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Federação Brasileira das Associações

de Ginecologia e Obstetrícia

Manual de Orientação
Doenças Infectocontagiosas

2010
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Manual de Orientação

Doenças Infectocontagiosas

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de Ginecologia e Obstetrícia

Comissões Nacionais Especializadas


Ginecologia e Obstetrícia

Doenças Infectocontagiosas

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Manual de Orientação

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DIRETORIA
TRIÊNIO 2009 - 2011

Presidente
Nilson Roberto de Melo

Secretario Executivo Vice-Presidente Região Norte


Francisco Eduardo Prota Pedro Celeste Noleto e Silva
Secretaria Executiva Adjunta Vice-Presidente Região Nordeste
Vera Lúcia Mota da Fonseca Francisco Edson de Lucena Feitosa
Tesoureiro Vice-Presidente Região Centro-Oeste
Ricardo José Oliveira e Silva Hitomi Miura Nakagava
Tesoureira Adjunta Vice-Presidente Região Sudeste
Mariângela Badalotti Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos
Vice-Presidente Região Sul
Almir Antônio Urbanetz

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Presidente: Paulo César Giraldo (SP)
Vice Presidente: Mauro Romero Leal Passos (RJ)
Secretário: José Eleutério Junior (CE)

MEMBROS

Ana Katherine Silveira Gonçalves (RN)


Maria Luisa Bezerra Menezes (PE)
Rosane Figueiredo Alves (GO)
Sérgio Peixoto (SP)
Silvana Maria Quintana (SP)
Iara Moreno Linhares (SP)
Antonio Jorge Salomão (SP)
Helaine Maria B. Pires Mayer Milanez (SP)
Renato de Souza Bravo (RJ)
Angelica Espinoza Barbosa Miranda (ES)
Mariangela da Silveira (RS)
Wener Andre Weissheimer (SC)

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Manual de Orientação

Doenças Infectocontagiosas
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO ____________________________________________________________________ 7

CONSIDERAÇÕES ___________________________________________________________________ 9

CERVICITES _______________________________________________________________________ 11
_Chlamydia trachomatis _______________________________________________________________ 11
Neisseria gonorrhoaea _________________________________________________________________ 17
Micoplasmose genital _________________________________________________________________ 20

DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA __________________________________________________ 23

INFECÇÕES PELO HPV______________________________________________________________ 29


Condiloma acuminado_________________________________________________________________ 29
Lesões subclínicas____________________________________________________________________ 32

ÚLCERAS GENITAIS________________________________________________________________ 39
Herpes genital_______________________________________________________________________ 39
Sífilis______________________________________________________________________________ 43
Cancro mole_________________________________________________________________________ 49
Linfogranuloma venéreo_______________________________________________________________ 53
Donovanose_________________________________________________________________________ 56

VULVOVAGINITES__________________________________________________________________ 57
Vaginose bacteriana___________________________________________________________________ 57
Candidíase vulvovaginal_______________________________________________________________ 61
Tricomoníase vaginal__________________________________________________________________ 67

RUBÉOLA__________________________________________________________________________ 73

INFECÇÃO PELO HIV E AIDS_________________________________________________________ 79

HEPATITE B_______________________________________________________________________ 101

INFECÇÃO PELO STREPTOCOCCUS GRUPO B(GBS) NA GESTAÇÃO_____________________ 119

CITOMEGALOVÍRUS_______________________________________________________________ 123

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Doenças Infectocontagiosas

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APRESENTAÇÃO

Este guia foi idealizado para oferecer um material instrucional prático à todos os
ginecologistas brasileiros que enfrentam dificuldades na condução de casos de doenças
infectocontagiosas em ginecologia e obstetrícia.

Elaborado de forma concisa, não substitui os texto clássicos dos livros.

Para melhor manuseio a maioria dos capítulos, dentro da possibilidade de cada assunto,
aborda os tópicos:

• Conceito e Etiologia

• Características Clínicas

• Diagnóstico

• Tratamento

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CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DOENÇAS


INFECTOCONTAGIOSAS EM GO
Entende-se como doenças infectocontagiosas todas as doenças que sejam passíveis
de serem transmitidas de um indivíduo ao outro por diferentes formas de contágio,
sendo as vias respiratória, sexual e vertical, as principais a serem consideradas pelos
em ginecologistas e obstetras. Existe um número absurdamente grande destas doenças
podendo ter como agentes responsáveis, diversos tipos de vírus, bactérias, fungos e
protozoários entre outros.

Este manual procurou abordar as mais relevantes doenças neste contexto, uma vez
que são afecções frequentes nos consultórios e trazem muitas dúvidas de como seria
a melhor forma de identificá-las e combatê-las. Em muitos casos o ginecologista
deverá cercar-se do apoio de um infectologista para melhor conduzir alguns casos.
Infelizmente, as doenças infectocontagiosas não se manifestam de maneira clara e
clássica como estão descritas nos livros e, para poder elaborar um diagnóstico preciso,
o ginecologista necessariamente deverá ter conhecimentos que o habilite a captar todas
as nuances do problema, processar as informações e encaminhar seu raciocínio para
fazer o diagnóstico o mais cedo possível.

As doenças infectocontagiosas podem estar na base de problemas muito mais complexos


e por isto mesmo deverão ser tratadas, quando possível, com a maior brevidade e
acerto.

Infecções como as causadas pelo HPV, Herpes, Chlamydia trachomatis, podem, além
de causar o comprometimento próprio da ação do agente causador, promover processos
mais graves como a doença inflamatória pélvica, câncer de colo uterino, AIDS, ruptura
precoce de membranas amniótica e parto prematuro.

Todos estes problemas extrapolam os anseios e dúvidas dos indivíduos per si (paciente
e médico) sendo na verdade, uma séria doença da nossa saúde pública.

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CERVICITE

Chlamydia trachomatis

• Conceito e agente etiológico

A Chlamydia é uma bactéria intracelular, que acomete o trato genital feminino e


masculino, entre outras áreas. Difere do vírus por possuir tanto DNA quanto RNA,
parede celular com estrutura análoga à das bactérias Gram-negativas e por ser sensível
aos antibióticos, por outro lado não conseguem produzir sua própria energia.

A infecção pela Chlamydia é bastante frequente na população feminina, com alto grau
de morbidade e sequelas pós-tratamento. Tanto as camadas socioeconômicas mais bai-
xas da população quanto aquelas de nível mais elevado são acometidas indiscriminada-
mente por estes micro-organismos, o que resulta grandes problemas de ordem médica,
social e econômica, como é o caso de trabalho de parto prematuro, endometrite puerpe-
ral, doença inflamatória pélvica aguda, esterilidade conjugal e dor pélvica crônica.

A Chlamydia trachomatis é uma das causas mais frequentes de doenças sexualmente


transmissíveis, sendo causadora de 50 milhões de casos novos por ano no mundo.

A infecção por Chlamydia é adquirida através da relação sexual ou pelo contato da


mucosa com outra área infectada. Atingem, indiscriminadamente, homens, mulheres e
crianças e possui a capacidade de provocar, em muitos casos, uma infecção significante,
sem produzir qualquer sintomatologia. Ela tem afinidade pelas células do epitélio
colunar, sendo o endocérvice (útero) o principal alvo deste micro-organismo, embora
outras áreas com este epitélio também possam ser infectadas.

No trato genital feminino, o local mais rotineiro da infecção pela Chlamydia é a


endocérvice. Infelizmente não existem sintomas específicos associados a esta infecção,
tornando-se clinicamente inaparente. Estima-se que até 70% das infecções pela
Chlamydia sejam assintomáticas, fazendo da mulher uma importante fonte de infecção
e transmissão da doença.

A prevalência da infecção cervical por Chlamydia nas gestantes varia de 2 a 37% na


dependência da população estudada. A gestação parece aumentar o risco de colonização
por essa bactéria. A infecção por C. trachomatis é adquirida pelo recém-nascido durante

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a passagem pelo canal do parto, existindo casos de infecção em crianças nascidas


de partos cesáreas com antecedentes maternos de ruptura prematura de membranas
amnióticas e, mesmo a pós o nascimento sendo possível através do contato com a
mãe.

O recém-nascido de mãe com infecção por C. trachomatis na cérvix uterina tem 60%
a 70% de risco de adquirir a infecção durante sua passagem pelo canal do parto: 25%
a 50% deverão desenvolver conjuntivite e 10% a 20% pneumonia. A infecção ocular
manifesta-se entre cinco e 12 dias após o nascimento e o quadro pulmonar, na maior
parte dos casos, antes da oitava semana de vida.

• Características clínicas

O período de incubação é de 6 a 14 dias. As mulheres infectadas com Chlamydia no


trato genital inferior podem ser portadoras assintomáticas durante muito tempo em até
70% dos casos. A endocervicite não diagnosticada poderá ascender ao trato genital
superior, causar doença inflamatória pélvica (DIP), a complicação mais importante
da infecção Chlamydiana na mulher, deixando sequelas, como; esterilidade, gravidez
ectópica e a dor pélvica crônica.

A infecção causada pela Chlamydia costuma ter evolução mais arrastada que aque-
las causadas por outros micro-organismos. Apesar da sintomatologia mais branda e
aparentemente com maior benignidade, a Chlamydia parece causar danos subclínicos
graves, em especial às trompas.

A cervicite Chlamydiana quando sintomática pode apresentar exsudato mucóide, even-


tualmente purulento e sangramento endocervical fácil. O colo fica edemaciado, hipe-
remiado e com seu volume aumentado. Estas características promovem ou acentuam a
presença de ectrópio (mácula rubra).

É comum haver a queixa de dor no ato sexual e à mobilização do colo uterino ao exame
ginecológico.

• Diagnóstico

- Imunofluorescência Direta

- Cultura em meio de McCoy

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- PCR

- Captura Híbrida

ATENÇÃO: Bacterioscopia vaginal (a fresco ou corada) não serve para fazer o diag-
nóstico da infecção Chlamydiana. O exame de Papanicolau pode ajudar, mas tem
baixa sensibilidade.

A frequente escassez de sintomas da infecção Chlamydiana justifica a importância


da sua busca ativa e a gravidade das sequelas exige tratamento precoce. Nos Estados
Unidos, o rastreio é recomendado para todas as mulheres sexualmente ativas com até
25 anos, pelo menos uma vez ao ano. Após os 25 anos, o teste de rastreio anual é
recomendado quando há fatores de risco identificáveis. Nos dias atuais, há diversos
exames disponíveis para o diagnóstico com resultados satisfatórios. Em mulheres, a
coleta deve ser realizada com swab endocervical e uretral. A cultura para Chlamydia
embora seja ainda considerado padrão ouro para detecção do micro-organismo, é
pouco usada pela dificuldade técnica inerente ao método. A opção de métodos de
biologia molecular vem revolucionando a microbiologia, oferecendo oportunidade de
diagnósticos muito mais apurados, seja pela alta sensibilidade e especificidade, como
também pela facilidade de realização Este novo alento no diagnóstico da Chlamydia
Trachomatis (CT), acaba em boa parte com a dificuldade de coleta (material de vagina
ou mesmo do orifício externo do canal cervical), de falsos positivos e de dificuldades
técnicas de semeadura.

• Tratamento

Considerando todos os aspectos citados, o tratamento da infecção Chlamydiana inicial


(cervicite) pode ser decisivo para o futuro reprodutivo da mulher.

Recomendação CDC (2006): ENDOCERVICITE CHLAMYDIANA (Tratamento


presuntivo)

Azitromicina 01g via oral (dose única)


ou
Doxiciclina 100mg 2x/dia, por 7 dias.

É importante ainda considerar a possibilidade da presença de outras infecções


concomitantes, tais como Gonococo ou Trichomonas1. Em mulheres com sintomas
persistentes atribuídos a cervicites a ablação ou eletrocauterização do local pode ser

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considerada.

Tratamento do parceiro sexual: mesma forma anterior.

Recomenda-se o tratamento do último contactante sexual e de todos os parceiros


sexuais dos 60 dias que precederam o início dos sintomas.

• Tratamento das gestantes

No período periconcepcional, a infecção por Chlamydia parece está relacionada à


esterilidade de causa tubária, infertilidade e prenhez ectópica. Durante a gravidez, é
causa de abortamento, restrição do crescimento fetal, ruptura prematura de membranas,
prematuridade, baixo peso ao nascer e, infecção puerperal. Por outro lado, não parece
haver associação entre infecção Chlamydiana e perdas fetais recorrentes.

“O tratamento da gestante diagnosticada com Chlamydia é mandatório e reduz


significativamente o risco de complicações obstétricas sem malefício aparente”.

Tratamento gestante:

- Azitromicina, 1g via oral, em dose única ou

- Eritromicina, 500mg via oral, 6x6 horas, por 7 dias ou, a cada 12 horas, por 14 dias.

- Amoxicilina, 500mg via oral, 8x8 horas, por 7dias (melhor tolerância gastrointestinal
se comparada à eritromicina).

Observações:

- Amoxacilina não é efetivo na infecção crônica

- Tetraciclinas e a doxicilina são contra indicadas na gravidez.

- Na gestação, deve-se colher teste de controle após três semanas do fim do tratamento,
para confirmar êxito terapêutico.

• Recomendações finais

Nos dias atuais, é a infecção Chlamydiana devido as suas peculiaridades e ausência de

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sintomas, mostra-se de alta transmissibilidade, mantendo a cadeia epidemiológica em


crescimento exponencial, sendo responsável por uma alta prevalência da infecção, em
qualquer faixa etária, principalmente entre jovens de baixo e alto nível socioeconômi-
co.

O grande problema no controle da infecção Chlamydiana tem sido o diagnóstico.


Aguardar que a paciente manifeste sinais e sintomas que possam sugerir a presença da
CT seria desconsiderar sua importância e desconhecer sua fisiopatogenia. A busca ativa
da CT em grupos de pessoas mais propensas à contaminação pela bactéria é primordial
se quisermos interromper a cadeia de transmissão.

A grande restrição que existia para o rastreamento e diagnóstico da infecção Chlamydiana


era a dificuldade de encontrar o método disponível na rotina diária dos laboratórios
por questões de custos operacionais. A opção de métodos de biologia molecular vem
revolucionando a microbiologia, oferecendo oportunidade de diagnósticos muito mais
apurados, seja pela alta sensibilidade e especificidade, como também pela facilidade
de realização.

A CT, se bem diagnosticada, pode ser facilmente tratada. O tratamento deverá ser
instituído o mais precocemente possível, independentemente da sintomatologia.
Espera-se que o agente desapareça, apesar da possibilidade de manutenção dos
anticorpos séricos. Este fato faz com as pesquisas de anticorpos séricos tenham baixo
valor diagnóstico.

O tratamento da CT visa não apenas acabar com a infecção propriamente dita, mas
também prevenir sequelas, evitar complicações, e interromper a cadeia epidemiológica.
Existem muitos antibióticos eficazes no tratamento da Chlamydia trachomatis e sua
real atividade dependerá da fase em que se encontra a infecção, bem como dos fatores
complicadores associados (abscesso, diabetes, imunossupressão, presença de DIU,
uso de corticoterapia simultânea, etc.). Os antibióticos quando usados corretamente
durante ou fora da gravidez promoverão cura completa da infecção e evitarão as tão
temidas sequelas que levam muitos casos a esterilidade conjugal, dor pélvica crônica
e gravidez ectópica. Os principais antimicrobianos utilizados são os macrolídeos
(azitromicina, roxitromicina, claritromicina, eritromicina), tetraciclina, amoxacilina,
aminoglicosídeos, (ofloxacina e ampicilina).

Considerando a importância e os agravos da infecção Chlamydiana, o rastreio para


CT em populações de risco (gestantes, adolescentes, pessoas com outras DST) e
precedendo cirurgias ginecológicas deveria ser implantado na rotina de todos os serviços

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preocupados em prevenir esta doença e principalmente evitar as suas sequelas.

Figura 1 - Cervicite. (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

Figura 2 - Processo inflamatório intenso (mais de 30 PMN/ Campo).


(Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

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Figura 3 - Ectrópio colo uterino. (Foto Cartier)

Ectrópio Cervical

Neisseria gonorrhoeae

• Conceito e agente etiológico

Cervicite ou endocervicite gonocócica é a inflamação da mucosa endocervical (epi-


télio colunar do colo uterino) causada pela Neisseria gonorrhoeae, bactéria (diploco-
co) Gram-negativa. Classicamente as cervicites foram classificadas como gonocócicas
ou não gonocócicas, levando em consideração seu agente etiológico. Novos estudos
têm demonstrado que a etiologia das cervicites está relacionada principalmente com
Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis, entretanto outros agentes também
são relacionados tais como: bactérias aeróbicas e anaeróbicas, Trichomonas vaginalis,
Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealiticum e Herpes simplex vírus.

• Características clínicas

A maioria dos casos das cervicites é assintomática, sendo descobertos apenas durante
a investigação diagnóstica. Por isso, e em razão das elevadas taxas de complicações
severas, a realização destes procedimentos investigativos é muito importante especial-
mente naquelas mulheres que procuram assistência médica por outros motivos.

Quando acompanhada por quadro clínico exuberante, os dois importantes sinais que a

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caracterizam são:

1 - Exsudato purulento ou mucopurulenta endocervical visível no canal endocervical


ou em uma amostra de swab endocervical (vulgarmente designado por “cervicite mu-
copurulenta” ou cervicite);

2 - Sangramento endocervical facilmente induzido pela passagem suave de um cotone-


te ou escovinha através do orifício endocervical.

Um ou ambos os sinais podem estar presentes. O colo fica edemaciado e aumenta seu
volume, ficando com aspecto congesto.

A Cervicite é frequentemente assintomática, mas algumas mulheres queixam-se de


um corrimento e/ou sangramento vaginal irregular no período intermenstrual e sangra-
mento pós-cito. Outros sintomas genitais leves, como fluxo vaginal anormal ou disú-
ria podem ocorrer na infecção endocervical. Ocasionalmente, o ducto de Bartholin é
atingido, levando à formação de abscesso agudo e doloroso (Bartholinite). O canal
anal também pode ser infectado por contiguidade e na maioria das vezes, a infecção
permaneça assintomática. Uma infecção prolongada sem intervenção ou tratamento
adequado estende-se geralmente ao endométrio e às trompas (endosalpinge), podendo
evoluir para Doença Inflamatória Pélvica (DIP) que resultará em esterilidade, dor pél-
vica crônica e gravidez ectópica.

• Diagnóstico

Bacterioscopia de secreção endocervical: swab endocervical disposto em esfregaço


corado pelo Gram. Procurar diplococos intracelulares (polimorfomuncleares neutrófi-
los-PMN) Gram-negativos.

Cultura em meio de Thayer-Matin: Cultivar a secreção endocervical diretamente no


meio ou usar meio de transporte apropriado (anaerobiose).

PCR (Polimerase Chain Reaction): Conteúdo endocervical ou vaginal poderá ser


coletado e armazenado em PBS ou solução apropriada e congelamento para extração e
amplificação do DNA da Neisseria Gonorrhoeae (NG).

Os métodos de biologia molecular (PCR e Captura Híbrida) para C. trachomatis e Neis-


seria Gonorrhoeae são os mais adequados para o diagnóstico das cervicites, contudo
não são ainda os mais acessíveis. O PCR pode ser realizado, tanto em material endocer-

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vical, como em amostras de urina e a Captura Híbrida já faz parte do rol de exames da
tabela SUS. O diagnóstico do gonococo realizado mediante a cultura do gonococo em
meio seletivo (Thayer-Martin), a partir de amostras endocervicais é de relativo aces-
so nos laboratórios públicos, conveniados e privados. A coloração das amostras pelo
Gram, embora tenha sensibilidade técnica na mulher de apenas 50%, pode ser realizada
com muita facilidade em qualquer local que disponha de microscópio óptico.

“Recomenda-se o tratamento de ambos (N. gonorrhoeae e C. trachomatis) ao se iden-


tificar qualquer um dos dois”.

• Tratamento

Azitromicina, 2 comprimidos, 500mg, dose total de 1,0g, VO, dose única;


mais
Ofloxacina 400mg, VO, dose única;

ou

Doxiciclina solúvel 100mg, VO, de 12/12 horas, durante 7 dias;


mais
Tianfenicol 500mg, VO, de 12/12 horas, por 7 dias;

• Tratamento das gestantes:

Estearato de Eritromicina 500mg, VO, de 6/6 horas, por 10 dias;


ou
Ampicilina 3,5 g, em dose única, VO, precedido de Probenecide, 1g em dose única;
ou
Amoxicilina 3 g, em dose única, VO, precedido de Probenecide, 1g em dose única.

A infecção gonocócica na gestante poderá estar associada com maior risco de prematu-
ridade, rotura prematura de membrana, perdas fetais, retardo de crescimento intrauteri-
no e febre puerperal. No recém-nascido, a principal manifestação clínica é a conjunti-
vite, podendo haver ainda septicemia, artrite, abscessos de couro cabeludo, pneumonia,
meningite, endocardite e estomatite. A frequência da infecção gonocócica no colo varia
em média de 2 a 6% das gestantes.

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• Recomendações finais

É importante lembrar, que as vulvovaginites (candidíase, tricomoníase e vaginose


bacteriana) associadas às cervicites quando diagnosticadas concomitantemente,
também devem ser tratadas.

As cervicites são consideradas DST, por isso os parceiros devem receber Azitromicina,
2 comprimidos de 500mg, dose total de 1,0g, VO, dose única mais Oflocaxina 400mg,
VO, dose única.

Nas mulheres com cervicites recorrentes, a terapia ablativa ou eletrocauterização da


área de ectopia deve ser considerada.

As pacientes com cervicite, infectadas pelo HIV devem receber o mesmo esquema de
tratamento que as que são HIV negativos. Lembrando que o tratamento da cervicite em
mulheres infectadas pelo HIV é fundamental para diminuir a sua transmissão.

Para evitar a reinfecção, as pacientes e seus parceiros devem se abstiver de relações


sexuais até que a terapia está concluída (ou seja, 7 dias após uma dose única ou após a
conclusão de um regime de 7 dias).

O seguimento (“follow-Up”) das pacientes é importante, estas devem ser sempre ins-
truídas a retornar para reavaliação.

Micoplasmose genital

• Conceito e agente etiológico

Micoplasmose genital é denominação genérica a um processo inflamatório dos tratos


urinário e genital inferiores, relacionada a agressão por uma família bacteriana –
Mycoplasmataceae – na qual se encontram ou gêneros Mycoplasma e Ureaplasma. Em
termos microbiológicos são identificados para ambos as espécies mais prevalentes na
prática clínica: M. hominis, M. genitalium, M. penetrans, M.fermentans, U. urealyticum
e U. parvum. São bactérias pequenas, que não possuem parede celular, o que lhes
conferem algumas características:

- Não são identificados em procedimentos bacterioscópicos de coloração pelo método


Gram.

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- Não são sensíveis a antibacterianos que atuam na parede celular das bactérias.

- Maior contato da bactéria com a membrana citoplasmática da célula do hospedeiro,


favorecendo a penetração celular; este fato condiciona à bactéria maior defesa contra o
sistema imune do hospedeiro, além de favorecer a sua propagação local.

