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FEIRA DE SANTANA
2015
FEIRA DE SANTANA
2015
CDU: 396:32
____________________________________________
Prof. Dra. Márcia Maria da Silva Barreiros (UEFS)
(Orientadora)
_____________________________________________
Prof. Dra. Andréa da Rocha Rodrigues (UEFS)
(Examinadora)
_____________________________________________
Prof. Dr. Paulo Santos Silva (UNEB)
(Examinador)
DATA DA APROVAÇÃO
Feira de Santana, 12 de maio de 2015
______________________________________________________________
Iracélli da Cruz Alves
AGRADECIMENTOS
“Se nós crescemos com os golpes duro da vida, também podemos crescer com os toques
suaves da alma.” A frase, cuja a autoria desconheço, consegue externar um pouco do que tenho
a dizer. Não há dúvida de que nesses vinte e quatro meses de mestrado fui agraciada em maior
proporção com os toques suaves da alma. Os problemas que tive de enfrentar se tornaram mais
amenos graças ao apoio de pessoas adoráveis. Família, amig@s de outros carnavais e amig@s
que tive a sorte de conhecer na UEFS. Tod@s contribuíram para que as loucuras do dia-a-dia
não me cegassem para a melhor coisa da vida: o amor (paráfrase de uma frase atribuída a Carlos
Drummond de Andrade). Chegou a hora de expressar minha gratidão.
Muitas pessoas contribuíram na construção desta dissertação, por isso, corro o risco de
omitir algum nome. Não por ingratidão ou porque não foram importantes, mas a memória é um
bicho estranho. Perdoem-na.
Primeiramente, agradeço a mamãe e a papai, por todo amor que me deram durante toda
a vida, pela paciência e pelo apoio material. Sou eternamente grata, por tudo! Todos os méritos
do trabalho, porventura o tenha, dedico a vocês, Célia e Iraldo.
Igualmente importante foi o apoio dado por minha irmã, Isabelle. Obrigada pelo amor,
pelo cotidiano compartilhado, pela paciência, por ter tolerado meu stress e a casa revirada com
livros e papéis espalhados pela sala. Durante este período você reclamou muito pouco. Soube
respeitar meu caos com uma generosidade incrível.
Sou grata aos meus familiares, especialmente aos meus avós, Mainha (Dona Mira) e
Painho (Seu Sales); Vovó (Dona Iva) – in memoriam e Vovô (Seu Antônio) – in memoriam.
Pessoas que me deixaram lições muito especiais.
precisei recarregar a bateria recorri à companhia de vocês. Energia boa elas têm de sobra! Nada
é capaz de expressar o tamanho do meu amor! Para completar o rol dos companheiros mirins,
não posso deixar de mencionar a importância de Alice, minha afilhada; de João Kleber, o
leãozinho e de Arthur, meu pequeno príncipe. Amo vocês incondicionalmente!
Damaris e Rosa, obrigada por estarem sempre de portas abertas e pelo acolhimento
afetuoso. Adoro quando estou com vocês.
Agradeço a Débora, pelas longuíssimas conversas sobre a “História das Mulheres” que
me ajudaram bastante a amadurecer as ideias e pela construção coletiva de alguns trabalhos
acadêmicos. A troca foi fundamental! Muito obrigada!
Também tenho gratidão por Letícia, pela amizade, pelos passeios descontraídos, pelas
cervejinhas compartilhadas, enfim, pelo carinho e pelas conversas sobre a vida e sobre a
História. Obrigada pela parceria e pelo afeto!
Sou grata aos amigos da UNEB, pessoas com quem compartilhei momentos
inesquecíveis e aprendi a admirar: Alisson Barbosa, Cleidisson Nascimento, Arielson Batista,
Jorge Chastinet. Turma massa!
Sou muito grata à professora Cláudia Andrade Vieira e ao professor Paulo Santos Silva
pelas riquíssimas contribuições na banca de qualificação.
Agradeço aos funcionários dos arquivos que frequentei: Biblioteca Pública do Estado
da Bahia, setor Periódicos Raros; Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ);
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Agradeço, especialmente a Edilza do Espírito
Santo, coordenadora do Setor Judiciário do APEB, pelo acolhimento generoso.
Finalmente, agradeço a Peter, “com açúcar, com afeto”. Com amor. Estrelinha, obrigada
pela leveza e pelo carinho. A empreitada seria mais difícil sem as suas surpresas. A ti sou grata
infinitamente... “Venço o cansaço e o medo do futuro. No teu abraço encontro a cura do mal.”
Eu faço arte porque sou artista ou sou artista porque faço arte?
– Por que é que aquele bezerro vai atrás das tetas da vaca?
– Preguiça de comer capim...
– Ó esquerdista!
Não sois a cabeça de esquerda, sois a esquerda de uma cabeça!
[...]
Jacinta Passos
RESUMO
ABSTRACT
The thesis analyzes the militancy of women in the Communist Party of Brazil (CPB), especially
in Bahia section from 1942 until 1949. We discussed how PCB's women lived political
experience. At the same time, we highlight the most frequent conceptions of femininity, in order
to underline the similarities and differences between speeches from pecebistas and traditional.
We try to understand how PCB's women moved in a context in which were strong
representations based on a sexist ideology that naturalized and demarcated the social places
based on sex. Women's participation in the strictu sensu policy has always been limited by
being a public activity socially recognized as male. Our concern is to demonstrate what were
the strategies of activists and tactics they used seeing their demands met. We seek to understand
how women meant the experience of being a communist in Brazil, especially in Bahia, in the
first half of the twentieth century. This thesis is a study about women. We perceive them so
located in a context of oppression and exploitation that has influenced, but not determined, their
social activities.
LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 12
2. MULHERES E POLÍTICA NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DE UM FEMINISMO DE
ESQUERDA ......................................................................................................................................... 25
2.1. Federação Mulheres do Brasil e a tentativa de unificação das mulheres ....................... 25
2.2. Feminilidade e disciplina .................................................................................................... 28
2.3. Feminismos: contradições e tensões ................................................................................... 39
2.4. Mulheres e Ditadura: Resistência feminina no Estado Novo .......................................... 55
2.5. Mecanismos de luta feminino-comunista no período de anistia política ........................ 60
2.6. Representações do feminino no discurso pecebista .......................................................... 66
3. A DEMOCRACIA NO FEMININO: MULHERES, PCB E FEMINISMOS ........................ 76
3.1. O lugar das mulheres na estrutura partidária pecebista ................................................. 76
3.2. Comunistas e Feministas: união em defesa da democracia. ............................................ 85
3.3. A resistência feminina diante de uma democracia ameaçada ......................................... 93
3.4. Nice Figueiredo e o debate sobre os direitos civis das mulheres ................................... 106
4. AS MULHERES BAIANAS NA LUTA PELA DEMOCRACIA E PELA PAZ ................. 118
4.1. As desigualdades sociais na Bahia e as diferenças de gênero ........................................ 118
4.2. As mulheres comunistas e os trabalhos de assistência ................................................... 126
4.3. Mulheres pecebistas e eleições de 1945 ............................................................................ 131
4.4. A participação feminino-comunista nas eleições de 1947 ................................................... 144
4.5. Mulheres baianas e a construção de um movimento feminino nacional ........................... 154
5. ABRINDO OS COMPARTIMENTOS DA ALMA... A POLÍTICA ROMANCEADA DE
ALINA PAIM E AS REPRESENTAÇÕES DA LIBERDADE FEMININA ............................... 164
5.1. Alina Paim: pequeno quadro biográfico ......................................................................... 164
5.2. Os caminhos de uma professora na Estrada da Liberdade. ............................................ 171
5.3. Simão Dias: redescobrindo as causas da subserviência feminina ..................................... 192
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 220
FONTES ............................................................................................................................................. 224
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 226
ANEXOS ............................................................................................................................................ 232
12
1. INTRODUÇÃO
[...] A idealização feminina, qualquer que seja ela, sempre cumpre a sentença de morte da mulher, se ela aceita
este lugar, ela aceita a sua petrificação, por mais bela e perfeita que seja a estátua onde ela se erige: aí é o
lugar da alienação de seu desejo.
Ruth Silviano Brandão
A organização não surgiu de uma hora para outra. Ao contrário, foi resultado de um
longo processo histórico de lutas promovidas por distintos grupos feministas com diferentes
concepções e estratégias. As comunistas representaram um projeto político, entre outros em
1
SCHUMA, Schumaher; BRASIL, Érico Vidal (Orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 226.
13
disputa. Dentro do próprio partido houve contendas no que diz respeito ao projeto de
emancipação das mulheres.2 Como lembrou Zuleika Alambert (1922-2013)3, o projeto
revolucionário marxista não foi consensual no que se refere as questões ligadas à libertação
feminina. Os teóricos, tanto clássicos quanto modernos, receberam muitas críticas acerca das
reflexões que fizeram sobre a “problemática da mulher”. De um lado, afirmou-se que os
marxistas nunca deram importância a “questão feminina”; por outro, disseram que quando o
fizeram, deixaram de lado sua especificidade. Embora sejam total ou parcialmente justas, as
críticas apresentam falhas. Muitas vezes, fogem à objetividade das diferentes condições
histórico-concretas.4
Em que pese os limites, não há dúvida de que as/os marxistas se preocuparam com as
especificidades dos problemas femininos. É vasto o material produzido acerca da temática.5 Em
linhas gerais, afirmaram que a questão feminina é uma questão social. Obviamente que não
resolveram todas as questões e que algumas de suas elaborações teóricas são marcadas por
contradições, omissões, lacunas e mesmo erros, a exemplo da tese do matriarcado, contestada
por muitos antropólogos modernos; da assimilação da luta dos sexos à luta de classes; a
negligência da análise do conjunto das relações entre os sexos num duplo plano, no físico e no
afetivo. Mas não devemos cair no anacronismo. Estas constatações só foram possíveis após um
longo processo histórico em que foram desenvolvidas pesquisas que ampliaram o debate.6
2
Para mais informações consultar: GOLDMAN, Wendy. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida
social soviéticas. Tradução: Natália Angyalossy Alfonso, Daniel Angyalossy Alfonso e Marie Christine Aguirre
Castañeda. São Paulo: Boitempo/Iskra Edições, 2014.
3
Natural de Santos-SP, Zuleika Alambert era formada em Ciências Contábeis. Ademais, fez o Curso Intensivo de
Economia, de Filosofia e História do Movimento Operário Internacional, em Moscou.
Foi uma destacada militante do Partido Comunista do Brasil. Ingressou no PCB em 1945. Foi a primeira mulher a
integrar o Comitê Central. Em 1947, aos 25 anos de idade, tornou-se Deputada Estadual pela Baixada Santista. Ela
e Conceição Neves Santa Maria foram as primeiras mulheres no Estado a terem assento no Palácio 9 de Julho.
Para mais informações consultar: SOIHET, Rachel. Do comunismo ao feminismo: a trajetória de Zuleika
Alambert. Cadernos Pagu: São Paulo, v. 40, p. 169-195, jan.-jun. 2013. Disponível em:
<http://www.pagu.unicamp.br/en/cadernos-pagu > Acesso em: 15 jan. 2015 e a página digital do Instituto Zuleika
Alambert. Disponível em: < http://www.instituto-zuleika-alambert.org/sobre-nos/ > Acesso em: 15 jan. 2015.
4
ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo: Nobel, 1986. p. XV-XVIII.
5
Zuleika Alambert demonstrou que os teóricos marxistas clássicos discutiram a “questão da mulher”, a saber: Karl
Marx, Friedrich Engels, August Bebel, Clara Zétkin, Vladmir Lênin, Alexandra Kollöntai, entre outros. Para mais
detalhes sobre o debate consultar: ALAMBERT, Zuleika. Op. Cit. Wendy Goldman também analisou o debate
marxista sobre a questão feminina: GOLDMAN, Wendy. Op. Cit. Além deste trabalhos, vale a pena consultar:
TOLEDO, Cecília (Org.). A mulher e a luta pelo socialismo: Coletânea de textos de Marx, Engels, Lenin, Clara
Zetkin, Trotski. Sundermann: São Paulo, 2014.
6
Ibid.
14
7
Ibid.
8
Para mais informações consultar: MOREIRA, Raimundo Nonato Pereira. No rastro de Miranda: uma
investigação histórica sobre a trajetória de Antônio Maciel Bonfim. In: SILVA, Paulo Santos (Org.).
Desarquivamento e narrativas: História, Literatura e Memória. Salvador: Quarteto, 2010. p. 31-46; MOREIRA,
Raimundo Nonato Pereira et al. O célebre Miranda: aventuras e desventuras de um militante comunista entre a
história e a memória. Praxis: revista eletrônica de história, Salvador, v. 5, p. 62-71, jan. dez. 2011. Disponível em:
< http://revistas.unijorge.edu.br/praxis/2011/pdf/62_oCelebreMiranda.pdf > Acesso em: 18 dez. 2014.
15
Ao que parece, até o momento, não dispomos de nenhum estudo histórico que tenha
como preocupação central analisar a militância de mulheres no PCB da Bahia no contexto em
que nos debruçamos.10 Há poucas investigações acerca da atuação das mulheres comunistas no
período analisado. Temos a pesquisa que vem sendo desenvolvida por Rachel Soihet a respeito
da trajetória de Zuleika Alambert. Entretanto, a autora prioriza a atuação da pecebista a partir
da década de 1970.11 Dispomos também do trabalho: A representação visual da mulher na
imprensa comunista, de Juliana Torres que discute as representações imagéticas da mulher no
jornal Momento Feminino, órgão de imprensa dirigido por mulheres do PCB que circulou de
1947 até 1956.12 A autora não aprofundou na análise mais geral da atuação feminina no PCB.
Além dos trabalhos mencionados, foi consultada a tese Ordem na casa e vamos à luta!
Movimento de mulheres: Rio de Janeiro 1945-1964. Lygia da Cunha – uma militante, de Elza
Macedo. No trabalho, a autora priorizou a trajetória da militante pecebista Lygia da Cunha, que
atuou no Rio de Janeiro.13
9
ALVES, Iracélli da Cruz. Bravas Companheiras! Representações do feminino em O Momento (1945-1947).
Monografia de conclusão do curso de Licenciatura Plena em História. Departamento de educação e Ciências
Humanas, UNEB, Alagoinhas, 2013.
10
Consultamos catálogos de pesquisa (disponíveis on-line) realizadas nos programas de Pós-Graduação stricto-
sensu em História de algumas universidades brasileiras, tais quais, UEFS (http://www2.uefs.br/pgh/); UFBA
(http://www.ppgh.ufba.br/dissertacoes-e-teses/); UFES (http://www.historia.ufes.br/pos-graduacao/PPGHIS/);
UFF (http://www.historia.uff.br/stricto/teses.php); UFPE (https://www.ufpe.br/ppghistoria/); UFMG; UFSC
(http://ppghistoria.ufsc.br/); UNB (http://repositorio.unb.br/handle/10482/568); UNICAMP
(http://www.ifch.unicamp.br/pos/historia/) e UNEB
(http://www.mestradohistoria.com.br/index.php?m=l&id=15).
11
SOIHET, Rachel. Op. Cit.
12
TORRES, Juliana. A representação visual da mulher na imprensa comunista. Dissertação de Mestrado.
Programa de Pós-Graduação em história Social. UEL, Londrina, 2009. Disponível em: <
http://www.uel.br/pos/mesthis/arqtxt/disonline/DissertacaoJuliana.pdf > Acesso em: 22 ago. 2014.
13
MACEDO, Elza Dely Veloso. Ordem na casa e vamos à luta! Movimento de mulheres: Rio de Janeiro 1945-
1964. Lygia da Cunha – uma militante. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. UFF,
Niterói, 2001. Disponível em: http://www.historia.uff.br/stricto/teses/Tese-2001_MACEDO_Elza_Dely_Veloso-
S.pdf. Acesso em: 05 jan. 2014.
16
o texto Biografia de Jacinta Passos: Canção da Liberdade, escrito por sua filha Janaína
Amado.14
Além da riquíssima obra organizada por Janaina Amado, consultamos outros trabalhos.
Raquel Silva analisou a atuação dos Comitês Populares Democráticos, organismos ligados ao
PCB e, paralelamente, evidenciou a atuação feminina nesses comitês.15 Daniela Ferreira
investigou o processo de articulação e produção da revista Seiva em sua primeira fase. O
periódico era influenciado pelo PCB. Seu diretor, João da Costa Falcão (1919-2011), era
membro do partido. Transversalmente, a autora examinou as contribuições da pecebista Jacinta
Passos.16
14
AMADO, Janaína (Org.). Coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA;
Corrupio, 2010.
15
SILVA, Raquel de Oliveira. O PCB e Comitês Populares Democráticos em Salvador (1945-1947).
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social, UFBA, Salvador, 2012. Disponível em:
< http://www.ppgh.ufba.br/wp-content/uploads/2013/09/O-PCB-e-Comit%C3%AAs-Populares-
Democr%C3%A1ticos-em-Salvador.pdf > Acesso em: 22 dez. 2014.
16
FERREIRA, Daniela de Jesus. Tempos de lutas e esperanças: a materialização da revista Seiva (1938-1943).
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. UEFS, Feira de Santana, 2012. Disponível
em: < http://www2.uefs.br/pgh/docs/Disserta%C3%A7%C3%B5es/Disserta%C3%A7%C3%A3oDaniela.pdf >.
Acesso em: 22 jan. 2015.
17
SOIHET, Rachel. O feminismo de Bertha Lutz: conquistas e controvérsias. In: _______________. Feminismos
e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 55-
122
18
VIEIRA, Cláudia Andrade. Mulheres de elite em movimento por direitos políticos: o caso de Edith Mendes
da Gama e Abreu. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. PUC-SP, São Paulo,
2002. p. 100.
19
SIQUEIRA, Tatiana Lima de. Impressões feministas: discursos sobre o feminismo no Diário da Bahia (1931-
1937). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres,
17
Gênero e Feminismo, UFBA, Salvador, 2009. Sítio on-line: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/9944 >.
Acesso em: 13 mar. 2013.
20
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol.
20, nº 2, 1995. p. 86. Disponível em: < https://archive.org/details/scott_gender >. Acesso em: 15 jul., 2013.
21
SOIHET, Raquel; PEDRO, Joana Maria. A emergência da pesquisa da história das mulheres e das relações de
gênero. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol. 27. 2007. p. 288-289. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v27n54/a15v2754.pdf > Acesso em: 02 ago. 2013.
18
22
TILLY, Louise A. Gênero, História das Mulheres e História Social. Cadernos Pagu, nº 3, 1994. p. 29-30.
Disponível em: < http://www.cppnac.org.br/wp-content/uploads/2013/07/G%C3%AAnero-hist%C3%B3ria-das-
mulheres-e-hist%C3%B3ria-social-Louise-A.-Tilly.pdf > Acesso em: 03 mai., 2014.
23
Ibid.
24
MORANT, Isabel. El sexo de la historia. In: ______________. Las Relaciones de Genero. Madri, Marcial
Pons, 1995. p. 29-36.
25
O jornal O Momento circulou na Bahia de 1945 até 1957. Para mais informações sobre sua história consultar:
SERRA, Sônia. O Momento: História de um jornal militante. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, UFBA, Salvador, 1987. O acervo do jornal encontra-se disponível na Biblioteca
Pública do Estado da Bahia (BPEB), setor: Periódicos Raros.
26
Editado por mulheres pecebistas, o periódico circulou de 1947 até 1956. O acervo pode ser consultado na
hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sítio on-line: < http://hemerotecadigital.bn.br/ >
19
Também examinamos parte dos periódicos de grande circulação na Bahia, como: Diário
da Bahia, Revista Letras Brasileiras, Diário de Notícias, Estado da Bahia e A Tarde.31 A
investigação foi feita com a finalidade de nos aproximarmos da cobertura (ou silenciamento)
que deram aos eventos promovidos pelas mulheres do partido e como representaram o feminino.
Percebemos que a maioria deles, sequer, divulgou as atividades promovidas pelas pecebistas.
Raramente, a movimentação das comunistas apareceram em notas rápidas, sem nenhum
destaque. A imprensa de grande circulação, praticamente, silenciou no que diz respeito ao
movimento político feminino-comunista. Entretanto, no que se refere à organização de
mulheres ligadas aos grupos políticos hegemônicos o comportamento parece ter sido um pouco
diferente. Elas aparecem com muito mais notoriedade, quando comparadas com as mulheres do
PCB.
Tânia Regina de Lucca nos alertou que a imprensa periódica contém registros
fragmentários, realizados sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Por isso, como
toda fonte, os periódicos devem ser questionados e analisados com rigor. Devemos
constantemente questionar o lugar de fala dos grupos responsáveis pelas edições.32 Para
evidenciar esses lugares, consultamos jornais ligados a grupos políticos diferentes com o
objetivo de perceber como cada um se comportou frente à movimentação política das mulheres
comunistas.
27
Editado por Patrícia Galvão e Oswald de Andrade, o periódico teve apenas um mês de existência. Fundado na
cidade de São Paulo, circularam apenas 8 edições no ano de 1931. A primeira em 27 de março e a última no dia
13 de abril. Disponível na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sítio on-line: <
http://hemerotecadigital.bn.br/>
28
Circulou de 1945 até 1949 . Disponível na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sítio on-line:
<http://hemerotecadigital.bn.br/ >
29
Circulou de 1940 até 1959. Disponível na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Sítio On-line: <
http://hemerotecadigital.bn.br/ >
30
Para mais informações acerca da imprensa comunista no Brasil consultar: MORAES, Dênis. O imaginário
vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994.
31
Todos eles estão disponíveis na Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Setor: Periódicos Raros.
32
LUCCA, Tânia Regina de. Fontes impressas: história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSK, Carla
Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 111-153.
20
Além das fontes jornalísticas, lançamos mão da literatura. Acreditamos que as fontes
literárias nos aproximam dos pensamentos e aspirações dos grupos sociais. De acordo com
Roger Chartier, os textos ficcionais informam sobre o real sem a pretensão de representá-lo
fidedignamente. Apesar disso, a literatura apresenta fortes representações do passado.
Consequentemente, são capazes de “produzir, moldar e organizar a experiência coletiva mental
e física.”33
Ademais, consultamos alguns livros de memória, como: Sala 4: Primeira prisão política
feminina40, de Maria Werneck; O Partido Comunista que eu conheci, de João Falcão41; Paixão
33
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Tradução: Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. p. 25-25.
34
O livro foi escrito por um médico, mas não foi idealizado como um manual científico. Ao contrário, foi escrito
como uma espécie de carta destinada a uma filha imaginária com o objetivo de servir de guia às mães na educação
de suas filhas. HARO, Francisco. Biologia da Mulher. 12ª ed. Tradução: Isabel Medeiros. Rio de Janeiro:
Conquista, 1950.
35
LOBO, Mara. Parque Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
36
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Leitura: Rio de Janeiro, 1944.
37
Idem. Simão Dias. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1949.
38
Ambos estão disponíveis no livro organizado por sua filha, a historiadora Janaína Amado. AMADO, Janaína
(Org.). Coração Militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010.
39
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 10ª ed. 1964. p. 28.
40
WERNECK, Maria. Sala 4: primeira prisão política feminina. Rio de Janeiro: CESAC, 1988.
41
FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
21
Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão, organizado por Geraldo Galvão Ferraz42
e os dois volumes de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.43 Entendemos, concordando
com Michel Pollak, que a memória é um fenômeno construído. Sofre flutuações relacionadas
ao momento em que ela é articulada e expressa. A organização da memória se dá em função
das preocupações pessoais do momento em que elas estão sendo elaboradas.44 Portanto, não
nos preocupa a exatidão das informações, mas com as impressões e intepretações de suas
autoras e autores sobre os eventos do passado. Os livros consultados apresentam vestígios
importantes para pensarmos o movimento comunista, de forma geral e das mulheres, mais
particularmente, descortinando parte das tesões e contradições inerentes a qualquer processo
histórico.
Advertimos que as citações diretas, tanto das fontes, quanto da bibliografia foram feitas
a partir das regras ortográficas atuais. Optamos por atualizar a ortografia pois acreditamos que
a estratégia torna a leitura mais fluida. Com a mesma finalidade, corrigimos eventuais erros
gramaticais presentes nos originais, sem vincular nota de rodapé a respeito.
42
O livro se constitui em uma longa carta autobiográfica que patrícia Galvão escreveu, na década de 1940, para o
marido Geraldo Ferraz. FERRAZ, Geraldo Galvão (Org.). Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia
Galvão. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 126-127.
43
RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere, vol. 1 e 2. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1986.
44
POLLAK, Michel. Memória e Identidade Social. Estudos históricos, v. 5, nº 10, Rio de Janeiro, 1992. p. 200-
212. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941/0 > Acesso em: 02 jan
2015.
45
Disponível no Arquivo Público do Estado da Bahia. Setor Periódicos.
46
Dossiê: O comunismo na Bahia. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ): Fundo DPS, cx. 605,
fls 13-33.
47
Prontuário Alina Leite Paim (Solicitação de antecedentes para viagem Para a Itália, França, Suíça e Inglaterra).
APERJ. Prontuário nº 45.289, fundo DPS.
48
Recrutamento para o Partido Comunista do Brasil. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Fundo Polícia
Política; Série comunismo, notação 2-A, maço 03. fls. 99-152.
49
GILFRANCISCO. A romancista Alina Paim. Aracaju: GFS, 2008. O livro organizado por Gilfrancisco traz
um conjunto de documentos sobre a vida e a obra de Alina Paim. Apesar de não se constituir em um trabalho
acadêmico, traz fontes históricas das quais atestamos a veracidade da existência.
22
Para além das questões mencionadas, examinamos como se deu o processo de formação
dos movimentos feministas coletivos no início da República brasileira. A compreensão da
atuação política feminina na década de 1940 só se tornou possível com o recuo temporal. Foi
necessário avaliar como as mulheres se organizaram antes de 1942, momento em que o país
começava a acreditar que viveria um regime democrático. Na década de 1930 houve algumas
organizações femininas que, de diferentes maneiras, defendiam a emancipação das mulheres.
Umas eram assumidamente feministas, como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
A federação instalou filiais em vários Estados brasileiros, inclusive na Bahia. Outras, apesar de
defenderem pautas que hoje definimos como feministas, não se identificavam com a
denominação. Foi o caso das pecebistas que, apesar de defenderem abertamente a libertação
das mulheres, não se percebiam enquanto feministas.
Como indicou Margareth Rago, na primeira metade do século XX, geralmente, o termo
feminismo designava as mulheres de tendências liberais de classe média, tal qual a maioria
daquelas que integrou a FBPF. Mulheres que publicamente não aprofundaram a discussão
23
acerca das estruturas sociais de dominação masculina.50 O que não significa dizer que, na
prática, elas não estivessem corroendo as estruturas de dominação. Naquele contexto, não foi
fácil para as mulheres frequentar espaços ocupados majoritariamente por homens, tampouco se
assumirem feministas.
Em todas as fontes consultadas ficou evidente que na década de 1930 as comunistas não
viam com bons olhos a FBPF. Eram constantes os ataques à federação. Entretanto, a partir de
1942 o clima político começou a mudar no Brasil. A entrada do país na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945) em apoio aos Aliados inseriu na sociedade a ideia de que seria possível a
passagem para uma democracia. Em 1945 medidas mais efetivas foram tomadas em prol do
que consideravam necessário à democratização do país, entre elas a legalização histórica do
PCB, em 12 de novembro.51 A partir de então as pecebistas passaram a adotar uma nova tática
de luta política, buscando dialogar mais incisivamente com mulheres de outras correntes
políticas, inclusive da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Os ataques à federação
diminuíram consideravelmente, passando, inclusive, a elogios e reconhecimento da importância
política da organização. O que não significa dizer que cessaram as tensões e que as comunistas
legitimaram o feminismo.
Após a análise mais geral do movimento de mulheres do PCB, deslocamos o olhar para
a militância das mulheres na Bahia, principalmente na capital. Tema reservado ao terceiro
capítulo: As mulheres baianas na luta pela democracia e pela paz. Buscamos evidenciar o tipo
50
RAGO, Margareth. Entre a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo:
UNESP, 2001. p. 219.
51
Para mais informações consultar: FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conheci. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1988. p. 269-272; SENA JUNIOR, Carlos Zacarias. Os impasses da estratégia: os
comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil. 1936-1948. São Paulo: Annablume, 2009. p. 254;
SILVA, Paulo Santos. Op. cit., p. 31; TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 11 ed. São
Paulo/Salvador: UNESP/EDUFBA, 2008. p. 440-442.
24
No dia 22 a delegação baiana, composta por Anísia Alves Moraes e Helena Almeida, se
dirigiu ao Rio de Janeiro para participar da conferência. As representantes falariam “às
mulheres de todo o país a palavra da mulher baiana, dos bairros, das fábricas e do campo, na
luta por suas reivindicações”.56 No evento, as mulheres discutiram diversos assuntos, ligados a
três eixos temáticos: direitos da mulher, infância e juventude, e alto custo de vida. No que diz
respeito ao primeiro ponto foram deliberadas as seguintes atribuições:
52
SCHUMA, Schumaher; BRASIL, Érico Vidal (Orgs.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a
atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 226.
53
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento feminino, Rio de Janeiro, 20 mai. 1949, p. 4.
54
CRIADA a Federação de Mulheres do Brasil. O Momento, Salvador, 01 jun. 1949. p. 4.
55
Ibid.
56
SEGUE, hoje, a Delegação Baiana ao Congresso Nacional das Mulheres. O Momento, Salvador, 22 mai. 1949,
p. 1.
26
Durante a discussão desses problemas ficou bem claro que se agrava cada vez mais,
em toda parte, a situação de fome e miséria do povo e, consequentemente, que é cada
vez mais penosa a situação da mulher brasileira. Viva ela no norte ou no sul, no bairro,
na empresa ou na escola, seus problemas são sempre os mesmos: salários baixos, vida
cara, falta de escolas, falta de creches, falta de hospitais e maternidades. [...] Os
debates da conferência ressaltaram ainda que, apesar da situação de inferioridade
social em que ainda se encontram as mulheres brasileiras, como cidadã, mãe e esposa,
consequência do atraso, dos preconceitos e da falta de liberdade em que vivemos, elas
começam a despertar para uma participação mais ativa na solução dos problemas do
povo.59
57
RESOLUÇÕES. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 30 jun. 1949. p. 4 e 13.
58
RESOLUÇÕES do Congresso Nacional Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 30 ago. 1949. p. 4.
59
MAZZO, Bruna. Popularizemos as resoluções da 1ª Conferência de Mulheres. O Momento, Salvador, 15 jun.
1948. p. 5.
27
estado de inferiorização social no qual se encontravam. Para que esses problemas fossem
solucionados, consideravam fundamental a construção de um movimento feminino forte e
unificado.
60
DESAGRAVO à honra nacional. Voz operária, Rio de Janeiro, 04 mar. 1950. p. 10; PARTICIPAÇÃO ativa da
mulher na campanha contra a arma atômica. Voz operária, Rio de Janeiro, 17 jun. 1950, p. 7; AS CIFRAS
brasileiras da paz. Voz operária, Rio de Janeiro, 25 ago. 1951. p. 4; ORGANIZAÇÃO popular. Voz operária, Rio
de Janeiro, 17 fev. 1952. p. 2; DEFENDER as crianças do perigo de uma nova guerra. Voz operária, Rio de Janeiro,
26 abr. 1952. p. 4; COMITÊS de mães contra o acordo militar. Voz operária, Rio de Janeiro, 28 fev. 1953. p. 11,
entre outras. No terceiro capítulo analisaremos as matérias publicadas em O Momento.
61
AS MULHERES organizadas a serviço da humanidade. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 08 Ago. 1947. p.
4.
28
2.2.Feminilidade e disciplina
62
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. Nordestino: invenção do “falo”. Uma história do gênero
masculino (1920-1940). 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2013. p. 4-30.
63
Ibid. p. 4-62.
29
instrução, o trabalho das mulheres, principalmente das casadas, passou a ser fundamental para
a manutenção dos filhos e da família.64
Por outro lado, não podemos perder de vista todas as transformações e movimentos
sociais ocorridos no século XX, especialmente após a Revolução Russa e as duas Guerras
Mundiais. A Revolução Russa de 1917 abriu espaço para discussões sobre o lugar das mulheres
na sociedade. De acordo com Wendy Goldman,
64
HOBSBAWM, Eric. A Revolução Social. In: ______________ . Era dos Extremos: o breve século XX: 1014-
1991. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 282-311.
65
FRASER, Nacy. Repensar el ámbito público: uma contribución a la crítica da democracia realmente existente.
Debate Feminista, v. 7, nº 4, mar.,1993. p. 31-32. Disponível em: <http://www.debatefeminista.com>. Acesso em:
02 nov. 2015.
30
uma visão revolucionária das relações sociais, baseada na igualdade das mulheres e
no ‘definhamento’ (otmiranie) da família.66
Conforme salientou Hobsbawm, foi somente após a Segunda Guerra Mundial que a
maior parte do mundo passou por transformações intensas e rápidas. Com exceção da América
do Norte e da Europa Ocidental que já vinham se alterando, a maioria dos países só se modificou
– econômica, política e culturalmente – em um ritmo acelerado após a Segunda Guerra, que
promoveu uma crescente industrialização e desenvolvimento tecnológico, impactando
profundamente a dinâmica social. Entre as mutações promovidas, destacamos: a diminuição do
campesinato, o crescimento de ocupações que exigiam educação secundária e superior e a
entrada mais efetiva de mulheres no mercado de trabalho e nas universidades. A proeminência
de algumas mulheres na política tornou-se significativa, “embora não se possa usar isso de
forma alguma como um indicador direto da situação das mulheres como um todo nesses
países.”68
66
GOLDMAN, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviéticas, 1917-1936.
Tradução: Natália Angyalossy Alfonso; Daniel Angyalossy Alfonso. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 19.
67
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2008. p. 143. QUÉTEL, Claude. As
mulheres na guerra (1939-1934). São Paulo: Larousse, 2009. p. 5.
68
HOBSBAWM, Eric. Op. Cit. p. 282-311.
31
Como sabes, sou sinceramente feminista e, como tal, estou firmemente convencido de
que a mulher, tanto quanto o homem, é igualmente capaz para o estudo, para o
desempenho dos mais difíceis cargos, inclusive os públicos e até para posições da
maior responsabilidade. Acho, porém, que o feminismo não pode ter por finalidade
substituir o homem pelas mulheres na luta social e política. Penso mesmo que nem
sempre ela pode colaborar com ele de maneira permanente. É indubitável que a
mulher, embora de idêntico valor social que o homem, é diferente dele. Tem não só
outra constituição fisiológica, como também psicológica diversa. Meu feminismo –
como o de tantos outros que experimentam pela mulher não só a veneração que se
sente pela mãe, ou a atração que nos produz a mulher amada, como também a
compenetração que nos une à colaboradora amiga, – tem por finalidade elevar a
mulher de sua condição de submissão ao homem a um plano superior, de onde possa
contemplar o panorama da vida, sem a angustiosa necessidade de resolver seu
problema social e econômico pelo único recurso da sua união ao homem. O que desejo
para a mulher é que, ao sentir-se econômica e socialmente independente, possa esperar
com tranquilidade o encontro no caminho da vida com o ser com quem queira fundar
seu lar, no qual possa harmonizar seus conhecimentos, aptidões e sentimentos, com
seu instinto feminino, dedicando-se plenamente ao esposo e aos filhos com
“verdadeiro espírito maternal”.72
69
Ibid.
70
Uma análise mais pormenorizada pode ser encontrada em: PINSKY, Carla Bassanezi. A era dos modelos rígidos.
In: PEDRO, Joana Maria; PINSK, Carla Bassanezi. Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto,
2012. p. 607-625.
71
O livro do médico português Francisco Haro teve grande circulação no Brasil. Estimamos que foi publicado
pela primeira vez no país por volta da década de 1920. Chegamos a esta conclusão porque em 03 de março de
1942 o jornal Diário da Bahia publicou uma nota de divulgação da 8ª edição do livro no Brasil. A nota trouxe a
seguinte recomendação: “Mães que tendes filhas a educar: Lêde este livro: Fazeis vossas filhas o lerem”. A
indicação do livro pelos articulistas do Diário da Bahia sugere que o texto foi bem recebido e consumido com
certa intensidade no país. A obra foi editada, no mínimo, 12 vezes. O último ano da edição da qual temos notícia
foi em 1950, exemplar que temos em mãos.
72
HARO, Francisco. Biologia da mulher. 12 ed. Tradução: Isabel Medeiros. Rio de Janeiro: Conquista, 1950. p.
125-126.
32
Na realidade as mulheres não são inferiores, nem superiores, queiram ou não queiram
todos os homens e mesmo algumas mulheres. São diferentes. Diferença específica,
que faz a vida. Mas a vida fez igualdade ou paridade de imensas coisas comuns, sem
que intervenha o sexo para a dita inferioridade, ou superioridade, excepcionalmente.
Há, porém, ainda uma meditação a fazer; tantos milênios de coação, de anulação, de
deformação, não terão mudado a mulher do que era e, apesar da relativa liberdade de
hoje, ainda não restituída ao estado inicial? Temos de esperar que a prisioneira se
acostume à liberdade. Muitas vemos por aí, diante de nós, com o gesto ancestral de
oferecer os pulsos às cadeias...74
73
Júlio Afrânio Peixoto, natural de Lençóis-Ba, foi um conhecido médico legista, político, professor, ensaísta,
romancista, historiador literário. Criado no interior da Bahia, cujos cenários constituem a situação de muitos dos
seus romances, sua formação intelectual se fez em Salvador, onde se diplomou em Medicina, em 1897, como aluno
laureado. Disponível em: < http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=44&sid=127 >
Acesso: 10 Abr., 2014
74
PEIXOTO, Afrânio. Mulheres de hoje. Letras Brasileiras, Rio de Janeiro, nº17, 1944. p. 3-4.
33
educá-las para exercer “bem”, sem grandes desvios, a liberdade. Apesar do reconhecimento de
que as diferenças entre os sexos eram socialmente construídas, logo em seguida, o médico
naturalizou o feminino, afirmando: “O bem a fazer, a ser feito não tem sexo. A mulher, mais
que qualquer outra criatura do mundo, é principalmente capaz e fazê-lo, pois que a definição
da mulher é esta: maior sensibilidade, na mesma inteligência”.75 Mais uma vez, vemos as
mulheres serem representadas como naturalmente sensíveis e bondosas.
Diante de uma realidade marcada por novas formas de sociabilidades entre os gêneros,
novas formas de lidar com o corpo e novas maneiras de comportamento, criou-se estratégias de
preservação das hierarquias que permeavam as relações entre mulheres e homens. Como
destacou Rachel Soihet, a partir da segunda metade do século XIX, quando começou, a partir
do Rio de Janeiro, o processo de modernização, passou a haver uma exaltação de papeis
considerados essencialmente femininos, como mães, esposas. Nos discursos, a “natural”
habilidade feminina nas atividades domésticas e na gerência do cotidiano passou a ser descrita
como uma atividade superior ao trabalho masculino fora do lar. Diante dos primeiros ensaios
de reivindicação entre as mulheres de um outro lugar social, estrategicamente começou-se a se
difundir a ideia de que os homens eram incapazes de desempenhar tão bem as “funções
superiores” exercidas pelas mulheres no âmbito doméstico. Exagerava-se “a incompetência
masculina no desempeno das funções superiores por elas exercidas. Não haveria outro recurso
senão abandonar aos últimos as ‘mesquinhas’ ocupações profissionais e intelectuais”.77
Mas os discursos não apontavam para uma total dicotomia. “Nem o homem deveria
viver exclusivamente a vida exterior, separado da vida do lar, [nem] a mulher deve[ria] viver a
vida interior, separada da vida social.”78 Esta observação estava vinculada às mudanças que
vinham ocorrendo nas formas de participação femininas, além do esforço da medicina na
construção do “pai higiênico”, que deveria canalizar suas energias, prioritariamente, para o bem
75
Ibid.
76
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 39 ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 133.
77
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena.
Rio de janeiro: 7Letras, 2013. p. 30.
78
SOIHET, Rachel. Op. Cit. p. 32.
34
Ainda segundo Fraser, o espaço público é construído a partir de três vertentes: o Estado,
a economia oficial do trabalho assalariado e os espaços políticos.81 É a partir desta noção de
espaço público que analisaremos a atuação política das mulheres no Brasil na primeira metade
do século XX, buscando entender em que medida conseguiram levar para o debate
político/público temas que eram considerados como parte de um terreno discursivo de âmbito
privado.
Entre o final do século XIX e início do século XX, apesar da idealização de um novo
modelo de casamento e até mesmo de família, a principal aspiração das mulheres continuou a
ser o casamento. O amor, a maternidade e a vida doméstica eram coisas inseparáveis, e seria
aquilo que realizaria e traria a felicidade para a mulher. Toda a sua vida deveria estar voltada
para cuidar e dar amor e afeto ao seu marido e filhos. Já para o homem, “o casamento
constituiria um refúgio de paz e alegria para o guerreiro do cotidiano, aquele que precisava
enfrentar a batalha diária pela sobrevivência. Ilha de amor e de afeto para quem precisava viver
no mundo competitivo do mercado.”82 Esses discursos repercutiram toda a retórica romântica
e burguesa que lastreava a instituição, no Ocidente, da família nuclear e monogâmica, em que
79
Ibid.
80
FRASER, Nancy. Op. Cit. p. 24-55.
81
Ibid. p. 34-37.
82
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Op. Cit. p. 73-74.
35
o lar se constituiu na proteção afetiva para homens que precisavam estar preparados para a luta
nos espaços da economia e da política.83
83
Ibid.
84
SOIHET, Rachel. Op. Cit. p. 28.
85
Ibid.
86
MEDEIROS, Maurício. Prefácio. In: HARO, Francisco. Op. Cit. p. 8-9.
