como um salgueiro chorão, mostrou o rosto, todo
alegre, e, inclinando-se para Pinóquio, sussurrou:
– Boas novas, irmão! O titereiro espirrou, isso é sinal de
que teve pena de você, e agora está salvo.
É necessário saber, pois, que, enquanto todos os homens,
quando sentem pena de alguém, ou choram, ou fingem
enxugar os olhos, Come-Fogo, toda vez que se enternecia
de verdade, espirrava. Era um modo como qualquer outro
de mostrar aos outros a sensibilidade de seu coração.
Depois do espirro, o titereiro, continuando a bancar o
ranzinza, gritou para Pinóquio:
– Pare de chorar! Seus lamentos me dão um mal-estar
aqui no fundo do estômago... Sinto um espasmo, que quase,
quase... – e deu outros dois espirros:
– Atchim! Atchim!
– Saúde! – disse Pinóquio.
– Obrigado. Seu pai e sua mãe ainda estão vivos? –
perguntou Come-Fogo.
– Oh, o papai, sim; a mamãe, eu não conheci.
– Quem sabe o desgosto que seria para o seu velho pai se
eu jogasse você entre aqueles carvões ardentes... Pobre
velho! Lamento... – e deu outros três espirros:
– Atchim, atchim, atchim!
– Saúde! – disse Pinóquio.
– Obrigado. Afinal, também eu devo me lastimar, pois,
como vê, não tenho mais lenha para acabar de assar aquele
cordeiro, e você, na verdade, nesse caso me seria muito
útil! Mas agora, que estou com pena de você, é ter
paciência. Vou pôr para queimar no espeto, em vez de você,
algum boneco da minha companhia. Olá, guardas!
A esse comando apareceram logo dois bonecos de
madeira altos, altos; secos, secos, de chapéu pontudo na
cabeça e espada desembainhada na mão.
Então o titereiro lhes disse com a voz rouca:
– Tragam aquele Arlequim ali, amarrem-no bem e o
joguem no fogo. Quero que o meu cordeiro fique bem
assado!
Imagine o pobre Arlequim! Foi tamanho o seu espanto,
que suas pernas se dobraram e ele caiu de bruços no chão.
Pinóquio, diante daquele espetáculo
torturante, foi jogar-se aos pés do
titereiro e, chorando exageradamente e
banhando de lágrimas os pelos da
longuíssima barba, começou a dizer
com voz suplicante:
– Piedade, senhor Come-Fogo!...
– Aqui não há senhores! – replicou
duramente o titereiro.
– Piedade, senhor Cavalheiro!... − Tragam aquele
Arlequim ali...
– Aqui não há cavalheiros!
– Piedade, senhor Comendador!
– Aqui não há comendadores!
– Piedade, Excelência!...
Ao ser chamado de Excelência, o titereiro fez logo uma
boquinha de coração e, tornando-se de repente mais
humano e mais tratável, perguntou a Pinóquio:
– Bem, o que quer de mim?
– Peço perdão para o pobre Arlequim!...
– Aqui não há perdão que resolva. Se poupei você, preciso
pôr o Arlequim no fogo, pois quero que o cordeiro seja bem
assado.
– Nesse caso, conheço meu dever! Adiante, senhores
guardas! Amarrem-me e joguem-me lá, entre aquelas
chamas. Não é justo que o pobre Arlequim, meu amigo de
verdade, morra em meu lugar! – gritou ferozmente Pinóquio,
erguendo-se e jogando fora o chapéu de miolo de pão.
Essas palavras, pronunciadas em voz
alta e em tom heroico, fizeram chorar
todos os bonecos presentes àquela
cena. Os próprios guardas, embora
fossem de madeira, choravam como
dois cordeirinhos de leite.
Come-Fogo, no princípio, ficou duro e
imóvel como um cubo de gelo, mas
pouco a pouco, ele também começou a
se comover e a espirrar. E quatro ou
cinco espirros depois, abriu
afetuosamente os braços e disse a
Pinóquio: E escalando como um
– Você é um grande e bravo boneco! esquilo a barba do
Venha cá, e me dá um beijo. titereiro...
Pinóquio correu logo e, escalando como um esquilo a
barba do titereiro, foi dar um belíssimo beijo na ponta de
seu nariz.
– Então o perdão está dado? – perguntou o pobre
Arlequim, com um fio de voz que mal se ouvia.
– O perdão está dado! – respondeu Come-Fogo, que
depois acrescentou, suspirando e balançando a cabeça:
– Paciência! Por esta noite eu me conformo a comer o
cordeiro meio cru: mas de outra vez, ai daquele a quem
couber ir para o fogo...!
À notícia do perdão dado, os bonecos correram para o
palco, foram acesas as luzes e os lampadários como em
noitada de gala, e todos começaram a saltar e a dançar.
Era madrugada e dançavam ainda.
12.
O titereiro Come-Fogo dá a Pinóquio cinco moedas de ouro para que as entregue
a Gepeto, mas, em vez disso, Pinóquio se deixa enrolar pela Raposa e pelo Gato
e vai embora com eles
N
o dia seguinte, Come-Fogo chamou Pinóquio de lado e
perguntou:
– Como se chama seu pai?
– Gepeto.
– E que ofício ele tem?
– O ofício de pobre.
– Ganha muito?
– Ganha tanto quanto é preciso para não ter nunca uma
moedinha no bolso. Imagine que, para me comprar o
Abecedário da escola, teve de vender a única casaca que
vestia: uma casaca que, entre puídos e remendos, era um
trapo só.
– Pobre diabo! Quase me dá compaixão. Eis aqui cinco
moedas de ouro. Vá logo levar para ele, com minhas
saudações.
Pinóquio, como é fácil imaginar, agradeceu mil vezes ao
titereiro, abraçou um a um todos os bonecos da companhia,
os guardas e, fora de si de contentamento, começou a
viagem de volta para casa.
Mas não tinha caminhado nem meio quilômetro quando
encontrou uma Raposa coxa de um pé e um Gato cego dos
dois olhos, que vagavam por ali, um ajudando o outro, bons
companheiros de desventura. A Raposa, que era manca,
caminhava apoiando-se no Gato, e o Gato, que era cego,
era guiado pela Raposa.
− Como é que sabe o meu nome?
C
aminharam, caminharam, caminharam e, afinal, no
início da noite, chegaram mortos de cansaço à Pousada
do Camarão Vermelho.
– Vamos parar aqui um pouco, para comer alguma coisa e
para descansarmos algumas horas. À meia-noite,
partiremos, para estarmos amanhã, ao amanhecer, no
Campo dos Milagres – disse a Raposa.
Na Pousada, os três sentaram-se à mesa, mas nenhum
deles tinha apetite.
O pobre Gato, sentindo-se gravemente indisposto do
estômago, não pôde comer a não ser trinta e cinco tainhas
com molho de tomate e quatro porções de dobradinha com
manteiga e queijo. E como a dobradinha não lhe parecia
temperada a seu gosto, refez por três vezes o pedido de
mais manteiga e queijo ralado!
A Raposa tinha beliscado, com prazer, alguma coisa
também, mas como o médico lhe tinha passado uma
rigorosíssima dieta, teve de se contentar com uma simples
lebre ao molho doce e azedo, com um levíssimo
acompanhamento de frangos gordos e de galetos al primo
canto.** Depois da lebre, pediu, para arrematar, um
refogadinho de perdizes, codornas, coelhos, rãs, lagartixas e
uva do paraíso, e depois não quis mais nada. Tinha tanto
enjoo da comida, dizia ela, que não podia nem sentir o
cheiro dela.
O que comeu menos foi Pinóquio. Pediu a metade de uma
noz e uma ponta de pão e deixou tudo no prato. O pobre
menino, com o pensamento fixo no Campo dos Milagres,
teve uma indigestão antecipada por causa das moedas de
ouro.
– E pagaram a ceia?
– Nem pensar! Eles são criaturas muito educadas para
fazerem semelhante afronta a Vossa Senhoria.
– Pena! Essa afronta teria me dado muito prazer! – disse
Pinóquio, coçando a cabeça; então perguntou:
– E onde meus bons amigos disseram que iam esperar por
mim?
– No Campo dos Milagres, de manhãzinha, ao despontar o
dia.
Pinóquio pagou uma moeda pelos quartos, por sua ceia e
pelas de seus companheiros, e partiu.
Pode-se dizer até que partiu tateando pelo caminho, pois
fora da Pousada estava uma escuridão tão escura, que não
se via nada daqui até ali. No campo em torno não se ouvia
farfalhar uma folha. Somente alguns passarões noturnos,
atravessando a estrada de uma moita a outra, vinham bater
as asas no nariz de Pinóquio, que, dando um salto para trás
de medo, gritava:
– Quem vem lá?
