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Queiroz desembarca em Brasília: de repente, ele passou de desaparecido a frequentador dos círculos do poder

na capital

Queiroz livre, leve e solto por Brasília


Em mais um retrato simbólico da pax vigente no país, o ex-assessor dos Bolsonaro que estava até havia pouco
na prisão agora circula desenvolto pelos corredores do poder, na capital da República. Ele está crente de que
será eleito deputado em outubro com a ajuda do clã presidencial
28.01.22

PAULO CAPPELLI

Quando a investigação sobre o rachid no antigo gabinete de Flávio


Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio veio à baila, logo após a
eleição presidencial de 2018, a oposição cunhou o proverbial “Cadê o
Queiroz?”, expressão que passou a ser repetida como mantra pelo país
afora. Para além da intenção de saber o paradeiro do homem que àquela
altura era o desaparecido mais famoso do Brasil, a pergunta era uma
forma de importunar o presidente recém-eleito. Afinal, Fabrício Queiroz,
apontado como pivô do esquema de recolhimento dos salários de
funcionários do filho 01, era homem da mais estrita confiança do próprio
Bolsonaro – coube ao presidente a indicação do faz-tudo Queiroz para
trabalhar com Flávio na Alerj. Por isso, o ex-PM era visto como espécie de
arquivo-vivo capaz de, se assim lhe conviesse, implodir o governo.

De lá para cá, no entanto, Queiroz sempre se mostrou fiel à relação de 37


anos que mantém com o presidente e seus familiares. A fidelidade tem
custos para os Bolsonaro. A face mais visível e conhecida dessa conta foi o
processo de blindagem ao ex-assessor. Nos primeiros anos de governo,
com os préstimos do notório advogado Frederick Wassef, Queiroz foi
estrategicamente tirado dos holofotes pela família presidencial. Depois de
passar quase dois anos escondido, o amigo pessoal do presidente foi
encontrado em junho de 2020, em casa que Wassef usava como escritório
em Atibaia, no interior paulista. Queiroz foi preso e interrogado. Em seus
depoimentos, nunca incriminou ninguém da família, mas, toda vez que se
sentiu abandonado, insinuou que poderia abrir o bico. “Minha
metralhadora está cheia de balas. kkkk”, escreveu em julho, para logo
depois dizer que estava apenas brincando.

Desde novembro do ano passado, há algo de novo, para não dizer


surpreendente, na postura de Queiroz. O policial reformado passou a
circular bem à vontade por Brasília – em algumas ocasiões, como quando
margeou o Congresso Nacional de carro, ficou a poucos metros de onde
Bolsonaro despacha, no Palácio do Planalto. Detalhe não menos
importante: ao desfilar com desembaraço pela capital federal, Queiroz fez
questão de documentar suas andanças. A foto que ilustra a capa da atual
edição de Crusoé – a primeira imagem conhecida de Fabrício Queiroz em
Brasília – foi feita em 9 de dezembro, dia em que o policial reformado se
reuniu com a presidente nacional do PTB, Graciela Nienov, na sede do
partido ao qual gostaria se filiar e, assim, poder se candidatar à Câmara
dos Deputados em outubro. Durante a viagem, Queiroz encheu o rolo da
câmera de seu celular com imagens de Brasilia. Na área de desembarque
do aeroporto Juscelino Kubitscheck, entregou o próprio aparelho de
telefone para que outras pessoas registrassem a sua saída, para deixar
bem claro onde estava – e guardar a imagem como prova.

O novo comportamento de Queiroz é de altíssima relevância política. Já


seria no mínimo curioso vê-lo circulando lépido e fagueiro por Brasília,
depois de passar tanto tempo nas sombras com a ajuda conveniente de
pessoas do entorno do presidente. Mas é mais do que isso. O ex-assessor
de Flávio Bolsonaro sabe bem os danos que pode causar aos projetos
políticos do clã presidencial e joga estrategicamente com essa carta, de
modo a garantir salvaguarda e apoio para seus planos, como este de
agora, de se candidatar a uma vaga no Congresso. Os registros que o
próprio Queiroz faz de seu périplo por Brasília podem ser lidos de várias
formas – não convém, no entanto, fazer essas leituras de modo inocente,
principalmente pelo que ele representa e pelo personagem que é: um dos
poucos brasileiros que podem se dar ao luxo de manter uma espada
pendurada sobre a cabeça do presidente da República. É evidente que
Bolsonaro, se pudesse escolher, preferiria ver o seu antigo faz-tudo bem
longe das cercanias dos Palácios do Planalto e da Alvorada. A título de
comparação, é como se os pivôs do mensalão Marcos Valério e Delúbio
Soares perambulassem com desenvoltura por Brasília no auge do
escândalo que engolfava Lula, nos idos de 2005. Mas Queiroz, neste
momento em que cultiva planos políticos já conhecidos, faz questão de
deixar claro que está bem próximo de Bolsonaro.
Carolina

Antunes/PR Jair e
Flávio: Queiroz nega, mas mantém canal de comunicação aberto com o
clã presidencial
Hoje, um dos principais desejos do ex-assessor é conseguir o apoio tanto
de Flávio quanto do presidente em sua empreitada à Câmara. Quando
lançou sua candidatura, divulgou um vídeo em que exibia intimidade com
a família presidencial. Numa das cenas, ele e o senador Flávio Bolsonaro
fazem sinal de positivo para as câmeras. Em outro momento de
descontração do vídeo, Queiroz e Jair Bolsonaro aparecem juntos de
sunga na praia. Em declaração recente a Crusoé, ele foi direto ao
ponto. Disse que, se contar com o apoio do clã presidencial, vai se
sagrar “o deputado mais votado” do Rio de Janeiro.
Hoje, no entanto, as chances de Queiroz ter os Bolsonaro como cabos
eleitorais à luz do dia são mínimas. Crusoé apurou que a decisão do ex-
policial de se candidatar gerou grande desconforto no Palácio do Planalto.
Afinal, a candidatura do ex-assessor terá o condão de reavivar na
memória do eleitor, no calor da campanha presidencial, temas que o
presidente quer ver esquecidos, como o próprio caso do rachid e os
cheques para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. “Queiroz tem muitos
serviços prestados, mas a eleição presidencial de 2022 será muito mais
difícil que a de 2018. Cada detalhe vai contar muito. E o Queiroz,
querendo ou não, traz desgaste para o presidente. O melhor, para a
família e para o próprio Queiroz, seria ele não ser candidato” , afirma um
antigo aliado de Flávio.

Pessoas próximas à família presidencial afirmam que Queiroz chegou a


comunicar Flávio que seria candidato antes de tornar o plano público.
Embora Queiroz negue, as conversas entre ambos, segundo relatos
obtidos pela reportagem, são frequentes, sempre em tom amistoso, e
ocorrem por meio de intermediários. A aliados, Flávio diz que nada pode
fazer para impedir o antigo parceiro de se lançar candidato. Para o
presidente, é uma complicada saia-justa. Quem conhece os Bolsonaro diz
que há gratidão “pelos serviços prestados” e confiança de que Queiroz
manterá guardados os segredos mais recônditos do clã. Aliados de
Bolsonaro dizem que ex-PM nunca chegou verbalizar ameaças ou fazer
chantagens mais pesadas – para além das indiretas e insinuações – e que
não seria do feitio do ex-assessor, visto como “casca-grossa” desde os
tempos de policial, riscar o fósforo capaz de detonar o governo. Sempre
há o receio, no entanto, de que Queiroz, para atingir determinados
objetivos, como os que nutre agora, possa mudar de postura.

A ida a Brasília em 9 de dezembro foi a segunda apenas nos últimos


meses no ano passado. Em 2 de novembro, Queiroz deu as caras na
convenção nacional do PTB que oficializou Graciela Nienov como
presidente nacional da sigla, na esteira da prisão de Roberto Jefferson, o
todo-poderoso da agremiação. No mesmo dia, Queiroz teve mais dois
compromissos. Pela manhã, reuniu-se com o advogado Paulo Emílio Catta
Preta, responsável por sua defesa no caso do rachid, e com quem não
falava diretamente desde que teve seu celular apreendido pela Justiça – o
contato com Catta Preta se dava até então por intermédio de suas filhas,
o que gerava ruídos na comunicação. À tarde, dirigiu-se para um bar que
transmitia num telão a partida entre Flamengo e Atlhetico Paranaense
pelo Campeonato Brasileiro. O lugar estava apinhado de políticos –
alguns, ao reconhecê-lo, o cumprimentaram. Queiroz jura que não entrou
em contato com ninguém da família Bolsonaro nos dois dias em que
esteve em Brasília e que pagou as passagens com recursos
próprios. Mas Crusoé apurou que ele fez o circuito Esplanada dos
Ministérios-Praça dos Três Poderes. Tanto que, em sua câmera, há pelo
menos uma foto, por exemplo, com as torres gêmeas do Congresso
Nacional ao fundo.