36
“Nesta perspectiva, a violência não se resume a atos de agressão física, decorrendo igualmente
de uma normatização na cultura, da discriminação e submissão feminina.”87
Não podemos esquecer, todavia, que a educação formal no Brasil era inacessível a uma
boa parcela dos indivíduos. Todos esses discursos citados se direcionavam aos setores
abastados da sociedade, detentores de privilégios sociais não disponíveis para uma ampla
parcela das brasileiras e brasileiros. Isso fica evidente, por exemplo, quando Haro, ao orientar
as mulheres sobre os cuidados que deveriam tomar quando estivessem grávidas, afirmou:
87
SOIHET, Rachel. Violência simbólica. Revista Estudos Feministas, Santa Catarina, vol. 5. 1997. p. 15-17.
Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/12558> Acesso em: 10 jun. 2014.
88
HARO, Francisco. Op. Cit. p. 83.
89
Ibid. p. 51
37
O pouquinho que eu faço aprendi com minha mulher, que é uma rata de valor: trinta
e duas entradas na Casa de Detenção. [...] Junto dela, eu não valho nada. Não é do
escruncho, faz o serviço às claras. Entra num botequim: – “Será que d. Estela, a moça
do setenta e cinco, está doente?” Arranja a informação de um carregador: a moça do
setenta e cinco não é d. Estela, é d. Zulmira. Sai, volta no outro dia, fica bebendo
cerveja, espiando o setenta e cinco. Depois de algumas visitas, conhece os nomes das
pessoas, os costumes da família, a hora da missa e do cinema. Enfim, achando o
campo livre, dá o golpe.92
Os textos nos apresentaram mulheres com habilidades diversas e aptas para o exercício
da política, diferentemente daquelas pensadas por Haro, para quem, a mulher nem sempre “pode
colaborar com ele [o homem] de maneira permanente.”95 Apesar das diferenças, a maioria dos
discursos não deixou de naturalizar algumas características ditas femininas. A maioria das
mulheres representadas não perdeu a “sensibilidade” e a “doçura”, características que aparecem
de forma quase unânime como essencialmente femininas. De acordo com Graciliano Ramos,
eram as mulheres da Sala 496 que deixavam o cárcere mais “belo” e “harmônico”. “Só havia
clareza nas canções das vizinhas da Sala 4. A linguagem gutural de Elisa Berger e Olga Prestes
adoçava-se nas estrofes de Bandeira Vermelha.”97
Diante de tantos saberes acerca das mulheres e da feminilidade as mulheres nem sempre
se comportaram como o esperado. Muitas vezes incorporavam o discurso de dominação, ao
mesmo tempo em que se movimentavam e paulatinamente alteravam as formas de
sociabilidades. De acordo com Soihet, a incorporação da dominação não elimina a presença de
variações e manipulações por parte dos subalternizados. A aceitação pela maioria das mulheres
de determinadas funções não significou apenas curvarem-se a uma submissão alienante. Em
meio as estratégias de dominação, as mulheres construíram recursos que lhes permitiam
deslocar ou subverter a ordem. Apesar do bombardeio de discursos que naturalizavam papéis
socialmente construídos, algumas mulheres reagiram contra esses sofismas, “contra sua dúbia
realeza e sua muito real submissão doméstica.”98 Umas se rebelaram abertamente, mas a
maioria lançou mão de táticas mais sutis na ânsia de transformar a realidade. Reempregavam
os signos de dominação sem deixar de resistir. Com isso, paulatinamente modificavam a
realidade.99
94
WERNECK, Maria. Sala 4: Primeira Prisão Política Feminina. Rio de Janeiro: CESAC, 1988. p. 50.
95
HARO, Francismo. Op. Cit. p. 125.
96
Prisão política feminina que fazia parte do Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção. Para mais informações
consultar: WERNECK, Maria. Op. Cit. p. 50.
97
RAMOS, Graciliano. Op. Cit. p 354.
98
SOIHET, Rachel. Op. Cit. p. 12-13.
99
Ibid.
39
sempre heterogêneas em relação aos sistemas onde se infiltram e onde esboçam as astúcias de
interesses e de desejos diferentes.100
Por isso, concordamos com Durval Muniz de Albuquerque Junior, para quem o sujeito
não deve ser tomado como um a priori, seja do acontecimento, seja do discurso. Ele emerge no
acontecimento e se inscreve no discurso. “O sujeito é resultante de um complexo processo
histórico, é produto de uma fabricação para a qual contribuem inúmeros processos sociais.”101
Constrói sua identidade a partir das suas relações de poder e de verdade e está permanentemente
em elaboração. Os lugares de sujeito, mesmo aqueles sustentados por uma poderosa
institucionalização, nunca impedem o fluxo, estão em permanente devir.102
100
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Tradução: Ephraim Ferreira Alves. 15 ed. Petrópolis: Vozes,
2008. p. 97.
101
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. Op. Cit. p. 31.
102
Ibid.
40
Mas no passado, nem todas as mulheres que se organizaram visando modificar a lógica
da organização social para o gênero se reconheciam enquanto feministas, tal qual as entendemos
hoje. Historicamente, o movimento feminista no Brasil se expressou de diversas maneiras,
portanto, é mais correto falarmos em feminismos. Embora estejamos utilizando a expressão
“feminismo” para definir o movimento de mulheres pela emancipação, nem todas se percebiam
como feministas.
Como nos lembrou Margareth Rago, na primeira metade do século XX, geralmente o
termo feminismo designava as mulheres de tendências liberais de classe média. Ou seja,
mulheres que, na maior parte das vezes, não aprofundaram na discussão acerca das estruturas
sociais de dominação masculina. O termo “feminista” era utilizado para identificar àquelas que
lutavam pelo direito de acesso ao mundo da política formal, mas que não visibilizaram a
importância da autonomização da cultura feminina, da linguagem específica das mulheres,
enfim, de todo aquilo que nos anos 1980 passou a ser chamado de “feminismo da diferença.”104
O que não significa dizer que, na prática, elas não estivessem corroendo as estruturas de
dominação. Acreditamos que não deve ter sido fácil para as mulheres daquele contexto se
assumirem feministas. Frequentar espaços ocupados majoritariamente por homens, como as
universidades, por exemplo, não foi um processo tranquilo.
O caso da médica baiana Francisca Praguer Froes, estudada por Elisabeth Juliska Rago,
é bem representativo das barreiras que as mulheres dos estratos sociais economicamente mais
elevados tiveram de transpor. No final do século XIX, quando decidiu estudar medicina,
Francisca Praguer enfrentou problemas relacionados à segregação sexual, à época, presentes no
ensino superior brasileiro, “um deles era o que obrigava as estudantes à assistirem as aulas
devidamente acompanhadas, sentando-se em cadeiras separadas dos colegas homens.”105 O
problema do sexismo não era uma especificidade brasileira. Em Buenos Aires, por exemplo,
103
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade.
Campinas: Editora da Unicamp, 2013. p. 28.
104
RAGO, Margareth. Entre a História e a liberdade: Luce Fabri e o anarquismo contemporâneo. São Paulo:
UNESP, 2001. p. 219.
105
RAGO, Elisabeth Juliska. Outras Falas: feminismo e medicina na Bahia (1836-1931). São Paulo:
Annablume/FAPESP, 2007. p. 120.
41
Cecília Grierson, a primeira médica argentina, formada em 1889, foi recebida pelos colegas
homens com profunda zombaria.”106
Todas estas experiências de mulheres que romperam com a lógica dos “espaços
desenhados e planejados pela arquitetura masculina”107 contribuíram para o desenvolvimento
de uma consciência feminista surpreendente para o seu tempo e espaço. O que não significa
dizer que houve uma adesão uníssona, homogênea e automática. As ações dos sujeitos não são
baseadas apenas em escolhas individuais. Refletem, também, as aspirações e os interesses de
uma camada ou classe social.108 Entendemos que os movimentos feministas no Brasil foram
resultado de um processo gradual, as vezes promovido individualmente, outras de maneira
coletiva. Nosso interesse é perceber como as mulheres se organizaram coletivamente na
primeira metade do século XX.
Um dos grupos feministas de grande expressão no Brasil foi a Federação Brasileira pelo
Progresso Feminino (FBPF), liderada por Bertha Lutz (1894-1976). A Federação foi
oficialmente inaugurada em 09 de agosto de 1922. Na cerimônia de inauguração esteve presente
Carrie Chapman Catt (1859-1947), líder feminista norte-americana, a quem Lutz se dirigiu mais
tarde como a “mãe espiritual” da FBPF. Teve como questão central, mas não única, a
incorporação da mulher como sujeito portador de direitos políticos. Organização de nível
nacional, alcançou uma institucionalização surpreendente. Surgiram filiais da FBPF em vários
Estados brasileiros, como São Paulo, Bahia e Pernambuco, assim como outras associações
assistenciais e profissionais se uniram à entidade.109
106
Ibid. p. 123-124.
107
Ibid. 28.
108
Ibid. p. 28-29.
109
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003. p. 14;
SOIHET, Rachel. Feminismos e antifeminismos. mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de
janeiro: 7Letras, 2013. p. 65-66.
42
como algo secundário em relação à atividade principal de esposa e mãe, dando lugar à
discriminação salarial, profissional e sindical.110
A vertente do feminismo comandada por Bertha Lutz evitou assumir posições radicais
de contestação em relação aos homens, além de contribuir com a mitificação da maternidade,
presente nas argumentações em prol da aquisição de direitos. Na opinião de Rachel Soihet, os
caminhos trilhados por Bertha Lutz e pela federação representaram uma tática, leia-se, “ação
calculada, segundo Michel de Certeau, daqueles que não têm por lugar senão o do outro e por
isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei de uma força
estranha.”111
As táticas utilizadas pelas mulheres ligadas à FBPF variaram de acordo com o espaço.
Na filial baiana da FBPF, como destacou Cláudia Andrade Vieira, o sufrágio feminino, uma
das principais preocupações de Bertha Lutz, não se configurou em uma questão central. As
preocupações da presidente da FBPF-Seção Bahia, Edith Gama e Abreu, giraram com maior
intensidade em torno dos problemas que afetavam homens e mulheres nas relações
familiares.113
110
Ibid. Op. Cit. p. 27-28.
111
Ibid. Op. Cit. p. 109.
112
Ibid. p. 106.
113
VIEIRA, Cláudia Andrade. Mulheres de elite em movimento por direitos políticos: o caso de Edith Mendes
da Gama e Abreu. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. PUC-SP, São Paulo,
2002. p. 100.
43
lugares que decidiram ocupar que se distanciavam daqueles pensados para as mulheres do
período.114
Apesar da relevância histórica da FBPF, como destacou Rachel Soihet, não devemos
deixar de assinalar as incongruências nas práticas destas feministas, faltando uma postura crítica
em relação ao sistema político-econômico vigente. Não tinham a pretensão de abolir a estrutura
social de classe, o que não significa que pretendiam conservar o status quo. Adotaram uma
postura reformista e lutaram pela obtenção de uma legislação que equiparasse socialmente o
sexos e que abrisse às mulheres os caminhos de sua emancipação. Se preocuparam em discutir
os problemas enfrentados pelas mulheres da classe trabalhadora, mas não se esforçaram em
mobilizá-las.116
Mas não foi apenas as mulheres da FBPF que se organizaram em prol da luta pela
emancipação feminina. Como destacamos anteriormente, a luta feminista no Brasil foi bastante
heterogênea. Do outro lado da arena política, também lutando por melhores condições de
existência para o gênero feminino, tivemos as mulheres ligadas às esquerdas, a maioria reunida
em torno do Partido Comunista do Brasil (PCB). A maior parte delas recusava a adjetivação
114
Ibid. p. 167.
115
Ibid. p. 168.
116
SOIHET, Rachel. Op. Cit. p. 94-95.
117
Ibid. p. 95.
118
VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 113.
44
A UFB pretendia integrar mulheres das mais diferentes classes sociais e se pronunciou
abertamente contra o sistema político vigente. Se comportaram de forma diferente daqueles
ligadas a FBPF, que utilizaram a tática de alianças com os grupos políticos dominantes e não
mobilizaram politicamente as mulheres das classes subalternizadas. As mulheres da União
Feminina do Brasil se organizaram e lutaram pela emancipação feminina diferentemente das
outras organizações feministas e fizeram questão de demarcar as diferenças.
De acordo com Tatiana Lima de Siqueira, apesar do curto tempo de existência houve
uma tentativa da instalação de uma filial baiana da União Feminina do Brasil. O jornal Diário
da Bahia promoveu propagandas da entidade, indicando-a como uma referência para o
feminismo local. Em 27 de junho de 1935 anunciou os preparativos para a instalação de um
núcleo da UFB na Bahia. No dia seguinte noticiou, em primeira página, uma reportagem sobre
a presença de uma das diretoras da organização no Estado da Bahia, Mary Martins.126
124
PINTO, Céli Regina Jardim. Op. Cit. p. 15.
125
Encontramos a íntegra do manifesto em: WERNECK, Maria. Op. Cit. p. 42; MULHERES do Brasil: o
manifesto da União Feminina do Brasil, Diário da Bahia, Salvador, 03 jul. 1935. p. 3.
126
SIQUEIRA, Tatiana de Lima. Op. Cit. p. 104-107.
46
A mulher do Brasil já começa a perceber que a luta por sua libertação tem suas bases
nos movimentos populares e não confia mais em “líderes feministas”. A mulher já
começa a compreender que as Berthas Lutz, uma vez instaladas no poder, pouco se
lembram das plataformas “feministas” gritadas em praça pública, a fim de arrastar as
massas femininas.”127
No dia 23 de julho algumas mulheres da UFB foram presas, dentre elas Mary Mércio
Martins; Lídia Freitas, Maria Moraes Werneck e Armanda Álvaro Alberto. A partir de então as
publicações no Diário da Bahia sobre a UFB passaram a ser escassas e mudaram de teor. O
periódico passou a publicar denúncias, prisões e apelações, informando sobre a descoberta das
reais intenções daquele núcleo. A última reportagem sobre o tema foi publicada em janeiro de
1936, apresentando informações de um agente secreto que se infiltrou numa das reuniões da
UFB no Distrito Federal.128
algumas mulheres usaram linguagem moderna. [...] Eugênia Álvaro Roreyra atacou
violentamente o fascismo e o integralismo, [...] aconselhando a campanha contra a
guerra e o fascismo por todos os meios e lugares, dizendo que à mulher competia a
maior propaganda por ser ela e maior e mais explorada vítima da sociedade atual. [...]
Usou depois a palavra a senhora Maria Lacerda de Moura [que] expõe sua opinião
individual, dizendo que a única maneira de acabar com as guerras é fazer a greve da
127
EM PROPAGANDA da União Feminina. Diário da Bahia, Salvador, 04 Jul. 1935. p. 1.
128
SIQUEIRA, Tatiane lima de. Op. Cit. p. 108.
129
O INVESTIGADOR n. 586 descreve a reunião dos elementos da União Feminina. Diário da Bahia, Salvador,
10 jan. 1935. p. 2.
130
Ibid.
131
Ibid.
47
natalidade recusando-se as mulheres a conceber filhos que iriam servir de carne para
canhão.”132
Além de sugerir a “greve de natalidade” como tática de luta contra a guerra, Maria
Lacerda de Moura asseverou que a Cruz Vermelha representava uma “arma de guerra”, “agente
do imperialismo”, que curava os feridos “para os lançarem novamente no inferno da guerra.”133
Segundo o investigador, as palavras de Maria Lacerda de Moura causaram mal-estar. A senhora
Ivetta Ribeiro, membro da Cruz Vermelha, “defendeu-se dos ataques de Maria Lacerda de
Moura, sendo suas palavras aplaudidas pela maioria.”134
Apesar de ter criticado a ordem capitalista, na década de 1930 as ideias de Maria Lacerda
de Moura foram rebatidas por Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, à época militante
do PCB. Talvez pela atenção que deu às questões ligadas à sexualidade, problemas, que no
contexto, eram secundarizados pelos pecebistas brasileiros. Nas palavras de Patrícia Galvão:
Observamos no artigo assinado por Pagu, pseudônimo que tornou famosa Patrícia
Galvão, que a autora acusa Maria Lacerda de Moura de “sargento reformista que precisa
estender sua visão para horizontes mais vastos.”139 Embora saibamos que, na prática, Maria
Lacerda não costumava defender o “reformismo”. Ao contrário, considerando os padrões do
período, ela adotou posturas extremamente radicais na defesa da libertação das mulheres.
Para Pagu, as ideias defendidas por Maria Lacerda de Moura não eram urgentes naquele
contexto. Sugeriu que os problemas enfrentados pelas mulheres se vinculavam à “questões
maiores”, leia-se, a divisão da sociedade em classes sociais. Para Pagu, “o materialismo
histórico solucionando problemas maiores faz com que esse problema [da desigualdade entre
os sexos] desapareça por si.”140 Este posicionamento evidencia um pensamento muito comum
entre os pecebistas do período, que relacionavam o problema da opressão feminina à estrutura
da sociedade capitalista, dividida em classe sociais. Defendiam que quando o capitalismo fosse
substituído pelo socialismo, todas as diferenças sociais se dissolveriam.
137
Ibid. p. 283.
138
PAGÚ. Malthus Além. Homem do Povo. 27 mar. 1931. p. 2.
139
Ibid.
140
Ibid.
49
As palavras de Pagu dão relevo à complexidade das relações entre as mulheres que
lutavam pela emancipação feminina. No contexto, disputas políticas estavam em jogo.
Forjaram-se diferentes pontos de vista sobre o encaminhamento da luta das mulheres e dos
principais meios de opressão do sexo feminino. Através do romance Parque Industrial, livro
de objetivos políticos demarcados, Patrícia Galvão, agora sob o pseudônimo de Mara Lobo,
criou personagens que visavam representar as mulheres operárias e pobres, vítimas do
machismo e da exploração de classe.
141
LOBO, Mara. Parque Industrial. Rio de janeiro: José Olympio, 2006. p. 19.
142
MORAES, Maria Lygia Quartim. A solidão de Pagu. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Orgs.) A
formação das tradições (1889-1945). Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 371.
143
HIGA, Larissa Satico Ribeiro. As representações da violência em Parque Industrial. Dossiê “Escritas da
Violência. Disponível em: <http://w3.ufsm.br/literaturaeautoritarismo/revista/dossie/art_10.php> Acesso em: 12
mai., 2014.
50
A autora criticou, além da exploração de classe, a dupla moral vigente e suas possíveis
consequências para as mulheres, como a prostituição, o aborto e o assédio moral e sexual a que
estavam expostas em uma sociedade burguesa, machista, como evidencia a passagem abaixo:
Por meio de sua narrativa Mara Lobo deixou transparecer parte de seu pensamento
acerca dos problemas sociais enfrentados pelas mulheres. Para ela, muitas das “aventuras” que
faziam parte do aprendizado sexual dos jovens ricos tinham consequências graves, como
gravidez e nascimentos indesejados. Problema que afetava desastrosamente as mulheres, pois
os pais frequentemente negavam a paternidade, levando-as, muitas vezes à prostituição, tal qual
ocorreu com a personagem Corina, que se envolveu com um burguês, Alfredo, e engravidou.
Como o pai não assumiu a paternidade, Corina se desesperou ao perceber-se desempregada e
diante de um moralismo hipócrita, inclusive dentro de sua classe social. Por isso, acabou se
entregando à prostituição. Em seu ambiente de trabalho:
144
LOBO, Mara. Op. Cit. p. 43-44.
51
Ela sorri entre lágrimas. Logo mais, à noite, encontrará o amante. [...]
Otávia larga a costura.
– Corina, me espere na saída.
É a única que ainda fala com ela. Justamente a que era menos sua amiga. Sempre a
deixara de longe. Sonsa!
Encontraram-se, Otávia lhe diz:
– Você vai comigo pra casa. Fica lá até arranjar emprego ou ter criança!
– Posso ver o Arnaldo quando quiser?
– Corina, você não percebe quem é o Arnaldo? Ele não passa de um horrível burguês!
Logo se saciará de você! Eles são sempre assim...
– Mas somos noivos...
– Ele nunca se casará com você. Ele não terá a coragem de procurar uma esposa fora
de sua classe. O que ele faz é só seduzir as pequenas como você, que desconhecem o
abismo que nos separa dele.145
Chega cedo. Senta-se num banco do Anhangabaú. O automóvel com duco novo para.
É o seu amor
– Você hoje não pode? Mas eu estou sem casa!
Conta-lhe como saíra da vila simeone.
Não quisera abortar. Madame pusera-a para fora do emprego.
Deixa cair uma nota e grita desembraiando:
– Não perca! São cem paus!
A baratinha fonfona a ilusão de Corina.
Ficou um trapo no Anhangabaú. Meia dúzia de choferes comentam a gravidez e as
pernas sem meias. A chuvinha que cai é maior do que o choro dela. Desbota a chita
de grandes bolas. Com sua mãe foi assim mesmo! [...] Um bando álacre se diverte na
chuva. Três homens e uma mulher. A pé. Convidam-na por troça. Corina adere, vai
junto. Como máquina. Se embebeda, fuma. [...] Se excita. Quer todos os machos de
uma vez. No dia seguinte, um sujeito lustroso a leva para um bordel no Brás.146
Aparece fortemente na narrativa a ideia de prostituição como um mal social gerado pelo
capitalismo. Hoje este olhar pode ser problematizado. Como demonstrou Margareth Rago, são
145
Ibid. p. 51-52
146
Ibid. p. 53-54.
52
147
Para mais informações acerca da história das organizações políticas das prostitutas no Brasil consultar: RAGO,
Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade. Campinas: Editora
Unicamp, 2013. p.112-116; 166-191; 240-279.
148
LOBO, Mara. Op. Cit. p. 76-78.
53
feminismo de Bertha Lutz e suas companheiras, sinalizou que para as feministas se dedicarem
às suas profissões e/ou atividades políticas, lançavam mão do trabalho das empregadas
domésticas, tipo de atividade desenvolvida por mulheres pobres que, na maioria das vezes,
recebiam baixíssimos salários. Décadas antes Mara Lobo não deixou de se colocar contra este
tipo de exploração, que se configurou como exploração de classe. “Ah! Minha criada me
atrasou. Com desculpas de gravidez. Tonturas. Esfriou demais o meu banho. Também já está
na rua!”149
Indo além, ao descrever a relação entre mulheres ricas e de classe média e mulheres
trabalhadoras, a narradora evidenciou o que considerava os limites do feminismo burguês. No
trecho citado acima, no momento do diálogo em que uma feminista comenta as vestes de uma
companheira – “– Será que Lili Pinto vem com o mesmo tailleur”; “– Ela pensa que a evolução
está na masculinidade da indumentária” – a narradora representou as feministas como mulheres
frívolas, preocupadas com coisas completamente fúteis e sem relevância social.
149
Ibid.
54
Mais uma vez, fica evidente que a luta pela emancipação feminina era permeada por
tensões. Podemos dizer que para as mulheres do PCB o feminismo era entendido como um
movimento pequeno-burguês, por isso, inadequado para as mulheres que estavam preocupadas,
de fato, com a libertação feminina. Na leitura comunista a emancipação das mulheres só seria
possível após a eliminação da sociedade capitalista.
Estou de acordo com o sacrifício total, se se tratasse de uma coisa que valesse a pena,
se se tratasse de vidas, num momento de luta armada, em plena revolução. Mas assim,
para obter ridículas informações, que nem sequer se sabe se serão aproveitadas, eu
acho que é exigir demais das mulheres revolucionárias. Eu não sou prostituta. [...]
Pensam que uma aventura a mais ou a menos para mim não tem importância nenhuma.
Uma mulher de pernas abertas: é o que vocês pensam.151
O primeiro fato distintamente consciente da minha vida foi a entrega do meu corpo.
Eu tinha doze anos incompletos. Sabia que realizava qualquer coisa importante contra
todos os princípios, contrariando a ética conhecida e estabelecida. Com certeza, havia
uma necessidade, mas não era nenhuma das chamadas necessidades, ou melhor, a
necessidade nada tinha a ver com a entrega fisiológica do corpo. Antes desse fato, só
lembro da inquietação anterior. Não havia falta de compreensão do ambiente. Isso só
depois comecei a sentir. Toda a minha vida. Naquele tempo eu é que não compreendia
o ambiente. Em me lembro que me considerava muito boa e todos me achavam ruim.
As mães das outras crianças não queriam que eu brincasse com suas filhas. [...] Eu
150
ABREU, Edith Mendes da Gama. Restrições inaceitáveis. Apud. VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 108.
151
FERRAZ, Geraldo Galvão (Org). Paixão Pagu: uma autobiografia precoce de Patrícia Galvão. Rio de
Janeiro: Agir, 2005. p. 126-127.
55
Os limites entre liberdade sexual e desrespeito ao indivíduo eram muito tênues. Nas
descrições de Patrícia Galvão, os homens do partido, muitas vezes, interpretavam mal o
discurso emancipacionista de algumas companheiras, achando que as mesmas estavam
dispostas a qualquer atividade sexual. Ela descreveu com revolta e indignação a investida sexual
de um companheiro: “Como era revoltante e ridículo despir a capa comunista. Que nojo ao vê-
lo atirar-se a minha procura com a vulgaridade brutal e desastrada que eu já conhecia nos
homens de outras classes sociais!”153
Não foi fácil para as mulheres lutarem politicamente em um contexto marcado por uma
cultura falocêntrica. Em qualquer grupo político encontraram resistências e dificuldades para
dar encaminhamento à luta pela emancipação do gênero feminino. O golpe que culminou no
Estado Novo tornou a luta ainda mais difícil. Segundo Céli Regina Pinto, o golpe de 1937, que
culminou na ditadura varguista, matou o embrião da organização da sociedade civil brasileira
nesse período.154
Não acreditamos que a ditadura do Estado Novo (1937-1945) tenha matado o embrião
das organizações de grupos insatisfeitos com o status quo. Certamente que a implantação da
ditadura desarticulou muitos organismos, o que não significa que a luta tenha sido abortada.
Ainda que com dificuldades organizativas, nem toda a sociedade brasileira assistiu apática às
atrocidades da ditadura.
152
Ibid. p. 53.
153
Ibid. p. 87.
154
PINTO, Céli Regina Jardim. Op. Cit. p. 38.
56
155
PANDOLFI, Dulce. Apresentação. In: ______________ (Org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 9-14.
156
Ibid.
157
Ibid.
158
Ibid.
57
Como destacou Maria Luiza Tucci Carneiro, o Estado Novo foi um período sombrio da
história brasileira. “Tempos difíceis, duros, marcados pela repressão, pela censura, pelo
antissemitismo, pelo abuso do poder, pelos acordos de bastidores.”159 Representou a apoteose
de um lento processo de construção do pensamento autoritário no Brasil, gestado décadas antes.
Expressou a interrupção de um processo de democratização que, em 1930, tentou se fortalecer
enquanto projeto político, mas acabou sendo abafado pela vertente autoritária.160
Apesar das tentativas do governo em calar a voz da resistência, levando ao cárcere sob
as mais precárias e humilhantes condições, centenas de indivíduos, os embates não cessaram.
As pessoas insatisfeitas com a ordem vigente, mesmo presas, criaram táticas e continuaram a
lutar por uma sociedade que consideravam mais justa. Nas prisões, muitos sujeitos, inclusive
as mulheres, não esmoreceram, mantendo, por exemplo, um “serviço postal clandestino”162,
com a finalidade de manter acesa a peleja contra a ditadura varguista.
159
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Estado Novo, o DOPS e a ideologia da segurança nacional. In: PANDOLFI,
Dulce. Op. Cit. p. 327-328.
160
Ibid. p. 328
161
Ibid. p. 329.
162
Termo empregado por Graciliano Ramos para definir a troca de correspondência entre presos políticos e o
mundo externo. RAMOS, Graciliano. Op. Cit. p. 288.
163
Ibid.
58
Entre as comunistas, o trabalho também não cessou. Por estarem distantes dos grupos
políticos dominantes e alinhadas politicamente à esquerda, elas sofreram as mais duras
perseguições. Como os homens, mofaram nos cárceres da ditadura varguista e estiveram
expostas a toda sorte de humilhações, torturas físicas e psicológicas.
Essa barulhada é que fez com que Olga e Sabo, assim era chamada Elisa Ewert, nos
abraçassem emocionadas, pois se achavam entre amigos [...]. As barbaridades a que
Sabo fora sujeita iniciavam-se às 3h. da madrugada, na Polícia Especial. Na primeira
noite em que ela e Olga dormiram na Sala 4 todas acordamos com gritos. Olga era a
primeira a acudir. Em seus braços Sabo se acalmava.167
Não obstante o perigo, não deixaram de trabalhar. Umas na própria prisão, outras na
retaguarda, fazendo ligação entre os encarcerados e o mundo exterior, surpreendendo seus
companheiros, contrariando as expectativas da suposta fragilidade feminina, a exemplo de
Heloísa Medeiros Ramos (1910-1999). Como lembrou Graciliano Ramos:
Minha mulher chegara e prometia visitar-me na segunda-feira, entre dez e onze horas
– Que estupidez!
164
HAHNER, June E. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas (1850-1937). São Paulo: Brasiliense,
1981. p. 123.
165
VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 116.
166
HAHNER, June E. Op. Cit. p. 123
167
WERNECK, Maria. Op. Cit. p. 69.
59
Na Sala 4 havia mulheres cujo pensamento já evoluíra para examinar questões sociais,
econômicas, e não somente combater o “não ficarmos à beira do fogão”. [...] Nossas
conversas, girando em torno de problemas universais, só abordavam o problema
feminino nesse conjunto. Naquele momento, tanto atingindo a mulher como a
população, nosso maior objetivo era lutar contra o nazi-fascismo na Europa, o
integralismo no Brasil.169
168
RAMOS, Graciliano. Op. Cit. p. 268-274.
169
WERNECK, Maria. Op. Cit. p. 73.
60
Entre 1939 e 1945 a história foi marcada pela Segunda Guerra Mundial. Com a guerra
alterou-se a ordem política internacional, refletindo nas estruturas internas de poder da maioria
dos países. No caso específico do Brasil, as novas perspectivas políticas apontavam para o fim
do Estado Novo, principalmente, a partir de 1942, quando o país entrou na guerra declarando
apoio aos Aliados.
170
DEMIER, Felipe. O longo bonapartismo brasileiro (1930-1964): um ensaio de interpretação histórica. Rio
de Janeiro: Mauad X, 2013. p. 167-168.
171
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático. Bahia, 1945. Salvador: Assembleia Legislativa, 1992. p.
31-49.
172
SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias de. Op. Cit. p. 256-257
61
Em 1945 medidas mais efetivas foram tomadas em prol do que consideravam necessário
à democratização do país, como: a anistia dos presos políticos e exilados, em 18 de abril; a
promulgação do código eleitoral, em 28 de maio; a legalização oficial do PCB, em 12 de
novembro; as eleições para a Assembleia Constituinte, em 2 de dezembro, etc. Houve o fim da
censura dos jornais, revistas e rádios e o aparecimento de partidos políticos nacionais, o que se
configurou como uma novidade na história do Brasil. No mesmo ano, estouraram novas greves
de várias categorias da classe operária.174
Apesar da aparente abertura democrática, que encheu de ânimos o PCB, Paulo Santos
Silva nos lembrou que o passado republicano não foi superado em 1945. Determinados traços
e práticas herdados da República Velha e dos quinze anos que Vargas esteve à frente do poder
público (1930-1945) reaparecerem em diversos momentos no processo político-partidário,
como na organização e articulação partidárias, nos critérios de alianças políticas, no
personalismo das lideranças, nas campanhas eleitorais, no comportamento do eleitorado e na
natureza dos discursos dos grupos políticos. Por isso, ao utilizar a palavra redemocratização
para definir o processo iniciado em 1945 é preciso lembrar os limites do regime democrático
no contexto.175
O processo eleitoral que elegeu para presidente o General Eurico Gaspar Dutra
demarcou um momento decisivo rumo à reestruturação do estado de direito, que deveria vigorar
a partir de 1946. Em 31 de janeiro de 1946 tomou posse o novo presidente da República, ficando
no cargo até 1951.176 Em 5 de fevereiro foram iniciados os trabalhos para a Assembleia
Constituinte. Esperava-se que o país definitivamente entrasse em uma nova era de plenitude
democrática.
173
Ibid. p. 107.
174
Para mais informações consultar: TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 11 ed. São
Paulo/Salvador: UNESP/EDUFBA, 2008. p. 440-442; SENA JUNIOR, Carlos Zacarias de. Op. Cit. p. 254;
SILVA, Paulo Santos. Op. cit. p. 31.
175
SILVA, Paulo Santos. Op. Cit. p. 19.
176
Antes das eleições de dezembro de 1945, que tornou o general Eurico Gaspar Dultra presidente da República,
o cargo foi ocupado, provisoriamente, por José Linhares.
62
177
SILVA, Paulo Santos. Op. Cit. p. 17; VAZQUEZ, Petilda Serva. Momento: intervalo democrático e
sindicalismo (1942-1947). Salvador: UNIJORGE, 2009. p. 138-139.
178
VAZQUEZ, Petilda Serva. Op. Cit. p. 75-77.
179
Para mais informações sobre as formas de atuação e organização dos Comitês Populares Democráticos na Bahia
consultar: VAZQUEZ, Petilda Serva. Op. Cit. p. 75-77; SILVA, Raquel de Oliveira. O PCB e Comitês Populares
Democráticos em Salvador (1945-1947). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História
63
A imprensa foi outra ferramenta utilizada pelo PCB para cumprir a finalidade de ampliar
o trabalho político e aumentar os quadros. Como nos informou Dênis de Moraes, desde a sua
fundação, em 25 de março de 1922, o partido cumpriu a tradição de ter meios de divulgação de
suas posições doutrinárias. Entre 1922 e 1992 os meios informativos comunistas circularam em
vários Estados brasileiros – principalmente de 1945 a 1947, nos governos de Juscelino
Kubitschek e João Goulart e após a abertura política de 1979. Em decorrência do virulento
anticomunismo, o itinerário da mídia do PCB foi bastante acidentado. Em diversos momentos
a repressão policial obrigou as publicações à clandestinidade ou à mudança de nome, como
forma de resistência.180
Social. UFBA, Salvador, 2012. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/13331?mode=full >
Acesso em: 22 dez. 2014.
180
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p. 58.
181
Ibid. p. 58-61.
182
Ibid. p. 50-63.
64
O jornal baiano O Momento, editado de 1945 a 1957, circulou pela primeira vez no dia
09 de abril de 1945, sob formato tabloide, com doze páginas. Era reproduzido pela Imprensa
Vitória. Criado pelo Comitê Regional do PCB, tinha como diretor João da Costa Falcão (1919-
2011), à época secretário de agitação e propaganda do partido. Inicialmente, circulou como
semanário e, a partir de março de 1946, como diário. Oficialmente o periódico não pertencia ao
PCB, mas tinha como diretor um membro do Comitê Regional e, em alguma medida, seguia os
princípios do partido.184
Uma poderosa arma na imprensa, capaz de atrair todas as mulheres dos mais
escondidos recantos brasileiros, as mulheres das cidades movimentadas, como dos
sertões nordestinos, do litoral como dos campos, para que, numa única frente,
marchássemos em direção a um objetivo comum, a um horizonte de luz, alegria, saber,
conforto e felicidade.186
183
Ibid. p. 65.
184
FALCÃO, João. Op. Cit. p. 267-269.
185
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 25 jul. 1947, p. 2.
186
Ibid.
65
Momento Feminino circulou até 1956. De 1947 a 1948 como semanário, com algumas
interrupções. A partir de 1949 transformou-se em uma revista mensal.189 Serviu como um ponto
de articulação para a fundação da Federação de Mulheres do Brasil, citada no início do capítulo.
Em vários momentos foram publicadas matérias sobre reuniões femininas, tanto no Rio de
Janeiro quanto em outros Estados do Brasil, com o objetivo de ampliar e tornar nacional o
movimento feminino organizado em torno da FMB.190 Consideravam que naquele contexto as
mulheres deveriam se unir, deixando de lado suas divergências.
Unamo-nos; que nossas mãos se entrelacem hoje, como ontem o fizeram na guerra.
Não importa a que partido, a que seita, a que religião pertençamos. O que importa é
salvar nossos filhos! O que importa é salvar nossos lares! Vamos unir-nos, vamos
entrelaçar nossas mãos para que nosso grito seja uma força. Queremos a paz!191
Desde 1945 o PCB já vinha investindo com relativa intensidade na luta das mulheres.
Acreditando na necessidade do cumprimento das etapas revolucionárias e entendendo que
naquela conjuntura o Brasil precisava desenvolver suas forças produtivas em bases capitalistas,
o partido passou a dirigir seu discurso para um público cada vez mais amplo. Extrapolou os
limites da classe operária, intentando transformar o “partido do proletariado” em um partido
amplo e popular.192 Promoveu uma campanha visando atrair mulheres para seus quadros.
Paralelamente, aproveitando os espaços abertos com o final da guerra em 1945, as mulheres
puderam se reorganizar politicamente de maneira mais visível, já que podiam usar mais
livremente os espaços de expressão (jornais, revistas, literatura, etc.). O Partido Comunista se
constituiu em um espaço de atuação.
192
VAZQUEZ, Op. Cit., p. 71-73; TAVARES, Op. Cit., p. 442-443; SENA JUNIOR. Carlos Zacarias de. Op. Cit.,
p. 240-241.
193
HOMENAGEM das mulheres baianas. O Momento, Salvador, 08 out. 1945. p. 1.
194
Médico, poeta e professor, Hélio Simões foi catedrático da Universidade da Bahia. Pode ser considerado um
dos tipos emblemáticos do intelectual baiano e brasileiro, com uma inserção intelectual que lhe propiciava livre
67
lembrada como um exemplo de mulher, pois “soube ser uma esposa delicada e mãe extremosa
e, ao mesmo tempo, uma corajosa e inquebrantável lutadora da causa da liberdade do povo.”195
Por fim, falou o pecebista Aristeu Nogueira, “que começou por afirmar que Olga
Benário Prestes tinha se tornado [...] um símbolo para as mulheres comunistas.”198 Encerrou o
seu discurso afirmando que “se é com tristeza que soubemos de sua morte, é com orgulho que
apresentamos como exemplo às mulheres brasileiras, às esposas e às mães.”199
trânsito nos círculos universitários e extra-universitário. Para mais informações consultar: RIBEIRO, Maria de
Fátima Maria. Acasos de uma errância brasileira. Via Atlântica, nº 4, Out. 2000. p. 286.
195
HOMENAGEM das mulheres baianas. Op. Cit. p. 1.
196
Ibid.
197
Ibid.
198
Ibid.
199
Ibid.
68
No Rio, em São Paulo, para não citar outras capitais brasileiras, as mulheres estão
começando a tomar parte ativa na presente campanha política. Não querem ser apenas
expectadoras do movimento de democratização do país, nem somente depositar, como
autômatos, o seu voto na urna. As mulheres vão participando do atual movimento de
opinião e é justo que o façam. Não apenas porque, na opinião de Talleirand – “as mulheres
são a política” – mas, também, e sobretudo, porque elas são pensamento e ação no mundo
de hoje. [...] A mulher brasileira – mãe, esposa ou irmã – portou-se admiravelmente na
luta do Brasil contra o nazi-fascismo. Foi ela quem melhor animou e incentivou nossos
soldados. Agora, iniciando-se a campanha eleitoral, elas correspondem ao novo apelo da
Pátria, no campo das ideais. No Rio de Janeiro já se encontra em franca atividade o
Comitê de Mulheres Pró-Democracia. [...] O Comitê de Mulheres está concitando o
mundo feminino para se organizar, em todos os Estados, em comissões semelhantes, de
luta pela democracia e pelo progresso da pátria.200
Mais uma vez, notamos que ao pensar a luta política das mulheres o partido não deixou
de enfatizar alguns papéis femininos naturalizados – “mãe”, “esposa”, “irmã”, prontas para,
sensivelmente, acalentar os homens após suas árduas tarefas. Na década de 1940, em
decorrência das lutas feministas travadas no decorrer da história brasileira, já havia uma
inserção e uma relativa aceitação da participação das mulheres na política formal. Desde, pelo
menos, a década de 1930, as mulheres brasileiras já participavam ativamente dos processos
eleitorais. Inclusive na Bahia, que em 1935 elegeu a sua primeira Deputada Estadual, Maria
Luiza Bittencourt.201
A incorporação das mulheres nos espaços formais da política poderia não significar uma
mudança total no que se refere ao pensamento acerca do feminino. Como destacou Nancy
Fraser, levantar as restrições formais de participação no âmbito público não é suficiente para
assegurar sua inclusão na prática. Ao contrário, mesmo depois de as mulheres e os
trabalhadores, por exemplo, terem sido aceitos para participarem formalmente da política, suas
participações algumas vezes foram obstruídas por concepções de privacidade econômica e
privacidade doméstica, limitadores do campo de ação. Estas noções, portanto, são veículos por
meio dos quais as desvantagens de gênero, classe, raça/etnia, podem seguir operando
informalmente mesmo depois que as restrições explícitas e formais tenham sido abolidas.202
200
MULHERES na luta pela democracia. O Momento, Salvador, 28 maio. 1945. p. 4.
201
VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 98.
202
FRASER, Nancy. Op. Cit. p. 52.
69
Foi Bernard Shaw quem chamou de casal extraordinário a Sidney e Beatrice Webbs
[...]. Mas, em que pese a excepcionalidade entre os homens de entendimento conjugal,
tão marcadamente harmonioso, é de justiça assinalarmos a existência de mais dois
exemplos [...] Referimo-nos a Vladimir Ylyich, o genial Lenine, e Nadezhda
Krupskaya. Evidentemente, aquele espírito agigantado e dinâmico encontrando na
esposa o mais forte esteio para suas arrancadas, em obediência ao determinismo de
sua missão histórica. Krupskaya não seria somente sua companheira para os carinhos
e o conforto o lar, onde se refazia dos grandes embates do Partido Comunista, e da
continuada e inesgotável produção de livros e artigos de esclarecimento e orientação
das massas, para a conquista do poder. Ela também, politizada e culta, militante ativa,
e consciente de sua função de bolchevista, lhe serviria como companheira leal e
auxiliar arguta no concerto de suas decisões e atitudes, e discussão preliminar dos
problemas a serem feridos nas assembleias203.
