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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


INSTITUTO DE HISTÓRIA

Logos Gunaikos: as mulheres e a palavra no contexto da democracia ateniense (sécs V-


IV a.C.) –
Memorial e Título da Conferência
Promoção para a classe de professor Titular

Marta Mega de Andrade

Rio de Janeiro
Outubro de 2020
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Logos Gunaikos: as mulheres e a palavra no contexto da democracia ateniense (sécs V-


IV a.C.)

Introdução – pequeno histórico de um questão para a vida

“Eu não sou feminista”.


Esta frase foi escrita na conclusão de minha dissertação de mestrado, defendida em
1994 na pós-graduação em História da UFF perante banca examinadora formada pelos
professores doutores Vânia Leite Fróes (ICHF-UFF), então minha orientadora, Ulpiano Toledo
Bezerra de Meneses (FFLCH-USP), e Ciro Flammarion Santana Cardoso (ICHF). Na mesma
conclusão eu afirmava:
No relais que representa, entre a cidadania e a alteridade, o feminino constrói-se sobre o
estranhamento, a diferença, a ambiguidade, a pluralidade dos estatutos. Em cada caso, não é o
universo privado e doméstico da mulher que se evidencia, mas a presença pública da mulher na
pólis. É lícito afirmar a cidadania feminina, ou seja, a relação própria entre o feminino e o imaginário
político na Atenas clássica, constituída sobre esta mesma alteridade que a mulher presentifica. Se a
cidadania feminina é "feita" a partir da experiência da alteridade, a relação própria, ligação sem
intermediários, do feminino à pólis, desvenda, na compreensão da cidade como cosmos humano,
um fundamento de estranhamento, de alteridade. Desvenda a compreensão do convívio humano
estabelecido na pólis como artifício, como mechané. Não é sem sentido que, em Atenas, fez-se
representar aos pés da estátua da deusa epônima a relação entre a autoctonia e a alteridade, unindo
Erictônio a Pandora. Tanto a identificação dos cidadãos ao solo nutriz da pátria ateniense, quanto a
presença do estranho no seio da organização humana dela derivada, são duas faces de uma mesma
vivência política: a da democracia, na Atenas do século V a.C (Andrade 1994, retomada em
Andrade, 2001, p. 166)

Publicada em 2001 com o título A cidade das mulheres: cidadania e alteridade


feminina na Atenas clássica (ver Dossiê 8 anexo ao Memorial),1 a dissertação refletia o apelo
inesperado da palavra das mulheres — ou sobre as mulheres — na minha pesquisa. Pois se o
que eu tinha em mente no início era estudar a tragédia grega, acabei direcionando a pesquisa,
contudo, para a face dupla do feminino nos textos literários da Atenas clássica, face de um
binarismo tão ambíguo como ambíguas costumam ser as projeções sociais normativas sobre a
vida: de um lado, a boa esposa, mulher abelha; do outro a falsa, emocionalmente instável e
dada a feitiços e outras artimanhas, simplesmente a “raça das mulheres”. E eu que esperava