Reprodução Michel
Winter com a deputada Carla Zambelli: próximo de Bolsonaro, ele foi o
cicerone de Queiroz em Brasília
As andanças por Brasília contaram com o auxílio de cicerones alinhados
com o núcleo bolsonarista. Ao desembarcar na cidade no dia 9 de
dezembro – oportunidade em que se reuniu com Graciela Nienov, do PTB
–, Queiroz teve a companhia de Michel Neves Winter. Trata-se de um
autodenominado marqueteiro que organizava movimentos de direita em
Minas Gerais. Winter integrou a equipe de publicitários que trabalhou na
eleição de Romeu Zema, do Partido Novo, ao governo mineiro e ajudou a
estruturar a campanha de Bolsonaro no estado, em 2018, ocasião em que
conheceu Queiroz. Em junho de 2020, quando deixou a UTI depois de
passar 30 dias internado lutando contra a Covid, o marqueteiro recebeu
um vídeo do próprio Bolsonaro parabenizando-o pela
recuperação. “Passou por maus momentos, seu Michel. Eu também já
passei (mostrando a cicatriz da facada que levou durante a campanha de
2018)“, disse o presidente. A presença de Winter na reunião com Graciela
Nienov, no entanto, não repercutiu bem no PTB pela maneira como ele se
apresentou. “Esse Michel Winter chegou com o Queiroz no partido sem
agendar horário, disse que tinha influência e conhecia Deus e o mundo” ,
reclamou um influente petebista que participou das tratativas.
Foi apenas a primeira rusga entre Queiroz e a cúpula do partido. A relação
azedou depois que ele descobriu que o militar aposentado da Marinha
Waldir Ferraz, autointitulado amigo “zero zero” de Bolsonaro, também
negociava seu ingresso na legenda. Queiroz resolveu se candidatar a
deputado ao ver pessoas do círculo próximo do presidente buscando a
sorte nas urnas pelo Rio de Janeiro, justamente sua praia. Entre eles, o
sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro Max Guilherme Machado,
hoje assessor especial da Presidência. O ex-PM, então, articulou o
raciocínio óbvio: se os demais, que eram menos conhecidos que ele e
tinham “patente mais baixa” no círculo íntimo de Bolsonaro, poderiam ser
eleitos, e possivelmente com o apoio do presidente, por que não tentar
trilhar o mesmo caminho? No caso de Max, como foi Queiroz quem o
apresentou à família Bolsonaro e os dois ainda são próximos, não haveria
bola dividida durante a eleição. “Somos amigos. Tem espaço para o Max e
eu nos elegermos”, repete Queiroz. Quanto a Waldir Ferraz, o Jacaré, a
história é outra. O amigo de Bolsonaro é desafeto de Queiroz. Além disso,
há um entendimento por parte do ex-assessor que, no corpo a corpo em
busca dos votos dos cariocas, ambos correriam na mesma raia.
Reprodução Nesta
quinta, Queiroz foi ao MP do Rio buscar pertences que haviam sido
apreendidos
Com o entrevero com o PTB, surgiu um problema extra para Queiroz
resolver – se possível, com a intervenção da família Bolsonaro: ele precisa
achar outro partido disposto a abrigá-lo. O ex-assessor foi aconselhado a
procurar o PSC, do não menos notório Pastor Everaldo, e o PRTB, do vice-
presidente Hamilton Mourão. Antes mesmo da definição sobre a futura
legenda, Queiroz já pensa em como estruturar a campanha. Como era
quem cuidava das agendas eleitorais do 01 e marcava eventos com
lideranças locais espalhadas pelo estado, agora Queiroz planeja usar sua
valiosa agenda de contatos para tentar dar musculatura à própria
candidatura. Ele também pretende fazer dobradinha com o deputado
estadual Rodrigo Amorim, vice de Flávio na chapa à prefeitura do Rio em
2016. Na ocasião, Flávio e Amorim – que ficou conhecido por quebrar uma
placa com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco – receberam
424 mil votos e ficaram em quarto lugar na disputa. Caso realmente veja
frustrado o plano de ter os Bolsonaro como cabos eleitorais, o homem do
rachid vai precisar de ajuda para financiar sua campanha. Em 2018, o
custo médio por voto dos 513 parlamentares eleitos à Câmara foi de 10
reais. Quase metade dos eleitos há quatro anos declarou ao TSE um gasto
de, no mínimo, 1 milhão de reais. Não é pouco. Mas o ex-PM sabe que,
para alguém como Bolsonaro, comanda a máquina federal e é cercado
por empresários dispostos a bajular o poder a fim de ter polpudas
contrapartidas, amealhar um valor como esse depende muitas vezes de
um simples telefonema.
Se do ponto de vista político o futuro de Queiroz ainda é incerto, e, de
certa forma, está atrelado à família Bolsonaro, na seara jurídica a situação
começou a clarear para ele nos últimos tempos. Atualmente, a ação penal
contra Fabrício Queiroz – a mesma que envolve o 01 no caso do rachid –
está parada e só poderá ter andamento caso o Ministério Público do Rio
apresente nova denúncia contra ambos. Isso porque, em novembro, o
ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, o
mesmo por quem Bolsonaro disse ter se encantado “à primeira vista”,
anulou provas que haviam sido utilizadas pelo juiz de primeira instância
Flávio Itabaiana. Nesse escopo estavam, por exemplo, quebras de sigilo
bancário e fiscal de 95 investigados. Noronha acolheu um pedido da
defesa do senador Flávio Bolsonaro e, ao tomar a decisão, argumentou
que o Coaf promoveu indevida intromissão na intimidade e privacidade
do filho do presidente. “O Coaf compartilhou com o MP detalhes das
operações que, associados à forma de condução da investigação,
acabaram por promover, sim, indevida intromissão na intimidade e
privacidade dos correntistas ou depositantes de valores, sem a necessária
autorização judicial que garantisse a razoabilidade e proporcionalidade da
medida”, justificou o ministro.
Reprodução
Graciela, presidente do PTB, ao lado de Bolsonaro: reunião com o ex-PM
na sede nacional da sigla
Nesta quinta-feira, 27, Queiroz e sua mulher foram ao Ministério Público
do Rio reaver objetos que haviam sido apreendidos pela Polícia Federal
durante as investigações. Em meio ao material havia celulares e
notebooks do ex-assessor de Flávio Bolsonaro, de sua mulher e
filhos. Procurado por Crusoé, o Ministério Público do Rio de Janeiro
afirmou que “o procedimento que diz respeito ao senador Flávio
Bolsonaro tramita sob sigilo decretado pela Justiça, razão pela qual
nenhuma informação pode ser prestada”. Informalmente, fontes do MPRJ
afirmam que as investigações prosseguem e que o Ministério Público
aguarda a coleta de novas informações para decidir se oferece outra
denúncia. Seja como pretendente a uma cadeira de deputado, seja como
investigado, seja como homem-bomba da República, o jogo de Queiroz
nos próximos meses passa, necessariamente, por Brasília.
A sede da Embratur: para os próximos meses, 100 milhões de reais em conta para gastar

O cabidão da Esplanada
Menos transparente e com mais dinheiro para gastar, a Embratur virou um generoso cabide de empregos para
ex-assessores da família Bolsonaro e parentes de autoridades
28.01.22

JENIFFER GULARTE

Há um Paulo Guedes no governo que você provavelmente não conhece. O


atirador esportivo Paulo Guedes Landim de Carvalho não é ministro, mas
é mais prestigiado pela família Bolsonaro do que seu xará que comanda a
pasta da Economia. No caso dele, a amizade com Eduardo Bolsonaro, o
filho 03 do presidente, foi fundamental para a sua carreira deslanchar em
Brasília. PG, como é chamado pelo amigo, foi alçado da posição de
secretário da gabinete na Câmara a assessor da presidência da Embratur,
a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo. Há quase dois
anos, tem salário de 21 mil reais.

Landim chegou a um dos postos mais bem pagos do órgão vinculado ao


Ministério do Turismo, sem qualquer histórico de experiência na área. É
apaixonado por pistolas e fuzis, frequenta estandes de tiros na capital e é
sócio de uma empresa de saúde. Se lhe falta currículo no trade turístico,
sobra afinidade com o 03. Nas redes sociais, ele atua como garoto
propaganda da Sig Sauer – fabricante alemã de armas cujas causas
costumam ser defendidas bravamente por Eduardo – e é cicerone do
deputado em eventos mundo afora. O último deles foi a Shot Show 2022,
em Las Vegas, nos Estados Unidos, entre 18 e 21 de janeiro.

PG não é o único favorecido na Embratur por ser próximo do clã


Bolsonaro. Crusoé identificou outros seis nomes que mostram como a
agência virou um grande cabide de empregos, para abrigar desde amigos
e ex-assessores da família presidencial até familiares de integrantes do
primeiro escalão do governo.

A professora Maria das Dores Leite Pereira, 59 anos, está acomodada na


Embratur graças à relação de confiança de quase três décadas que seu
marido mantém com o próprio Jair Bolsonaro. Maria é mulher do tenente
Mosart Aragão Pereira, assessor especial e sombra do presidente em
compromissos públicos e privados. No passado, foi cunhada de Renato
Bolsonaro, irmão de Jair Bolsonaro. Na Embratur, ela é gerente de
patrimônio histórico e recebe quase 26 mil reais por mês. O publicitário
Floriano Barbosa de Amorim Neto, que trabalhou no gabinete de Eduardo
de 2015 a 2019, também foi agraciado com uma função na
agência. Ocupa a função de coordenador de promoção internacional, com
salário de 18 mil reais.

Depois de 13 anos lotada no gabinete do então deputado federal Jair


Bolsonaro, Miqueline Sousa Matheus, 40 anos, não foi esquecida pelo
chefe: hoje ela é auxiliar administrativa na Embratur, com salário de 3,5
mil reais. Amiga pessoal de Eduardo e de sua mulher, Heloisa Bolsonaro, a
jornalista Júlia Zanatta, de Santa Catarina, é desde o ano passado
coordenadora da Regional Sul da Embratur, com remuneração de 18,3 mil
reais.