204
Ibid.
71
questionava o poder paterno, leia-se o poder masculino, dentro do núcleo familiar e o papel do
homem na sociedade.205
205
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 65.
206
Ibid.
207
LÊNIN, V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro. Vitória, 1956. p. 9-10.
208
Ibid.
72
Lênin sinalizou que mudanças apenas no campo jurídico não seriam suficientes para emancipar
as mulheres. Segundo ele, também eram necessárias outras mudanças, como a transformação
do trabalho doméstico em coisa pública e a participação feminina na política.209
209
Ibid. p. 31-37.
210
ALVES, Iracélli da Cruz. Op. Cit. p. 52-53.
211
GOLDMAN, Wendy. Op. Cit. p. 23
212
Ibid. p. 25-26.
73
Com o final da Segunda Guerra Mundial, que soprou os ares da democracia no Brasil,
os pecebistas adotaram a linha política de União Nacional. Para o sucesso da estratégia
precisavam desvencilhar-se do estigma de destruidor da “moral” e dos “bons costumes”. A
manchete “Confiar firmemente nas liberdades conquistadas” é bastante ilustrativa no que diz
respeito à preocupação dos pecebistas em se defenderem das acusações anticomunistas e,
consequentemente, ganharem uma aceitação nacional.
Nosso Partido sempre exerceu a mais cuidadosa assistência à vida familiar dos seus
membros. Todo comunista é educado para se tornar pai de família exemplar. Nossos
quadros são escolhidos, de preferência entre os trabalhadores mais dedicados às suas
famílias. Isso demonstra que, ao contrário do que pregava a reação, nós, os
comunistas, somos os mais dedicados defensores da família. Nesse ponto serve-nos
de exemplo a vida do nosso querido Luiz Carlos Prestes, cuja família é a mais unida
e a mais solidária que se pode conhecer213.
213
CONFIAR firmemente nas liberdades conquistadas. O Momento, Salvador, 25 Jun. 1945. p. 1
214
GOLDMAN, Wendy. Op. Cit. p. 345-346.
215
Ibid. p. 394
216
A mudança de discurso no governo de Stalin não ficou apenas no plano das ideias, reverberando em retrocessos
práticos, a exemplo da proibição do aborto em junho de 1936. Para mais informações consultar: GOLDMAN,
Wendy. Op. Cit. p. 345-395.
74
O político além de ser aquilo que tem uma relação direta com o Estado e a sociedade
global, se estende também às coletividades territoriais e outros setores, através do movimento
que algumas vezes dilata, outras encolhe o campo da política. Já a política se constitui enquanto
a atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática do poder. Então só é política
a relação com o poder na sociedade global. Em virtude disso, ao estudarmos a história do
político devemos estar cientes de que o político existe por si mesmo, o que não significa dizer
que mantenha todo o resto sob sua dependência. O político não escapa às determinações
externas, às pressões e às solicitações de todo tipo.219
217
SERRA, Sônia. O Momento: História de um jornal militante. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. UFBA, Salvador, 1987. p. 53.
218
RÉMOND, René. Do político. In: ____________. Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p.
449.
219
Ibid.
220
ROSANVALLON, Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 34-35.
75
O cerimonial foi presidido pela professora Elisa Brito, que apresentou aos ouvintes a
direção da organização, composta por: Nair Novais, presidenta; Célia Koch Ferreira Gomes,
vice-presidenta; Laurentina Pugas Tavares, 2ª vice-presidenta; Margarida Mascarenhas, 1ª
secretária, Maria Augusta Guedes, 2ª secretária e Maria Araújo, tesoureira.223 A entidade tinha
por objetivo: “lutar pela participação da mulher baiana na vida política e cultural do país,
independentemente de qualquer partidarismo, mas acolhendo em suas fileiras mulheres de
todos os partidos e tendências filosóficas e religiosas.”224 Quem abriu a cerimônia foi a
professora Laurentina Pugas Tavares que em nome da diretoria empossada:
Ressaltou a importância cada vez maior da mulher na vida política do país mostrando
o destacado papel desempenhado pela mulher durante a guerra, lutando nas frentes de
combate, como as guerrilheiras e enfermeiras, como na retaguarda, em memoráveis
campanhas patrióticas e antifascistas. Igual papel, disse, terá que ser assumido nos
dias da paz, não se podendo admitir a neutralidade e a indiferença frente aos
problemas de vital importância que vão surgindo. Finalmente, abordou a oradora as
finalidades da nova entidade, comentando os seus estatutos e fazendo um apelo às
mulheres baianas para, sem distinção de cor, religião, orientação política ou religiosa
cerrar fileiras em torno da União Democrática Feminina, afim de que, assim, unidas,
possam alcançar as reivindicações pelas quais irão lutar.225
221
A MULHER baiana na luta pacífica pela democracia. O Momento, Salvador, 15 out. 1945. p. 1.
222
INSTALADA a União Democrática Feminina. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 14 out. 1945. p. 3
223
Ibid.
224
Ibid.
225
Ibid.
77
226
Ibid.
227
QUÉTEL, Claude. As mulheres na Guerra (1939-1945). v. 1. Tradução: Ciro Mioranza. São Paulo: Larousse:
2009. p. 5
228
Acácia Cruz, Alice Neves Maia, Altamira Pereira Valadares, Amarina Franco Moura, Antonieta Ferreira, Aracy
Arnaud Sampaio, Arminda Célia Barroso, Bertha Moraes, Carlota Mello, Carmem Bebiano, Dirce Ribeiro da
Costa Leite, Edith Fanha, Elita Marinho, Elza Cansanção Medeiros, Elza Ferreira Vianna, Elza Miranda da Silva,
Fausta Nice Carvalhal, Gemma Imaculata Ottolograno, Graziela Affonso de Carvalho, Guilhermina Rodrigues
Gomes, Haydée Rodrigues Costa, Helena Ramos, Heloísa Cecília Vilar, Hilda Ribeiro, Ignácia de Mello Braga,
Ilza Meira Alkmin, Isabel Novaes feitosa, Jacy Chaves, Jacyara de Souza Góes, Jandyra Bessa de Meirelles,
Jandyra Faria de Almeida, Joana Simões de Araújo, Juracy França Xavier, Jurgleide Doris de Castro, Lenalda
Lima camos, Lília Pereira da Silva, Lindáurea Galvão, Lúcia Osório, Lygia Fonseca, Maria Apparecida França,
Maria Belém Landi, Maria Celeste Fernandez, Maria Conceiçãi Suarez, Maria do Carmo Correia e Castro, Maria
de Lourdes Mercês, Maria Hilda de Mello, Maria José Aguiar, Maria José Vassimon de Freitas, Maria Luiza Vilela
Henri, Mathilde Alencar Guimarães, Nair Paulo de Melo, Neuza de Mello Gonçalves, Nicia de Moraes Sampaio,
Nilza Cândida da Rocha, Novembrina Augusta Cavallero, Olga Mendes, Olímpia de Araújp Camerino, Ondina
Miranda de Souza, Roseys Belém Teixeira, Sara de Castro. A lista está disponível em: OLIVEIRA, Alexandre
Barbosa. Enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira no front do Pós-Guerra: o processo de reinclusão no
Serviço Militar Ativo do Exército (1945-1957). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação da Escola de
Enfermagem Ana Nery. UFRJ, Rio de Janeiro, 2010. p. 297-299. Sítio on-line: <
http://saudepublica.bvs.br/pesquisa/resource/pt/lil-620147>
78
Nossa pátria está vivendo [...] os momentos mais gloriosos e mais decisivos de sua
história. Acabamos de participar vitoriosamente da grande conflagração mundial que
o nazismo germânico e o imperialismo japonês deflagraram e saímos desta guerra
como a sexta potência universal. [...] No setor interno, encaminhamo-nos rapidamente
para a completa democratização do país, com a família brasileira em plena marcha
rumo a União Nacional, ante as últimas e decisivas atitudes do governo, dos partidos
organizados e de todo o povo. [...] É neste momento que lançamos a ideia da fundação
da União Democrática Feminina da Bahia, entidade destinada a ser integrada por
mulheres tendo por objetivo fundamental pugnar pela mais justa participação da
mulher nos trabalhos de reestruturação política da nação, assim como pelos direitos
dentro de nossa democracia. [...] Queremos criar um organismo homogêneo e amplo,
sem caráter partidário, que aceitará em suas fileiras mulheres das várias correntes de
opinião democrática do país, sem distinção de raça, cor, credo religioso e condição
social.233
229
Segundo uma reportagem do jornal O Momento, Aracy Sampaio fazia parte de uma tradicional família baiana,
descendente do Gal., Sampaio, patrono da infantaria do Exército Brasileiro. O FASCISMO desgraçou a Itália. O
Momento, Salvador, 06 ago. 1945. p. 3.
230
Ibid. p. 8.
231
OLIVERIA, Alexandre Barbosa de. Op. Cit. p. 297-299.
232
BRASIL. Lei nº 3.160, de 1º de junho de 1957. Dispõe sobre a integração no Serviço de Saúde do Exército, no
posto de 2º tenente, as enfermeiras que integraram a Força Expedicionária Brasileira, durante as operações de
guerra na Itália. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1950-1959/lei-3160-1-junho-1957-
355300-publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em: 05 ago. 2014.
233
ÀS MULHERES baianas. O Momento, Salvador, 12 nov. 1945. p. 3.
79
Frente ao novo contexto e a fim de verem seus objetivos políticos atendidos as mulheres
organizadas em torno da UDF lançaram um “Programa de realizações mínimas” com as
seguintes propostas:
234
Ibid.
235
VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 80.
80
Sobre a estrutura do PCB, João Falcão, ativo militante à época, lembrou que o Partido
Comunista do Brasil possuía “uma estrutura partidária rígida e obediente aos princípios da
organização e da disciplina.”236 Havia o Comitê Central (Nacional), os Comitês Regionais, além
dos organismos de base, como as células e os Comitês Populares Democráticos que, nas
palavras de Falcão, funcionavam como um partido em miniatura.237
Em 1940 o Comitê Central, recomposto em 1938, era formado por Lauro Reginaldo da
Rocha (Bangu) – secretário geral; Jurandir da Câmara Ferreira, Osvaldo Costa, Carlos Alberto,
Luiz Costa Pinto, Arruda Câmara, Aristeu Nogueira e Domingos Brás. Neste mesmo ano a
polícia-política prendeu todos dirigentes, com exceção do último.238
De acordo com João Falcão, após a queda do Comitê Central e Regional em São Paulo
a Bahia assumiu grande importância para o partido. Na prática, o Comitê Regional baiano
passou a funcionar como a direção nacional provisória do PCB. Se tornou o único organismo
em funcionamento em todo o país, com a missão de executar as diretivas recebidas da
Internacional Comunista.239 O historiador Carlos Zacarias de Sena Júnior endossou a afirmação,
constatando que em abril de 1940 a polícia-política prendeu quase todos os membros da direção
nacional do partido e cerca de cinquenta outros comunistas integrantes dos principais órgãos
diretivos. A partir de então o trabalho de recomposição se iniciou na Bahia, um dos estados
onde a repressão tinha dado uma certa trégua aos comunistas na segunda metade dos anos
1930.240
Entretanto, ainda segundo Sena Junior, o Comitê Regional da Bahia, que o partido
acreditava ter recomposto em 1937, também sofreu algumas quedas, como a de Diógenes de
236
FALCÃO, João. Op. Cit. p. 93.
237
Ibid. p. 42.
238
Ibid. p. 78.
239
Ibid. p. 116.
240
SENA JÚNIOR. Carlos Zacarias de. Op. Cit. p. 97.
81
Arruda Câmara e a de Aristeu Nogueira, presos em 1940. As prisões não chegaram a abalar a
integridade orgânica do partido. Ele continuou funcionando com consistência em diversas
células, nos meios estudantis e alguns antigos núcleos operários de Salvador. Também
prosseguiu operando os trabalhos iniciados em algumas cidades do interior, como Feira de
Santana, Alagoinhas, Catu, Itabuna, Ilhéus, Ipirá, Irará, entre outras.241
Embora não contasse com nenhuma mulher no seu quadro dirigente, na cerimônia de
instalação a operária tecelã Antônia Miranda fez uso da palavra. A militante era uma figura de
destaque entre os comunistas por ter liderado uma greve histórica em Salvador, em 1919.244
241
Ibid. p. 97-98.
242
Ibid. p. 99.
243
Dossiê: O Comunismo na Bahia. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: Fundo DPS, cx. 605, fls. 13;
NOSSO único compromisso é com o povo e com os interesses da Bahia. O Momento, Salvador, 09 jul., 1945. p.
1.
244
Para mais informações sobre a greve geral de 1919 consultar: CASTELLUCCI, Aldrin. A. S. Salvador dos
operários: Uma história da greve geral de 1919 na Bahia. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em História Social, UFBA, Salvador, 2001. Disponível em: < http://www.ppgh.ufba.br/wp-
content/uploads/2013/12/Salvador-dos-Operarios.pdf > Acesso em: 18 set. 2014. A participação das mulheres na
greve foi estudada por: MATOS, Vanessa Cristina Santos. Gênero e Trabalho: um olhar sobre as greves operárias
de junho e setembro de 1919 (Bahia-Salvador). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos
Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos, UFBA, Salvador, 2008. Disponível em: <
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/11129 > Acesso em: 15 set. 2013.
82
Quando foi anunciada a palavra da velha operária tecelã Antônia Miranda, uma das
líderes das greves de 1919 e das lutas sindicais na Bahia, toda a massa popular, de pé
e sob aplausos, homenageou na sua figura veneranda a mulher comunista e proletária
do Brasil. Este foi um momento de grande emoção para todos aqueles que assistiram
o memorável ato.245
Em 1946 foram eleitas novas diretorias para o Comitê Nacional e para o Comitê
Regional da Bahia, em setembro e junho, respectivamente. O primeiro passou a ter como
membros efetivos: Luiz Carlos Prestes, Diógenes Arruda Câmara, Pedro Pomar, Francisco
Gomes, João Amazonas, Maurício Grabois, Milton Caires de Brito, Agostinho Dias de Oliveira,
Sérgio Holmos, Carlos Marighella, David Capistrano, Mautílio Muraro, Lindolfo Hill,
Domingos Marques, José Francisco de Oliveira, Celso Cabral, Amarílio Vasconcelos, José
Maria Crispim, Lourival Villar, Pedro Carvalho Braga, Giocondo Alves Dias, José Martins,
João Massena, Estocel de Moraes, João Sanches Segura e Moisa Walchenker. Como suplentes
foram escolhidos: Fernando Lacerda, Armênio Guedes, Abílio Fernandes, Claudino José da
Silva, Álvaro Ventura, Manuel Jover Telles, Carlos Cavalcanti, Clóvis de Oliveira Neto,
Hermes Caires, Astrogildo Pereira, Osvaldo Pacheco, Orestes Timbaúva, Walkirio de Freiras,
José Marinho Vasconcelos e Otávio Brandão.247
Já o Regional ficou assim constituído: Efetivos: Giocondo Dias, Mário Alves, Jaime
Maciel, Juvenal Souto Júnior, Aristeu Nogueira Cosme Ferreira, João da Costa Falcão, Estevão
Macedo, Egberto Leite, Narciso Bispo de Araújo e Florêncio Moreira. Suplentes: Nelson
Scham, José Maria Rodrigues, Vale Cabral, Antônio Pascasio Bittencourt, Elieser Sales e Jacob
Gorender.248
245
NOSSO único compromisso é com o povo e com os interesses da Bahia. Op. Cit.
246
Dossiê: O Comunismo na Bahia. Op. Cit. fls. 13.
247
A DIREÇÃO Nacional do PCB. O Momento, Salvador, 14 set. 1946. p. 1; VINHAS, Moisés. O Partidão: A
luta por um partido de massas (1922-1974). São Paulo: Hucitec, 1982. p. 63.
248
O PLENO Ampliado do Comitê Estadual do PCB foi uma grande vitória democrática. O Momento, Salvador,
26 jun. 1946. p. 1.
83
Durante toda a década de 1940 nenhuma mulher compôs o órgão máximo dirigente do
PCB. No Comitê Estadual baiano também não houve dirigentes do sexo feminino, nem no
Comitê Municipal da capital. No interior foi um pouco diferente. Em algumas cidades as
mulheres compuseram o quadro dirigente, quais sejam, Ilhéus (Deltrudes Silveira, Eunine
Moraes, Aída Fogueira e Nair Mata), Itabuna (Idalcí Silveira), Santo Amaro (Maria Lopes de
Melo), Maragogipe (Dagmar Guedes), Morro do Chapéu (Constança Saraiva), Alagoinhas
(Maria Francisca), Prado (Maria Antonieta Sulz Almeida), Nazaré (Idalina Queirós Santana) e
Cachoeira (Antônia Pereira da Costa).249
249
Dossiê: O Comunismo na Bahia. Op. Cit. fls. 15-20.
250
Ilhéus, Itabuna, Santo Amaro, São Félix, Valença, Jequié, Xique-XIque, Maragogipe, Feira de Santana,
Canavieiras, Djalma Dutra, Jaguaquara, Morro do Chapéu, Barra, Alagoinhas, Rui Barbosa, Bonfim, Uruçuca,
Itiúba, Ubaitaba, Vitória da Conquista, Caculé, Catu, Serrinha, Itambé, Prado, Nazaré e Cachoeira. Ibid.
84
Não era comum às mulheres participarem dos cargos de direção na estrutura formal do
partido. Mesmo nos Comitês Populares Democráticos, onde desenvolveram um relevante
trabalho prático, observamos a pouca participação feminina nos cargos diretivos. Apesar de
todo investimento para que elas se integrassem no partido, na prática, a estrutura permaneceu
androcêntrica.255 Estes dados podem ser explicados a partir de dois vieses. Um diz respeito ao
machismo imperante na sociedade estudada, que certamente funcionava como mecanismo
limitador das atividades femininas dentro do partido. O outro está relacionado ao fato de que,
naquele contexto, a política partidária ainda era uma novidade para as mulheres. Elas só
começaram a atuar nos partidos políticos de maneira mais expressiva na década de 1930.
Portanto, fica evidente um certo grau de inexperiência no que diz respeito à militância
partidária.
251
Amaralina (B-346), Ana Néri (E-45); Águas e Esgotos, Aloísio Basto Melo, Alto das Pombas, Antenor Cabral,
Bairro de Nazaré, Campinas de Brotas, Conceição da Praia, Camarada Jacob, Coluna Prestes, Caramuru, Cabo
Valverde, Dois de Julho, Daniel Camilo, Everaldo Dias, Eufrásio Evaristo Chagas, Corneteiro Lopes, Dezoito de
Abril, Cinco de Fevereiro (setúbal), Frei Miguel (Pr. Dos veteranos), Fias, Francisco Domingos dos Santos
(Cabula), Fonte Nova, Fazenda Garcia, Garcia Lorca (Lª 2 de Julho), Guararapes, Hospital das Clínicas, José
Anastácio, José do Patrocínio, Júlio David, Leocádia Prestes (Pr. Teive e Argº), Lourenço Moreira Lima, Luís
Gama, Moinho da Bahia, Mobiliária Independência, Móveis Martins, Mares, Maria Quitéria (Oriente, 16); Mirante
do Campo Santo, Manuel Bonfim, Manuel Reinaldo Pinheiro, Labatut (Periperí), Mutti de Carvalho (Barris),
Navehação Bahiana (Tráfego), Nordeste de Amaralina, Otávio Brandão (E-25), Oito de Maio (B-21), Oito de
Janeiro, Olga Benário Prestes, Pedro Germano, Padaria Rio Branco, Ítalo Brasileiro (E-23), Padaria Montanha,
Padaria Imperial, Padaria Universal, Maciel (padaria), Padaria Estrela D’Ouro, Primeiro de Maio, Princesa Isabel,
Pedro Ernesto, Primeiro de Janeiro (Fonte Nova), Padre Miguelino, Paraguaçu, Portuários, Pelourinho, Pepino,
Pilar, Quinta da Barra, Rua da Lama (Garcia), Rio Branco (cemitº. da 5ª dos Lázaros), Rio Vermelho, Soldado
Fulgêncio (Garcia), Santana, São Salvador, Sé, Santos Dumont, São Pedro, Quinze de Novembro (B-29),
Tiradentes, Tororó, Três de Janeiro, Uruguaia (Matias de Albuquerque, 83), Vinte e um de Janeiro, Vítor Aron
Baron (Calçada), Tanque, Porto de Santos. Ibid.
252
Alto do Peru, Alto Formoso, Barris, Brotas, Calçada, Chame-Chame, Cabula, Campo Grande, Estrada da
Liberdade, Estrada do Cabula e Cidade de Palha, Engenho Velho, Fazenda Garcia, Fonte Nova, Itapagipe,
Imprensa Vitória, Mares, Nazaré, Mirante do Campo Santo, Marítimos Portuários, Pelourinho, Rio Vermelho, São
Pedro, Santo Antônio, Tororó. Ibid.
253
Campo Grande, Calçada, Centro, Liberdade, Suburbano. Ibid.
254
PRIMEIRA vitória do Comitê da Fonte Nova. O Momento, Salvador, 21 mai. 1945. p. 3.
255
Em O Momento encontramos várias matérias que chamavam a atenção para a importância do ingresso feminino
na política, de preferência junto ao PCB: MULHERES na luta pela democracia. O Momento, Salvador, 28 mai.
1945, p. 4; SÓ UNIDAS as mulheres resolverão seus problemas. O Momento, Salvador, 10 nov. 1945, p. 3; ÀS
MULHERES baianas. O Momento, Salvador, 12 nov. 1945, p. 2; APELO das mulheres de todo o mondo. O
Momento, Salvador, 01 mai. 1946, p. 1; entre outras.
85
O que não significa dizer que as atividades nas bases não fossem importantes. Ao
destacarmos que as mulheres não ocuparam de maneira significativa os quadros da direção o
fizemos com a finalidade de demonstrar que houve uma certa resistência por parte da cúpula
partidária em tornar as mulheres dirigentes. Sem dúvida, esta dificuldade estava relacionada
aos valores machistas intrínsecos nos diferentes grupos sociais. Provavelmente as mulheres
eram vistas como incapazes para o comando, sendo direcionadas para o trabalho a que estavam
habituadas a fazer, como aqueles ligados ao assistencialismo. O que não representa demérito à
atuação feminina na política brasileira, e baiana mais particularmente.
Segundo Nancy Fraser, mesmo que a atuação na política formal dos grupos
subalternizados estivesse mais direcionada às atividades de agitações e/ou entretenimento,
existe uma dialética nestas funções de onde emana o potencial emancipatório. Esta dialética
permite alterar, embora não acabar por completo, os injustos privilégios participativos que os
membros dos grupos sociais dominantes gozam nas sociedades e/ou grupos estratificados.256
Apesar de não ter havido equidade de gênero nos cargos diretivos do PCB, as mulheres
executaram outras atividades imprescindíveis para o partido e para a sociedade em geral.
Algumas contribuíram intelectualmente para a análise dos problemas sociais. Colaboraram no
debate acerca das questões ligadas ao combate ao fascismo, à realização da reforma agrária,
etc. Lançaram mão de estratégias e táticas próprias, tanto na luta pela emancipação feminina,
quanto pela eliminação de outras desigualdades sociais. Na verdade, em muitos momentos esses
dois campos apareceram imbricados, como veremos adiante.
256
Ibid.
257
TOMAM posição as mulheres baianas contra o integralismo. O Momento, Salvador, 16 Jul. 1945. p. 1 e 6. Ao
final da matéria as assinaturas foram anexadas.
86
Foi esquecido o seu espírito de sacrifício e [...] seu anseio de ser útil a humanidade,
seu desejo, cada vez mais forte, de instruir-se para proporcionar à família um
entendimento de compreensão e entendimento, para a formação do caráter dos filhos,
na valorização de suas tendências, no preparo de verdadeiros cidadãos defensores da
democracia.260
258
Ibid.
259
Ibid.
260
Ibid.
261
Ibid.
262
Ibid.
87
Embora o partido influenciasse a discussão destas mulheres, elas dialogaram com outros
grupos políticos. Algumas ex-integrantes da FBPF fizeram parte de organizações influenciadas
pelo PCB, a exemplo de Laurentina Pugas Tavares, que ajudou a fundar a União Democrática
Feminina na Bahia e Alice Tibiricá (1886-1950), que atuou significativamente no jornal
Momento Feminino e foi presidenta da União Democrática Feminina do Flamengo Catete e
Glória no Rio de Janeiro.263 Deste modo, a partir da década de 1940, os discursos e as práticas
das comunistas passaram a ser influenciados pela lógica política da FBPF e o inverso também
é verdadeiro.
263
Alice Tibiricá participou de vários grupos feministas no decorrer de sua trajetória política. Nunca foi filiada ao
PCB, mas na década de 1940 militou em organizações influenciadas pelo partido, a exemplo das Uniões
Democráticas Femininas. SCHUMA, Schumaher; BRASIL, Érico Vidal. (Orgs.). Op. Cit. p. 32-33.
264
AS MULHERES brasileiras querem um lugar na mesa da paz. Diário da Bahia, Salvador, 12 fev. 1945. p. 2.
265
Ibid.
266
Ibid.
267
Ibid.
88
responsáveis pela superficialidade da matéria, que não detalhou os pontos discutidos, trazendo
apenas conclusões mais gerais.
Para além das informações sobre o debate, o repórter mencionou a indumentária das
participantes. Segundo ele, parecia haver uma decadência no uso do chapéu. “Pelo espetáculo
observado na biblioteca do Itamaraty esta manhã, parece que o uso dos chapéus está em declínio
entre as senhoras. Três quartas partes das congressistas estavam sem chapéus, penteadas de
maneiras diversas.”269 Mas qual a importância do detalhe? “Será que a mulher, em geral está
desprezando o chapéu? Ou serão apenas as que se mostram interessadas em reivindicações
sociais e em problemas de política geral?”270 Curioso observar que os mínimos detalhes de
mudanças comportamentais das feministas eram notados e, quase sempre, havia uma tentativa
de relacionar a mudança de comportamento, por menor que fosse, a prática política.
268
Ibid.
269
Ibid.
270
Ibid.
271
FEDERAÇÃO Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 28 nov. 1947. p. 22.
89
Desejando demonstrar que o evento integrava mulheres diversas, o jornal destacou que
estiveram presentes representantes de diferentes extratos profissionais, “operárias, estudantes,
funcionárias, intelectuais, advogadas, médicas, donas de casa, todas se irmanavam num espírito
comum.”274 Todas preocupadas em discutir “com a maior boa vontade e tolerância as questões
e saber o que pensavam suas colegas.”275
272
Ibid.
273
Ibid.
274
Ibid.
275
Ibid.
276
Ibid.
277
Ibid.
278
Ibid.
90
Muito embora tenham recebido influência do PCB, as uniões femininas não eram
compostas unicamente por mulheres comunistas. Demonstramos que a presidenta de uma delas
(Alice Tibiricá) não era filiada ao partido. Possivelmente, estas uniões corporificaram o esforço
de agregar mulheres das mais variadas correntes, fossem assumidamente feministas ou
comunistas. Mas as relações entre as “feministas de carteirinha” e o PCB permaneceram com
níveis de tensões. O deputado Carlos Marighella, ao proferir uma sabatina destinada as
mulheres definiu o feminismo como:
Um falso movimento que se diz disposto a emancipar as mulheres. [...] Taxa esse
movimento de mulheres contra homens de reacionário e aponta como único caminho
para uma verdadeira libertação das mulheres o procurar organizarem-se e buscarem o
povo nos bairros mais abandonados da cidade.281
279
Ibid.
280
UNIÕES Femininas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 10 out. 1947. p. 9.
281
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, 05 mai. 1946. p. 1.
91
Segundo ele, nos tempos primitivos elas experimentaram uma situação de liberdade,
pois participavam ativamente da produção. Mas com o surgimento da propriedade privada, “a
mulher passou a ser considerada escrava, pelo fato de aparecerem os primeiros proprietários,
os que possuíam a terra.”285 Após a descrição da condição feminina na sociedade que ele definia
como feudal, a análise foi ampliada à situação das mulheres no mundo capitalista, “onde é
considerada em plano de inferioridade e está sujeita a uma verdadeira escravidão de vida,
decorrente, sobretudo, da sua dependência econômica.”286 Levando em consideração esses
dados, o deputado advertiu que a liberdade feminina só seria conquistada quando as mulheres
voltassem a participar ativamente dos meios de produção.
O pecebista reitera uma tese muito corrente à época entre os comunistas, leia-se, a de
que a subjugação feminina estava relacionada ao seu afastamento dos meios de produção.287
Esta tese foi defendida, no século XIX, por Friedrich Engels em A origem da família, da
propriedade privada e do Estado. Baseado nos estudos do antropólogo Morgan, Engels
acreditava que a subjugação feminina se relacionava diretamente à exclusão das mulheres dos
meios de produção, como consequência da reprodução.288 Marighella levou adiante esta ideia.
Para o dirigente, a luta pela emancipação das mulheres não deveria ser uma luta contra os
282
SÓ PODERÁ a mulher libertar-se procurando organizar-se e conseguindo participar da produção. Tribuna
Popular, Rio de Janeiro, 17 mai. 1946. p. 4.
283
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. O Momento, Salvador, 05 mai., 1946, p. 1.
284
Ibid.
285
Ibid.
286
Ibid.
287
Ainda não é possível precisar a gênese da subjugação feminina. Mas já sabemos que ela ocorre desde tempos
remotos, muito antes do surgimento da propriedade privada, e sofreu variações relacionadas ao tempo e ao espaço.
Muitos intelectuais debateram sobre esta temática e não chegaram a um consenso, o que não diminui as
contribuições de cada um deles. Sobre os debates ocorridos entre conhecidos intelectuais marxistas, como Marx,
Engels, August Bebel, Clara Zétkin, Alexandra Kollöntai, e sobre a influência do feminismo no pensamento
marxista, consultar: ALAMBERT, Zuleika. Feminismo: o ponto de vista marxista. São Paulo, Nobel, 1986.
288
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3ª ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2012. De acordo com Zuleika Alambert, a obra citada é integrada por uma teoria baseada em estudos
etnológicos e por diversas observações feitas marginalmente, junto com Marx, sobre o problema da opressão da
mulher na sociedade de classes e sobre a sua emancipação. O livro, escrito depois da morte de Marx, expõe os
resultados das pesquisas de Morgan. A autora advertiu que muitas lacunas e fraquezas da obra podem ser
explicadas com base no nível das pesquisas etnológicas do seu tempo. ALAMBERT, Zuleika. Op. Cit. p. 21-37.
92
homens, mas em conjunto. Na leitura do pecebista, o feminismo instava uma espécie de “guerra
dos sexos”.
Outro indício diz respeito à preocupação constante em demarcar que o jornal não era
um jornal feminista. ““Momento Feminino não é um jornal feminista mas uma publicação para
os lares.”293 À época, como ficou evidente na fala de Marighella, na leitura comunista, o
feminismo era visto como um movimento pequeno burguês e divisionista. Por isso, ainda que
o jornal publicasse notícias de organizações assumidamente feministas, fazia questão de
demarcar que não era feminista. Na maioria das matérias substituiu os termos “feminismo”,
“feminista” por “feminino”, “feminina”. Em uma matéria destinada a homenagear o jubileu da
289
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 25 jul. 1947, p. 2.
290
Ibid.
291
A SEU serviço. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 28.mai. 1947. p. 5.
292
TRANSFERIDO o baile de O Momento feminino. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 02 ago., 1947; FESTA do
Momento Feminino. Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 05 set.,1947. p. 8; JORNAL do MAIP. Tribuna Popular,
07 out. 1947. p. 6; entre outras.
293
MOMENTO feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 01 ago. 1947. p. 2
93
FBPF294 se referiram a Bertha Lutz como “líder feminina” e sabemos que ela se
autodenominava feminista.
Além disso, o teor dos textos publicados estava diretamente relacionado com as
concepções nutridas pelo PCB, principalmente no que diz respeito as ideias de democracia.
“Uma democracia cada vez maior significa mais justa distribuição das riquezas criadas ou
postas em valor pelo trabalho do homem [e da mulher].”295 Por fim, mas não menos importante,
as colaboradoras do Momento Feminino se empenharam ferrenhamente para que o partido
continuasse na legalidade e para que os parlamentares comunistas não perdessem seus cargos.
294
JUBILEU da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 08 ago. 1947.
p. 18.
295
AS MULHERES e a democracia. Momento Feminino, Rio de Janeiro,16 jan. 1948. p. 6.
296
SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias de. Op. Cit. p. 281.
297
Ibid. p. 283.
94
Em 1947 golpes mais efetivos foram dados na frágil democracia. No dia 07 de maio,
depois de mais de um ano de querela jurídica, o registro do PCB foi cassado. Após a cassação,
o então presidente Eurico Gaspar Dutra determinou a suspensão, por seis meses, da
Confederação dos Trabalhadores Brasileiros e de todas as “uniões trabalhistas” a ela filiadas.
Alguns órgãos da imprensa comunista sofreram ataques violentos, como O Momento, em 21 de
maio e o Tribuna Popular, em 21 de outubro.300
298
Ibid. p. 283-285.
299
Ibid.
300
Ibid. p. 353; FALCÃO, João. Op. Cit. p. 357-358
301
ENEIDA. Mundo de Hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 29 ago. 1947. p. 2.
302
MOCHEL, Arcelina. Nossos problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 29 ago. 1947. p. 2.
303
ZÉLIA, nossa Heroína. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 31 dez. 1949, p. 4.
304
Ibid.
305
Ibid.
95
306
ENEIDA, Op. Cit.
307
FALAM as advogadas sobre a Lei de Segurança. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 03 out. 1947. p. 5
308
AS MULHERES analisam a “célebre” Lei de Segurança. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 10 out. 1947, p.
5.
309
Ibid.
310
Ibid.
311
AS MULHERES na segurança da tranquilidade brasileira. Momento Feminino, Rio de Janeiro,17 out. 1947. p.
3.
312
Ibid.
313
Ibid.
96
voz feminina que fizesse seu protesto das mães de família que aspirem e defendam a paz interna
da nação – única forma de propiciar clima de segurança e trazer a solução a graves problemas
econômicos, educacionais e políticos.”314 Levando em consideração tais princípios, o
documento pontuou:
Sabendo do caráter sacralizado dos papéis atribuídos ao gênero feminino – mães, irmãs,
esposas e filhas, mantedoras da paz e harmonia da família – supomos que elas incorporaram o
ideal de feminilidade recorrente, ressignificando a ideia de lar e taticamente solicitaram a
inclusão das mulheres na política formal. Lar não se restringia ao ambiente doméstico, ao
contrário, falaram de um “lar nacional”, onde as mulheres deveriam participar das tomadas de
decisões para o seu bom funcionamento.
314
Ibid.
315
Ibid.
316
Ibid.
97
Além disso, lançaram mão do ideário sacralizado das funções sociais atribuídas às mulheres e
apelaram aos parlamentares que dessem atenção à solicitação “como homenagem às vossas
mães, irmãs, esposas ou filhas.”317
Logo após a cassação, o jornal comunista Tribuna Popular foi empastelado pela
repressão. E as pecebistas ofereceram solidariedade.
O atentado brutal de que foi vítima a oficina de Tribuna Popular constitui uma
arbitrariedade tão monstruosa que é impossível, a qualquer pessoa decente, ficar
indiferente ou assistir impassível a cena que ontem se apresentou aos olhos da
população carioca. [...] Como sempre, as notas oficiais distribuídas aos jornais são de
cordeiros que vão “docemente” executar medidas e, recebidos à bala, respondem do
mesmo jeito. Velha balela. [...] Nunca, em nenhuma situação, a polícia dirige-se a um
órgão ou associação, ou reunião popular, sem levar na mão engatilhado o revolver.
Jornais reacionários [...] estampam falsas notícias com fotografias que lhes
desmentem o conteúdo.320
A lei de cassação foi aprovada. [...] E o que ontem aconteceu foi [uma] noite da reação
sobre o Brasil. [...] Não esqueçamos isso: estamos à beira do precipício. Aquelas mãos
bajulentas e pegajosas que ontem votaram a favor da cassação estão dispostos à
317
Ibid.
318
Segundo informações constantes em o Momento Feminino foram cassados os mandatos dos seguintes
deputados: Pernambuco: Agostinho de Oliveira, líder sindical; Alcedo Coutinho, médico; Gregório Bezerra, ex-
militar. São Paulo: Jorge Amado, escritor; Gervário de Azevedo, ex sargento da FEB; José Maria Crispim, operário
tecelão e Osvaldo Pacheco da Silva, portuário. Estado do Rio: Claudino José da Silva, operário e, segundo o jornal,
à época único deputado negro, e Henrique Cordeiro Oest, ex integrante da FEB. Bahia: Carlos Marighella,
engenheiro e Distrito Federal: o senador Luiz Carlos Prestes e três deputados: Francisco Gomes, João Amazonas
de Sousa Pedroso e Maurício Grabois. A TRAJÉDIA desta hora brasileira. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 09
Jan. 1948. p. 6-7.
319
FALCÃO, João. Op. Cit. p. 363.
320
A TRAGÉDIA desta hora brasileira. Op. Cit.
98
Nós mulheres somos partículas do povo. Cabe-nos esta hora evitar a queda no
precipício. Evitar como? – organizando-nos, unindo-nos, exigindo do governo
respeito aos nossos direitos, impedindo que voltem aos nossos lares a desgraça, a dor
e o luto. Queremos paz, a garantia. Não deixemos que nos esmaguem.322
321
Ibid.
322
Ibid.
323
DUTRA, Lia Correa. O PCB e a campanha eleitora. O Momento, Salvador, 09 nov. 1946. p. 3.
324
VIANA, Zenaide de Moraes. Façamos a Reforma Agrária. O Momento, Salvador, 09 jul. 1946. p. 3.
325
PASSOS, Jacinta. Separando para unir. O Momento, Salvador, 13 jun. 1946. p. 3.
326
OS DIRIGENTES distritais do PCB lançam-se na com entusiasmo na campanha eleitoral. O Momento,
Salvador, 11 dez. 1946, p. 1.
327
AUSTRAGESILO, Laura. Campanha de recrutamento em massa. O Momento, Salvador, 11 dez. 1946. p. 3.
328
Ibid.
329
MOCHEL, Arcelina. Nossos Problemas. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 5 ago. 1947. p. 2.
99
Não deve ter sido fácil para as mulheres debater a política formal. Elas precisavam de audiência,
para isto, tacitamente, vestiram a carapuça de defensoras do lar. Mais uma vez o lar evocado
referiu-se ao âmbito público, o “lar brasileiro”. É possível que a partir deste discurso,
conseguiram tornar públicas discussões consideradas de caráter privado, como veremos mais
adiante.
Partindo para a Romênia, destacou que o número de mulheres eleitoras era de três
milhões e oitocentos mil, num total de sete milhões de eleitores. O país contou com dezenove
deputadas e a Sra. Bogfasar exerceu as funções de Ministra da Saúde Pública. A autora também
330
ENEIDA. MUNDO de Hoje. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 25 jul. 1947. p. 2
331
Ibid.
332
Ibid.
333
Ibid.
100
citou a Hungria, que após a proclamação da República em 1946, as mulheres que lutaram na
guerra, passaram a lutar “ao lado de seu povo para o estabelecimento da democracia.”334
Somos hoje as mulheres das filas [ilegível] de gêneros alimentícios, as mulheres sem
salário igual, sem garantias constitucionais, porque o governo do General Dutra não
respeita a Constituição. [...] O Artigo 4 da Constituição assegura assistência à
maternidade, à infância e à adolescência. O Artigo 165 declara a educação direito de
todos. Para o cumprimento desses artigos, para a defesa de nossos lares e de nossa
pátria, só há um caminho: o da nossa união. Deixemos de lado nossas divergências
políticas, não pensemos em nós mesmas mas em coisa muito maior que nossas
pequenas desavenças: pensemos no Brasil: nossa pátria.339
Perante o quadro, Eneida lançou uma pergunta retórica: “Que queremos, de que
precisamos?” E respondeu: “De democracia, de liberdade, de respeito à Constituição, de Paz!
334
Ibid.
335
Ibid.
336
Ibid.
337
Ibid.
338
Ibid.
339
Ibid.
101
Vamos nos unir para que no Brasil haja Democracia, vamos nos unir para liquidar o fascismo,
para que no futura haja paz!”340
Eneida colocou em relevo alguns dos pontos que mais preocuparam as mulheres
comunistas no período, quais sejam, lutar contra a carestia, pelo cumprimento das leis de
igualdade salarial e de proteção à infância e à adolescência, pelo acesso universal à educação e,
sobretudo, pela eliminação dos resquícios do nazifascismo. As pecebistas consideravam que a
luta só se tornaria forte e consequente quando as mulheres deixassem de lado as “pequenas
desavenças”.342
340
Ibid.
341
Ibid.
342
Ibid.
343
AS MULHERES e a democracia. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 16 jan. 1948. p. 6.
102
A maior parte das páginas da revista Jornal das Moças era destinada a assuntos como:
culinária, prendas manuais, decoração e organização do lar. Era repleta de informações,
conselhos e curiosidades, numa mistura de regras sociais, cultura e religião. Praticamente não
falava de política, mas os militares eram elogiados e homenageados, e os governantes
respeitados. Vinculava valores conservadores, procurando manter a família e as relações de
gênero nos moldes tradicionais, que garantissem a ordem e a estabilidade. Dirigida por homens,
a revista destinada a tratar de “assuntos femininos”, dizia valorizar a mulher e suas atividades
cotidianas.347
O Momento Feminino, por sua vez, falava às mulheres de uma forma diferente e,
diferentemente do Jornal das Moças, era dirigido exclusivamente por mulheres. Era impresso
pelas Oficinas Tribuna Popular Ltda., que pertencia ao PCB. Se mantinha por meio de poucas
assinaturas, algumas doações e vendas avulsas, mas não em “bancas de todo o Brasil”. O jornal
era vendido nas ruas por algumas “amigas de Momento Feminino” e em algumas bancas.