Os Mycoplasma hominis e o Ureaplasma urealitycum podem ser encontrados


respectivamente em até 8% e 41% de mulheres assintomáticas sexualmente ativas.
Estão claramente relacionados à atividade sexual e aos hormônios sexuais.

• Características clínicas e diagnósticas

Micoplasmas e Ureaplasmas prevalecem no trato urinário inferior e trato genital inferior.


Em ambos promovem reação inflamatória imprevisível, desde mínimas manifestações
locais com disúria, polaciúria, dispareunia e corrimento vaginal incaracterístico, até
quadros mais graves de infecção urinária e genital. O exame clínico poderá evidenciar
descarga uretral de material com características purulentas, enquanto que o exame
ginecológico poderá exibir graus variados de cervicite. Por vezes, o exame clínico
não é esclarecedor e nesses casos a complementação exige o exame bacterioscópico
citológico (método de Leishman), que é direcionado às células cervicais e vaginais
em permeio aos polimorfos nucleares (PMN) encontrados nos esfregaços em lâmina:
são valorizados 4 PMN/campo em esfregaço uretral e 30 PMN/campo em esfregaço
cervical. A identificação por cultura é bastante factível, apesar de trabalhosa. Métodos
de biologia molecular, particularmente pelo PCR já métodos ainda caros, porém já está
na rotina de muitos laboratórios.

Micoplasmas e ureaplasmas se enquadram entre as DSTs (genital/genital e oro/genital)


e ambos estão implicados no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a corioamnionite
e rotura das membranas ovulares. Embora com menor frequência, podem infectar o
concepto, comprometendo seu desenvolvimento ou as condições neonatais. Apesar do
quadro clínico por vezes se apresentar de forma leve, a micoplasmose genital deve
ser encarada como “condição de risco”, para o agravo de infecção concomitante;
assim infecção por Chlamydia e gonococo entre as bacterianas, fungos e protozoários
(Trichomonas), além de maior intensidade local, poderão exibir características clínicas
de propagação a andares superiores do trato genital, levando à moléstia inflamatória
pélvica. Quando em concomitância com os vírus, em particular HPV e HIV, são relatadas
progressão mais acelerada do processo infeccioso a quadros neoplásicos e a AIDS,
respectivamente. A investigação da micoplasmose envolve a queixa clínica, o achado
da expressão uretral ou da cervicite, de forma independente e não obrigatoriamente

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coincidentes. A bacterioscopia indireta pelo método citológico de Leishman irá


evidenciar predomínio dos polimorfo nucleares em relação às células epiteliais,
permitindo a inferência para o diagnóstico de uretrite e cervicite não Chlamydia e não
gonocócica, tornando a micoplasmose uma identidade a ser pensada e tratada.

• Tratamento

A resistência natural aos antibacterianos que atuam na parede celular limita as


indicações. Recomenda-se: tetraciclinas, macrolídios e quinolonas.

Opções terapêuticas (usar apenas uma das opções)

1 - Doxiciclina: 100mg – 2x/dia por 7 dias.

2 - Tetraciclina: 500 mg – 4x/dia por 7 dias.

3 - Eritromicina: 500 mg – 4x/dia por 7 dias.

4 - Levofloxacina ou Ciprofloxacina: 500 mg/dia por 7 dias.

5 - Azitromincina: 1.0g (dose única), ou 500 mg/dia por 5 dias.

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DOENÇA INFLAMATÓRIA PÉLVICA

Conceito e agente etiológico

A doença inflamatória pélvica (DIP) é processo agudo causado pela ascensão de micro-
organismos do trato genital inferior. Aproximadamente 90% dos casos são relacionados
à Chlamydia trachomatis e à Neisseria gonorrhoeae. Os microrganismos que compõem
a flora vaginal, como os anaeróbios e outros aeróbios também são isolados com
frequência. O M. hominis, U. urealyticum e M. genitalium podem estar associados em
alguns casos. Outras causas, como inserção de DIU, biópsia de endométrio e curetagem
uterina respondem pelos 10% dos casos restantes.

Características clínicas

A síndrome clássica inclui dor pélvica aguda, dor à mobilização cervical, à palpação
dos anexos e febre.

Os sinais e sintomas podem ser sutis ou inespecíficos, como sangramento anormal,


dispareunia e colo friável com secreção mucopurulenta.

ATENÇÃO: EXISTEM MUITOS CASOS ASSINTOMÁTICOS DA DOENÇA.

A DIP é classificada em:

Estágio I (Leve): salpingite aguda sem irritação peritoneal.

Estágio II (Moderada sem abscesso): salpingite com irritação peritoneal.

Estágio III (Moderada com abscesso): salpingite com abcesso tubo ovariano.

Estágio IV (Grave): abscesso tubo-ovariano roto ou sinais de choque séptico.

Diagnóstico
Os critérios para o diagnóstico da DIP incluem:

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Critérios maiores:

- Dor no abdômen inferior


- Dor à palpação dos anexos
- Dor à mobilização do colo uterino

Critérios menores:

-Temperatura axilar maior que 37,8OC


- Secreção vaginal ou cervical anormal
- Massa pélvica
- Mais de 5 leucócitos por campo de imersão em secreção de endocérvice
- Hemograma infeccioso (leucocitose)
- Proteína C reativa ou velocidade de hemossedimentação elevada
- Comprovação laboratorial de infecção cervical pela Chlamydia e/ou gonococo

Critérios elaborados:

- Evidência histopatológica de endometrite


- Presença de abscesso tubo-ovariano em estudo de imagem
- Laparoscopia com evidências de DIP

Para o diagnóstico clínico é necessário a presença de:

- Três critérios maiores mais um critério menor; ou


- Um critério elaborado

Considerações adicionais:

Critérios maiores: a exigência dos três critérios maiores pode resultar em falta de
sensibilidade para o diagnóstico de DIP. Assim, em jovens e naquelas em situação de
risco para DST, com dor pélvica e um ou mais dos critérios maiores, sem outra causa
identificada, considerar o tratamento.

Critérios menores: a presença de sinais de inflamação do trato genital inferior aumenta


a especificidade do diagnóstico.

Critérios elaborados: laparoscopia e biópsia endometrial justificam-se em alguns casos.


A biópsia endometrial estaria indicada em pacientes com suspeita de DIP, porém sem

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evidência visual de salpingite à laparoscopia.

Tratamento

O diagnóstico precoce seguido do tratamento imediato é fundamental para prevenir


sequelas. A DIP leve a moderada sem formação de abscesso pode ser tratada em regime
externo. Os critérios para internação hospitalar incluem os casos em que:

- As emergências cirúrgicas não podem ser excluídas (apendicite aguda, gravidez ectó-
pica, torção de tumor ovariano).

- A doença e moderada ou grave com pelviperitonite, abscesso tubo-ovariano ou cho-


que.

- Houve falta de resposta ou intolerância ao tratamento oral.

- Condições socioeconômicas precárias da paciente.

Tratamento hospitalar

Esquema A (Diretrizes CDC 2006)

Cefotetano 2 g via endovenosa a cada 12 horas,

ou

Cefoxitina 2 g via endovenosa a cada 6 horas,


mais
Doxiciclina 100 mg via oral ou endovenosa a cada 12 horas

Esquema B (Diretrizes CDC 2006)

Clindamicina 900 mg via endovenosa a cada 8 horas


mais
Gentamicina dose inicial endovenosa ou intramuscular de 2 mg/kg, seguida por
manutenção de 1,5 mg/kg, a cada 8 horas

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Esquema parenteral alternativo

Levofloxacino 500 mg via endovenosa, uma vez ao dia*


com ou sem
Metronidazol 500 mg via endovenosa a cada 8 horas.

Para pacientes com abscesso tubo-ovariano associar clindamicina (450 mg, quatro
vezes ao dia) ou metronidazol (500mg duas vezes ao dia), para cobertura mais efetiva
contra anaeróbios. Substituir a terapia endovenosa por oral, com doxiciclina (100 mg
duas vezes ao dia, até completar 14 dias), 24 horas após a melhora clínica. Em pacientes
com abscesso tubo-ovariano usar a clindamicina ao invés da doxicilina.

Tratamento ambulatorial

Esquema A (Diretrizes CDC 2006)

Levofloxacino* 500 mg via oral, uma vez ao dia, durante 14 dias

ou

Ofloxacina* 400 mg via oral, duas vez ao dia, durante 14 dias


com ou sem
Metronidazol 500 mg via oral, duas vez ao dia, durante 14 dias

Esquema B (Diretrizes CDC 2006)

Ceftriaxone 250 mg por via intramuscular em dose única


mais
Doxiciclina 100 mg por via oral, duas vezes ao dia, durante 14 dias
com ou sem
Metronidazol 500 mg por via oral, duas vezes ao dia, durante 14 dias

ou

Cefoxitina 2 g intramuscular e Probenecid, 1 g oral, ambos em dose única,

ou

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outras cefalosporinas de terceira geração (ceftizoxime ou cefotaxime)


mais
Doxiciclina 100 mg via oral, duas vezes ao dia, durante 14 dias
com ou sem
Metronidazol 500 mg via oral, duas vezes ao dia, durante 14 dias.

*As quinolonas não devem ser empregadas se há história de viagem recente a áreas
com prevalência elevada de N. gonorrhoeae resistentes a estes antibióticos.

Considerações finais
- A persistência da febre, da dor espontânea ou induzida pela mobilização cervical após
72 horas do início do tratamento aponta para a necessidade de reavaliação diagnósti-
ca.

- Não existem evidências que indiquem a necessidade de remoção do DIU nas


portadoras de DIP.

- O teste para o HIV deve ser oferecido a todas as pacientes com diagnóstico de DIP.

- Mulheres portadoras do HIV apresentam probabilidade maior de desenvolver abscesso


tubo-ovariano, porém respondem bem ao tratamento padrão, oral ou parenteral.

- Os parceiros devem ser examinados e tratados, caso tenham tido contato sexual nos 60
dias que precederam o início dos sintomas de DIP. O tratamento contra C trachomatis e
a N gonorrhoeae deve ser instituído, independente do patógeno isolado na parceira.

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INFECÇÕES PELO HPV

Condiloma acuminado

• Conceito e agente etiológico

O condiloma acuminado, vulgarmente conhecido como “cavalo de crista” ou “verruga


venérea” é um quadro clínico constituído por lesões verrucóides causadas pela infecção
por Papillomavírus humano (HPV), em especial pelos tipos 6 e 11.

• Características clínicas

- Verruga genital

- Papulose genital

• Diagnóstico

Para o condiloma vulvar e perianal típico o diagnóstico é principalmente clínico e por


genitoscopia, mas eventualmente em casos não tão típicos pode ser necessário biópsia
com exame histopatológico para o diagnóstico preciso. Condilomas cervicais, vaginais
e intra-anais devem ser confirmados por histológico, pois podem ser confundidos
com: angioquetatomas, ceratites seborreicas, acrocordon, molusco contagioso, sífilis
secundária, papilose labial fisiológica entre outros.

Figura 1 Verrugas HPV induzidas em criança. (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

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Figura 2 Histologia lesão verrucosa de HPV

• Tratamento

Verrugas vulvares

- Resina de podofilina 10 a 25%: aplicação de <0,5 ml em área < 10 cm2, semanalmen-


te. Importante lavar, 1 a 4 horas após, a região em que a medicação foi aplicada Uso em
grávidas não é recomendado.

- Ácido tricloroacético 80-90%: aplicado semanalmente se necessário. Se atingir região


sã, lavar com sabão líquido.

- Remoção cirúrgica

- Laser

- Cirurgia de alta freqüência

- Imiquimod 5%: Aplicação ao deitar 3 (três) vezes por semana por até 16 semanas.
A área em que foi aplicado deve ser lavada com água e sabão 6 a 10 horas após a
aplicação. Uso em grávidas não é recomendado.

- Podofilox 0,5% solução ou gel: aplicação 2 (duas) vezes ao dia por 3 (três) dias, com
quatro dias de repouso. O ciclo pode ser repetido por até 4 (quatro) vezes, se necessário.

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Volume do medicamento < 0,5 ml e a área aplicada < 10 cm2. O especialista deve fazer
o tratamento inicial para orientar a paciente. Uso em grávidas não é recomendado.

Verrugas vaginais e de meato uretral

- Ácido tricloroacético 80-90%.

- Remoção cirúrgica, por cirurgia de alta frequência e por laser apenas em situações
especiais e realizadas por mãos habilitadas.

Verrugas cervicais

Para os casos de verrugas cervicais, lesão intraepitelial escamosa de alto grau deve
ser excluída antes do tratamento. Opções terapêuticas: tratamento destrutivo (ver
lesões subclínicas), cirurgia de alta frequência e laser.

• Tratamento em casos especiais (pacientes imunodeprimidas)

As pacientes imunodeprimidas tendem a ter mais persistência das lesões com respostas
terapêuticas mais pobres. Uma boa opção é o imiquimod, embora não haja estudos
robustos demonstrando eficácia nestes casos, experiências pequenas têm demonstrado
boas respostas e pouco efeito colateral.

• Gestantes e Nutrizes

A melhor terapia nestas circunstancias, dependendo das características da lesão, é o


ácido tricoloacético. Mas os tratamentos físicos com eletrocautério, cirurgia de alta
frequência ou remoção cirúrgica clássica, podem ser utilizados.

• Parceiros

Por ser uma doença sexualmente transmissível os parceiros devem ser encaminhados
para exames com especialistas para identificação de lesões genitais.

Atenção:

- Sem tratamento verrugas podem regredir, permanecer inalteradas ou aumentar em


tamanho ou número.

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- Nenhum tratamento é superior aos demais.

- Pacientes com menos que 10 verrugas genitais, cobrindo uma área de 0,5 a 1 cm2
respondem a maioria das modalidades de tratamento.

- A modalidade terapêutica deve ser mudada se não há melhora após três cursos de uma
terapia ou se não há cura macroscópica após seis cursos.

• Prevenção

A prevenção de condilomas acuminados hoje pode ser realizada por:

- Vacinas Quadrivalentes em pré-púberes e jovens.

- Uso de camisinha (Condom).

- Restringir o número de parceiros sexuais.

- Tratamento de coinfecções como as causadas por Chlamydia trachomatis, Neisseria


gonorrhoeae, Herpes vírus, HIV, Trichomonas vaginalis.

- Controle de doenças metabólicas e imunossupressoras: Diabetes, transplantes, Lupus,


etc.

Lesões subclínicas

• Conceito e agente etiológico

Lesões subclínicas são alterações epiteliais induzidos pelo HPV que não são vistas
a olho nu. Necessitam de magnificação óptica para sua identificação. A lesão genital
subclínica é quase sempre a expressão das alterações intraepiteliais escamosas. Podem
estar presentes mais frequentemente na vulva e periânus, vagina e colo uterino.

As lesões intraepiteliais são modificações do epitélio genital, podendo ser escamosas


ou glandulares. Limitam a membrana basal do epitélio. Especificamente as lesões
intraepiteliais escamosas podem ser baixo grau e de alto grau. As lesões intraepiteliais
escamosas de baixo grau compreendem aquelas condições que demonstram a citopatia
por Papillomavirus humano (HPV) e/ou atipias celulares que se restringem as camadas

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mais inferiores do epitélio estratificado pavimentoso (neoplasia intraepitelial cervical


grau 1 [NIC 1]). As lesões intraepiteliais escamosas de alto grau são aquelas que
apresentam atipias epiteliais comprometendo além do terço inferior epitelial atingindo
a totalidade do epitélio, mas preservando a membrana basal (neoplasia intraepitelial
cervical graus 2 e 3 [NIC 2 e 3]).

• Diagnóstico

Observações:

- A manifestação da lesão será relacionada ao sítio e ao grau da lesão e não ao tipo


viral.

- A maioria das lesões subclínicas, independentemente do grau, tem HPV 16


associado.

- O diagnóstico é dado por citopatologia (colo e vagina), genitoscopia e histopatologia


(padrão-ouro).

- Raramente a citopatologia será útil em lesões de vulva.

As lesões sub clinicas HPV induzidas podem se manifestar citologicamente como:


1- atipias equívocas (células escamosas atípicas [ASC-US/ASC-H] e células glandulares
atípicas), 2 - lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (LSIL), 3 - lesão intraepitelial
escamosa de alto grau (HSIL) e 4 - carcinoma.

Colposcopia:

“A correlação colposcópica é importante, pois é através dela que se identifica o sítio


da lesão e se indica o melhor local de biópsia”.

As atipias colposcópicas são classificadas atualmente pela nomenclatura de Barcelona,


que as divide em maiores e menores (Tabela 1). É nas lesões maiores que mais
frequentemente são encontradas as lesões de alto grau. Já nas lesões menores, embora
lesões de baixo grau sejam esperadas, não infrequentemente são observados quadros
histológicos de cercivite inespecífica, metaplasia, depleção glicogenica, acantose, etc.
Já as lesões glandulares podem ser de difícil acesso, eventualmente impedindo uma
avaliação colposcópica adequada, passando o escovado e curetagem endocervical a
terem importante papel diagnóstico.

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Tabela 1. Classificação dos achados colposcópicos: nomenclatura estabelecida pela


Federação Internacional de Patologia Cervical e Colposcopia (Barcelona, 2002).

I. Achados Colposcópicos Normais


Epitélio Escamoso Original
Epitélio Colunar
Zona de Transformação
II. Achados Colposcópicos Anormais
Epitélio acetobranco plano
Epitélio acetobranco denso *
Mosaico fino
Mosaico grosseiro *
Pontilhado fino
Pontilhado grosseiro *
Iodo parcialmente positivo
Iodo negativo *
Vasos atípicos *
III. Alterações colposcópicas sugestivas de câncer invasivo
IV. Colposcopia insatisfatória: junção escamocolunar não visível, inflamação severa, atrofia
severa, trauma, cérvix não visível.
V. Miscelânea
Condiloma
Queratose
Erosão
Inflamação
Atrofia
Deciduose
Pólipo
* Alterações maiores


Laboratório

O diagnóstico citopatológico é presuntivo, serve de triagem e deve ser confirmado por


biópsia dirigida. O histopatológico determinará se há lesão.

O grau da lesão que poderá ser classificado conforme a nomenclatura utilizada no


laboratório de patologia (Tabela 2).

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Tabela 2. Nomenclatura histopatológica

Displasia (Reagan) NIC (Richart) SIL (Bethesda)

Citopatia por HPV Citopatia por HPV LSIL

Displasia Leve NIC 1 LSIL

Displasia Moderada NIC 2 HSIL

Displasia Acentuada NIC 3 HSIL

Carcinoma “in situ” NIC 3 HSIL

 Neoplasia intraepitelial cervical - SIL: lesão intraepitelial escamosa


NIC:
LSIL: lesão intraepitelial escamosa de baixo grau - HSIL: lesão intraepitelial escamosa de alto grau

Atenção: Casos com dificuldade diagnóstica poderão ser auxiliados por biologia
molecular (DNA-HPV) e imunohistoquímica (p16INK4a e Ki-67).

O diagnóstico definitivo deve ser dado por biópsia. A histopatologia das lesões vulvares
pode ser de condiloma, neoplasia intraepitelial vulvar graus 1, 2 e 3 (VIN 1, VIN
2, VIN 3) e carcinoma. Na vagina os diagnósticos podem ser condiloma, neoplasia
intraepitelial vaginal graus 1, 2, e 3 (VAIN 1, VAIN 2, VAIN 3) e carcinoma.

No colo uterino os achados são de condiloma, neoplasia intraepitelial cervical graus 1,


2 e 3 (NIC 1, NIC 2, NIC 3) e carcinoma.

• Tratamento

O tratamento varia conforme o diagnóstico histopatológico.

Lesões vulvares (incluindo as VIN = neoplasia intraepitelial vulvar)

Opções:
- Observação
- Excisão simples da lesão
- Laser de CO2
- Excisão ampla
- 5-fluorouracil
- Vulvectomia

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Lesões vaginais (incluindo as VAIN = neoplasia intraepitelial vaginal)

- Excisão local
- 5-fluorouracil
- Laser de CO2
- Criocirurgia
- Eletrocoagulação
- Procedimentos cirúrgicos (modalidades de vaginectomia)

Lesões cervicais

HPV / NIC 1

Técnicas destrutivas

- Criocirurgia
- Eletrocoagulação
- Vaporização a laser
- Ácido tricloroacético 80-90%

Técnicas excisionais ou ablativas

- Cirurgia de alta frequência

NIC 2/3

Técnicas excisionais ou ablativas

- Cirurgia de alta frequência


- Cone clássico
- Conização com laser

Nos casos de carcinomas, deve-se indicar a terapia oncológica específica em centro


terciário de atendimento.

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• Critérios de Cura

Após o tratamento independente do diagnóstico inicial, deve-se fazer uma avaliação


para confirmar o sucesso terapêutico.

Os métodos empregados são a citologia cérvico-vaginal e a colposcopia. Para serviços


que dispõem do método de pesquisa de DNA-HPV (captura híbrida, amplicor,
papillochek, etc.) o seu uso permite um alto valor preditivo negativo, assim como,
indica a persistência viral que é marcador de prognóstico para as lesões intraepiteliais
cervicais.

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ÚLCERAS GENITAIS

Herpes genital

• Conceito e agente etiológico

O herpes genital (HG) é uma doença sexualmente transmissível de alta prevalência,


causada pelo herpes simples vírus (HSV), que provoca lesões na pele e nas mucosas
dos órgãos genitais masculinos e femininos. Uma vez dentro de um organismo,
dificilmente esse vírus será eliminado, porque se aproveita do material fornecido pelas
células do hospedeiro para sua replicação. Além disso, como se esconde dentro das
raízes nervosas, o sistema imunológico não tem acesso a ele. O período de incubação
varia de dez a quinze dias após a relação sexual com o/a portador/a do vírus, que
pode ser transmitido mesmo na ausência das lesões cutâneas ou quando elas já estão
cicatrizadas.

Existem dois tipos de HSV:

- Tipo 1: responsável pelo herpes facial, manifesta-se principalmente na região da boca,


nariz e olhos;

- Tipo 2: acomete principalmente a região genital, ânus e nádegas.

• Características clínicas

O HG manifesta-se por pequenas vesículas que se agrupam nos genitais masculinos e


femininos. Às vezes, elas estão presentes dentro do meato uretral ou, por contiguidade,
podem atingir a região anal e perianal, de onde se disseminam se o sistema imunológico
estiver debilitado.

As lesões do herpes genital costumam regredir espontaneamente, mesmo sem


tratamento, nos indivíduos imunocompetentes. Nos imunodeprimidos, incluindo os
infectados pelo HIV, porém, elas adquirem dimensões extraordinárias. O Centro de
Controle de Doenças Americano considera caso definidor de AIDS a presença de lesão
herpética em mucosas por mais de 30 dias.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Primo-infecção e recidivas:

A primeira infecção pode ser muito agressiva e longa, porque não houve tempo
ainda para resposta imunológica. Já as recidivas costumam ser menos graves, dada a
presença de anticorpos capazes de tornar a doença autolimitada, mas permanece o risco
de recidivas.