1
Toda a produção intelectual de minha autoria aqui citada pode ser consultada na íntegra no Dossiê 8, anexo ao
Memorial.
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uma pólis tão silenciosa sobre as mulheres quanto aquela que aparecia para mim na literatura
dos estudos clássicos do século XX, acabei encontrando uma filosofia e uma poesia radicadas
em Atenas bastante prolixas em torno da inclusão/exclusão feminina, praticamente uma ideia
fixa na discussão da vida política, no debate sobre a atuação do problemática do sujeito homem
e cidadão. Posso descrever meu sentimento quando “descobri” que havia uma política no e para
o feminino a ser explorada nos estudos sobre a pólis ateniense? Total estranhamento.
Por me parecer estranho naquele momento, era constrangedor que, do ponto de vista
acadêmico, eu estivesse sendo levada a afirmar contra todas as evidências dos manuais de
história antiga que me guiavam até então que havia uma “cidadania feminina” possível na pólis
ateniense clássica. Lembro-me da minha defesa e da sugestão do professor Ciro Flammarion
Cardoso na ocasião, para utilizar, ao invés de “possível”, “virtual”. Tudo a ser decidido no
campo das representações do feminino, de qualquer modo. E daí que, em 1994, sentia na pele
aquilo que vim a ler anos mais tarde num texto de Joan Scott sobre a “lógica do suplemento”
(1992): você entra na sala vestindo jeans, camiseta e tênis rainha, mal saiu da graduação e
afirma que havia em Atenas uma expectativa de cidadania feminina, ou uma cidadania feminina
possível? Eu não era inglesa, francesa, alemã. Eu não tinha estrada, nunca tinha ido ao exterior.
Minha palavra era um risco e o mínimo que eu podia fazer em 1994 era defender a neutralidade
do trabalho e portanto sua verdade, reafirmando “eu não sou feminista”, como quem enfatiza
não ter nenhuma agenda do nosso tempo por trás da tese. “Não, não estou politizando nem
poetizando a história pois não tenho outro interesse senão adicionar uma personagem que, no
mínimo, torna pensável um lado obscuro da política, uma faceta pouco conhecida da pólis que
seria, nesse caso, a de organizar uma experiência de vida coletiva com a exclusão de um sujeito
que não pode ser excluído e, assim, pensar os limites da exclusão e do poder”. Desse modo eu
pensava poder me livrar do “incomodo” de entrar para a história das mulheres “suplementando”
a história da pólis.
Mas por que voltei tanto no tempo para dar início ao relato de uma biografia acadêmica?
Porque acredito ter demonstrado com a dissertação de mestrado, em uma análise
eminentemente literária da figuração do feminino, que a pólis poderia ser vista como um espaço
aberto e tensionado por uma multiplicidade de estatutos, mascarados quando as análises
políticas em termos de cidade-estado e suas instituições procuravam definições como as de
cidadãos ou nãos cidadãos, espaço público e espaço privado, homem e mulher, livre e escravo,
grego e bárbaro. Ainda restava, entretanto, todo um trabalho a fazer para possibilitar uma
interpretação histórica dessa “abertura” da cidade antiga a uma pluralidade de estatutos,
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integrando num espaço urbano fortemente impregnado pelo simbolismo e pela prática política
uma população, ou melhor, habitantes, cidadãos ou não. Esse é um marco de fundação, não
tanto uma origem. Fundação do que se transformou na pesquisa de uma vida. Nessa fundação
encontra-se a relação entre política e mulheres (não necessariamente o “gênero”), a exploração
do possível como tema (ver Andrade 2004a e 2019) e a descoberta
— esta com maiores consequências para a minha trajetória — de que pensar a fronteira, o
possível, abria caminho para pensar as mulheres como agentes com relação à pólis e suas
instituições (Andrade, 2018). Por conta da necessidade de cortar a narrativa histórica e
introduzir nela não um suplemento mas uma outra história, posso dizer que meus estudos se
dividiram em quatro frentes: história da pólis ateniense, história das mulheres e das concepções
de gênero, teoria e filosofia da história, por fim, poder, política e discurso. História,
Antropologia, Arqueologia, Filosofia.
A tarefa foi ganhando corpo antes mesmo que eu ingressasse no doutorado em História
Social na USP em agosto de 1995, ao longo de um ano de discussões com meu orientador, o
prof. Dr. Ulpiano T. Bezerra de Meneses. Como resultado dessas discussões, apresentei à
Fapesp em setembro de 1995 o projeto de pesquisa O Espaço como Prática e Experiência
Social: a pólis ateniense clássica (Dossiê 1). Com o projeto aprovado em dezembro de 1995,
prossegui com meus estudos, tendo redigido quatro relatórios (1996/ 1 e 2, 1997/ 1 e 2),
publicado quatro artigos, e apresentado quatro comunicações (uma delas no seminário de linhas
de pesquisa em história cultural, promovido em 21 de outubro de 1997 pela pós-graduação em
História Social da USP). Cada um desses trabalhos marca um momento da pesquisa, um ponto
de inflexão, assim como este Memorial busca sua interseção e, provavelmente, novas inflexões.
As disciplinas que cursei como aluna do curso de doutorado em História Social da USP —
Elementos para uma Abordagem Geográfica do Cotidiano, ministrado pelas profªs Odete C. de
Lima Seabra, Ana Fani A. Carlos, e Amélia Luísa Damiani no segundo semestre de 1995 (pós-
graduação em Geografia), e Fontes Materiais na Pesquisa Histórica, ministrada pelo prof. Dr.
Ulpiano T. Bezerra de Meneses no segundo semestre de 1996 —, e a prática docente na UFRJ,
iniciada em agosto de 1997, completam o quadro deste percurso inicial. Graças a uma série de
estudos e de discussões levadas à cabo no contexto das disciplinas que cursei no doutorado,
entrei em contato com as obras de Henri Lefebvre (1973 e 1991), Michel de Certeau (1998),
Marshall Sahlins (1977), Richard Sennett (1994) e outros autores que não posso deixar de citar
em minha bibliografia, produzindo-se assim um diálogo extremamente frutífero e esclarecedor,
moldando o perfil de meu próprio estudo e minha perspectiva.
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Se na dissertação de mestrado importava compor a mútua necessidade de identidade e