Enfrentava dificuldades financeiras, ao ponto de se tornar necessário a diminuição do número
344
PINSKY, Carla Bassanezi. Mulheres dos anos dourados. São Paulo: Contexto, 2014. p. 23-46
345
Ibid. p. 24
346
Ibid.
347
Ibid. 24-35.
103
A nota nos indica que o Momento Feminino, provavelmente, não era bem recebido entre
grupos conservadores. As dificuldades apresentadas parecem ter se agravado a partir de 1948.
O jornal só circulou como semanário de forma regular de julho de 1947, quando foi fundado,
até janeiro de 1948. Durante seu período de existência (1947-1956) circularam 118 edições. A
regularidade só foi mantida até janeiro de 1948. A partir de então, passou a ser publicado umas
vezes semanal, outras quinzenalmente. A partir de 1949 tornou-se um periódico mensal,
periodicidade que se manteve até o mês de junho, quando se tornou bimestral. Em 1950 voltou
a circular mensalmente, às vezes, quinzenalmente. Em 1951 conseguiu manter as publicações
mensais, com exceção do mês de junho, quando não foi publicado. Os meses de setembro e
outubro foram publicados em uma mesma edição. A partir de 1952 as publicações se tornaram
348
GAZETA da Tia Ruth. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 31 dez. 1949. p. 16.
349
Momento Feminino “promove campanha de assinaturas, anúncios, etc., torna-o conhecido de tua família e de
teus amigos”. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 22 ago. 1947. p. 5.
350
NOSSA correspondência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 14 nov. 1947. p. 5
351
MULHERES sofrem violência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 03 jan. 1948. p. 7.
104
cada vez mais irregulares e espaçadas. Em 1956, ano em que o jornal deixou de circular, só
foram publicadas duas edições.
Além da irregularidade das publicações, há outro indício que comprova que não foi fácil
para o periódico manter-se em circulação. A redação do jornal mudou de endereço algumas
vezes, sobretudo, a partir de 1951.352 Apesar dos obstáculos, as mulheres não esmoreceram.
“As dificuldades surgem a cada passo e vamos lutando ardorosamente para vencê-la.”353
Para se tornar atrativo ao público feminino, conservou algumas das características dos
periódicos destinados às mulheres que circulavam no período. Havia colunas de moda,
comportamento, beleza, costura, religião, puericultura, cozinha, prendas domésticas, etc. Mas
era direcionado principalmente às mulheres trabalhadoras. Tinha objetivos políticos
demarcados. Até para falar de moda o falava a partir de outra linguagem, pensava no cotidiano
das trabalhadoras e se posicionava criticamente ao fato das brasileiras se submeterem as ditames
da moda europeia.
Por que saias compridas? As fábricas de tecido estão super lotadas? Na Europa, talvez.
No Brasil, há o trabalho de maneira diferente. As garantias são mínimas e as nossas
tecelãs ficam sem trabalho, enquanto as mulheres francesas aceitam as imposições
para gastar tecido. Duvidamos que no Brasil as saias desçam de fato. Não creio que a
carioca, por exemplo, esqueça de suas praias, dos bondes e dos ônibus super lotados,
para ficar presa em seus passos, num país tropical tão lindo e tão leve.354
As bolsas à tira colo são indispensáveis à mulher que trabalha e parece ter sido
uma das mais eficientes conquistas para a época das filas. Hoje o trabalho está
muito distribuído. As donas de casa trabalham para fazer compras, para
encontrar o que necessitam em seu lar, para alcançarem os transportes e, muitas
vezes, para os mais penosos trabalhos domésticos. E como atravessamos uma
352
De julho de 1947 à fevereiro de 1948 a sede do jornal estava situada à Rua do Lavradio, nº 55, 1º andar, Rio de
Janeiro. De março de 1948 à fevereiro de 1951 passou a funcionar na Avenida Rio Brando, nº 257, sala 715, Rio
de Janeiro. Em Março de 1951 houve nova troca de endereço. A redação passou a funcionar na Rua Evaristo de
Veiga, nº 16, 8ª andar, sala 808-A, Rio de Janeiro, permanecendo neste endereço até agosto de 1954. De setembro
de 1954 à 1955 funcionou na Av. Almirante Barroso, nº 97, 10º andar, sala 1008, Rio de Janeiro. Ainda em 1955
houve outra mudança de endereço, passando a funcionar na Av. Nilo Peçanha, nº 12 a/426, Rio de Janeiro. Por
fim, as poucas edições de 1949 passaram a ser produzidas na Av. 13 de maio, nº 23, 15º andar, sala 1515. Edifício
Darke de Matos, Rio de Janeiro. Em algumas edições o jornal não informou o mês da edição. No momento, como
não é nosso objetivo construir uma história exaustiva do periódico, não achamos necessário buscar as evidências
que precisem o mês de circulação das edições que não trazem a informação. Todas os dados foram retiradas do
próprio jornal. Geralmente a terceira página estampava uma nota com informações técnicas do periódico,
indicando os nomes que compunham a diretoria e o endereço da redação e administração.
353
NOSSA correspondência. Op. Cit.
354
A MODA varia, Momento Feminino, Rio de Janeiro, 24 out. 1947. p. 10.
105
ocasiões para introduzir suas demandas no projeto de fundação de um poder pensado pelos
pecebistas.
A advogada Nice Figueiredo escreveu na coluna Direitos da Mulher, criada para servir
de instrumento na luta por mais direitos cíveis para as mulheres. A coluna tinha por objetivo
maior esclarecer as leitoras “sobre os direitos femininos e a lei que os garante ou os cerceia.”358
Nice questionou ousadamente as leis que aviltavam a liberdade feminina. Para a autora, os
problemas só seriam resolvidos, “se encarados de frente, com coragem, sem os subterfúgios
que conseguiram mantê-los indiscutíveis até o momento.”359 Por isso não usaria “a linguagem
açucarada dos que dizem as coisas para não serem entendidos.”360 Advertiu que as
colaboradoras do Momento Feminino não queriam “apenas escrever, fazer artigos e sim
esclarecer as leitoras sobre os problemas que lhe dizem respeito, sobre os direitos que já tem
como mulher, mãe e esposa e, principalmente, sobre os direitos que devem ser conquistados.”361
Ao destacar que o jornal serviria como uma fonte de esclarecimento para as mulheres e
que não usaria uma “linguagem açucarada” é possível que Nice Figueiredo tenha se preocupado
em demarcar que o Momento Feminino se diferenciaria dos periódicos femininos de grande
circulação.
Entre 1947 e 1949 Momento Feminino publicou trinta e cinco textos de Nice Figueiredo,
a grande maioria em defesa dos direitos das mulheres.362 A autora foi membro do Instituto
358
FIGUEIREDO, Nice. É preciso compreender... Momento Feminino, Rio de Janeiro, 14 nov. 1947. p. 12.
359
Ibid.
360
Ibid.
361
Ibid.
362
A saber: O Estado civil das mulheres. 12 set. 1947, p. 7; Casamento não é emprego. 18 set. 1947. p. 7; A
anulação do casamento, 17 out. 1947. p. 5; O chefe da família, 07 nov. 1947. p. 12; É preciso compreender..., 14
nov. 1947. p. 12; O Marido, a mulher e o trabalho. 28 nov. 1947.p. 7; A manutenção da família. 12 dez. 1947. p.
10; O sustento da mulher. 19 dez. 1947. p. 2; Direitos da mulher: mais um ano de luta. 03 jan. 1948. p. 2; Os
deveres de um marido. 09 jan. 1948. p. 2; Os deveres da mulher casada. 16 jan. 1948. p. 2; Os deveres da mulher
casada (continuação). 23 jan. 1948. p. 2; A capacidade da mulher casada. 30 jan. 1948. p. 8; A capacidade da
mulher casada (continuação). 20 fev. 1948. p. 4; Contra o casamento. 27 fev. 1948. p. 8; Mulher versus fome. 05
mar. 1948. p. 2; Você quer trabalhar? 25 mar. 1948. p. 8; Você quer trabalhar? (continuação). 02 abr. 1948. p. 5.
A importância do trabalho para a mulher casada. 16 abr., 1948. p. 11; Você deve trabalhar. 23 abr., 1948. p. 5;
O que é independência? 30 abr. 1948. p. 4; Igualdade de direitos. 07 mai. 1948. p. 10; A sociedade precisa de seu
trabalho. 11 jun. 1948. p. 5; Você não trabalha porque não quer. 09 jul. 1948. p. 5; Seus filhos precisam de seu
exemplo. 23 jul. 1948. p. 10; O trabalho, sempre o trabalho. 01 ago. 1948. p. 8; A mulher, o marido e a sociedade
anônima. 01 out. 1948. p. 4; A mulher de após guerra. 22 out. 1948. p. 5; As mulheres defendem os seus direitos
civis. 10 dez. 1948. p. 5; A capacidade civil da mulher Húngara. 03 mar. 1949. p. 9; A conquista da paz. 25 mar.
1949. p. 2; A luta pela liberdade e pela paz cria esperança. 20 mai. 1949. p. 3; Um dia em Budapeste. 30 jun.
107
Feminino de Serviço Construtivo, onde atuou no Departamento dos Direitos da Mulher. Além
de trabalhar como advogada e de atuar no movimento feminino-comunista, ela encenou no
teatro, a exemplo da peça Vestir os Nus, escrita por Pirandelo e dirigida por Willy Keller. Ao
que parece, Nice Figueiredo era militante do PCB, mas não dispomos de nenhum documento
que comprove efetivamente a afirmação. Mas alguns indícios apontam as afinidades de ideias
entre ela e o partido. O teor dos textos de Nice está bastante alinhado ao ideário comunista.363
1949. p. 6. Uma Lição aprendida com a experiência. 30 out. 1949, p. 4 e Os maiores direitos. 31 dez. 1949. p. 8.
No decorrer do trabalho, analisaremos aqueles que nos pareceu mais emblemáticos e que sintetizam as principais
ideias defendidas pela autora.
363
Não dispomos de muitas informações biográficas de Nice Figueiredo. Todos os fatos mencionados foram
extraídos das seguintes matérias: PRIMEIRO aniversário do Instituto Feminino de Serviço Construtivo. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, 31 out. 1947. p. 16. MOMENTO Feminino e a mesa-redonda da FBPPF. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, 21 nov. 1947. p. 11; SILVIA. CENA – Cooperativa de Teatro. Momento Feminino, Rio
de Janeiro, 03 jan. 1948. p. 7.
364
Para mais informações acerca da luta feminista pela ampliação dos direitos civis das mulheres casadas no Brasil
consultar: MARQUES, Teresa Cristina de Novaes; MELO, Hildete Pereira de. Os direitos civis das mulheres
casadas no Brasil. Estudos Feministas, v. 16, nº 2, mai-ago., 2008. p. 463-488. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ref/v16n2/08.pdf > Acesso em: 12 fez., 2015.
365
BRASIL. Lei nº 3.071/1916 de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm> Acesso em: 05 ago. 2014.
366
FIGUEIREDO, Nice. O “Estado Civil” das Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 12 set. 1947. p. 7.
108
Nice Figueiredo chamou a atenção para a necessidade imperiosa da união das mulheres
na luta contra as leis limitadoras de suas liberdades individuais.
Muitas são as limitações à igualdade dos direitos da mulher em relação ao dos homens,
que a lei impõe através do “estado civil”. Muitas já foram as nossas conquistas, mas
resta muito a conquistar nesse setor. Por isso, é nosso propósito, estudar com as
leitoras nessa coluna os direitos que já temos e os que ainda havemos de ter. Porque
só o trabalho das mulheres em conjunto conseguirá derrubar essa barreira de
preconceitos que impede a perfeita igualdade entre os sexos e, sobretudo, a igualdade
de posição da mulher e do homem na família, uma vez que os argumentos
apresentados para justificar as diferenças impostas pela lei já não encontram eco no
espírito e na vontade das esposas e mães de nossos dias.370
A autora não reivindicou apenas mais direitos às mulheres casadas. Advertiu que seria
necessário mudanças nas mentalidades femininas. Para ela, a conquista de direitos só seria
possível quando as mulheres assumissem deveres. Seria preciso que elas enxergassem o
367
Idem. A capacidade da mulher casada. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 20 fev. 1948. p. 4.
368
Idem. Contra o casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 27 fev. 1948. p. 7.
369
Ibid.
370
Ibid.
109
casamento a partir de outra lógica. Não deveriam encarar o matrimônio como meio de
subsistência.
O que não é possível é dar mais direitos à mulher se ela continua a ver no casamento
a garantia da sua subsistência e da sua estabilidade. [...] Já há as que contribuem sem
gozar os direitos correspondentes, mas é necessário engrossar essas fileiras para
alcançar o fim desejado. O casamento não pode mais ser encarado como solução dos
problemas financeiros da mulher, porque casamento não é emprego e sim a união de
duas pessoas que se dispõe lado a lado a lutar pela vida, cujo preço, caro como é,
impele hoje todos ao trabalho, fonte de independência individual e de igualdade entre
os homens.371
Não. O critério de valorização da dignidade de uma mulher pela sua virgindade, longe
está de corresponder a um princípio sadio de moral, e, muito menos, ao conceito de
liberdade individual de nossos dias. A virgindade é um predicado físico, cuja
preservação é assunto que diz respeito tão somente a quem a possui. Dignidade é um
predicado moral que independe da existência da membrana virginal. Pode existir com
esta e, também, independente desta. A prática do ato sexual não desonra pessoa
alguma. Desonroso e indigno podem ser a intenção, o objetivo comercial, o ardil para
conseguir casamento ou para garantir manutenção gratuita. Mas, a atitude corajosa de
uma mulher que sem interesses e objetivos determinados se dá ao homem que ama,
não é e nunca foi, apesar das barreiras de preconceitos erguidas pelos homens, uma
atitude indigna reveladora de falta de pudor ou recato.375
371
Idem. Casamento não é emprego. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 18 set., 1947. p. 7
372
BRASIL. Lei nº 3.071/1916 de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm> Acesso em: 05 ago. 2014.
373
Idem. A anulação do casamento. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 17 out. 1947. p. 5
374
Ibid.
375
Ibid.
376
Ibid.
110
A própria mulher cabe a tarefa de provar que sua dignidade tem um sentido mais alto,
tem um valor menos anatômico e que se traduz na honestidade de seus sentimentos,
na pureza de suas intenções, na coragem de suas atitudes e, sobretudo, na coragem de
assumir a responsabilidade de seus atos. São estas e outras qualidades morais que
qualificam nosso caráter de digno e honesto e não, a ausência de uma membrana que
a incompreensão dos homens tanto valoriza.377
No que diz respeito ao lugar da mulher na gestão da família, Nice defendeu que era
insustentável “o ponto de vista que reconhece a superioridade masculina sobre a feminina.”378
Partindo desta perspectiva indagou ironicamente: “Haverá ainda justificativa para o fato de se
atribuir só ao homem a chefia da família? Que vantagens resultam para a família e para cada
um dos cônjuges da organização familiar?”379
377
Ibid.
378
Idem. O chefe da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 07 nov. 1947. p. 12.
379
Ibid.
380
Ibid.
381
Ibid.
382
Ibid.
111
Para a autora, o fato do homem dar o sustento material à família era determinante para
a divisão de tarefas: “Às mulheres os serviços domésticos dada a sua capacidade inferior, aos
homens os serviços extradomiciliares, às vezes, piores que os primeiros, mas cujos resultados
deveriam assegurar a manutenção da mulher no ‘trono domiciliar’.”383 Mas em sua leitura, o
homem havia perdido a capacidade de manter suas mulheres nos “tronos domiciliares.”
O preço caro com que a vida é vendida forçou-nos a compreender que o trabalho
significa tanto o homem como a mulher e, sobretudo, ensinou que a divisão dos
serviços para render melhor e mais, deveria ser feita segundo as aptidões de cada um
e não de acordo com o sexo, como se fazia antes. Hoje, muitas mulheres e muitos
homens trabalham lado a lado, superiores, iguais ou inferiores entre si, como um
grupo. Hoje a família é sustentada tanto pelo marido, como pela mulher e, mais tarde,
pelos filhos. Hoje, a superioridade econômica do homem é relativa e por conseguinte
não lhe dá mais a superioridade intelectual. Por que, pois, fazer dele sempre o chefe?
Se há necessidades de chefes, que sejam marido e mulher juntos, pois a família
depende essencialmente de duas criaturas que devem ser tratadas em pé de igualdade
para que “o cabeça” seja o mais capaz verdadeiramente e não aquele que se
convencionou fosse o mais capaz. O convívio familiar é quem dirá qual o chefe. O
que não se pode mais admitir é que, em nome de uma tradição sem fundamentos, se
dê, por convencionalismo, ao homem a chefia da família.384
Destacou que era fundamental “compreender que o serviço doméstico merece uma
atenção relativa, mas não pode nem deve ser a finalidade exclusiva das mulheres.”385 Para ela,
quando fossem removidas “as dificuldades [sobraria] tempo a toda mulher para se dedicar as
atividades que assentem melhor com a sua dignidade de animal racional que, se presume, tem
um cérebro pra trabalhar e produzir também.”386
383
Ibid.
384
Ibid.
385
Idem. A mulher casada e o trabalho. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 05 dez. 1947. p. 2.
386
Ibid.
387
Ibid.
112
A razão verdadeira desse dispositivo é, também, mais uma das deferências que se faz
ao inexpressivo poder marital que, às vezes, na expressão de sua mediocridade,
agarra-se a esse direito e corta a carreira da mulher inteligente, culta [...] É o choque
entre o que deve ser, e o que verdadeiramente é, o mais capaz. Não tem nada a ver
com o bom desenvolvimento das relações familiares. [...] Aí está uma grande
conquista para as mulheres: formar a compreensão de que “o trabalho dignifica o
homem, as mulheres solteiras e pobres” e “também as mulheres casadas porque a
igualdade de direitos entre mulheres e homens só pode ser obtida através da libertação
econômica das primeiras pelo trabalho.” Então, cairão por terra os poderes familiares
atribuídos aos maridos, e na família, as vozes se farão ouvir num mesmo tom,
fraternalmente.391
Evidenciou que os valores machistas perpassavam todas as classes, muito embora visse
a classe trabalhadora simplesmente como vítima de um sistema burguês. Segundo ela, os
trabalhadores eram sempre generosos e bons e mesmo quando eram machistas o eram movidos
por uma boa intenção, influenciados por uma má formação moral orientada pela classe
dominante. Portanto, não considerou que os homens trabalhadores também oprimiam suas
esposas. Esta concepção estava ligada, muito provavelmente, às concepções pecebistas sobre a
388
Ibid.
389
Ibid.
390
Ibid.
391
Ibid.
113
classe trabalhadora, vista como protagonista da revolução socialista que aspiravam, cuja
vanguarda, no Brasil, caberia ao PCB.
E mesmo nas classes onde este estado natural de coisas não podia ser respeitado,
porque a fome e a miséria não deixavam, não raro, o homem trabalhava
desesperadamente para evitar que sua mulher concorresse com o produto do seu
trabalho para o sustento da família. Havia nessa atitude dos pais, dos maridos, dos
irmãos muito de boa fé e coragem, mas enormes eram os prejuízos para esses pais,
maridos e irmãos e, sobretudo, para a família que queriam manter sozinhos sem a
ajuda efetiva da mulher. Primeiro, o aniquilamento físico desses homens e o
abatimento moral que lhe seguia sempre. Depois as dificuldades que criavam para
uma família onde muitas eram as bocas para comer e dois, apenas, os braços para
trabalhar.394
A luta pela vida, porém, ensinou às mulheres pobres, primeiro que as outras, a
necessidade de cooperar financeiramente para o sustento da casa e dos filhos e como
não tinham dote a oferecer, lançaram-se ao trabalho das fábricas, dos balcões e dos
lares alheios. [...] Infelizmente, a lei foi sempre surda às relações familiares dessa
classe, de sorte que o texto legal não se rendeu às evidencias dos fatos.395
Quando a fome, como o nome de necessidade de comer, chegou as portas das famílias
de outra camada social, e quando os homens não mais puderam sustentar sozinhos
suas respectivas famílias, e as mulheres que também não tinham dotes a oferecer,
tiveram de se lançar no comércio, nos escritórios, nas repartições públicas e nas
profissões liberais, os fatos parecem mais eloquentes e, se o dispositivo legal
continuou de pé, pelo menos, muitos direitos individuais foram dados à mulher que
concorria ao lado do homem para garantir a sobrevivência da família que haviam
formado.396
392
Idem. A manutenção da família. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 12 dez. 1947. p. 9.
393
Ibid.
394
Ibid.
395
Ibid.
396
Ibid.
114
Partindo desta leitura da realidade, defendeu que a manutenção da família não deveria
ser uma obrigação exclusivamente masculina. E propôs um novo modelo de relação familiar,
em que seria necessário e indispensável “repartir entre o marido e a mulher a obrigação de
manter a família, em benefício da própria família e em proveito, sobretudo, dos cônjuges que,
lado a lado, valorizando-se mutuamente, irão lutar para garantir a sobrevivência de um grupo
que criaram juntos.”397 Para ela, a partir do trabalho, as esposas e as mães não seriam respeitadas
apenas por serem esposas e mães, mas por produzirem “alguma coisa útil para o grupo familiar
e para a sociedade.”398 E os filhos, “esses perigosos julgadores”, passariam a valorizá-las “como
valorizam seus pais, criado num ambiente de ajuda recíproca, de compreensão que só a luta por
um mesmo ideal pode criar.”399
Heroínas obscuras, combatentes corajosas na luta cotidiana pelo pão, pela casa, pela
felicidade doméstica, as mulheres do Brasil querem, como todas as mulheres do
mundo, o direito humano à alegria. Dona de casa, heroína humilde das mesquinhas
tarefas sem brilho, realizadora de silenciosos milagres diários! É ela que cuida do
conforto, da segurança, da felicidade do lar. É a que prepara, com as próprias mãos, o
futuro dos filhos. A que conhece a tortura das filas, a falta d’água, as indignas
exigências do câmbio negro, a exploração inescrupulosa, as dificuldades para
conseguir o pão, o leite, a carne, os gêneros indispensáveis ao consumo da casa. [...]
A que trabalha o dia inteiro e não tem horário para o repouso, nem folga, nem férias.
A que dorme mal à noite preocupada com os duros problemas, a que tem um número
maior de deveres do que de direitos. A dona de casa já vai adquirindo a consciência
de que deve formar, com todas as outras mulheres, uma frente única de combate à
crise, à falta de habitação e transportes, ao câmbio negro, às filas, à sonegação dos
gêneros de primeira necessidade; uma frente única para a sua família, de um futuro
mais digno para as suas crianças.401
Após destacar os problemas das donas de casa, o texto fez referência à situação das
mulheres trabalhadoras.
397
Ibid.
398
Ibid.
399
Ibid.
400
A LUTA cotidiana das mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 25 jul. 1947. p. 9.
401
Ibid.
115
Nas fábricas, nas oficinas, nas usinas, ao lado do homem, seu companheiro de lutas,
a operária movimenta a força de produção. Trabalha oito e mais horas por dia, quase
que num total desconforto, preparando a riqueza da nação. Viaja de madrugada nos
trens de subúrbio superlotados, nos bondes morosos e cheios. Alimenta-se mal e
apressadamente e nem sempre pode trabalhar tranquila, com o pensamento nos filhos
sem creches, sem escolas, sem hospitais. De volta à casa, ainda tem que cuidar dos
arranjos domésticos e preparar comida para a família. A operária começa também a
compreender que, unida às outras mulheres, poderá reivindicar os seus direitos
elementares: amparo as leis trabalhistas mais humanas, repouso semanal remunerado,
higiene e conforto no local de trabalho, salário condigno, proteção à família,
diminuição do custo da vida, possibilidades de tratamento, instrução e diversões.
Professora, enfermeira, médica, advogada, escriturária, datilógrafa, taquígrafa,
secretária, empregadinha de escritório e de balcão, costureira, manicura, empregada
doméstica, exercendo profissão liberal, funções públicas, ou particulares, a mulher faz
ginásticas mentais para equilibrar seu orçamento, pois que, enquanto o custo de vida
sobe assustadoramente, seus vencimentos são os mesmos de alguns anos atrás... As
dificuldades de transporte são para elas uma angústia diária. [...] Também elas
começam a sentir que devem unir-se às outras mulheres para conseguirem estabilidade
no emprego, férias de um mês, acesso rápido e garantido na carreira, melhores
condições de vida, barateamento dos artigos indispensáveis, o direito de serem
respeitadas, clima de segurança e democracia que possam viver, constituir seus lares
e criar seus filhos.402
Nos campos e nas fazendas, a mulher vive ainda em condições primárias, no duro
trabalho de sol a sol, no desconhecimento do uso do calçado, morando em choupanas
miseráveis, mantida numa total ignorância, muitas vezes sem saber sequer o que se
passa na cidade mais próxima. Seus filhos nascem sem a menor assistência, crescem
sem escolas, comendo raízes e rapadura e morrem de verminose, malária e outras
doenças. Começa também ela, que é a maior vítima e a maior sacrificada, a
compreender que unida às outras mulheres precisa lutar para que as terras em que vive
lhes pertençam, lutar por assistência médica e hospitalar, escolas para os filhos, casas
para morar e instrumentos modernos para o cultivo do campo.403
O texto evidenciou os problemas enfrentados pelas mulheres de forma geral, mas não
deixou de apontar as especificidades. Observamos que em todos os momentos os trabalhos
relacionados ao lar e a família foram atribuídos às mulheres. Embora solicitasse condições mais
confortáveis, em nenhum instante desnaturalizou-se as funções socialmente atribuídas ao
gênero feminino. Pontuou a importância dos afazeres domésticos realizados pelas donas de
casa, que trabalhavam o dia inteiro sem horário para o repouso, mas não solicitou que os homens
também realizassem as atividades do lar.
402
Ibid.
403
Ibid.
116
“direitos mais elementares”, quais sejam: leis trabalhistas mais humanas, repouso semanal
remunerado, higiene e conforto no local de trabalho, salário condigno, proteção à família,
diminuição do custo de vida e possibilidades de tratamento, instrução e diversões. Observamos,
que também não se propôs aos homens trabalhadores que dividissem com as suas companheiras
as tarefas domésticas. No que diz respeito às mulheres do campo, também foi evidenciado que
elas deveriam lutar por melhores condições de vida para si e para as suas famílias.
Apesar de destacar que as mulheres trabalhavam o dia inteiro sem direito ao repouso,
não foi proposta uma nova organização do trabalho doméstico, em que os homens também se
tornassem responsáveis, como o fez Nice Figueiredo. Nas entrelinhas do texto observamos que
as responsabilidades pela felicidade da família couberam às mulheres, que deveriam se unir “na
defesa de seu país, de seu lar e de seus filhos.”404
O artigo “Uma lição aprendida com a experiência”, de Nice Figueiredo, traz mais
evidências sobre os desacordos entre as comunistas. Em uma mesa-redonda ocorrida na ABI
para discutir as pretensões das mulheres brasileiras e quais direitos queriam conquistar, mostrou
que “as participantes divergiam quais seriam as verdadeiras conquistas femininas.”405 No
evento uma oradora afirmou:
Para Nice Figueiredo esta orientação era equivocada, “pois se as mulheres a adotarem,
limitarão muito o seu campo de ação.”407 Salientou que após as conquistas das “necessidades
físicas e imediatas”408, consideradas essenciais, mereciam “um futuro maior e mais alto que o
de morar em morros, lavar roupas com abundância de água e cozer sob clara e boa luz
elétrica.”409 Advertiu ainda, que ao lado das trabalhadoras pobres existiam outras “que por
causalidade de nascimento não têm os mesmos problemas, que já estão em condições físicas e
sociais mais favoráveis e adiantadas.”410 Mesmo assim, tinham a liberdade “de lutar por outros
404
Ibid.
405
FIGUEIREDO, Nice. Uma lição aprendida com a experiência. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 30 out.
1949. p. 4.
406
Ibid.
407
Ibid.
408
Ibid.
409
Ibid.
410
Ibid.
117
direitos que nem elas, nem as primeiras possuem ainda.”411 Após as considerações declarou que
a luta deveria ocorrer em etapas.
Que sejam compensados primeiro as que mais sofrem, não há dúvida. Que os nossos
esforços consigam o maior bem-estar para as mulheres que mais trabalham e carregam
os fardos maiores. [...] Mas daí a afirmar que as campanhas femininas devem ter só
este objetivo está errado. Está errado porque vai contra a lógica e contra as próprias
mulheres, impedindo que elas aspirem posições mais altas.412
411
Ibid.
412
Ibid.
118
Na década de 1940, nas representações de Jorge Amado, Salvador ainda não havia
acompanhado o tempo veloz “das cidades do Sul”413, apesar do processo de industrialização e
urbanização que já marcavam a história da cidade. Naquele contexto, a “cidade da Bahia”, como
era chamada, convivia com desigualdades sociais das mais variadas. A pobreza que acometia
parcela significativa da população contrastava com a riqueza dos “bairros de moradias mais
elegantes”, a exemplo do Campo Grande, Graça, Barra, alguns trechos de Barra-Avenida e
Avenida Oceânica, “aqueles onde vive a grande burguesia e parte da média.”414 Ao mesmo
tempo, havia os bairros proletários, como Estrada da Liberdade.415
Ainda que a cidade não acompanhasse a velocidade do Rio de Janeiro e São Paulo, ela
passava por transformações acentuadas. De acordo com Márcia Barreiros, na transição do
século XIX para o XX, a Bahia vivenciou várias modificações nas organizações sociais em
consequência da implantação da República. Salvador se encontrava entusiasmada com o projeto
de modernização, seguido da industrialização, que vinham ocorrendo nas maiores capitais do
país, Rio de Janeiro e São Paulo. A “cidade da Bahia” tentava se desvencilhar do seu passado
colonial e se integrava de modo lento à emergente sociedade burguesa-industrial, ainda que
permanecesse associada em muitos aspectos à antiga ordem senhorial-escravista.417
413
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 10 ed. 1964. p. 28.
414
Ibid. p. 73.
415
Ver Anexo K.
416
Ibid. p. 85.
417
BARREIROS, Márcia Maria da Silva. Educação, cultura e lazer das mulheres de elite em Salvador, 1890-
1930. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social, UFBA, Salvador, 1997. p. 17.
119
por parâmetros sociais que visavam moldar e condicionar os lugares e as funções das pessoas.
“As mulheres, como em algumas sociedades tradicionais, viviam muitas vezes presas aos
preconceitos inerentes à lógica do paternalismo, herança ibérica que remonta os primeiros
tempos da colonização portuguesa na América.”418
Por outro lado, entre 1890 e 1930 iniciou-se uma série de rupturas no campo dos
costumes, das mentalidades e dos comportamentos na sociedade baiana. A partir de então, o
patriarcalismo, entendido como o supra poder do homem em qualquer situação, passou a não
servir totalmente como referência às relações de poder entre mulheres e homens. As mulheres,
progressivamente, passaram a desenvolver novas formas de sociabilidade, rompendo
paulatinamente com a lógica patriarcal.419
não foram abertas novas ruas, nem foi gasto asfalto, colinas não foram rasgadas:
houve barulho, houve cadeia, houve tiro, gente presa e muita luta. Assim nasceram os
novos bairros operários. Em terras devolutas cujos proprietários só se recordaram que
as possuíam quando nelas começaram a se elevar as improvisadas habitações. [...] Das
invasões nasceram os novos bairros proletários.421
418
Ibid. p. 17-18.
419
Ibid. p. 18-19.
420
Ibid. p. 95.
421
Ibid.
422
ESPIÑEIRA GONZALEZ, Maria Victória. O Partido, o Estado e a Igreja nas Associações de Bairros de
Salvador. Salvador: EDUFBA,1997. p. 25-26.
120
Já foi dito muitas vezes que a situação do Brasil e, particularmente a nossa, da Bahia,
é dolorosa. Vivem e morrem tuberculosos aos milhares, sem que possamos, na maioria
das vezes, agir com eficiência. E não podemos porque nos faltam recursos de toda a
natureza para uma luta rigorosa contra tão grave doença. Se de um lado o armamento
antituberculoso deixa muito a desejar em sua parte técnica, as condições de vida, que
ora suportamos, constitui-se em campo fertilíssimo para a destruição pela
tuberculose.427
423
AMADO, Jorge. Op. Cit. p. 86.
424
VAZQUEZ, Petilda Serva. Op. Cit. p. 101-103.
425
AMADO, Op. Cit. p. 85-86.
426
Ibid. 89.
427
A TUBERCULOSE é uma doença profundamente social. O Momento, Salvador, 28 set. 1946. p. 5.
121
Diante dos problemas sociais houve resistência. A seção baiana do PCB emergiu como
um meio de luta. Partindo de concepções políticas próprias do ideário socialista, apoiou e
incentivou os movimentos reivindicatórios por melhores condições materiais para a camadas
populares, tais quais, aumentos de salários, pisos profissionais, movimentos por moradia, etc.428
O partido não deixou de enfatizar que as mulheres trabalhadoras possuíam especificidades e
muitas vezes sofriam de maneira mais aguda a exploração.
Em primeiro lugar, nem ao menos um refeitório decente para as refeições. [...] Entre
outros absurdos verificados na fábrica [têxtil] São Salvador, temos que ali as operárias
são obrigadas, por força das circunstâncias, a mudarem suas roupas atrás das
máquinas o que tem motivado uma série de aborrecimentos, pois a fábrica nem sequer
providenciou a instalação de um vestiário.430
os patrões reacionários não tomaram conhecimento [...] das leis que regulam as
condições de trabalho. E no que se refere à mulher trabalhadora, o descaso e o desleixo
em face a legislação do trabalho, toca as raias do absurdo e do inacreditável. [...] Os
empregadores [...] não tomaram conhecimento [...] da legislação do trabalho,
sobretudo do trabalho da mulher. E já que é deficiente a fiscalização do Ministério do
Trabalho, as próprias operárias, organizadas, é que devem lutar pela aplicação da
legislação.432
432
SOB um regime de miséria as operárias não têm tempo para ser mães. O Momento, Salvador, 1 jun. 1946. p. 2.
433
MURICI, Arari. Gloriosas tradições de luta do Sindicado dos Trabalhadores na Indústria de fumo de São Félix.
O Momento, Salvador, 23 ago. 1946. p. 2.
434
Ibid.
435
Ibid.
436
A MULHER operária desconhece a proteção das leis. Op. Cit.
123
Lembremos que para Nice, era fundamental “compreender que o serviço doméstico merece
uma atenção relativa, mas não pode nem deve ser a finalidade exclusiva das mulheres.”437
O paradoxo pode ser explicado pois os discursos, como observou Eni Orlandi, são
construídos a partir dos movimentos dos sentidos, de lugares provisórios de dispersão, de
unidade e de divergência, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem, de vestígios.
O discurso é um ritual que se move e é provisório, possibilitando que os sujeitos e os sentidos
se estabeleçam. É palavra em movimento, prática de linguagem. E a linguagem está ligada ao
contexto, relacionada aos sujeitos que falam e às situações em que são produzidas.438 Segundo
Nicolau Sevcenko, os discursos incorporam toda a sorte de hierarquias e enquadramentos de
valores intrínsecos às estruturas sociais de onde emanam. Se articulam a partir de regras e
formas convencionais, “cuja contravenção esbarra em resistências firmes e imediatas.”439
A distribuição de panfletos estava ficando cada vez mais difícil para mim. O horário
da madrugada chamava a atenção das minhas tias e dos irmãos. De modo que eu passei
a usar o expediente de sair de casa entre 21:30 e 22:00 horas. [...] Não podia ficar
perambulando pelos bares ou sentado nos bancos dos jardins, batendo papo. Então, a
solução encontrada foi a de ir passar as horas que antecediam ao encontro com os
companheiros, geralmente entre 2 e 3 da madrugada, quando a cidade dormia
profundamente, em casa de uma prostituta. Foi assim que encontrei Edite, uma jovem
morena, de Alagoinhas, muito bonitinha e meiga. [...] Ali encontrei o porto seguro
para esperar com a minha carga explosiva a hora da “subversão”. [...] Assim o tempo
foi correndo até que um dia ela desapareceu. Senti sua ausência e tive saudades da
discreta e meiga Edite. Saí a procura de outro porto. [...] De boa estatura, clara e
bonita, Jussara substituiu Edite. Este relacionamento durou pouco tempo. Primeiro
porque ela gostava de fingir cenas de ciúmes e, além disso, era curiosa. Certo dia
percebeu que eu portava um revólver. Armou o maior escândalo para que eu não saísse
à rua. Não consegui convencê-la e, já em cima do horário marcado para o encontro
com os companheiros – eu não podia atrasar um minuto sequer – começou a gritar.
437
Idem. A mulher casada e o trabalho. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 05 dez. 1947. p. 2.
438
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos. 10 ed. Campinas: Pontes, 2012. p. 10-
15.
439
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultura na primeira república. 3ª
ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 19-20.
440
À época as reuniões ocorriam durante as madrugas pois o partido ainda estava na ilegalidade.
124
Fui obrigado a usar a força e dei-lhe uma coronhada de revólver na cabeça, para abatê-
la. Daí por diante, não me permiti mais qualquer envolvimento pessoal dessa natureza.
Vinha agindo dessa forma por falsa conveniência revolucionária.441
João Falcão descreveu um ato de violência física com naturalidade, não demonstrando
nenhum tipo de arrependimento pela agressão em si. Ao refletir sobre o caso, considerou que
agiu de maneira equivocada não por ter agredido a mulher, mas por ter se envolvido de maneira
pessoal com ela. “Daí por diante, não me permite mais qualquer envolvimento pessoal desta
natureza.”443
Apesar dos limites culturais, na prática, o PCB investiu na luta pela emancipação
feminina.444 Giocondo Gerbasi Alves Dias e Jaime Maciel, eleitos deputados estaduais em
1947, não negligenciaram quanto às reivindicações em defesa das mulheres trabalhadores e
levaram à Câmara Estadual um requerimento em defesa da maternidade e da infância:
441
FALCÃO, João. Op. Cit. p. 71.
442
LÊNIN. V. I. O socialismo e a emancipação da mulher. Rio de Janeiro: Vitória, 1956. p. 12.13.
443
Ibid.
444
TAVARES, Luís Henrique Dias. Op. Cit. p. 455-461.
445
ASSISTÊNCIA a maternidade e a infância, O Momento, Salvador, 16 ago. 1947. p. 2.
125
Diante dos problemas específicos das trabalhadoras, por exemplo, o PCB solicitou um
melhor tratamento às operárias. Denunciou a negligência da Delegacia do Trabalho na Bahia,
responsável por fiscalizar se as empresas cumpriam a legislação trabalhista; exigiu proteção às
trabalhadoras, principalmente as mães; pediu que as fábricas oferecessem uma melhor estrutura,
como condições de higiene adequadas, para que as trabalhadoras pudessem trabalhar com
dignidade, e chamaram a atenção para a dupla jornada de trabalho a que estavam submetidas.
Mas as críticas foram limitadas. Não se propôs uma divisão do trabalho doméstico nos
termos apropriados. Ao abordar o problema da dupla jornada de trabalho enfrentado pelas
mulheres, consideraram o trabalho no lar como uma obrigação da qual as camadas femininas
não poderiam fugir. Não conseguiram incorporar facilmente todas as demandas levantadas por
algumas mulheres do próprio partido, a exemplo da divisão dos trabalhos domésticos. Ao
contrário, propuseram uma legislação que regulamentasse o trabalho feminino de modo que
elas pudessem ter mais tempo para cuidar do lar dos filhos.
Como pontuamos, algumas mulheres do próprio partido não mais aceitavam, sem
questionar, os papeis sociais de mães e esposas, como a sociedade lhes impunha. Muitas vezes
446
SALÁRIO maior para o trabalho noturno e proteção à mulher trabalhadora, O Momento, Salvador, 31 jul.
1947. p. 3.
447
CERTEAU, Michel. Credibilidades políticas. In: ____________. Op. Cit. p. 285.
126
A mulher, cujo destino é ser mãe, ela que em tudo põe muito de maternidade, a mulher
que foi escravizada e oprimida, levantou-se afinal. Não mais queria ouvir a história
dolorosa das crianças que morrem. O fascismo é escravidão, ela o soube mesmo antes
de Hitler agitar os três K. Ela estava nas oficinas, nos escritórios, no trabalho. E
aprendera que o destino do mundo é também o seu destino. Foi maquis, foi
partiggiani. Fez a guerra ombro a ombro com o homem. Foi lutadora de primeira
frente e lutadora de retaguarda. Suas mãos leves não bastaram apenas para curar
feridas: construíram trincheiras, pilotaram aviões, descarregaram sobre inimigos
metralhadoras. [...] Unamo-nos; que nossas mãos se entrelacem hoje, como ontem o
fizera na guerra. Não importa a que partido, a que seita, a que religião pertençamos.
O que importa é salvar nossos filhos! O que importa é salvar nossos lares! [...]
Queremos a paz!448
Embora destacassem que “destino natural” das mulheres era o de ser mãe, observaram
que as mesmas “mães” foram capazes de lutar na guerra, pegar em armas, pilotar aviões. As
“mãos leves” não serviram apenas para curar feridas. Neste sentido, a experiência da guerra
havia servido para deixar as mulheres fortalecidas. Destacaram que estavam preocupadas em
salvar os filhos e os lares, mas para isso eram capazes de fazer qualquer atividade, não apenas
os trabalhos de retaguarda.