Reprodução/redes

sociais PG, de azul,


com o Eduardo Bolsonaro: zero experiência com turismo
Também entra no rol de contemplados com cargos na Embratur a mulher
do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Há onze
meses, Cristiane Ferreira da Silva Freitas coordena o setor de Integridade
e Integração e recebe 18 mil reais. Ela se reporta a outra funcionária de
sobrenome conhecido no governo: Catiane dos Santos Monteiro Seif,
casada com o secretário da Pesca, Jorge Seif. Gerente do setor, Catiane
tem salário de 25,7 mil reais. Assim como Tarcísio é benquisto por
Bolsonaro, a ponto de ter virado a aposta dele como candidato ao
governo de São Paulo, Seif tornou-se uma espécie de filho honorário do
presidente. É chamado até de 06, o primeiro número vago na numeração
crescente que Bolsonaro dá aos seus rebentos. O secretário se
diz “apaixonado” pelo presidente e chegou a beijá-lo em uma live no início
do ano passado.
O histórico profissional dos nomes mostra que a qualificação para a
função não é o principal critério para as nomeações. PG, o amigão de
Eduardo, tem uma trajetória profissional que em nada lembra a missão
da Embratur. Além de atirador esportivo, ele é um dos sócios da Prime
Medical Serviços Médicos, empresa com sede em em São Paulo que,
segundo o registro na Receita, é especializada em “atendimentos
ambulatoriais com recursos para realização de procedimentos
cirúrgicos”. Até entrar na Embratur, PG era lotado no gabinete do líder do
PSL na Câmara, Major Vitor Hugo, um bolsonarista de quatro
costados. Foi na condição de assessor no Congresso que ele intermediou
um encontro entre o 03 e um representante da fábrica da Sig Sauer no
Brasil, em abril de 2019. O plano era facilitar a instalação de uma unidade
da empresa no Brasil – atualmente a Sig Sauer tem um escritório em
Brasília. Paulo Guedes também foi assessor da liderança do MDB e dos
deputados Coronel Armando, do PSL, e Mauro Mariani, do MDB, ambos
de Santa Catarina.

Em março de 2021, quando já ocupava o cargo de assessor da presidência


da Embratur, ele acompanhou Eduardo em uma visita à sede da Sig Sauer
para conhecer modelos de armas. Dizer que PG é garoto-propaganda da
marca alemã não é exagero: nas redes sociais da empresa, ele aparece
em fotos publicitárias, publicadas também no seu perfil pessoal, onde
incentiva os seguidores a comprarem armas da marca. No ano passado,
PG também foi com Eduardo a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos,
onde visitou a Caracal, uma fábrica de armas com sede na cidade. Por lá,
gravou vídeos do 03 em um estande de tiro.

Foi também por integrar a rede de amigos do 03 que a jornalista e


advogada Júlia Zanatta, que pretende se candidatar a deputada nas
próximas eleições, conseguiu um cargo de chefia na Embratur. Seu
currículo não menciona qualquer experiência na área de turismo.
Bolsonarista de carteirinha, Júlia conheceu o filho do presidente na época
em que namorava o dono de uma escola de tiro de Santa Catarina. O
relacionamento terminou, mas o laço com o deputado se fortaleceu. Ela
chegou a ser convidada para o casamento de Eduardo com Heloísa, em
maio de 2019. No ano seguinte, passou o carnaval com o casal e, no ano
seguinte, quando Jair Bolsonaro visitou São Francisco do Sul, no litoral
catarinense, confraternizou com a família presidencial. A nomeação saiu
logo depois. Depois de ser levada por Eduardo para um café da manhã
com o presidente em Brasília, Júlia anunciou que passaria a chefiar a
Embratur nos três estados do sul do país. A Crusoé, ela admitiu que a
proximidade com Eduardo facilitou.

“Não vejo nada de errado nisso. Tenho doze anos de experiência de


comunicação em órgãos públicos e sou formada em Direito, não tenho
formação na área do turismo especificamente. Mas meu cargo é muito
mais uma articulação com os órgãos municipais e estaduais. A Embratur
não implementa políticas públicas de turismo, e a minha formação na
área de comunicação tem tudo a ver com a atividade-fim da Embratur,
que é promoção e marketing do turismo no Brasil e no exterior” , disse
ela. “Não entendo qual questionamento de eu ser próxima do filho do
presidente para uma indicação. É a primeira vez que eu vejo um governo
ser proibido de ser próximo da família do presidente e ter um cargo. Em
todos os governos, isso acontece”, emendou.

Reprodução/redes

sociais Catiane Seif


é mulher do secretário da Pesca
Entre os outros apadrinhados dos Bolsonaro na Embratur, três já
ocuparam cargos nos gabinetes de Eduardo ou do próprio Jair
Bolsonaro. O publicitário Floriano Barbosa de Amorim Neto foi assessor
de Eduardo por quatro anos. Nas semanas iniciais do governo, em 2019,
foi o primeiro nome a ocupar o posto de Secretário Especial de
Comunicação Social, antecedendo Fabio Wajngarten. Trabalhou na criação
da logomarca “Pátria Amada Brasil”, slogan da gestão Bolsonaro, mas não
passou muito tempo na função. Após ser alvo de críticas internas, acabou
exonerado. Mas logo passou a ocupar o cargo de coordenação na
Embratur.
Maria das Dores Pereira, a mulher do tenente Mosart, prestou duas
décadas de serviços à família presidencial. Primeiro, trabalhou no
gabinete de Bolsonaro, entre 2000 e 2015, e depois assessorou Eduardo,
entre 2015 e 2019. Antes de ser secretária parlamentar dos Bolsonaro, foi
professora da rede estadual de São Paulo. Formada em Letras e com
especialização em Geografia, é gerente do centro de documentação e
patrimônio histórico da Embratur. Miqueline Matheus cumpriu roteiro
parecido. Da Câmara, onde era lotada como assessora de Jair Bolsonaro,
foi direto para a Embratur. Miqueline é casada com outro auxiliar direto
do presidente, Wolmar Villar Junior, que também tem passagens pelos
gabinetes parlamentares da família.

O caso da mulher do ministro Tarcísio não é muito diferente no quesito


trajetória profissional. Antes de ser contratada na Embratur, ela era sócia
de cursos preparatórios para concursos. A chefe dela tampouco tinha
relação com o setor. Catiane dos Santos Monteiro Seif havia trabalhado
por mais de duas décadas em uma empresa de pescados em Santa
Catarina, na área de recursos humanos e administração.

A Embratur nega que autoridades do governo federal tenham influência


nas contratações. Em nota, a agência afirmou que todos os contratados
mencionados nesta reportagem “atendem aos requisitos necessários para
serem contratados para seus devidos cargos”. Floriano Amorim não
respondeu ao contato de Crusoé. Paulo Guedes disse que não tem nada a
declarar. Os demais funcionários mencionados não foram localizados.

A nova condição da Embratur na estrutura do governo favorece o cabide


de empregos para os amigos do poder. Há dois anos, ela deixou de ser
uma autarquia e ganhou status de agência, com um expressivo aumento
em seu orçamento. Passou a receber dinheiro de contribuições
compulsórias que são feitas por empresas para organizações do Sistema
S, como o Sesi e o Senai. Ainda que siga vinculada ao governo, sob o
comando do Ministério do Turismo – o atual ministro da pasta, o
“sanfoneiro” Gilson Machado, era presidente da agência antes de assumir
o cargo –, ela agora tem autonomia para firmar convênios e acordos
também com empresas privadas, e não está submetida necessariamente
aos mesmos deveres de transparência dos demais órgãos públicos. Para
gastar nos próximos meses, há em caixa cerca de 100 milhões de reais.
Uma parte dessa cifra, como está cristalino, serve para bancar as
boquinhas da corte bolsonarista.
Moro durante entrevista nesta semana: ele vai abrir os valores recebidos como consultor

A CPI que morreu de véspera


Jogada pensada por Lula para tentar emparedar Sergio Moro no ano eleitoral não dá certo e partido recua para
não ter que passar vexame no Congresso
28.01.22

SÉRGIO PARDELLAS

Nesta sexta-feira, 28, Sergio Moro irá revelar quanto recebeu da Alvarez &
Marsal (leia mais abaixo) durante os dez meses em que trabalhou na
empresa americana, depois de deixar o governo de Jair Bolsonaro. A
intenção do pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos é,
segundo suas próprias palavras, conferir “transparência” e colocar uma
pedra no assunto que ocupou o noticiário nas últimas semanas, por obra
do PT e com o esforço estranhamente diligente de figuras do Tribunal de
Contas da União.
O PT é useiro e vezeiro em fazer muita espuma para alcançar seus fins
politiqueiros. Faz parte da práxis petista, irrefreável sobretudo em ano
eleitoral. Para não perder o hábito, tão logo o procurador junto ao TCU
Lucas Furtado viu frustrada sua tentativa de conseguir acesso à
remuneração paga pela Alvarez & Marsal a Moro, devido a uma cláusula
de confidencialidade que diz que só o ex-juiz poderia decidir sobre sua
divulgação, Lula disseminou a ideia de que a instauração de uma CPI no
Congresso seria a melhor maneira de constranger o adversário na corrida
ao Planalto.

Acionado pelo candidato do PT ao Planalto, o deputado Paulo Teixeira se


propôs a colocar o plano em marcha. “Vou pedir uma CPI por conflito de
interesse. A Alvarez & Marsal foi contratada para fazer a recuperação
judicial das empresas que foram processadas pelo juiz da 13ª Vara de
Curitiba. O valor pago foi de 750 milhões de reais. Quem a empresa
contratou como consultor? Foi Moro”, justificou o petista.

No final da última semana, a CPI já contava com apoio de próceres do


Centrão, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o ministro da Casa
Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira, além de integrantes de PSB, PCdoB,
PSOL, PDT e Solidariedade. Nas contas do PT, o pedido de abertura da
comissão de inquérito já reunia algo em torno de 150 assinaturas – são
necessárias 171 para a instalação da CPI. Parlamentares apanhados pela
Lava Jato, entre os quais conhecidos corruptos e aliados declarados de
Lula na campanha eleitoral deste ano, não escondiam o desejo de
vingança contra o juiz que foi o seu principal algoz. “Vou assinar o pedido
de CPI. Porque ele (Moro) tem que explicar como ganhou tanto dinheiro”,
afirmou Paulinho da Força, presidente do Solidariedade.
Divulgação Coube
a Gleisi a tarefa de anunciar que a ideia da CPI estava suspensa
Ao longo desta semana, porém, Lula percebeu que a tentativa de
instaurar a CPI poderia representar um tirambaço no pé do PT. Sobretudo
porque o partido havia recebido informações preliminares da consultoria
jurídica da Câmara de que havia dúvidas se realmente seria possível
instalar uma comissão de inquérito com o objetivo pretendido pelo PT. “O
Congresso pode investigar aquilo que ele pode regular, conforme a
competência legislativa definida na Constituição, e setores em que pode
decidir sobre alocação de verbas. Não é o caso” , endossou Tiago Ivo Odon,
consultor legislativo do Senado, ao Antagonista.
Mesmo que a CPI fosse juridicamente viável, Lula passou a entender que,
se ela não fosse capaz de aniquilar Moro politicamente, poderia ao fim e
ao cabo transformá-lo em vítima, o que jogaria contra seus planos de
eliminá-lo tanto da disputa presidencial como do jogo político no pós-
eleição, como mostrou a última edição de Crusoé.

