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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

PEDRO LUCAS CASSIANO DE OLIVEIRA

B506HA-0

ORIENTAÇÃO JURÍDICA

São Paulo

2.022
PEDRO LUCAS CASSIANO DE OLIVEIRA

B506HA-0

APS DE 2016.2 - 9º SEMESTRE


ORIENTAÇÃO JURÍDICA

Trabalho com o objetivo de fomentar


estratégias que permitam ao aluno
construir conhecimento com
autonomia, para desenvolver
habilidades de pesquisa, seleção e
consolidação de informações,
comunicação de ideias, debate e
apreensão de saberes específicos de
sua área de formação profissional.

São Paulo

2.022
RESUMO

A presente atividade tem por objetivo responder alguns questionamentos


sobre o aparente conflito existente entre os arts. 1.611, do CC e 3º e 6º, do ECA, em
torno do problema apresentado, qual seja: Quincas Demião é o responsável pela
criança em razão do falecimento da antiga namorada que mantinha um
relacionamento extraconjugal?
O CONFLITO ENTRE OS ARTS. 1.611 DO CC, E OS 3º E 6º, DO ECA

O CC preceitua em seu art. 1.611 que "O filho havido fora do casamento,
reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o
consentimento do outro". Trata-se de um dispositivo pernicioso, potencialmente
causador de injustiças no caso concreto, analisando a sua redação à luz da CF, em
uma abordagem Civil-Constitucional.

Como é cediço, a era do pós-positivismo, os princípios assumiram um papel


de fundamental importância na função de dizer o direito por parte dos aplicadores. A
norma jurídica, hodiernamente, assumiu uma feição de gênero, do qual são
espécies a norma-regra e a norma-princípio. No mesmo norte, pontual e pertinente é
a análise de Leo Van Holthe:

"Princípio jurídico é o mandamento nuclear de um


sistema, verdadeiro alicerce do arcabouço legal de um
Estado. Os princípios são a base das normas jurídicas,
influenciando sua formação, interpretação e integração e
dando coerência ao sistema Normativo. Durante muito
tempo, entendeu-se que os princípios jurídicos não
tinham possibilidade de impor obrigações legais, sendo
meras pautas axiológicas a orientar o aplicador do
Direito. Assim, quer sobre ideais jusnaturalistas, quer
sobre concepções positivistas, negava-se que os
princípios possuíssem relevância jurídica. Atualmente,
considera-se que a teorização dos princípios encontra-se
sob uma fase pós-positivista, cuja principal característica
é a afirmação definitiva da força jurídica dos princípios,
tendo como principais expoentes doutrinários: Ronald
Dworkin nos Estados Unidos e Vezio Crisafulli na Itália."
(Holthe, Leo Van. Direito Constitucional. 5ª edição,
revista, ampliada e atualizada. 2009.
Editora Jus PODIVM. Pág.77).

Nesse passo, a CF elegeu como fundamento do Estado Democrático de


Direito, logo em seu primeiro artigo, a dignidade da pessoa humana. É bem verdade
que a autonomia da vontade deve reger as relações particulares no que tange à
intimidade de seus lares. Todavia, não se pode conceber que tal garantia possa
servir de supedâneo para legitimar injustiças. Não há garantias absolutas!

Vale ressaltar que o Direito Civil brasileiro passa, conforme dito alhures, para
a era da constitucionalização, deixando apenas para efeito de referência histórica as
características, assumidas em tempos idos, de fechado, eminentemente patrimonial
e individualista.
Flávio Tartuce e José Fernando Simão, citando Luís Edson Fachin, com o
brilhantismo peculiar afirmam:

“O nosso Estado Democrático de Direito tem como


fundamento a dignidade da pessoa humana. Trata-se
daquilo que se denomina princípio máximo,
ou superprincípio,  ou macroprincípio, ou princípio dos
princípios. Diante desse regramento inafastável de
proteção da pessoa humana é que está em voga,
atualmente, falar em personalização,
repersonalização e despatrimonialização do Direito
Privado. Ao mesmo tempo em que o patrimônio perde
importância, a pessoa humana é valorizada.”
(TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito
Civil.v.5: família. 2ª Edição, atualizada e ampliada.
Editora Método,2007. Pág.24).

Princípios como o da socialidade, afetividade e dignidade da pessoa humana


foram incorporados ao CC. Sendo assim, houve a constitucionalização das relações
privadas. Aplausos a Miguel Reale e sua equipe, verdadeiros responsáveis pelo
novel estatuto em epígrafe.

Contudo, surge no bojo do já ovacionado código, o malsinado artigo 1.611,


resquício indesejado do individualismo odioso de antanho. Percebe-se ao
depararmos com o referido dispositivo é o indivíduo (singularmente considerado na
pessoa do cônjuge inocente no adultério) olhando única e exclusivamente para seus
próprios interesses em detrimento dos interesses alheios. É a mais pura expressão
da preocupação com o "eu" em desfavor do "nós". Deixa-se, destarte, a fraternidade
em segundo plano.

Não permitir que uma criança, fruto de uma relação fora do casamento, possa
viver na companhia de seu pai (ou mãe), sob o mesmo teto, tendo em vista apenas
a não permissão do outro cônjuge, não parece ser a melhor solução!