Diante desses fatos, acreditamos, de acordo com Márcia Barreiros, que é necessário
redimensionar o papel das mulheres na sociedade, rever as suas práticas e repensar os discursos
que foram construídos em prol de uma ordem patriarcal, supostamente natural e universal. “Não
foram poucas as estratégias de poder e controle sobre a mulher que se estabeleceram sutilmente,
a partir das relações familiares, desde a longínqua fase colonial da história da Bahia.”449
Suas vivências não devem ser entendidas separadamente nas diversas esferas de atuação
social, pois os domínios públicos e privados se inter-relacionavam intensamente. “A própria
lógica de inserção da mulher na sociedade, no seu processo de escolarização, no seu trabalho
em campanhas beneficentes, na sua profissionalização, e, mais tarde, na sua emancipação
política, dependeu das práticas que vivenciou no âmbito doméstico.”450
448
EM DEFESA da paz. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 15 ago. 1947. p. 17.
449
BARREIROS, Márcia Maria da Silva. Op. Cit. p. 18.
450
Ibid. p. 21.
127
No final do evento a UDF agradeceu aos pais que “compreendendo o valor do seu
trabalho levaram, espontaneamente, seus filhos para tomar parte nessa tarde artística.”457 Em
seguida, declarou que continuaria a “pôr em execução o seu plano cultural, já iniciado,
prestando assistência, material e moral, às crianças pobres, no São João próximo, como
resultado dessa vesperal.”458
Além das festas infantis, as representantes da UDF realizavam visitas aos bairros da
cidade, com o intuito de “procurar conhecer suas condições e dar a assistência possível,
principalmente com respeito à criança, quanto à educação e à saúde.”459 Não realizaram apenas
trabalhos com o público infantil. Ofereceram cursos de Alfabetização, Português, Matemática,
História, Puericultura e Corte-costura para as associadas. Era cobrado um valor mensal de 3,00
cruzeiros, com direito a quatro disciplinas.460 O curso de Alfabetização era realizado na
451
A UNIÃO Democrática Feminina em grande atividade. O Momento, Salvador, 05 mai. 1946. p. 1.
452
A UNIÃO Democrática Feminina realiza um grande programa. O Momento, Salvador, 15 mai., 1946. p. 2.
453
Ibid.
454
Ibid.
455
Ibid.
456
Ibid.
457
Ibid.
458
Ibid.
459
A UNIÃO Democrática Feminina em grande atividade. Op. Cit.
460
UNIÃO Democrática Feminina. O Momento, Salvador, 25 fev. 1946. p. 5.
128
461
REUNIÕES da União Democrática Feminina. O Momento, Salvador, 03 abr. 1946. p. 2.
462
A UNIÃO Democrática Feminina em grande atividade. Op. Cit.
463
REUNIÕES da União Democrática feminina. Op. Cit.
464
PERROT, Michelle. Sair. In: _________________. As mulheres ou os silêncios da História. Tradução:
Viviane Ribeiro. São Paulo: EDUSC, 2005. p. 280-287.
465
BARREIROS, Márcia Maria da Silva. Op. Cit. p. 172-173.
466
VIEIRA, Cláudia Andrade. Op. Cit. p. 161.
129
467
UNIÃO Democrática Feminina. O Momento, Salvador, 12 mai. 1946. p. 6.
468
AS MULHERES devem organizar-se para saírem da escravidão. Op. Cit.
130
Popular Democrático de Brotas, que continha uma ala feminina, reivindicou a instalação de
escolas nos bairros proletários, ressaltando a importância da educação.469
O Comitê Popular Democrático da Fazenda Garcia também possuía uma ala feminina
que desenvolveu uma série de realizações e planejou “outras tantas da maior importância para
a população feminina local, principalmente, do ponto de vista de proteção e assistência
social.”470 No natal de 1945 a ala feminina do comitê, presidida por Eulina Lopes de Andrade,
realizou os festejos de natal no bairro, quando “foram realizadas várias festinhas”, como
quermesses, concursos de beleza e serviços de telégrafo. Além disso, foram distribuídos brindes
às crianças pobres do bairro, “havendo ainda, depois da distribuição, corridas esportivas.”471
No dia 31 de dezembro, O Momento publicou uma matéria que fazia um balanço das
festividades natalinas promovidas pelos comitês, destacando que aquelas atividades deveriam
servir de exemplo, pois destoava da “caridade humilhante das senhoras ricas que distribui
presentes às crianças pobres nos festejos natalinos. [...] O povo é que deve fazer as suas festas
nos bairros eliminando, tanto quanto possível, essa caridade humilhante.”472
As crianças pobres receberam os seus presentes das mãos do próprio povo, diferente
do que sucedia nos anos anteriores quando senhoras grã-finas se disputavam a
primazia de distribuir uns bombons e brinquedos às enormes filas de crianças
miseráveis.473
469
SILVA, Raquel de Oliveira. Op. Cit. p. 66.
470
NO COMITÊ Popular da Fazenda Garcia. O Momento, 22 out., 1945. Apud. SILVA, Raquel de Oliveira. Op.
Cit. p. 66-67.
471
OS COMITÊS Democráticos farão o natal dos bairros. O Momento, Salvador, 24 dez. 1945. p. 8
472
ALCANÇARAM maior brilho as festas de bairro. O Momento, Salvador, 31 dez. 1945. p. 8.
473
Ibid.
131
Dentro do PCB as mulheres desenvolveram uma relevante atividade política, não sem
enfrentar toda a ideologia machista que perpassava todos os setores sociais, inclusive o Partido
Comunista. Mas alguns militantes se esforçaram em quebrar as hierarquias sociais e contribuir
na luta pela emancipação feminina. As eleições se constituíram em um importante meio para
analisarmos este processo.
474
SILVA, Raquel de Oliveira. Op. Cit. p. 66.
475
UNIÃO Democrática Feminina. Op. Cit.
476
Ibid.
132
foco do patriarcalismo brasileiro.”477 O autor considerou que a inclusão das mulheres na política
não sofreu grande resistência. De acordo com ele, no interior do Estado, o preconceito
antifeminista [era], talvez, mais fraco ainda.”478
Sampaio chegou a esta constatação partindo da evidência de que se tornava cada vez
mais intensa as candidaturas femininas no Estado. Não obstante, para analisarmos a
incorporação das mulheres na política baiana é preciso ir além dos números. É necessário
analisarmos com mais cuidado as relações que as mulheres estabeleceram com os partidos e
como atuaram na militância. No caso específico da participação nas eleições, observamos que
o preconceito antifeminista, citado por Sampaio, não se extinguiu com a simples incorporação
das mulheres nos pleitos. Elas não deixaram de encontrar resistência e não acharam um campo
tão aberto dentro dos partidos, inclusive no PCB.
Em 22 de abril de 1945, o presidente Getúlio Vargas marcou eleições gerais para o dia
2 de dezembro. Diversos segmentos da sociedade brasileira, após doze anos sem votar,
começaram a se organizar e novos partidos foram fundados, como o Partido Social Democrático
(PSD), que reuniu os setores governistas e lançou como candidato Eurico Gaspar Dutra, em
uma espécie de continuísmo sem Getúlio; o Partido Republicado Progressista (PRP) de Ademar
de Barros, o Partido Democrata Cristão (PDC), em São Paulo; o Partido Republicano (PR), em
torno do ex-presidente da República, Arthur Ramos; o Partido Libertador (PL), com bases no
Rio Grande do Sul; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que pregava a continuação de
Getúlio no poder e o Partido de Representação Popular (PRP), réplica da ex-Ação Integralista
Brasileira.479
A única mulher a ser lançada pelo PCB foi Jacinta Passos Amado.481 “Mulher, feminista,
comunista, separada do marido, empobrecida, louca. Muitos foram os estigmas que Jacinta
Passos enfrentou.”482 Natural de Cruz das Almas, interior da Bahia, Jacinta Velloso Passos483
fez parte de uma família tradicional. Foi educada segundo os princípios da Igreja Católica.
Formou-se professora pela Escola Normal. No decorrer de sua trajetória defendeu
ferrenhamente mais direitos para as mulheres e, paulatinamente, rompeu alguns limites
impostos por sua época e situação social.484
Não sabemos explicar com exatidão os motivos que a levaram aos consecutivos
internamentos em clínicas psiquiátricas. Mas é certo que em 1951, após uma crise nervosa em
seu apartamento no Rio de Janeiro, foi diagnosticada como portadora de esquizofrenia
paranoide. A partir de então passou por vários hospitais psiquiátricos (São Paulo, Rio de
Janeiro, Salvador e Aracaju). Durante as internações, Jacinta foi tratada à base de eletrochoques,
injeções de insulina e barbitúricos. Esses eram os procedimentos mais empregados à época.486
Por fim, às 15:30 do dia 28 de fevereiro de 1973 faleceu, aos 59 anos, na Casa de Saúde Santa
480
Ibid.; CHAPA Popular do Partido Comunista. O Momento, Salvador, 19 nov. 1945. p. 1.
481
Jacinta Passos Amado não foi a única mulher a concorrer ao pleito. Além dela, como indicou Nelson de Souza
Sampaio, mais duas mulheres concorreram às eleições. O autor não informou os nomes nem as legendas partidárias
a que estavam ligadas. SAMPAIO, Op. Cit. p. 101.
482
AMADO, Janaína. Biografia de Jacinta Passos Amado: Canção da liberdade: In: _______________ (Org.)
Coração Militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 337.
483
Passou a chamar-se Jacinta Passos Amado após o casamento com James Amado. Trataremos do assunto mais
adiante.
484
Ibid. p. 11.
485
Ibid. p. 11-12.
486
Ibid. 389-434.
134
Apesar de ter carregado o estigma da loucura, ao longo de sua vida, Jacinta Passos foi
uma destacada intelectual e militante comunista. Manteve relações com diversos artistas e
intelectuais de prestígio, a saber, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Antônio Cândido, Dionélio
Machado, Vasco Prado, Zorávia Bettil, Gabriela Mistral, Roger Bastide, Aníbal Machado,
Sérgio Milliet, Paulo Dantas, José Paulo Paes, Lasar Segall, Sérgio Buarque de Holanda, Luís
Henrique Dias Tavares, Jacob Gorender, entre outros.488 A ligação com a intelectualidade pode
ter sido facilitada por seus vínculos com o PCB, que à época agregava diversos intelectuais,
tanto como simpatizantes, quanto como militantes. Embora tenha se filiado ao partido em 1945,
mais precisamente no dia 27 de maio489, Jacinta já colaborava com ele antes de sua ligação
oficial.
Durante sua trajetória atuou como jornalista em periódicos. Em 1942 escreveu artigos
para a revista Seiva.490 De 1942 até 1943 passou colaborar com o jornal baiano O Imparcial.
Na oportunidade, dirigiu a Página Feminina (página semanal).491 “Ela escreveu sobretudo
sobre a situação política do Brasil e do mundo, os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial,
a necessidade de combater o nazifascismo, a mobilização das mulheres, as opções que via a
cada momento para a sociedade brasileira.”492
Outro fator que pode ter contribuído para estreitar ainda mais as suas relações com a
intelectualidade brasileira foi o casamento com o romancista James Amado, irmão de Jorge
Amado, que no período já era um escritor famoso. O seu casamento com James foi um marco
importante. Completou o processo de rompimento com os valores morais da sociedade, em
487
MACHADO, Dalila. A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador: Secretaria da Cultura e
Turismo/Fundação Cultural do Estado, EGBA, 2000. p. 49.
488
Ibid. p. 12; 337-389.
489
A CHAPA Popular. O Momento, Salvador. 07 dez. 1946. p. 8.
490
A revista Seiva foi um periódico vinculado ao PCB. Para mais informações sobre a revista e sobre as
contribuições de Jacinta Passos consultar: FERREIRA, Daniela de Jesus. Tempos de lutas e esperanças: a
materialização da revista Seiva (1938-1943). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História.
UEFS, Feira de Santana, 2012. p. 70-80. Disponível em <
http://www2.uefs.br/pgh/docs/Disserta%C3%A7%C3%B5es/Disserta%C3%A7%C3%A3oDaniela.pdf > Acesso
em: 22 jan. 2015.
491
Em 1942 O Imparcial era dirigido por Franklin Junior. O redator chefe era Wilson Lins. Não era um jornal de
esquerda, mas estava alinhado à campanha pela entrada do Brasil na guerra e contra o nazifascismo, pautas
defendida pela esquerda, mais especificamente pelo PCB. AMADO, Janaína. Op. Cit. p. 361-362.
492
Ibid. p. 362.
135
Na década de 1940 Jacinta Passos chegou a ser apontada por Jorge Amado como parte
de uma “escola de arte política que [era] tradição da inteligência baiana.”496 Na década seguinte
já estava no rol das melhores artistas da Bahia.497 Provavelmente, estas qualidades atraíram o
jovem James. No mesmo final de semana que se conheceram iniciaram um flirt que resultou
em casamento, cuja cerimônia foi inusitada.
Jacinta informou ao pai que desejava estudar em São Paulo, a fim de aperfeiçoar-se
como professora. Seu pedido foi atendido e em 1944 mudou-se para a cidade pretendida. Ficou
combinado que enquanto estivesse estudando, ficaria hospedada na casa de sua irmã e do
cunhado. Entretanto, ao chegar em São Paulo foi morar com James em uma modesta pensão na
Avenida São João. Logo resolveram casar-se apenas no civil, pois eram ateus.498
493
Matilde Garcia Rosa foi a primeira esposa de Jorge Amado. Casaram-se em 1933. Juntos tiveram uma filha,
Lila. Separaram-se em 1944.
494
Ibid. p. 368.
495
Ibid.
496
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. São Paulo: Martins, 10ª ed. 1964. p. 32.
497
AMADO, Janaína. Op. Cit. p. 386.
498
Ibid. p. 367-369
136
Jacinta James.” Foi dessa forma que os pais de Jacinta tomaram conhecimento do
casamento da filha!499
E o que é o povo?
Não é uma palavra vazia que os demagogos gritam mas nelas não acreditam. É alguma
coisa que existe de verdade [...] com suas condições próprias de vida. O povo é feito
de vós que estás aqui, que viEsses da Penha, da Barroquinha, do Chame-Chame, da
Estrada da Liberdade, das fábricas, das oficinas, das casas, lojas, repartições e
499
Ibid. p. 369-370.
500
A CHAPA Popular. O Momento, Salvador. 07 dez. 1946. p. 8.
501
O POVO não pode mais ser esmagado. O Momento, Salvador, 29 nov. 1945. p. 2.
502
Ibid.
137
escritórios. [...] O povo é feito de vós, dessa gente que forma a maioria, a grande massa
da nação brasileira.503
Após indicar o que, para ela, representava o povo, conclamou-o para a defesa de seus
interesses. Incorporando a estratégia de União Nacional defendida pelo PCB, Jacinta Passos
Amado foi porta-voz da tática de “paz e tranquilidade”, defendida pelo partido. Segundo ela,
para que os objetivos fossem atingidos o povo não deveria investir em “golpes armados”, nem
disparar “tiros nas ruas”, nem agir isoladamente “gritando contra o patrão, maldizendo o
governo e os poderosos.”504
Isso é o que vossos inimigos desejam para em seguida gritar contra vós: Prenda esses
desordeiros! Já sabeis como lutar. Já ouvistes desde maio a palavra: “organizai-vos”,
“organizai-vos”, “organizai-vos”, de Luiz Carlos Prestes. Isso quer dizer que o meio
que cada um tem para lutar é se unir aos outros que tem os mesmos problemas e os
mesmos interesses a defender. É entrar para as organizações de classe, para os
sindicatos, comitês, associações populares, até que possamos dizer em breve: temos o
direito de exigir pacificamente o que necessitamos porque somos a maioria do povo
brasileiro. O povo vai falar e vai falar pelo voto secreto, o voto é vossa palavra, é
vossa arma, vossa bandeira, vosso caminho.505
Em seguida fez um apelo para que “o povo” votasse nos candidatos do PCB.
E quais seriam os problemas principais a serem enfrentados? A autora advertiu que era
necessário seguir o programa do PCB para aquelas eleições, qual seja:
Lutar pela ajuda decidida do governo através de medidas práticas contra a inflação;
[...] lutar pela decidida do governo à organização sindical do proletariado – As grandes
propriedades abandonadas ou mal utilizadas junto aos grandes centros de consumo e
às vias de comunicação já existentes deverão passar ao poder do estado para que sejam
gratuitamente distribuídas aos camponeses pobres. [...] Mas, perguntarão alguns,
desconfiados, que garantia temos de que os candidatos do Partido Comunista
defenderão realmente o programa apresentado? A resposta é que os candidatos do
Partido Comunista são homens do povo, são operários, são camponeses, são
503
Ibid.
504
Ibid.
505
Ibid.
506
Ibid.
138
Jacinta Passos versou sobre uma variedade temática e se pronunciou sobre o divórcio,
tema que mereceu destaque nas discussões feministas da primeira metade do século XX.508 Ao
falar sobre a questão, a autora assinalou que o programa do partido não agitaria problemas que,
em sua leitura, eram secundários naquele momento, “como a questão do divórcio, porque o
operário sabe que em sua casa o que provoca a tristeza e discórdia, o que faz falta não é o
divórcio, mas o pão de cada dia”509.
No comício ela não se posicionou explicitamente sobre o divórcio. Indicou, apenas, que
aquele era um assunto a ser tratado em um outro contexto e que as preocupações centrais
naquele instante seriam as dificuldades da classe operária, aviltada em seus direitos mais
básicos. Mas em outros textos, em espaços não formais da política, foi uma ferrenha defensora
das liberdades femininas. Na poesia, Jacinta Passos defendeu de maneira mais contundente a
libertação das mulheres, como fica evidente nos poemas abaixo.
Chiquinha
Chiquinha
tão frágil,
magrinha.
teu corpo miúdo
o tempo secou,
as formas redondas
o tempo gastou.
Pareces criança.
Chiquinha,
magrinha,
que doce esperança
te faz resistir?
Que doce esperança
mais forte que tudo,
à vida traz preso
teu corpo miúdo?
Chiquinha
Chiquinha
não lutas sozinha.
a doce esperança
te vem como herança
e a luta também,
do fundo dos séculos,
Chiquinha, te vem.
507
Ibid.
508
Para informações acerca dos debates sobre o divórcio entre as feministas consultar: RAGO, Elisabeth Juliska.
Op. Cit. p.195-252.
509
O POVO não pode mais ser esmagado. Op. Cit.
139
Chiquinha
Chiquinha
durante dez séculos,
teu corpo fechado
nas torres feudais
de imensos castelos,
foi corpo arrancado
da terra, da vida,
corpo sem raiz,
feito puro espírito,
mistério e tabu,
teu corpo adorado
foi corpo explorado.
e quando as nações,
nos tempos modernos,
140
abriram caminhos
ao mundo futuro,
caminhos no mar
em busca de terras,
riquezas, escravos,
teu corpo apanhado
nas selvas da África
chegou ao mercado
vendido e comprado,
teu corpo de negra
teus braços de serva,
teu sexo de fêmea,
teu ventre fecundo,
produtor de escravos,
dos donos do mundo.
teu corpo apanhado
nas selvas da África,
nas terras indígenas,
nas tribos nativas
das ilhas do mar,
teu corpo ajudou
Europa a crescer
e um mundo a nascer
nas terras da américa
Chiquinha
Chiquinha
não lutas sozinha.
Chiquinha
teu corpo
ainda não é teu.
não é livre a vida
não é livre o amor.
Chiquinha
teu corpo
mudou de senhor.
Tu sabes
Chiquinha
que a máquina que move
o mundo moderno
te vem libertar?
Tu sabes
(Isto sim, tu sabes!)
a máquina tem dono
e tu tens apenas
teu corpo de carne
que pede comida
e roupa
e abrigo,
teu corpo de carne
agarrado à vida.
A máquina
precisa mover
dinheiro! dinheiro!
e tu precisas viver.
141
o dono da máquina,
teu dono e senhor,
Chiquinha,
é teu comprador.
tu vendes teus braços,
trabalho, energia,
tu vendes teu tempo,
descanso, alegria,
vigor, juventude,
beleza e saúde
futuro dos filhos,
tu vendes, tu vendes,
Chiquinha que dor!
tu vendes teu sexo,
desistes do amor.
A máquina
te vem libertar.
Dinheiro! dinheiro!
A máquina te vem devorar.
A máquina
é monstro de lenda,
é monstro-dragão,
devora teu corpo,
é bicho papão,
é monstro danado
de muitas cabeças
tem corpo-serpente,
rasteja no chão,
seu hálito arrasa
como um furacão
tem língua de fogo
tem asas e voa,
ligeiro, ligeiro
cuspindo dinheiro,
devora teu corpo,
devora teu povo,
seu sangue e suor.
a máquina
te vem devorar
Chiquinha
Chiquinha
tu sabes que a máquina
te vem libertar?
a máquina
conquista
a terra
e o céu
e o mar
a máquina
Chiquinha,
te vem libertar.
A máquina
prolonga teus braços,
liberta teu corpo
de serva doméstica,
142
te arranca da casa,
derruba as paredes
limites, fronteiras
do lar, doce lar
– prisão milenar –
e faz do teu corpo
cansado
explorado
e multiplicado
na luta, esse mundo
difícil, Chiquinha
teu reino será.
Chiquinha
tu sabes que a máquina
que move
o mundo moderno
te vem libertar?510
Canção simples
PASSOS, Jacinta. Chiquinha. In: AMADO, Janaína (Org.) Coração Militante: poesia, prosa, biografia,
510
fortuna crítica. Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010. p. 115-120. O poema foi publicado pela primeira vez em
1943 e republicado em Poemas Políticos, versão reproduzida por Janaína Amado.
143
Os dois poemas demonstram que Jacinta Passos Amado reconhecia a opressão histórica
a qual estavam submetidas as mulheres e a necessidade de luta para a libertação feminina. O
poema Chiquinha evidencia que a subjugação e exploração do sexo feminino eram promovidas
há séculos e se manifestavam de diferentes maneiras, a depender do tempo e do espaço. Em
todas elas as mulheres eram aviltadas em seus direitos mais básicos, mas não ficaram inertes.
“A doce esperança te vem como herança e a luta também, do fundo dos séculos, Chiquinha, te
vem.”512 Em sua leitura, somente no mundo moderno abria-se a possibilidade de libertação,
pois naquele momento as mulheres saíam de casa para trabalhar. Ainda que exploradas pelos
“donos das máquinas”, preocupados apenas com os lucros, as mulheres estavam em condições
materiais para enfrentar os exploradores e mudar a ordem das coisas. Dialeticamente, as
mesmas máquinas que as sugavam, que as exploravam, ofereciam as condições para a sua
libertação. “Prolonga teus braços, liberta teu corpo de serva doméstica, te arranca da casa,
derruba as paredes, limites, fronteiras do lar, doce lar – prisão milenar [...]”513
511
PASSOS, Jacinta. Canção Simples. In: AMADO, Janaína (Org.) Op. Cit. p. 66. O poema foi publicado pela
primeira vez em 1941.
512
Idem. Chiquinha. In: AMADO, Janaína (Org.) Op. Cit. p. 115-120
513
Ibid.
144
Na poesia, Jacinta Passos defendeu de maneira expressiva as pautas que hoje chamamos
feministas. No comício ela praticamente não discutiu as questões relacionadas à luta pela
emancipação das mulheres. No palanque os problemas da classe operária apareceram como
mais urgentes. É possível que tenha mobilizado uma tática, visando não se comprometer
moralmente com a sociedade, nem afetar negativamente os objetivos do PCB de se tornar um
partido de massas. Além disso, é provável que ao falar às mulheres trabalhadoras, Jacinta Passos
o fez preocupada em enfatizar os problemas que o partido considerava mais urgentes à classe.
No contexto, muitas mulheres trabalhadoras e/ou pobres não casavam legalmente. Neste
sentido, a legalização do divórcio não era um problema que as tocavam mais diretamente.
Segundo Paulo Santos Silva, nas eleições de 1945 sete partidos disputaram as eleições
na Bahia: União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), O Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Popular Sindicalista (PPS), O Partido de Representação
Popular (PRP) e o Partido Republicano Democrático (PRD) e o Partido Comunista do Brasil
(PCB). No final do pleito, os dois partidos maiores lideraram nas urnas, a saber, a UDN que,
com 144.425 votos, ocupou 50% das cadeiras e o PSD que, contando com 144.620 votos,
ocupou 37,50%. Os demais conseguiram computar 69.814 votos, ocupando 12,49% das
cadeiras.516
514
Além das mulheres citadas no corpo do texto, a comissão foi integrada pelos seguintes militantes: Boris
Tabacof, Humberto Trindade, Humberto Quadros, Altamirando Cerqueira, Joaquim Quintino, Pedro Borges
Viana, Edgard Falcão, Natur Assis, Antônio Jacobina Mesquita e Henrique Lima Santos. PRESTES falará, hoje,
na Sé, às 17 horas. O Momento, Salvador, 05 jan. 1947. p. 8.
515
AMADO, Janaína. Op. Cit. p. 379. Para mais informações sobre o processo eleitoral, as características do
eleitorado e as especificidades do processo eleitoral baiano consultar: SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo
Democrático. Bahia, 1945. Salvador: Assembleia Legislativa, 1992. p. 141-163.
516
SILVA, Paulo Santos, Op. Cit. p. 154.
145
A participação feminina nas eleições de 1947 foi mais expressiva. Em setembro de 1946,
após a promulgação da Nova Constituição, em 18 de setembro, foram marcadas novas eleições
para o dia 19 de janeiro. O pleito destinou-se a escolha dos deputados estaduais, governadores,
um terceiro senador e mais um deputado federal. O Partido Comunista se lançou na campanha
com a meta de obter nacionalmente 1 milhão de votos.517 Segundo João Falcão, a meta foi
lançada a partir da avaliação da eleição anterior, de 2 de dezembro de 1945, quando o partido
obteve cerca de 600 mil votos, correspondendo a 10% do total.518 Na Bahia, mais
especificamente, a meta era obter 41 mil votos.519
O PCB baiano não lançou nenhum candidato para governador. Apoiou a candidatura de
Otávio Mangabeira (UDN). Mas lançou 60 candidatos à deputação estadual.520 As mulheres
corresponderam a 10% do total, são elas: Ana Montenegro, funcionária pública; Bernadete
Santos, operária fumageira, Carmosina Nogueira, enfermeira, Dagmar Gudes, médica; Jacinta
Passos, poetisa e Maria Lopes de Melo, professora primária.
517
UM MILHÃO de votos nas eleições de janeiro. O Momento, Salvador, 20 nov. 1946. p. 1.
518
FALCÃO, João. Op. Cit. p. 322. Para informações sobre as metas dos outros estados ver Anexo L.
519
41 MIL votos para a “Chapa Popular” na Bahia. O Momento, Salvador, 06 dez. 1946. p. 1.
520
Giocondo Gerbasi Alves Dias, dirigente nacional do PCB e ex-cabo do exército; Mario Alves de Souza Vieira,
dirigente estadual do PCB e jornalista; Egberto de Carvalho Leite, dirigente estadual do PCB e advogado; João
Gonçalo Martins Luz, advogado, consultor jurídico do USTB; Nelson da Silva Schaun, dirigente estadual do PCB
e professor secundário; Jaime da Silva Maciel, dirigente estadual do PCB e estivador; Joaquim Seixas do Vale
Cabral, suplente da direção estadual do PCB e agrônomo; Aristeu Nogueira Campos, dirigente estadual do PCB e
advogado; Cosme Ferreira, dirigente estadual do PCB e portuário; João Ribeiro dos Passos, dirigente estadual do
PCB, operário da circular; Dermeval Araújo da Silva, tecelão, dirigente estadual do PCB; João Cardoso de Souza,
dirigente municipal do PCB, marítimo; Sebastião Nunes de Oliveira, dirigente municipal do PCB, pequeno
industrial; Juvencio Guedes, dirigente municipal do PCB, dentista; Lourival Sales Nascimento, operário da energia
elétrica; Carmosina Nogueira, enfermeira; Maria Lopes de Melo, professora; Antônio Marques da Luz,
armazenador; Vitório da Rocha Pita, ferroviário; Oscar Pereira Sobrinho, dirigente municipal do PCB,
comerciante; Valdir Oliveira e Souza, médico; José Carlos Ferreira Gomes, professor catedrático da escola de
farmácia da Universidade da Bahia; Saul Coriolano Rosas, líder sindical da zona de Juazeiro e dirigente municipal
do PCB; Dagmar dos Santos Guedes, médica, dirigente municipal do PCB; Eusinio Gaston Lavigne, cacauicultor
e ex-prefeito de Ilhéus, Jacinta Passos Amado, escritora; Valter Raulino da Silveira, advogado, escritor; Aurélio
Justiniano Rocha dirigente municipal do PCB, médico; Edilberto da Costa Amaral, agrônomo, dirigente municipal
do PCB; João da Costa Falcão, advogado, jornalista e dirigente do PCB; Delorme Martins da Silva; médico,
dirigente municipal do PCB; Jaime Moura, advogado, dirigente municipal do PCB; Antônio Rosa de Oliveira,
panificador; Albertino Marques Barreto, operário e dirigente municipal do PCB; Ana Lima Montenegro,
funcionária do IPASE; Emídio Vilas-Boas Vilela, alfaiate; Lourival de Carvalho Lemos, comerciante e dirigente
distrital do PCB; José Ferreira de Souza Filho, funcionário da Leste; Fernando de Santana, engenheiro e militante
do PCB; Florêncio Moreira, gráfico; Benedito Manoel do Nascimento, operário da construção civil; Francisco
Ribeiro Sampaio Neto, advogado, criador e militante comunista; Almir Magalhães Matos, advogado, jornalista e
dirigente estadual do PCB; Ariston Andrade, dirigente municipal do PCB, ex-pracinha da FAE, estudante; Pedro
Werte Batista, trabalhador em S. Inês; Elplio Portela Lira, dentista; Paulo de Souza Muniz, comerciário; Ruben
Kateu Chagas, trabalhador na indústria, Paulo de Souza Aguiar, dirigente municipal do PCB e secretário de justiça;
Otávio Meira Cotrise, barbeiro; José Maria Rodrigues, dirigente estadual do PCB; Bernadete Bastos, operária
fumageira; Antônio de Souza Santos, professor; Demócrito Gomes de Carvalho, gráfico; Clarindo Francisco de
Souza, funcionário aposentado; Juvenal Luiz Souto Júnior, portuário, dirigente estadual; Esteliano França,
pequeno comerciante; Jeová Francisco Macedo, motorista; José Ferreira dos Santos. A CHAPA popular, O
Momento, Salvador, 19 jan. 1947, p. 2 e 4.
146
O pouco investimento nas candidaturas femininas pode ser explicado pelo próprio
contexto. À época o número de militantes do sexo masculino era muito maior. Ademais, havia
uma cultura que limitava a participação feminina na política formal. Por maior que fosse a força
de pressão feminina e o esforço do partido em agregar as mulheres em suas fileiras, os
indivíduos que o integravam não fugiam dos limites de seu tempo.
521
VOTE em Mário Alves, dirigente estadual do PCB. O Momento, Salvador, 13 jan. 1946. p. 2; VOTE em Jaime
Maciel, líder do proletariado baiano. O Momento, Salvador, 13 jan. 1946. p. 3; VOTE em Egberto Leite, candidato
da Chapa Popular. O Momento, Salvador, 13 jan. 1946. p. 4; VOTE em João dos Passos, líder dos trabalhadores
da circular. O Momento, Salvador, 13 jan. 1946, p. 5; VOTE em Jaime Maciel, líder do proletariado baiano. O
Momento, Salvador, 15 jan. 1946. p. 2; VOTE em Mário Alves, contra os trusts e monopólios. O Momento,
Salvador, 16 jan. 1946. p. 2; VOTE em Jaime Maciel, líder do proletariado baiano. O Momento, Salvador, 16 jan.
1946. p. 5; VOTE em Jaime Maciel, líder do proletariado baiano, O Momento, Salvador, 17 jan. 1946. p. 3.
522
Dossiê: O Comunismo na Bahia. Op. Cit. fls. 21-36.
147
Apesar do pouco espaço concedido às mulheres, não podemos afirmar que o partido
negligenciou por completo a campanha em prol das candidatas. Na reta final da empreitada,
faltando um dia para as eleições, o periódico fez propaganda para os candidatos preferenciais:
Mario Alves, Giocondo Dias e Jaime Maciel, que tiveram suas fotografias publicadas em
tamanho ampliado. Foram publicadas, também, mas em tamanho reduzido, as fotografias das
seis candidatas: Ana Montenegro, Carmosina Nogueira, Jacinta Passos, Bernadete Santos,
Dagmar Guedes e Maria Lopes de Melo e de mais seis candidatos, Aloísio Souza Aguiar, José
Maria Rodrigues, Lourival Lemos, Emídio Vilela, Saul Rosas e Esteliano França.524
523
Ibid.
524
O POVO votará no Partido de Prestes. O Momento, Salvador, 19 jan. 1947. Ver Anexo H.
525
APRESENTADOS ao povo os seus legítimos candidatos. O Momento, Salvador, 17 nov. 1946. p. 1.
526
OS NOVOS candidatos da Chapa Popular. O Momento, Salvador, 19 dez. 1946. p. 1.
527
25 MIL pessoas na Sé. O Momento, Salvador, 17 jan. 1947. p. 1
148
Somado aos comícios, as mulheres tiveram suas candidaturas divulgadas nas páginas de
O Momento. No dia 03 de janeiro de 1947 o jornal publicou a manchete “As mulheres baianas
tem suas candidatas”. A matéria teve a finalidade de lançar o nome das seis candidatas da Chapa
Popular, defendendo o Programa Mínimo do PCB. Segundo o periódico, as candidatas Maria
Lopes de Melo, “professora primária cuja vida de estudante foi sempre de contínuos
sacrifícios”528; Bernadete Ribeiro, “operária da zona fumageira”529; Carmosina Nogueira,
“enfermeira e líder de sua classe”530; Jacinta Passos, “poetisa que veio buscar no povo a
inspiração maior de sua arte”531; Dagmar Guedes, “médica que coloca a sua ciência a serviço
do povo e da classe operária”532 e Ana Montenegro, “funcionária pública”533, representavam a
melhor garantia para as mulheres baianas.
Em que pese a apresentação das seis candidatas, acima do título foram publicadas as
fotografias de apenas três delas: Ana Montenegro, Carmosina Nogueira e Maria Lopes de Melo,
as três mulheres que o PCB deu mais visibilidade durante a campanha.535 Ana Montenegro
participou de alguns comícios, a exemplo de um no bairro da Lapinha, no dia 14 de janeiro e o
528
AS MULHERES baianas têm as suas candidatas. O Momento, Salvador, 03 jan. 1947. p. 1.
529
Ibid.
530
Ibid.
531
Ibid.
532
Ibid.
533
Ibid.
534
Ibid.
535
Ver Anexo J.
149
Às vezes, essas mocinhas, com um supremo esforço seu e dos pais, conseguem
educação primária, mas não passa disso. Não podendo ingressar em uma escola
profissional, e não tendo outro caminho, ficam de braços cruzados à espera de um
esposo, um príncipe encantado, não por preguiça ou má vontade, mas por nada ou
pouco saberem fazer. [...] Urge, pois, que se criem escolas profissionais e domésticas
para as mulheres, e por isso me baterei na câmara, caso eleita, assim como o fiz na
União Feminina da Bahia.541
536
COMÍCIOS eleitorais do PCB. O Momento, Salvador, 12 jan. 1947. p. 6. No comício de finalização da
campanha falaram os candidatos João dos Passos, a candidata Ana Montenegro, Almir Matos, Giocondo Dias e
Antônio Pereira Moacir, candidato ao senado. 25 MIL pessoas na Sé. O Momento, Salvador, 17 jan. 1947. p. 1
537
25 MIL pessoas na Sé. O Momento, Salvador, 17 jan. 1947. p. 1.
538
FALA a O Momento Ana Montenegro, candidata da Chapa Popular. O Momento, Salvador, 08 jan. 1947. p. 2.
539
Ibid.
540
Ibid.
541
Ibid.
150
Encaro-as com olhos penosos, mas corajosos. A mortandade infantil em nossa terra
chega a ser monstruosa. Sabe-se isto, e sabe-se muito mais ainda: temos, em nossa
capital, a Maternidade Climério de Oliveira, deficiente em suas instalações e em sua
amplitude. [...] Partos nos corredores, duas parturientes no mesmo leito, tudo isso, é
comum na Climério de Oliveira, e as consequências disso são, também, comuns: febre
puerperal, etc. A criação de uma maternidade ampla, além de creches, serão objeto de
minhas cogitações, se as mulheres baianas me honrarem com seu voto sincero.542
545
MAIS DE 80 MIL pessoas aplaudiram delirantemente Luiz Carlos Prestes. O Momento, Salvador, 07 jan. 1947.
p. 1.
546
COMÍCIOS eleitorais do PCB. O Momento, Salvador, 10 jan., 1947. p. 2; 12 jan. 1947. p. 6.
547
OS PROFESSORES primários enfrentam difíceis problemas. O Momento, Salvador, 05 jan. 1947. p. 2.
548
Ibid.
549
Ibid.
550
Ibid.
551
Ibid.
152
Além dos problemas mencionados, como falta de local adequado para ministrar as aulas,
transportes precários, falta de ajuda de custos e de pessoas especializadas para trabalhar na área
da educação, Maria Lopes destacou outro problema grave, como atraso nos salários das
professoras iniciantes. “Quase sem exceções, somente depois de dois meses que ensina,
consegue a professora primária receber o primeiro ordenado.”552
Não somente a professora está submetida a situações como a de que falei. Em todos
os ramos a situação da mulher sempre é mais vexatória. Onde há indústria, onde o
comércio é desenvolvido, a mulher trabalha mais ainda, precisa de quem lute para
conquistas como igual salário para igual trabalho, para a construção de “Creches”,
para a garantia de férias na fase do parto e outras reivindicações, que na maioria dos
casos não existem. Se não há comércio ou indústrias desenvolvidos a mulher vive
submetida ao mais duro estado de escravidão econômica. Afinal, minha candidatura
está envolvida em lutas contra condições como essas que tenho falado, pelo
cumprimento do PROGRAMA MÍNIMO apresentado pelo Partido Comunista e pela
Democracia e o progresso de nossa terra.553 (Destaque no original).
A segunda matéria, intitulada “Os tecelões votarão nos seus próprios candidatos”, se
propôs a divulgar as candidaturas de Carmosina Nogueira e Dermeval Araújo, tecelão.557 O
título da matéria já indica que a ênfase não foi dada a Carmosina Nogueira, que era enfermeira.
552
Ibid.
553
Ibid.
554
As informações foram consultadas na Seção Comícios Eleitorais do PCB publicada no jornal O Momento,
Salvador, 13 dez. 1946. p. 8; 04 jan. 1947. p. 6 e da matéria MARIGHELA e Giocondo Dias, aplaudidos
entusiasticamente na Estrada da Liberdade. O Momento, Salvador, 04 jan. 1947. p. 6. Destacamos que a informação
da participação de Carmosina Nogueira no comício da Estrada da Liberdade não constava na seção Comícios
Eleitorais do PCB, mas na matéria citada percebemos que a candidata participou como oradora de um meeting
protagonizado por Marighella e Giocondo Dias.
555
CANDIDATA das enfermeiras e do povo de Plataforma à Câmara Estadual. O Momento, Salvador, 11 dez.
1946. p. 8.
556
Ibid.
557
OS TECELÕES votarão nos seus próprios candidatos. O Momento, Salvador, 07 jan. 1947. p. 2.
153
Um texto curto trouxe informações sobre os problemas enfrentados pela classe operária nas
fábricas têxteis e indicou que os dois candidatos eram as melhores alternativas para os tecelões,
sem explicar claramente a ligação de Carmosina Nogueira com a categoria profissional.
No que se refere às outras três candidatas, Jacinta Passos, Dagmar Guedes e Bernadete
Santos, o jornal praticamente não fez campanha. A divulgação da candidatura de Jacinta Passos
apareceu apenas em dois momentos. Primeiro na seção destinada a divulgar uma pequena nota
biográfica dos candidatos;558 depois, na manchete onde foram apresentadas as seis candidatas
do partido. As outras duas, Dagmar Guedes e Bernadete Santos só tiveram suas candidaturas
expostas na manchete de apresentação das candidatas do sexo feminino.
Lembremos que Jacinta Passos foi a única candidata nas eleições de 1945. O fato dela
não ter feito uma campanha intensa nas eleições de 1947 teve um motivo de ordem pessoal. Em
junho de 1946 ela engravidou. A gravidez foi muito difícil e ela teve de interna-se,
permanecendo no Instituto de Radiologia durante sete meses. Deste modo, durante a campanha
eleitoral, que teve início em novembro, ela estava hospitalizada.559
558
A CHAPA Popular. O Momento, Salvador, 07 dez. 1946. p. 8.
559
“Em 21 de abril de 1947, Jacinta deu à luz uma menina saudável, nascida de cesariana. Ela e o marido decidiram
chama-la Janaína, um dos cinco nomes de Yemanjá. Era um nome tão inusitado à época, que o padre da igreja de
Nazaré, mesmo sendo muito conhecido dos Passos, recusou-se a batizar a criança, por causa de seu “nome de
candomblé”. Após muita insistência por parte dos avós maternos, o padre finalmente admitiu fazer o batismo, mas
só se a criança, na certidão batismal, passasse a se chamar Janaína Maria, o que foi feito”. Em nota de rodapé (83)
Janaína Amado destacou: “A iniciativa do batismo foi dos avós maternos, contrariando a decisão de Jacinta e
James, que não queriam a filha batizada.” AMADO, Janaína. Op. Cit. p. 380.