A essa constatação, seguiu-se uma frenética troca de telefonemas entre a


presidente petista Gleisi Hoffmann e o ex-presidente nos últimos dias. Foi
quando Lula deu a ordem para o recuo. Numa das conversas, o ex-
presidente indicou que seria melhor “não gastar energia” com algo que
poderia não surtir o efeito esperado. Coube a Gleisi anunciar
publicamente o cavalo de pau. “Não vejo necessidade de CPI para a gente
chegar a essas informações. Estamos fazendo estudos jurídicos. Como
esses processos envolvem falências de empresas, precisamos saber se
juridicamente a gente poderia instaurar CPI sobre isso” , afirmou a petista.

Wesley Amaral/ Câmara Dos

Deputados Paulo
Teixeira: pedido de investigação arquivado pelo MP
Nas redes sociais, Sergio Moro disse que “Lula arregou”, embalando a
hashtag que ficaria entre os assuntos mais comentados do Twitter na
terça-feira, 25. Durante evento que marcou a entrada do Movimento
Brasil Livre, o MBL, na sua pré-campanha, o ex-juiz reforçou a decisão de
abrir seus rendimentos. “Quem não deve não teme, meus rendimentos
são todos lícitos, normais. Eu não queria ceder ao abuso. Eu não vou
apresentar ao TCU, porque está abusando do poder, o processo é ilegal,
mas vou apresentar para todas as pessoas nas minhas redes sociais. Eu
sempre combati a corrupção e sempre atuei com integridade. Como não
tem o que falar do meu trabalho, tem gente que fica fantasiando e
mentindo. Porque o pessoal tem medo, está vendo que o projeto está
crescendo”, disse.
Como na ficha do ex-juiz não há empreiteiros amigos, pedaladas,
pedalinhos ou palestras ao custo de 27 milhões de reais, será mais
complicado para o PT voltar a martelar o assunto depois que ele tornar
públicos os seus rendimentos. A bancada petista tinha ficado de rediscutir
o tema na volta do recesso parlamentar, na próxima semana, mas na
tarde desta quinta-feira, 27, recebeu mais uma ducha de água gelada: o
Ministério Público Federal arquivou um pedido de investigação feito pelo
petista Paulo Teixeira que, antes de colocar em dúvida os salários de
Moro na Alvarez & Marsal, havia questionado na PGR a contratação do ex-
juiz pela empresa. O pedido foi remetido a Augusto Aras, que o
encaminhou para a Procuradoria no Distrito Federal, uma vez que o ex-
juiz não dispõe de foro privilegiado. Ao arquivar o caso, o MPF disse ter
havido “ausência de elementos mínimos que justificassem a continuidade
de atividade persecutória”. Para o procurador Marcus Marcelus Goulart,
as acusações de Teixeira configuravam “mera hipótese”, não
havendo “elementos mínimos para se presumir corrupção na celebração
de um contrato privado após regular desligamento do serviço público”.

Não é de hoje que o PT lança mão do expediente de criar CPIs sem nada
ou coisa nenhuma para investigar, mas para servir de palanque eleitoral e
político para o partido. No início de 2012, a sigla foi artífice da instauração
pelo Congresso da CPI do Cachoeira, destinada a constranger
oposicionistas, a imprensa e integrantes do Judiciário que defendiam,
àquela altura, o ainda incerto julgamento do mensalão – o PT chegou a
confeccionar um manual com o objetivo de instrumentalizar a comissão.
Anos depois, em 2015, para jogar uma cortina de fumaça sobre as
investigações do petrolão, a legenda tentou levar para a CPI da Petrobras
investigações da era tucana, que em nada guardavam relação com o
objeto das apurações.

Como o PT adora ressuscitar velhas práticas, a ofensiva para tentar


eliminar um concorrente do jogo eleitoral era mais do que previsível neste
2022. Mas, pelo visto, o lance manjado foi implodido no nascedouro.

Atualização — Pré-candidato do Podemos à Presidência, Sergio


Moro revelou nesta sexta-feira, 28, que recebia um salário bruto mensal
de 45 mil dólares da Alvarez & Marsal, empresa localizada em
Washington, nos Estados Unidos, na qual trabalhou como consultor
depois de deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O valor
equivale a 242,5 mil reais por mês, na cotação atual. O ex-juiz informou
ainda que uma cláusula em seu contrato impedia que ele atuasse em
processos relacionados a empresas comprometidas pela Lava Jato, como
a Odebrecht. “Quando eu entrei na Alvarez & Marsal, para evitar qualquer
confusão, eu falei: ‘Olha, vamos colocar uma cláusula dizendo,
especificamente, que eu não prestarei nenhum serviço de investigação ou
de compliance anticorrupção para empresa envolvida na Lava Jato’ “,
afirmou.
Soldado russo na Ucrânia: Otan só pode interferir caso um membro seja atacado

O botão antiguerra
O que os líderes do mundo ocidental estão fazendo para tentar dissuadir Vladimir Putin do plano de deflagrar
uma guerra na Europa que periga sair do controle
28.01.22

DUDA TEIXEIRA

Chefes de governo, conselheiros presidenciais, diplomatas e


representantes de blocos internacionais correram de um lado para o
outro nos últimos dias para evitar um conflito militar que pode ser o mais
sangrento do Velho Continente desde a II Guerra (1939-1945). Em longas
reuniões, eles têm analisado estratégias, com chances diferentes de
sucesso, para convencer o presidente russo Vladimir Putin a não iniciar
uma ofensiva militar na Ucrânia.
Uma delas é a de apaziguar Putin, dando a ele um tratamento respeitoso
e aceitando algumas de suas demandas. O método já foi tentado antes,
mas já se sabe que sua eficiência cai quando se trata de líderes de
governos autoritários. Às vésperas da II Guerra, o primeiro-ministro
britânico Neville Chamberlain tentou segurar o nazista Adolf Hitler, que
preparava uma invasão da então Tchecoslováquia. Chamberlain
encontrou-se pessoalmente com Hitler, em Munique, e aceitou algumas
de suas demandas, até ser surpreendido pelo avanço nazista,
impulsionado por um líder com pensamentos insondáveis e ambições
desmedidas (o filme Munique, no Limite da Guerra, em cartaz na Netflix,
conta essa história).

Apesar de tudo, avalia-se que o momento agora é o de agradar a


Putin. Na quarta, 26, o embaixador americano na Rússia, John Sullivan,
levou uma carta ao Kremlin em que as exigências de Putin foram
respondidas – o russo queria que os Estados Unidos e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte, a Otan, se comprometessem a não aceitar o
ingresso da Ucrânia na aliança militar. Um oficial da Otan também
entregou uma carta a um ministro de Moscou, em Bruxelas. Seus
conteúdos não foram revelados, mas o secretário de estado americano,
Antony Blinken, disse que a exigência de Putin não será aceita, ainda que
os países possam trabalhar em outros temas. No dia seguinte, o porta-voz
do Kremlin disse que há “pouco espaço para otimismo”. O ministro de
Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, comentou que negociações
de alto nível ainda podem acontecer, mas apenas para tratar de temas
secundários, uma vez que a questão principal não foi resolvida.

Uma das dificuldades é que a Rússia depende inteiramente das decisões


de Putin, que tem raciocínios imperscrutáveis e faz o que bem
entende. Apesar de falar quase todos os dias na televisão, a última vez em
que ele próprio deu uma declaração sobre a tensão na Ucrânia foi em 23
de dezembro. Não há como tentar influenciá-lo falando com assessores.
“Tudo isso tem a ver com Putin. Eu acho que nem sequer os seus
assessores sabem o que ele fará”, disse o presidente americano Joe Biden,
enquanto saía para tomar um sorvete em Washington. “Serei honesto
com vocês. É como ter de ler as folhas de chá.”

Reprodução Putin
evita falar sobre a tensão e ninguém sabe o que passa na sua cabeça
Um esforço abrangente tem sido feito para manter canais abertos com
Moscou. Os países que mais têm se acercado de Putin são os da Europa
continental, que seriam mais afetados por uma possível guerra. Na
quarta-feira, 26, conselheiros dos chefes de governo de Ucrânia, França,
Alemanha e Rússia reuniram-se durante oito horas, em Paris. Em seguida,
divulgaram um compromisso de manter o cessar-fogo nas regiões
separaristas do leste da Ucrânia. Uma nova rodada de negociações
poderá ocorrer daqui a duas semanas.
A Alemanha vem agindo por pragmatismo econômico, pois depende
muito do gás russo como fonte de energia. A mudança de governo no
final do ano passado também causou uma alteração na posição oficial de
Berlim. Quando a Rússia invadiu a Península da Crimeia, na Ucrânia, a
chanceler Angela Merkel foi quem liderou a reação dos europeus e impôs
sanções contra a Rússia. O novo chanceler alemão é Olaf Scholz, um
social-democrata mais preocupado com política doméstica e que lidera
uma coalizão heterogênea. Sob seu comando, a Alemanha se recusou a
enviar armas para a Ucrânia e bloqueou um carregamento que partiu da
Estônia. O país apenas se prontificou a enviar 5 mil capacetes ao país.
Uma autoridade local ucraniana brincou nas redes sociais: “O que eles
enviarão a seguir? Travesseiros?”. Nesta semana, o ministro de Relações
Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, criticou a Alemanha por “encorajar”
a agressão russa.