E o eco das colinas em volta repetia à distância: – Quem
vem lá? Quem vem lá? Quem vem lá?
Enquanto caminhava, o boneco viu no tronco de uma
árvore um animalzinho minúsculo que reluzia com uma luz
pálida e opaca, como uma chama dentro de uma lâmpada
de porcelana transparente de noite.
– Quem é você? – perguntou Pinóquio.
– Sou a sombra do Grilo Falante – respondeu o
animalzinho com uma vozinha fraca, fraca, que parecia vir
de outro mundo.
– O que quer de mim? – disse o boneco.
– Quero dar um conselho. Volte e leve as quatro moedas
que sobraram ao seu pobre pai, que chora e se desespera
por não ter mais visto você.
– Amanhã meu pai será um grande senhor, pois estas
quatro moedas virarão duas mil.
– Não confie, meu menino, naqueles que prometem fazer
você rico da noite para o dia. Em geral, ou são loucos ou
trapaceiros! Preste atenção, volte!
– Ao contrário, quero ir em frente.
– Já está tarde!...
– Quero ir em frente.
– A noite está escura...
– Quero ir em frente.
– A estrada é perigosa...
– Quero ir em frente.
– Lembre-se de que as crianças que querem fazer tudo
por capricho e ao modo delas cedo ou tarde se arrependem.
– Sempre as mesmas histórias. Boa noite, Grilo.
– Boa noite, Pinóquio, e que o céu o salve da geada e dos
assassinos.
Assim que disse essas últimas palavras, o Grilo Falante se
apagou de repente, como quando se sopra uma vela, e a
estrada ficou mais escura que antes.
14.
Pinóquio, por não dar atenção aos bons conselhos do Grilo Falante, se encontra
com os assassinos
N
aquele momento em que o pobre Pinóquio, enforcado
pelos assassinos em um galho do Grande Carvalho,
parecia mais morto que vivo, a Bela Menina dos Cabelos
Azuis chegou de novo à janela e, com pena daquele infeliz
suspenso pelo pescoço que dançava no ar aos sopros do
vento norte, bateu palmas por três vezes, produzindo três
delicados sons.
A esse sinal, ouviu-se um grande rumor de asas
apressadas que voavam com vigor, e um grande Falcão veio
pousar no parapeito da janela.
– O que ordena, minha graciosa Fada? – disse o Falcão,
baixando o bico em ato de reverência, pois fique sabendo
que a Menina dos Cabelos Azuis não era outra, no final das
contas, senão uma boníssima Fada, que há mais de mil anos
vivia nas vizinhanças daquele bosque.
– Vê aquele boneco balançando em um galho do Grande
Carvalho?
– Vejo.
– Bem: voe até lá, corte com seu fortíssimo bico o nó que
o mantém suspenso e, delicadamente, deite-o no capim ao
pé do Carvalho.
O Falcão voou e voltou dois minutos depois, dizendo:
– O que ordenou está feito.
– E como o encontrou? Vivo ou morto?
Um grande falcão veio pousar no parapeito da janela.
A
ssim que os três médicos saíram do quarto, a Fada
aproximou-se de Pinóquio e, depois de tocar sua testa,
percebeu que era acometido de uma febrona de não se
acreditar.
Então dissolveu um pozinho branco em meio copo d’água
e, estendendo-o ao boneco, disse, amorosamente:
– Beba, e em poucos dias estará curado.
Pinóquio olhou o copo, torceu um pouco a boca e
perguntou, com voz de choro:
– É doce ou amargo?
– É amargo, mas lhe fará bem.
– Se é amargo não quero.
– Confie em mim: beba.
– O amargo não me agrada.
– Beba, e quando tiver bebido darei a você uma balinha
de açúcar, para refrescar a boca.
– Onde está a balinha de açúcar?
– Aqui – disse a Fada, tirando-a de um açucareiro de ouro.
– Antes quero a balinha de açúcar, e depois beberei
aquela água amarga...
– Promete?
– Sim...
A Fada lhe deu a balinha, e Pinóquio, depois de mastigar e
engolir em um segundo, disse, lambendo os lábios:
– Beleza! Se o açúcar também fosse um remédio!... Eu
me medicaria todos os dias.
– Agora mantenha a promessa e beba essas poucas gotas
d’água, que lhe devolverão a saúde.
Pinóquio pegou o copo com má vontade, enfiou dentro
dele a ponta do nariz, depois o aproximou da boca, depois
tornou a enfiar nele a ponta do nariz, e, finalmente, disse:
– É muito amarga! Não posso beber. Muito amarga!
– Como pode dizer isso, se nem ao menos provou?
– Eu imagino! Senti o cheiro. Quero antes outra balinha de
açúcar... e então beberei!
Então a Fada, com toda a paciência de uma boa mãe, pôs
em sua boca outro pouco de açúcar, depois lhe ofereceu de
novo o copo.
– Assim não posso beber! – disse o boneco, fazendo mil
caretas.
– Por quê?
– Porque me dá enjoo aquele travesseiro que tenho lá
embaixo nos pés.
A Fada tirou o travesseiro.
– É inútil! Nem mesmo assim posso beber.
– Que outra coisa lhe dá enjoo?
– A porta do quarto, que está meio aberta.
A Fada foi lá e fechou a porta do quarto.
– Afinal, não quero beber essa água amarga, não, não,
não!... – gritou Pinóquio em um ataque de choro.
– Meu menino, você se arrependerá...
– Não me importa...
– A sua doença é grave.
– Não me importa...
– A febre levará você em poucas horas para o outro
mundo...
– Não me importa...
– Não tem medo da morte?
– Nenhum medo! Antes morrer que beber esse remédio
ruim.
Nesse momento, a porta do quarto se escancarou, e
entraram quatro coelhos negros como breu, carregando nos
ombros um pequeno caixão.
C
omo você pode imaginar, a Fada deixou que o boneco
chorasse e berrasse uma boa meia hora por causa
daquele nariz que não passava mais pela porta do quarto.
Fez isso para lhe dar uma severa lição e para que corrigisse
o feio hábito de dizer mentiras, o mais feio vício que uma
criança pode ter. Mas, quando o viu transfigurado e com os
olhos arregalados de desespero, ficou com pena: bateu
palmas, e a esse sinal entraram pela janela mil grandes
pássaros chamados pica-paus que, pousando sobre o nariz
de Pinóquio, começaram a bicá-lo tanto, tanto, que em
poucos minutos aquele nariz enorme e despropositado foi
reduzido ao seu tamanho natural.
– Como você é boa, minha Fada, e quanto lhe quero bem!
– disse o boneco, enxugando os olhos.
– Quero-lhe bem também, e, se quiser ficar comigo, será
o meu irmãozinho, e eu, a sua boa irmãzinha... – respondeu
a Fada.
– Eu ficaria numa boa, mas... e o meu pobre pai?
– Pensei em tudo. O seu pai já foi avisado, e antes que
anoiteça estará aqui.
– Verdade? Então, Fadinha minha, se não se importa,
queria ir ao encontro dele! Não vejo a hora de poder dar um
beijo naquele pobre velho que tanto sofreu por mim! –
gritou Pinóquio, saltando de alegria.
– Vá, então, mas cuide de não se distrair. Pegue o
caminho do bosque, estou certa de que o encontrará.
Pinóquio partiu, e logo que entrou no bosque começou a
correr como um cabrito. Mas quando chegou quase diante
do Grande Carvalho, parou, pois pareceu ter percebido
vultos andando por entre as árvores. De fato, viu aparecer,
na estrada, adivinhe quem? A Raposa e o Gato, ou seja, os
dois companheiros de viagem com os quais tinha jantado na
Pousada do Camarão Vermelho.
– Eis o nosso caro Pinóquio! Como veio parar aqui? –
gritou a Raposa, abraçando-o e beijando-o.
– Como veio parar aqui? – repetiu o Gato.
– É uma longa história, depois conto com calma. Saibam,
porém, que na outra noite, quando me deixaram sozinho na
Pousada, encontrei assassinos na estrada... – disse o
boneco.
– Assassinos?... Oh, pobre amigo! E o que queriam?
V
oltando à cidade, o boneco começou a contar os
minutos. Quando pareceu ser a hora, correu para a
estrada que levava ao Campo dos Milagres.
Enquanto caminhava com passo apressado, seu coração
batia forte, parecia um relógio de sala quando funciona de
verdade: – Tique-taque, tique-taque...
Ao mesmo tempo, Pinóquio falava consigo mesmo:
– E se em vez de mil moedas eu
encontrasse duas mil nos galhos da
árvore? E se em vez de duas mil, eu
encontrasse cinco mil? E se em vez de
cinco mil, eu encontrasse cem mil? Oh,
eu me tornaria, então, um belo senhor!