560
Consideramos válida a parcial publicada no dia 31 de janeiro, pois o resultado final não alterou a ordem de
classificação dos candidatos mais votados, a saber: Giocondo Dias e Jaime Maciel. Na parcial do dia 31 de janeiro
os candidatos aparecem assim classificados: Giocondo Dias (1192 votos); Jaime Maciel (584 votos); Mario Alves
(425 votos); João dos Passos (406 votos); Vitório Pita (323 votos); Saul Rosas (277 votos); José Ferreira Filho
(257 votos); Eusinio Lavigne (212 votos); Esteliano França (202 votos); Lourival Nascimento (179 votos); Jaime
Moura (174 votos); Martins Luz (160 votos); Valter da Silveira (148 votos); Cosme Ferreira (142 votos); Almir
Matos (130 votos); Egberto Leite (113 votos); Demerval Araújo (108 votos); Aloísio Aguiar (104 votos); Aristeu
Nogueira (81 votos); Bernadete Santos (88 votos); Demócrito Carvalho (84 votos); Ana Montenegro (73 votos);
Rubem Chagas (68 votos); Paulo Muniz (66 votos); Valdir Oliveira (66 votos); Antônio Rosa (65 votos); Vale
Cabral (61 votos); João Falcão (48 votos); Sebastião Oliveira (42 votos); Nelson Scham (39 votos); Juvencio
Guefes (37 votos); J. Ferreira Gomes (29 votos); João Cardoso (27 votos); Lourival Lemos (27 votos); Benedito
154
Não temos meios que possibilitem explicar o resultado. Os votos destinados à operária
Bernadete Santos podem estar relacionados a uma campanha feita longe das páginas do jornal.
Ela trabalhava em uma indústria fumageira, no Recôncavo baiano. Em sua região o partido
pode ter empreendido uma campanha local que não foi divulgada em O Momento.
No final do pleito, o PCB não conseguiu atingir a meta de 41 mil votos, estabelecida na
campanha. Obteve um total de 12.580, representando aproximadamente 31% a menos do
pretendido. Embora não tenham atingido a meta, conseguiram eleger na Bahia dois deputados
estaduais: Giocondo Dias (1.904 votos) e Jaime Maciel (1.774 votos). Para governador venceu
Otávio Mangabeira (211.121 votos), candidato apoiado pelo partido.561 Nenhuma mulher foi
eleita, nem pelo PCB, nem pelos demais partidos.562
Nascimento (25 votos); Clarindo F. de Souza (24 votos); Antônio Marques (23 votos); Ariston Andrade (21 votos);
Fernando Santana (21 votos); Aurélio Rocha (20 votos); Albertino Barreto (18 votos); Pedro Batista (18 votos);
Carmosina Nogueira (16 votos); Maria Lopes (15 votos); Ferreira Santos (13 votos); Antônio de Souza (12 votos);
Dagmar Guedes (10 votos); Emídio Vilela (9 votos); Otávio Cotrin (8 votos); Jeová Macedo (7 votos); João
Moreira (6 votos); Oscar Pereira (5 votos); Jacinta Passos (4 votos); Edilberto Amaral (3 votos) Sampaio Neto (2
votos); D. Martins (1 voto); José Maria Rodrigues (1 voto); Juvenal Souto Jr. (1 voto). A VOTAÇÃO dos
candidatos da Chapa Popular. O Momento, Salvador, 31 jan. 1947. p. 1.
561
SERRA, Sônia. Op. Cit. p. 56.
562
Nas eleições de 1947 sete mulheres concorreram à uma cadeira na Câmara Federal. Seis pelo PCB e 1 por outro
partido, no qual, não sabemos precisar. Ao analisar a participação feminina na política baiana, Nelson de Sousa
Sampaio nos informou apenas os números, não mencionando as legendas partidárias. SAMPAIO, Nelson de Sousa.
Op. Cit. p. 101.
563
INSTALA-SE, hoje, a Convenção Feminina. O Momento, Salvador, 22 mar. 1949. p. 1.
564
As informações foram extraídas das seguintes matérias: A COMISSÃO Feminina Pró-Paz dirige-se as mulheres
baianas. O Momento, Salvador, 19 mar. 1949, p. 2; INSTALA-Se terça-feira a Convenção Feminina. O Momento,
Salvador, 20 de mar. 1949. p. 1; INSTALA-SE, hoje, a Convenção Feminina. O Momento, 22 mar. 1949. p. 1.
155
Diante da iminência de uma terceira guerra mundial foi desencadeado em várias países
um movimento pela paz, em que muitas mulheres participaram ativamente. No Brasil não foi
diferente. A convenção feminina pela paz realizada na Bahia refletiu uma tendência de caráter
internacional. Existia uma Federação Democrática Internacional de Mulheres e parte das
comunistas brasileiras estavam vinculadas a ela. O Momento Feminino publicou um manifesto
da referida organização, em saudação ao 08 de Março, conclamando à luta contra a possível
guerra. “Mulheres do mundo inteiro, irmãs de luta! Formemos com as outras organizações
democráticas do mundo uma frente única, homogênea contra os instigadores da guerra,
inimigos da humanidade! Levantemo-nos, todas unidas, para defender a paz.”568
565
INSTALA-SE, hoje, a Convenção Feminina. O Momento, Salvador, 22 mar. 1949. p. 1. Não sabemos se os
governantes convidados, e suas respectivas esposas, compareceram ao evento.
566
AS MULHERES baianas defendem a paz. O Momento, Salvador, 16 mar. 1949. p. 4; O POVO baiano luta pela
paz. O Momento, Salvador, 19 mar. 1949. p. 1.
567
Ibid.
568
A FEDERAÇÃO Democrática Internacional de Mulheres. Momento Feminino, Rio de Janeiro, mar. 1949. p.
2.
156
Neste contexto, os ataques anticomunistas eram constantes. Não foi fácil para o partido
manter-se na disputa política. Mas as mulheres continuaram contribuindo para a construção de
um ideal e para a luta por uma sociedade menos desigual. A 1ª Convenção Municipal da Bahia
Pró-Paz é um exemplo de mobilização. Ao que parece, o evento só foi divulgado pelo periódico
O Momento. Os jornais de grande circulação consultados sequer mencionaram em nota,
provavelmente por estarem de acordo que o movimento pró-paz era protagonizado por
comunistas.570
569
É COMUNISTA o congresso pela paz. A Tarde, Salvador, 07 abr. 1949. p. 2.
570
Foram consultados: A Tarde, Estado da Bahia, Diário da Bahia e Diário de Notícias. Consultamos os meses
de abril e maio de 1949.
571
INSTALA-SE, hoje, a Convenção Feminina. Op. Cit.
572
A COMISSÃO Feminina pró-paz dirige-se às mulheres baianas. O Momento, Salvador, 19 mar. 1949. p. 2.
573
Ibid.
574
INSTALA-SE, a 22, a Convenção Feminina. O Momento, Salvador, 17 mar. 1949. p. 1.
157
Sob crescente entusiasmo dos presentes, os escritores Walter da Silveira e João Palma
Neto e o prof. Henrique de Miranda, que pronunciou vibrante discurso. Discursaram,
ainda, a prof. Consuelo Dantas, presidente da Convenção, Luiza Martins, professora
e acadêmica e a poetisa Wandy Barbosa, que declamou poema de J. G. de Araújo
Jorge.578
575
INATALOU-SE a Convenção feminina. O Momento, Salvador, 23 mar. 1949. p. 1.
576
INSTALA-SE, hoje, a Convenção Feminina. Op. Cit.
577
INATALOU-SE a Convenção feminina. Op. Cit.
578
Ibid.
579
FEDERAÇÃO das Mulheres Baianas. O Momento, Salvador, 25 mar. 1949. p. 1.
580
Ibid.
158
escola e de chafarizes em seu bairro.”581 Já Alaíde Alves de Moraes, “falou sobre os inúmeros
problemas das mulheres do pilar, e várias outras oradoras, todas entusiasticamente
aplaudidas.”582
Como alternativa para tentar solucionar os problemas mais sentidos pelas baianas, foi
proposta a criação de uma comissão, que reunisse todas as associações femininas da Bahia,
destinada a criar a Federação das Mulheres Baianas. A nova organização “trabalharia pela
solução dos problemas das mulheres da Bahia.”583
581
Ibid.
582
Ibid.
583
Ibid.
584
1ª CONVENÇÃO Feminina do Distrito Federal. O Momento, Salvador, 06 mar. 1949, p. 3.
585
CONVENÇÃO Feminina do Distrito Federal. Momento Feminino, Rio de Janeiro, mar. 1949. p. 3.
586
PROCLAMAÇÃO da Primeira Convenção Feminina a todas as mulheres. O Momento, Salvador, 13 abr. 1949.
p. 4.
159
Na Bahia, como vimos, realizou-se uma convenção para discutir os problemas inerentes
às mulheres baianas. Após o evento elaborou-se um relatório que foi apresentado na
Conferência Nacional. As delegadas baianas, a professora Helena Almeida e a operária Anísia
Alves, foram escolhidas em uma reunião da Associação Feminina Pró-Paz, realizada no dia 22
de abril, na Associação dos Empregados no Comércio.590
Nas teses apresentadas pelas mulheres do Ceará, constata-se que trabalham ali, no
comércio, mais de 3.000 mulheres, que há condutoras de ônibus, tecedeiras de palha
587
ALAMBERT, Zuleika. Um congresso de Mulheres pela paz e bem-estar. O Momento, Salvador, 20 mai. 1949.
p. 5.
588
Ibid.
589
Ibid.
590
DELEGADAS da Bahia ao Congresso Feminino. O Momento, Salvador, 23 abr. 1949. p. 1.
160
O relatório apresentado pelas mulheres da Bahia “fala dos salários baixos, na vida cara,
nas 12 organizações femininas ali existentes e que não estão ainda ao nível da realidade
baiana.”593 Além destas questões, destacou que a mortalidade infantil na Bahia atingia
“proporções alarmantes, e nos 150 municípios existe um número reduzidíssimo de escolas.”594
Mencionou o problema dos latifúndios e o regime do “vale” que deixava a classe trabalhadora
em perpétua dívida. Em seguida denunciaram:
Em São Salvador, apenas 30% das casas estão ligadas às redes de esgoto. Só há uma
maternidade para atender uma população de 400.000 habitantes. Em 2 milhões de
habitantes de todo Estado, apenas 234.000 mulheres sabem ler. A taxa de
analfabetismo é de 75%. O salário mínimo é de Cr$ 12,00 diários na indústria urbana
e Cr$ 9,60 no interior.595
Além dos relatórios apresentados pelas mulheres do Ceará e da Bahia, foram analisados
os documentos de outros Estados presentes no evento, como Rio de Janeiro, Amazonas, Espírito
Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e São Paulo. A partir
deles constatou-se que as mulheres das mais variadas regiões do país atravessavam problemas
como: alto do custo de vida, falta de escolas, saúde precária, salários baixíssimos, transportes
precários, mortalidade infantil, falta de assistência à saúde, falta de independência econômica,
entre outros.596
591
CONFERÊNCIA Nacional Feminina. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 20 mai. 1949. p. 4.
592
Ibid.
593
Ibid.
594
Ibid.
595
NOSSO Congresso. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 30 jun. 1949. p. 3.
596
Ibid.
597
Ibid.
161
Entre 1946 e 1949 parte das mulheres brasileiras trabalhou intensamente em prol da
construção de um movimento feminino nacional e unificado, culminando no nascimento da
Federação de Mulheres do Brasil. O jornal foi um dos veículos utilizados na construção do
projeto político feminista defendido pelas mulheres da FMB, muitas delas filiadas ao Partido
Comunista do Brasil.
598
Ibid.
599
MOBILIZAM-SE as mulheres do mundo inteiro na luta contra a guerra. O Momento, Salvador, 12 abr. p. 3.
162
Algumas defenderam que a luta precisava ser feita em etapas. Primeiro deveriam
resolver os problemas considerados mais urgentes, os de classe, depois aqueles ligados às
diferenças sexuais. Apesar disso não deixaram de realçar a necessidade de destruir as amarras
opressoras que limitavam os espaços políticos, econômicos e sociais das mulheres,
independentemente da classe social que pertenciam.
Concordando com Roger Chartier, consideramos os textos ficcionais como meios que
nos põe em relação com o passado. A literatura informa sobre o real sem a pretensão de
representa-lo fidedignamente. Apesar disso, apresenta fortes representações do passado, pois
são capazes de “produzir, moldar e organizar a experiência coletiva mental e física.”600
600
CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Tradução: Cristina Antunes. Autêntica: Belo Horizonte,
2010. p. 24-25.
163
antes de mais nada um produto artístico, destinado a agradar e a comover; mas como se pode
imaginar uma árvore sem raízes, ou como pode a qualidade dos seus frutos não depender das
características do solo, da natureza do clima e das condições ambientais?”601
Com base neste pondo de vista, no próximo capítulo evidenciaremos como a escritora
Alina Paim expressou suas sensibilidades e como representou suas aspirações, especialmente
em relação à libertação das mulheres. Buscaremos em Alina Paim a expressão das tensões de
uma mulher insatisfeita com a ordem das coisas e com o lugar social comumente ocupado pelas
mulheres. Esperamos nos aproximar das expectativas sociais da autora, procurando entender a
maneira como ela representou sua realidade e como imaginou a sociedade ideal. A análise será
feita no capítulo seguinte.
601
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. 3 ed.
São Paulo: Brasilense, 1989. p. 20.
602
Ibid.
603
Ibid. p. 20-21.
164
Na cidade de Simão Dias Alina Leite fez os estudos preliminares na Escola Menino
Jesus e no Grupo Escolar Fausto Cardoso, onde recebeu educação religiosa. Em 1932 mudou-
se para Salvador, pois foi aprovada, com distinção, no primeiro ano do curso fundamental do
Colégio Nossa Senhora da Soledade, localizado no bairro da Lapinha. Lá, permaneceu como
aluna interna até 1937, quando se formou professora.
604
Certidão de Óbito de Alina Leite Paim, nº 062000155 2011 4 00108 22 0032362 27. Documento consultado no
acervo particular do pesquisador Gilfrancisco.
605
As informações biográficas foram extraídas da segunda edição do romance Simão Dias, que apresenta os dados
biográficos da autora. PAIM, Alina. Simão Dias. 2 ed. Rio de Janeiro/Brasília: Cátedra/INL, 1979. Além dele,
consultamos: COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: (1711-2001). São Paulo:
Escrituras, 2002. p. 39; GILFRANCISCO. A romancista Alina Paim. Aracaju: GFS, 2008.
606
GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 32.
165
após o rompimento do noivado com Djalma Batista. Natural do Acre, Djalma Batista era
estudante da Faculdade de Medicina da Bahia quando Alina Leite o conheceu. Em 1939 ele se
formou, retornando para a sua terra natal. Prometeu buscá-la, mas a promessa não foi cumprida.
Alina Paim lembrou que em uma segunda-feira abriu uma carta em que o médico liquidava o
noivado. A justificativa era o bem-estar de ambos, “pois havia em ambas as famílias casos de
doença mental.”607 De acordo com os conhecimentos médicos mais comuns à época, o fato
poderia gerar riscos à sanidade mental dos futuros filhos.
Isso me causou um mal enorme, não conseguia dizer a ninguém, nem no convento,
nem na escola pública onde ensinava. [...] Resolvi que só tinha um caminho, me matar.
[...] Engoli cinquenta e oito comprimidos às 10 horas e senti muito sono e escutei as
cinco pancadas do almoço e pensei: não morri, tinha que ir almoçar. [...] Levantei com
o raciocínio virado, tonto, ouvi o barulho das pessoas descendo para o refeitório. [...]
Quando cheguei à mesa todo mundo estava de pé, 35 a 40 pessoas, e eu disse: estão
olhando pra mim, ainda não viram nada, mas vão ver agora. Puxei a toalha da mesa e
vi os pratos quebrando, comida caindo, os vigias me seguraram, levando-me num
carro.608
Após o episódio, encaminharam-na para uma casa de saúde, em seguida para Hospital
Juliano Moreira, antigo Asylo de São João de Deus, localizado na capital baiana, onde
permaneceu por cerca de três meses.609 Alina Paim afirmou que ficou em um quarto onde havia
uma cama branca, colchão e travesseiro revestidos de plástico, sem cobertor. “Era grande o
quarto e não tinha mais nada. Ao fundo uma banheira, um bidê, um vaso sanitário e uma pia,
uma espécie de veneziana pintada e bem conservada, de cor verde, achei estranho, me deitei e
fiquei sossegada, me controlei para não chorar.”610 Foi neste ambiente hostil que conheceu
Isaías Paim (1909-2004). Ele estava no quarto ano do curso de medicina. “Foi mandado pelo
médico, era residente e o diretor gostava muito dele e ajudava-o.”611 A partir dali começaram a
namorar e no dia 08 de janeiro de 1943 casaram-se. “Um casamento simples e três dias depois
já estava com a passagem comprada para morar no Rio de Janeiro.”612
607
Ibid. p. 35-36.
608
Ibid.
609
Para mais informações sobre o Asilo São João de Deus e das concepções de loucura correntes na época
consultar: RIOS, Venetia Durando Braga. O Asylo de São João de Deus: as faces da loucura. Tese de Doutorado.
Programa de Pós-Graduação em História Social, PUC, São Paulo, 2006. Disponível em: <
http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4274 > Acesso em: 15 mar. 2015.
610
Ibid. p. 36.
611
Ibid. p. 37.
612
Ibid.
166
Depois do consórcio, a vida de Alina Andrade Leite, agora Alina Leite Paim, passou
por mudanças significativas. No Rio de Janeiro, à época Distrito Federal, emergiu no cenário
literário e político brasileiro, construindo uma trajetória político-intelectual expressiva. Sua
carreira literária teve início em 1944 com a publicação do romance Estrada da Liberdade, que
pode ser caracterizado como uma autobiografia romanceada. Já o ingresso na política formal
iniciou-se oficialmente em 1945, quando se filiou ao Partido Comunista do Brasil, seção Rio
de Janeiro. Fez parte da célula Estivador Santana e foi membro do Departamento Feminino do
Comitê Democrático Botafogo-Lagoa.613 Os indícios atestam que ela já simpatizava com o
ideário comunista antes de se filiar ao PCB, como veremos mais adiante.
613
Recrutamento para o Partido Comunista do Brasil. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, Fundo Polícia
Política; Série comunismo, notação 2-A, maço 03. fls. 104.
614
AMADO, Jorge. Prefácio. In: PAIM, Alina. Sol do Meio Dia. Rio de Janeiro: ABL, 1961. Apud.
GILFRANCISCO, Op. Cit. p. 59.
615
CARDOSO, Ana Leal. Alina Paim: uma romancista esquecida nos labirintos do tempo. Aletria: Revista de
Estudos de Literatura. Minas Gerais, vol. 20, nº 2, 2010. Disponível em:
<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/1535. 127-129>. 12 nov. 2013.
616
Ibid. p. 128.
617
AMADO, Jorge. Op. Cit. p. 59.
167
que a experiência foi muito interessante. “Eu queria ver se descobria o segredo de escrever uma
coisa e vê-la existir só através da palavra.”618
Em 21 de abril de 1946 recebeu das mãos de Luiz Carlos Prestes, no Teatro Ginástico,
carnet de membro do PCB.619 Neste mesmo ano, foi signatária de um telegrama de protesto
contra o empastelamento do Tribuna Popular, enviado a Eurico Gaspar Dutra.620
Em 1947 fez parte do grupo de intelectuais que homenageou Castro Alves em seu
centenário, assinando um documento de afirmação da fé patriótica e o serviço ao povo. Na
ocasião, foi eleita segunda-secretária da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), para o
biênio 1947-1948, ao lado de Guilherme Figueiredo, presidente; Rodrigo Octávio Filho, vice
presidente; Astrojildo Pereira, primeiro secretário; Floriano Gonçalves, tesoureiro; Octávio
Tarquínio de Sousa; Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Graciliano Ramos e Orígenes Lessa,
membros do Conselho Fiscal.621
618
PAIM, Alina. Entrevista concedida a Gilfrancisco em 2008. GILFRANCISCO, Op. Cit. p. 39.
619
Prontuário Alina Leite Paim (Solicitação de antecedentes para viagem à Itália, França Suíça e Inglaterra.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Prontuário nº 45.289, fundo: DPS, fls. 2; HOMENAGEM do Partido
Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular, 21 abr. 1946. p. 1.
620
Prontuário Alina Leite Paim. Op. Cit.
621
TEM nova diretoria a ABDE, Tribuna Popular, Rio de Janeiro, 23. mar. 1947. p. 1.
622
MORAES, Eneida Costa de. A mulher no Congresso Brasileiro de Escritores. Momento Feminino, Rio de
Janeiro, 24 out. 1947. p. 8-9.
623
Prontuário Alina Leite Paim. Op. Cit.
624
IIIº CONGRESSO Brasileiro de Escritores. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 02 mai. 1950, p. 4.
625
CARDOSO, Ana Maria Leal. Op. Cit. p. 126.
168
A trajetória de Alina Paim nos indica que ela se relacionava com intelectuais influentes
e foi prestigiada por seus pares, apesar de ter sido esquecida a posteriori. De acordo com o
escritor Jorge Amado (1912-2001)631,
Alina Paim é um nome que dispensa toda e qualquer apresentação. Não só o público
brasileiro há muito a consagrou como um dos nossos melhores romancistas: também
fora do Brasil sua obra tem repercutido com sucesso, em traduções que levaram seus
personagens até as distantes plagas das línguas russa e chinesa. Entre os prosadores
surgidos em 1945, geração das mais significativas, seu nome é estrela de primeira
Grandeza.632
626
PAIM, Alina. CONTO de Alina Paim, Momento Feminino, Rio de Janeiro, 01 ago. 1947; ___________. A
Casa, Momento Feminino, Rio de Janeiro, 01 mai., 1950, p. 4; ______________. A outra lição. Momento
Feminino, Rio de Janeiro, fev., 1951, p. 4;
627
PAIM, Alina. Capítulo de romance. Leitura, Rio de Janeiro, nº 4. 1947.
628
“‘Esfera’, que obedece à direção de Silvia Leon Chalreo e tem como secretária Maura de Sena Pereira [...] traz
farta colaboração, incluindo contos, ensaios, poemas, crítica, etc., com páginas assinadas por Eliezer Buriá, Jorge
de Lima, Alina Paim, Maria Jacintha, Dalcídio Jurandir, [...]” ‘ESFERA’. Tribuna Popular, Rio de janeiro, 10
dez. 1946. p. 3.
629
MORAES, Dênis. Op. Cit. p. 160-168.
630
NOSSA solidariedade a Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, abr. 1951. p. 7; A ORDEM de prisão
contra Alina Paim. Voz Operária, Rio de Janeiro, 07 abr. 1951. p. 3.
631
Natural de Itabuna, município do Sul da Bahia, Jorge Amado foi militante do PCB. Iniciou a militância na
década de 1930. Em 1945 foi eleito membro da Assembleia Nacional Constituinte, pela legenda do partido. Foi o
deputado mais votado do Estado de São Paulo. Informações extraídas da página digital da Fundação Casa de Jorge
Amado. Disponível em: < http://www.jorgeamado.org.br/ > Acesso em: 15 jan. 2015.
632
AMADO, Jorge. Op. Cit.
169
Com Alina Paim aconteceu o que poucas vezes tem ocorrido nos Anais da literatura
brasileira: o caso da escritora jovem, ainda no período dos exercícios preliminares da
criação literária, traçar decididamente seu caminho, ciente de sua vocação e disposta
a não fugir da trilha. E não foi por um terreno de fácil semeadura que a mocinha de
Estância optou: foi pelo romance. Embora a vida não lhe houvesse dado tempo para
juntar o necessário capital de experiência e observação que é, afinal, capital de giro
para todo romancista.633
Alina Paim chegou aqui [Rio de Janeiro] há quatro anos, tímida, novinha, com jeito
de freira à paisana. O romance que nos deu pouco depois não revelava nenhuma
timidez e, logo nas primeiras folhas, desmentia a aparência religiosa. Exibia até muita
coragem, dava às coisas o nome verdadeiro, sem respeito exagerado às conveniências.
A estreia, recebida com louvores, jogou a moça na Literatura.634
Após o sucesso da estreia, Alina Paim publicou mais alguns romances. Ao longo de sua
carreira foram dez, a saber, Estrada da Liberdade (1944); Simão Dias (1949); A Sobra do
Patriarca (1950); A hora próxima (1955); Sol do meio-dia (1961); a trilogia de Catarina (1965),
composta por: O sino e a rosa, A Chave do Mundo e O Círculo; A sétima vez (1975) e A
Correnteza (1979). A romancista também publicou cinco livros destinados ao público infantil,
são eles: O lenço encantado (1962); A casa da coruja verde (1962); Luzbela vestida de cigana
(1963); Flocos de algodão (1966) e o Chapéu do professor (1966).
Dois de seus romances foram editados fora do país: A Hora Próxima (editado na Rússia
em 1957 e na China em 1959) e Sol do meio-dia (editado na Bulgária em 1963 e na Alemanha
em 1968). Em 1962, a obra Sol do meio-dia, ganhou o prêmio Manoel Antônio de Almeida, da
633
CAVALCANTI, Valdemar. Apresentação. In: PAIM, Alina. A correnteza. Rio de Janeiro: Record, 1979. Uma
cópia do texto foi publicada em GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 61.
634
RAMOS, Graciliano. Apresentação. In: PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Editora da casa do Estudante
do Brasil, 1949.
635
CAVALCANTI, Valdemar. Op. Cit.
170
Associação Brasileira do Livro. A trilogia de Catarina, por sua vez, recebeu o prêmio Especial
Walmap, em 1965, no IV Centenário do Rio de Janeiro.636
Alina Paim, mais especificamente, escolheu o romance para narrar suas experiências,
inscrevendo-se publicamente. Procuraremos compreender como ela percebeu o mundo que a
cercava e que fatos escolheu registrar. Analisaremos as imagens que construiu sobre si e sobre
as relações sociais, principalmente as de gênero.
Entendemos que nos dois romances ela praticou o que Margareth Rago chama de
“escrita de si”, leia-se, a maneira pelas quais os indivíduos se elaboram nos marcos de uma
atividade que é essencialmente ética. O exercício se constitui em uma prática de liberdade em
que há certo rompimento com as práticas disciplinares. Ao contrário dos discursos
confessionais, na “escrita de si” há um trabalho de construção subjetiva na experiência da
escrita. Neste processo, abre-se a possibilidade do devir, de ser outro. Neste sentido, a “escrita
de si” é uma importante chave analítica para pensarmos as práticas de resistência nas narrativas
de mulheres que se recusaram a ser governadas.638
636
MELO, Barbosa. A professorinha de Estância já tem história literária. Leitura, Rio de Janeiro, n. 37, 1960.
Apud. GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 57-58; AMADO, Jorge. Op. Cit.
637
RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções de subjetividade.
Campinas: Editora da Unicamp, 2013. p. 32.
638
Ibid. p. 50-55.
171
Nos termos de hoje, Alina Paim foi uma autêntica feminista. Ela se engajou na luta de
libertação das mulheres, questionando veementemente os modos de ser ditados pela lógica
masculina. Seus romances trazem as marcas de seu feminismo. Nossa preocupação central é
compreender como Alina Paim percebia a feminilidade. Paralelamente, analisaremos como a
autora se apropriou do ideário comunista na análise dos problemas sociais, especialmente os de
gênero.
Acreditamos que as representações elaboradas por ela nos aproximam dos pensamentos
da sociedade brasileira no início do século XX. Enxergaremos esta realidade com os olhos de
uma mulher insatisfeita com a ordem das coisas. Uma mulher comunista. Em que pese a
insatisfação, Alina Paim estava inserida em contexto específico e, mesmo não concordando
com o modelo social hegemônico, não deixou de receber as influências sociais, políticas e
culturais próprias de seu tempo e espaço. Demonstraremos como a autora percebia a sociedade
e como pensava os problemas sociais, sem perder de vista a dimensão das contradições
inerentes aos sujeitos e aos processos históricos.
639
MORAIS, Santos. Na Estrada da Liberdade. O Momento, Salvador, 16 abr. 1945. p. 5. Também pode ser
consultado em: GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 47-48.
172
Quase dois meses depois, na edição de 11 de junho, o jornal publicou outra matéria
sobre o romance, “Um livro de Combate”, assinada por Reginaldo Guimarães, que asseverou:
O maior elogio, talvez, que se possa fazer ao livro Estrada da Liberdade, de Alina
Paim, é o da originalidade. Seu romance foge a tudo que se tem escrito entre nós, no
domínio da ficção. Ninguém até hoje escreveu sobre o ambiente que ela nos mostrou
tão a nu, escandalosamente vivo, numa sinceridade de estreante, sem os tiques da
técnica apurada e bem acabadinha. Têm se escrito sobre a seca, sobre o cangaço, as
fazendas de cacau e de café, tem-se feito romance psicológico, mas, ninguém, até hoje
penetrou numa escola de freiras para filmar suas cenas, suas dores, suas maldades,
toda essa coisa que vive por detrás do pano e que é a verdadeira tragicomédia que o
público não têm o direito de ver. E Alina Paim faz isso com muita felicidade. Vê-se
que não cria as histórias, não inventa, não tem preocupação de atitudes marcadas, de
que todo o mundo veja que é ela quem está dizendo aquilo. Pelo contrário, mostra-
nos apenas, com o coração revoltado pelas injustiças sociais e pela miséria econômica,
como se contasse para uma pessoa amiga aquilo que viu e ouviu. É mais uma
recuperação de tanto tempo perdido. Ela quer orientar aqueles que ainda não
conhecem e continuam a trilhar o caminho errado da educação artificial e falsa como
passarinhos que saltitam, inadvertidamente, enquanto serpentes gulosas os
espreitam.640
As descrições do romance revelam que o livro foi bem recebido pelo PCB, que o
concebeu como um instrumento de orientação política. “Ela [Alina Paim] quer orientar aqueles
que ainda não conhecem e continuam a trilhar o caminho errado da educação artificial e falsa
[...]”641
Ao narrar sua vida nas páginas de um romance, Alina Paim o fez sem perder a dimensão
política. Em sua narrativa denunciou as mazelas que assolavam a sociedade do período. A
denúncia possuía um caráter educativo. Constantemente a narradora procurou explicar as
causas das injustiças sociais, apontando o caminho que considerava ideal na construção de um
mundo sem desigualdades sociais, qual seja, a luta contra a ordem burguesa.
O manuscrito de Estrada da Liberdade, escrito por volta de 1943, foi revisado por
Graciliano Ramos. O famoso literato brasileiro constatou que dali podia surgir um bom
romance, desde que a autora o melhorasse tecnicamente. Iniciaram-se, então, as aulas de
técnicas literárias.642 Em 1944 o romance foi publicado pela editora Leitura, localizada no Rio
de Janeiro e dirigida por José Barbosa de Mello, membro do PCB. Ele traz as marcas de uma
época e de um grupo específico, o Partido Comunista do Brasil.
640
GUIMARÃES, Reginaldo. Um Livro de Combate. O Momento, Salvador, 11 jun. 1945, p. 5. Também pode ser
consultado em: GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 49-50.
641
Ibid.
642
CARDOSO, Ana Leal. Op. Cit. p. 127.
173
643
PAIM, Alina. Estrada da Liberdade. Rio de Janeiro: Leitura, 1944.
644
GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 36. A informação sobre a escola na qual Alina Paim ensinou após o concurso
está presente em: Diário Oficial da Bahia. 08 mai. 1938; 19 mai.,1938.
645
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 23.
174
a vida de Marina se entrecruza com a de Alina Paim, que também foi aprovada com 9,33 pontos
no concurso público para professora estadual, realizado em 1938.646
Os dados nos permitem notar que as trajetórias da escritora e da personagem se
entrecruzam. Mas, como nos lembrou Antônio Cândido, as substâncias que compõem uma
personagem não se relacionam diretamente com o mundo empírico, pois toda personagem de
romance é um ser fictício. O mundo fictício ou mimético, frequentemente, reflete momentos
selecionados e transfigurados da realidade empírica, exterior à obra.647
646
SECRETARIA da Educação, Saúde e Assistência Pública. Diário Oficial da Bahia. 19 mai., 1938.
647
CÂNDIDO, Antônio; et. al. A personagem de ficção. 5ª ed. São Paulo: perspectiva, 1976. p. 15.
648
Ibid. p. 45-46.
175
frequentados por Marina; a escola, representada pela Almirante Barroso e pela escola do
convento e a religião, representada pelo convento e pelas freiras. A forma de organização destas
instituições sempre esteve no foco das discussões comunistas.649 Alina Paim, através do
romance, esboçou representações variadas sobre elas, sempre mantendo uma postura crítica.
Marina passou boa parte de sua vida no Convento, saindo de lá aos dezoito anos. Ao
deixar a clausura, a jovem passou a ensinar na escola onde estudou, ao mesmo tempo em que
foi apresentada a um mundo que ela desconhecia. Seu primeiro choque com a realidade se deu
no momento em que recebeu seu primeiro salário, após um mês de trabalho.
Era terça-feira, 30 de março. Ia receber o primeiro dinheiro. Quanto seria? Fora uma
tolice aceitar a classe e ensinar sem saber quanto ia ganhar. [...] Quanto seria? Não
poderia ser menos de duzentos, dava diariamente três horas aula. [...] Marina foi à
secretaria e tomou a caderneta. [...] Desejou que Madre Tereza aparecesse... É ela
quem paga. Imaginou a cena:
– D. Marina, seu dinheiro.
Não. Ela não diria assim, refletiu. Está muito bruto. Dinheiro. É muito material,
grosseiro.
– D. Marina, seus vencimentos.
Desistiu porque não podia imaginar.650
Depois de horas de espera imaginando como e quanto seria o seu pagamento, no final
do expediente Madre Tereza se direcionou a Marina para pagar-lhe o salário.
– Marina, a correspondência.
Um sorrisinho de compreensão. Marina tomou o envelope e, mesmo sem olhar,
colocou-o dentro do livro. [...] “Quanto seria?” esta pergunta martelava em seu
cérebro.651
Ansiosa, Marina foi para casa. No trajeto fez inúmeros planos. Com o ordenado
pretendia comprar coisas que lhe faltavam. “Precisava de muita coisa. Não tinha roupa
suficiente, o sapato de camurça estava ruço. Precisava de uma capa, de uma sombrinha e de
uma pasta. [...] Se sobrasse algum dinheiro compraria uns livros na editora.”652
Ao chegar em casa, se dirigiu ao quarto para verificar quanto havia recebido. Logo veio
a decepção. “No envelope branco havia somente cento e vinte cruzeiros. Era tudo que a
correspondência trazia.”653 O que daria para comprar com um salário tão irrisório?
649
Uma análise pormenorizada sobre o debate pode ser encontrada em: GOLDMAN, Wendy. Op. Cit.
650
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 8-9.
651
Ibid. p. 10.
652
Ibid.
653
Ibid. p. 11
176
Pretendia comprar três metros de tecido. Pechinchou mas não teve jeito. O funcionário
não aceitou vender o metro a menos de dezoito cruzeiros. “Marina saiu da loja e enquanto
andava ia culpando o empregado de todos os seus aborrecimentos.”654 Resolveu comprar um
sapato azul marinho que lhe custou setenta cruzeiros. Após a compra ficou de mau humor. Com
o salário que recebeu não pôde comprar tudo que julgava necessário. Mesmo assim resolveu
que compraria um livro. O livro escolhido foi A Questão Sexual, de Augusto Forel.
Marina sentiu, no rosto, um calor estranho. Diante do título que acabava de ler os
pensamentos amontoavam-se em seu cérebro e as recordações do Convento sucediam-
se vertiginosamente. “Sexo. Pecado da carne. Imoralidade” [...] Reviu a Madre
Superiora na conferência dos sábados repetindo: “O sexto mandamento: Guardar
castidade. Longe do pensamento toda a impureza, o inferno está cheio de impuros. O
pecado da luxúria”. Pensava naquele tempo que a luxúria estava ligada ao luxo, à
riqueza. Luxúria. Depois, com a continuação fora entendendo que deveria ser alguma
coisa horrível, vergonhosa. Noutra ocasião, a superiora dissera: “Minhas filhas
comecemos, de cedo, a reprimir a carne, nas pequenas coisas. Por exemplo: ser casta
no próprio banho, não demorar a vista em certas partes do corpo”. Sexo. Naquele livro
devia haver muito do que ela não sabia. Sentiu, novamente, o calor do rosto. Nasceu
a ideia de comprar o livro.655
Por que as freiras não falavam de sexo com franqueza e naturalidade? “Agora ela,
Marina, ia saber de tudo, não tinha dúvidas, não passaria mais vergonha como no caso da
circuncisão.”656 Lembrou-se do episódio ocorrido em um almoço de domingo na casa da
madrinha Edite, onde morava. Humberto, estudante de medicina e amigo de seu Augusto,
começou a atacar a religião e a mostrar seus conhecimentos. Em meio ao diálogo perguntou a
Marina se ela sabia o que era circuncisão. Lembrando-se do que havia aprendido no convento,
a jovem respondeu positivamente e explicou que circuncisão correspondia a um talho que os
judeus faziam no braço esquerdo dos meninos. Diante da resposta, ele deu uma gargalhada e
sugeriu que Marina consultasse um livro de ciências, deixando a jovem extremamente
constrangida.657 Após a vergonha resolveu seguir os conselhos de Humberto.
Sozinha, cercada pelo silêncio que reinava no sótão, Marina teve a impressão que ia
cometer uma ação vergonhosa lendo aquele livro. Mas precisava saber de tudo, todo
mundo sabia... Era uma professora, devia ser uma moça de experiência. [...] Era
absorvente, novo. O problema era encarado de maneira diferente. Não encontrou um
só nome feio. [...] Marina lia. Estava tão interessada que não ouviu os passos da
madrinha e de seu Augusto que subiam a escada do Sótão para se deitarem.
– Marina, apague a luz. São nove e meia. Este mês pagamos dezenove cruzeiros à
circular.658
654
Ibid.
655
Ibid. p. 12.
656
Ibid. p. 19.
657
Ibid. p. 19-20.
658
Ibid. p. 17.
177
Marina sentiu vontade de levar o livro novo para o convento e mostrar a Irmã Luzia o
nome dos capítulos.659 “A freira passaria momentos de suplícios. Seria capaz de ter um ataque
e morrer, de tão vermelha, de tão perturbada. Isso não era pureza, era malícia. Por que
escondiam esses fatos da vida? Se era impureza, por que Deus os havia criado?”660
A proporção que ia lendo, descobria que no sexo não havia nada de malicioso. O autor
escrevia com naturalidade, de maneira simples.
Da divisão das células foi explicando os órgãos sexuais, depois a função. Olhava o
assunto de frente, não fazia rodeios, nem dizia histórias com meias palavras. Tudo era
claro. [...] Como eram simples as coisas olhadas assim! Se a pessoa não se
envergonhava da mão, do nariz, por que se envergonhar dos seios, dos órgãos sexuais?
[...] Em vez de “certas partes do corpo”, chamava o nome verdadeiro, sem
constrangimento. O tal mistério era a reprodução. Não era horrível. O professor do
livro levava-a através da ciência e tudo se tornava natural. [...] Por que as freiras
escondiam? Podiam perfeitamente ensinar tudo e dizer depois: “Foi Deus quem criou
tudo isso. É uma coisa sagrada”. Não teria ficado dúvida nem desassossego no
pensamento das alunas.661
Ao refletir sobre sua vida no convento, Marina lembrou de fatos que demonstravam a
hipocrisia presente na instituição religiosa. Se por um lado pregavam caridade, por outro,
humilhavam as alunas de classes sociais menos favorecidas, a exemplo de Maria José. Marina
e suas colegas sentiam uma curiosidade grande nas segundas-feiras quando a Madre Superiora,
segurando o lápis com cuidado de mantê-lo sempre em pé sobre a carteira, dizia a Maria José:
“– Seis na disciplina: Maria José, Maria José, lembre-se de sua situação entre nós. [...] Que
situação seria essa? [...] Desejavam descobrir o motivo das alusões da superiora. A ocasião não
estava longe, foi determinada pelos acontecimentos de um recreio.”662
Nos recreios o assunto principal era um boato sobre a existência de um subterrâneo que
ligava o convento das freiras aos dos padres. “Maria Augusta, Maria José e Marina resolveram
659
O livro de Augusto Forel é uma obra volumosa e densa, o debate sobre a questão sexual é o foco, mas a partir
dele se entrecruzam diversas temáticas. São 549 páginas divididas em 19 capítulos, a saber: 1. A Reprodução dos
seres vivos, 2. A evolução os descendência dos seres vivos, 3. Condições naturais e mecanismo da copula humana
– gravidez – características sexuais correlativos, 4. O desejo sexual, 5. O amor e as outras irradiações do desejo
sexual na alma humana, 6. Etnologia e história da vida sexual do homem e do casamento, 7. A evolução sexual,
8. Patologia sexual, 9. O papel da sugestão e da psicanálise na vida sexual, a embriaguez amorosa, 10. A questão
sexual em relações com o dinheiro e a propriedade. Prostituição, cafetismo e concubinagem venal. 11. Influência
do meio sobre a vida sexual, 12. Religião e vida social. 13. O direito à vida sexual, 14. A medicina e a vida sexual,
15. Moral sexual, 16. A questão sexual na política e na economia política, eugenismo, 17. A questão sexual na
pedagogia. 18. A vida sexual na arte e 19. Olhar retrospectivo e perspectivas futuras. FOREL, Augusto. A
Questão Sexual. 10 ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1941.
660
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 21
661
Ibid. p. 26.
662
Ibid. p. 48.
178
Madre Helena tinha as feições mudadas, estava vermelha, os lábios tremendo. [...]
– Cuidado com as insinuações, isso pode custar muito caro. Vocês terão a nota que
merecem. Nossa Madre Superiora saberá os maus pensamentos que estão suscitando.
Afastem-se.664
A humilhação imposta a Maria José era uma injustiça baseada unicamente na classe. A
menina era pobre, filha de uma costureira viúva que perdeu uma das pernas em um acidente.
Apesar do ocorrido, continuou trabalhando para ganhar alguma coisa e poder garantir uma
situação melhor para a filha. “Se não podia manejar o pedal, a manivela da máquina trabalhava
por substituí-la.”667 Para vencer o Curso Normal, a filha da costureira teve de enfrentar toda
sorte de humilhações. “O tratamento humilhante imposto a uma aluna pobre significava mais
que injustiça – era ambição, falta de escrúpulos.”668
Enquanto Maria José era humilhada pelo simples fato de ser pobre, “as filhas da amante
do primo da Madre Geralda eram tratadas com muitas atenções. [...] As freiras procuravam
desconhecer a verdade, ignoravam por conveniência.”669
663
Ibid. p. 49.
