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FILOSOFIA DO SILÊNCIO: A EXCLUSÃO DAS MULHERES DA HISTÓRIA

DO PENSAMENTO - ANTIGUIDADE

DA COSTA, Fernanda Alves¹; CHAGAS, Flávia Carvalho²

¹Universidade Federal de Pelotas; Filosofia Bacharelado - landaciccone@gmail.com

²Universidade Federal de Pelotas; Departamento de Filosofia - flaviafilosofiaufpel@gmail.com

1. INTRODUÇÃO

Falar sobre uma Filosofia feita por mulheres é expor, mais uma vez, uma
longa série de injustiças, desigualdades e suas consequências na história da
própria Filosofia, profundamente marcada pelo pensamento patriarcal, pela
história do pensamento que foi escrita pelos homens. Vemos claramente a
diferença oferecida ao pensamento feminino e, mais especificamente, às
pensadoras, mesmo dentro da Academia. Sua produção é pouco explorada –
quando o é. Abstrai-se de falar em uma Filosofia Feminista, pois isso, além de
exigir uma releitura de toda a História da Filosofia, e daqueles que produziram
conhecimento, também implica em rever o ideal de “natureza”, seja do homem,
da mulher ou da humanidade.

Esse ideal de “natureza” é o que dá utilidade aos seres, e isso acontece de


acordo com a necessidade de constituição e aos interesses do poder. A
“natureza” idealizada pelos pensadores ao longo da história da humanidade é
aquilo que limita o ser social e natural.

A Filosofia, ainda hoje, não reconhece de forma adequada as mulheres que


exerceram o ofício do pensamento. Quantas pensadoras têm suas obras
abordadas nas cadeiras obrigatórias de um curso de Filosofia? Quantas vezes
se investiga conceitos como “mulheres”, “gênero” e “feminino”? O filósofos
homens, ocuparam-se muitas vezes de encontrar um lugar no mundo para as
mulheres, pois, de acordo com eles, elas possuíam ‘inferioridade intelectual’.

O próprio Sócrates enxergava as mulheres como uma ameaça ao se


aproximarem do poder, pois a ameaça política das mulheres implicaria
automaticamente na defesa de direitos de um grupo que, foi excluído da vida
pública e reduzido ao âmbito privado, como objeto possuído por um senhor e
para servir a este. Raras eram as mulheres a quem se era permitida a
participação na vida pública, a liberdade e o direito de voz na Pólis.

2. METODOLOGIA

Diante da forma como a mulher fora tratada ao longo, não apenas da


História da Filosofia, mas também da História da Humanidade, esta pesquisa
se divide em fases históricas e pontua alguns personagens. No caso específico
desta apresentação, nos remeteremos apenas até o fim da Antiguidade
Clássica que, segundo WIDER (1986) e BERNAL (1987), teria sido marcado
pelo assassinato da filósofa Hipátia de Alexandria.

Para tal investigação, faremos uso de obras de PLATÃO e ARISTÓTELES,


como O Banquete e A Política, inclusive suas referências à Sócrates; e
também investigamos personagens como Aspásia de Mileto, Diotima de
Mantinea e Safo de Lesbos, e em especial, a própria Hipátia de Alexandria e
seu círculo de discípulos, devido a importância cultural e política que a figura
de Hipátia possuía como filósofa e cientista no final do período Clássico.

E para abordar essas mulheres dentro da História da Filosofia, faz-se


necessário uma investigação sobre a condição feminina na Antiguidade. Dentre
elas a prostituição grega, como no caso das hetairas, que foram prostitutas
independentes e de boa educação, que acompanhavam figuras importantes da
Grécia Antiga, e acabavam por desempenhar atividades intelectuais entre os
homens.

No caso de Hipátia é importante observar sua grande influência política em


Alexandria, pois além de filha de um importante pensador de Alexandria,
encontrava-se cercada de homens poderosos. Autoridades políticas e
religiosas figuravam entre os discípulos da filha de Téon. E isso provavelmente
lhe garantia o privilégio da vida pública. Contudo, autores com LUMPKIN
(1984) afirmam que “dada a conduta que adotava aparecendo em lugares
públicos, bem como o seu comportamento e discurso insubmissos”, foi
necessariamente africana e não grega.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao explorar pensadores e suas obras, como Aristóteles e sua A Política, vê-


se claramente os princípios e a fundamentação da exclusão das mulheres da
vida qualificada do discurso e do pensamento. Princípios e fundamentações
que ganharão força com o passar dos séculos, com argumentos de filósofos
como Kant, além do reforço de doutrinas religiosas que, com o assassinato
cruel de Hipátia, iniciam literalmente a caça às bruxas.
O pensamento de Aristóteles a cerca do lugar das mulheres no mundo é
certamente um dos assassinos da pensadora mais importante de Alexandria.