Teria um belo palácio, mil pôneis de
madeira e mil estábulos para me
divertir, uma adega de licores, com
aquele bem docinho, e uma estante
cheinha de doces cristalizados, tortas,
panetones, torrões de amêndoas e
enrolados com chantili.
Assim fantasiando, chegou bem ...tirou uma mão do bolso
perto do campo e parou para verificar e deu uma longuíssima
se avistava alguma árvore com os coçada na cabeça.
galhos carregados de moedas, mas não viu nada. Deu mais
cem passos adiante, e nada; entrou no campo e foi justo até
o pequeno buraco no qual tinha enterrado suas moedas... e
nada. Ficou um tempo pensativo e, esquecendo as regras
da etiqueta e da boa educação, tirou uma mão do bolso e
deu uma longuíssima coçada na cabeça.
Nisso, uma grande risada retumbou em seus ouvidos;
olhando para cima, viu em uma árvore um grande papagaio
que arrepiava as poucas penas que tinha pelo corpo.
– Por que ri? – perguntou Pinóquio com voz irritada.
– Rio porque arrepiar me dá cócegas sob as asas.
O boneco não respondeu. Foi ao açude, encheu de água o
mesmo chinelo e começou novamente a regar a terra que
recobria as moedas de ouro.
Outra risada, ainda mais impertinente que a primeira, se
fez ouvir na solidão silenciosa do campo.
– Afinal, posso saber, Papagaio malcriado, do que está
rindo? – gritou Pinóquio, com raiva.
– Rio dos bobalhões que acreditam em toda e qualquer
bobagem e se deixam enganar por quem é mais esperto
que eles.
– Por acaso está falando de mim?
– Sim, falo de você, pobre Pinóquio, de você, que é tão
desmiolado que acredita que é possível semear e colher
dinheiro nos campos, como se faz com os feijões e as
abóboras. Eu também acreditei nisso uma vez e hoje pago
com minhas penas! Hoje estou convencido de que, para
juntar honestamente algum dinheiro, é preciso saber ganhar
ou com o trabalho das próprias mãos, ou com a inteligência
da própria cabeça. Mas agora é tarde.
– Não entendo – disse o boneco, que já começava a
tremer de medo.
– Paciência! Explico melhor. Fique sabendo que, enquanto
você estava na cidade, a Raposa e o Gato voltaram aqui,
pegaram as moedas de ouro enterradas e fugiram com a
rapidez do vento. E agora, quem pode alcançá-los? – contou
o Papagaio.
Pinóquio ficou boquiaberto, não querendo acreditar nas
palavras do Papagaio, e com as mãos e as unhas começou a
escavar o terreno que tinha regado. E escava, que escava,
que escava, acabou fazendo um buraco tão fundo que nele
caberia, em pé, um monte de feno – mas as moedas não
estavam mais lá.
Tomado de desespero, o boneco voltou correndo à cidade
e foi direto ao tribunal, para denunciar os dois malandrinhos
que o tinham roubado.
I
magine a alegria de Pinóquio quando se viu livre. Sem
dizer uma palavra, saiu logo da cidade e pegou a estrada
para voltar à casa da Fada.
Por causa do tempo chuvoso, a estrada virou uma lama
só, que ia até o meio de suas pernas. Mas o boneco não se
importava. Entusiasmado pelo desejo de rever o pai e a
irmãzinha de cabelos azuis, ia aos pulos como um cão de
caça; com isso, os respingos chegavam até a altura de seu
chapéu.
Enquanto corria, Pinóquio ia dizendo consigo mesmo:
– Quantas desgraças me aconteceram... E eu mereço!
Pois sou um boneco teimoso e pirracento, quero sempre
fazer as coisas do meu modo, sem dar atenção aos que me
querem bem e que têm mil vezes mais juízo que eu! Mas,
quando chegar em casa, prometo mudar de vida e me
tornar um menino comportado e obediente! Só agora eu sei,
e muito bem, que as crianças, por serem desobedientes,
sempre se dão mal e enfiam os pés pelas mãos. E meu pai,
estará me esperando? Será que vou encontrá-lo na casa da
Fada? Faz tanto tempo que não o vejo, pobre homem, que
morro de vontade de fazer mil carinhos nele e de enchê-lo
de beijos! E a Fada, me perdoará pelo mal que fiz a ele? E
pensar que recebi tantas atenções e tantos cuidados
amorosos de meu pai... E pensar que, se ainda estou vivo,
devo a ele! Será que existe um menino mais ingrato e mais
sem coração que eu?!
Nesse momento, Pinóquio levou um susto tão grande que
deu quatro pulos para trás. O que tinha visto?
Estendida de atravessado na estrada, estava uma enorme
serpente de pele verde, olhos de fogo e uma cauda pontuda
que fumegava como uma chaminé.
Impossível imaginar o medo do boneco. Afastando-se
mais de meio quilômetro, resolveu sentar-se sobre um
montinho de pedras, esperando que a serpente fosse dar
uma bela volta para cuidar de seus afazeres e deixasse a
passagem livre.
Esperou uma hora, duas horas, três horas, mas a
serpente estava sempre lá, e mesmo de longe Pinóquio via
o avermelhado de seus olhos de fogo e a coluna de fumaça
que saía da ponta da cauda.
Então, fingindo ter coragem, o boneco chegou a poucos
passos de distância e, com uma vozinha doce, jeitosa e
suave, disse:
– Desculpe, Dona Serpente, a senhora faria o favor de sair
um pouquinho da frente, um tanto que desse para eu
passar?
Foi o mesmo que falar com um muro. Ela não se moveu.
Então ele continuou, com a mesma vozinha:
– Sabe, Dona Serpente, estou indo para casa, onde está
meu pai, que me espera e que há muito tempo não vejo!
Portanto, permite que eu siga meu caminho?
Esperou alguma resposta para aquela pergunta, mas ela
não veio. Pelo contrário: a serpente, que até então parecia
ágil e cheia de vida, ficou imóvel e quase dura. Os olhos se
fecharam, e a cauda parou de fumegar.
– Está morta de verdade? – disse Pinóquio com grande
alegria, esfregando as mãos de contente e, sem perder
tempo, fez que ia pular por cima dela, para passar para o
outro lado da estrada. Mas ele ainda não tinha acabado de
levantar a perna quando a serpente se ergueu de repente,
como uma mola, e o boneco, ao pular para trás de susto,
tropeçou e caiu no chão.
E caiu tão mal, tão mal mesmo, que ficou com a cabeça
enfiada na lama da estrada e com as pernas para o ar.
Ao ver aquele boneco que esperneava, em uma
velocidade incrível, de cabeça para baixo, a serpente teve
tamanho ataque de riso, que riu, riu, riu e, por fim, pelo
esforço de tanto rir, uma veia arrebentou em seu peito e,
dessa vez, ela morreu de verdade.
E caiu tão mal, que ficou com a cabeça enfiada na lama da estrada...
P
inóquio, como você pode imaginar, começou a chorar, a
gritar, a se lamentar, mas eram choros e gritarias
inúteis, pois ali em volta não havia casas, e na estrada não
passava vivalma.
Então anoiteceu.
Um pouco pela dor causada pela armadilha que lhe
apertava os tornozelos, um pouco pelo medo de ficar
sozinho e no escuro no meio daquele campo, o boneco já ia
desmaiar quando, vendo passar um vaga-lume sobre sua
cabeça, chamou-o e disse:
– Oi, Vaga-Lume, faria a caridade de me libertar desse
suplício?
– Pobre filhote! Como foi ficar com as pernas agarradas
entre esses ferros afiados? – perguntou o Vaga-Lume,
parando e olhando-o com pena.
– Entrei no campo para colher dois cachos dessa uva
moscatel, e...
– Mas a uva é sua?
– Não, não é...
– E quem ensinou você a pegar as coisas dos outros?
– Estou com fome...
– A fome, meu menino, não é uma boa razão para pegar
as coisas que não são nossas...
– É verdade, é verdade! Mas de outra vez não farei mais
isso – gritou Pinóquio chorando.
Nesse momento, a conversa foi interrompida por um
barulhinho de passos que se aproximavam. Era o dono do
campo, que vinha na ponta dos pés para ver se alguma das
Fuinhas, que durante a noite comiam suas galinhas, tinha
ficado presa na armadilha.
E sua surpresa foi enorme quando, tirando a lanterna do
bolso do paletó, percebeu que, em vez de uma das Fuinhas,
tinha ficado preso um menino.
– Ah, ladrãozinho! Então é você que leva embora as
galinhas? – disse o camponês, enraivecido.
– Eu não, eu não! Entrei neste campo somente para pegar
dois cachos de uva! – gritou Pinóquio, soluçando.
– Quem rouba uvas é bem capaz de roubar também
galinhas. Faça isso, que darei a você uma lição para não
esquecer por muito tempo.