• Sintomas

Os pródromos caracterizam-se por ardor, prurido, formigamento e adenomegalia que


podem anteceder a erupção cutânea.

Hiperemia aparece alguns dias após e depois evoluem para vesículas agrupadas, que,
depois, se rompem formando exulceração dolorosa seguida de cicatrização. O vírus
migra pela raiz nervosa até alojar-se num gânglio neural, onde permanece quiescente
até a recidiva seguinte.

• Diagnóstico

O diagnóstico é essencialmente clínico (anamnese e exame físico).

A cultura e a biópsia são raramente utilizadas, pois sua sensibilidade diminui com a
duração da lesão.

A pesquisa de HSV por técnicas de biologia molecular – reação em cadeia da polimerase


(PCR) pode ser útil, mas é desnecessária na prática.

A detecção da glicoproteína específica do HSV para determinar a etiologia da lesão pelo


HSV 2, utilizando-se testes rápidos é defendida pelos norte americanos, principalmente
em gestantes com a finalidade de se estabelecer medidas profiláticas da transmissão
vertical, ou entre casais soro discordantes para o HIV, com o intuito de reduzir a
transmissão horizontal.

• Tratamento

Não existe ainda tratamento eficaz quanto a cura da doença. O tratamento tem por
objetivo diminuir as manifestações da doença ou aumentar o intervalo entre as crises.
Inibem a síntese de DNA, possuem ação na fase aguda e não atuam na latente.

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As drogas antivirais mais comumente empregadas com suas respectivas posologias são
as relacionadas na tabela 1.

Imunodeprimidos e recidivas: em casos de seis ou mais episódios em um ano


recomenda-se terapia de supressão diária (TSD) com doses menores de antivirais por
seis a 12 meses (tabela 1)
HERPES GENITAL
Tabela 1: Tratamento do herpes DOSAGENS
TRATAMENTO genital: dosagens e recomendações
RECOMENDADAS

Indicação Aciclovir Valaciclovir Fanclicovir

Primoinfecção 400mg 3xd 1000mg 2xd 250mg 3xd


(7-14d) (7-14d) (7-14d)

Recorrente 400mg 3xd 500mg 2xd 125mg 2xd


(5d) (5d) (5d)

Supressão 400mg 2xd 500/1000mg1xd 250mg 2xd


(>6/ano)
(durante
(durante 66 meses)
meses)

Women’s
Women’s Health,
Health, 2008
2008
Obs: Valaciclovir pode provocar microangiopatia em pacientes com AIDS.
LUIZA MENEZES

Gestantes: Primo-infecção no período final da gestação oferece grande risco de


infecção neonatal (30% a 60%), comparada com 3% diante de manifestação recorrente
e <1% nas formas recorrentes sem lesão genital. A transmissão vertical associa-se a
grave prognóstico fetal (abortamento, CIUR, morte intraútero) e neonatal (anomalias
congênitas, lesões neurológicas, oculares e cutâneas). Por tudo isso o tratamento da
gestante se impõe, principalmente na primo-infecção. Está liberado pela ANVISA o
uso de Aciclovir e as doses recomendadas estão relacionadas na tabela 2.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas
HERPES GENITAL
TRATAMENTO NA GESTANTE
Tabela 2: Tratamento do herpes genital na gestação

Indicação Aciclovir

Infecção primária 400mg 3xd (7-14d)

Recorrentes 400mg 3xd ou 800mg 2xd (5d)

Dose supressão 400mg 3xd IG 36 sem até o parto

Infecção disseminada 5-10mg/Kg IV 8/8 h 2-7dias e manter


VO 400mg 3xd por no mínimo 10 dias

Women’s
Women’s Health,
Health, 2009
2009
Escolha da via de parto: deve seguir o recomendado no fluxograma 1. O período
LUIZA MENEZES

seguro de rotura das membranas não está comprovadamente definido, mas acredita-
se que após 4h a contaminação fetal já tenha ocorrido e, desta forma a cesárea não
contribuiria para a redução da transmissão, devendo ser realizada, apenas se houver
outra indicação associada.
HERPES GENITAL
Fluxograma 1: escolha da via de parto frente ao herpes genital
TRATAMENTO NA GESTANTE
Lesão herpé
herpética primá
herpética primária
primária

No momento <34 sem. >34 sem.


do parto
Lesão Aciclovir a partir Aciclovir
Cesárea
herpé
herpética de 36 sem. até o parto
recorrente até o parto
Parto vaginal
Parto vaginal
se no mínimo
4 sem. de
Amniorrexe?
Amniorrexe? (4h)
tratamento
LUIZA MENEZES Watts,
Watts, 2003;
2003; Hollier,
Hollier, 2008
2008

Parceiros: O tratamento do/a(s) parceiro/a(s) não se justifica, a não ser que também
seja(m) sintomático/a(s), com o mesmo objetivo de reduzir a manifestação e aumentar
o intervalo entre as crises.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Prevenção: Não está provado que o uso de preservativos diminua a transmissibilidade da


doença. Higienização genital antes e após o relacionamento sexual é recomendável.

Figura 1. Herpes genital ulcerado em remissão

Sífilis

• Conceito

Também chamada de lues, cancro duro, protossifiloma é uma doença infectocontagiosa,


de evolução sistêmica (crônica), ocorrendo por transmissão sexual e por outros contatos
íntimos. Pode ser transmitida da mãe para o feto (intraútero), ou pelo contato da criança
com as lesões maternas durante o parto.

• Agente etiológico

Treponema pallidum, subespécie pallidum. É uma bactéria espiroqueta que não se cora
pela técnica de Gram e nem cresce em meios de cultivo artificiais. Sensível ao calor,
detergentes e antissépticos comuns, além de frágil para sobreviver em ambientes secos.
É patógeno exclusivo do ser humano.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Clínica e epidemiologia

Estima-se que mais de 900 mil casos novos por ano ocorram no Brasil e no mundo
mais de 12 milhões por ano. Tem período de incubação de 21 a 30 dias, após contato
infectante. Porém, pode variar de 10 a 90 dias, dependendo do número e virulência de
bactérias infectantes e da resposta imunológica do hospedeiro.

• Manifestações clínicas

Sífilis recente – Cronologia das lesões

- cancro duro ou cancro de inoculação – lesão única (podendo ser múltipla em raros
casos), com bordas endurecidas pelo processo inflamatório linfoplasmocitario. É mais
comum ser visível no homem, no sulco balanoprepucial, que na mulher. O cancro duro,
se não for tratado, pode persistir por 30 a 90 dias, involuindo espontaneamente. Na
mulher muito raramente se observa lesão em vulva. Tempo: 21 a 30 dias:

- adenopatia satélite – é bilateral (inguinal), indolor e não inflamatória. O cancro duro


e a adenite satélite são conhecidos como sífilis primária. Tempo: 30 dias:

- sorologia positiva. Tempo: 30 a 40 dias:

- lesões exantemáticas, maculares e populosas, na pele e/ou mucosas genitais ou bucais.


O treponema entra na circulação e multiplica-se, fazendo aparecer a fase exantemática
(roséola) dispersa pelo corpo. Procedendo as roséolas, aparecem as máculas e pápulas,
assumindo vários aspectos clínicos (sifílides). Esta fase também é chamada de sífilis
secundária. Todas estas erupções evoluem espontaneamente sem deixar sequelas
mesmo na ausência de tratamento. Como as lesões são variadas, vale considerar que
qualquer lesão genital tem chance de ser sífilis e que pensar sifiliticamente ainda é
correto. Tempo: 50 a 180 dias:

Sífilis latente:

Ocorre entre 1 a 2 anos após o contágio. É conhecida como fase de “silêncio clínico”
permitindo o diagnóstico apenas através dos exames sorológicos.

Divide-se em latente precoce (até um ano) e latente tardia.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Sífilis tardia:

Pode ter início já no final da fase latente ou estender-se por vários anos. Suas
manifestações clínicas são divididas em:

a) tegumentares – gomas, sifílides tuberosas, nodosidades justa-articulares e eritema


terciário;

b) extrategumentares – oculares, ósseas, cardiovasculares e sistema nervoso.

Figura 1. Sífilis 2ª. Condiloma plano sifilítico


(Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

Figura 2. Sífilis 2ª. Condiloma plano sifilítico


(Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

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Cronologia das lesões da sífilis


adquirida

Cancro Duro 21 - 30 dias

Adenopatia Satélite 30 - 40 dias

Roséola Sifilítica 50 - 180 dias

Sifílides e outras

Sífilis Recente

Latente Precoce

Latente Tardia

Sífilis Tardia

6 meses 12 meses 30 anos

• Diagnóstico laboratorial

Sífilis recente (cancro duro e lesões muco-cutâneas):

1- Pesquisa do treponema por bacterioscopia em campo escuro - observam as bactérias


vivas e móveis (ainda é o padrão-ouro). Realizada no momento da consulta.

2- Imunofluorescência direta (excelente técnica, pois pode ser encaminhada para um


laboratório); impregnação pela prata (técnica de Fontana-Tribondeaux, embora seja
grosseira e sujeita a mais erros, pode ser realizada depois da consulta).

Todas as fases da Sífilis:

Sorologias: não treponêmica – VDRL (mais usado) e RPR; treponêmica FTA-Abs


(mais usado), MHA-TP e Elisa. O VDRL reator com título igual ou superior a 1/16 é
entendido como doença e deve o paciente ser tratado.

O VDRL pode dar falso positivo em títulos baixos devido a reações cruzadas e falsos
negativos, principalmente na fase primária e na latente tardia. O mesmo pode ocorrer
com exames treponêmicos, porém, com menor frequência.

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Efeito prozona: excesso de anticorpos com relação ao antígeno, durante a realização


do VDRL, apresentando resultado falso negativo. Com a diluição do soro pode-se
observar títulos finais altos. O paciente normalmente estará na fase secundária.

• Tratamento e controle de cura

Recente (primário-secundária) e latente (até um ano)

Penicilina G benzatina 2.400.000 UI IM (1.200.000 UI em cada região glútea), dose


única.

Latente (com mais de um ano) e Tardia

Penicilina G benzatina 2.400.000 UI IM por semana, durante 3 semanas.

Critério de cura: VDRL 3, 6 e 12 meses após o tratamento. Deverá haver queda de


quatro títulos da sorologia ou sua negativação em 6 meses a 1 ano. As gestantes devem
ser acompanhadas mensalmente. Deverá ser feito um novo tratamento se a sorologia
aumentar quatro títulos. O esperado é a diminuição de um título por mês.

Drogas alternativas: Azitromicina 1g VO por semana, durante 2 ou 3 semanas para
sífilis até 1 ano; após um ano não há estudos. Doxiciclina 100 mg VO 12/12 h ou
eritromicina ou tetraciclina 500 mg VO 6/6 h, durante 14 dias para sífilis até um ano e
durante 28 dias para sífilis com mais de um ano.

Gestantes: usar os mesmos esquemas com penicilina G benzatina. São contraindicados


tetraciclinas, doxiciclina e estolato de eritromicina.

A hipersensibilidade grave à penicilina é muito menos frequente do que advogam


os mitos populares e médico. Quem pensar diferente deve procurar informações bem
documentadas.

• Complicações

Sífilis tardia: neurossífilis, cardiovascular e cutaneomucosa (gomas).

Sífilis congênita recente e tardia: Sífilis congênita é uma doença-sentinela para o sistema
de saúde. Quando ocorre reflete erros grosseiros neste sistema, além de avaliar a qua-

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lidade do pré-natal.

Observações: A OMS estabelece que não devam existir mais de um caso para cada mil
nascidos vivos. No Brasil, de acordo com o Programa Nacional de DST e AIDS (PN-
DST/AIDS), a média nacional em maternidades públicas é de dezesseis casos em cada
mil nascidos vivos.

Sabe-se que pelo menos 40% dos conceptos de mães com sífilis não tratada durante a
gestação terão graves problemas ou serão levados a óbito. Portanto, uma gestante com
sífilis ou com suspeita de sífilis deve ser encarada como uma urgência médica.

A norma técnica que caracteriza um caso de sífilis congênita pode ser recuperada em
http://www.uff.br/dst/revista 17-1-2005/ resumos de teses - informe-carta.pdf (Jornal
Brasileiro de DST. 2005;17(1):79-80).

Considera-se sífilis inadequadamente tratada na gestação se:

- Tratamento feito com fármaco diferente da penicilina;

- Tratamento incompleto ou não adequado para a fase clínica, mesmo que feito com
penicilina;

- Instituição do tratamento a menos de trinta dias do parto;

- Elevação dos títulos sorológicos após o término do tratamento;

- Parceiro sexual não tratado ou na ausência de documentação deste tratamento.

O parceiro sexual da mãe não deve ser esquecido. Neste, exame clínico e sorológico
além de tratamento adequado é imperioso.

• Diagnóstico diferencial

Herpes simples, cancro mole, cancro misto de Rollet (cancro duro + cancro
mole), donovanose, farmacodermias, viroses exantemáticas, fissuras e ulcerações
traumáticas.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Observações:

- A gestante deve efetuar pelo menos dois testes sorológicos, um na primeira visita e
outro na 34ª-36ª semana. Ocorrendo lesão genital deve-se investigar rapidamente.

- Não há indicação de solicitação de sorologia imediatamente após o tratamento.

- Nos casos de hipersensibilidade à penicilina, a desensibilização só deve ser feita em


ambiente seguro e com profissionais experientes.

- A sorologia pode permanecer reatora em títulos baixos (1:4) por toda a vida, mesmo
após tratamento correto.

- Falhas terapêuticas podem ocorrer em qualquer esquema terapêutico, embora não


exista relato de resistência treponêmica à penicilina.

- Em caso de desconhecimento ou dúvida sobre a época do contágio é preferível optar


pelo tratamento em esquema de três doses com intervalos semanais.

- A reação de Jarish-Herxheimer pode ocorrer após a primeira dose de qualquer


treponemicida. Se expressa como exacerbação das lesões cutâneas, febre, cefaléia e
artralgias. Ocorre mais na fase exantemática. Cede com analgésicos e antitérmicos. Há
quem indique 12 mg de betametasona IM e ácido acetil-salicílico 500 mg VO, antes da
primeira dose de antibiótico.

- Embora a azitromicina possa ser usada na mulher grávida deve-se ter em mente que
esta droga não atravessa a barreira placentária. Portanto, ao nascer a criança deverá
ser obrigatoriamente avaliada e tratada. Assim, a penicilina continua sendo a primeira
opção. Sua substituição deve ser analisada com extremo cuidado.

Cancro mole

• Conceito e agente etiológico

O cancro mole é uma doença infecciosa aguda, de transmissão sexual e ulcerativa,


localizada nos genitais. Pode estar associada a adenopatias inguinais uni ou bilaterais.
É causada pelo cocobacilo (ou bastonete curto), Gram-negativo, Haemophilus ducreyi.
Pacientes jovens, sexualmente ativos, com úlcera genital, posem ter herpes ou sífilis

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

concomitantemente.

Atençao: Doenças ulcerativas associam-se a um maior risco de infecção por HIV.

Haemophilus ducreyi. Cocobacilo curto, imóvel, não formador de esporos, desprovido


de cápsula. Nos esfregaços apresentam-se em situação intra e extracelular, aos pares
e formando cadeias, eventualmente associados aos micro-organismos piógenos. Sua
coloração bipolar dá impressão, à microscopia ótica, de um vacúolo central.

• Características clínicas

O período de incubação é de 3 a 7 dias. Pápulas pequenas dolorosas rapidamente se


rompem para se tornarem úlceras rasas, com bordas irregulares. Cada úlcera é rasa,
não indurada, dolorosa e circundada por uma borda hiperemiada. As úlceras variam
em tamanho e frequentemente coalescem. Erosão fagedênica ocasionalmente leva à
destruição tecidual acentuada. Os linfonodos inguinais se tornam dolorosos, aumentados
e aderidos entre si e formam um abscesso com flutuação (bubão) na virilha. A pele
sobre o abscesso pode se tornar hiperemiada e brilhante e pode se romper, formando
um pertuito. A autoinoculação pode resultar em novas lesões. As complicações incluem
fimose, estenose uretral, fístula uretral e destruição tecidual grave. O cancroide pode
coexistir com outras causas de úlceras genitais.

Em mulheres as úlceras ocorrem na região vulvar; o estado de portador de H. ducreyi


sem sinais de infecção parece ser incomum. Há várias diferenças na expressão da
doença entre homens e mulheres Em cerca de metade dos indivíduos não há mais
que uma úlcera. Os homens invariavelmente são sintomáticos, mas ocasionalmente
as mulheres podem ser assintomáticas quando as úlceras ocorrem no colo do útero
ou na vagina. Supõe-se que as úlceras anais em mulheres resultem de drenagem ou
autoinoculação e não necessariamente de coito anal. Úlceras transitórias podem ser
encontradas frequentemente na face interna das coxas de mulheres de mulheres não
infectadas. A relativa infrequência de adenopatia em mulheres presumivelmente se
deve a diferenças na drenagem linfática entre o sexo masculino e feminino. Podem
ocorrer úlceras na boca como resultado de sexo oral, e, raramente, em outros locais do
corpo por causa de autoinoculação.

Tem sido descrita a colonização da boca, do colo do útero e do pênis na ausência de


sinais e sintomas. Infelizmente as úlceras cancroides frequentemente têm apresentação
clínica atípica, que resulta em erros de diagnóstico com consequente falha na adequação
terapêutica.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Em homens as úlceras frequentemente ocorrem no prepúcio, resultando em fimose,


uma dolorosa incapacidade de retração do prepúcio. À medida que a doença progride,
em até 50% dos casos aparece linfadenopatia inguinal unilateral ou bilateral,
caracteristicamente dolorosa, mesmo que os gânglios sejam pequenos. A adenopatia
varia de apenas palpável - ainda que bem dolorosa - até intensa. Podem ocorrer
bubões (linfodonos grandes e flutuantes), um achado que não é visto na sífilis e no
herpes genital. Na ausência de tratamento eficaz a punção profilática com agulha os
bubões frequentemente supuram, deixando fístulas ou úlceras secundárias no local
da drenagem. Foi descrita uma forma variante de úlcera conhecida como mouvolant
(cancro transitório), que evolui espontaneamente após 4-6 dias, mas pode ser seguida
por adenopatia inguinal que se torna um enigma diagnóstico.

Diagnóstico diferencial

Úlceras genitais estão presentes em DST como sífilis, cancro, herpes genital,
donovanose, linfogranuloma venéreo e outras doenças não DST como a síndrome de
Behçet, pênfigo, doença de Crohn e, líquen erosivo plano.

• Diagnóstico

A avaliação do paciente com úlcera genital inclui a sorologia para sífilis e exame
em campo escuro ou a imunofluorescência direta para o T. pallidum, cultura ou teste
antigênico para HSV e ainda, a cultura para H. ducreyi.

Biópsia de úlcera genital poderá ser útil no diagnóstico diferencial ou em casos não
responsivos a terapia empregada.

A testagem para HIV deverá ser feita rotineiramente em pacientes com úlcera genital.

O exame bacterioscópico deve ser feito após limpeza da lesão com soro fisiológico,
coletando-se, com alça de platina ou espátula, exsudato purulento do fundo da lesão,
preferencialmente sob as bordas. A positividade ocorre em 50% dos casos. É sempre boa
norma a pesquisa de T. Pallidum. Quando o bubão estiver presente, pode-se puncioná-
lo e proceder ao esfregaço. Observam-se, mais intensamente nas extremidades,
bacilos Gram-negativos intracelulares, geralmente aparecendo em cadeias paralelas,
acompanhados de cocos Gram positivos (fenômeno de satelitismo).

O diagnóstico definitivo requer a identificação do H. ducreyi em meio de cultura


apropriado, embora este meio de cultura não esteja facilmente disponibilizado

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comercialmente. Este coco bacilo Gram-negativo não resiste fora do hospedeiro,


morrendo rapidamente, o que torna o diagnóstico por cultura muito difícil. Há
necessidade de meio de transporte adequado para a cultura.

Embora testes de detecção antigênica, sorologia e métodos de amplificação genética


sejam relatados, nenhum deles é disponível comercialmente.

Não existem características clínicas preditivas de etiologia no caso de úlceras genitais


que levem a minimizar a importância de estudos microbiológicos.

A combinação de úlcera genital dolorosa com adenopatia supurativa inguinal sugere


o diagnóstico. De modo mais concreto pode-se propor a seguinte a abordagem
diagnóstica:

- Presença de uma ou mais úlceras genitais dolorosas

- Ausência de T. pallidum no exsudato da úlcera no exame em campo escuro ou teste


sorológico para sífilis após sete dias do aparecimento da úlcera

- Manifestação clínica de úlcera genital e adenopatia inguinal

- Testagem para HSV negativa no exsudato ulceroso

• Tratamento

Os regimes de tratamento recomendados pelo CDC são:

- Azitromicina 1.0g VO (dose única)

- Ceftriaxone 250mg IM (dose única)

- Ciprofloxacina 500m VO 2 x dia, durante 3 dias

- Eritromicina 500mg VO 3 x dia durante 7 dias

Há a opção do tratamento com tiafenicol com esquema de 1,5g/dia fracionados em 3


doses de 500mg cada, durante 5 dias.

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*ciprofloxacina não é recomendada na gravidez e lactação

Em nosso meio, a recomendação de tratamento dada pelo Ministério da Saúde é a


seguinte:

- Azitromicina 1g, VO, dose única; ou

- Tianfenicol 5 g, VO, dose única; ou

- Doxiciclina 100 mg, VO, de12/12 horas, por 10 dias ou até a cura clínica (contra-
indicado para gestantes, nutrizes); ou

- Ciprofloxacina 500mg, VO, 12/12 horas por 3 dias (contra-indicado para gestantes,
nutrizes e menores de 18 anos); ou

- Sulfametoxazol 800 mg + Trimetoprim 160mg, VO, de 12/12 horas por 10 dias ou


até a cura clínica.

Homens que não são circuncisados e pacientes com infecção por HIV podem não
responder bem ao tratamento em comparação aos homens circuncisados e HIV
negativos. Todos os pacientes deverão ser testados para HIV no momento do diagnóstico
do cancro mole. Caso os testes iniciais sejam negativos, estes pacientes deverão ser
retestados para HIV e sífilis, 3 meses após o diagnóstico.

Em caso de sucesso terapêutico, as úlceras genitais começam a desaparecer em 3 dias,


com resolução definitiva em 7 dias. A resolução da adenopatia inguinal é lenta e a
aspiração ou mesmo a drenagem poderá ser necessária.

Parceiro sexual deverá ser examinado e tratado independentemente da presença de


sintomas da doença, caso tenha tido contacto sexual nos últimos 10 dias anteriores a
manifestação do cancro.