Pois bem, aos olhos do aplicador do direito positivista extremado, poder-se-ia


chegar à conclusão de que o filho advindo da relação alheia ao matrimônio, caso o
cônjuge inocente discordasse, não poderia morar junto com seu pai (ou mãe), no
mesmo lar. Note-se que neste caso o filho comum do casal moraria com os pais,
tendo seu direito constitucional de moradia e convivência familiar incólume. Já o
outro filho, não teria o mesmo tratamento.
Diante disso pergunta-se: seria justo que aquela criança, em razão do simples
dissenso do outro cônjuge, ficar impossibilitada de viver com seu pai (ou mãe),
habitando o mesmo lar? Seria justo que o cônjuge, forçado pelas circunstâncias,
relegue seu filho e o entregue para uma entidade de abrigo qualquer, à mercê de um
futuro completamente errante?

Tem sabor do óbvio que a única resposta só pode ser negativa. Tais ilações
seriam totalmente incompatíveis com o Estado de Direito. Ofenderia de morte
inúmeras garantias fundamentais, tais como a isonomia, direito à moradia, à
convivência familiar, à dignidade da pessoa humana, à integral proteção da criança,
à paternidade responsável, dentre outras. Contudo, ao que parece, o legislador não
pensou assim ao elaborar o dispositivo.

O dispositivo em questão fere veementemente a CF, notadamente no que


concerne à dignidade da pessoa humana e à igualdade jurídica de todos os filhos
(arts. 1º, III e 227, § 6.º, respectivamente). Neste último aspecto, a Norma Maior é
assaz contundente quando afirma que "os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Trata-se, tão somente,
de uma especialização da igualdade prevista no caput do art. 5º, da Lei Maior.
Redação idêntica assumiu o artigo 1.596, do CC.

Discorrendo sobre a igualdade jurídica entre os filhos, Flávio Tartuce e José


Fernando Simão concluem que:

“Juridicamente, todos os filhos são iguais perante a lei,


havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade
abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos
por inseminação artificial heteróloga (com material
genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais
utilizar as expressões filho adulterino ou filho
incestuoso que são discriminatórias. Também não
podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as
expressões filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para
fins didáticos utiliza-se a expressão filho havido fora do
casamento, já que juridicamente todos são iguais. Isso
repercute tanto no campo patrimonial quanto no campo
pessoal, não sendo admitida qualquer forma de distinção
jurídica, sob as penas da lei. Trata-se, portanto, na ótica
familiar, da primeira e mais importante especialidade da
isonomia constitucional." (TARTUCE, Flávio; SIMÃO,
José Fernando. Direito Civil...2007).
Entrementes, em relação aos infantes o ordenamento jurídico adotou
a doutrina da proteção integral, baseada no princípio do melhor interesse da criança
(the best interest of the child), previsto na própria CF em seu art. 227, quando afirma
que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Tal postulado é repetido de forma muito semelhante no ECA (art. 4º).

De mais a mais, é inevitável reconhecer que, admitindo-se a manutenção no


ordenamento jurídico pátrio do art. 1.611 do CC, poderá, inexoravelmente, acarretar
situações de injustiças incomensuráveis, como a descrita no início desse texto.
Destarte, haverá ofensa à função social da família, bem como ao princípio da
solidariedade social, valores nos quais se sustenta nosso atual codex. Não se
coaduna, portanto, com o conceito de Direito Civil Constitucional.

O grande constitucionalista Paulo Bonavides enfatiza os princípios


constitucionais como aqueles que se encontram "no ponto mais alto da escala
normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas
do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de
todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é
ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa
máxima categoria constitucional, rodeado do prestígio e da hegemonia que se
confere às normas inseridas na lei das leis. Com esta relevância adicional, os
princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, “norma das
normas”. Mais adiante, ressaltando a aludida supremacia: "Fazem eles a
congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos
no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas,
fonte das fontes. São qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da
legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma
Constituição." (Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 9. ed.,
p. 260/261).
É direito fundamental da criança ser tratada com igualdade (princípio da
igualdade jurídica de todos os filhos). A CF não é uma mera carta de intenções, seus
princípios são dotados de força normativa, razão pela qual impõe-se à legislação
infraconstitucional respeito aos seus ditames.

CONCLUSÃO

O combatido dispositivo não se harmoniza, nem de longe, com os já


mencionados valores basilares do Estado de Direito, tais como a dignidade humana,
a paternidade responsável, a proteção integral da criança, a dignidade humana e
todos os seus consectários, razão pela qual não vemos como compatibilizá-lo com a
ordem constitucional. Diante de tudo isso, é dado a fazer uma conclusão: todo filho,
independente da origem, merece proteção igualitária.

REFERÊNCIAS

Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13731/o-artigo-1611-do-codigo-civil-


e-a-constitucionalizacao-do-direito-privado. Acessado em 31/01/2.022.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo:


Malheiros.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Parte Geral. 18ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2002. v.1. ______. Curso de de Direito Civil brasileiro: Direito de
família. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.5.

HOLTHE, Leo Van. Direito Constitucional. 5ª ed., revista, ampliada e


atualizada. Jus PODIVM: 2009.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed., revista,


atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral.3ª ed. São
Paulo: Método.2007.

_________. e SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. 2ª ed.


São Paulo: Método.2007.

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