F
azia mais de duas horas que dormia gostosamente
quando, perto da meia-noite, foi acordado por um
sussurro e por um ti-ti-ti de vozinhas estranhas, que
pareciam vir do terreiro. Botando a ponta do nariz para fora
da entrada da casinhola, viu, reunidos em um pequeno
grupo, quatro bichos de pelo escuro que pareciam gatos.
Mas não eram gatos, eram fuinhas, animaizinhos carnívoros,
gulosíssimos de ovos e de franguinhos jovens. Uma das
Fuinhas, afastando-se das companheiras, foi até o buraco da
casinhola e disse baixinho:
– Boa noite, Melampo.
– Eu não me chamo Melampo – respondeu o boneco.
– Então quem é você?
– Eu sou Pinóquio.
– E o que faz aqui?
– Finjo que sou o cão de guarda.
– Onde está o Melampo? Onde está o velho cão que ficava
nessa casinhola?
– Morreu essa manhã.
– Morreu? Pobre animal! Era tão bom! Mas, pela sua cara,
você também me parece um cão educado.
– Peço desculpas, mas eu não sou um cão!
– E o que é?
– Eu sou um boneco.
– E finge ser cão de guarda?
– Infelizmente, para meu castigo!
– Bem, eu lhe proponho o mesmo combinado que tinha
com o falecido Melampo, e você ficará contente.
– E qual é esse combinado?
– Nós viremos uma noite por semana, como no passado,
para visitar este galinheiro, e levaremos embora oito
galinhas. Dessas galinhas, sete nós comeremos e uma
daremos a você, com a condição – está entendendo? – de
você fingir dormir e não ter nunca a ideia de latir e acordar o
camponês.
– E Melampo fazia isso mesmo? – perguntou Pinóquio.
– Fazia, sim, ele e nós sempre tivemos esse acordo. Então,
durma tranquilamente e esteja certo de que, antes de partir,
deixaremos na casinhola uma galinha bem depenada para o
seu café da manhã. Estamos entendidos?
– Entendidos até demais!... – respondeu Pinóquio, e
balançou a cabeça de modo ameaçador, como se estivesse
querendo dizer: – Daqui a pouco, veremos!...
Quando as quatro Fuinhas acreditaram ter acertado o
plano, foram direto ao galinheiro, que ficava bem próximo à
casinhola de cachorro, e, abrindo com fúria de dentes e
unhas a porteirinha de madeira, escorregaram para dentro,
uma depois da outra. Mas nem bem tinham acabado de
entrar, ouviram a porteirinha se fechar com enorme
violência.
Uma das fuinhas, afastando-se das companheiras, foi até o buraco da casinhola...
A
ssim que deixou de sentir o peso incômodo e
humilhante daquela coleira em volta do pescoço,
Pinóquio começou a correr pelos campos e não parou nem
um minuto enquanto não alcançou a estrada principal, que
devia levá-lo à casinha da Fada.
Chegando à estrada principal, virou-se para olhar a
planície abaixo e viu muitíssimo bem, a olho nu, o bosque
onde, por infelicidade, tinha encontrado a Raposa e o Gato.
Viu, acima das árvores, a copa do Grande Carvalho, no qual
tinha sido pendurado pelo pescoço. Mas, olha daqui, olha
dali, não conseguiu ver a casinha da Bela Menina dos
Cabelos Azuis.
Então teve uma espécie de triste pressentimento e,
correndo com toda a força que tinha nas pernas, chegou em
poucos minutos ao prado onde, um dia, tinha encontrado a
casinha branca. Porém ela não existia mais. Havia, em seu
lugar, uma pequena pedra de mármore, na qual se liam, em
letras maiúsculas, estas dolorosas palavras:
AQUI JAZ A MENINA DOS CABELOS AZUIS,MORTA DE
DOR POR TER SIDO ABANDONADA POR SEU
IRMÃOZINHO PINÓQUIO
Como ficou o boneco quando aquelas palavras
anunciaram o pior, deixo para você imaginar. Caiu de bruços
no chão e, cobrindo de mil beijos aquele túmulo de
mármore, teve um grande ataque de choro. Chorou toda a
noite e no dia seguinte, no início da manhã, chorava ainda,
embora não tivesse mais lágrimas nos olhos; e seus gritos e
seus lamentos, de cortar o coração, eram tão agudos, que
todas as colinas em volta repetiam seus ecos.
Chorando, Pinóquio dizia:
– Ó Fadinha minha, por que está morta? Por que, em vez
de você, não estou morto eu, que sou tão mau, enquanto
você era tão boa? E meu pai, onde estará? Ó Fadinha minha,
diga-me onde posso encontrá-lo, quero estar sempre com
ele, não vou deixá-lo nunca mais! Nunca mais! Nunca mais!
Ó Fadinha minha, diga que não é verdade que está morta!
Se me quer bem de verdade... se quer bem ao seu
irmãozinho, reviva... fique viva como antes! Não se
incomoda de me ver sozinho, abandonado por todos? Se
chegarem os assassinos, me amarrarão de novo ao galho da
árvore... e então morrerei para sempre. O que quer que eu
faça sozinho neste mundo? Agora que perdi você e meu pai,
quem me dará o que comer? Onde dormirei à noite? Quem
me fará uma jaquetinha nova? Oh! Seria melhor, cem vezes
melhor, que eu também morresse! Sim, quero morrer! Ai!
Ai! Ai!
− Ó Fadinha minha, por que está morta?
A
nimado pela esperança de chegar a tempo de ajudar o
pai, Pinóquio nadou a noite toda.
E que noite horrível, aquela! Foi um dilúvio: choveu
granizo, trovejou assustadoramente e com tantos
relâmpagos que parecia dia.
No início da manhã, o boneco conseguiu ver, a pouca
distância, uma longa faixa de terra. Era uma ilha no meio do
mar.
Fez de tudo para chegar àquela praia, mas foi inútil. As
ondas, perseguindo-se e encavalando-se, o embolavam
entre elas, como se fosse um galho ou um fio de palha. Por
fim, e por sorte, veio uma onda tão forte e poderosa, que o
atirou de uma vez na areia da praia. O golpe foi tão forte
que, batendo no chão, todas as costelas e todas as juntas
de Pinóquio estalaram, mas ele logo se consolou, dizendo:
– Mais uma vez, escapei de boa!
Pouco a pouco, o céu se acalmou, o sol apareceu em todo
o seu brilho, e o mar ficou muito tranquilo, liso como um
lago.
Então o boneco estendeu suas roupas ao sol, para
enxugá-las, e começou a olhar por todos os lados para ver
se avistava, naquela imensa superfície de água, uma
barquinha com um homenzinho dentro. Entretanto, depois
de ter olhado com muita atenção, não viu nada a não ser
céu, mar e alguma vela de navio, mas longe, tão longe, que
parecia uma mosca.
– Se eu soubesse ao menos como se chama esta ilha! Se
soubesse ao menos se ela é habitada por gente de bem,
quero dizer, por gente que não tenha mania de pendurar
meninos em galhos de árvores! Mas a quem posso
perguntar? A quem, se não há ninguém?... – dizia.
A ideia de estar só, só, só no meio daquele grande lugar
desabitado lhe deu tanta tristeza, que estava quase
chorando quando viu passar, pertinho da margem, um
grande peixe que nadava tranquilamente, na dele, com a
cabeça fora d’água.
Não sabendo seu nome, o boneco gritou bem alto, para
que ele não deixasse de ouvir:
– Ei, Senhor Peixe, me permite uma palavrinha?
– Até duas – respondeu o peixe, que era um golfinho
muito educado, como poucos que se pode encontrar em
todos os mares do mundo.
– Faria o favor de me dizer se nesta ilha há lugares onde
se possa comer, sem perigo de ser comido?
– Com certeza! Encontrará um, um pouco longe daqui –
respondeu o Golfinho.
– E que caminho eu pego para ir lá?
– Deve pegar aquela estradinha ali, à esquerda, e
caminhar sempre seguindo seu nariz. Não pode errar.
– Diga-me outra coisa. Você, que passeia todo o dia e
toda a noite pelo mar, não teria encontrado, por acaso, uma
barquinha com meu pai dentro?
– E quem é seu pai?
– Ele é o melhor pai do mundo, como eu sou o pior filho
que possa existir.
– Com a tempestade que caiu esta noite, a barquinha
deve ter ido para o fundo – respondeu o Golfinho.
– E meu pai?
– A esta hora pode ter sido engolido pelo terrível Peixe-
Cão,***** que há alguns dias veio espalhar a morte e a
desolação nas nossas águas.
– É muito grande, esse Peixe-Cão? – perguntou Pinóquio,
que já começava a tremer de medo.