Linfogranuloma venéreo

• Conceito e agente etiológico

O linfogranuloma venéreo, linfogranuloma Inguinal, mula, bubão ou Doença de


Nicolas-Favre caracteriza-se pelo aparecimento de uma lesão genital (lesão primária)
que tem curta duração e que se apresenta como uma ulceração (ferida) ou como uma

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pápula (elevação da pele). Esta lesão é passageira (3 a 5 dias) e frequentemente não


é identificada pelos pacientes, especialmente do sexo feminino. Após a cura desta
lesão primária, em geral depois de duas a seis semanas, surge o bubão inguinal que
é uma inchação dolorosa dos gânglios de uma das virilhas (70% das vezes é de um
lado só). Se este bubão não for tratado adequadamente ele evolui para o rompimento
espontâneo e formação de fístulas que drenam secreção purulenta. O agente etiológico
é a Chlamydia L1, L2, e L3. A Chlamydia é uma bactéria intracelular, que acomete
o trato genital feminino e masculino, entre outras áreas. Difere do vírus por possuir
tanto DNA quanto RNA, parede celular com estrutura análoga à das bactérias Gram-
negativas e por ser sensível aos antibióticos, por outro lado não conseguem produzir
sua própria energia.

• Características clínicas

Apresenta um período de incubação que varia de 3 a 32 dias, após o que surge


papulovesícula ou pequena erosão, que em geral passa despercebida, pois cicatriza em
poucos dias. A localização preferencial é na genitália externa. Manifestações gerais,
como febre, cefaléia e prostração, podem surgir concomitantemente ao envolvimento
dos linfonodos, uma a três semanas após a lesão inicial. Manifestações raras incluem
meningite, meningoencefalite, erupção cutânea e eritema nodoso. Devido a diferenças
na drenagem linfática regional, a doença evolui de maneira distinta nos dois sexos.
No homem, surge adenopatia inguinal subaguda, dolorosa, geralmente unilateral,
recoberta por eritema. Ocorre fusão de vários gânglios, formando uma massa volumosa,
conhecida como bubão ou plastrão, que sofre amolecimento (necrose) em vários pontos
e leva a múltiplas fístulas, lembrando o aspecto de “bico de regador”. Na mulher, a
regra é a infecção localizar-se nos gânglios ilíacos profundos ou perirretais. Portanto,
o diagnóstico é feito mais tardiamente. Além da adenite, podem ocorrer vulvovaginite,
exocervicite, uretrite, proctite, retite, abscessos, ulcerações, fístulas, vegetações e
elefantíase.

• Diagnóstico

Além do quadro clínico que muitas vezes apresenta-se de forma incaracterística, existem
alguns exames complementares que poderão ajudar na propedêutica diagnóstica.

Entre os exames utilizados podemos citar:

- Bacteriológico (exame direto e cultura): raramente positivo

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- Método ELISA: grande sensibilidade, identificação dos anticorpos contra o antígeno


do grupo, e não dos diferentes sorotipos.

- Cultura com células de McCoy: é a mais utilizada, tornando-se positiva em três dias.

- Sorológico (reação de fixação do complemento): é o teste mais empregado,


apresentando alta sensibilidade e baixa especificidade. Positividade não implica
atividade da doença.

- Microimunofluorescência: método mais sensível no diagnóstico da doença, capaz de


detectar anticorpos específicos aos diferentes sorotipos.

• Tratamento

Deve ter início precoce, antes mesmo da confirmação laboratorial, a fim de minimizar
eventuais sequelas. As tetraciclinas e a azitromicina são a medicação de escolha e devem
ser empregadas salvo contraindicações (gravidez, infância e intolerância ou alergia).
Outros esquemas terapêuticos também são eficazes, como indicamos a seguir:

- Tetraciclina: 500 mg de 6/6 h VO, por 2 a 4 semanas.

- Azitromicina: 1 g VO, dose única. Repetir 10 dias após.

- Doxiciclina 100 mg de 12/12 h VO, por 3 a 4 semanas.

- Sulfadiazina 500 mg, 2 comprimidos de 6/6 h VO, por 4 semanas.

- Eritromicina: 500 mg VO, de 6/6 h,  por 2 a 4 semanas.

- Tianfenicol: 2 cápsulas de 500 mg VO, de 8/8 h, por 2 a 4 semanas.

- Sulfametoxazol (400 mg) e Trimetoprim (80 mg) : 2 comprimidos de 12/12 h VO,


por 3 a 4 semanas.

• Cirurgia

Os linfonodos apresentando flutuação devem ser aspirados com agulha grossa, e nunca
drenados ou excisados, pois, além de retardarem a cicatrização, estes dois últimos
procedimentos podem disseminar a doença e propiciar o aparecimento de elefantíase.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Donovanose
• Conceito e agente etiológico

DST crônica ulcerativa conhecida como granuloma venéreo, granuloma tropical ou


úlcera venera crônica causada pela bactéria Gram negativa intracelular Klebsiella
granulomatis (antes denominada como Calymmatobacterium granulomatis). É uma
doença rara na maioria dos países ocidentais, sendo endêmica em algumas áreas da
Índia, Papua Nova Guiné, Austrália Central e sudeste da África.

• Características clínicas

Após um período de incubação de 8 dias a 6 meses, aparece lesão nodular em número


variável que evolui para úlcera. A lesão é não dolorosa e altamente vascularizada,
sangrando facilmente com o contato. Outras apresentações: lesões vegetantes, vegetantes
e ulcerosas, elefantiásicas e eventualmente pode haver manifestações sistêmicas.

• Diagnóstico

Exames histopatológico e citopatológico podem identificar os corpúsculos de Donovan


confirmando o diagnóstico.

• Tratamento

1 - Doxiciclina 100 mg, via oral, de 12 em 12 horas, por pelo menos 3 semanas e até
que as lesões tenham curado completamente.

2 - Alternativas:
A - Azitromicina 1g, via oral, uma vez por semana, por pelo menos 3 semanas
e até que as lesões tenham curado completamente.

B - Ciprofloxacina 750 mg, via oral, de 12 em 12 horas, por pelo menos 3


semanas e até que as lesões tenham curado completamente.

C - Eritromicina base 500 mg, via oral, de 6 em 6 horas, por pelo menos 3
semanas e até que as lesões tenham curado completamente.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

VULVOVAGINITES

Vaginose bacteriana

• Conceito e agente etiológico

A vaginose bacteriana (VB) é uma síndrome polimicrobiana caracterizada pelo desapa-


recimento dos Lactobacillus produtores de peróxido de hidrogênio e aumento maciço
de germes anaeróbios (Gardnerella vaginalis, Mobiluncus, Bacteróides, etc).

• Características clínicas

- Odor desagradável (piora após o coito e no período perimenstrual)

- Corrimento vaginal (pequena intensidade, homogêneo, branco-acinzentado)

Atenção: O quadro não apresenta habitualmente prurido, ardor ou queimação (exceto


quando houver infecções concomitantes).

Figura 1 Vaginose Bacteriana (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Figura 2 Vaginose Bacteriana (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

• Diagnóstico

Os critérios mais conhecidos e divulgados são os de Amsel e os de Nugent.

Critérios de Amsel (Considerar três critérios dos quatro abaixo)

- Corrimento vaginal branco-acinzentado em pequena quantidade.

- pH igual ou maior que 4,5.

- Teste de aminas (whiff) positivo (odor semelhante a “peixe podre” ao se adicionar


duas gotas de KOH a 10% ao conteúdo vaginal).

- Presença de “Clue Cells” (células epiteliais recobertas por cocobacilos Gram lábeis)
ao exame bacterioscópico.

Critérios de Nugent

Fundamenta-se principalmente na presença ou não dos lactobacillus e de bacilos cur-


vos (Quadro 1).

Escore: Normal: 0 a 3
Flora indefinida: 4 a 6
Vaginose Bacteriana: 7 a 10

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Quadro 1 - Critérios de Nugent


Score Lactobacillus Gardnerela Bacilos curvos

ssp. Bacteróides Mobiluncus

0 ++++ Neg neg

1 +++ + + ou + +

2 ++ ++ + + + ou + + + +

3 + +++

4 neg ++++


neg = ausente ; + = < 1/ campo ; + + = 1-4 ; + + + = 5-30 ; + + + + = 30 ou mais
VB = score > 7 ; Intermediário = score 4-6 ; Normal = score 0-3

• Exame bacterioscópico

- Usar exame: a fresco ou corado pelo GRAM.

- Na VB encontra-se a presença de células guia (“clue cells” - células epiteliais reco-


bertas por Gardnerella vaginalis, dando aspecto de “rendilhado”), e “comma cells”
(Mobilluncus sp recobrindo as células epiteliais).

- Habitualmente, a VB apresenta no esfregaço do conteúdo vaginal um número peque-


no ou até inexistente de leucócitos.

• Culturas em meios seletivos

Não tem utilidade prática.

• Observações

Na prática diária, o diagnóstico presuntivo tem-se mostrado satisfatório na grande


maioria das situações. A associação com outros patógenos também não pode ser
esquecida. Muito frequentemente na vaginose pode ser encontrado o Mobiluncus,
que implicaria em um tratamento diferenciado, além de outros agentes causadores de
processos inflamatórios, que podem vir associados aos quadros de VB.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Tratamento

- Metronidazol 2 g, VO, dose única, ou Tinidazol 2 g, VO, dose única; ou

- Secnidazol 2 g, VO, dose única.

- Metronidazol 400mg, VO, de 12/12 horas, por sete dias.

- Metronidazol via vaginal também por sete dias.

• Tratamento em casos especiais (pacientes imunodeprimidas, VB recorrentes


e/ou associada à Mobiluncus)

- Clindamicina 300 mg via oral, 2x/d por 7 dias ou vaginal (creme 2%), uma vez à
noite, por 7 dias.

- Tianfenicol - 2,5g dose única (pó granulado) via oral. Repetir após uma semana.

Obs: Casos recorrentes de VB- considerar o uso de acidificantes vaginais por tempos
prolongados como adjuvantes ao tratamento clássico.

• Gestantes

O Metronidazol não apresenta restrição formal de uso no segundo e terceiro trimestres


da gestação, o tratamento na gravidez deve acompanhar a mesma indicação de mulheres
não grávidas. Saliente-se o fato que o metronidazol vaginal também é absorvido no
epitélio vaginal e alcança a circulação materna; sendo assim obrigatoriamente metilado
no fígado. A clindamicina na forma de gel vaginal a 2% é uma opção terapêutica.

• Nutrizes

- Metronidazol Gel a 0,75%, 1 aplicador vaginal (5g), 1 vez ao dia, por 7 dias;

ou

- Metronidazol 2g, VO, dose única (suspender o aleitamento por 24 horas).

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Parceiros

Conceitualmente o tratamento do parceiro da mulher portadora de VB não se justifica,


pois não se tratar de uma doença sexualmente transmissível. Além de que, diversos
estudos demonstraram que o tratamento do parceiro não melhorou os índices de cura,
nem diminuiu as recorrências.

Quadro 2 – Síntese do diagnóstico e tratamento da VB


Doença Critérios diagnósticos Critérios de tratamento

Vaginose Corrimento: branco - Metronidazol 2 g, VO, dose única, ou


acinzentado Tinidazol 2 g, VO, dose única; ou
Bacteriana
Flora vaginal tipo 3, pH • 4,5. Secnidazol 2 g, VO, dose única; ou
Simples
Teste de Whiff : + - Metronidazol 400mg, VO, de 12/12
horas, por sete dias.
Clue cells: +
- Metronidazol via vaginal também por
sete dias.

VB Recorrente e/ou Corrimento: branco - Clindamicina 300 mg via oral 2x/d por
com Mobiluncus acinzentado
7 d ou vaginal (creme 2%), uma vez à
Flora vaginal tipo 3, pH • 4,5.
noite, durante 7d
Teste de Whiff : +
- Tianfenicol – 2,5 g, via oral dose
Clue cells: +
única. Repetir em 1 semana

Candidíase vulvovaginal

• Conceito, agente etiológico e fisiopatologia

Candidíase vulvovaginal corresponde a uma das mais frequentes afecções do trato re-
produtivo. Estima-se que 75% das mulheres terão pelo menos um episódio de infecção
sintomática do trato genital inferior por espécies de Candida sp, 40-50% destas desen-
volverão um segundo episódio e 5% apresentarão recorrências (definidas como 4 ou
mais episódios confirmados clinica e laboratorialmente no período de 12 meses).

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Candida albicans está presente em aproximadamente 80-90% dos casos, Candida gla-
brata em 5-10%, Candida tropicalis em 5%. Espécies como Candida krusei, Candida
parapsilosis, Candida guilleimondii tem sido raramente identificadas. A predominân-
cia da Candida albicans provavelmente se deve a sua capacidade dimórfica, ou seja,
capacidade de variar da forma de esporos para hifas (mais invasivas), o que não ocorre
com as outras espécies.

A Candida albicans pode ser classificada como micro-organismo comensal, já que é


encontrada em aproximadamente 20% das mulheres saudáveis. Os mecanismos que re-
gulam a permanência no estado comensal ou a transformação para o estado infeccioso
têm sido alvo de recentes estudos. Parece que a atividade do sistema imune do trato
genital, determinada geneticamente, tem papel fundamental nessa regulação. Assim,
estudos têm sugerido que mulheres que apresentam episódios de candidíase recorrente
apresentam deficiência na formação ou atividade de elementos de defesa que regulam
a proliferação do micro-organismo na vagina.

A candidíase é frequente no menacme, sendo rara em crianças ou na menopausa, suge-


rindo que a colonização do trato genital por fungos é hormônio dependente. Condições
associadas com elevada produção de hormônios como gestação, diabetes, contracep-
tivos de alta dosagem podem associar-se a candidíase. O mesmo é válido para os es-
tados de imunossupressão devido a estados patológicos ou uso de corticosteroides. A
antibioticoterapia pode, em alguns casos, precipitar o desenvolvimento da candidíase.
Algumas mulheres apresentam alergia aos componentes da Candida albicans e ma-
nifestam resposta de hipersensibilidade mesmo frente a pequenas concentrações do
micro-organismo.

• Características clínicas

O principal sintoma é o prurido genital, de intensidade variável e que geralmente


acentua-se no período pré-menstrual. A queixa de corrimento pode ou não estar
presente. Dependo do grau de irritação vulvar pode ocorrer disúria e /ou dispareunia.

Ao exame ginecológico podem ser encontrados: eritema e/ou edema e/ou fissuras na
vulva, dependo da intensidade do quadro. Ao exame especular caracteristicamente
observa-se a presença de conteúdo vaginal aumentado, em placas aderidas às paredes
vaginais e ao colo uterino (aspecto de “leite coalhado”). Embora este seja o achado
mais comum, pode observar-se ainda presença de conteúdo esbranquiçado fluido. A
medida do pH vaginal, de fácil realização, em geral encontra-se abaixo de 4.5.

62
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Ocasionalmente pode haver presença e corrimento amarelado, sugerindo associação


com vaginose bacteriana. Isso ocorre porque, embora a Candida sp reproduza-se
melhor em pH ácido (abaixo de 4.5), algumas espécies toleram também o pH alcalino
característico da vaginose bacteriana ou mesmo da tricomoníase.

Cumpre ressaltar a importância da anamnese cuidadosa, procurando-se identificar a


existência dos fatores predisponentes acima mencionados, como por exemplo, estados
de imunossupressão, alergias, etc.

Figura 1 - Candidíase vaginal (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

Figura 2 - Candidíase vaginal (Foto arquivo pessoal Prof. Paulo Giraldo)

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• Diagnóstico

Além da anamnese e do exame ginecológico cuidadosos, é necessária a comprovação


laboratorial para o correto diagnóstico. Assim, diagnósticos baseados apenas na
descrição dos sintomas (“diagnóstico por telefone”) ou na visualização do “corrimento”
geralmente incorrem em erros. Deve-se também orientar a paciente para evitar
o “autodiagnóstico” e o uso indiscriminado de medicações sem a devida avaliação
médica.

Importante lembrar a possibilidade presença de outros agentes microbiológicos (como


por exemplo, Trichomonas vaginalis, Chlamydia trachomatis, micro-organismos
associados à vaginose bacteriana) associados à candidíase. Tais associações, embora
pouco frequentes, reforçam a necessidade do diagnóstico laboratorial.

Os exames microbiológicos compreendem:

1) Bacterioscopia a fresco: realizada colocando-se em uma lâmina de vidro uma


gote de conteúdo vaginal e uma gota de solução salina ou de hidróxido de potássio
a 10%. Visualizam-se ao microscópio as hifas e/ou esporos, característicos da
infecção. O exame com KOH, embora evidencie claramente o fungo pode dificultar
a visualização das células descamativas. Lembrar que o exame a fresco pode ser
negativo em aproximadamente 50% das pacientes com culturas positivas. Assim, se
existirem sintomas e o exame a fresco for negativo, deve-se prosseguir a investigação
diagnóstica.

2) Bacterioscopia com coloração pelo método de Gram: permite melhor definição


das hifas e esporos. Estudos tem demonstrado que a positividade na bacterioscopia
correlaciona-se com a concentração de fungos na vagina. Assim em mais baixas o
fungo será identificado apenas pela cultura.

3) Culturas em meios específicos: os mais utilizados são os de Sabouraud e Nickerson,


possibilitando também a identificação das espécies de fungos .

4) PCR: utilizado basicamente para pesquisas

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Figura 3 - Bacterioscopia - Gram. Hifas de Candida albicans e Citólise intensa.

• Tratamento

Para os episódios isolados de candidíase diversos medicamentos podem ser utilizados,


preferencialmente por via vaginal. Alguns exemplos:

- Miconazol - creme vaginal a 2% ou óvulos vaginais de 100 mg - uma aplicação ao


deitar durante 7 dias.

- Tioconazol - creme vaginal a 6,5% ou óvulos vaginais de 300 mg - aplicação vaginal


única ao deitar.

- Isoconazol (nitrato) - creme a 1% - uma aplicação ao deitar durante 7 dias.

- Terconazol - creme vaginal a 0,8% - uma aplicação ao deitar durante 5 dias.

- Clotrimazol - creme vaginal a 1% - uma aplicação vaginal ao deitar durante 6 a 12


dias.

- Clotrimazol - óvulos de 100 mg - uma aplicação vaginal duas vezes ao dia durante 3
dias ou uma aplicação ao deitar durante 7 dias.

- Nistatina - creme vaginal 100.000 U - uma aplicação vaginal ao deitar durante 14


dias.

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- Fenticonazol - creme vaginal a 2% - uma aplicação vaginal ao deitar durante 7


noites

O tratamento sistêmico é mais indicado para os casos recorrentes ou de difícil controle.


Podem ainda ser utilizados quando a paciente refere desconforto ao uso de cremes
vaginais. Os medicamentos mais utilizados são:

- Itraconazol 200 mg - um comprimido por via oral de 12 em 12 horas (apenas duas


doses).

- Fluconazol 150 mg - um comprimido por via oral (dose única).

- Cetoconazol 100 mg - dois comprimidos uma vez ao dia durante 5 dias.

Para o tratamento da candidíase recorrente os seguintes aspectos devem ser


observados:

1) confirmação microbiológica pela cultura;

2) identificação e tratamento ou remoção dos fatores predisponentes;

3) avaliar a necessidade de indução e manutenção de terapia supressora com azólicos;

4) dar apoio psicológico à paciente, procurando identificar quais os fatores que,


eventualmente, possam estar associados às recorrências (por exemplo, situações
repetitivas de stress).

A terapia de supressão é uma alternativa para o controle dos episódios de recorrência.


Pode ser realizada utilizando-se o 150 mg de fluconazol (um comprimido), uma vez por
semana, por um período de até 6 meses. Entretanto, estudos têm demonstrado que, após
o termino da mesma, as recorrências retornam em aproximadamente 50 % dos casos.

Os estudos sobre a imunologia vaginal têm avançado e espera-se que, em breve,


imunomoduladores específicos possam representar mais uma arma no combate às
recorrências.

Durante a gestação preconiza-se o uso de medicamentos por via vaginal,


preferencialmente os que requerem período mais prolongado. A embrocação vaginal
com violeta de genciana a 2% por alguns dias tem se mostrado eficaz no controle dos

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episódios que ocorrem na gravidez.

Pelo fato da candidíase não se considerada uma doença de transmissão sexual, o


tratamento do parceiro não é indicado. Entretanto, fica como uma possibilidade a ser
avaliada nos casos recorrentes.

Tricomoníase vaginal

• Conceito e agente etiológico

Infecção causada no trato geniturinário da mulher pelo protozoário Trichomonas


vaginalis. Candidíase, Vaginose bacteriana e Tricomoníase (as três irmãs) são as
vulvovaginites mais frequentes do TGI.

É uma DST curável, á semelhança da sífilis, gonorreia e Chlamydia.

A Tricomoníase associa-se de maneira importante com outra DST.

• Características Clínicas

A sintomatologia varia desde a portadora assintomática, até um quadro inflamatório


agudo. Os sinais e sintomas clássicos são:

- corrimento purulento com odor desagradável (70%).

- sensação de queimação, prurido, disúria com aumento da frequência urinária e dor


ao coito.

- pode ocorrer sangramento pós-coito.

• Exame físico e especular

- eritema da vulva e da mucosa vaginal e o clássico corrimento bolhoso, amarelo-


esverdeado com odor desagradável.

- colpite multifocal em 2% dos casos pequenos pontos hemorrágicos podem ser


identificados na vagina e no colo uterino (strawberry cervix).

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• Diagnóstico

Nenhuma das características clínicas são suficientes para o diagnóstico fundamentado


nos sinais e sintomas isoladamente.

- microscopia: identificação do protozoário no exame a fresco movendo-se (somente


por 10 a 20 minutos) ativamente entre as células e os leucócitos.

- pH vaginal > que 4.5

- teste da amina: geralmente é positivo, devido à associação com outras bactérias


anaeróbias.

- bacterioscopia pelo Gram: identificação do protozoário e aumento dos leucócitos.

- colpocitologia podem identificar o parasito.

- cultura em meio de Diamond: apresenta elevada sensibilidade, (95%) e especificidade,


(> que 95%.) Deve ser considerada em casos de dúvidas diagnósticas.

Figura 1 - Trichomonas vaginais (Foto arquivo pessoal Prof. Mauro Romero)

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Figura 2 Trichomonas vaginais (Foto arquivo pessoal Prof. Mauro Romero)

• Tratamento da não grávida

- Metronidazol 2g VO Dose Única


- Secnidazol 2g VO Dose Única
- Tinidazol 2g VO Dose Única

A Dose Única é mais efetiva do que múltiplas doses e a aderência ao tratamento é


maior. A administração VO é mais resolutiva do que a vaginal.

• Recidivas e resistência ao metronidazol

As recidivas ocorrem por falta de tratamento do parceiro, tratamento primário


incompleto ou reinfecção.

O CDC propõe:

1 - Tinidazol 2g VO DU, nos casos de falhas.

2 - Metronidazol 500 mg VO 12/12 horas por 7 dias (7g).

3 - Metronidazol ou Tinidazol 2g / dia por 5 dias.

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• Tratamento da gestante

As complicações da Tricomoníase sintomática durante a gestação são importantes, por


predispor á ruptura prematura das membranas e o parto pré-termo. Crianças nascidas
de mãe infectadas podem contrair a doença.