O presidente francês Emmanuel Macron agendou um encontro pessoal


com Vladimir Putin para esta sexta, 28. A reunião servirá para acalmar os
nervos, mas também como palco para o francês, que enfrentará eleições
presidenciais em abril. Macron tem defendido que a União Europeia, hoje
presidida pela França, mantenha um canal próprio de diálogo com a
Rússia, distante da Otan. O órgão executivo do bloco europeu está
fazendo uma lista de possíveis sanções para assustar Putin, mas as
medidas só poderiam ser aplicadas após a aprovação de seus 27
membros.

Diversas ações foram aventadas por outros países e blocos. Já foram


cogitados a retirada da Rússia do sistema de transações globais, o Swift, e
o bloqueio de exportações de equipamentos tecnológicos, como
semicondutores, para o país. Nos dois casos, a China poderia ajudar a
driblar as restrições — mas os chineses aconselharam os Estados Unidos
a respeitar as vontades da Rússia. Na quarta, 26, Joe Biden falou em
aplicar castigos pessoais contra Putin. O Kremlin respondeu que eles “não
seriam dolorosos, mas seriam politicamente destrutivos ”. Em outras
palavras, os russos disseram que poderiam dar troco. O dissidente russo
Alexei Navalny, que está preso, recomendou medidas contra 35 oligarcas
amigos de Putin, mas boa parte deles já retirou suas fortunas do
Ocidente. A situação é delicada, porque decisões antes da hora poderiam
ser usadas por Putin como um pretexto para iniciar uma ofensiva.
Reprodução Biden
toma sorvete em Washington: diplomacia, ameaça de sanções e envio de
armas para os ucranianos se defenderem
Além das negociações e da ameaça de sanções, o Ocidente tem
demonstrado força. Membros mais antigos da Otan, como Espanha,
Dinamarca, Holanda e França, concentraram caças e fragatas em nações
próximas da Rússia, como Bulgária e Lituânia. Os Estados Unidos
colocaram 8,5 mil soldados de prontidão, prontos para serem enviados
caso seja necessário. Mas a aliança só entraria em ação caso um de seus
membros fosse atacado, como estabelece o artigo 5º de seu tratado. Se
Putin, em um erro de cálculo, invadisse um membro da Otan, a
organização seria obrigada a intervir. Seria uma situação semelhante à
que desencadeou a I Guerra. Em 1914, as negociações não tiveram frutos
porque os países tinham costurado diversas alianças, em que os seus
membros se comprometiam a defender uns aos outros. O assassinato do
arquiduque austríaco Francisco Fernando, em Sarajevo, capital da Bósnia,
obrigou diversos governantes a acionarem suas alianças, até que a guerra
se tornou inevitável.
Putin dificilmente cometeria o erro estratégico de avançar sobre um
membro da Otan. Mas ele tem o caminho praticamente livre para entrar
na Ucrânia, cuja defesa deverá ficar a cargo dos próprios ucranianos. Os
países que mais têm se voluntariado a socorrê-los são o Reino Unido e os
Estados Unidos. O primeiro-ministro britânico Boris Johnson tem enviado
armas e munições em diversos voos para a Ucrânia. Cerca de 2 mil
lançadores de mísseis antitanque foram transportados para Kiev, cada um
dos quais pode ser acionado por um único soldado. Com eles, viajaram 30
militares de elite, encarregados de treinar colegas ucranianos no
manuseio dos equipamentos. Já Biden aprovou um pacote de 200 milhões
de dólares em armas para os ucranianos. “Ainda que essas armas não
sejam suficientes para deter uma ofensiva russa, elas certamente
poderiam retardar bastante um avanço inimigo em território ucraniano ”,
diz Alexandra Vacroux, diretora-executiva do Centro Davis para Estudo da
Rússia e da Eurásia, da Universidade Harvard.

O Reino Unido e os Estados Unidos são também os países que têm


empregado uma retórica mais agressiva contra Putin. Ambos pediram
para que os familiares de seus diplomatas deixassem Kiev, uma
mensagem de que estão realmente aguardando um conflito. “Se a Rússia
perseguir esse caminho, muitos filhos de mães russas não voltarão para
casa”, ameaçou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, na terça-
feira, 25. Johnson fala com mais desenvoltura porque, após o Brexit, não
precisa se prender às convenções da União Europeia. Ele ainda acusou
seus amigos europeus de serem condescendentes com a Rússia. “Um dos
grandes problemas que todos enfrentamos ao lidar com a Ucrânia, ao
lidar com a Rússia, é a forte dependência de nossos amigos europeus do
gás russo”, disse.

Da Casa Branca, Biden tem adotado medidas para estimular seus aliados
europeus a serem mais rígidos com Putin. Ele fez um acordo com
produtores de petróleo e gás natural de outras regiões para reduzir a
dependência dos europeus do gás russo. No dia 31 de janeiro, o
americano tem um encontro marcado com o emir do Catar, Tamim bin
Hamad Al Thani. Apesar dos esforços, Biden é diariamente alvejado na
televisão americana, especialmente pelo canal Fox News — é acusado de
ser fraco com a Rússia. No Congresso, o presidente está sob pressão
tanto de senadores democratas como republicanos. Ainda que menos da
metade dos americanos esteja prestando atenção ao que acontece na
Ucrânia, Biden não pode se dar ao luxo de não fazer nada. Está com
aprovação em baixa, na casa de 42%, e com eleições legislativas marcadas
para novembro. Putin já o está enfraquecendo, mesmo sem invadir o país
vizinho.
"O STF é uma instituição basilar da nossa democracia e não deve ser atacado, mas isso não significa que seus
ministros não possam ser criticados"

‘Lindôra me disse que o inquérito não vai


dar em nada’
Otoni de Paula, deputado bolsonarista investigado por Alexandre de Moraes, se queixa de ‘perseguição’ do STF
e diz ter ouvido na PGR que o inquérito dos atos antidemocráticos não terá resultados práticos
28.01.22

PAULO CAPPELLI

Pastor evangélico e um dos deputados federais bolsonaristas mais


radicais, o carioca Otoni de Paula, recém-filiado ao PTB, coleciona
polêmicas. Quando vereador, afirmou que o Carnaval do Rio havia se
transformando em um “culto a orixás com dinheiro público” e indagou se
Anitta seria “cantora ou garota de programa”. Em Brasília, manteve a
postura controversa. É investigado pelo Supremo Tribunal Federal em
dois inquéritos, o das fake news e o dos atos antidemocráticos, e se
tornou o primeiro deputado federal processado pessoalmente por um
juiz da mais alta corte do país — Alexandre de Moraes entrou com uma
ação de danos morais contra o parlamentar, após ter sido chamado
de “canalha” e “esgoto do STF”.

Embora reconheça exageros nas ofensas ao ministro, Otoni sustenta que


jamais atentou contra a democracia. “O STF é uma instituição basilar da
nossa democracia e não deve ser atacado, mas isso não significa que seus
ministros não possam ser criticados”, diz. Nesta entrevista a Crusoé, ele
faz um relato surpreendente. Conta que, durante uma audiência com a
subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, braço-direito de
Augusto Aras na PGR, ouviu dela que o inquérito dos atos
antidemocráticos “não vai dar em nada” . “Segundo palavras dela, entrei de
bucha nesse processo”, prossegue o deputado, de 45 anos. Dentro do
Ministério Público, Lindôra, a quem cabe acompanhar todos os processos
criminais importantes de interesse da Procuradoria-Geral que correm no
Supremo, é tida como próxima da família Bolsonaro e ideologicamente
alinhada com a cartilha bolsonarista.

Indagado sobre como a tropa fiel ao presidente da República deverá


equalizar seu discurso na campanha eleitoral deste ano, Otoni comete,
digamos, um ato falho. Diz que, desta vez, o próprio Bolsonaro precisará
deixar um pouco de lado as questões que animam sua base eleitoral –
sabidamente aquelas que parecem saídas de um mundo paralelo – e se
voltar para os problemas da vida real. “O discurso dele precisa estar mais
ao centro, onde se possa tratar sobre os reais debates da nação. É claro
que o presidente tem uma base mais extremista, e que lhe é muito cara e
importante, mas a pauta será mais ao centro do que para os extremos” ,
afirma. Eis a entrevista:

O sr. é investigado no inquérito dos atos antidemocráticos. Como está o


caso?
No dia 20 de agosto (do ano passado), a Polícia Federal foi na minha casa.
Levou alguns pertences meus e dos meus filhos, como celular e
computador. Logo depois, houve o bloqueio das minhas redes sociais.
Estou há cinco meses sem poder dar voz ao meu mandato. Uma pessoa
próxima do ministro Alexandre de Moraes que está tentando ajudar
perguntou ao meu advogado se eu estaria interessado em voltar a ter
acesso às minhas redes sociais, só que com limites para o que eu poderia
escrever. Eu disse que não. Perco meu mandato, mas não perco a minha
honra. Sou um político de opinião.

Seus perfis bloqueados somavam mais de 1,5 milhão de seguidores. Em


novembro, o sr. criou um perfil no Instagram que, hoje, conta com 4,7 mil
seguidores e no qual adota tom mais moderado. Ao criar esse novo perfil,
o sr. não está descumprindo determinação judicial?
Não havia no despacho do ministro nenhuma ordem no sentido de que
eu não poderia ter outra rede. Na verdade, essa minha rede alternativa
com 4 mil seguidores foi um ato meu, quase que desesperado, para dizer
ao meu eleitorado que estou vivo. Até porque boa parte dos meus
eleitores, por incrível que pareça, não sabe que eu não posso usar rede
social por uma ordem do ministro Alexandre de Moraes. Então, muitos
deles acham que não sou mais o mesmo, que perdi a coragem. Então, o
prejuízo político que estou tendo é sem precedentes. Não querer que eu
diga pelo menos que estou vivo, aí já é demais. Por isso recorri a essa
rede alternativa, que é infinitamente menor, até porque não
impulsionamos nada. O meu tom moderado nessa rede é porque
estávamos no final de 2021. Deixe vir 2022. Defendo com veemência
aquilo que acredito. Eu queria que o ministro Alexandre de Moraes
provasse um ataque meu às instituições ou à democracia. Se ele me
provar um único ataque, eu renuncio ao mandato. Não venha confundir
críticas a ministros do STF, que são servidores do povo, com um ataque à
instituição. Querem confundir CPF com CNPJ. O STF é uma instituição
basilar da nossa democracia e não deve ser atacado, mas isso não
significa que seus ministros não possam ser criticados.