664
Ibid.
665
Ibid. p. 50.
666
Ibid.
667
Ibid. p. 52.
668
Ibid.
669
Ibid. p. 54
179
Naquele ambiente, até as rezas possuíam um caráter classista. “As alunas sabiam quando
novo benefício era feito, pelo acréscimo de Avemaria na oração da noite, ‘era um
agradecimento ao Senhor pela generosidade de seus servos.’”671 Ao refletir sobre as
desigualdades de classe no convento, Marina o fez demonstrando que a instituição não se
distanciava da sociedade geral, dividida em classes sociais.
Marina pôde sentir as desigualdades sociais de maneira mais aguda quando foi lecionar
na escola situada na Estrada da Liberdade.
Carregara a pequena até o gabinete do médico; quando ela melhorou, o médico disse
rindo: “D. Marina, não é nada, com um prato de feijão passa, é fome.” Depois daquele
670
Ibid. p. 53
671
Ibid. p. 54.
672
Ibid.
673
Ibid. p. 222.
674
Ibid. p. 66.
180
dia não pudera mais olhar a cara de Dr. Rodrigues. Rindo-se! “Não é nada.” Uma
criança faminta, a miséria, enfim, não era nada? Homem sem coração.675
Diante de condições tão precárias, as crianças tinham a saúde ameaçada. Muitas eram
acometidas pela tuberculose.
Já recebera ordem para eliminar da matrícula duas meninas, uma de seis e outra de
oito. A diretora dissera: “Estão tuberculosas.” [...] Ficara abatida e a diretora dissera
sem se alterar.
– É assim mesmo, vá se acostumando.
A situação era essa e todo mundo a aceitava com uma passividade assustadora,
revoltante. Eram fatos graves: crianças famintas e tuberculosas. Por que ninguém
procurava a solução para esses problemas.676
As crianças da Almirante Barroso costumavam ser agressivas umas com as outras. Eram
comuns as brigas na sala de aula, com agressões físicas e verbais. “Como podia ser de outra
maneira? Cedo, pela manhã, o pai ia para a oficina, a mãe ia lavar roupa na Baixa do Estica e
eles ficavam na rua brincando, brigando e xingando. Meio dia: escola. Às vezes, sem
almoço.”678 Marina pôde observar esta realidade de perto, quando foi fazer o recenseamento
escolar na Baixa do Estica, uma área da Estrada da Liberdade.
675
Ibid. p. 53.
676
Ibid. p. 59.
677
Ibid. p. 124.
678
Ibid. p. 60.
679
Ibid. p. 75.
181
Naquele região, as casas eram pequenas e abrigavam famílias numerosas. “Os meninos
eram criados na rua porque a casa não os comportava, e à noite, amontoavam-se para dormir.
O telhado baixo, cômodos estreitos, chão batido, paredes de sopapo, portas fechadas. Que
ambiente para o sono de uma criança!”680 Muitas vezes chegavam a ver os seus pais transarem,
a exemplo de uma de suas alunas, Azenete.
– Não dormi e vi meu pai trepar em minha mãe... vi eles fazendo descaração. Se
embolaram e depois dormiram...
Silenciou para concluir em seguida.
– Professora, eles são casados. [...] Quando se vira mulher ruim é a mesma coisa que
se faz?
– É. Por quê?
– Por que só é feio sem casar? Não é a mesma coisa?
Já estava atordoada. O que diria? Resolvera, quase, fugir do problema. Mas...
– Azenete os homens combinaram que isso que você viu só devia ser feito depois do
casamento. [...] Não é coisa nojenta, é um ato sagrado. Vou contar-lhe uma coisa –
naquele momento começa a vida de uma criancinha. Um dia quando você crescer terá
um filhinho. Ele começará assim. Eu comecei assim, você, o padre, todo mundo.
– Todo mundo... repetia baixinho.681
Um fato fundamental para que Marina compreendesse a realidade que lhe cercava foi o
reencontro com a amiga Maria José, que estava casada com Miguel. As conversas com o casal
se tornaram constantes. Maria José e Miguel “eram as primeiras pessoas que ouviam com
680
Ibid. p. 32
681
Ibid. p. 112-114.
682
Ibid. p. 47.
182
atenção coisas que se referiam aos seus meninos.”683 Miguel criticava a ignorância de muitas
professoras que nada sabiam de psicologia. Além disso, emprestou livros para ajudar Marina a
entender a realidade que tanto lhe incomodava: Capitães da Areia e Jubiabá, de Jorge Amado,
foram os primeiros. Depois o número cresceu.
Após encontrar o casal de amigos, Marina teve os primeiros contatos com o ideário
comunista. Em nenhum momento da narrativa aparecem referências diretas ao PCB. Em 1944
o partido ainda era ilegal. Mas os livros emprestados por Miguel foi de um autor que, à época,
era militante do PCB. Ademais, a narradora em vários momentos oferece pistas de sua ligação
com as ideias defendidas pelo partido.
Marina não se conformava com os problemas sociais. Observou que além das
desigualdades de classe, havia outras que oprimiam os indivíduos. No decorrer da narrativa, a
autora buscou evidenciar que as principais instituições sociais eram marcadas por disparidades
e opressão das mais variadas. As representações sobre à instituição familiar foram reveladas a
partir do cotidiano da casa de dona Edite e seu Augusto, onde Marina morou quando saiu do
convento. A família é um protótipo do que os comunistas, à época, denominavam de família
pequeno-burguesa e que hoje chamamos, genericamente, de classe média. O próprio local onde
moravam, Santo Antônio Além do Carmo, era considerado um bairro pequeno-burguês. Como
descreveu Jorge Amado: “No Barbalho, em Santo Antônio, na Lapinha, onde entraram os
Exércitos Libertadores vindos pela Estrada de Labatut, na Soledade, residem os pequeno-
burgueses.”685
683
Ibid. p. 71.
684
Ibid. p. 109-110.
685
AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos. 10ª ed. São Paulo: Martins, 1964. p. 82.
183
O litro devia dar matematicamente para a ceia e o café da manhã de cinco pessoas.
Seu Augusto acompanhava com olhar os movimentos da mulher, examinando-a.
“Edite está velha, quebrada, engordou bastante depois do casamento, os braços têm
gordura mole.” Estremeciam agora enquanto ela derramava o leite na xícara de
Marina.
– Vire a xícara, Roberto.
Marina já esperava. Todos os dias Roberto fazia o mesmo – é pirracento. Agora o
controle do pão. Madrinha Edite não divide o pão, mas todos sentem até onde é
permitido comer; se alguém vai apanhar mais do que deve, é seguido por um olhar de
censura que parece dizer: “Lembre-se que há outros.” [...] Marina não gosta desse
sistema, fica desconfiada e pensa em comer bastante quando ganhar mais dinheiro.
[...] É impossível continuar assim. Essa vigilância insuportável torna-a nervosa.686
Marina estranhava como muitas pessoas faziam sempre a mesma coisa, com uma
regularidade inalterável, a exemplo da madrinha Edite. “Há doze anos que ia para a janela, ao
meio dia e à tardinha, esperar seu Augusto. Abria a grade e entravam rusgando, quando não era
porque ele chegava tarde, era outro motivo qualquer.”687 Todas as noites, silenciosa, fazia
crochê ou costurava alguma peça para a casa. Provavelmente, seus pensamentos seguiam um
determinado rumo; “analisava os atos de seu Augusto desculpando-o, achando-o justo, e
observando as mutações de sua fisionomia escolhia a atitude a adotar nas horas seguintes.”688
Lembrou do casamento de Maria José. Mas a amiga só estava casada há alguns meses,
muito embora não imaginasse Miguel reclamando sobre as contas da casa. “Não que as
preocupações cotidianas da vida fossem humilhantes, mas...”690
686
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 13-14.
687
Ibid. p. 119.
688
Ibid. p. 105-106.
689
Ibid. p. 106.
690
Ibid.
691
Ibid. p. 106-107.
184
Por outro lado, na casa da madrinha a realidade era diferente. O marido era rude,
preocupava-se apenas com ele. “Seu Augusto tinha de dar a última palavra, não suportava que
a mulher tivesse um prazer.”692 A criança era educada de maneira ríspida.
Roberto não era tão aborrecido, tinha pena do menino, vivia preso, a casa era pequena
e ele não podia brincar na rua. Ouvia a todo momento:
– Levanta do chão, menino. Vai sujar a roupa.
Se ia tocar tambor num fundo de lata ouvia:
– Deixa de barulho, menino. Vai incomodar os vizinhos.
Só um brinquedo era permitido: pirraçar. Com este não sujava roupa, nem
incomodava os vizinhos. Pirraçava. Não virava a xícara, demorava no banho,
enxugava-se com o corpo molhado, ensopando a toalha, ia para a escola balançando
a pasta, dava língua à sinhá Ernestina. Até Marina tinha vontade de fazer muita coisa
parecida. Andavam solidários contra madrinha Edite e Seu Augusto. [...] Quando
abusavam muito, ele fugia para junto da amiga.693
Naquele lar a criança não era a única oprimida. A mulher também o era. Um caso
emblemático desta opressão foi o aborto feito por sua madrinha Edite. “Era estúpida a situação
que obrigavam a madrinha a curvar-se às determinações de seu Augusto.”694 A mulher abortou,
pois o marido não desejava ter outros filhos, para não aumentar as despesas. O homem não se
preocupou com os riscos, nem com os sentimentos da esposa. Apenas determinou, fazendo
prevalecer sua vontade.
Um movimento desusado enchia a noite. [...] Uma voz rouca, entrecortada de choro –
a voz da madrinha. [...] Os gemidos eram cada vez mais dolorosos. Seu Augusto
andava da sala de visitas até a arcada do quarto de Alcova.
– Edite teve um aborto. [...]
Marina sentiu uma vontade enorme de chorar. O coração apertava, toda vez que ouvia
os gemidos vindos do quarto de alcova. [...] Por que a madrinha Edite fizera isso?
Uma coisa perigosa, podia morrer.695
Logo após o ocorrido, seu Augusto ficou acabrunhado. No primeiro dia, silencioso. Mas
logo depois retomou seus costumes antigos. “Tivera até a coragem de sair uma noite para o
692
Ibid. p. 207.
693
Ibid. p. 33
694
Ibid. p. 57.
695
Ibid. p. 129-132.
185
cinema. Marina sentira revolta com aquela maneira de agir. A mulher doente, depois de estar
perto da morte, não merecia um sacrifício?”696
Após quatro dias de licença para cuidar da madrinha, Marina retornou ao trabalho. As
freiras a receberam com frieza. “No primeiro momento, até a satisfação da curiosidade,
mostraram interesse, mas quando souberam que a doença tinha sido um aborto, ficaram
entrincheiradas numa abstração pudica, para não descer a assuntos profanos como um
‘incômodo de senhora casada’.”697
– A senhora não se zanga se eu lhe fizer uma pergunta? Pode falar sem acanhamento,
eu sei dessas coisas todas. Eu li, estudei. [...]
– O que é?
– Eu ouvi quando seu Augusto disse ao médico que o aborto foi provocado. [...] Por
que fez isto? [...]
– Eu fiz por causa de Augusto. [...] Quanto descobri que estava grávida ele ficou
furioso. Fez um barulho enorme e disse que em devia perder a criança. Logo não
concordei, fiquei com receio. Desse dia pra cá não falava comigo, fazia que não via.
Ficou se maldizendo, achando que eu pesava muito, que o dinheiro não dava nada e
eu ainda queria encher a casa... Eu sei porque é tudo isso. Ele sabe que me deixando,
não tenho para onde ir, nem de onde tirar um meio de vida. Essas coisas vão
desgostando a gente. Ouvir todo dia alegar o que se come, o que se veste, e ter de ficar
calada. Para acabar com essa história eu permiti isso. [...] Enfim não sou só eu. A vida
de uma mulher é assim mesmo. Devo dar graças a Deus. Augusto não é dos piores.698
Depois do diálogo, entendeu que o aborto significava mais um meio de opressão das
mulheres, que colocavam sua vida em risco para atender as vontades dos seus “senhores”. Além
disso, era um negócio lucrativo. A enfermeira que fez o procedimento vivia daquilo, ganhava
um dinheirão. À madrinha Edite cobrou trezentos e cinquenta cruzeiros. “Para se ver livre do
menino, Augusto deu, sem pena.”699
700
Ibid. p. 137.
187
atrás do jornal aberto, a perna cruzada sobre a outra balançando num tremor nervoso.
Estava lendo, mergulhado em sua importância de “homem”, do indivíduo que conduz
um bolso com o dinheiro das despesas.701
No bairro onde morava, cada mulher “tinha uma história, todas eram escravas de alguma
miséria.”702 Marina não se conformava com os fatos.
Bateram na porta, entrou um médico. [..] Marina soube que Paulo era um amigo de
Miguel, formaram-se há dois anos queria ser médico de crianças. Ficaram
conversando quase meia hora, parecia, no entanto, que estavam acostumados a
discutir desde meninos. [...] Dr. Paulo era tão simples que Marina não acreditava que
ele fosse médico.706
701
Ibid. p. 138-155.
702
Ibid. p. 169.
703
Ibid. p. 140.
704
Ibid. p. 153.
705
Ibid. p. 140.
706
Ibid. p. 154-155.
188
muitas dificuldades para concluir o curso de medicina. Após a morte do pai teve de abandonar
a faculdade para trabalhar, pois a irmã precisava se formar na Escola Normal e eles não tinham
recursos. Até tinham uns parentes ricos em Alagoinhas, mas preferiram batalhar pela vida.
Quando a irmã passou no concurso, Paulo pôde voltar a estudar. “Trabalharam muito, tinham
passado maus bocados, porém, eram independentes. [...] Os momentos difíceis os tornaram
humanos, lhes ensinaram a compreender as misérias alheias, os prepararam para um ideal.”707
Acreditamos que o ideal ao qual Marina se referia era o ideário comunista. E Paulo,
certamente é uma representação de seu marido Isaías Paim que era membro do Partido
Comunista do Brasil. Assim como Paulo, Isaías também era de família humilde. Natural de
Juazeiro-Ba, se formou pela Escola de Medicina da Bahia708. A própria Alina Paim afirmou que
“Isaías começou a estudar medicina numa fase já adulta e era de uma família pobre, viveu cinco
anos como residente no hospital de loucos, [mas] queria ser pediatra.”709 Fato não concretizado,
já que Isaías Paim se tornou psiquiatra. Paulo pode ter sido a projeção de um desejo profissional,
que segundo Alina Paim, Isaías possuía.
Em sua narrativa, Alina Paim preferiu não dar visibilidade a uma experiência que, muito
provavelmente, foi dolorosa. A Marina ela não desejou os dias difíceis de um manicômio. No
romance, preferiu construir outro ambiente para narrar um fato importante em sua vida: ter
conhecido Isaías Paim. Embora houvesse diferenças espaciais, o sentido do encontro talvez
tenha sido o mesmo. Para Alina, a união com Isaías Paim pode ter significado o nascimento
para uma vida nova. Logo após ter conhecido o médico, Alina Paim saiu do manicômio.
O romance é um texto polissêmico, onde podemos encontrar inúmeras representações
que dizem muito sobre um contexto. A narrativa, através das reflexões da personagem Marina
apresentou críticas ao modelo social vigente, apontando para as desigualdades de classe, os
problemas da educação e a opressão sofrida pelas mulheres. Demonstrou como muitas vezes as
pessoas eram coniventes com a manutenção das desigualdades.
Marina se incomodou, também, com o racismo vigente. Lembrou do caso de um
professor que, embora fosse negro, era racista. “Marina não tolerava o professor pedante, que
era negro, e dizia sempre as alunas: – Nós os brancos... fazemos isto ou aquilo. [...] Passava em
todas as classes, dizia sempre as mesmas coisas e embirrava com as alunas de cor.”710
707
Ibid. p. 163.
708
SOUZA, Juberty Antônio de; PICCININI, Walmor J. História da psiquiatria: Isaías Paim (1909-2004).
Psychiatry on line Brasil. v. 15, nº 1. 2012. Disponível em: < http://www.polbr.med.br/ano10/wal0110.php >
Acesso em: 12 jan. 2015.
709
GILFRANCISCO. Op. Cit. p. 37.
710
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 193-194.
189
Uma ocasião quando ela estava no 1º ano Normal ouvira, do quartinho que ficava na
sala de banhos quentes, uns ruídos estranhos. Ficara escutando com medo de sair.
Estavam cochichando, e de espaço a espaço soavam estalos miúdos como beijos
rápidos. Nasceu uma curiosidade violenta. De mansinho abrira a porta, abafando os
ruídos do ferrolho com a camisa de dormir amarrotada. Intrigada, vira dois vultos. A
princípio não distinguira bem, estavam abraçados, juntos da cortina pesada que pendia
da arcada de cimento armado, separando o dormitório dos quartinhos. Os vultos
afastavam-se um pouco espreitando. Tudo silencioso. Voltavam aos beijos. Um deles
mergulhou a mão na gola da camisola do outro, apalpando alguma coisa. Era
impossível o que vira. Os vultos separaram-se assustados, fugindo. A Irmã Vigilante
vinha chegando. Saíra do quartinho, precisava saber quem eram. Passara a cortina a
tempo, um dos vultos metia-se sob as cobertas na terceira cama da segunda fila; o
outro andou mais um pouco e recolheu-se na quinta cama da oitava fila. No dia
seguinte identificara-os: eram Odete e Helenita. Uma do 3º ano Normal e a outra do
1º Fundamental. Eram amigas particulares. Depois daquilo, compreendera mais ou
menos os dizeres da circular que estava fixado numa das colunas do recreio das
maiores: “É terminantemente proibido andar duas alunas afastadas das companheiras.
O menor grupo permitido é de três. Não admitimos brinquedos de mãos”. (Negrito no
original).711
Naquele ano, as religiosas viviam terríveis, carrancudas, diziam que era preciso fazer
uma limpa no Estabelecimento: “As amizades particulares constituem uma
verdadeira praga do Egito”. Choviam os bilhetinhos com declarações, tratando-se de
“querida”, de “meu amor”. Havia cenas de ciúme. Um tempo terrível! No fim do ano
Madre Superiora despachara muitas alunas entre elas Odete e Helenita. “Maus
elementos, se continuarem presentes botarão o resto do rebanho a perder.” No ano
seguinte os pares tornaram-se raros, dois ou três. Madre Superiora acabara um
problema mas surgira outro: as externas levando e trazendo cartas de namorado para
as internas. (Negrito no original).712
Todos os adjetivos utilizados para definir a relação entre as meninas do convento são
aspeados, indicando que as qualidades foram atribuídas pelas freiras, não por Marina. Anos
depois, Marina se viu novamente diante uma relação homo-afetiva, desta vez entre duas colegas
de trabalho.
Hildiva e Odila de mãos dadas diziam segredos, eram encontradas nas rampas aos
abraços... Diziam muita coisa das duas. Quando as olhava Marina lembrava-se das
711
Ibid. p. 98-99.
712
Ibid. Op. Cit. p. 100.
190
A última frase utilizada pela narradora, aparentemente, parece colocar Marina de acordo
com as concepções das freiras. Entretanto, a utilização das aspas pode representar apenas uma
lembrança do que era dito no convento. Mais uma vez as aspas nos deixam dúvidas sobre a
opinião de Marina no que se refere ao julgamento da questão. É possível que ela a percebesse
como um verdadeiro problema, “uma praga do Egito”, promovido por uma educação castradora
e limitadora que “deformava” os indivíduos.
Por outro lado, existe a possibilidade de que a narrativa tenha procurado demonstrar
que, apesar das tentativas de controle dos comportamentos, os indivíduos rompiam com a
moral, indicando a incapacidade em controlar a sociedade como gostariam. Apesar de todo o
investimento das freiras em acabar com as “amizades particulares”, verdadeiras “pragas do
Egito”, elas continuavam a existir. De uma forma ou de outra, acreditamos que a narradora
procurou demonstrar que a organização das instituições sociais não era a ideal. Os preceitos
morais impediam a discussão aberta dos problemas. O pensamento de Marina buscou
demonstrar que a educação pautada na repressão não surtia nenhum efeito. As relações
homossexuais continuavam a existir, independentemente das tentativas de eliminá-las.714
Apesar de todas as dificuldades e da inércia da maioria dos indivíduos que lhe cercavam,
Marina não perdeu a esperança de transformar a realidade. Resolveu escrever um romance.
“Diria com detalhes, usando as mesmas palavras das freiras, quanto mais mostrasse aquele
713
Ibid. p. 122.
714
Observamos que na década anterior Graciliano Ramos expressou uma análise interessante sobre as relações
homossexuais. Não sabemos precisar se houve algum diálogo sobre sexualidade entre eles, mas vale a pena
destacar as impressões de Ramos sobre este tipo de relação. O literato problematizou de forma interessante as
relações homossexuais, pontuando constantemente suas dúvidas quando a natureza da relação e seus sentimentos
diante dela. O nojo que sentia era natural ou socialmente estabelecido? Por isso, o autor colocou na pauta a
necessidade de discuti-la socialmente. Não devemos desconsiderar o fato da problematização ter sido apresentada
por dois comunistas, Graciliano Ramos e Alina Paim, pois indica que entre alguns militantes comunistas houve,
ao menos nas esferas individuais, uma reflexão sobre o sentido social da sexualidade. Nas palavras de Ramos: “As
minhas conclusões eram na verdade incompletas e movediças. Faltava-me examinar aqueles homens, buscar
transpor as barreiras que me separavam deles, vencer este nojo exagerado, sondar-lhes o íntimo, achar lá dentro
coisa superior às combinações frias da inteligência. Provisoriamente, segurava-me a estas. Por que desprezá-los
ou condená-los? Existem – e é suficiente para serem aceitos. Aquela explosão tumultuária é um fato. Estupidez
pretender eliminar os fatos. A nossa obrigação é analisa-los, ver se são intrínsecos à natureza humana ou
superfetações. Preliminarmente lançamos opróbrio aqueles indivíduos. Porquê? [sic.] Porque somos diferentes
deles. Seremos diferentes, ou tornamo-nos diferentes? Além de tudo ignoramos o que eles têm no interior.
Divergimos nos hábitos, nas maneiras, e propendemos a valorizar isto em demasia. Não lhes percebemos as
qualidades, ninguém nos diz até que ponto se distanciam ou se aproximam de nós. Quando muito, chegamos a
divisá-los através de obras de arte. É pouco: seria bom vê-los de perto sem máscara. Penso assim, tento
compreendê-los – e não consigo reprimir o nojo natural ou imposto? Quem sabe se ele não foi criado
artificialmente, com o fim de preservar o homem social, obriga-lo a fugir de si mesmo?” RAMOS, Graciliano.
Memórias do Cárcere, vol. 1. Rio de janeiro/São Paulo: Record, 1986. p. 311.
191
Marina, olhando o céu acamadinho de estrelas foi lembrando de sua vida naquele ano,
desde que ouviu Madre Tereza dizer, rindo com Malícia.
– Marina a correspondência
Como ficara desapontada com os cento e vinte! Fora o primeiro desengano e aquela
exploração do seu trabalho lhe tinha aberto os olhos. Vencera no concurso, começou
a ensinar na Almirante Barroso. Fora ensinar ali e terminara aprendendo tudo que
agora sabia sobre a vida, sobre os homens. [...] Na casa de Maria José descobrira um
mundo diferente, cheio de simplicidade onde todos trabalham visando um fim.
Esperando... Aprendera a esperança. E esperava... Começara a olhar as pessoas e os
acontecimentos procurando compreendê-los. Soube assim que madrinha Edite vivia
escravizada, seu Augusto era egoísta e Roberto queria afeição. Descobrira a Rua dos
Ossos, lera os romances de fatos miúdos e intensos que eram vividos naquelas casas
de porta e janela, naqueles sobradinhos sem nenhuma beleza. Tornara-se mais
humana. [...] Encontrara Paulo. [...] Por que teimava com a ideia de que sempre o
conhecera. Seria por que ela estava esperando um companheiro e descobrira em Paulo
o homem que iria completar sua vida? Certamente. Amava-o. [...] Agora encarava o
futuro confiante, plena de desejos de lutar, sem medo das dificuldades, esperando
vencer. [...] Marina via o céu com ansiedade – ali devia ser o levante. Ficou fitando
um ponto longe, muito longe. Esperava a luz. Marina sabe que toda luz vem do
oriente. Espera o sol. E... Marina sabe que o sol é uma estrela.716
Este balanço que aparece no final da narrativa, quando Marina viajava para passar as
férias com a família em Simão Dias é bastante representativo. A tomada de consciência da
personagem em relação às desigualdades sociais se deu quando ela saiu do convento e recebeu
seu primeiro salário. A partir dali ela pôde perceber que a vida era cara e que os salários eram
baixos. Lembremos que a luta contra a carestia de vida recebeu forte apoio do Partido
Comunista do Brasil no período em que o romance foi escrito, fato demonstrado no segundo
capítulo.
A maneira como o enredo se desenrola nos faz perceber que Marina só compreendeu a
realidade quando, através de Miguel e Maria José, teve contato com o ideário comunista. Antes
ela se incomodava com as desigualdades, mas não sabia explicá-las, não tinha o aparato
necessário para compreendê-las e transformá-las. A maneira como Marina explicou as
desigualdades sociais está muito relacionada à forma como o PCB interpretava a realidade
715
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 204.
716
Ibid. p. 222-224
192
naquele contexto. O fato nos indica que a narrativa foi montada com a finalidade de evidenciar
que o ideário comunista oferecia os métodos mais adequados aos indivíduos preocupados, de
fato, em transformar o mundo e eliminar todas as desigualdades sociais.
Mas as pessoas não são imutáveis, bem como as formas de enxergar a realidade. Em
Estrada da Liberdade, os motivos da subjugação feminina foram relacionados apenas à
dependência econômica e à falta de instrução. Em 1949 Alina Paim publicou seu segundo
romance, Simão Dias, escrito por volta de 1946.718 Nele, as reflexões sobre as causas da
subjugação feminina são avaliadas a partir de outros vieses. Em 1946 a autora ainda era uma
militante ativa do PCB. Seu olhar sobre as relações entre os sexos amadureceu, sua linha de
observação ampliou-se. Já havia publicado um romance e vivido novas experiências, inclusive
na militância. Após três anos de casamento e moradia no Rio de Janeiro, certamente Alina Paim
já não olhava o mundo com os olhos da “menina” de 1943.
717
Ibid. p. 222-224
718
PAIM, Alina. Simão Dias. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1949.
193
localidade que serve de cenário para o romance.”719 Em 1979 foi publicada a segunda edição,
pela editora Cátedra com colaboração do Instituto Nacional do Livro.720
O texto de apresentação foi escrito por Graciliano Ramos. Segundo ele, em seu novo
romance a autora deixou longe a Estrada da Liberdade, manifestando um valor que o trabalho
da juventude apenas indicava. Ainda segundo Ramos, em Simão Dias Alina Paim observou,
estudou com paciência, teve honestidade rigorosa de não tratar de um assunto sem dominá-lo
inteiramente.
As suas personagens são criaturas que a fizeram padecer na infância ou lhe deram
alguns momentos de alegria, em cidadezinhas do interior. Nenhum excesso de
imaginação. Em geral os homens são vistos a distância, não se fixam. A escritora julga
talvez não conhecê-los bem e receia apresentá-los deformados; limita-se quase sempre
a fazer referência a eles ou, quando é indispensável, a metê-los na ação em diálogos
curtos, em rápidas passagens. Aqui duas figuras masculinas parecem contrariar esta
afirmação. Caracteres bem definidos: um velho e um idiota. Mas o primeiro já deixou
de ser homem, o segundo ainda se conserva menino. O que surge com intensidade é a
existência das mulheres – complicações, desarranjos, pequeninos problemas. Há umas
admiráveis tias velhas, rendeiras, beatas, calejadas nos mexericos. E há também a
criança atormentada, a melhor criação de Alina. Vê-se bem que a romancista cochilou
nas orações compridas, trocou bilros na almofada e aguentou muito puxão de orelha.
Essas desventuras lhe fornecem hoje excelente matéria.721
Em Simão Dias, como destacou Ilka Maria de Oliveira, Alina Paim depurou seu estilo
e expôs com mais firmeza o que elegeu como centro de suas atenções: a condição feminina.
719
HENRIQUE, Luiz. Estantes de livros e escritores. O Momento, Salvador, 01 out., 1949, p. 3.
720
PAIM, Alina. Simão Dias. 2ª ed. Rio de Janeiro/Brasília: Cátedra/INL, 1979. A segunda edição foi revisada
mas não apresentou nenhuma alteração no conteúdo da narrativa. Ela aparece ipsis litteris à primeira. Houve
apenas modificações na formatação. Na segunda edição a fonte é menor e o não há quebra de página entre um
capítulo e outro, como na primeira. Tivemos acesso às duas edições. Como não houve nenhuma modificação no
texto optamos por utilizar a segunda edição.
721
RAMOS, Graciliano. Apresentação. In: PAIM, Alina. Simão Dias. Op. Cit.
722
OLIVEIRA, Ilka Maria de. Op. Cit. p. 19.
194
Do Carmo começou a pensar na avó Carolina. “A avó não era má; se lhe batera algumas
vezes, tinha sido instigada pelas filhas; não levantava o braço para castigar por conta própria,
mesmo quando se descobria enganada nas provas do nove da multiplicação.”726 A mentira foi
descoberta, pois todas as tardes ela acabava a lição rapidamente e não cometia erros. “Botara
sentido e pegara-a justamente quando lambia o dedo e ia mudando os algarismos até conferirem
os nove-fora.”727
Refletindo sobre o fato, Do Carmo comparou a avó Carolina com a professora Agripina.
Ambas gostavam dela mas não sabiam demonstrar.
723
PAIM, Alina. Simão Dias. 2ª ed. Rio de Janeiro/Brasília: Cátedra/INL, 1979. p. 184
724
CONTO de Alina Paim. Momento Feminino, Rio de Janeiro, 01 ago. 1947. p. 8. É possível que outros contos
tenham sido publicados, pois Alina Paim também escreveu para as revistas Literatura e Esfera, mas não foi
possível consultá-las no momento.
725
CONTO de Alina Paim. Op. Cit.
726
Ibid.
727
Ibid.
728
Ibid.
729
Ibid.
195
A filarmônica tinha tocado muitas vezes, professora Agripina espevitara o laço de fita
que lhe prendia os cabelos, o governador alisara os bigodes e a meninada uma a uma
despejava poesias decoradas. Ela dizia o verso baixinho como se rezasse, esperando
a vez, sabia todo inteiro de enfiada. Soara a voz do diretor: – Maria do Carmo. Ela
dera dois passos para frente como fora ensinado, juntara os calcanhares e afastara os
bicos dos pés. Baixara a cabeça. Uma mão no peito, outra estendida segurando as
flores. Levantara-se devagar, com elegância, como fora ensinado. Os olhos bateram
na figura maciça de d. Otaviana, sisuda, encarando-a muito séria. Franzira as
sobrancelhas e fizera-lhe sinal com a cabeça para que segurasse melhor o buquê. Era
a hora de começar. Abrira a boca, tornara a fechá-la, abrira de novo, olhos pregados
na cara gorducha de pele estirada de d. Otaviana. A cabeça crescia, oca, vazia como
cabaça. Tinha esquecido a poesia.732
Aquele dia foi de agonia e castigo para a menina. Apanhou das tias porque havia
envergonhado a família, “desmoralizado” o nome de velho Bernardinho: – “A neta do coletor,
a neta de seu Bernardinho, fez fiasco, deu prego na poesia.”733 Os castigos a deixaram
traumatiza, com medo de festa.
Mesmo nas noites de retreta sentia receio quando a filarmônica parava, vinha a
vontade de fugir, deixar a praça da matriz, em disparada pela rua da Estância.
Perseguia-a o pensamento de que iam mandá-la fazer qualquer coisa diante do povo,
e ela não saberia. [...] A música da filarmônica perdera a força de espalhar alegria.
Ouvindo-a, Do Carmo sentia o coração minguar e doer, desejo de ficar só, de chorar,
de encontrar a mãe, esconder a cabeça em seu peito em busca de socorro. [...] A mãe!
Precisava rezar pelo seu descanso. O olhar bateu na arca de couro de tachinhas
douradas, as pálpebras cerraram-se: – “Pela alma de minha mãe, para que Deus
abrevie sua provação, se ainda não está no reino dos céus.”734
730
Ibid.
731
Ibid.
732
Ibid.
733
Ibid.
734
Ibid.
196
O conto aparece ipsis litteris no sexto capítulo do romance.735 Ele nos apresenta parte
das personagens que compõe a narrativa. Em Simão Dias é contada a história de muitas
mulheres oprimidas por uma cultura organizada pela lógica masculina. Umas sofriam
resignadas, outras se rebelavam contra o estado de coisas. Neste aspecto, duas personagens são
centrais: Maria do Carmo e Luísa. Somente as duas questionaram o lugar social ocupado pelas
mulheres e desejaram mudanças no status feminino. O romance, assim como Estrada da
Liberdade, é narrado em terceira pessoa. A narradora conhece os pensamentos e sentimentos
da maioria das personagens, especialmente as femininas.
Virada para a rua, bochechas crescendo e diminuindo, Maria Pequena soprava o ferro;
o cão cochilava perto do cesto de roupa lavada e tio Totonho, na cadeira, a cabeça
tombada sobre o peito, cismava entregue à abstração de sempre, mergulhado em seu
mundo estranho e silencioso. Velho Bernardinho falava na coletoria, e as respostas
humildes de seu Gileno atravessavam, apagadas e insignificantes, a fresta da porta de
comunicação. A máquina de Adélia disparava num ruído nervoso e emudecia súbita
e inexplicavelmente. Nos intervalos de silêncio a tosse de tia Iaiá sobressaía nítida,
irritada, dolorosa.738
Maria do Carmo, a única criança da casa, era maltratada. Sofria com constantes castigos,
“sentada no couro de manchas marrons, sentindo os pelos arranharem-lhe as pernas, engolindo
choro enquanto xingava baixinho.”739 Muitas noites, depois de um dia de aperreação, ficava
assustada, em uma cama de grades, a espiar um canto do quarto, esperando que dali surgisse a
alma da mãe para lhe reprovar malcriações e nomes feios.
735
PAIM, Alina. Simão Dias. 2ª ed. Rio de Janeiro/Brasília: Cátedra/INL, 1979. p. 85-87.
736
RAMOS, Graciliano. Apresentação. In: PAIM, Alina. Op. Cit. p. 11-12.
737
Ibid. p. 49.
738
Ibid. p. 173.
739
Ibid. p. 19
197
A menina ficou órfã de mãe muito cedo. Com a orfandade foi morar na casa da avó e
do avô maternos, d. Carolina (dona de casa) e seu Bernardinho (coletor de impostos). O casal
tinha ao todo dezesseis filhos. Um deles – Totonho – permaneceu toda a vida dependendo da
mãe, como nos tempos de criança, pois era deficiente mental. Os demais viviam espalhados,
com exceção de três filhas que não casaram, Iaiá, Adélia e Elisa. As duas primeiras eram
costureiras e a última fazia doces de encomenda. Além dos moradores, o ambiente era povoado
por uma empregada doméstica, Tertuliana e uma engomadeira, Maria Pequena.
Os tempos tinham mudado bastante para vovó Carolina. Agora vivia dominada,
temendo o riso de Adélia, o olhar silencioso de Elisa e a voz áspera e cheia de
lamentações de Iaiá. A proporção que o tempo passava, a filha mais velha se tornava
autoritária, intransigente, exigindo que todo mundo se curvasse à sua vontade.740
Maria do Carmo era completamente insatisfeita com a vida que levava e com a lógica
que regia o cotidiano da cidade de Simão Dias. A história da adolescente se assemelha com a
da autora Alina Paim. Como já mencionamos, ao ficar órfã, Alina também foi morar na casa da
avó e do avô maternos, onde residiu com mais quatro tias “solteironas”.741 Todas eram
costureiras. A maior parte do tempo conviveu com três delas, pois uma morreu quando Alina
tinha nove anos. No decorrer da narrativa, a autora conservou alguns nomes de pessoas reais,
como: seu Bernardinho (avô), d. Agripina (professora), Iaiá (tia). Outros foram substituídos por
nomes fictícios. A avó Adelaide virou Carolina, as outras duas tias, Adelaide e Emília, viraram
Adélia e Elisa.742
740
PAIM, Alina. Op. Cit. p. 28.
741
A expressão “solteirona” era muito usada à época para referir-se as mulheres que, de acordo com os padrões
do período, passavam da idade de casar-se. Uma mulher que chegava aos 25 anos sem casar já era considerada
uma “solteirona”.
742
No momento, devido aos limites das fontes históricas, não foi possível identificarmos os motivos da
substituição, assim como não possuímos meios para evidenciarmos quais personagens do romance existiram de
fato na vida real.
743
Ibid. p. 31.
744
Ibid. p. 100-101
198
Ninguém queria saber de sua presença... o coração apertou-se de saudade de sua terra
[Estância], onde havia bondes, automóveis e crianças da vizinhança com quem brincar
de boneca e de roda; de sua mãe, tão boa, com os cabelos pretos, olhos brilhantes, de
cílios compridos e sobrancelhas cerradas, de sua mãe sempre alegre quando se achava
junto dela, que interrompia a costura para vê-la disfarçadamente no meio dos
brinquedos, que à noite, contando histórias, procurava adormecê-la, coçando-lhe a
cabeça leve, numa carícia suave, quase imperceptível... depois que a mãe morrera,
tudo ficara diferente, andava esquecida pelos cantos como bichinho sem dono.745
A menina era tratada de maneira rude. Muitas vezes ouvia coisas duras, referiam-se ao
seu pai ausente com ódio, “injuriando-o, acusando-o de falta de vergonha porque não escrevia
nem enviava um real – ‘Enjeitou a filha, arriou o pacote e foi embora’. Tinha ouvido tia Iaiá
dizer essas palavras a comadre Mariana.”746 Naquele instante sentiu o coração doer. “Era
pequena, era criança, mas criança entende muita coisa que gente grande nem suspeita.”747 A
humilhação era tão grande que Do Carmo sentia inveja das colegas:
Possuíam pai e mãe, não estavam recebendo favor de ninguém, não roubavam o
“bocado de pirão” de velho Bernardinho como tia Elisa lhe atirara em rosto [...] no
dia em que tropeçara entornando na queda a forma cheia de massa de bolo de
encomenda.748
Naquela casa, só tinha afeição pela avó Carolina e pelo tio doente. “A avó não era má;
se lhe batera algumas vezes, tinha sido instigada pelas filhas; não levantava o braço para castigar
por conta própria, mesmo quando se descobria enganada nas provas do nove da
multiplicação”749. Com tio Totonho a amizade se desenvolveu pois ambos “eram seres
abandonados, criaturas que perturbavam a ordem estabelecida e afinal não mereciam atenção.
A igualdade de condições em que viviam tornou-os solidários contra aquela gente hostil”750.
Embora houvesse cumplicidade com a avó e o tio doente, Do Carmo não gostava de morar ali,
onde “todos andavam de cara amarrada.”751 Somente na casa da tia Luísa a menina se sentia
acolhida, até que um dia, felizmente, foi morar lá.
Luísa era casada com Terêncio, dono de uma loja. Ela dividia o tempo entre o trabalho
na loja, “atrás do balcão, atendendo a tabaréus”752 e as aulas particulares que oferecia as crianças
745
Ibid. p. 66.
746
Ibid. p. 175.
747
Ibid. p. 175
748
Ibid. p. 176
749
Ibid. p. 85.
750
Ibid. p. 69.
751
Ibid. p. 18.
752
Ibid. p. 20-21.
199
que se preparavam para ingressar em escolas secundárias de Aracaju ou Salvador. “Tia Luísa
era diferente, deixava-a à vontade, escutava sorrindo sua tagarelice e, muitas vezes, estivera de
seu lado contra as irmãs.”753
Não havia dúvidas: ela era melhor do que as outras e elas sentiam isto com amargor,
falavam com desprezo forçado dos seus alunos, das aulas na sala de visitas. [...]
Tinham inveja porque numa semana ganhava mais dinheiro que todas juntas em um
mês de trabalho. [...] Apenas Elisa estimava a irmã professora. Havia entre a idade
das duas somente um ano de diferença. Guardavam em comum recordações infantis,
tinham sido companheiras de brinquedo até Luísa ir para a Bahia, a convite do
padrinho, que prometera educá-la.754
A tia Luísa era a única a chamá-la carinhosamente de Maria. A menina gostava de ser
chamada assim. O outro nome estava ligado a momentos desagradáveis. “Do Carmo: invenção
de vovó Carolina e das tias. Quando era pequena, a mãe e todo mundo chamavam-lhe Maria.
Como ia longe tudo aquilo! Agora somente tia Luísa usava o nome antigo, nome dos bons
tempos de despreocupação e carinho.”755
A menina não entendia por que os mais velhos diziam sempre que o melhor tempo era
o da infância. Para ela, aquilo era uma grande mentira. “Infância é tempo de sofrimento, alegrias
envenenadas pelo medo, brinquedos perturbados por ameaças, a sombra da palmatória tirando
o encanto de fugas e mentiras.”756
Mas Maria do Carmo não esmoreceu com o sofrimento. Constantemente refletia sobre
a vida, procurando compreendê-la. “Os castigos lhe tinham orientado a infância, sempre as
pancadas lhe mostravam o caminho a seguir.”757 Contrariando o ideal de feminilidade, Do
Carmo não é apresentada como uma menina doce que sonha com o casamento. “Casar traria
mesmo vantagens? Esfregar fundo de panela, pregar botão em roupa, ter filho, mudar fraldas
mijadas, ouvir berros: nisto se resumia a sorte de vovó Carolina e de Comadre Mariana.”758 A
menina sonhava em conquistar a vida fora de Simão Dias, ganhar seu próprio dinheiro, ser
independente e “falar grosso”. Ela desejava ser como a tia Luísa.