Por outro lado, o tratamento das gestantes assintomáticas não evidenciou redução
destas complicações.

Metronidazol é a droga de escolha para o tratamento. Não é recomendável seu uso


no 1º trimestre da gestação por cruzar a placenta e apresentar risco potencial para
teratogênicidade. Ela é mutagênica em bactéria e teratogênica em rato.

Meta análise não encontrou relação entre exposição ao metronidazol no 1º trimestre da


gestação e defeitos ao nascimento. O CDCP não mais o CI durante a gestação.

- Metronizadol 500mg VO 2 X dia por 5 a 7 dias

- Metronizadol 2g VO DU

- Efeito colateral náusea e vômito.

- Tinidazole não é recomendado na gravidez (categoria “C “).



• Parceiros

Tricomoníase no homem é, habitualmente, assintomática e transitória. A resolução


espontânea ocorre dentro de 10 dias. Por ser uma DST o parceiro deve ser tratado
obrigatoriamente. O casal não deve ter relações sexuais até o tratamento terminar.

• Observações

Para alívio dos sintomas, pode-se associar o tratamento tópico com Metronidazol Gel
a 0,75%, 1 aplicador vaginal (5g), 1 vez ao dia, por 7 dias.

Durante o tratamento com qualquer dos medicamentos sugeridos acima, deve-se


evitar a ingestão de álcool (efeito antabuse, que é o quadro consequente à interação de
derivados imidazólicos com álcool, e se caracteriza por mal-estar, náuseas, tonturas,
“gosto metálico na boca”).

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O tratamento tópico é indicado nos casos de intolerância aos medicamentos via oral, e
nos casos de alcoolatria.

A tricomoníase vaginal pode alterar a classe da citologia oncótica. Por isso, nos casos
em que houver alterações morfológicas celulares, estas podem estar associadas à
tricomoníase. Nestes casos deve-se realizar o tratamento e repetir a citologia após 2 a 3
meses, para avaliar se há persistência dessas alterações.

Durante o tratamento, deve-se suspender as relações sexuais.

• Portadora do HIV

Pacientes infectadas pelo HIV devem ser tratadas com os esquemas acima referidos.

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RUBÉOLA

Conceito e epidemiologia

Doença desencadeada por um RNA vírus da família togavírus. Foi a primeira doença
na qual se identificou a transmissão congênita. O único reservatório da doença é o
homem, o que possibilita a erradicação.

Ela é menos contagiosa do que a varicela e o sarampo, necessitando de contato


repetido e prolongado. A transmissão se dá por gotículas. As reinfecções são raras
e geralmente assintomáticas, com aumento de anticorpos, porém com impossibilidade
de transmissão ao feto.

Antes da introdução dos programas de vacinação, ela era endêmica em todo o mundo,
com epidemias ocorrendo a cada 4 ou 7 anos. Em países com programas de vacinação
eficientes, ela tem se tornado muito rara, tendo sido recentemente erradicada nos
Estados Unidos e na Escandinávia.

Uma revisão da sua ocorrência em países em desenvolvimento mostra uma grande


variação, mas a proporção de mulheres suscetíveis está entre 15 e 25%, mesmas taxas
dos países desenvolvidos na era pré-imunização. Dados da OMS de 2003 estimaram
mais de 100.000 crianças nascidas com síndrome da rubéola congênita.

Fisiopatologia e manifestações clínicas

Ela é uma doença de leve gravidade em crianças, mas pode ser grave em adultos.
Tem um período de incubação ao redor de 14 dias, antes do aparecimento de um rash
maculopapular característico, que acomete primeiro a face e posteriormente se espalha
para tronco e membros. Linfadenopatia pode estar presente antes do rash e persistir
por 10 a 15dias. Adultos podem apresentar um quadro prodrômico de febre, mal estar,
cefaléia, tosse e conjuntivite; até 25% das infecções podem ser assintomáticas. A
viremia ocorre 7 dias antes do aparecimento do rash até 7 a 10 dias após, sendo o
período de maior infectividade.

Artrite e artralgia são complicações comuns e podem ocorrer em mais de 70% das
mulheres jovens. Outras complicações severas podem ser a encefalopatia pós-
infecciosa (1/6000 casos) e distúrbios de coagulação pela trombocitopenia (1 em cada

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3000 casos).

• Infecção congênita

Durante o período de viremia, em quadros de rubéola clínica ou inaparente, os vírus


infectam a placenta e, subsequentemente o feto. A transmissão ao feto em quadros
de reinfecção é extremamente rara. A infecção materna pode resultar em nenhum
comprometimento do concepto, aborto espontâneo, natimorto, infecção da placenta
sem acometimento fetal, infecção da placenta e feto e embriopatia grave.

As crianças acometidas podem apresentar envolvimento de vários órgãos ou, como


é frequentemente observado, nenhuma evidente alteração ao nascimento. Entretanto,
mesmo essas crianças assintomáticas ao nascimento poderão manifestar alterações
neurológicas, como perda de audição, lesões de sistema nervoso central e outros
defeitos ao longo da primeira infância.

As manifestações da síndrome da rubéola congênita incluem alterações transitórias


(hepatoesplenomegalia, púrpura, icterícia, alterações ósseas, pneumonia e anemia
hemolítica), permanentes (alterações oculares como catarata e microftalmia;
alterações cardiovasculares com acometimento da valva e artéria pulmonar; retardo
de desenvolvimento neuro-psico-motor e retardo mental; microcefalia e restrição do
crescimento fetal) e tardias (diabetes, panencefalite progressiva, autismo e alterações
arteriais).

A idade gestacional à época da infecção é o mais importante determinante da transmissão


ao feto e da predição de malformações fetais. O risco de infecção fetal e anomalias
fetais decrescem muito quando a infecção ocorre após o primeiro trimestre da gestação,
sendo que a ocorrência global de defeitos na infecção que ocorre no primeiro trimestre
é de 69%.

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Tabela 1. Risco de infecção congênita por rubéola sorologicamente confirmada e


associação com defeitos em crianças expostas à infecção materna, de acordo com a
idade gestacional.

IG Infecção Defeitos Risco


defeitos
Nº testados Taxa% Nº seguidos Taxa%

<11 10 90 9 100 90

11-12 6 67 4 50 33

13-14 18 67 12 17 11

15-16 36 47 14 50 24

17-18 33 39 10

19-22 59 34 53

23-26 32 25

27-30 31 35

31-36 25 60

>36 8 100

Total 258 45 102 20


Fonte: Miller e cols. Lancet 2:781, 1982.

• Resumo de risco

Riscos de defeitos congênitos após infecção materna confirmada por rubéola.


Período de exposição fetal %

< 11 semanas 90

11 – 12 33

13 – 14 11

15 – 16 24

1º trimestre 69

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Diagnóstico

O diagnóstico clínico da rubéola é pouco provável, já que a maiorias das mulheres


apresentarão doença subclínica. Assim sendo, a sorologia é o método de escolha para
confirmar a doença. Entretanto, a detecção de IgM pode ser problemática, já que pode
persistir por mais de 1 ano após a infecção natural, a vacinação ou uma reinfecção.
Além disso, a presença de IgM pode ser falsa devido à reação cruzada com outras
viroses, como o vírus Epstein Barr ou com o fator reumatoide. A técnica de avidez
de anticorpos de classe IgG pode auxiliar a diferenciação entre infecção recente e
antiga; entretanto, a baixa avidez de IgG, considerada pela maioria dos autores como
inferior a 0,3, mapearia uma infecção a menos de 30 dias, o que nem sempre será útil
em suspeitas de infecção recente apenas pela identificação de um IgM positivo.

Sugere-se que, frente a um IgM positivo em uma gestante, seja colhida uma nova amostra
e enviada a um laboratório de referência com mais experiência, a fim de se realizar
uma técnica de IgM com mais especificidade e a testagem de avidez de anticorpos de
classe IgG. Outra técnica possível é a utilização da detecção da glicoproteína E2, que
está ausente nas infecções recentes. Assim, a confirmação de uma infecção recente por
rubéola identificaria uma IgM mais específica positiva, uma baixa avidez de anticorpos
de classe IgG (inferior a 0,3) e a ausência da glicoproteína E2. Mesmo com a utilização
dessas técnicas associadas, em mais de 10% dos casos não se conseguirá determinar se
houve uma infecção recente ou não.

• Diagnóstico da infecção fetal

Frente a uma gestante com detecção de sorologia com IgM positivo, devermos
realizar aconselhamento dos riscos a depender da possível idade gestacional e, se
desejo da família, realizar investigação da infecção fetal. Como menos de 30% dos
fetos acometidos produzirão IgM específica no ambiente intrauterino, o teste mais
aconselhado para confirmação da infecção fetal é a realização do PCR (polimerase
chain reaction) específico para rubéola, que apresenta 100% de sensibilidade, podendo
ser realizado em amostras de sangue fetal ou de líquido amniótico. Parece ser ideal um
intervalo de 6 semanas após a possível infecção materna para detecção de PCR e a
detecção de IgM parece apresentar melhores resultados se executada após a 22ª semana
de gestação.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Tratamento

Não existe tratamento possível para a infecção materna e nenhuma droga antiviral reduz
o risco da transmissão vertical. A utilização de imunoglobulina hiperimune logo após
a exposição de risco poderia reduzir a viremia e os danos subsequentes. Entretanto, a
infecção fetal parece não ser reduzida por essa medida.

• Profilaxia para rubéola - vacinas

As primeiras vacinas começaram a ser produzidas em 1965 após uma grande epidemia
nos EUA e Europa em 1960. São vacinas produzidas a partir de vírus vivo atenuado.

A estratégia de vacinação Americana apresenta estudos consistentes. Em 1970 eles


iniciaram a vacinação em massa de crianças entre 12 e 15 meses, achando que as mu-
lheres seriam protegidas indiretamente. Os dados pré-campanha eram de 29/100.000
casos com 3,8/100.000 nativivos com síndrome de rubéola congênita (SRC). Após essa
estratégia caiu para 0,10 casos/100.000 e 0,07/100.000 nativivos de SRC. Entretanto,
houve um deslocamento da faixa etária, sendo que 70% dos casos em 1977 eram de
indivíduos de mais de 15 anos. Em 1982 iniciou-se a obrigatoriedade da vacinação para
escolares; em 1989 implementou-se a dose de reforço entre 4 e 6 anos, além de profis-
sionais de saúde , universitários, escolares e mulheres com mais de 15 anos.

Na Finlândia e países escandinavos já houve erradicação do sarampo e da rubéola. O


esquema de vacinação inclui crianças entre 14 e 18 meses e 6 anos, paralelamente a
universitários, profissionais da área de saúde (PAS) e screening de grávidas. Em 12
anos nenhum caso de morte ou sequela atribuída à vacina.

No Brasil existe uma diferença muito grande entre regiões, existindo dificuldade para
se avaliar os esquemas de vacinação, pois não existem dados prévios (série histórica).
Os dados ainda são elevados, pois a disponibilidade pública da vacina e as campanhas
são recentes. As epidemias geralmente ocorrem pelo acúmulo de indivíduos suscetíveis
pela falha vacinal mais migração. Os dados de 1999 são de 521 casos/ ano, SRC de
7,12/ano e 14,7 gestantes/ano com a doença. Também se tem observado um desloca-
mento para faixas etárias maiores, pois a obrigatoriedade é de vacinação no primeiro
ano de vida.

Em 2001, no Estado de São Paulo, foi realizada uma grande campanha de imunização
para mulheres em idade reprodutiva, imunizando quase 4.500.000 indivíduos, entre as

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quais quase 6500 gestantes. Destas gestantes em mais de 500 foi confirmada rubéola
vacinal e suas crianças foram seguidas até 2 anos de vida. Não houve registro de
síndrome da rubéola congênita e a ocorrência de abortos foi similar a da população
geral, confirmando que a exposição inadvertida à vacina durante a gravidez não parece
trazer as mesmas consequências que a infecção selvagem.

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INFECÇÃO PELO HIV E AIDS

Conceito e agente etiológico

A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é causada pela infecção pelo vírus


da imunodeficiência humana (HIV). O tempo para o desenvolvimento da AIDS após
a soro conversão é de, em média, dez anos. Na fase de latência clínica, com exceção
da linfadenopatia que ocorre na maioria dos casos, o exame físico é normal, podendo
ocorrer alterações nos exames laboratoriais (ex: plaquetopenia, anemia e leucopenia
discretas).

Com a progressão da infecção, tornam-se mais frequentes episódios infecciosos,


apresentações atípicas das infecções, resposta tardia a antibioticoterapia e/ou reativação
de infecções antigas (ex: tuberculose, neurotoxoplasmose). Também podem ocorrer
sintomas como febre baixa, sudorese noturna, fadiga, diarréia crônica, cefaléia,
alterações neurológicas, infecções bacterianas (pneumonia, sinusite, bronquites) e
lesões orais, como a leucoplasia oral pilosa.

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

Os linfócitos T-CD4+ geralmente estão abaixo de 200 células/mm3. É definida pelo


surgimento de infecções oportunistas (ex: pneumonia por Pneumocystis jirovecii,
toxoplasmose do sistema nervoso central, tuberculose pulmonar atípica ou disseminada,
meningite criptocócica e retinite por citomegalovirus) e neoplasias (sarcoma de Kaposi,
linfomas não-Hodgkin e câncer de colo uterino em mulheres jovens). O HIV também
pode causar doenças por dano direto a certos órgão ou por processos inflamatórios, tais
como miocardiopatia, nefropatia e neuropatias que podem estar presentes durante toda
a evolução da infecção pelo HIV-1.

Diagnóstico

- ELISA

- confirmatórios

- testes rápidos

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Deve ser realizado conforme os fluxogramas abaixo, preconizados pelo Ministério


da Saúde, com testes de triagem ELISA tradicionais e testes confirmatórios ou testes
rápidos. O diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV é baseado no desenvolvimento
de anticorpos anti-HIV após a exposição ao vírus. É necessário, antes da realização
da testagem para o HIV, realizar aconselhamento pré e pós-teste, com informações
sobre aspectos como formas de transmissão, significados dos resultados dos exames, é
período de “janela imunológica”; e a obtenção de consentimento do paciente ou de seu
responsável. O período de janela imunológica (tempo necessário para a produção de
anticorpos após o contágio) é de em média 29 dias com os testes atuais de rastreamento.
O MS recomenda que o teste anti-HIV seja realizado 60 dias após uma possível
infecção.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Abordagem ginecológica da paciente HIV+ assintomática

A paciente HIV+ necessita do ponto de vista do ginecologista, uma atenção especial


para sinais e sintomas precoce indicadores de imunodeficiência. Esta paciente deve
idealmente estar sempre sendo acompanhada por um infectologista ou um clínico
com experiência no acompanhamento de portadores do HIV. A contagem de linfócitos
T-CD4+ é o indicador laboratorial mais importante em pacientes assintomáticos,
devendo ser realizado semestralmente.

As pacientes HIV+ já com algum grau de imunodeficiência tendem a apresentar mais


infecções ginecológicas por cândida e quadros clínicos mais graves de infecções virais
por Herpes e HPV.

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Ginecologia - Exames iniciais e periodicidade para pacientes assintomáticas

Exame Inicial Periodicidade Comentário


Contagem 3-6 meses Repetir quando valores discrepantes e
Linfócitos T- com maior frequência quando há
CD4+ tendência à queda
Carga ViralRepetir quando A CV auxilia a decisão de iniciar TARV
(CV) Linfócitos T-CD4 em pacientes assintomáticos com
próximo a 350 contagens de linfócitos T- CD4 entre 350
células/ mm3 e 200 células/mm3
Citopatológico Repetir em 6
de colo de meses Se normal,
útero repetição anual

Citopatológico Considerar em pessoas que tenham


anal prática receptiva anal. Está relacionado
com presença de HPV.
Mamografia Rotina
semelhante às
pacientes HIV
negativas.
HBs Ab e Indicar vacina caso sejam negativos
Anti-HBc (esquema vacinal diferenciado: quatro
doses de vacina contra hepatite B, com o
dobro da dose habitual)

Anti-HCV Repetir
anualmente em
pessoas com
Exposição
VDRL Repetir
anualmente em
pessoas
sexualmente
ativas


Imunizações

A mulher portadora do HIV pode receber todas as vacinas do calendário nacional,


desde que não apresentem deficiência imunológica importante. Sempre que possível,
adiar a administração de vacinas em pacientes sintomáticos ou com imunodeficiência
grave (contagem de linfócitos T-CD4+ inferior a 200 células/mm3), até que um grau
satisfatório de reconstituição imune seja obtido com o uso de terapia antirretroviral
(melhor resposta vacinal e menos complicações pós-vacinais).

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV:


-
Pacientes com indicação de tratamento antirretroviral, devem ser encaminhados a
serviços especializados (SAE) ou a médicos infectologistas para a adequada prescrição
do tratamento.

Indicação: pacientes com doença sintomática avançada e aqueles com imunodeficiência


acentuada (linfócitos T-CD4<200/mm3).

O tratamento deve ser recomendado em indivíduos assintomáticos, com linfócitos


T-CD4 entre 200 e 350/mm3. Nesses indivíduos, a decisão de iniciar o tratamento
dependerá da tendência de queda da contagem de linfócitos T -CD4+ e/ou de elevação
da carga viral, da motivação do paciente para iniciar o tratamento, sua capacidade de
adesão e a presença de comorbidades.

Em pessoas assintomáticas com linfócitos T-CD4 >350/mm3 não se recomenda iniciar


o tratamento.

A presença de sintomas ou manifestações clínicas associadas à imunodeficiência


relacionada ao HIV, mesmo quando não definidoras de AIDS, sugere a necessidade de
iniciar o tratamento antirretroviral, independentemente dos parâmetros imunológicos,
devendo essa decisão ser considerada individualmente.

Aconselhamento pré-concepcional em mulheres HIV+

Este aconselhamento deve ser integrado à assistência destas mulheres. Podemos assim
atuar precocemente na redução da carga viral, na melhora das condições imunológicas,
conhecer o status sorológico das mulheres frente às principais doenças infecciosas
transmissíveis (DST) durante o ciclo gravídico puerperal e realizar o diagnóstico e o
tratamento das DST. Com o planejamento e acompanhamento adequados, é possível
a mulher soropositiva para o HIV ter uma gestação segura, com menor risco de
transmissão vertical do vírus.

“No aconselhamento das mulheres soropositivas para o HIV que pretendem


engravidar, é importante o conhecimento das suas condições imunológicas, da
presença de comorbidades, incluindo as DST, a tuberculose, o vírus da hepatite B e o
vírus da hepatite C, adição a drogas, fumo, álcool, condições psicossociais, o uso de
antirretrovirais (ARV) e outros medicamentos”.

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É frequente que o diagnóstico da infecção pelo HIV em mulheres seja feito durante
a gestação, em função dos exames solicitados durante o pré-natal. É importante
incentivar a gestante a compartilhar com seu o parceiro seu estado sorológico para
o HIV, e encorajá-lo a realizar o teste anti-HIV, além de outras sorologias (ex: sífilis,
hepatites B e C).

No aconselhamento pré-concepcional é importante:

- Orientar sobre o uso de preservativos, seja em casais soro concordantes, ou em soro


discordantes, para diminuir o risco de adquirir outras DST e assim facilitar a transmissão
vertical do HIV, a possibilidade de novas exposições ao vírus e de aquisição de vírus
resistentes aos ARV (parceiros experimentados em ARV).

- Administrar vacinas para hepatite B, para o pneumococo e para o tétano (ou os seus
reforços quando indicados).

- A vacina para rubéola deve ser administrada, de preferência, quando a contagem de


linfócitos T CD4++ (LT- CD4++ ) for ≥ 350 céls/mm3.

- Recomendar que a mulher não engravide até três meses após a administração de
vacinas, em razão da frequente elevação da carga viral após a vacinação.

- Informar a mulher sobre o risco de transmissão vertical do HIV e das medidas adotadas
para preveni-la. Se estiver utilizando antirretrovirais, sua carga viral deve estar estável
e em níveis indetectáveis antes da gestação.

Deve ser discutida sua terapia com o infectologista e medicações contraindicadas


durante a gestação devem ser substituídas por outros que sejam igualmente potentes e
que controlem a infecção materna, previamente à gestação.

- Informações deverão ser fornecidas sobre os riscos potenciais à saúde fetal


(teratogenicidade), pelo uso de medicações durante a gestação, assim como sobre
o desconhecimento dos efeitos em longo prazo dos ARV para a criança. Apesar dos
inquestionáveis benefícios dessas drogas na prevenção da transmissão vertical do HIV,
sua aplicação clínica é muito recente e não há dados suficientes ou conclusivos para
definir seu uso com total segurança.

- Os casais soro concordantes e soro discordantes que desejem ter filhos devem ser
acompanhados por profissionais experientes em uma equipe multiprofissional e, após

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avaliação clínica ginecológico-laboratorial e psicossocial receber as informações sobre


as opções mais adequadas para a fertilização, individualizando a assistência, para que
os riscos de agravamento da imunodeficiência, da infecção pelo parceiro não infectado
e da transmissão vertical do HIV sejam os menores possíveis.

- É importante que o profissional tenha em mente que a decisão sobre gestar ou não,
cabe à paciente. É papel do ginecologista orientá-la e, juntamente com o infectologista,
prepará-la para enfrentar a gestação nas melhores condições clínicas possíveis. Opiniões
pessoais do profissional devem ser postas de lado, evitando assim que a mulher, ao se
sentir julgada e não apoiada, abandone o tratamento.

Aconselhamento anticoncepcional em mulheres HIV+

A transmissão do HIV e de outras DST deve ser considerada durante o processo de


escolha do método contraceptivo, estimulando-se sempre o uso concomitante de dois
métodos, sendo um deles o preservativo, visando à redução do risco de gravidez não
planejada, de transmissão sexual para parcerias soro discordantes, de transmissão de
vírus resistentes para parcerias sexuais soro concordantes e de aquisição de outras
DST.

O método deve ser escolhido respeitando-se a opção da mulher e as contraindicações


de cada método, após avaliação clínico-laboratorial individual quanto ao seu status
imunológico.

O conceito de dupla proteção é fundamental, ou seja, o preservativo masculino ou


feminino deve sempre fazer parte das recomendações, associado aos outros meios, ou
então como medida única.

O uso de preservativos masculinos e femininos como único método contraceptivo


pode apresentar falhas em prevenir a gravidez, devido a vários fatores tais como o uso
inconsistente e má utilização dos mesmos.

• Anticoncepcionais Hormonais:

Não existem restrições ao uso de anticoncepcionais hormonais em mulheres vivendo


com HIV/AIDS.

Alguns antirretrovirais, principalmente os inibidores de transcriptase reversa não


análogos de nucleosídeos e os inibidores de protease, podem potencialmente reduzir

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ou aumentar a biodisponibilidade dos hormônios esteroides dos contraceptivos


hormonais, o que poderia alterar a segurança e a efetividade dessas drogas, aumentando
mais a importância de estimular o uso combinado do preservativo com outro método
contraceptivo.