diferença na própria experiência da cidadania, na pesquisa do doutorado era preciso ultrapassar
o político como ponto de partida, para visualizar, na cidade, múltiplos espaços de práticas
sociais para a construção dinâmica da política. Isto forneceria uma contribuição aos estudos da
cidade antiga em sua especificidade como espaço urbano e espaço político, além de trazer à
tona a ligação entre a “político-polis” (comunidade de cidadãos) e a “geopolis”, a cidade
habitada inclusive pelas mulheres de famílias cidadãs ou não (ver Andrade 2002). Neste
sentido, é correto considerar minha tese defendida em novembro de 2000 como um
aprofundamento da questão da participação da mulher na cidade grega clássica, mas também
como uma ruptura na perspectiva de abordagem, na medida em que o enfoque passou a incidir
sobre práticas espaciais e cotidiano (ver Andrade, 1998), numa perspectiva que, futuramente,
passei a denominar “constituinte” da pólis (ver Andrade 2019b).
Tal busca me levou primeiramente aos Trabalhos e os Dias, de Hesíodo. Analisando a
forma como o poeta beócio tematizava a ocupação do espaço habitado pelos “homens mortais”
com tarefas “efêmeras” (no dia ou sobre o dia), percebi imediatamente que não seria possível
compreender a dimensão do habitar sem compreender a estilização da vida cotidiana contida
na experiência do “efêmero”. Vivência do espaço habitado estava, a meu ver,
indissociavelmente ligada ao tempo efêmero, a “vida no dia”, classificação que vi retornar em
Aristóteles (Política) e Platão (basicamente As Leis). Minha primeira tarefa seria, nesse caso,
analisar as características do “habitar” na dimensão da vida cotidiana, abandonando o registro
dos “usos e costumes” para seguir a abordagem de Michel de Certeau, para quem o cotidiano
é tempo-espaço de estratégias e táticas. Com isso, pude perceber que os textos gregos que
tratavam do assunto separavam claramente o habitar do “praticar a pólis”, ligando o primeiro
ao tema das necessidades da vida e o segundo – a política – à prática continua que almeja a
vida qualificada, a boa e bela vida do homem político. Mas a pólis, em si, parecia conter em
sua própria percepção essa ambiguidade: de um lado, espaço habitado (a ponto do cidadão ser
compreendido como oikountes, aquele que habita), do outro, o espaço cívico, apropriado para
e pelas famílias cidadãs para criar, na concretude de uma experiência do habitar, seu privilégio
de enraizamento territorial. A político-pólis e a geopolis não se apartariam, assim, como duas
dimensões (institucional e geográfica) mas se entrelaçariam uma na outra, de forma que a
dimensão política ultrapassaria a comunidade de cidadãos em direção a uma comunidade de
habitantes.
Minha tese de doutorado foi publicada em 2002 sob o título A Vida Comum: espaço,
cotidiano e cidade na Atenas Clássica (ver Dossiê 8). Buscou mostrar como, do ponto de
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vista da pólis praticada e habitada, o espaço cívico poderia funcionar como um tópico
recorrente do discurso, um projeto de consenso reiterado para negociar cotidianamente os
privilégios dos cidadãos sobre o espaço habitado. E foi por esse caminho que reencontrei a
questão feminina sob uma outra ótica. Noções como as de dimensão cotidiana, política do
cotidiano, espaço doméstico indissociado de vida comum e, por fim, projetos de consenso,
conferiram inteligibilidade e me permitiram construir conceitualmente o tema da “pólis das
mulheres” (2002, 2004b, 2005, 2009b, 2010a e 2014a e b).
Um dos primeiros destaques a fazer nessa trajetória: a ruptura com a noção abstrata de
que a pólis, como esfera pública, se opõe ou complementa o oikos. Não seria possível negar
que a relação entre oikos e polis era tema importante nas discussões políticas e na teoria da
pólis que sucede o V séc a.C. Mas é necessário colocar a formulação em seu devido lugar,
como uma forma de representar um mundo cindido entre cidadãos e não cidadãos para os quais
a pólis vem, antes de tudo, como espaço compartilhado, habitado, negociado, dinâmico. Do
mesmo modo que abstraía o corpo político — seguindo aqui as teses de A Invenção de Atenas,
de Nicole Loraux (1994) — a pólis abstraía do espaço social o espaço cívico reservado ao uso
político, econômico, religioso das famílias cidadãs (Andrade 2002). Comecei a tratar a “pólis”,
a “sociedade políade”, como tópico de um discurso voltado para a preeminência cidadã sobre
o espaço habitado e, com isso, a distinção entre público e privado passou a emergir como