O sr. foi à Procuradoria-Geral da República reclamar da operação. Com


quem conversou? O que lhe disseram?
Eu estive com a subprocuradora Lindôra (Araújo) há cerca de dois meses,
na PGR. Naquela ocasião, eu estava há três meses sem minhas redes
sociais. Eu fui recebido em audiência, e a subprocuradora disse que eu
não deveria me preocupar com esse inquérito (dos atos
antidemocráticos), porque ele não vai dar em nada. E que eu só fui
arrolado nesse inquérito, e que a procuradoria juntamente com o STF só
mandou a PF na minha casa, porque, segundo palavras dela (Lindôra), eu
entrei de bucha nesse processo. Eles precisavam acalmar o país para o dia
7 de setembro e aí, segundo ela, eu entrei de bucha. Aí eu pergunto: como
se manda a PF na casa de um parlamentar que não roubou, não é ladrão
nem corrupto, sem ter a mínima preocupação com a imagem e a honra
desse deputado? E a resposta que esse deputado recebe é que isso
aconteceu porque ele foi “usado de bucha“? Minha luta não é contra o
ministro Alexandre de Moraes, mas contra esta inclinação despótica dele.
Não tenho nada pessoal contra ele, mas sou crítico dos seus
comportamentos.

Qual foi a sua resposta diante da afirmação da subprocuradora?


Eu fiquei tão estarrecido com a fala dela que só pude me calar. Não tive
como falar nada. Simplesmente fiquei quieto. Foi um choque saber que,
na verdade, passei por essa exposição por ser “bucha”.

O que a subprocuradora apresentou de elemento concreto para dizer que


o inquérito dos atos antidemocráticos não vai dar em nada?
Imagino que os elementos que ela tem mostram que esse inquérito é
criação da mente do ministro Alexandre de Moraes. Até agora, o tal
inquérito dos atos antidemocráticos não provou nenhum ataque real
contra a democracia. Ninguém está mandando matar ou atacar ministro,
nem atear fogo ao STF. Mesmo populares que pedem o fechamento da
Suprema Corte têm o direito de pedir, porque fazemos parte de um país
democrático. As opiniões são asseguradas pela nossa Constituição.
Reprodução “Eu
sempre fiz críticas ao modus operandi do Centrão. A coisa mais difícil na
política não é não se corromper, porque isso é uma questão de caráter”
Mas pedir o fechamento da mais alta corte do país para implementar um
regime ditatorial não é algo antidemocrático? E isso não contraria o que o
sr. acabou de dizer: que a crítica é a ministros, e não ao tribunal em geral?
Onde está na nossa Constituição que o cidadão brasileiro não pode falar
mal da nossa democracia? Onde está que ele não pode pedir afastamento
do presidente da República ou o fim do modelo do presidencialismo ou
fechamento do Congresso Nacional ou fim da Suprema Corte? Por mais
absurdo que seja esse tipo de clamor, ele, por si só, não atenta contra a
democracia. Ouvir esses clamores é uma prova de que estamos em uma
democracia. Sempre se fez esse tipo de apelo e ninguém fez inquérito.
Chamam o presidente de genocida, cara, e nunca abriram inquérito para
isso.
Alguns aliados dizem que Jair Bolsonaro recuou e abandonou a militância
mais radical.
Eu não preciso que o presidente Bolsonaro me defenda. Ele tem mais
coisas para fazer, que é cuidar do país. Deixa que eu me defendo. Tudo o
que falei, falei com a minha consciência. Portanto, não posso me sentir
abandonado pelo presidente da República. Quem se sente abandonado
pelo presidente pode se sentir abandonado porque talvez tenha feito algo
pelo presidente. Tudo o que fiz foi pensando no país.

Por que o sr. decidiu se filiar ao PTB e não ao PL, partido escolhido por
Bolsonaro?
Eu sempre fiz críticas ao modus operandi do Centrão. A coisa mais difícil
na política não é não se corromper, porque isso é uma questão de
caráter. A coisa mais difícil na política é manter a coerência, porque a
política, por si, já é um plano de incoerências. Estou indo para o PTB, e
não para o PL, para tentar manter a coerência. Então, como que eu
partiria para o Centrão para uma possível reeleição ou candidatura ao
Senado?

Bolsonaro, então, está sendo incoerente?


No caso, ele não está sendo incoerente. Ele está tentando sobreviver.
Precisava ter um partido grande, que desse a ele tempo de TV, para que
possa dizer o que fez durante quatro anos de governo, mesmo em meio à
maior crise sanitária mundial. É uma questão de sobrevivência.

Bolsonaro pôs o pragmatismo político acima da coerência?


Ele está colocando o amor ao país acima de suas próprias convicções. Não
tenho dúvida de que Bolsonaro teve que tomar muitas atitudes vistas
como incoerentes. Mas, nesses momentos, ele precisava ser pragmático
por uma questão de sobrevivência política.

Além de ser alvo do inquérito dos atos antidemocráticos, o sr. foi


processado diretamente pelo ministro Alexandre de Moraes, por danos
morais. Como está esse processo?
Sou o primeiro deputado federal processado por um ministro do STF na
história da República. Quando o ministro se sentiu ofendido pela minha
fala, entendo que o que ele fez foi correto. Jogou dentro das quatro linhas
do nosso sistema jurídico: sentiu-se ofendido e processou o ofensor. É
diferente do que fez com Daniel Silveira. Eu falei o que quis falar. Adjetivei
de lixo, esgoto do STF… Ele se sentiu ofendido e me processa. Perdi em
primeira em instância, em segunda e deverei perder em terceira instância
também. Se perder, vou fazer uma vaquinha para pagar ao ministro. O
valor estava em 400 mil reais e, se não me engano, caiu para 70 mil reais.

Reprodução/Facebook

“É muito cedo para


que lulistas e bolsonaristas achem que vão polarizar esse debate até o
final”
Como alguém de dentro do bolsonarismo, o sr. aposta em uma
campanha com posições mais ou menos extremadas neste ano?
Acredito que essa eleição vai ser diferente da última porque, neste
momento, o presidente Bolsonaro é candidato à reeleição. Ele é o
governo. Portanto, o discurso dele precisa estar mais ao centro, onde se
possa tratar sobre os reais debates da nação. É claro que o presidente
tem uma base mais extremista, e que lhe é muito cara e importante, mas
a pauta será mais ao centro do que para os extremos.
O sr. não acredita que o brasileiro está cansado do extremismo, de um
lado e de outro?
A história política é pendular. Tal como um pêndulo, ela tende a ir de um
extremo a outro. Nós chegamos a um extremo de 14 anos de governos do
PT, em que tivemos a radicalização em muitas áreas do país. Esse pêndulo
saiu da esquerda e veio para a direita. E é natural que, nesse movimento,
esse pêndulo acabe indo para o meio, para o centro. É o que nós já
estamos percebendo. Aquele debate mais inflamado e extremado de
2018 não é o debate que vai reconduzir o presidente da República neste
momento, porque os extremos não conseguem responder às reais
necessidades da população. Eu, obviamente, apoiarei a reeleição de
Bolsonaro.

Mesmo bolsonarista, o sr. avalia que pode surgir um nome de centro que
tire a vitória de Bolsonaro ou de Lula?
Acho que é muito cedo para que lulistas e bolsonaristas achem que vão
polarizar esse debate até o final. Hoje nós temos quase 14 milhões de
desempregados, quase 20 milhões de pessoas passando necessidade no
país, temos a maior crise sanitária que o mundo já viu. Temos um quadro
que não propicia à população estar olhando para a política. Porém,
entendo que, com o passar do tempo e a proximidade das eleições,
quando a pré-campanha começar, e nos 45 dias da campanha eleitoral,
tudo pode acontecer no país, inclusive o despertar de um movimento fora
dessa polarização. Hoje, pesquisas mostram que o povo quer o nem-nem.
Nem Lula nem Bolsonaro. Mas resta saber se alguém vai conseguir
incorporar esse sentimento. Em 2018, Bolsonaro conseguiu personificar
parte de um clamor da população brasileira. Será preciso ver se a terceira
via vai conseguir personificar essa falta de apoio a Bolsonaro e a Lula.

O sr., pessoalmente, adotará uma postura menos radical?


Nunca me vi como radical. Acho que as pessoas confundem radicalismo
com sinceridade. Por não ter rabo preso com o sistema que aí está, eu me
posiciono. Me dou a liberdade de fazer duras críticas à esquerda, a
ministros do STF, mas ao mesmo tempo critico o próprio governo. Fui o
único deputado federal da base do governo a criticar a tal Carta à
Nação (aquela escrita com a ajuda de Michel Temer, em que Bolsonaro
aparou arestas com Alexandre de Moraes). Entendo que o bolsonarismo
não pode se tornar uma religião, porque não se pode perder a liberdade
do senso crítico. Quem critica o governo não pode ser visto como traidor
ou inimigo, mas como alguém que apoia o governo, mas é crítico.