Mulheres em uso de ARV apresentam maior risco de desenvolver alterações metabólicas,


devendo-se pesquisar a presença de fatores de risco que contraindiquem o uso de
contraceptivos hormonais. Para mulheres em tratamento para tuberculose, a rifampicina
pode reduzir a eficácia da contracepção hormonal, não sendo recomendado o uso de
contraceptivos hormonais de baixa dosagem para essas mulheres, sendo preferível o
uso do acetato de medroxiprogesterona injetável ou, alternativamente, um método não
hormonal. O acetato de medroxiprogesterona injetável ou via oral pode também ser
considerado como auxílio adicional no controle de anemia, frequente nestas pacientes,
com a redução ou suspensão do fluxo menstrual decorrente do método.

Se necessária, a contracepção de emergência pode ser utilizada, utilizando-se os


mesmos critérios empregados para as mulheres soronegativas.

• DIU

O uso do dispositivo intrauterino (DIU) mostrou-se seguro em mulheres HIV+, sendo


recomendado naquelas assintomáticas ou com AIDS em uso de TARV clinicamente
compensadas. Mulheres que desenvolvem AIDS em uso de DIU não necessitam
necessariamente removê-lo, mas devem ter seguimento clínico rigoroso. Mulheres
com cervicite muco purulenta ou doença inflamatória pélvica (DIP), dentre outras
contraindicações, não devem iniciar o uso do DIU até que essas infecções estejam
curadas.

• Métodos cirúrgicos (LT e vasectomia)

Podem ser indicados para aqueles que desejam um método definitivo, utilizando-
se os mesmos critérios empregados para os indivíduos soronegativos para o HIV.
Pacientes com imunossupressão devem ter procedimentos contraceptivos cirúrgicos
postergados.

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Aconselhamento anticoncepcional no puerpério de mulhe-


res HIV+

Com a recomendação de não amamentar, as portadoras do HIV tendem a ter um período


menor de amenorréia, e podem voltar a ovular a partir de quatro semanas após o parto.
Portanto, as orientações contraceptivas devem ser feitas mais precocemente.

No caso do parceiro com situação sorológica desconhecida para a infecção pelo HIV,
aproveitar a oportunidade para aconselhamento e testagem do mesmo.

Gestação e HIV

O Programa Nacional de DST e Aids em 2006, estimou a prevalência da infecção


pelo HIV em gestantes em 0,41%. Embora a pesquisa do HIV seja recomendada de
rotina no pré-natal, a cobertura deste teste ainda não é a ideal, sendo fatores limitantes
para que as taxas nacionais de transmissão vertical do HIV sejam ainda mais baixas
o diagnóstico tardio da infecção pelo HIV na gestação, a baixa adesão dos serviços a
testagem durante o pré-natal e a qualidade da assistência, principalmente nas regiões
com menor cobertura de serviços e menor acesso à rede de saúde.

Abordagem diagnóstica da infecção pelo HIV na gestação

• Aconselhamento em DST/AIDS e a prevenção da transmissão vertical

A solicitação de exame Elisa para HIV deve ocorrer na primeira consulta pré-natal,
para todas as gestantes. A mulher deve ser esclarecida sobre a importância da testagem
para HIV e sífilis na gestação, podendo, assim, decidir informada e livremente sobre a
realização dos testes.

O profissional de saúde deverá anotar no prontuário da paciente que foi realizado o


aconselhamento e a oferta do teste anti-HIV. O profissional de saúde deverá assinar,
logo após terem sido feitas as anotações.

• Aconselhamento pós-teste

- Diante de um resultado negativo: explicar o significado do resultado negativo,


reforçando que a testagem não evita a transmissão em novas exposições; verificar a
possibilidade de janela imunológica, caso tenha ocorrido alguma exposição de risco

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

nas 4 semanas que antecederam a realização do teste, indicando retorno para nova
testagem após 30 dias, ressaltando a necessidade de adotar as medidas de prevenção,
especialmente naquelas pacientes em que situações de maior risco.

- Diante de um resultado positivo: é fundamental que o profissional esteja preparado


para oferecer apoio emocional à gestante e forneça informações sobre o significado
do resultado, as possibilidades de tratamento para elas e a possibilidade de evitar a
infecção de seus bebês, encaminhamentos necessários e discussão sobre adoção de
medidas de prevenção, conforme a condição emocional e a capacidade de compreensão
de cada mulher. É importante estimular a adesão, ressaltando a importância do
acompanhamento médico e psicossocial para o controle da infecção e para a promoção
da saúde, durante e após a gestação e informar a importância da testagem dos parceiros
sexuais, oferecendo apoio, caso sejam identificadas dificuldades nesse sentido.

- Diante de um resultado indeterminado: esse resultado poderá significar uma


infecção recente, ocasião em que os testes sorológicos não detectam os anticorpos em
quantidades suficientes para caracterizar um resultado positivo. Nesses casos, torna-se
muito importante a avaliação da história e do risco de exposição e a triagem sorológica
do parceiro. Essa é uma situação na qual a realização de testes moleculares deve ser
considerada para auxiliar na definição da necessidade de uso de terapia antirretroviral
para redução da transmissão vertical. Nessa situação, a gestante deverá ser encaminhada
para serviço de referência que possa utilizar estratégias adequadas na confirmação do
seu estado sorológico. A mulher e seu parceiro deverão ser orientados para o uso de
preservativo (masculino ou feminino) em todas as relações sexuais.

Abordagem inicial da gestante infectada pelo HIV, segui-


mento clínico, laboratorial e obstétrico

• Consultas iniciais

Na mulher recém-diagnosticada com a infecção pelo HIV é importante o uso de uma


linguagem acessível para explicar os aspectos essenciais da infecção causada pelo
HIV, bem como a importância do acompanhamento clínico-laboratorial e da terapia,
contribuindo para a adesão ao seguimento e ao tratamento, além da rotina pré-natal
normal.

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Primeira consulta:

- avaliar o nível de conhecimento da gestante sobre a doença e fornecer informações


acessíveis, enfatizando a importância da comunicação ao parceiro;

- identificar alguma condição que exija intervenção imediata, como sinais e sintomas
sugestivos de manifestações oportunistas;

- avaliar a necessidade de indicar imunizações e de iniciar profilaxia de infecções


oportunistas;

- identificar necessidades incluindo cuidados de saúde mental, quando necessário;

- explicar o significado da infecção pelo HIV e sua evolução, esclarecendo sobre o risco
de transmissão vertical e enfatizando a elevada eficácia das medidas de prevenção da
transmissão vertical;

- ressaltar o impacto favorável da terapia antirretroviral (TARV) na qualidade de


vida, na sobrevida, particularmente para gestantes com necessidade de tratamento
antirretroviral;

- abordar métodos de prevenção da transmissão sexual do HIV e outras DST de forma


compreensível, incluindo aspectos relacionados às parcerias sexuais, reforçando o uso
sistemático de preservativos;

- destacar a importância da testagem do(s) parceiro(s) e da prole, quando pertinente;

- realizar exame clínico, exame obstétrico e solicitar os exames de avaliação laboratorial


inicial;

- realizar exame ginecológico completo com coleta de citologia oncológica, com


mensuração de pH vaginal e realização do teste das aminas (Whiff);

- iniciar a discussão sobre a história de vida do paciente, suas expectativas e medos;

- abordar o uso de álcool e outras drogas, no contexto da gestação e da prevenção da


transmissão do HIV;

- avaliar o uso de medicamentos em geral;

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- identificar sinais clínicos sugestivos de manifestações da doença;

No exame vaginal, anal e perianal, pesquisar corrimento, úlceras e lesões sugestivas de


infecção pelo HPV ou de neoplasias.

• Importante incluir no manejo

- Disponibilizar preservativos;

- Reforçar importância da abstinência do fumo, álcool e outras drogas;

- Medidas higienodietéticas para prevenção da toxoplasmose;

- Suplementação de sulfato ferroso e ácido fólico, conforme o recomendado;

- Lembrar que a presença de outras DST, incluindo as vaginites, aumenta o risco


de transmissão vertical do HIV, o que justifica a importância de seu rastreamento e
tratamento precoces;

- A realização de procedimentos invasivos durante a gestação (ex: amniocentese e


cordocentese) está contraindicada pelo aumento do risco de TV;

- A amamentação está contraindicada e as pacientes devem ser inscritas em programas


de recebimento de leite para os RN.

Avaliação laboratorial inicial

- Exames de rotina do pré-natal;

- Contagem de Linfócitos T-CD4 (Na primeira consulta e repetir pelo menos entre 4-6
semanas após início de TARV e a partir da 34ª semana);

- Carga Viral (CV) (Na primeira consulta e repetir após 4-6 semanas de início da TARV
e a partir da 34ª semana- caso CV detectável, repetir o exame e reforçar a adesão). A
repetição da CV a partir da 34ª semana, auxilia na definição da via de parto. OBS: a CV
é o fator mais fortemente associado ao risco de transmissão vertical do HIV e auxilia
na definição da via de parto, com taxas de transmissão são inferiores a 1% em gestantes
em uso de ARV com CV <1.000 cópias/ml;

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- Provas de função hepática (repetição mensal ou a cada dois meses);

- Sorologia para Citomegalovírus (trimestral se o exame inicial for negativo);

- Sorologia para Toxoplasmose (IgM,IgG) (trimestral caso o exame inicial for negativo;

- PPD (Reação de Mantoux) - Resultado reator forte (> 5 mm): realizar a investigação
de tuberculose ativa e se for negativa, indicar a profilaxia com isoniazida associado à
piridoxina;

- Swab vaginal e anal para pesquisa de Estreptococo do Grupo B Indicar à partir da


34ª Se a cultura for positiva tratar com penicilina G cristalina endovenosa durante o
trabalho de parto.

Imunizações

- HBsAg negativo: encaminhar para imunização contra Hepatite B (esquema vacinal


distinto do usual);

- No Anti-HAV negativo imunizar em gestantes co-infectadas com HCV;

- Imunização para o tétano – conforme rotina do pré-natal;

- Outras vacinas dependem da avaliação de risco da paciente, lembrando que as vacinas


com vírus vivos não devem ser realizadas na gestação;

- Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em pacientes


sintomáticos ou com imunodeficiência grave – em dúvida consultar o Infectologista.

Manejo antirretroviral na gestação

Idealmente esta gestante deve estar sempre sendo vista também por infectologista ou
clínico experiente no manejo de pessoas HIV+. Todas as gestantes infectadas pelo HIV
devem receber TARV com associação de três antirretrovirais independente da situação
virológica, clínica ou imunológica.

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Segurança dos antirretrovirais na gestação

A ocorrência de efeitos adversos em gestantes e crianças expostas aos ARV para


profilaxia da transmissão vertical do HIV é baixa, sendo estes geralmente leves ou
moderados e transitórios, raramente sendo necessária a suspensão de sua utilização.

A indicação de TARV na gestação pode ter dois objetivos: profilaxia da transmissão


vertical ou tratamento da infecção do HIV.

a) Profilaxia da transmissão vertical do HIV

Tem como objetivo apenas a prevenção da transmissão vertical e está indicada


para gestantes que não possuem indicação de tratar a infecção pelo HIV, já que são
assintomáticas e o dano imunológico é pequeno ou ausente (LT-CD4+ ≥ 350 células/
mm3). O esquema deve ser iniciado precocemente, após o primeiro trimestre, entre a
14 ª e a 28ª semana de gravidez.

O esquema deve ser iniciado imediatamente quando na presença de qualquer fator que
leve a disfunção placentária e maior risco de TV (ex: sífilis; uso de drogas; infecção
aguda por citomegalovírus e/ou toxoplasmose).

A profilaxia deve ser suspensa após o parto.

Quando o diagnóstico é estabelecido tardiamente, no 3º trimestre, é recomendado


o início da TARV logo após a coleta dos exames, mesmo antes da obtenção de seus
resultados.

b) Tratamento da infecção pelo HIV na gestação

Em gestantes com indicação de tratamento antirretroviral, este deverá ser mantido (e


readequado, se necessário) após o parto.

O TARV deve ser iniciado independentemente da idade gestacional em:

- gestantes sintomáticas, ou

- gestantes assintomáticas com LT-CD4++ ≤ 200 células/mm3

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

No caso de gestantes assintomáticas com contagem de LT-CD4+ entre 200 e 350 células/
mm3 o tratamento poderá ser postergado na dependência da idade gestacional e da
contagem de CD4+. Quanto mais próxima de 200 células/mm3 estiver a contagem
de LT-CD4+ +, maior será a necessidade de início precoce da terapia, devido ao
maior risco de progressão da doença.

Quando a contagem de LT-CD4+ estiver mais próxima a 350 células/mm3, o início


poderá ser postergado para após a 14ª semana de gestação, considerando a relação
risco-benefício.

Lembrar que nestas mulheres o tratamento deve ser mantido após o parto.

• Esquema antirretroviral

Deve ser utilizado esquema ARV composto por três antirretrovirais de duas classes
diferentes, seja com indicação de profilaxia ou de tratamento.

Os esquemas iniciam recomendados são:

- Associação zidovudina/lamivudina (AZT/3TC) + Lopinavir/r (LPV/r), ou

- Associação zidovudina/lamivudina (AZT/3TC) + Nevirapina

Observações:

- Recomenda-se evitar o uso de AZT em casos de anemia (Hb < 8,0 g/dl) e/ou
neutropenia (neutrófilos < 1000 células/ mm3), com monitoramento mais frequente
caso a hemoglobina seja inferior a 10 g/dl;

- O uso da Nevirapina está associado a uma maior risco de toxicidade hepática e/


ou cutânea, principalmente em mulheres com LT-CD4 > 250 células/mm3 e seu uso
deve ser escalonado e acompanhado de um controle mais rigoroso da função hepática.
Devido à sua meia-vida mais longa, a interrupção de seu uso deve ser indicada duas
semanas antes da suspensão dos outros ARV do esquema utilizado.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Manejo da gestante com diagnóstico tardio da infecção pelo


HIV

a) Após 36 semanas de IG não estando em trabalho de parto: coletar amostra


para a realização da carga viral e LTCD4+ e iniciar imediatamente a profilaxia ARV,
priorizando a cesariana eletiva, com uso de AZT injetável, conforme protocolo.

b) Chegando à maternidade em trabalho de parto: iniciar imediatamente o AZT


injetável, que deve se suspenso após o nascimento. O RN deve receber AZT por via
oral, iniciando de preferência nas primeiras duas horas de vida.

Manejo da gestante em uso de TARV

a) Gestante em uso de TARV com carga viral indetectável;

Gestantes com esquemas eficazes e seguros devem ter seu regime mantido durante a
gestação.

b) Gestante em uso de TARV com carga viral detectável ou que possuam qualquer
critério de falha terapêutica;

Durante o seguimento da gestante infectada pelo HIV, devem ser realizados pelo
menos três exames de CV: na primeira consulta do pré-natal para medir a viremia; 4-8
semanas após a introdução do ARV para avaliar a resposta ao tratamento; a partir da
34ª semana, para indicação da via de parto. Caso a CV não tenha sido reduzida em pelo
menos 1 log (ou 90%) em 4-8 semanas após o início da terapia ou for maior que 10.000
cópias, verificar a adesão e o uso correto das medicações e considerar a realização de
genotipagem, o que pode indicar troca do esquema.

Definição da via de parto

a) Indicação de cesárea eletiva (antes do início do trabalho de parto, com membranas


corioamnióticas íntegras):

- Gestantes com CV ≥1000 cópias/ml, ou desconhecida a partir de 34 semana


de gestação;

- Gestantes que chegam à maternidade em TP e não fizeram profilaxia ARV

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durante a gestação, dependendo da fase do TP e o prognóstico do tempo de evolução


para parto. Se o TP for inicial, com 3-4 cm de dilatação do colo uterino e bolsa
amniótica íntegra ou com ruptura de menos de 2 horas, a cesariana deve ser indicada
imediatamente;

- Gestantes que usaram apenas monoterapia com AZT;

- Gestantes multiexperimentadas em TARV, mesmo com CV indetectável,


utilizando esquemas com enfuvirtida, devido à baixa concentração vaginal da droga.

- Deve ser agendada para a 38ª semana de gravidez;

- A infusão de AZT deve iniciar 3 horas antes da cirurgia e mantida até a hora
do nascimento;

- Instruir a gestante a procurar a maternidade o mais rápido possível se entrar


TP ou houver ruptura das membranas corioamnióticas. Caso ocorra TP antes da prevista
para a cesárea, se a dilatação cervical for <3 cm e as membranas corioamnióticas
estejam íntegras, realizar a cesárea.

b) Definição de via de parto no pré-natal: baseada na CV materna, realizada a partir


da 34ª semana e na avaliação obstétrica.

- CV <1.000 cópias/ml – discutir com a gestante que o tipo de parto não altera
o risco de TV do, desde que o parto seja manejado adequadamente.

Cuidados gerais no trabalho de parto e parto

1. Administrar AZT endovenoso desde o início do TP até o nascimento e clampeamento


do cordão umbilical. Todas as gestantes em TP devem receber AZT, mesmo as que não
usaram durante a gestação e mesmo as que apresentaram toxicidade ao AZT por via
oral (a menos que sejam alérgicas ao medicamento); as gestantes que internam para
sedação do TP pré-termo devem receber o AZT EV, enquanto estiverem apresentando
contrações uterinas. As pacientes que internam para cesárea eletiva devem receber AZT
EV iniciando pelo menos 3 horas antes da cesárea;

2. Durante o trabalho de parto, ou no dia da cesárea programada, manter os medicamentos


ARV orais utilizados pela gestante, nos seus horários habituais, independente do jejum,
ingeridos com pequena quantidade de água, inclusive durante o período de infusão

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venosa da zidovudina (AZT). A única droga que deve ser suspensa até 12 horas antes
do início do AZT intravenoso é o d4T (Estavudina);

3. Clampear o cordão umbilical imediatamente após o nascimento, sem realizar


ordenha;

4. Evitar procedimentos invasivos durante a gestação, TP e parto, como: cordocentese,


amniocentese, amniotomia, uso de fórceps vácuo extrator;

5. No parto vaginal evitar a episiotomia sempre que possível;

6. Monitorar o TP com partograma, evitando toques repetidos;

7. Em caso de ruptura precoce das membranas amnióticas no TP, avaliar o prognóstico


de evolução e usar ocitocina se necessário para evitar TP prolongado com aumento de
risco da TV. Havendo contraindicação para uso de ocitocina e prevendo-se um trabalho
de parto prolongado, a cesariana pode ser indicada;

8. Adotar as precauções básicas e universais para manipulação de sangue, secreções,


excreções, mucosas ou pele não íntegra. Essas medidas incluem a utilização de
equipamentos de proteção individual (luvas, máscara, óculos de proteção, capotes e
aventais), preferir sempre seringas de plástico, preferir sempre o uso de tesouras, ao
invés do bisturi, nunca utilizar lâmina de bisturi desmontada (fora do cabo), preferir
fios de sutura agulhados, evitar agulhas retas de sutura, utilizar sempre pinças auxiliares
nas suturas, evitando manipulação dos tecidos com os dedos, evitar sutura por dois
cirurgiões, simultaneamente, no mesmo campo cirúrgico, a passagem de materiais
perfuro cortantes (bisturi, portas-agulha montados, etc.) do auxiliar para o cirurgião
deve ser feita por meio de cubas, após aviso verbal;

9. Em caso de exposição ocupacional seguir as recomendações do MS;

10. Após o nascimento, a mulher e o recém-nascido, estando em boas condições de


saúde, podem ser encaminhados para alojamento conjunto.

• Na cesárea eletiva

1. Confirmar a IG adequadamente, a fim de se evitar a prematuridade iatrogênica.


Utilizar parâmetros obstétricos, como data da última menstruação correta, altura
uterina, ultrassonografia precoce (preferencialmente no 1° trimestre, ou antes, da 20ª

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semana).

2. A cesárea eletiva deve ser realizada na 38ª semana de gestação, a fim de se evitar a
prematuridade e/ou o trabalho de parto e a ruptura prematura das membranas.

3. Realizar a completa hemostasia de todos os vasos da parede abdominal e a troca das


compressas ou campos secundários antes de se realizar a histerotomia, minimizando o
contato posterior do recém-nascido com sangue materno.

4. Sempre que possível proceder ao parto empelicado (retirada do neonato mantendo as


membranas corioamnióticas íntegras).

5. Utilizar antibiótico profilático, tanto na cesárea eletiva quanto naquela de urgência:


dose única endovenosa de 2g de cefalotina ou cefazolina, após o clampeamento do
cordão.

• No parto vaginal

1. Diante da integridade da bolsa amniótica, a progressão normal do trabalho de parto


é preferível à sua indução, pelo risco de ruptura artificial das membranas e aumento de
risco de TV do HIV.

2. Evitar que as parturientes permaneçam com bolsa rota por tempo prolongado, visto
que a taxa de TV aumenta progressivamente após 4 horas de bolsa rota. O uso de
fármacos que aumentam a atividade uterina não está contraindicado, mas deve ser
utilizado, segundo os padrões de segurança já conhecidos.

3. Amniotomia artificial deve ser evitada a menos que extremamente necessária.

4. Evitar, sempre que possível, a episiotomia. Quando necessária, o campo cirúrgico


deve ser protegido por compressas embebidas em substâncias degermantes.

5. Parto instrumentalizado deve ser evitado, mas quando indicado, o fórceps deve ser
preferido ao do vácuo extrator.

A aplicação do fórceps (ou vácuo-extrator) só será admitida se houver uma

6. Utilizar antibiótico profilático materno, dose única de 2g intravenosa de cefalotina


ou cefazolina, logo após a expulsão fetal.

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Testes rápidos no parto e puerpério

Os testes rápidos devem ser realizados na admissão para o parto e, em último caso, no
puerpério, nas seguintes situações:

- Gestante sem pré-natal;

- Gestante não testada durante o pré-natal;

- Gestante que não dispõe de resultado do teste (ou do registro do resultado no


cartão da gestante);

- Gestante não testada e/ou sem resultado do segundo teste, no último trimestre
de gestação;

- Gestante que se encontre em situação de risco acrescido (ex: parceiro


infectado, profissional do sexo, usuária de álcool e outras drogas, troca de parceiro
durante a gestação, DST durante a gestação, ou parceiro com DST, dentre outras),
independentemente do tempo da realização último teste anti-HIV;

- Anotar no prontuário a solicitação do teste anti-HIV ou sua recusa por parte


da parturiente, se for o caso.

• Diante de um resultado de teste rápido positivo:

- Assegurar a privacidade das informações;

- Orientar a parturiente sobre as ações de prevenção da TV a serem


implementadas antes, durante e após o parto, incluindo quimioprofilaxia, os riscos
e benefícios da via de parto escolhida e/ou realizada e a recomendação de não
amamentação;

- Oferecer apoio emocional;

- Incluir o companheiro se possível no processo de informação e decisão;

- Informar sobre a necessidade de acompanhamento e adesão ao tratamento da


mulher e do RN após a alta hospitalar;

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- Verificar se o parceiro foi testado e encaminhá-lo para a realização do teste


anti-HIV se necessário;

- SEMPRE coletar e encaminhar a amostra de sangue para esclarecimento do


diagnóstico, garantindo a confirmação do resultado do teste, preferencialmente antes
da alta hospitalar;

- Notificar a ocorrência à Vigilância Epidemiológica.