− Até mais ver, Senhor Peixe, desculpe tanto incômodo, e mil agradecimentos
pela sua gentileza.
D
e início, a moça começou a dizer que não era a
pequena Fada dos Cabelos Azuis, mas depois, vendo-se
desmascarada e não querendo levar mais longe aquela
comédia, acabou por concordar e disse a Pinóquio:
– Boneco malvado! Como você percebeu que era eu?!
– Foi o grande bem que lhe quero que me contou.
– Lembra, não é? Quando você partiu eu era menina,
agora sou uma moça, tanto que quase poderia ser sua mãe.
– E eu gostei muito, pois assim, em vez de irmãzinha,
chamarei você de mãe. Faz tanto tempo que desejo ter uma
mãe, como todas as outras crianças! Mas como fez para
crescer tão depressa?
– É segredo.
– Ensine-me como, pois eu gostaria de crescer um pouco
também. Não vê? Fiquei sempre da mesma altura.
– Mas você não pode crescer – replicou a Fada.
– Por quê?
– Porque os bonecos não crescem nunca. Nascem
bonecos, vivem bonecos e morrem bonecos.
– Oh! Estou cansado de ser sempre um boneco! Já é hora
de me tornar também um homem... – gritou Pinóquio, dando
um tapa em si mesmo.
– E poderia se tornar, se fizesse por merecer...
– Verdade? E o que devo fazer para merecer?
– Uma coisa facílima: aprender a ser um bom menino.
– E por acaso eu não sou?
– Ao contrário! As crianças boas são obedientes, e você,
em vez disso...
– ...não obedeço nunca.
– As crianças boas tomam amor pelo estudo e pelo
trabalho, e você...
– E eu, em vez disso, banco o preguiçoso e o vagabundo o
ano todo.
– As crianças boas dizem sempre a verdade...
– E eu, sempre mentiras.
– Os bons meninos vão contentes à escola...
– E a mim, a escola dá dor de barriga... Mas de hoje em
diante quero mudar de vida.
– Promete?
– Prometo. Quero virar um bom menino e quero ser a
alegria do meu pai... Onde estará o meu pobre pai, a esta
hora?
– Não sei.
– Terei ainda a sorte de poder revê-lo e abraçá-lo?
– Creio que sim; mais ainda: tenho certeza.
Ao ouvir isso, foi tão grande o contentamento de
Pinóquio, que ele pegou as mãos da Fada e começou a
beijá-las com tanto entusiasmo, que parecia fora de si.
De repente, erguendo o rosto e olhando-a amorosamente,
perguntou:
– Diga, mãezinha, então você não está mesmo morta?
– Claro que não – respondeu a Fada Sorrindo.
– Se você soubesse que dor e que aperto na garganta eu
senti quando li:
AQUI JAZ...
– Eu sei, e é por isso que o perdoei. A sinceridade de sua
dor me fez saber que você tem um coração bom. E dos
meninos bons de coração, ainda que sejam um pouco
moleques e se comportem mal, há sempre algo a esperar.
Ou seja, sempre se pode esperar que entrem no caminho da
verdade. Por isso vim até aqui para procurá-lo. Eu serei a
sua mãe...
N
o dia seguinte, Pinóquio foi à escola pública.
Imagine aqueles meninos maldosos quando viram um
boneco entrar na escola! Foi uma risada só, que não
acabava mais. Era uma brincadeira atrás da outra: um
tirava o chapéu de sua mão, outro puxava sua jaqueta para
trás, um terceiro tentava fazer, com tinta, dois grandes
bigodes debaixo de seu nariz, e outro, ainda, queria amarrar
fios aos pés e às mãos para fazê-lo dançar.
Por um tempo Pinóquio foi esperto e escapou, mas,
sentindo sua paciência acabar, se revoltou contra aqueles
que mais o incomodavam e disse-lhes, de cara feia:
– Cuidado, meninos! Eu não vim aqui para ser o palhaço
de vocês. Eu respeito os outros e quero ser respeitado.
– Bravo, diabrete! Falou como em um livro ilustrado! –
gritaram os moleques, dando loucas risadas; e um deles,
mais impertinente que os outros, estendeu a mão para
pegar o boneco pela ponta do nariz.
Mas não deu tempo, pois Pinóquio esticou a perna
debaixo da mesa e deu um chute nas canelas dele.
– Ai! Que pés duros! – gritou o menino, esfregando o
machucado.
– E os cotovelos!... Ainda mais duros que os pés! – disse
outro que, por suas piadas grosseiras, tinha ganhado uma
cotovelada no estômago.
O fato é que, depois daquele chute e daquela cotovelada,
Pinóquio ganhou logo a estima e a simpatia de todos os
meninos da escola, que passaram a gostar dele de coração
e a lhe fazer mil carinhos.
Até o professor o elogiava, pois o via atento, estudioso,
inteligente, sempre o primeiro a entrar na escola, sempre o
último a se levantar quando a aula acabava.
O único problema que tinha era o de se dar bem com
todos os colegas, sem exceção, e entre eles havia muitos
moleques conhecidíssimos pela pouca vontade de estudar e
ser corretos.
C
hegando à praia, Pinóquio deu uma bela espiada no
mar, mas não viu nenhum Peixe-Cão. O mar estava liso
como um grande espelho de cristal.
– Onde está o Peixe-Cão? – perguntou, virando-se para os
colegas.
– Deve ter ido tomar café – respondeu um deles, rindo.
– Ou se jogou na cama para tirar uma soneca –
acrescentou outro, rindo mais ainda.
Por aquelas respostas inconsequentes e aquelas
gargalhadas tolas, Pinóquio entendeu que os colegas
tinham feito uma grande brincadeira com ele, dando a
entender uma coisa que não era verdade. E levando aquilo
a mal, disse, com raiva:
– E então? Que motivo tinham para inventar a história do
Peixe-Cão?
– Um bom motivo! – responderam em coro os moleques.
– E qual seria?
– Fazer você matar aula e vir conosco. Não tem vergonha
de se mostrar o tempo todo tão correto e dedicado nas
aulas? Não tem vergonha de estudar tanto como faz?
– Se eu estudo, o que isso importa a vocês?
– Importa muitíssimo, pois prejudica nossa imagem com o
professor...
– Por quê?
– Porque os alunos que brilham sempre ofuscam aqueles
que, como nós, não têm vontade de estudar. E nós não
queremos ser ofuscados! Nós também temos amor
próprio!...
– E o que devo fazer para alegrá-los?
– Deve ficar com raiva da escola, das aulas e do
professor, que são os nossos três grandes inimigos.
– E se eu quiser continuar a estudar?
– Nós não olharemos mais na sua cara, e na primeira
ocasião você pagará por isso.
– Vocês me fazem rir – disse o boneco com uma sacudida
de cabeça.
– Ei, Pinóquio! Não venha bancar o valentão, não venha
bancar o galo de briga! Pois, se não tem medo de nós, nós
muito menos temos medo de você! Lembre-se de que você
é um só, e nós somos sete – gritou o maior daqueles
meninos, encarando-o.
– Sete como os pecados capitais – disse Pinóquio com
uma grande risada.
– Ouviram? Insultou a todos nós! Disse que somos
pecados capitais!...
– Pinóquio! Peça desculpa pela ofensa... senão, ai de
você!
– Cuco! – fez o boneco, batendo o indicador na ponta do
nariz, zoando.
– Pinóquio! Vai acabar mal!
– Cuco!
– Zurrará como um burro!
– Cuco!
– Voltará para casa com o nariz quebrado!
– Cuco!
– Agora quem vai lhe dar o Cuco sou eu! Pegue esse
pagamento e sirva no jantar desta noite – gritou o mais
atrevido dos moleques, antes de dar um soco na cabeça de
Pinóquio.
Mas foi, como se costuma dizer, vapt-vupt, pois o boneco,
conforme era de se esperar, respondeu logo com outro soco
– e aí, de um momento para o outro, a luta ficou geral e
violenta.
Pinóquio, embora estivesse sozinho, se defendia como um
herói. Com aqueles pés de madeira duríssimos, lutava tão
bem, que mantinha os inimigos sempre a uma respeitosa
distância. Onde seus pés conseguiam alcançar e bater,
deixavam sempre uma marca de lembrança.
Então os meninos, envergonhados por não poderem
medir forças no corpo a corpo com o boneco, pensaram logo
em puxar suas armas: pegaram os livros de escola e
começaram a atirar contra ele os dicionários, as gramáticas,
os compêndios de aritmética, de geografia, de história, de
ciências e outros livros escolares; mas o boneco, que tinha
olho rápido e malicioso, desviava a tempo, de modo que os
livros, passando sobre sua cabeça, iam todos cair no mar.