Enquanto defensor do bolsonarismo, o que dizer aos eleitores não


alinhados com o presidente sobre a rejeição às vacinas, sobre o
negacionismo numa pandemia que matou mais de 600 mil pessoas e
sobre suspeitas de corrupção envolvendo gente do governo?
Os eventuais erros de condução na pandemia são erros que podemos
entender como preocupação do presidente de salvaguardar a população.
Ele se preocupou que os laboratórios garantissem quais seriam os efeitos
colaterais da vacina e que, tendo efeitos colaterais, a população seria
socorrida. Todas as vacinas foram compradas pelo governo federal. Sobre
casos de corrupção, até hoje nunca foi comprovado. Até hoje não houve
corrupção no governo. Uma coisa são casos de uso impróprio do recurso
público que podem envolver parlamentares da base, embora não haja
comprovação. Seja quem for o presidente da República, ele só vai
conseguir governar com um governo de coalizão. Isso significa que
qualquer um precisa ceder mais do que gostaria e mais do que disse que
iria ceder, antes de sentar naquela cadeira. Lamentavelmente, nós
queremos o mesmo Bolsonaro que era candidato. Só que o Bolsonaro
candidato achava que poderia libertar o Brasil sozinho. O presidente
Bolsonaro percebeu que não vai conseguir mudar nada da noite para o
dia. Portanto, tem que sentar e compartilhar o poder, contanto que não
se corrompa.
DIOGOMAINARDINA ILHA DO DESESPERO
O Brasil morreu
28.01.22

AUnião Brasil morreu antes de nascer. A sabotagem de ACM Neto à


candidatura de Sergio Moro provou que a fusão entre PSL e DEM só era
boa para o DEM. O novo partido tinha a chance de apostar num caminho
igualmente novo. Em vez disso, foi engolido pelo velho caciquismo
carlista, intencionado a usar o cofre de Luciano Bivar, cheio de dinheiro
público, para se tornar ainda mais forte em outubro, elegendo sua turma
e expurgando todo o resto. Neste momento, de fato, ACM Neto negocia a
degola de Moro tanto com João Doria (o quinta coluna da terceira via)
quanto com Lula (que pode entregar-lhe a Bahia, renunciando a Jaques
Wagner).

Mas não estou aqui para falar mais uma vez sobre Moro. Dane-se Moro. O
que realmente importa, para mim, é o fracasso do Brasil em enterrar seu
passado e seguir em frente. Em 1989, fui levado para conhecer o velho
ACM, em seu casarão em Salvador. A visita foi insuportavelmente
aborrecida e apaguei-a da memória, exceto pelo ar-condicionado polar,
que provocou um resfriado em minha mulher, pelos oratórios barrocos
espalhados por todos os aposentos, seguramente adquiridos com
recursos profanos, e pela imagem grotesca de uns meninos engomados
que cumprimentavam obsequiosamente o velho oligarca, entre os quais
ACM Neto, que tinha apenas 11 anos. O Brasil não mudou nada de lá para
cá. Continua naquela mesma página de Gilberto Freyre: lida, relida,
sublinhada e anotada.

Na quarta-feira, Elio Gaspari disse que Lula pretende macaquear


Tancredo Neves, que reuniu uma penca de democratas e derrotou a
ditadura militar – quase quarenta anos atrás. Assim como o movimento
de Tancredo Neves, que resultou em José Sarney, o movimento de Lula
também vai resultar em José Sarney. Tudo, no Brasil, resulta em José
Sarney: de Glauber Rocha a Casimiro, seja lá quem ele for. O Brasil é
velho, José Sarney é velho, Lula é velho, Elio Gaspari é velho, ACM Neto é
velho, eu sou velho.

No mesmo ano em que fui visitar ACM, Lula disputou pela primeira vez o
Palácio do Planalto. Ronald Reagan havia acabado de encerrar seu
mandato. Os principais governantes do mundo eram Mikhail Gorbatchov,
Helmut Kohl e Deng Xiaoping. Lula foi eleito, reeleito e, depois de ter
passado mais de um ano preso, flagrado no departamento de propinas
das empreiteiras baianas, ainda assombra o país, com os mesmos
parceiros, os mesmos propósitos e os mesmos métodos que o
acompanharam à cadeia.

Eu antevi tudo isso no casarão gelado do velho ACM. Ao contrário de mim,


ele nunca vai morrer.
MARIOSABINO
O homem tem que ser durão
28.01.22

Acordei com a notícia de que, num documentário recém-lançado sobre


Nara Leão, para a Globoplay, Chico Buarque afirma que não cantará
mais Com Açúcar, Com Afeto, composta em 1967. A decisão foi tomada
porque a música seria “machista”. De acordo com Chico Buarque, “Ela
(Nara) me pediu a música, ele me encomendou essa música, ela falou ‘Eu
quero agora uma música de mulher sofredora’. E deu exemplos de
canções de Assis Valente, Ary Barroso, aqueles sambas da antiga, onde os
maridos saíam para a gandaia e as mulheres ficavam em casa sofrendo,
tipo Amélia, aquela coisa. Ela encomendou e eu fiz” .

E Chico Buarque completa:

“Eu gostei de fazer (a música). A gente não tinha esse problema. É justo
que haja, as feministas têm razão, vou sempre dar razão às feministas,
mas elas precisam compreender que, naquela época, não existia, não
passava pela cabeça da gente que isso era uma opressão, que a mulher
não precisa ser tratada assim. Elas têm razão. Eu não vou cantar Com
Açúcar, com Afeto mais e, se a Nara estivesse aqui, ela não cantaria,
certamente.”

Quando comecei a trabalhar na Veja, Chico Buarque só podia ser


chamado depreciativamente de “sambista” na revista. Ordem do diretor
de esquerda. A esquerda era muito dividida na época. Hoje, a esquerda
parece estar mais unida, efeito da prisão de Lula, e quem se referia a
Chico Buarque como “sambista”, com desprezo, agora indica os seus livros
como o suprassumo da literatura. Eu não me lembro se li um ou dois
livros de Chico Buarque, só sei que não gostei e esculhambei. Ele também
não gostou do meu primeiro romance e esculhambou. Eu li um ou dois
livros de Chico Buarque por obrigação profissional, tinha de resenhar; ele
leu o meu primeiro romance, ou parte dele, sem ter obrigação nenhuma.
Fiquei envaidecido. Ser esculhambado por Chico Buarque não é para
qualquer um. Também fui esculhambado por Paulo Coelho, a quem
igualmente esculhambei, mas aí é caso mesmo de ter vergonha.

Apesar de não gostar dos arremedos de nouveau roman do Chico


Buarque escritor, admiro as suas letras de música, embora faça uns
quarenta anos que não o ouça. Prefiro as românticas às engajadas.
Quando era criança, adorava ouvir A Banda. Compôs a trilha sonora da
minha infância, juntamente com Aquele Abraço, de Gilberto Gil,
e Madalena, de Ivan Lins, na voz de Elis Regina. Não foram bons tempos
para mim, mas a trilha era bacana.

Porque gosto de letras de Chico Buarque, fiquei penalizado com a decisão


do compositor de não cantar mais Com Açúcar, Com Afeto. Ele tem o
direito de cantar o que quiser, mas o problema não é esse. O problema é
que a sua decisão acaba interditando outros artistas de cantá-la. Afinal de
contas, se o criador acha a música tão danosa assim, a ponto de tirá-la do
seu repertório, quem se atreveria a incluí-la num disco ou num show? A
autocensura tem alcance geral. O dado curioso é que Com Açúcar, Com
Afeto, que tem como tema uma mulher submissa a um cafajeste, sempre
foi interpretada por todo mundo que conheço — professores de
literatura, inclusive — como uma linda crítica oblíqua ao machismo. Pela
fala de Chico Buarque no documentário, depreende-se, então, que ele não
estava criticando a submissão feminina, quando compôs a canção, mas
fazendo uma apologia dela.

Ainda assim, a intenção original de um artista não pode ser encarada


como perspectiva única, absoluta. Uma obra de arte, em qualquer campo,
sobrevive por meio das diferentes visões que vão se sobrepondo a seu
respeito. A beleza da arte é esta: a de não ser propriedade do artista
como significado, mas a de pertencer a toda a humanidade ao ser
ressignificada, seja no plano estético, social ou cultural. O que o
feminismo fez com a música de Chico Buarque, e ele aceitou
passivamente, não foi ressignificá-la, mas cancelar os seus ressignificados
e jogá-la na lata de lixo como “arte degenerada”. A expressão remete aos
totalitarismos nazista e socialista — mais especificamente ao título da
exposição que Adolf Hitler ordenou que fosse organizada, em 1937, em
Munique, com obras de arte moderna que o seu regime condenava. A
arte moderna era exemplo de “degeneração racial” para os nazistas e,
para os socialistas, atentava contra a a realidade da “pureza proletária”.
Sim, estou comparando.

Na semana passada, escrevi contra a censura que se queria


fazer na Folha dos textos de Antonio Risério contra o identitarismo racial;
nesta semana, estou aqui falando da autocensura de Chico Buarque,
revelada num documentário e motivada pelo fanatismo feminista.
Tempos difíceis. Como diz Leila Diniz, o homem tem quer ser durão. E eu
vou-me embora, vou ler o meu Pasquim.
PT teme um ‘Adélio de sinal trocado’
28.01.22

Embora tenha dito dias atrás que não teme possíveis atentados, Lula vem
sendo aconselhado por companheiros petistas a fazer uma campanha
com o menor número possível de comícios e deslocamentos. Há um
temor real no PT de que o ex-presidente seja alvo de atos de violência
cometidos por bolsonaristas. Há quem mencione até o risco de algum
tresloucado encarnar uma espécie de “Adélio de sinal trocado”. Esses
mesmos petistas lembram que, em 1998, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso conseguiu ser reeleito praticamente sem participar de
compromissos públicos durante a campanha.

Adriano

Machado/Crusoé
Lula tem sido aconselhado a evitar exposição pública na campanha
Ex-vice do BB é apontado como
destinatário de propina de US$ 1,8 milhão
28.01.22

Em uma peça de 208 páginas, o Ministério Público de Portugal acusa o


Banco Espírito Santo, um ex-portento do mercado financeiro lisboeta que
na era petista lançou seus tentáculos sobre autoridades brasileiras, de
desembolsar polpudas propinas em troca de um socorro de 200 milhões
de dólares recebido do Banco do Brasil. De acordo com a denúncia, foram
pagos nada menos que 1,8 milhão de dólares a título de suborno para
que o aporte do BB para o banco português fosse aprovado. A
procuradora portuguesa Olga Barata menciona entre os destinatários da
propina o ex-vice-presidente do Banco do Brasil Allan Toledo. A propina,
sustenta a denúncia, foi paga entre 2011 e 2012 por meio de um
complexo esquema de lavagem de dinheiro que envolveu empresas e
contas abertas no Panamá, na Suíça e em Dubai. Uma parte da proposta
destinada a Toledo, diz a procuradora, foi repassada por meio de um
cartão de um banco suíço emitido em nome da mãe dele. As informações
da denúncia foram publicadas inicialmente pela revista
portuguesa Sábado. Crusoé teve acesso a uma cópia da peça. Como não
há nos autos provas de que os supostos crimes praticados por Toledo
ocorreram dentro de Portugal, ele não figura no rol de acusados no
processo aberto em Lisboa. Mas os documentos do caso foram enviados
às autoridades brasileiras, para que seja aberta uma investigação também
aqui.