Suspensão da lactação pós-parto

Utilizar método mecânico (enfaixamento das mamas) e farmacológico (cabergolina


0,5mg – 2 cp em dose única). No caso da paciente com diagnóstico por teste rápido no
momento da internação para o parto é interessante aguardar o resultado do teste Elisa
convencional para o uso da cabergolina.

Trabalho de parto pré-termo (TPP)

Alguns estudos sugerem um aumento do risco de parto pré-termo associado ao uso de


antirretrovirais. O manejo do trabalho de parto pré-termo é semelhante ao da gestante
não infectada pelo HIV:

- TPP ocorrer < 34 semanas- conduta expectante - AZT EV + inibição do parto


+ investigação e tratamento de causas infecciosas + corticosteroides para maturação
pulmonar. Descontinuar o AZT quando o parto for inibido.

- TPP com indicação de conduta ativa - via de parto baseado na CV materna


e em indicações obstétricas, com infusão de AZT EV, evitando TP prolongado (maior
risco de TV).

- Realizar pesquisa de estreptococo do grupo B, com uso de penicilina G


cristalina nos casos positivos (trabalho de parto até o nascimento). Esta conduta deve
ser considerada na rotina do TPP, mesmo quando não for possível realizar a pesquisa
do estreptococo do grupo B.

Ruptura prematura das membranas (Ruprema)

Balanço entre > risco de TV pela ruptura de membranas e prematuridade:

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

- Idade gestacional <34 semanas – conduta conservadora - se ausência de corioamnionite


e sofrimento fetal, com observação hospitalar e utlização de medicamentos que
melhorem o prognóstico: hiperhidratação (oligodrâmnio); tocólise (TPP); corticoterapia
para aceleração da maturidade pulmonar fetal ou transporte da paciente para centros
de maior recurso; penicilina G cristalina para prevenção da morbimortalidade perinatal
pelo estreptococo do grupo B.

- Idade gestacional >34 semanas – iniciar AZT EV e decidir via de parto conforme
parâmetros obstétricos (colo uterino, presença de contrações) e da CV. Se colo
desfavorável e ausência de contrações uterinas - considerar parto por cesárea, evitando
induções prolongadas; se colo favorável e CV<1.000 cópias/ml, a via de parto pode ser
vaginal. Pode-se utilizar ocitocina para acelerar o TP.

Complicações clínicas na gravidez

Outras complicações clínicas associadas à gestação, como a hipertensão da gravidez


e o diabete devem ser manejadas da mesma forma que em gestantes não infectadas
pelo HIV. É importante realizar o diagnóstico diferencial, de possíveis efeitos adversos
associados ao uso dos antirretrovirais: alterações da função hepática e pancreática,
hiperglicemia, diabetes melitus e agravamento de distúrbios metabólicos da glicose e
dos lipídeos. As gestantes em uso de inibidores da protease devem seguir as mesmas
recomendações de rastreamento para diabetes indicadas nas rotinas de pré-natal.

Hemorragia pós-parto

Evitar uso de derivados ergotamínicos, caso as parturientes façam uso de inibidores


da protease (ex: lopinavir/r), pois o uso concomitante destas medicações tem-se
associado a respostas vasoconstritoras exageradas. Se possível, preferir ocitocina ou
misoprostol.

Polihidrâmnio

Havendo necessidade imperativa de amniocentese (isoimunização Rh, drenagem de


polihidrâmnio), a utilização de 2 mg/kg de peso materno de AZT endovenoso três horas
antes da punção pode reduzir o risco de TV do HIV.

100
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

HEPATITE B (HB)

Conceito e agente etiológico

A Hepatite B é uma doença infecciosa de etiologia viral. O vírus causador desta infec-
ção é um DNA vírus da família dos Hepadnavírus designado pela letra B (HBV).

Prevalência

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2004), a Hepatite B é um problema


de saúde pública em todo o mundo. Estima-se que 30% da população mundial já tive-
ram contato com o HBV, pois apresentam evidência sorológica desta infecção e que 5%
sejam portadores crônicos deste vírus. O conhecimento destes dados é muito importan-
te, pois esta infecção pode evoluir para hepatite crônica, cirrose ou hepatocarcinoma.

A prevalência de portadores do HBV no Brasil varia de acordo com a região estudada


sendo considerada:

• Elevada: ≥ 8% na região amazônica, Espírito Santo e região oeste de Santa


Catarina.

• Intermediária: 2 a 7% nas regiões sudeste, centro-oeste e nordeste.

• Baixa: < 2% na região sul.

A população de gestantes apresenta especial interesse pelo risco de transmissão verti-


cal (TV) deste vírus. No Brasil a prevalência de HBV em gestantes varia de 0,5 a 1%,
semelhante a prevalência de países desenvolvidos.

Formas de transmissão do HBV

As principais formas de transmissão do HBV são:

• Parenteral: representada por transfusão sanguínea e de hemoderivados, uso


de drogas injetáveis, hemodiálise, transplante de órgãos, tratamento dentário,
acupuntura, tatuagem, Instrumentos de uso pessoal.

101
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Não parenteral: representada por transmissão via oral, vertical, sexual, con-
tacto com portadores HBsAg, aparelhos médicos

Destaca-se que a faixa etária de exposição é um fator crucial para eliminação do vírus
e resolução da infecção:

• Adultos: 90% que se expõem e se contaminam com o HBV: eliminam o ví-


rus.

• Recém-nascidos: 70% a 90% que são expostos e se contaminam com o HBV:


permanecerão infectados se não forem tomadas as precauções adequadas.

Este conhecimento embasa a recomendação de triagem do HBV durante o pré-


natal.

Quadro 1- Concentração do VHB nos diferentes fluidos corporais

Características clínicas

Os sinais e sintomas da HB não diferem das manifestações clínicas das outras hepatites
virais. No caso de sintomatologia sugestiva da infecção aguda deve-se solicitar a
sorologia para as outras hepatites virais.

Hepatite B aguda: Pode-se observar desde pacientes assintomáticas até, mais


raramente, hepatite fulminante. Apenas 30% apresentam a forma ictérica da infecção.
O período de incubação do HBV varia de 45 a 180 dias e são observadas as três fases
descritas a seguir:

102
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

• Fase prodrômica: sintomas inespecíficos de anorexia, náuseas e vômitos, al-


terações do olfato e paladar, cansaço, mal-estar, artralgia, mialgias, cefaléia e
febre baixa.

• Fase ictérica: inicia-se após 5 a 10 dias da fase prodrômica, caracterizando-se


pela redução na intensidade destes sintomas e a ocorrência de icterícia. Colú-
ria precede esta fase por 2 ou 3 dias.

• Fase de convalescença: a sintomatologia desaparece gradativamente, geral-


mente em 2 a 12 semanas.

Hepatite B crônica: A Hepatite B pode evoluir cronicamente em 5 a 10% dos pacientes


expostos, o que se demonstra pela presença do HBsAg por mais de seis meses. Nestes
pacientes os marcadores sorológicos, testes de função hepática e avaliação histológica
pela biópsia hepática podem estar alterados. A biópsia hepática divide a Hepatite B
crônica em:

• Persistente: de bom prognóstico, em que a arquitetura do lóbulo hepático é


preservada.

• Ativa: caracterizada por necrose hepática, que pode evoluir para cirrose hepá-
tica ou para câncer.

Na primeira fase da HB crônica existe uma replicação viral pronunciada e a tentativa


do sistema imunológico de eliminar o vírus acarretando destruição dos hepatócitos com
consequente elevação das transaminases. A segunda fase é caracterizada por níveis
baixos ou indetectáveis de replicação viral, com normalização das transaminases e
atenuação da atividade inflamatória.

Na transição da primeira para a segunda fase, ocorre a negativação do HBeAg com


surgimento no soro do anti-HBeAg, chamada de soroconversão. Entretanto, uma
pequena proporção dos pacientes que sofrem soroconversão, e, portanto tornam-se
HBeAg negativos, persistem com altos níveis de HBV DNA e de ALT. Esses pacientes
são portadores de uma variante do HBV que não produz HBeAg devido a uma mutação
no pré-core ou região promotora do pré-core. Nesses pacientes, em que o HBeAg não
diferencia pacientes com e sem replicação significativa, são necessários testes de
quantificação viral.

103
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Diagnóstico laboratorial

A pesquisa dos marcadores sorológicos da HB é fundamental para determinar o estado


sorológico da paciente. Os principais antígenos e anticorpos para o HBV que podem
ser detectados são:

a) Antígenos:

• HBsAg (Ag HBs): antígeno de superfície do HBV. É o 1º marcador sorológico


a aparecer precedendo o aparecimento dos sintomas. É utilizado na triagem
dos portadores do HBV (quem tem o vírus).

• HBeAg (Ag HBe): este antígeno aparece imediatamente após o aparecimento


do HBsAg e indica replicação viral, portanto avalia de forma indireta a carga
viral. HBeAg reagente está associado a maior risco de transmissão vertical
do HBV.

b) Anticorpos:

• Anti HBcAg: Este é o marcador universal da exposição ao HBV, ou seja, só


apresentará este marcador quem se expos ao HBV. Na fase aguda da infecção
pode-se detectar a fração IgM do anti HBcAg e, posteriormente será detec-
tada apenas a fração IgG. O antígeno do core viral (HBcAg) não faz parte
dos marcadores solicitados devido a necessidade e complexidade das técnicas
laboratoriais.

• Anti HBsAg: anticorpo contra o antígeno de superfície do HBV. Este anticor-


po pode ser detectado em dois grupos de pacientes:

- pacientes que se expuseram ao HBV, eliminaram o vírus e desenvolveram


imunidade contra este agente;

- pacientes que receberam a vacina para o vírus B e responderam com a pro-


dução de anticorpos desenvolvendo imunidade a este vírus.

• Anti HBe Ag: anticorpo contra o antígeno de replicação viral.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Comportamento dos marcadores sorológicos do vírus B durante hepatite aguda

Evolução para cronicidade do HBV

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Avaliação laboratorial da carga viral do HBV: A reação em tempo real quantitativa


da cadeia de polimerase (PCR) tem sido utilizada para quantificação do vírus B e tem
se mostrado muito sensível, acurada e com uma ampla faixa de linearidade (podendo
medir de 400 a 10 bilhões de cópias sem distorções). Não existe consenso sobre que
ponto de corte deveria ser utilizado para definir replicação significativa. Alguns estudos
tentaram correlacionar a carga viral com a atividade da infecção, tendo mostrado que
cargas virais abaixo de 50.000 a 100.000 cópias estão associadas com portadores assin-
tomáticos e quantificações acima desses valores estão associados com hepatite crônica
em atividade. Em estudo com 202 pacientes, obteve-se uma sensibilidade de 87,3%
para a detecção de atividade inflamatória (sugerida pela elevação de transaminases) ao
usar-se um ponto de corte de 100.000 cópias/ml e de 89,5% utilizando-se como ponto
de corte 30.000 cópias/ml, enquanto a especificidade obtida foi de 100% com ambos
os valores.

Tratamento

Basicamente o tratamento consiste em manter repouso domiciliar relativo, até que a


sensação de bem-estar retorne e os níveis das aminotransferases (transaminases) vol-

106
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

tem aos valores normais. Em média, este período dura quatro semanas. Não há res-
trição de alimentos no período de doença. É aconselhável abster-se da ingestão de
bebidas alcoólicas.

Os pacientes com hepatite causada pelo HBV poderão evoluir para estado crônico e
deverão ser acompanhados com pesquisa de marcadores sorológicos (HBsAg e Anti-
HBs) por um período mínimo de 6 a 12 meses.

Aqueles casos definidos como crônicos, pela complexidade do tratamento, deverão ser
encaminhados para serviços de atendimento médico especializados.

Não existe tratamento específico para a maioria das hepatites virais agudas, mas existe
tratamento para as hepatites virais crônicas. O tratamento da hepatite B crônica visa
suprimir a replicação viral e reduzir a lesão hepática, prevenindo a evolução para
cirrose e hepatocarcinoma. Os objetivos do tratamento são:

• Soroconversão de HBeAg para anti-HBe;

• Desaparecimento do DNA do vírus do soro;

• Normalização do nível de ALT;

• Melhora da histologia hepática.

Espera-se que, com efeitos sustentados, a progressão para cirrose e hepatocarcinoma


seja atrasada ou pare. Atualmente, há três tratamentos com eficácia comprovada para a
hepatite B crônica em uso no Brasil:

• interferon-alfa-1b;

• lamivudina;

• adefovir dipivoxil;

• interferon peguilado, entecavir, telbivudina e outros deverão ser dispensados


pelo Ministério da Saúde do Brasil a partir de 2010.

Para fins de tratamento, valores acima de 100.000 cópias/ml são indicativos de repli-
cação, enquanto que indivíduos com valores abaixo desse são portadores inativos do

107
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

HBV.

Assistência obstétrica para pacientes com hepatite B

Nesta assistência o profissional pode se deparar com duas situações:

1o) A gestante/parturiente apresenta quadro agudo suspeito de infecção hepática


viral (hepatite)

Durante a gestação:

a) Internação da gestante: Na suspeita de infecção aguda recomenda-se internação


hospitalar. Não há necessidade de isolamento, mas a paciente deve ficar acomodada
em quarto com sanitário individualizado. Toda a equipe deve estar atenta para
a utilização correta dos equipamentos de proteção individualizada (EPI) em
qualquer procedimento que envolva sangue e/ou excreções. É recomendável o
acompanhamento com gastroenterologista, ou hepatologista ou infectologista.

b) Dieta: deve seguir as preferências alimentares da gestante evitando-se gorduras


em excesso. O uso de álcool está proibido durante a gestação.

c) Exames laboratoriais: na infecção aguda deve-se solicitar a sorologias para


todas as hepatites. O diagnóstico de HB é realizado pela identificação do antígeno
de superfície do HBV (HBsAg). Concomitante com a solicitação dos marcadores
sorológicos virais realiza-se a avaliação do comprometimento do parênquima
hepático da gestante solicitando-se transaminases, gama-GT, bilirrubinas e
fosfatase alcalina. A função hepática deve ser avaliada solicitando-se fatores de
coagulação, atividade da protrombina e albumina sérica.

d) Sorologias do parceiro e filho (s): avaliação do estado sorológico para HBV


solicitando HBsAg e Anti HBcAg.

e) Consulta pré-natal: após a alta a paciente deve ser seguida com intervalos
condizentes com a idade gestacional e evolução da infecção. Recomenda-se uso de
preservativo até conhecimento do estado sorológico do parceiro.

Tratamento da Hepatite B aguda durante a gestação: Até o momento não existem


evidências que justifiquem o uso de medicamentos antivirais e drogas imunomoduladoras
na fase aguda da hepatite B em condições habituais. Na hepatite aguda grave, a

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

lamivudina deve ser usada. A paciente permanecerá internada para observação e


medidas de suporte (hidratação, antieméticos, controle laboratorial). Não há indicação
de resolução da gravidez, salvo em casos de hepatite fulminante.

2º) A gestante/parturiente com rastreio sorológico para HB reagente

Durante a gestação

As gestantes portadoras do HBV serão diagnosticadas pelo rastreio sorológico


recomendado durante o pré-natal. O ideal é realizar a triagem sorológica na 1ª consulta
e repeti-la no 3º trimestre gestacional. Caso esta triagem seja realizada apenas uma vez
no pré-natal a idade gestacional recomendada é em torno da 30ª semana.

a) Dieta: não há restrição alimentar com exceção do álcool que está proibido
durante a gestação.

b) É recomendável o acompanhamento conjunto com gastroenterologista, ou


hepatologista ou infectologista.

c) Exames laboratoriais: Concomitante com a solicitação dos marcadores


sorológicos virais realiza-se a avaliação do comprometimento do parênquima
hepático da gestante solicitando-se: transaminases, gama-GT, bilirrubinas e
fosfatase alcalina. A função hepática deve ser avaliada solicitando-se fatores de
coagulação, atividade da protrombina e albumina sérica.

d) Solicitar sorologias do parceiro e filho (s): avaliar o estado sorológico para


HBV solicitando HBsAg e Anti HBcAg.

e) Consulta pré-natal: intervalos condizentes com a idade gestacional. Recomenda-


se uso de preservativo até conhecimento do estado sorológico do parceiro.

A conduta durante o trabalho de parto, parto e puerpério não difere para as


mulheres com Hepatite B aguda ou portadoras do HBsAG

• Não há necessidade de isolar a parturiente, mas toda a equipe deve estar atenta
a utilização correta dos equipamentos de proteção individualizada (EPI) em
qualquer procedimento que envolva sangue e/ou excreções.

• Não são recomendadas condutas invasivas sobre o feto como cordocentese ou

109
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

amniocentese.

• Os exames laboratoriais são os mesmo anteriormente descritos.

Durante o parto

A via de parto segue os critérios obstétricos da assistência ao parto, isto é, até o


momento não há indicação de cesárea para as parturientes com HB aguda para redução
da transmissão vertical. A equipe deve estar atenta a utilização correta dos equipamentos
de proteção individualizada (EPI) em qualquer procedimento que envolva sangue e/ou
excreções.

Alguns cuidados são importantes para reduzir a TV do HBV:

• Evitar parto instrumentalizado (fórcipe ou vácuo).

• Evitar episiotomia (se necessário comprimir a incisão com compressa para


evitar ao máximo o contato do sangue materno com o feto).

• Clampar rapidamente o cordão umbilical.

• Neonatologista deve realizar aspiração cuidadosa e delicada da via aérea do


recém-nascido.

• O RN deve tomar banho imediatamente após o parto e receber as medicações


por via intramuscular após o banho.

O RN receberá nas 1ª 12h de vida a vacina e a gamaglobulina hiperimune para o HBV.


Esta medida é fundamental para redução da TV do HBV, pois dependendo da carga
viral do HBV pode evitar a TV em até 98% das mães HBsAg reagentes.

Amamentação: como regra geral a puérpera poderá amamentar seu filho sem aumentar
o risco de TV. A amamentação deve ser iniciada após o RN receber a imunoglobulina
e a 1ª dose de vacina.

Tratamento da gestante portadora do HBV

As recomendações das diretrizes atuais determinam que os recém-nascidos de mães


infectadas pelo HBV devam receber já ao nascimento, imunização passiva com HBIG

110
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

e a vacina regular para HBV, que deve ser completada com as demais doses conforme
as recomendações padrão. Essa abordagem tem eficácia em reduzir o risco de trans-
missão perinatal do vírus B em aproximadamente 95% dos casos, mas é menos eficaz
entre as mães que possuem HBeAg positivo ou que apresentam cargas virais elevadas.
Um nível sérico de carga viral materna superior a 107 IU/mL está associado a um fra-
casso na imunoprofilaxia que pode variar de 5 a 10%. A redução da viremia durante o
último mês de gestação em mulheres com HBsAg positivo e carga viral elevada pode
ser uma medida eficaz e segura para reduzir o risco de fracasso da imunoprofilaxia no
recém-nascido.

Existem duas estratégias distintas para reduzir a carga viral nessas grávidas:

• Terapia profilática: administração de HBIG durante o pré-natal

• Terapia antiviral específica com lamivudina

A terapia profilática é controversa, complexa e ainda não foi bem estudada. Xu e cola-
boradores, em um ensaio clínico prospectivo e controlado, administraram placebo ou
três doses de 200 unidades de HBIG por via intravenosa a cada 4 semanas, a partir da
28ª semana de gestação, em mulheres com HBsAG positivo. Houve uma diferença sig-
nificativa na positividade do DNA-HBV e do HBeAg nos recém-nascidos entre os dois
grupos (taxa de positividade: 25% entre os filhos de gestantes que receberam HBIG
versus 83% entre as crianças nascidas das mães tratadas com placebo). Além disso, a
carga viral era inferior a das mães tratadas e significativamente inferior a dos controles
que não receberam tratamento.

A lamivudina foi o único antiviral estudado para terapia específica. Quando ela foi
administrada nas últimas 4 semanas de gestação se mostrou capaz de reduzir uma vi-
remia acentuada. Van Zonneveld e colaboradores trataram oito gestantes com viremia
elevada (>1,2 x 109 IU/mL) com 150 mg de lamivudina por dia durante o último mês de
gestação. O grupo controle era composto por 24 crianças nascidas de outras mães com
HBsAg positivo e carga viral semelhante. Todas as crianças receberam imunização
ativa e passiva ao nascimento (com vacina para HBV e imunoglobulina, respectiva-
mente) e foram acompanhadas por um período de 12 meses. Sete das oito mães tratadas
com lamivudina apresentaram uma redução de sua carga viral. Em apenas uma das
oito crianças (12,5%) nascidas das mães que receberam esta medicação, o HBsAg e o
DNA-HBV permaneceu positivo aos 12 meses de idade; as demais crianças apresenta-
ram soroconversão para anti-HBs. Entre o grupo controle que não recebeu tratamento,
a transmissão perinatal ocorreu em 7 das 25 crianças (28%).

111
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Outros trabalhos estudaram a eficácia e a segurança da lamivudina para o tratamento


da hepatite B crônica na gravidez. Li e colaboradores investigaram o efeito desta me-
dicação sobre a transmissão intrauterina em comparação com a HBIG. Neste estudo,
com grávidas que apresentavam HBsAg positivo, 56 receberam 200 unidades de HBIG
a cada 4 semanas por via intramuscular a partir da 28ª semana de gestação e 43 foram
tratadas com lamivudina na dose de 100 mg ao dia no mesmo período da gravidez. O
grupo controle, composto por 52 gestantes, não recebeu nenhuma forma de tratamen-
to.

A taxa de infecção neonatal pelo vírus B da hepatite foi significativamente menor entre
os recém-nascidos de mães que recebiam HBIG (16%) ou lamivudina (16%) do que
entre aqueles cujas mães pertenciam ao grupo controle (33%; P < 0,05). Não houve
diferença significativa entre os grupos que recebiam HBIG ou medicação antiviral (P >
0,05). Não foi constatado nenhum efeito colateral entre as gestantes ou seus filhos.

A terapia com lamivudina pode não prevenir a transmissão perinatal da HBV em todos
os recém-nascidos. Kazim e colaboradores relataram a ocorrência de hepatite B crô-
nica em um recém-nascido, apesar da redução da carga viral materna a um nível não
detectável obtida através de terapêutica prolongada com lamivudina. O recém-nascido
recebeu a vacina para vírus B e HBIG, mas ainda assim apresentava aumento das en-
zimas hepáticas e positividade persistente dos testes de DNA para HBV. O DNA-HBV
apresentava semelhanças no sequenciamento e foi constatada a presença da mesma
mutação pré-core, o que indicou a transmissão vertical.