Imagine os peixes! Os peixes, acreditando que aqueles
livros fossem coisas de comer, corriam em massa à
superfície, mas, depois de abocanharem alguma página ou
alguma capa, cuspiam logo, fazendo careta, torcendo a
boca, como se dissessem:
– Isso não é bom para nós, estamos acostumados a comer
muito melhor!
Entretanto, a luta crescia, e eis que um grande
Caranguejo, saindo da água devagar e, devagar, subindo
em uma pedra, gritou, com um vozeirão de trombone
resfriado:
– Parem, moleques, vocês não são de nada! Essa guerra
de braço entre meninos raramente acaba bem. Acontece
sempre alguma desgraça!...
...e eis que um grande caranguejo, saindo da água...
D
urante aquela corrida desesperada, houve um
momento terrível, o momento em que Pinóquio
acreditou estar perdido, pois Heliodoro (era esse o nome do
cão mastim), na fúria de correr e correr, quase o tinha
alcançado.
...o boneco ouvia atrás de si, à distância de um palmo, o arfar ofegante daquela
fera...
Q
uando o pescador já ia jogar Pinóquio na frigideira,
entrou na gruta um grande cão, atraído até ali pelo
cheiro fortíssimo e apetitoso da fritura.
– Passe fora! – gritou o pescador, ameaçando-o, sem
largar o boneco enfarinhado.
Mas o pobre cão tinha uma fome de quatro cães e,
gemendo e agitando a cauda, parecia dizer:
– Me dê um bocado de fritura e vou embora.
– Passe fora, já disse! – repetiu o pescador, esticando a
perna para um chute.
O cão, que, quando tinha fome de verdade, não era de
deixar pousar nem moscas no seu nariz, se voltou rosnando
para o pescador, mostrando suas terríveis presas.
Naquele instante se ouviu uma vozinha fraca, fraquinha:
– Salve-me, Heliodoro! Se não me salvar, estou frito!
O cão reconheceu logo a voz de Pinóquio e percebeu, com
grande surpresa, que ela havia saído daquele pacote
enfarinhado que o pescador segurava.
O que faz, então? Dá um grande salto, abocanha o pacote
e, segurando-o delicadamente entre os dentes, sai correndo
da gruta, rápido como um raio!
O pescador, raivosíssimo ao ver arrancado da sua mão
aquele peixe que teria comido de muito bom grado, tentou
perseguir o cão, mas com poucos passos teve um acesso de
tosse e foi obrigado a voltar.
− Passa fora! – gritou o pescador...
C
omo era natural, Pinóquio logo pediu permissão à Fada
para andar pela cidade e fazer os convites, e a Fada
disse:
– Vá, sim, convidar seus colegas para o lanche de
amanhã, mas lembre-se de voltar para casa antes que
escureça. Entendeu?
– Dentro de uma hora prometo estar de volta – replicou o
boneco.
– Cuidado, Pinóquio! Os meninos têm pressa em
prometer, mas na maioria das vezes demoram a cumprir.
– Mas eu não sou como os outros. Eu, quando digo uma
coisa, cumpro.
– Veremos. Caso desobedeça, pior para você.
– Por quê?
– Porque os meninos que não dão atenção aos conselhos
de quem sabe mais que eles vão sempre ao encontro de
algum problema.
– Eu já caí nessa! Mas agora não caio mais! – disse
Pinóquio.
– Veremos se diz a verdade.
Sem dizer mais nada, o boneco se despediu da Fada, que
era para ele uma espécie de mãe, e, cantando e dançando,
saiu.
Em pouco mais de uma hora, todos os seus amigos
tinham sido convidados. Alguns aceitaram logo e de coração
o convite; outros, de início, se fizeram um pouco de difíceis,
mas, quando souberam que os pãezinhos de molhar no café
com leite teriam manteiga também na parte de fora,
confirmaram:
– Iremos também, para agradar você...
Entre os amigos e colegas de escola, Pinóquio tinha um
predileto e queridíssimo, Romeu, que todos chamavam pelo
apelido de Pavio, por causa de sua aparência esguia, seca e
fina, tal e qual o pavio novo de uma lamparina.
Pavio era o menino mais preguiçoso e mais moleque de
toda a escola, porém Pinóquio queria muito bem a ele. De
fato, foi um dos primeiros que procurou em casa para
convidar para o lanche, mas não o encontrou; voltou uma
segunda vez, e Pavio não estava; voltou uma terceira vez, e
perdeu a caminhada.
Onde poderia encontrá-lo? Procura daqui, procura dali,
finalmente o viu escondido debaixo da varanda de uma casa
de camponeses.
– O que faz aqui? – perguntou Pinóquio.
– Espero a meia-noite, para partir...
– Aonde vai?
– Longe, longe, longe!
– E eu que fui procurá-lo em casa três vezes!
– O que queria de mim?
– Não sabe do grande acontecimento? Não sabe a sorte
que tive?
– Qual?
– Amanhã deixo de ser um boneco e viro um menino,
igual a você e a todos os outros.
– Grande sorte!
– Amanhã, portanto, espero você para o lanche na minha
casa.
– Mas se estou dizendo que parto esta noite.
– A que hora?
– Daqui a pouco.
– E para onde vai?
– Vou morar em um país... que é o mais belo país deste
mundo, uma verdadeira boa vida!...
– Como se chama?
– Chama-se País dos Brinquedos. Por que não vem
também?
– Eu? Não, nem pensar!
– Deixe de ser bobo, Pinóquio! Acredite em mim, se não
for, se arrependerá. Onde vai encontrar um país mais
saudável para nós, meninos? Lá não há escolas, não há
professores, não há livros. Naquele país bendito não se
estuda nunca. Na quinta-feira não tem aula, e cada semana
é composta de seis quintas-feiras e de um domingo.
Imagine que as férias começam em 1º de janeiro e acabam
no último dia de dezembro. Eis um país que
verdadeiramente me agrada! Assim deveriam ser todos os
países civilizados!
– Mas como são os dias no País dos Brinquedos?
– Os dias são feitos para entretenimento e diversão, da
manhã à noite. Então, cama, e na manhã seguinte começa
tudo de novo. O que lhe parece?
– Hum! É uma vida que eu levaria sem reclamar, também
– pensou Pinóquio, balançando ligeiramente a cabeça.
– E então, quer partir comigo? Sim ou não? Decida.
– Não, não, não e não. Prometi à minha boa Fada virar um
bom menino e quero cumprir o prometido. E agora, como o
sol está caindo, deixo você e dou o fora. Portanto, adeus e
boa viagem.
– Aonde vai com tanta pressa?
– Para casa. A Fada quer que eu volte antes da noite.
– Espere mais dois minutos.
– Ficará muito tarde.
– Dois minutos apenas.
– E se a Fada gritar comigo?
– Deixe gritar. Quando tiver gritado bastante, se calará –
disse o moleque do Pavio.
– E como você vai? Parte sozinho ou tem companhia?
– Sozinho? Seremos mais de cem meninos.
– E vão a pé?
– Daqui a pouco passará aqui a carruagem que vai me
pegar e me levar até dentro dos limites daquele
afortunadíssimo país.
– O que eu não daria para que a carruagem passasse
agora!
– Para quê?
– Para ver vocês partirem todos juntos.
– Fique aqui mais um pouco e verá.
– Não, não, quero é voltar para casa.
– Espere mais dois minutos.
– Já demorei muito. A Fada deve estar pensando em mim.
– Pobre Fada! Por acaso tem medo que os morcegos
comam você?
– Mas, vem cá, você tem certeza de que naquele país não
há mesmo escolas? – perguntou Pinóquio.
– Nem sombra delas.
– E nem mesmo professores?
– Nem mesmo um.
– E não há nunca a obrigação de estudar?
– Nunca, nunca, nunca!
– Que belo país! Que belo país! Eu nunca estive lá, mas
posso imaginar! – disse Pinóquio com água na boca.
– Por que não vem também?
– É inútil insistir! Como disse, prometi à Fada que vou
virar um menino ajuizado e não quero faltar com a palavra.
– Portanto, adeus, Pinóquio, mande lembranças minhas à
escola! E também aos nossos colegas que encontrar pela
rua.
– Adeus, Pavio, boa viagem, divirta-se e lembre-se de vez
em quando dos amigos.
O boneco deu dois passos, como se fosse embora, mas,
parando e virando-se para o amigo, perguntou:
– Mas está mesmo certo de que naquele país todas as
semanas são compostas de seis quintas-feiras e de um
domingo?
– Certíssimo.
– E está certo de que as férias começam em 1º de janeiro
e acabam no último dia de dezembro?
– Certíssimo.
– Que belo país! – repetiu Pinóquio, cuspindo inveja.
Então, em uma firme decisão, acrescentou, com pressa e
raiva:
– Portanto, adeus de verdade e boa viagem.