Evelson de Freitas/Estadão Conteúdo Allan


Toledo: dados de investigação portuguesa foram enviados para o Brasil
Para juízes, Bruno Dantas é favorito ao STF
com Lula
28.01.22

Magistrados afinados com o petismo já torcem o nariz para Bruno Dantas,


do Tribunal de Contas da União. A implicância tem a ver com a briga por
poder no futuro próximo. Como enxergam a possibilidade de Lula se
eleger presidente nas eleições deste ano, eles consideram ter chances de
se cacifar para alguma das vagas que surgirem no Supremo Tribunal
Federal, entre 2023 e 2026. Ocorre que Dantas estaria, digamos, furando
a fila. A leitura, presente em conversas das quais participaram fontes
de Crusoé, é a de que o ministro do TCU, com sua cruzada contra Sergio
Moro, assumiu a dianteira da corrida antes mesmo da eleição, deixando
para trás magistrados e advogados historicamente alinhados com o PT. A
explicação: com o que está fazendo, ele está ganhando pontos com Lula
que dificilmente um outro pretendente conseguirá amealhar. Virar
ministro do Supremo é um sonho antigo de Bruno Dantas.

Gil Ferreira/CNJ
Dantas: pontos com Lula por atuação contra Moro
Juiz do CNJ usa casa de advogado para
oferecer jantar à nata dos tribunais de
Brasília
28.01.22

Para festejar sua posse como conselheiro do CNJ, o Conselho Nacional de


Justiça, o juiz paulista Richard Pae Kim deu um jantar no mês passado na
casa de um advogado de Brasília conhecido por receber magistrados para
convescotes. Pae Kim é amigo do peito de Dias Toffoli. Os dois estudaram
juntos na juventude. Por um longo período, ele trabalhou no gabinete do
ministro no Supremo. Para o jantar, realizado no mesmo dia em que o
magistrado assumiu a cadeira de conselheiro, foi convidada a nata do
Judiciário brasiliense. O dono da casa já foi anfitrião de outros eventos do
tipo. O mesmo advogado atua em processos nos tribunais superiores e
costuma fazer parcerias de trabalho com familiares de ministros de cortes
superiores. É mistura que não acaba mais. Procurado, Pae Kim não
respondeu às tentativas de contato feitas por Crusoé.

CNJ Pae Kim é


amigo de Toffoli desde a juventude
As prioridades de Lira para a retomada das
sessões da Câmara
28.01.22

Arthur Lira já definiu suas prioridades para a retomada dos trabalhos da


Câmara dos Deputados, no início de fevereiro. Encabeça o rol de
propostas o projeto do novo Refis, que permite o parcelamento de dívidas
de médias e grandes empresas com a União. Também fazem parte da
lista um projeto que prevê incentivos para companhias que reduzirem a
emissão de carbono e a polêmica legalização dos jogos de azar, além da
chamada PEC do ICMS dos Combustíveis. A previsão é que esses temas
sejam pautados logo nos primeiros meses do ano.

Zeca Ribeiro/Câmara dos

Deputados Lira:
pauta sob medida para agradar o PIB e seus aliados
Flávia Arruda balança ainda mais no cargo
28.01.22

Os afagos públicos recentes de Jair Bolsonaro à ministra Flávia Arruda, da


Secretaria de Governo, estão longe de representar uma garantia de que
ela permanecerá no cargo. A cadeira da ministra voltou a balançar forte
nos últimos dias, e gente muito próxima do gabinete presidencial garante
que ela está com os dias contados no governo. Pegou muito mal a
iniciativa de Flávia Arruda de dizer que os critérios que ela adotou para a
distribuição de verbas a aliados do governo no Congresso foram definidos
em comum acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Em uma
conversa com Ciro Nogueira, o cada vez mais poderoso chefe da Casa
Civil, o próprio Lira lavou as mãos. Frisou que a Flávia segue no cargo,
hoje, apenas por força de Jair Bolsonaro. Nos códigos de Brasília, é uma
forma diferente de retirar o apoio – e de dizer que, por ele, tudo bem se
ela sair. Nos bastidores, o governo já estuda duas soluções caseiras para
substituir a ministra: Jônatas Assunção de Castro, conhecido no
Congresso como “gerente” do orçamento secreto, e Carlos Henrique
Sobral, subordinado direto de Flávia e ex-braço-direito do ínclito Geddel
Vieira Lima. Flávia Arruda voltou nesta semana de um período de férias e
já procurou políticos influentes para tentar se segurar no cargo.

Adriano

Machado/Crusoé Flávia
Arruda: Arthur Lira lavou as mãos e ela deve sair em breve
RUYGOIABA
Elogio da heroína
28.01.22

Já ouviram falar de rock and roll? Aquele estilo musical que geralmente
não vai além de três acordes e é muito apreciado por tiozões
bolsominions, aqueles espécimes que participam de motociatas e têm
sérios problemas de disfunção erétil? Então, a história do rock tem uma
coisa chamada de Clube dos 27. Há uma quantidade desproporcional de
grandes nomes do gênero mortos aos 27 anos — isso vem desde o fim
dos anos 60, quando quatro deles (Brian Jones, fundador dos Rolling
Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison) passaram desta para
melhor em um intervalo de exatos dois anos, todos aos 27. Kurt Cobain,
em 1994, e Amy Winehouse, em 2011, também morreram com essa idade.
(A contrapartida disso é que, normalmente, roqueiros junkies que
conseguem passar dos 27 não morrem mais: Keith Richards e Iggy Pop
estão aí para provar.)

Em muitos casos, é fácil lamentar a perda: basta imaginar o que um


músico genial como Hendrix poderia ter produzido com mais algumas
décadas de vida — sabe-se, por exemplo, que os planos de Miles Davis de
gravar um álbum com ele nunca se concretizaram. A maioria dos
roqueiros, porém, sobrevive para não produzir mais nada que preste e
exibir ao mundo o triste espetáculo de sua decadência. Isso na melhor
das hipóteses; na pior, eles usam o megafone adquirido nos seus tempos
de glória para ser cretinos em altíssimo volume. Há vários exemplos
recentes; entre eles, Eric Clapton é um dos principais destaques.

O grande guitarrista britânico já era um idiota reconhecido desde 1976,


quando disse, num show em Birmingham, que a Inglaterra deveria se
livrar “dos estrangeiros, árabes e pretos” (“keep Britain white”) — isso
meros dois anos depois de ter feito sucesso com “I Shot the Sheriff”, de
Bob Marley. Na época, as declarações impulsionaram a campanha Rock
Contra o Racismo; anos depois, Clapton pediu desculpas e alegou que
estava bêbado ao fazer aquele discurso. Hoje, supostamente sóbrio, ele é
um dos mais estridentes antivax da categoria: outro dia mesmo, disse que
quem se vacinou contra a Covid havia sido vítima de uma espécie
de “hipnose de massa”, com “mensagens subliminares” para que os
incautos aderissem. Deve ter sido saudado como “corajoso” pelo esgoto
dos antivaxxers aqui e lá fora, a turma do chapéu de papel-alumínio na
cabeça.

Sei muito bem que é preciso “separar autor e obra” e jamais exigi atestado
de santidade dos artistas que admiro — o que parece ser a norma nesta
nossa época iluminada, a única que pode julgar todas as outras. Ainda
assim, acho que teria sido melhor Clapton ter morrido de overdose de
heroína ali por volta de 1972, risco que ele correu de fato: já com o auge
da carreira para trás, entraria para o Clube dos 27 e seria venerado como
gênio sem mácula até hoje. Seria bom até para os negócios; em vez disso,
ele viveu o bastante para ser exuberantemente imbecil. Vale o mesmo
para Van Morrison, autor de um dos meus discos favoritos, o belo “Astral
Weeks”, hoje burro negacionista empacado.

Quem sabe um dia, copiando descaradamente o “Elogio da Loucura” de


Erasmo (o de Rotterdam, não o Carlos), eu escreva mais longamente
um “elogio da heroína”, essa injustiçada. Todo mundo conhece os
malefícios do vício, mas ninguém leva em consideração o número de
roqueiros burros que heroína, álcool e outras drogas fizeram ir estudar a
geologia dos campos-santos, elevando com isso o QI médio da
humanidade. É verdade que isso não adianta muito, porque o mundo
continua sendo um lugar cheio de imbecis que procriam; mas é bom que
às vezes Darwin se manifeste, ainda que de maneiras tortuosas. Amém.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Esse povo das redes sociais, sobretudo o Twitter, é engraçado: depois de


caprichar no linchamento virtual dos vilões do BBB 21, estão achando um
tédio a edição 22, em que cada confinado se esforça para ser mais
bonzinho que o outro. Ora, a culpa é de vocês, tuiteiros, facebookeiros e
instagrameiros: como bem disse a grande antropóloga que é Anitta, “está
todo mundo com medo disso” (ser linchado nas redes), o que fez do
programa, já chato na versão não editada, uma insuportável congregação
de aspirantes à santidade namastê, com musiquinhas fofas e tudo. Quem
sabe com essa escassez de tiro, porrada e bomba vocês aprendam a
valorizar o papel dos vilões no entretenimento.

Leco
Viana/TheNews2/Folhapress
Anitta, grande
estudiosa do comportamento humano, durante uma de suas aulas

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