Além da eficácia, outra grande questão é, obviamente, a segurança. Lamivudina, ade-


fovir e entecavir são assinaladas como drogas de categoria C, isto é, têm capacidade de
causar aborto e efeitos teratogênicos em modelos animais; porém, não existem estudos
controlados em seres humanos [3] . Com o surgimento de novos análogos de nucleosíde-
os/nucleotídeos de categoria B, como o telbivudine e o tenofovir (que atualmente está
sendo revisto pelo FDA para uso em hepatite B crônica), novos estudos serão necessá-
rios para avaliar a importância da redução da carga viral durante a gravidez [3,10].

O uso de terapia antiviral durante a gravidez para reduzir a carga viral e o risco de
transmissão do HBV ao recém-nascido é uma estratégia razoável. Contudo, esta medi-
da terapêutica deve ser avaliada em um grande ensaio clínico controlado que compare
a eficácia dos agentes antivirais e HBIG em reduzir a transmissão da infecção pelo
vírus B.

No caso de pacientes com hepatite B em tratamento que engravidam, não há consenso

112
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

sobre o que deve ser feito, devendo-se analisar as possibilidades caso a caso.

Prevenção da HB

Uma das principais medidas de prevenção da infecção é a vacinação para hepatite B


pré-exposição.

A vacinação deve ser rotineiramente aplicada em todos os RN na maternidade.

No Brasil é indicada e realizada gratuitamente até 19 anos de idade. Um dos esquemas


vacinais disponíveis é composto por 3 doses, aplicadas no músculo deltoide no adulto
e no músculo vasto lateral da coxa no RN. O intervalo entre as doses é:

• 1ª dose: tempo zero

• 2ª dose: 30 dias após a 1ª dose

• 3ª dose; 6 meses após a 1ª dose

Imunogenicidade e eficácia

Devido à excelente imunogenicidade da vacina, não está indicada sorologia após a


vacinação, exceto para os grupos de risco, tais como:

• Profissionais da saúde, pacientes em diálise, usuários de drogas injetáveis,


contatos domiciliares e sexuais de portadores de HBsAg positivo,
homossexuais e bissexuais masculinos, heterossexuais promíscuos, história
prévia de doenças sexualmente transmissíveis, pacientes provenientes de áreas
geográficas de alta endemicidade para hepatite B, pacientes provenientes de
prisões, instituições de atendimento a pacientes com deficiência mental.

• Recém-nascidos de mães portadoras do HBsAg.

Nestes casos o teste sorológico deve ser realizado um a três meses após completar o
esquema vacinal e os títulos de anti-HBsAg considerados protetores são superiores a
10 mUI/ml.

Após três doses intramusculares da vacina contra hepatite B, mais de 90% dos adultos

113
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

jovens e mais de 95% das crianças e adolescentes desenvolvem respostas adequadas de


anticorpos. Porém, com a idade, ocorre queda da imunogenicidade e aos 60 anos, cerca
de 75% dos vacinados desenvolvem anticorpos protetores.

Quando não há resposta vacinal adequada após a primeira série de vacinação, grande
parte dos profissionais (até 60%) responderá a uma dose de vacina.

Caso persista a falta de resposta, não é recomendada uma revacinação. Nesta situação
a conduta a ser indicada é 2 doses de gamaglobulina hiperimune para hepatite B com
intervalo de 1 mês entre as doses (HBIG 2x) a cada exposição ocupacional. Para um
profissional de saúde ser considerado não respondedor, o resultado da pesquisa anti-
HBsAg deve ser negativo dentro de 6 meses após a 3a dose da vacina.

A duração da eficácia da vacina persiste por longos períodos, podendo ultrapassar 10


anos. Doses de reforço não são recomendadas a intervalos regulares, devendo ser rea-
lizada somente em alguns casos pós-exposição (conforme descrito abaixo) e em profis-
sionais de saúde que fazem diálise.

Neste último caso, há indicação de repetição anual do AntiHBs e indicação de uma


dose de reforço nos profissionais que apresentem sorologia não reativa.

• Prevenção da HB para o marido e o filho (s) da paciente infectada pelo HBV:

- Solicitar marcadores sorológicos: HBsAg e AntiHBcAg.

- Indicar uso do preservativo até a sorologia anti HBsAg do parceiro tornar-se


reagente.

HBsAg Anti HBcAg Diagnóstico Conduta

Não reagente Não reagente Paciente Vacinar


susceptível

Não reagente Reagente Paciente já teve Não vacinar


exposição

Reagente Não reagente Paciente infectado Não vacinar

Reagente Reagente Paciente infectado Não vacinar

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Recomendações para profilaxia de hepatite B após exposição


acidental

• Exposição acidental a fluidos corporais

A probabilidade de infecção pelo vírus da hepatite B após exposição percutânea é sig-


nificativamente maior que o HIV, podendo atingir até 40% em exposições em que o
paciente-fonte apresente sorologia HBsAg reativa. Após exposição ocupacional a ma-
terial biológico, mesmo para profissionais não imunizados, o uso da vacina, associado
ou não a gamaglobulina hiperimune para hepatite B, é uma medida que comprovada-
mente reduz o risco de infecção.

Profissionais que tenham interrompido o esquema vacinal após a 1ª dose, deverão re-
alizar a 2ª dose logo que possível e a 3ª dose deverá ser indicada com um intervalo de
pelo menos 2 meses da dose anterior. Profissionais de saúde que tenham interrompido
o esquema vacinal após a 2ª dose deverão realizar a 3ª dose da vacina tão logo seja pos-
sível. Para profissionais de saúde com esquema vacinal incompleto, está recomendada
a realização de teste sorológico (anti-HBs) após a vacinação (1 a 6 meses após última
dose) para confirmação da presença de anticorpos protetores.

No que se refere à prevenção da infecção de profissionais de saúde lidando com pa-


cientes infectados pelo HBV, recomenda-se estar vacinado contra o vírus da Hepatite
B, bem como seguir rigorosamente as precauções universais quando em contato com
sangue e líquidos corporais, sejam estes de fonte sabidamente contaminada ou não.

Gamaglobulina hiperimune

A gamaglobulina hiperimune deve também ser aplicada por via intramuscular.

A dose recomendada é de 0,06ml/kg de peso corporal. Se a dose a ser utilizada ultra-


passar 5 ml, dividir a aplicação em duas áreas diferentes. Maior eficácia na profilaxia
é obtida com uso precoce da HBIG (dentro de 24 à 48 horas após o acidente). Não há
benefício comprovado na utilização da HBIG após 1 semana do acidente.

115
FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Paciente fonte
Profissional HBsAg positivo HbsAg HbsAg desconhecido ou
exposto negativo
Não testado *
Não Vacinado HBIG e Iniciar vacinação Iniciar vacinação

Iniciar vacinação
Previamente Nenhuma medida específica Nenhuma Nenhuma medida específica
vacinado com medida
resposta vacinal específica
conhecida e
1
adequada
Previamente HBIG e Nenhuma Se fonte de alto risco4, tratar
vacinado sem medida como se fonte HBsAg positivo
resposta vacinal 1 dose da vacina contra hepatite específica
B2 ou HBIG (2x)3
Resposta vacinal Testar o profissional de saúde: Nenhuma Testar o profissional de saúde:
desconhecida Se resposta vacinal adequada: medida Se resposta vacinal adequada:
nenhuma medida específica específica nenhuma medida específica
Se resposta vacinal inadequada: Se resposta vacinal inadequada:
HBIG e 1 dose da vacina contra aplicar 1 dose da vacina contra
hepatite B 2 ou HBIG (2x) 3 hepatite B 2 ou HBIG (2x) 3


Acompanhamento sorológico

A solicitação de testes sorológicos para o profissional de saúde acidentado deve ser


realizada no momento do acidente:

• Para profissionais de saúde com vacinação prévia para hepatite B: solicitar


o anti-HBs. Caso este resultado seja positivo, não há necessidade de
acompanhamento sorológico deste profissional.

• Para profissionais de saúde vacinados com anti-HBsAg negativo e para os não


vacinados: solicitar HBsAg e anti-HBcAg. Nestes casos as sorologias deverão
ser repetidas após 6 meses da exposição ao paciente-fonte HBsAg positivo ou
paciente-fonte desconhecido.

Caso o profissional de saúde tenha utilizado gamaglobulina hiperimune no momento


do acidente, a realização da sorologia anti-HBsAg só deve ser realizada após 12 meses
do acidente.

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FEBRASGO - Manual de Orientação em Doenças Infectocontagiosas

Os profissionais de saúde que apresentarem HBsAg positivo (no momento do acidente


ou durante o acompanhamento) deverão ser encaminhados para serviços especializados
para realização de outros testes, acompanhamento clínico e tratamento quando
indicado.

A vacina e a imunoglobulina podem ser aplicadas durante a gestação em situação de


exposição de gestantes susceptíveis.

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INFECÇÃO POR STREPTOCOCCUS GRUPO B


(GBS) NA GESTAÇÃO
Conceito e agente etiológico

O estreptococo do grupo B (EGB) ou Streptococcus agalactiae é um saprófita vaginal


encontrado habitualmente no trato genital feminino. A colonização pelo EGB pode ser
transitória, crônica ou intermitente. Na gestante, GBS pode causar infecção urinária e
uterina (endometrite, amnionite) e óbito fetal. Algumas são apenas portadoras do GBS
e não desenvolvem doença, são consideradas colonizadas por GBS. Estima-se que 15
a 40% das gestantes sejam colonizadas por GBS no reto ou vagina. Em 40 a 70 % das
vezes o feto de gestantes colonizadas pode ser contaminado antes ou durante o parto.

O EGB é a principal causa de sepse e meningite em recém-nascidos, é causa frequente


de pneumonia e é mais comum que outras doenças bem conhecidas, como rubéola,
sífilis e espinha bífida. Pode ser responsável pela infecção no organismo materno,
comprometendo a evolução da gestação, provocando abortamento, infecção urinária,
prematuridade, corioamnionite e endometrite puerperal, que podem ser prevenidos
pela identificação e tratamento das gestantes colonizadas.

GBS é a causa mais comum de infecção com risco de vida para o neonato, com alta
morbidade e mortalidade. O uso do consenso para prevenção de doença perinatal por
GBS levou a diminuição importante na incidência desta doença nos primeiros 7 dias
de vida.

Diagnóstico e rastreamento para GBS na gestação

O método de rastreamento é baseado na cultura de secreção vaginal e retal, colhidas por


SWAB, para EGB, entre a 35ª e a 37ª semanas de gestação, para todas as gestantes.

A coleta deve ser realizada obrigatoriamente entre a 35ª e a 37ª semanas de gestação
ou a critério médico. Para coleta de material em grávida, é necessário não tomar banho
ou evacuar até o momento da coleta. Se tiver tomado banho ou evacuado pela manhã,
é possível coletar o material no final da tarde. Fazer inicialmente um swab no introito
vaginal sem utilização de especulo. A amostra deverá ser colhida da vagina inferior,
introduzindo o swab por cerca de 2 cm, fazendo movimentos giratórios por toda a
circunferência da parede vaginal.

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Fazer posteriormente um swab anal introduzindo levemente (em torno de 0,5cm) no


esfíncter anal. Identificar os meios de transporte com os respectivos locais de coleta
(vaginal e anal).

Para conservação, após a coleta, manter os tubos em temperatura ambiente, em meio


de transporte de Stuart, até o envio ao laboratório, que poderá ser em um prazo de até
3 dias.

Uma cultura positiva significa que a gestante é portadora de GBS - e não que ela ou seu
concepto ficarão doentes. Não devem ser dados antibióticos orais antes do parto para
as mães colonizadas porque, neste momento, antibióticos não são capazes de previnir
a doença por GBS no recém-nascido. Uma exceção é quando GBS é detectado na
urina. Neste caso, a mãe deve ser tratada no momento do diagnóstico. Conhecer as
portadoras de GBS na vagina ou no reto é importante no momento do parto - quando
os antibióticos são efetivos na prevenção da transmissão.

Antibioticoprofilaxia:

Para prevenir a infecção neonatal por EGB, o método de escolha é a antibioticoprofilaxia


intraparto, iniciando-se 4 horas antes do nascimento. A eficácia desta profilaxia,
realizada no período intraparto, é estimada em torno de 25 a 30% dos casos, reduzindo
a mortalidade em 10%. A utilização de antimicrobianos antes do trabalho de parto ou
da ruptura prematura das membranas ovulares não se mostrou eficaz. A colonização
materna pode ser reduzida por este método, mas a chance de recidiva mostrou-se
elevada. A única exceção para iniciar o tratamento durante a gestação é a infecção
urinária por EGB.

Indicações de antibioticoprofilaxia intraparto:

Iniciar, após o início do Trabalho de Parto ou no momento da ruptura de membranas,


em:

• Gestantes que tiverem cultura de secreção vaginal positiva para EGB.

• A colonização em gestação anterior não é indicação para antibioticoprofilaxia


nas gestações posteriores, exceto se a colonização persistir;

• Pacientes com EGB isolados na urina em qualquer concentração, durante o

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decorrer da gestação, tratadas ou não, e que evoluíram assintomáticas;

• Antecedente de recém-nascido acometido por doença causada pelo EGB em


parto prévio, não sendo necessária a pesquisa para EGB na gestação atual.

• Casos em que o resultado da cultura não é conhecido ou a cultura não foi


realizada,

Recomenda-se ainda antibioticoprofilaxia quando existir algum dos fatores de


risco abaixo:

• Trabalho de parto ou ruptura de membranas em gestação com menos de 37


semanas.

• Ruptura das membranas ovulares há 18 horas ou mais.

• Temperatura materna intraparto maior ou igual a 38º C.

Observação: Mulheres com rastreamento para EGB negativo ao redor de 5 semanas


antes do parto não necessitam de profilaxia intraparto, mesmo apresentando fatores de
risco (Idade gestacional < 37 semanas, duração da ruptura de membranas > de 18 horas
ou T> de 38ºC).

A antibioticoprofilaxia intraparto

A antibioticoprofilaxia deve ser introduzida e mantida até o momento do nascimento.


Recomenda-se o uso da penicilina G 5 milhões UI endovenosa como dose de ataque,
seguida de 2.500.000 UI endovenosa de 4 em 4 horas.

Como alternativa pode ser usada a ampicilina na dose de 2,0 gramas endovenoso
como dose de ataque seguida de 1,0 grama endovenoso a cada 4 horas. No caso de
pacientes alérgicas a penicilina deve-se usar eritromicina ou clindamicina, dependendo
da sensibilidade do EGB na cultura, pois existem relatos de resistência desta bactéria
a estes antimicrobianos. O uso de vancomicina está reservado as pacientes alérgicas à
penicilina e cuja cultura mostrou resistência a eritromicina e a clindamicina.

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CITOMEGALOVÍRUS

Conceito e etiologia

O citomegalovírus (CMV) é o maior vírus da família herpesviridae e apresenta a


capacidade de estabelecer infecções persistentes, latência e reativação. O homem e os
primatas são os reservatórios naturais.

Sua importância em saúde pública se deve à morbidade da infecção perinatal. Alguns


dados norte-americanos sugerem que nos últimos 20 anos, mais de 800.000 fetos foram
infectados e mais de 50.000 nasceram com doença sintomática. Vários morreram e a
maioria dos sobreviventes apresentou sequelas, incluindo retardo mental, cegueira e
surdez, resultando em um custo anual de mais de 2 bilhões de dólares. Além desses,
outros 120.000 nasceram assintomáticos, mas terão sequelas neurológicas (ACOG,
2000).

O CMV apresenta distribuição universal, acometendo todas as classes sociais; nos


Estados Unidos, a prevalência é de 85% em adultos de 40 anos ou mais e na África é
de 100%.

Transmissibilidade: A transmissão do vírus acontece de pessoa a pessoa, pelo contato


íntimo com secreções.

- saliva

- urina

- leite materno

- sangue

- secreções vaginais

- sêmen

Também pode ocorrer através do contato indireto com materiais inertes contaminados
(brinquedos, etc) ou ainda por transfusão de sangue ou transplantes.

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Vários fatores estão associados à presença da infecção por CMV; entre eles: baixo nível
socioeconômico, raça não branca, idade inferior a 30 anos, menor nível educacional e
contato próximo com crianças.

Ele é a principal causa de infecção congênita, sendo encontrado em 0,5 a 2% de todos


os recém-nascidos.

Fisiopatogenia

Após o contato com o vírus, indivíduos suscetíveis apresentarão replicação viral epitelial
na área de inoculação e, após alcançar a circulação sistêmica, ele pode se replicar e ser
excretado em diversos fluidos corporais. A maioria dos indivíduos imunocompetentes
não irá manifestar quadro clínico associado à infecção pelo CMV. Mais frequentemente,
a infecção primária pelo CMV que resulta em quadros sintomáticos ocorrerá em
imunodeprimidos.

Apesar de assintomática na maioria dos indivíduos, cerca de 15% dos imunocompetentes


irá manifestar quadro de síndrome de mononucleose-like, caracterizada por febre,
faringite, linfadenopatia e poliartrite. Como todas as infecções dos vírus da família
herpes, a imunidade prévia não previne a recorrência. Após a primo infecção, ele
permanecerá latente, na maioria das vezes, nas glândulas salivares.

INFECÇÃO MATERNA

Não há evidência de que a gestação aumente o risco ou a severidade da doença materna.


A maior parte das grávidas terá infecções assintomáticas (ao redor de 85%). O risco de
soroconversão de gestantes suscetíveis fica ao redor de 1 a 4%. Imunidade pregressa
pode ser observada em mais de 80% das mulheres de nível sócio econômico menos
privilegiado, enquanto menos de 50% das mulheres das classes sociais mais elevadas
apresentam evidência prévia da infecção.

O risco de infecção fetal é maior na “primo infecção” materna e se essa ocorrer nas
primeiras 20 semanas de gestação. Aparentemente a infecção materna recorrente
apresenta menor severidade para o feto com pequeno risco de sequelas.

O grande problema na gestação é a dificuldade diagnóstica da infecção pelo CMV, já


que a maioria das gestantes é assintomática, com diagnóstico difícil da infecção recente
pelos problemas referente à interpretação de sorologias em gestantes.

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INFECÇÃO CONGÊNITA

A doença de inclusão citomegálica neonatal é uma síndrome caracterizada por baixo


peso, microcefalia, calcificações intracranianas, coriorretinite, retardo mental e de
desenvolvimento motor, déficits neurossensoriais, hepatoesplenomegalia, icterícia,
anemia hemolítica e púrpura trombocitopênica. Cerca de 20% das crianças nascidas
de mães com infecção primária serão sintomáticas ao nascimento contra nenhuma do
grupo nascido de mães com recorrência. Após seguimento de 5 anos, cerca de 25%
dos recém nascidos de infecção primária e 8% das recorrentes apresentarão doença
sintomática.

A principal via de disseminação é a hematogênica; primeiro ocorre a infecção placentária


com replicação viral e depois a contaminação fetal. A infecção por via ascendente dos
genitais maternos é rara, mas provável: primeiro ocorre a infecção do líquido amniótico
que, ao ser deglutido pelo feto infecta a orofaringe fetal e após a disseminação da
infecção.

Raynor et al., 1993.

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Diagnóstico laboratorial

- Fixação de complemento

- ImunofluorescênciA

- ELISA

- Immunoblot

- Cultura em fibroblasto

- PCR (polymerase chain reaction)

Além desses, o teste de avidez de anticorpos IgG pode auxiliar na determinação do


tempo de infecção.

De maneira geral, a técnica de ELISA, através da detecção do anticorpo de classe


IgM sugere a presença de uma infecção recente. Infelizmente, na gravidez, devido aos
aspectos imunológicos da gestante, essa subclasse de anticorpos pode ser falsamente
detectada por reação cruzada com auto anticorpos ou por persistência de IgM por
períodos prolongados após a infecção primária pela excessiva sensibilidade das
técnicas laboratoriais da geração ELISA (IgM residual). A tentativa de utilizar a técnica
de avidez de anticorpos de classe IgG tem sido dificultada pela impossibilidade de
estabelecer um cut off adequado que sugira, de fato, uma infecção recente. De maneira
geral, a detecção de uma avidez superior a 60% sugere uma infecção há mais de 12
semanas e uma avidez inferior a 30% sugere infecção nos últimos 3 meses. Entre 30 e
60% o teste é considerado inconclusivo.

Outra opção para se tentar confirmar uma infecção recente é a utilização de técnicas
de biologia molecular, o PCR (polymerase chain reaction). Como o vírus se replica
largamente nos túbulos renais e alcança elevada disseminação sanguínea, a realização
desse teste em urina e sangue maternos auxiliará a definição de existência de viremia
ou virúria, confirmando uma infecção recente.

O diagnóstico da possível infecção fetal apresenta algumas dificuldades. Menos de


20% dos fetos infectados apresenta produção de anticorpos de classe IgM; assim, a
utilização da cordocentese para realização de sorologias fetais será de pouco auxílio. Já
que o principal sítio de replicação viral do CMV no feto é o túbulo renal, a realização da

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pesquisa do vírus na urina fetal e, consequentemente no líquido amniótico é considerada


a melhor opção na avaliação da infecção fetal, apresentando também menores riscos
quando comparamos a amniocentese e a cordocentese. A utilização da amniocentese
para realização do PCR para CMV deve ser feita apenas após a 21ª. Semana de gravidez
ou, no mínimo, seis semanas após a suspeita da infecção primária materna.

Além da realização do PCR qualitativo no líquido amniótico, a quantificação da


carga viral no líquido pode auxiliar a predição de infecção fetal sintomática: quando a
Carga viral for superior a 100.000 cópias, há uma forte correlação com doença fetal
sintomática.

Tratamento

O CMV é relativamente insensível ao aciclovir e aparentemente sensível ao


ganciclovir. Entretanto a instituição de tratamento em gestantes imunocompetentes
não muda o curso da doença fetal.

ATENÇÃO: Grávidas sem acometimento da imunidade não há recomendação de


tratamento durante o período gestacional.

Quando uma infecção acontece logo no início da gestação, a possibilidade de


acometimento fetal é maior. Nessa situação, a administração de imunoglobulina
hiperimune específica para CMV poderia ser eficaz para o tratamento e a prevenção
da infecção fetal; ela provavelmente atuaria reduzindo a inflamação placentária,
neutralizando os vírus e talvez reduzindo a resposta imune celular mediada por
citocinas.

O uso de imunoglobulinas é também uma opção de abordagem para fetos com alterações
ecográficas e infecção pelo CMV, por via venosa ou intra-amniótica. Entretanto o custo
da sua utilização é elevado e serão necessários maiores estudos para avaliação de sua
real eficácia.

• Rastreamento no pré-natal

Frente às dificuldades de diagnóstico laboratorial e a falta de elementos que nos auxiliem


a confirmar a real existência de infecção recente, além do fato de que a maioria das
infecções ocorrerá por reinfecção, o que desvaloriza a realização rotineira da sorologia
no pré-natal.

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Não existe recomendação para o rastreamento rotineiro do CMV em gestantes com


imunidade adequada.

A realização de rastreamento no pré-natal deve ser reservada para gestantes com


imunodepressão pelo HIV, por doenças autoimunes, transplantadas, ou aquelas em uso
de imunossupressores.

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2010

Federação Brasileira das Associações


de Ginecologia e Obstetrícia

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