– Adeus.
– Dentro de quanto tempo vai partir?
– Daqui a pouco.
– Pena! Se faltasse só uma hora para a partida, eu seria
bem capaz de esperar.
– E a Fada?
– Agora já estou atrasado!... E voltar para casa uma hora
antes ou uma hora depois dá no mesmo.
– Pobre Pinóquio! E se a Fada gritar com você?
– Paciência! Deixarei que grite. Quando tiver gritado
bastante, vai se calar.
Já era noite, e noite escura; de repente viram mover-se a
distância uma luzinha, e ouviram o som de algo
chacoalhando e um toque de trombeta, tão fraco e sufocado
que parecia o zumbido de um mosquito.
– Aí está ela! – gritou Pavio, ficando em pé.
– O que é? – perguntou Pinóquio em voz baixa.
– É a carruagem que vem me pegar. Então, quer vir, sim
ou não?
– Mas é mesmo verdade que nesse país os meninos não
têm nunca a obrigação de estudar? – perguntou o boneco.
– Nunca, nunca, nunca!
– Que país incrível! Que país incrível! Que país incrível!
31.
Depois de cinco meses de boa vida, Pinóquio, para sua grande surpresa, sente
nascer um belo par de orelhas de burro e vira um burrico, com cauda e tudo
F
inalmente a carruagem chegou, e chegou sem fazer o
menor barulho, pois suas rodas eram enfaixadas com
estopa e trapos.
Era puxada por doze parelhas de burricos, todos do
mesmo tamanho, mas com pelagens de cores diferentes.
Alguns eram cinzentos, outros brancos, outros pintados
feito sal e pimenta, outros rajados de grandes listras
amarelas e azuis.
Mas a coisa mais fora do comum era esta: as doze
parelhas, ou seja, os vinte e quatro burricos, em vez de
terem ferraduras como todos os outros animais de carga,
tinham, nos pés, botas de homem feitas de pele branca.
E o cocheiro da carruagem?
− É a febre de burro.
V
endo que a porta não se abria, o homenzinho a
arrebentou com um violentíssimo chute e, entrando na
sala, disse a Pinóquio e a Pavio, com seu risinho de sempre:
– Bravos meninos! Zurraram bem, eu logo reconheci suas
vozes e por isso estou aqui.
Os dois burricos ficaram abatidos, desanimados, de
cabeças e orelhas baixas e com as caudas entre as pernas.
A princípio o homenzinho os alisou, acariciou, apalpou e,
então, pegando uma escova, começou a escová-los bem.
Escovando com fúria, deixou os dois lustrosos como
espelhos; então pôs cabrestos neles e os conduziu para a
praça do mercado, na esperança de vendê-los e conseguir
um bom dinheiro.
Os compradores, de fato, não se fizeram esperar. Pavio foi
comprado por um camponês cujo burro tinha morrido no dia
anterior, e Pinóquio foi vendido ao diretor de uma companhia
de palhaços e de saltadores de corda, que o comprou para
amestrá-lo e fazê-lo saltar e dançar junto com os outros
animais da companhia.
Agora você compreendeu qual era o belo trabalho do
homenzinho? Aquele bruto monstro, que tinha a fisionomia
doce como leite com mel, ia de tempos em tempos, com
uma carruagem, viajar pelo mundo. Com promessas e
adulações, recolhia os meninos preguiçosos, que tinham
horror a livros e escolas, e, depois de lotar com eles a
carruagem, os conduzia ao País dos Brinquedos para
passarem o tempo em jogos, em algazarras e em
divertimentos. Quando aqueles pobres meninos iludidos, na
ânsia de brincar sempre e de não estudar nunca, viravam
burricos, o monstro, alegre e contente, os levava para
vender nas feiras e nos mercados. E assim, em poucos anos,
tinha feito rios de dinheiro e ficado milionário.
O que aconteceu com Pavio, não sei. Sei, por outro lado,
que Pinóquio enfrentou, desde os primeiros dias, uma vida
duríssima e atribulada.
Quando foi conduzido ao estábulo, o novo patrão encheu o
cocho de palha, mas Pinóquio, depois de uma bocada, cuspiu
no chão.
O patrão, resmungando, encheu o cocho de feno, que
também não agradou ao burrico.
– Ah! Não lhe agrada nem mesmo o feno? Deixa estar,
burrico mimado, que se tem caprichos, vou tratar de livrar
você deles! – gritou o patrão, enraivecido.
E como corretivo, lascou logo uma chicotada nas pernas
do burrico.
Pinóquio começou a chorar e a zurrar de dor, e zurrou:
– Hi-hó... Hi-hó... Não posso digerir a palha!
– Então come o feno! – respondeu o patrão, que entendia
muitíssimo bem o dialeto dos burros.
– Hi-hó... hi-hó... O feno me faz doer a barriga!
– Quer que eu sustente um burro como você com peito de
galinha e geleia de mocotó? – retrucou o patrão,
enraivecendo-se ainda mais e lascando uma segunda
chicotada.
Com a segunda chicotada, Pinóquio, por prudência, se
calou, não disse mais nada.
Nesse meio-tempo, a estrebaria foi fechada; Pinóquio ficou
sozinho e, como não comia havia muitas horas, começou a
salivar de fome, muita fome. E, salivando, escancarava uma
boca que parecia a de um forno.
Afinal, não achando nada no cocho, se conformou em
mastigar um pouco de feno: mastigou bastante, fechou os
olhos e engoliu.
– Esse feno até que não é ruim, mas teria sido muito
melhor se eu tivesse continuado a estudar!... A esta hora,
em vez de feno, poderia estar comendo uma ponta de pão
fresco e uma bela fatia de salame. Paciência! – disse consigo
mesmo.
Na manhã seguinte, acordando, procurou no cocho um
pouco mais de feno, mas não encontrou, pois tinha comido
tudo de noite.
Então deu uma bocada na palha picada e, enquanto
mastigava, teve de se convencer de que o sabor da palha
picada não parecia nada com o de risoto à milanesa ou o de
macarrão à napolitana.
– Paciência! Que ao menos minha infelicidade possa servir
de lição aos meninos desobedientes e que não têm vontade
de estudar. Paciência! Paciência! – repetiu, continuando a
mastigar.
– Paciência coisa nenhuma! Está pensando, meu belo
burrico, que eu comprei você unicamente para lhe dar de
beber e de comer? Eu o comprei para que trabalhe e me
faça ganhar muito dinheiro! Levante, vamos! Venha comigo
ao circo, vou ensiná-lo a saltar através dos aros, a furar com
a cabeça os barris de lata e a dançar a valsa e a polca em pé
sobre as patas traseiras– gritou o patrão, entrando na
estrebaria.
O pobre Pinóquio, ou por amor ou pela força, teve que
aprender todas essas belíssimas coisas, mas para isso foram
precisos três meses de lições e muitas chicotadas de
arrancar o pelo.
Chegou finalmente o dia em que seu patrão pôde anunciar
um espetáculo verdadeiramente extraordinário. Os cartazes
de várias cores, pregados nas esquinas das ruas, diziam:
Naquela noite, como pode imaginar, uma hora antes que
começasse o espetáculo o teatro estava repleto.
Não se achava mais nem uma poltrona, nem um lugar
especial, nem um camarote, nem que se pagasse a peso de
ouro.
As arquibancadas do circo formigavam de meninos, de
meninas e de jovens de todas as idades, atraídos pela ideia
de ver dançar o famoso burrico Pinóquio.
Acabada a primeira parte do espetáculo, o diretor da
companhia, vestido de túnica negra, calções brancos na
altura das coxas e botas de pele até acima dos joelhos, se
apresentou à lotadíssima plateia e, depois de uma grande
reverência, recitou com muita solenidade o seguinte e
despropositado discurso:
– Respeitável público, cavalheiros e damas! O humilde
subscrito, estando de passagem por esta ilustre metrópole,
quis conferir-me a honra, senão o prazer, de apresentar a
esse inteligente e notável auditório um célebre burrico que
teve já a honra de dançar na presença de Suas Majestades,
os Imperadores de todas as principais cortes da Europa. E,
agradecendo-vos, ajudem-nos com vossa animadora
presença e compreensão!
O discurso foi recebido com muitas risadas e com muitos
aplausos, mas os aplausos se redobraram e viraram uma
espécie de furacão quando o burrico Pinóquio chegou ao
meio do picadeiro. Ele estava todo embonecado para a festa:
tinha uma rédea nova de couro encerado, com fivelas e
tachas de bronze, duas camélias brancas nas orelhas, a crina
dividida em muitos cachos amarrados com fitinhas de seda
vermelha, uma grande faixa de ouro e prata atravessada no
peito e a cauda trançada com fitas de veludo roxo e azul.