Tia Luísa não era como Iaiá e Adélia, que engoliam a seco tudo que o velho
[Bernardinho] dizia. Tia Luísa não precisava dele, tinha marido, loja de sobrado,
753
Ibid. p. 31
754
Ibid. p. 31.
755
Ibid. p. 39.
756
Ibid. p. 98.
757
Ibid. p. 22.
758
Ibid. p. 110
200
malhada e dinheiro dela mesma. Não era para conseguir outra coisa que ensinava no
salãozinho. Seria bom ser como tia Luísa. Ganhar dinheiro e falar grosso.759
Mesmo sofrendo, a menina não deixava de compreender as dores alheias. Ela não era a
única a sofrer naquela pequena cidade. A sua avó também era oprimida, mas aceitava a situação
com uma resignação paralisante. D. Carolina era filha de um juiz, cuja mãe havia sido escrava.
Estudou, pois “era menino esperto” e o Senhor lhe bancou os estudos. Conseguiu se tornar juiz
de direito. Devido à posição social alcançada, não via de bom grado o casamento de sua filha
Carolina com um sapateiro – profissão de Bernardinho quando conheceu Carolina.
Com mais de quarenta anos de casada, D. Carolina ouviu o marido culpá-la pelos
“defeitos” dos filhos. Comeu, “sem reclamar, o pão que o diabo amassou. Derramara lágrimas
nos primeiros tempos, depois viera a resignação, coração também caleja. Ninguém foge ao que
Deus traçou.”762 Redimida aos “desígnios de Deus”, D. Carolina aceitava as humilhações do
marido.
759
Ibid. p. 80-81.
760
Ibid. p. 133.
761
Ibid. p. 119-120
762
Ibid. 120.
201
Em Simão Dias, muitas mulheres enfrentavam problemas diversos e/ou eram oprimidas
por sua condição de sexo. A engomadeira Maria pequena morava longe e caminhava muito até
chegar à casa das patroas.
Maria Pequena resistia em abandonar a casinha distante, na beira do açude, pois ali
podia viver sozinha, de cabeça erguida, em casa própria. Ali não se sentia inferiorizada
socialmente. “Na beira do açude, com as mãos de espuma ou batendo roupa na tábua tinha dito
muitas vezes: [...] – Ali é meu canto, do batente para dentro quero ver branca com coragem de
engrossar a voz para minha banda.”764
curtas”, sob o controle rígido da mãe. Ela e a irmã Corina eram muito presas. Apesar do
controle, acabou engravidando de Henrique. Quando soube da gravidez ficou insegura, com
medo “de arcar sozinha com as consequências da entrega, angústia diante do silêncio
inexplicável de Henrique.”766 A gravidez de Iná gerou mexericos, deixando a família em
situação constrangedora. Por isso, ela resolveu fugir com o pai da criança.
Iaiá estava sempre pronta para ajuizar-se do comportamento alheio. Mas não conseguia
resolver seus próprios dilemas. “Alta e magra, vagava pela casa sem sossego, como alguém que
procurasse alguma coisa sem atinar com o lugar onde escondera.”768 A “solteirona” possuía
uma vida marcada por sofrimentos. Foi acometida por uma doença grave. Depois da descoberta,
perdeu o interesse pelo trabalho. Passava tardes inteiras sentada em uma cadeira de braços
766
Ibid. p. 38.
767
Ibid. p. 47-48.
768
Ibid. p. 28.
203
observando as pessoas que passavam na rua. “Pelo hábito, a máquina estava aberta em sua
frente. Inutilidade, agora fazia apenas a parte de agulha, serviço leve: alinhavar, pregar botões
e abrir casas.”769 A parte pesada da costura era feita inteiramente por Adélia que, embora ficasse
com a maior parte do trabalho, dividia o dinheiro meio a meio com a irmã. As atenções não
deixavam Iaiá mais tranquila. Ao contrário, “irritavam-na, salientavam a condição de parasita
da mulher doente, pedra amarrada no pescoço da família.”770
Antes da doença, fora aquela ideia descabida de criar o filho de Tudinha. A criança
tornou-se um deus menino, na casa todos giravam em torno de suas manhas. Depois
viera a febre, o médico e a certeza. Tudinha, receosa, fora proibindo as idas e vindas
do garoto. Iaiá amofinava-se a chorar dia e noite naquele cegueira absurda. Aquietou-
se. Afinal, resolveu conformar-se com a situação. Passou a preocupa-se apenas com a
exigência de viver separada de todos, comendo na mesinha dos copos, escaldando
pratos, gastando água e sabão em lavagens das mãos e do rosto. [...] A vida fracassada,
o temor e a raiva contida contra a doença avançaram dentro dela, cresceram e tomaram
pesadamente o coração.771
Até o dia da morte tinha de dançar com a música do velho Bernardinho: comer-lhe os
pirões e ouvir-lhe os berros. Pedir-lhe a benção e resmungar contra o carrancismo, a
criação de negra cativa. Na calçada, mãe Carolina tinha falado em ‘meninas’. A casa
estava cheia de mulheres velhas, solteironas, titias e mãe Carolina teimava em chama-
las como fazia anos atrás, muitos anos: “– Falem, meninas”. Também mãe Carolina
tinha olhos e coração unicamente para o filho doente, chocava Totonho dia e noite.
Era quase à força que seus cuidados se voltavam para ela, mas não se fixavam no caso,
na humilhação da doença contagiosa, no dever de afastamento, na preocupação de
encontrar sangue no lenço a todo instante. Estava só, relegada, traste sem serventia.
[...] Iaiá serrou as pálpebras, engolfou-se na mágoa que lhe devorava a paz. [...] Velho
Bernardinho seria mesmo um pai? Pai devia ser homem bom, delicado com os filhos,
bondoso, sujeito compassivo, voz mansa e olhar sereno. No homem que dormia no
quarto vizinho, aos roncos, nada disto existia. – “Honrarás pai e mãe”. O frade da
santa missão devia ter explicado melhor, dito miudinho o que Deus mandava. Ela não
ficaria perguntando a si mesma se todos os pais deveriam ser honrados dignamente.773
769
Ibid. p. 44.
770
Ibid. p. 44
771
Ibid. p. 28-44. Em nenhum momento a narrativa menciona o nome da doença de Iaiá, mas pelas características
dos sintomas sugerimos que se tratava de tuberculose.
772
Ibid. p. 83.
773
Ibid. p. 83-84.
204
Se de um lado Iaiá vivia atormentada com o seu destino, com Adélia as coisas não se
processavam diferente. Por trás da mulher “corpulenta e alegre, com beiços grossos prontos
para rir a todo instante, riso bom e franco”774, escondia-se uma criatura arrependida por não ter
casado quando a oportunidade lhe bateu a porta.
Tinha passado a mocidade, melhor tempo da vida, batendo na máquina atrás de uma
ninharia; a velhice se aproximava sem ter um pé-de-meia; obrigada ao trabalho, se
não quisesse andar de roupa remontada de ano para ano. Hoje velava pela irmã doente;
quando chegasse a sua vez, quem olharia por ela? Quando esses pensamentos lhe
acudiam à mente, sentia arrependimento tardio ferroando o coração. Devia ter aceito
o pedido de seu Benevides da Miaba. Queria fazer ostentação, falar de escolha entre
vida de roça e vida de cidade, e totalmente estragara o futuro. Em qualquer situação
há obrigações, e, trabalho por trabalho, o de dona de casa é mais seguro, rende para o
dia de amanhã. Teria filhos e marido, alguém que punisse por ela nas horas de
apertura. Nunca mais seguiria a cabeça dos outros, a lição servia para muita coisa.
Com isso não queria culpar ninguém, mas Iaiá tinha quinhão de responsabilidade: fora
graças a seus conselhos que recusara o casamento. “– Homem não presta.” “– Mulher
é bicho besta.” – “Morar na roça é ser enterrada viva”. Homem, prestando ou não
prestando, é quem pune por mulher. Besta fora ela em dar pontapé no amparo que lhe
surgia pela frente. Enterrada até o pescoço, sem arredar um passo da cidade.775
Para Adélia, casamento significava amparo. Ao reavaliar sua vida, julgou-a fracassada
pelo simples fato de não ter casado. Adélia não via outra perspectiva de melhoria existencial
para além do casamento. Para ela, casar significava ter renda, estabilidade econômica, proteção
e capacidade de governar a própria vida, longe do controle paterno.
Não podia determinar a causa de tudo aquilo, e no entanto estava sofrendo, perdera a
tranquilidade, não queria fazer nada nem ver ninguém. Impulsos repentinos
assaltavam-na, vontade de apertar o pescoço de alguma pessoa, do marido, por
exemplo. Às vezes a violência se voltava contra ela mesma, e vinha a sede de cravar
as unhas na carne, riscar a própria pele com lanhos vermelhos de onde escorresse
sangue. Luísa acreditava que se saísse sangue – seu sangue – com ele iriam muitas
coisas que se desembestaram dentro do corpo, dentro do pensamento. [...] Sangue. O
sangue atraía e ao mesmo tempo amedrontava-a, exercia sobre seus nervos poder
estranho de tensão e relaxamento. De vez em quando era sacudida pelo desejo de ser
violenta, de explodir em maldade para experimentar um pouco de paz. Tinha
necessidade de vingar-se da angústia que sentia, vingar-se indistintamente num
774
Ibid. p. 18
775
Ibid. p. 115-116.
776
Ibid. p. 56
205
objeto, animal ou pessoa. Agredir pelo fato de agredir. Não duvidava quanto ao maior
anseio de sua vida: queria poder entregar-se à despreocupação e à confiança.777
O desejo pelo marido começou a se extinguir. Transar com Terêncio tornou-se uma
verdadeira tortura. “Meu Deus, por que estava enxergando o marido desse jeito? [...] Tinha
havido ocasiões em que gostara de suas carícias, sentira amolecimento quando as mãos
enormes, cheias de calo e cheirando a mato lhe percorriam o corpo, esmagando-lhe os seios
com rudeza.”778 Luísa não conseguia entender o porquê da mudança. Será que a mãe também
enxergava o marido como um bruto? “Talvez pior. O pai era mau, mais carregado que
Terêncio.”779 Não sabia explicar as causas, mas não sentia a mínima vontade de transar com o
marido. Passou a simular doença para evitar o ato sexual, mas nem sempre era possível fugir.
Como se sentira suja, poluída e imunda depois daquela cena! Era ridículo. Terêncio
estava sozinho, grotesco, se debatendo sobre um pedaço de madeira, sobre um ser
morto. Naquele momento Luísa julgara-se amarrada, insensível, morta. Um pedaço
de pau. Percebia o que se passava como coisa distante, sentia-se do lado de fora,
olhando e vendo. Vendo. Nunca o ato sexual lhe pareceu tão ridículo e brutal.
Cafungar de porcos. [...] Coisa absurda. Então a voz de Terêncio chegou-lhe num
esforço para sacudi-la. – “Estou dentro de você, querida Luísa.” Ódio que não
suspeitava em si explodiu e ela deixou por instantes de estar morta para odiar,
sacudida pelo forte desejo de matar. [...] Imbecil. Se soubesse que seu desejo era sabê-
lo a cem léguas de distância, não viria lembrar-lhe que estava em cima dela. [...]
Repugnância, nojo como não havia experimentado ainda diante de outra coisa,
invadiu-a. Ficou esperando que a situação terminasse, a água tiraria todos os vestígios.
Mas não se enganava, mesmo naquele instante Luísa sabia que não conseguiria tirar
a sujeira que se entranhara dentro de si. [...] Para ela, ele era macaco enorme e
corpulento solto pela casa, trepando na escada para apanhar peças de fazenda nas
prateleiras da loja. Ontem – porco, hoje – macaco. Sempre bicho, animal, homem. [...]
Chegara a pensar em prostituta, mulher que se entrega sem prazer, cavalgada por
brutos. Tivera asco e pena de si mesma, bicho passivo, imolado como carneiro no
matadouro, sem gemido, olhos arregalados cheios de censura incompreendida.780
Ainda que se sentisse livre para imaginar outros homens, não tinha coragem suficiente
para mudar os rumos de sua vida. Infeliz, lembrava-se de um amor do passado, da época em
que estudava em Salvador. Alberto invadia-lhe os pensamentos constantemente. Lembrava-se
dos encontros às escondidas no escritório do homem que lhe satisfazia os desejos, ao mesmo
tempo lhe fazia sofrer. Alberto tinha uma companheira, a Mulher-de-Tranças, com quem tinha
uma filha.
781
Ibid. p. 146.
782
Ibid. p. 121-122.
207
Ainda que tivesse consciência do mal estar que Alberto lhe causava, Luísa permitiu-se
reencontrar Alberto e reviver as experiências do tempo em que morava em Salvador, mesmo
estando casada. O reencontro ocorreu no baile de inauguração da luz-elétrica em Simão Dias,
após dois anos de afastamento. Durante a festa, o próprio Terêncio sugeriu que Luísa viajasse
para Salvador em companhia de Alberto. Não imaginava que aquele homem era a grande paixão
de sua esposa.
Percebendo que a mulher andava estranha e triste, Terêncio acreditava que a causa
daquele estado era excesso de trabalho. Por isso, resolveu proporcionar-lhe dias de descanso na
capital da Bahia. De início, Luísa foi contra a sugestão do marido. Ficou com receio de viajar
com Alberto. “Logo Terêncio queria aproximá-los! Absurdo.”783 Depois ficou contente com a
possibilidade de rever a Bahia e reviver momentos com o amor do passado. Aos poucos, o
acanhamento e o rancor que possuía de Alberto foram se desfazendo, bem como o remorso de
não ter explicado tudo a Terêncio. A sensação de liberdade e alegria tomou-lhe por completo.
Foram intensos os três meses que Luísa passou na Bahia. Após os momentos revividos
com Alberto, retornou a Simão Dias sentindo a necessidade de sossego, querendo esquecer as
tardes prazerosas com o amor do passado. Precisava se distanciar daquela história, esquecê-la.
Espaço grande, distância que significasse segurança, proteção contra a força que a
impelia para os braços de Alberto, sabendo que não se saciaria, que ia apenas buscar
humilhação, ser machucada e espezinhada. Com o tempo chegara a compreender o
que havia acontecido, analisara as atitudes de Alberto, vira a extensão de seu egoísmo,
a cegueira que o dominava apagando tudo que não fosse ele, a vaidade, a satisfação
do sexo.784
783
Ibid. p. 89.
784
Ibid. p. 123.
785
Ibid. p. 123.
208
Um dia após terem conversado em Aracaju, ela recebeu um convite de Alberto, projeto
de reencontro, mas o recusou. Com a recusa, Alberto demonstrou um descontentamento infantil,
chamando-a de covarde e medrosa. “Primeiro desorientação, depois despeito, enfim explosão
de grosseria. Tão simples, tudo à flor da pele: egoísmo, vaidade, convicção estúpida da
superioridade do macho.”786
Meses depois da recusa de reencontro com Alberto, Luísa sentiu-se arrependida, muito
embora reconhecesse que ele não passava “de saco vazio, inchado de vento: presunções e frases
empoladas de literatura xaroposa.”787
Alberto podia ser egoísta e covarde; reconhecia apesar de tudo que fora o homem de
que gostara realmente. O único desejo capaz de fazer-lhe o coração pulsar com
ansiedade era estar com ele, sabê-lo sentado no braço da poltrona do escritório,
acariciando-lhe a cabeça pousada no joelhos. Quando Alberto queria, sabia ser
carinhoso, afagava-a de mansinho, entranhando os dedos pelos cabelos, roçando-lhe
a nuca numa carícia leve e fugidia. Encontrava palavras de ternura de uma delicadeza
comovente. Luísa sentia falta dos momentos de intimidade, e nada no mundo igualava
a satisfação de experimentar os apelos do desejo de Alberto. Ele ia desembaraçando-
a, uma por uma das peças de roupa, sacudindo-as à toa sobre a secretária, na poltrona,
em cima da máquina, nas estantes, derrubando brinquedos de pelúcia dos mostruários.
– Você é minha, Luísa?
Seus braços prendiam-na com força. Envolvendo-lhe as costas nuas, e a afirmativa de
Luísa reduzia-se a balançar a cabeça, firmar o queixo numa pressão demorada de
encontro ao ombro.
– Meu bichinho.
O nome soprado como sussurro tinha o poder de torná-la pequena, desejosa de
amiudar-se mais até sumir-se, perder-se inteiramente absorvida pelo homem
amado.788
786
Ibid. p. 124
787
Ibid.
788
Ibid. p. 166-167.
209
nele estava Alberto e com Alberto a possibilidade do desejo, do amor, de ser fêmea,
de sentir sal na boca, cheiro de sargaço, gozar a impressão de dormir boiando sobre
as águas, igual a um deus em princípio de mundo.789
Aquele homem lhe dava prazer, despertava-lhe o desejo e ela se arrogava o direito de
senti-lo. Como não conseguia satisfação sexual com o marido nem podia ter Alberto, Luísa
tinha sonhos eróticos. Sonhava com um homem que pudesse, ao mesmo tempo, lhe
proporcionar prazer sexual e leveza na alma.
Luísa encontrava-se sentada no batente de uma casa. Escuro atrás dela, uma porta
fechada; em frente teve a intuição de que se estendia um quintal. Estava só e infeliz.
Percebeu passos, alguém sentou-se ao lado, no batente. Era homem, a voz era de
homem. Estava cega, não via o rosto do homem. Aos poucos, acostumou-se a não
enxergar, não sofria. Ele começou a falar e acariciar-lhe os cabelos e o rosto. [...] A
proximidade foi despertando desejo. O homem compreendeu, levantaram-se.
Surpresa, verificou que a porta não estava fechada como julgara antes. No interior da
casa escura achou-se completamente cheia de desejo. O homem fez-lhe carícias e ela
entregou-se toda, confiante. Quis sentir prazer, prazer forte. Sentiu. Veio sono, antes
de dormir, num instante de lucidez aguda, perguntou-lhe: – “sou pedaço de pau, estou
viva?” E o homem respondeu sem hesitar: – “Está viva Luísa, você é fêmea”. Quis
ver-lhe o rosto, agarrá-lo. Estava cega, o homem escapou. Mas o fato não a afligiu,
tinha paz e tinha sono. [...] Quem era o Homem? Quem era esse homem, que lhe
acariciava as nádegas? Quem era o homem? Perguntas acudiam sem intervalos,
insistentes como ordens. [...] o homem estava dentro de sua vida, no passado. [...]
Terêncio? Não, o marido era um tolo. Alberto? O chão do escritório, o silêncio, a noite
caindo. Não. Afastando-se do prédio deserto depois desses encontros, seus passos
levavam desassossego, sensação de logro, insatisfação. A voz de Alberto não desatava
laços, apartava nós, amarrava-a cada vez mais com a corda estranha feita de cabelos
de mulher. A Mulher-de-Tranças vigiava-os.790
A busca constante pela satisfação sexual da personagem Luísa demonstra que ela não
assimilou bem a educação religiosa. Embora lembrasse claramente “das regras de conduta”, ela
não parecia muito interessada em cumpri-las. Ao contrário, subverteu todas elas: não preservou
castidade até o matrimônio, não teve filhos, tinha desejos sexuais ardentes e não venerava o
marido.
789
Ibid. p. 170
790
Ibid. p. 170.
791
Ibid. p. 108-109.
210
Logo quando casou, ela até desejou uma criança. Mas não conseguia engravidar e não
sabia bem o motivo. Após quatro anos de casada, ela não desejava mais. Quando transava com
Terêncio lhe vinha na mente, seguidas vezes, a frase: “‘Não tem filho’. ‘Não tem filho’, ‘Não
tem filho.’”792 A atitude, estava relacionada à insatisfação com a vida conjugal. Luísa pretendia
tornar-se livre e um filho a tornaria ainda mais presa ao marido.
Embora sentisse a necessidade da liberdade, ela não encontrava coragem para dar a vida
outro rumo. Muitas vezes sentia o “desejo de fugir, [...] cortar as amarras que a ligavam ao
passado, ir começar a vida noutra parte, numa cidade grande onde ninguém a conhecesse, onde
não ouvisse referências ao pai, a Terêncio e a Alberto. [...] Seria a conquista da liberdade.”793
Luísa, assim como o resto das mulheres de Simão Dias, não estava feliz. Estava ligada
à figuras masculinas que a oprimia: o pai, o marido e o amante (Alberto). Mas, diferente da
maioria das mulheres da pequena cidade, não se conformava com a sua opressão e buscava
constantemente entendê-la, inclusive observando suas alunas e alunos. Percebeu que desde cedo
as diferenças entre os sexos se faziam presentes, influenciando os destinos dos indivíduos.
Rosto tristonho, testa escondida pela barra de cabelos em franja, pensava. [...] Já devia
ter compreendido que as companheiras a evitavam seguindo instruções de casa, seus
ouvidos com certeza estavam cheios do que se dizia sobre as idas de sua mãe, todas
as tardes, ao cartório de seu Alexandre. Sentia falta de camaradas. [...] Tinha
necessidade de sair de Simão Dias, sair para não voltar nunca.795
Enquanto as meninas faziam as atividades “colando” uma das outras, “os meninos
escreviam em silêncio, despreocupados da presença uns dos outros, entregues unicamente ao
que estavam fazendo. Cedo iam vivendo independentes, firmados nas próprias forças.”796 Luísa
achava melhor lidar com eles. Das meninas, apenas Laurinda acompanhava este ritmo de
trabalho. “Clarita e Inesinha começavam a voltar os olhos para [elas] mesmas, ajeitar as blusas
792
Ibid. p. 42
793
Ibid. p. 61.
794
Ibid. p. 53.
795
Ibid. p. 53.
796
Ibid. p. 54.
211
exibindo seios novos e ousados [...] Estavam mocinhas e eram absorvidas pela luta há muito
desencadeada entre as mulheres de Simão Dias.”797
Luta silenciosa, surda, que lhes enchia os anos da mocidade e lhes deixava um travo
de fracasso pela vida em fora, derrota que as tornavam amargas, ferinas, exigentes,
prontas a atirar a primeira pedra, retalhar a reputação alheia, erguer o dedo acusador
apontando, marcando outra mulher. Em Simão Dias era raro encontrar família onde
não houvesse duas ou três solteironas, subjugadas pela vontade paterna, batendo na
máquina de costura, com a almofada de bordado no colo, mexendo tachos de doces
ou fazendo calos nos joelhos em longas orações nos bancos da matriz. [...] Ali estavam
quatro meninos e três meninas; todos sairiam da cidade pequena para estudar na
capital do Estado; elas voltariam e eles iriam estabelecer-se em outra parte onde
houvesse maiores possibilidades. [...] Voltariam compreendendo melhor os
problemas, exigindo mais e sentindo-se estranhas entre os seus. Situação
intolerável.798
Por perceber as diferenças que marcavam as relações entre os sexos, Luísa mostrava-se
solidária às mulheres que rompiam com os padrões sociais e eram discriminadas por isso.
Diante do sofrimento de Laurinda – a filha de d. Aurinha dos Correios – que não aceitava os
encontros que a mãe mantinha com seu Alexandre do cartório, resolveu chamá-la para uma
conversa, aconselhando-a que fosse compreensiva com a mãe.
Na carteira da frente [...] Laurinda permanecia sentada. [...] Luísa sentou-se ao lado
da menina, passou o braço envolvendo-lhe as espáduas e esperou. Laurinda começou
a falar em voz rouca. Sofrimento e revolta explodiram em palavras entrecortadas.
– Minha mãe não presta, eu tenho vergonha dela. [...] Ela não presta e todo mundo
pensa que eu também não presto. As meninas fogem de mim como se eu tivesse
sarna”. [...]
– Laurinda, [...] Você não pensou ainda que as pessoas são livres de fazer o que
entendem, de agir como julgarem certo. [...] Você não deve julgá-la, não conhece os
motivos que a levaram ao cartório. Já lhe perguntou se foi feliz com seu pai? Se não
se sentiu só, muito só, durante os anos que você era pequena, quando lutava para salvar
as duas da miséria? Há muita coisa que você desconhece, procure saber tudo antes de
julgar, minha filha. [...] Se as mães de família são rigorosas com você estão agindo
como aprenderam, isto não quer dizer que tenham aprendido certo e não cometam
injustiça, julgando proteger as filhas. [...] Tudo dependerá de sua vontade. Você deve
lutar para ter vida própria, preparada por você mesma, diferente da pasmaceira em
que estamos mergulhadas. [...] Enquanto se prepara para isto, encarar os fatos com
coragem. A tarefa de hoje será ir para casa, procurar aceitar sua mãe com a vida que
escolheu, sem julgá-la, nem lhe atirar pedras.799
Luísa também ajudou Iná a fugir com Henrique, quando ela encontrava-se desesperada
com a gravidez. Auxiliou por acreditar que Iná tinha o direito de ir embora para ter o filho em
797
Ibid. p. 54.
798
Ibid. p. 54-55.
799
Ibid. p. 57-59.
212
paz. “Em casa não encontraria sossego, isso se o pai consentisse que ela ficasse com a irmã
mais nova.”800
Por outro lado, não demonstrou a mesma solidariedade com Sinhana, mulher
abandonada pelo marido que fugiu com outra.
Luísa tinha sentido desprezo diante das lágrimas da mulher abandonada, embarcação
sem leme, cativa desarvorada pela falta do chicote do senhor. Era ridícula a atitude de
Sinhana, chorando sem pudor, exibindo fraqueza aos olhos de estranhos. Conseguindo
apenas provocar piedade, fazer nascer em volta gestos de lástima e solicitude
humilhantes. Rojando-se no chão como bicho pisado, enquanto ele levava na garupa
do cavalo outra presa, a mulher escolhida.801
O sentimento de desprezo se devia ao fato de não suportar ver a mulher humilhada por
se ver sem um homem, alguém para lhe colocar rédeas. Nos pensamentos de Luísa havia,
também, uma dose de inveja. Seu Antônio tomou a atitude que, no passado, ela esperava de
Alberto.
Perscrutando a estrada, os olhos de seu Antônio deviam ter brilho másculo, a luz do
domínio, soubera fazer o que ela tanto havia esperado de outro homem no passado.
Na véspera tinha experimentado repugnância, abstivera-se de tocar em Sinhana, e sua
posição era semelhante a dessa mulher relegada, não conseguira nunca ocupar o centro
da vida de Alberto. [...] O braço de seu Antônio deve envolver a cintura de Nanã como
uma cadeia, braço de quem irá comandar-lhe a vida.802
Luísa estava sempre pronta para avaliar os problemas dos outros. No entanto, não
conseguia resolver as suas próprias dificuldades.
cadeias, para desfazer a sorte de escrava herdada de mãe Carolina.”804 Embora se sentisse
superior em inteligência e experiência, Luísa se encontrava em condições semelhantes as da
mãe e de todas as mulheres de Simão Dias.
O destino tratou de ajudá-la. Numa tarde de sábado, dia de feira, Terêncio saiu para o
trabalho para não mais voltar. Sofreu um acidente fatal. Foi atacado por um touro. A morte de
Terêncio significou um marco importante para a vida de Luísa. Metaforicamente, a morte do
homem simbolizou o renascimento da mulher.
O choque possibilitou que Luísa enxergasse as coisas com mais clareza, percebendo os
motivos da “escravização feminina”. Após a morte do marido ela passou a gerir sua própria
vida, resistindo às pressões do meio. O velho Bernardinho logo apareceu para tentar imprimir-
lhe a direção.
Luísa resolveu apoderar-se, gerir seus negócios. Decidiu nunca mais abrir mão de si
para satisfazer os desejos de um homem.
Uma após outra, fora derrubando as colunas em que se apoiava o homem para
submetê-la e manter-se na dianteira. Que a cidade continuasse condenando sua
atitude. Queria morar sozinha com uma menina [Maria do Carmo], apesar de ter a
casa dos pais a dois passos: a loja pertencia-lhe e ninguém podia arrogar-se do direito
804
Ibid. p. 173.
805
Ibid. p. 172-173.
806
Ibid. p. 179.
214
de arrancá-la do que era seu. Que lhe importava a opinião alheia? [...] Podia continuar
à frente da sua própria vida, levantara-se da estagnação e as pernas tinham sustentado
o peso do corpo, dera os primeiros passos sem auxílio, era tarde para aceitar
oferecimento de muletas. Em que se baseava aquele homem [o pai] para se julgar mais
capaz, ele que não soubera conduzir a própria vida? Conhecimento do mundo? Apenas
o fato de ser pai, de ser homem.807
Depois da morte de Terêncio sofreu desarvorada durante longos meses. Eram constantes
as crises de remorso e desespero. O sofrimento lhe foi útil para que pudesse entender os motivos
de sua subjugação. Conseguiu perceber que Terêncio era um homem simples, bom. Uma
criatura medíocre que precisava de pouco para ser feliz.
De onde vinha então aquele poder que o tornava odioso? Emanava dela própria, do
defeito de visão, das lentes falsas que mãe Carolina e a educação lhe haviam colocado
diante dos olhos. Lentes usadas por mãe Carolina antes da noite silenciosa do alpendre
e que, por sua vez, havia recebido em noite igual de outras mãos de mulher.
Resignação e passividade no cativeiro vinham de longe, sucedendo-se através de
gerações que se perdiam no passado. Para que discutir se estava na bíblia, se Deus já
havia dito milênios atrás, à primeira fêmea: – “Multiplicai-vos grandemente a tua dor
e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido e ele te
dominará.” De cabeça baixa, culpada e servil, a mulher vem se arrastando como bicho
manso, coração cheio de vergonha, olhos sem esperança fitando um homem à sua
frente. [...] Mãe Carolina conhecia a maldição a seu modo, ao jeito do povo que perdeu
o contato com a Bíblia, não conversa mais diretamente com Deus, porém guarda na
memória ecos de antigos desígnios.808
Luísa procurava compreender por que havia aceitado a herança esmagadora. Ela possuía
grandes armas – o estudo e a independência econômica – para ter compreendido que sua posição
junto a Terêncio deveria ser diferente da mãe ao lado do velho Bernardino. Refletindo, percebeu
que independência econômica e acesso à educação não eram suficientes para que as mulheres
conquistassem a liberdade. Outro elemento era fundamental: a independência afetiva.
No último período da Escola Normal, discutira muito com as colegas sobre a liberdade
da mulher; naquela época seus planos de independência reduziam-se à luta
econômica, à posse do dinheiro; algumas vezes avançava também no domínio
intelectual, procurando ter percepção lúcida de problemas humanos. Com surpresa
Luísa certificara-se que vencer nos terrenos econômicos e intelectual não constituía
tudo para a mulher, falta muito para que seja inteiramente livre, senhora de seu
destino. [...] Para quebrar cadeias, fora sacudida pelo sofrimento, atirada no espaço ao
sabor de conflitos, ferira e ensanguentara as mãos. Velho Bernardinho partira
derrubando a cadeira, despedaçara-se o derradeiro fio. Pela primeira vez,
experimentara independência, tinha consciência de liberdade agora que rompera com
a escravidão afetiva, abandonara as lentes falsas herdadas da mãe Carolina, partira a
continuidade de submissão mantida pelas mulheres da família através de gerações.
Escolhera o caminho, dirigia o voo mesmo contra o vento, era livre e, sem apoio,
começava a conhecer segurança, compreendia que ela estava dentro de si mesma,
807
Ibid. p. 179.
808
Ibid. p. 180
215
nascia da confiança nas próprias forças. Poderia viver em Simão Dias, em qualquer
parte do mundo, e permanecer independente, mantendo a liberdade conquistada.809
Após experimentar a independência, Luísa pôde avaliar melhor os homens que passaram
em sua vida, compreendendo os motivos que a aprisionava a eles. Lembrou que logo depois da
morte de Terêncio pensou em ir à procura de Alberto. Mas logo percebeu o verdadeiro
significado daquele sentimento. Na verdade, Alberto “era um fantasma ressuscitado às pressas
para servir de tábua de salvação, de escudo diante do presente desagradável que ela não tinha
coragem suficiente para encarar e resolver.”810
A obsessão por Alberto era alimentada por uma ideia de que as mulheres precisavam
obrigatoriamente de um homem para guiar-lhes a vida e se sentirem felizes. Devido a esta falsa
noção, Luísa, ao se deparar com os conflitos matrimoniais, buscou em outro homem o conforto
para as suas inquietações. “Em sua desorientação, tinha procurado auxílio onde não existia,
pedira segurança a quem não lhe podia dar.”811
Muito embora reconhecesse que o machismo imperava na sociedade, Luísa não afastou
a possibilidade de encontrar um companheiro. “Em seu projeto de felicidade havia lugar para o
homem.”813 Porém, não estava disposta a conquistar a harmonia com renúncias humilhantes.
Desejava um homem “que andasse lado a lado com ela, sem a tentação de adiantar-se no
caminho para ser seguido.”814 Após a morte de Terêncio, começou a compreender que o amor
só era possível quando construído “na igualdade entre homem e mulher.”815
809
Ibid. p. 181-182.
810
Ibid. p. 182.
811
Ibid. p. 183.
812
Ibid. p. 183.
813
Ibid.
814
Ibid.
815
Ibid. p. 184
216
Em Luísa, Alina Paim embutiu uma consciência de gênero pouco comum à época,
inclusive entre as pecebistas. Na década de 1940, geralmente atribuía-se a subjugação feminina
a fatores econômicos, educacionais e jurídicos, como evidenciamos nos capítulos anteriores.
Através de Luísa, Alina Paim levantou uma problemática singular: a dependência afetiva como
816
Ibid.
817
Ibid.
217
condicionante da opressão das mulheres. Esta questão, aparentemente, está vinculada às teorias
da psicanálise. Inclusive, a narrativa apresenta a expressão “raízes inconscientes” para explicar
a subjugação das mulheres. Lembremos que Alina Paim foi casada com um médico psiquiatra.
Por isso, é possível que tenha tido acesso as teorias psicanalíticas que podem ter influenciado
suas análises sobre a condição feminina.
O final do romance é emblemático. Luísa vai ao encontro de Maria do Carmo para juntas
abandonarem Simão Dias. Neste momento, fundem-se as duas personagens que “longe
daquelas serras”, encontrariam “o segredo da liberdade da mulher”. Maria do Carmo,
representação do futuro desejado, não teria as mãos despedaçadas pelas “amarras do balão
cativo” como as outras mulheres da pequena cidade.
Além delas, há o caso das “solteironas”, Iaiá e Adélia. Ambas tiveram suas vidas
deterioradas e não fizeram nada para mudar. Ao contrário, se conformaram a uma vida medíocre
e amarga. A primeira, doente e frustrada, canalizava suas energias para vigiar e julgar a vida
alheia. A única criança que amou lhe foi tomada e ela foi incapaz de superar a mágoa.
Contraditoriamente, foi incapaz de ter apreço pela própria sobrinha, Maria do Carmo, a quem
vitimava com inúmeros castigos, palavras ásperas e humilhações diversas, inclusive violência
física. Adélia, por sua vez, vivia arrependida por não ter casado. Movida por um pensamento
estreito, via o casamento como a única alternativa de liberdade. Como não casou, assistiu a vida
passar, ora sentada em uma máquina de costura, ora na porta da rua olhando e comentando a
vida das vizinhas.
Além das “solteironas” frustradas, havia a mulher pobre que morava sozinha e
controlava sua própria vida. Neste caso, ficou evidente que embora todas as mulheres sofressem
discriminações de sexo, os níveis de opressão eram diferenciados. Algumas ainda eram vítimas
da opressão de classe, a exemplo de Maria Pequena, que não abria mão de sua casinha humilde,
pois lá patroa nenhuma poderia humilhá-la.
rompeu com alguns ideais de feminilidade, talvez os mais marcantes: manteve uma relação
extraconjugal; não teve filhos; questionou e desafiou, na prática, os ensinamentos religiosos;
tinha pensamentos violentos e desejos sexuais intensos, permitindo-se realizá-los, ainda que se
sentisse culpada em alguns momentos. Mas no final ela compreendeu que a culpa estava
relacionada a uma cultura machista, limitadora das liberdades femininas, inclusive no exercício
de sua sexualidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora reconhecessem que todas as mulheres eram oprimidas, não deixaram de pontuar
que as trabalhadoras e pobres eram as que mais sofriam com as desigualdades, pois além de
não desfrutarem da liberdade pela sua condição de sexo, eram exploradas enquanto classe. Por
isso, algumas defenderam, influenciadas pelo pensamento comunista da época, que a luta
deveria ser feita em etapas. Primeiro deveriam ser resolvidos os problemas considerados mais
urgentes, os de classe, depois aqueles relacionados às diferenças sexuais.
Apesar desta concepção mais geral, outras mulheres do próprio partido, a exemplo de
Alina Paim, problematizaram a ideia de que a principal causa da subjugação feminina estava
relacionada aos problemas de classe. Para Alina Paim, além da subjugação econômica, havia a
subjugação afetiva, promovida por uma cultura que condicionava e limitava a vida das
mulheres, tanto no âmbito familiar, quanto nas esferas consideradas públicas. Pelas descrições
de Alina, a cultura androcêntrica acabava deixando marcas indeléveis no inconsciente feminino,
levando as mulheres a naturalizar o estado de submissão.
Em que pese todo investimento para que as mulheres lutassem pela igualdade sexual
integradas ao partido, na prática, a estrutura formal permaneceu androcêntrica. As mulheres
praticamente não ocuparam cargos de direção, inclusive nas estruturas de base, como os
Comitês Populares Democráticos. Apesar de não ter havido equidade de gênero nos cargos
diretivos, elas executaram outras atividades imprescindíveis para o partido e para a sociedade
em geral. Algumas contribuíram intelectualmente para a análise dos problemas sociais.
Colaboraram no debate acerca das questões ligadas ao combate ao fascismo, à realização da
reforma agrária, etc. Lançaram mão de estratégias e táticas próprias, tanto na luta pela
222
emancipação feminina, quanto pela abolição de outros problemas sociais. Além disso,
fundaram organizações, a exemplo da Federação de Mulheres do Brasil.
A publicação desta autocrítica nos faz pensar sobre quão complexa foi a relação entre o
PCB e o ideário feminista. Na década de 1940, apesar dos limites, observamos uma atuação
significativa dos “quadros femininos”. Todavia, na década de 1970 o partido reclamou o
desaparecimento desses quadros e reconheceu que não havia dada a atenção necessária à
“questão feminina”.
Muito provavelmente, entre 1949, momento em que foi fundada a Federação Mulheres
do Brasil, e a década de 1970, período em que o partido legitimou o feminismo, muitas águas
correram por debaixo da ponte. Muitos debates foram travados. Durante o processo, certamente,
818
SOIHET, Rachel. Do comunismo ao feminismo: a trajetória de Zuleika Alambert. Cadernos Pagu: São Paulo,
n. 40, p. 169-195, jan.-jun. 2013. Disponível em <http://www.pagu.unicamp.br/en/cadernos-pagu > Acesso em:
15 jan. 2015.
819
Ibid.
223
ocorreram muitas rupturas, bem como alianças. Mas esses segredos ainda estão encobertos
pelas poeiras do tempo. A limpeza nos fornecerá o enredo de outra história...
224
FONTES
Periódicos
Periódico Período consultado Acervo
1949 Biblioteca Pública do Estado
A Tarde da Bahia. Setor: Periódicos
raros.
1935; 1942-1949 Biblioteca Pública do Estado
Diário da Bahia da Bahia Setor: Periódicos
raros.
1942; 1945-1949 Biblioteca Pública do Estado
Diário de Notícias da Bahia. Setor: Periódicos
raros.
1942-1949 Biblioteca Pública do Estado
Estado da Bahia da Bahia. Setor: Periódicos
raros.
1931 Hemeroteca digital da
Homem do Povo Biblioteca Nacional. Sítio on-
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1944-1945 Biblioteca Pública do Estado
Letras Brasileiras da Bahia. Setor: Periódicos
raros.
1947-1949 Hemeroteca digital da
Momento Feminino Biblioteca Nacional. Sítio on-
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1945-1949 Biblioteca Pública do Estado
O Momento da Bahia. Setor: Periódicos
raros.
1945-1949 Hemeroteca digital da
Tribuna Popular Biblioteca Nacional. Sítio on-
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232
ANEXOS
Alina Leite Paim aparece de saia preta entre as duas mulheres da fotografia. (Tribuna Popular,
Rio de Janeiro, 07 set. 1946, p. 3).
Alina Paim em 1953 (Prontuário Alina Leite Paim. Alina Paim em 2007 (GILFRANCISCO, A
APERJ. Fundo DPS, cx. 605, fls. 13). romancista Alina Paim, p. 88).
235
Na parte superior da imagem aparecem, da esquerda para a direita: Mário Alves, Giocondo Dias
e Jaime Maciel. Em relação as mulheres, seguem, da esquerda para a direita: Ana Montenegro,
Carmosina Nogueira, Jacinta Passos, Bernadete Santos, Dagmar Guedes e Maria Lopes de
Melo. Logo abaixo, seguindo a mesma ordem: Aloísio Souza Aguiar, José Maria Rodrigues,
236
Lourival Lemos, Emídio Vilela, Saul Rosas e Esteliano França (O Momento, 19 jan. 1947, p.
8).
ANEXO I – Ana Montenegro em entrevista ao jornal O Momento
ANEXO L – Campanha por um milhão de votos nas eleições de janeiro de 1947 – metas
estaduais
Estados Total estimado de Votos a conquistar pelo
legendas Partido
1º grupo
São Paulo 1.450.000 350.000
Distrito Federal 550.000 200.000
Pernambuco 300.000 80.000
Rio Grande do Sul 650.000 100.000
2º grupo
E. do Rio (Rio de Janeiro) 350.000 78.000
Bahia 350.000 41.000
Minas Gerais 1.000.000 70.000
Ceará 300.000 30.000
3º grupo
Sergipe 50.000 13.000
Alagoas 70.000 10.000
238