VALLE (2008) usa o mito do nascimento de Atena, deusa da Filosofia, que


nasce da cabeça de um homem e não do ventre de uma mulher, para explicitar
que desde os mitos tenta-se, em vão, desvincular a Filosofia do feminino e do
corpo. “Isso marca uma preferência da deusa da Razão, desde o início, pela
forma de produção que vem da cabeça (e dos homens) em oposição à
produção que vem do corpo (e das mulheres) (VALLE, 2008).”

Complementando essa informação, TIBURI (2003) coloca que, enquanto


tema ou topos de uma história da Filosofia escrita por homens, as mulheres
são um assunto que entrelaça motivos políticos, estéticos e metafísicos:
“Sócrates – esse filho de parteira – sabia de seu poder e de sua ameaça
(ameaça política que implica a defesa de direitos) e, por isso, copia-lhes, num
gesto de curiosa inveja, o procedimento corporal do parto elevando-o a
método: a maiêutica é o parto das ideias que cabe aos homens, enquanto às
mulheres cabe o parto do corpo (TIBURI, 2003).”

4. CONCLUSÕES

Pouco estuda-se, especialmente no Brasil, a respeito do pensamento


produzido pelas mulheres no decorrer da História da Humanidade.
Investigadores modernos, como Druon, sustentam que Hipátia tenha estudado
Filosofia na escola de Plutarco, em Atena, até o ano 370, com Asclepigênia,
filha do próprio Plutarco. Por isso faz-se necessário também um estudo do
círculo de convivência destas mulheres, afim de identificar quem eram as
pessoas que as rodeavam e que permitiram que elas tivessem acesso ao
conhecimento, até então, e ainda hoje de certa forma, território masculino.

Os filósofos do passado se ocuparam da mulher enquanto tema de


Filosofia. Os filósofos do presente, se silenciam e tentam justificar que as
mazelas causadas no passado são “frutos do seu tempo”. Talvez seja uma
debilidade da razão que eles usavam, assim como uma incompetência de sua
racionalidade, pois não foram capazes de levar seus próprios raciocínios às
últimas consequências. Seria esse silêncio atual o fruto do nosso tempo? Uma
forma de criar uma Filosofia do Esquecimento perante o fato de não sabermos
como rever os erros historicamente cometidos?

As mulheres já mostraram que são capazes do exercício do pensamento, e


produziram conhecimento mesmo silenciadas. Mas o espaço a ser conquistado
pelas mulheres no meio filosófico – e talvez em outros meios também – do
nosso tempo deve ser de construção de voz; um direito que foi negado durante
toda a História da Humanidade, ou a História dos Homens.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Política. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Editora Nova


Cultural Ltda, 1999.

DZIELSKA, M. Hipátia de Alexandria. Lisboa, Relógio D’Água Editores, 1995.

EGGERT, E.; MENEZES, M.; TIBURI, M. (Orgs.). As Mulheres e A Filosofia.


Antologia. São Leopoldo, Ed. UNISINOS, 2002.

MINARDI, C. Hypatia of Alexandria. Graduate English Association New Voices


Conference, 2008. Paper 10.
http://digitalarchive.gsu.edu/english_conf_newvoice_2008/10

MINARDI, C. Re-Membering Ancient Women: Hypatia of Alexandria and her


Communities. English Dissertations. 2011. Paper 67.
http://digitalarchives.gsu.edu/english_diss

PLATÃO. O Banquete. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural,


1991.

RUSSELL, B. História da Filosofia Ocidental: Livro Primeiro. São Paulo,


Companhia Editora Nacional, 1969.

SANTORO, F. Arqueologia dos Prazeres. Rio de Janeiro, Objetiva, 2007.

TIBURI, M.; VALLE, B. (Orgs.). Mulheres, filosofia ou coisas do gênero. Santa


Cruz do Sul: Editora EDUNISC, 2008.

WIDER, K. Women Philosophers in the Ancient Greek World: Donning the


Mantle. Hypatia: A Journal of Feminist Philosophy 1.1. San Francisco, Spring.
1986. 21-62.

SUDA On Line: Bizantine Lexicography. www.stoa.org/sol/

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