Era, para resumir, um burrico apaixonante!
O diretor, ao apresentá-lo ao público, acrescentou:
– Meus respeitáveis ouvintes! Não estarei aqui a falar
mentiras sobre as grandes dificuldades que me oprimiram
para compreender e subjugar esse mamífero, enquanto ele
pastava livremente de montanha em montanha nas planícies
da zona tórrida. Observem, peço, quanta selvageria
transparece em seus olhos, já que tendo sido inúteis todos
os meios para domesticá-lo, a fim de que convivesse com os
quadrúpedes civis, tive muitas vezes de recorrer ao delicado
dialeto do chicote. Mas toda a minha gentileza, em vez de
me fazer querer bem a ele, me prejudicou enormemente o
ânimo. Eu, porém, seguindo o sistema de Galles, achei em
seu crânio uma pequena cartilagem óssea que a própria
Faculdade Médica de Paris reconheceu ser o bulbo
regenerador dos cabelos e da dança pírrica.******* E por isso eu
quis amestrá-lo na dança, bem como nos relativos saltos
através dos aros e dos barris revestidos de metal. Admirem-
no e depois julguem! Antes, porém, de verem com seus
próprios olhos, permitam, senhores, que eu os convide ao
diurno espetáculo de amanhã à noite, mas na apoteose de
que o tempo chuvoso ameace água, então o espetáculo, em
vez de amanhã à noite, será adiado para amanhã de manhã,
às 11 horas antemeridianas da tarde.
E aqui o diretor fez outra profundíssima reverência e, em
seguida, virando-se para Pinóquio, disse:
– Ânimo, Pinóquio! Antes de dar início a seus exercícios,
cumprimente o respeitável público, cavalheiros, damas e
crianças!
Pinóquio, obediente, dobrou os joelhos da frente e ficou
ajoelhado até que o diretor, estalando o chicote, gritou:
– A passo!
Então o burrico se ergueu sobre as quatro patas, e
começou a girar em torno do picadeiro, caminhando
devagar, sempre a passo.
Depois de um tempo, o diretor gritou:
– A trote! – E Pinóquio, obedecendo, trocou o passo por
trote.
– A galope! – e Pinóquio começou a galopar.
– À carreira! – e Pinóquio desandou a correr, em grande
carreira. Mas enquanto corria como um cavalo de corrida, o
diretor, erguendo o braço para o alto, descarregou um tiro de
pistola.
O burrico, então, fingindo estar ferido, caiu estendido no
picadeiro, como se estivesse morrendo de verdade.
Erguendo-se em meio a uma explosão de aplausos, de
urras e de palmas que iam até as estrelas, ele levantou a
cabeça e olhou para cima... e viu, em um camarote, uma
bela senhora que tinha no pescoço um grosso colar de ouro,
do qual pendia um medalhão. No medalhão estava pintado o
retrato de um boneco.
Pinóquio, obediente, dobrou os joelhos da frente...
D
epois de cinquenta minutos que o burrico estava na
água, o comprador concluiu:
– A esta hora, o meu pobre burrico manco deve estar bem
afogado. Vamos, portanto, retirá-lo, e fazer com a pele um
belo tambor!
E começou a puxar a corda, e puxa que puxa, viu
aparecer na superfície... adivinhe? Em vez de um burrico
morto, surgiu na outra ponta da corda um boneco vivo que
se contorcia feito uma enguia.
Vendo aquele boneco de pau, o pobre homem acreditou
que sonhava e ficou ali tonto, de boca aberta e olhos
esbugalhados.
Recuperando-se um pouco do primeiro susto, disse,
chorando e gaguejando:
– E o burrico que joguei no mar, onde está?
– Aquele burrico sou eu! – respondeu o boneco, rindo.
– Você?!
– Eu mesmo.
– Ah! Ladrão! Está me zoando?!
– Zoando? Muito pelo contrário, eu falo sério.
– Mas como você, que há pouco era um burrico, entrou na
água e virou um boneco de pau?!
– Deve ser efeito da água do mar. O mar tem dessas
manhas.
– Sem essa, boneco, sem essa! Nem pense em se divertir
às minhas custas. Ai de você, se perco a paciência!
– Bem, patrão, quer saber a verdadeira história?
Desamarre minha perna e eu conto.
Em vez de um burrico morto, surgiu na outra ponta da corda um boneco vivo...
L
ogo que disse adeus ao Atum, Pinóquio saiu tateando no
meio da escuridão e, caminhando e apalpando as
paredes da barriga do Peixe-Cão, rumou, passo a passo, na
direção do pequeno clarão que via brilhar lá longe.
Ao caminhar, sentiu que seus pés chafurdavam em água
oleosa e escorregadia, e a água tinha um cheiro tão forte de
peixe frito que se sentiu em um vilarejo, em uma noite da
Quaresma.
uanto mais avançava, mais brilhante
e distinto ficava o clarão. Pinóquio
caminhou, caminhou, até que chegou,
e quando chegou... o que encontrou?
Dou uma chance em mil para você
adivinhar: encontrou uma pequena
mesa posta, com uma vela acesa em
cima, enfiada em uma garrafa de
cristal verde. E, sentado diante dela,
um velhote todo branco, como se fosse
de neve ou de creme chantili, que
mordiscava alguns peixinhos vivos,
mas tão vivos que às vezes, quando
iam ser mordidos, acabavam Quanto mais avançava,
escapando da boca. mais brilhante ficava o
Diante daquela cena, Pinóquio teve clarão...
uma alegria tão grande e tão inesperada, que não faltou
nadinha para que entrasse em delírio. Queria rir, queria
chorar, queria dizer um monte de coisas, mas em vez disso
murmurava confusamente e gaguejava palavras
incompletas e incompreensíveis. Finalmente, conseguiu
lançar um berro de alegria e, escancarando os braços e
pulando no pescoço do velhote, começou a gritar:
– Oh! Meu papaizinho! Finalmente o encontrei! Agora não
o deixo mais, nunca mais, nunca mais!
E
nquanto nadava rápido para alcançar a praia, Pinóquio
percebeu que o pai, a cavalo sobre seus ombros e com
as pernas na água, tremia muito, como se estivesse com
febre.
Tremia de frio ou de medo? Quem sabe? Talvez as duas
coisas. Mas Pinóquio, acreditando que a tremedeira fosse de
medo, disse, para confortá-lo:
– Coragem, papai! Em poucos minutos chegaremos à
praia e estaremos salvos.
– Mas onde está essa bendita praia? Olho para toda parte
e não vejo senão céu e mar! – reclamou o velhote, ficando
mais inquieto e apertando os olhos como fazem as
costureiras quando vão enfiar a agulha.
– Mas eu já vejo a praia. Saiba que eu sou como os gatos,
vejo melhor de noite que de dia – disse o boneco.
O pobre Pinóquio fingia estar de bom humor, mas em vez
disso... em vez disso, começava a se desencorajar, as forças
se acabavam, a respiração ficava pesada e difícil... Por fim,
não aguentava mais, e a praia estava sempre longe.
Nadou enquanto teve fôlego; então, virou a cabeça para
Gepeto e disse, com palavras entrecortadas:
– Papai, me ajuda... estou morrendo...
Pai e filho estavam a ponto de se afogar quando ouviram
uma voz de violão desafinado dizer:
– Quem é que está morrendo?
– Eu e meu pobre pai!
– Essa voz eu conheço! Você é Pinóquio!
– Certo, e você?
– Eu sou o Atum, seu companheiro de prisão na barriga do
Peixe-Cão.
– E como fez para escapar?
– Segui seu exemplo. Você foi quem me ensinou o
caminho, e depois de você eu também fugi.
– Meu caro Atum, você apareceu mesmo a tempo! Peço,
pelo amor que tem aos seus filhotes atuns, que nos ajude,
ou estamos perdidos.
– De bom grado e de todo o coração. Agarrem a minha
cauda e deixem-me guiar. Em quatro minutos levarei vocês
até a costa.
FIM
Aqui, com o sentido de pessoa nobre ou distinta, elegante, e também de
proprietário de terras. (N.E.)
Expressão italiana que significa “no seu primeiro canto” – no caso, um galeto
(galinho, franguinho) abatido muito cedo, assim que canta pela primeira vez.
(N.E.)
No original, Can-barbone, cão de pelos longos e enrolados, como o poodle. (N.T.)
Assim eram chamadas as Américas, descobertas por Cristóvão Colombo em
1492. (N.E.)
No original, Pesce-cane, nome popular dado ao tubarão. (N.T.)
Na animação da Disney, de 1940, reproduzida em várias outras versões, era
uma baleia. (N.E.)
Pequeno roedor, parecido com o esquilo, que come e dorme muito. (N.T.)
Dança guerreira grega que usa lanças e tochas acesas. (N.T.)