prática discursiva, um projeto de consenso tendo como ponto de aplicação a reiteração
cotidiana de um privilégio cidadão sobre o território ou o espaço habitado. Esse foi o tema do
capítulo 3 de minha tese de doutorado, cuja percepção final foi a formulação de uma noção
provisória de espaço doméstico, para conferir alguma visibilidade às práticas dos habitantes
expressadas pelas fontes do período clássico como kat’oikian (morar/estabelecer-se “sobre”).
Espaço doméstico queria assim significar espaço social vivido e praticado pelos habitantes e o
desafio era reconectar essa dinâmica cotidiana da vida à pólis à política, tendo como
fundamento a pergunta sobre a cidadania possível das atenienses (ver Andrade 2002, 2005,
2009b, 2010a e 2014b). Posteriormente, tanto a noção provisória de espaço doméstico quanto
a percepção de que a prática política exigiria “alguma ideia” de cidadania feminina foram
abandonadas, melhor dizendo, ultrapassadas com os aportes de novas pesquisas e estudos, no
campo da arqueologia e no campo da filosofia. Deixei de perseguir uma dimensão política para
a qual a “cidadania” se configuraria como condição legítima da participação no governo para
tentar compreender, afinal, como seria possível visualizar ao menos a expectativa social sobre
uma prática política efetiva das
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mulheres. Abordarei com maior profundidade essa questão na conferência Logos Gunaikos: as
mulheres e a palavra no contexto da democracia ateniense (sécs V-IV a.C.).
Hoje, dia 30 de janeiro de 2019, início a redação deste memorial sob o verão mais
quente e os tempos mais sombrios que vivi nessa vida. Constato que não posso separá-los do
meu amuo diante da página em branco. São mais de 25 anos de pesquisas a serem urdidos nessa
trama da memória. Estudos, que me levaram da história antiga grega à filosofia e à filosofia da
história, de volta à história antiga grega para despensá-la, como diz Vlassopoulos (2007), e
nesses mais de 25 anos a questão nunca deixou de girar em torno das mulheres, da subjetividade
histórica das mulheres, ou seja, a ação política que perpassa o campo das relações sociais,
definindo papéis como os de gênero (binário) e desestabilizando, porque a política e o poder
no que se refere às mulheres na História são instabilidade e conflito, não gerenciamento do
status quo. O memorial que vos apresento agora trata, portanto, de como me tornei feminista
seguindo o exemplo das mulheres de Atenas e ao mesmo tempo por que essa história é uma
história possível, digo a história das mulheres quando as mulheres são banidas da história e os
arquivos oficiais não guardam suas recordações senão como a miscelânea dos arquivos de seus
maridos, entrelinhas e detalhes da vida (privada) de homens ilustres.
Divido a narrativa dessa trajetória em quatro fases e duas partes que procurarei, na
medida do possível, discutir dentro de cada fase. A meta da primeira parte é demonstrar como
minha atuação profissional — ensino, pesquisa e extensão — se construiu em torno do eixo
escrita da história/ história das mulheres/Grécia antiga/ filosofia do poder/ política. A segunda
parte é dedicada a alinhavar o trajeto profissional com a estruturação de uma pesquisa,
propriamente com a discussão do estado da questão que comecei a esboçar na introdução.

1. Por vocação: 1997-2005

Ingressei na UFRJ em 31 de julho de 1997, por concurso público, como professora


assistente na área de História Antiga do então Departamento de História, passando a professor
adjunto (2001) e prof. associado (2010).2 Nesse tempo, tenho tentado sempre pautar minha
postura profissional por duas diretrizes: primeiro, no que se refere à formação dos

2
Para todos os comprovantes como certificados, declarações, fichas funcionais, etc, remeto ao Relatório de
Atividades que faz parte desse processo.
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alunos na graduação e na pós-graduação, entendo que a síntese entre atividades didáticas


regulares, atividades de pesquisa, orientação e extensão é o que define o que fazemos como
professores na Universidade; portanto, preciso considerar não apenas as disciplinas formais
como foco do “trabalho acadêmico efetivo”, mas a orientação e, sobretudo, a consolidação de
grupos e linhas de pesquisa cujas atividades promovem a inserção dos alunos em pesquisa e
extensão. Em segundo lugar, num curso de graduação na universidade pública, financiada
integralmente pelo Estado e recebendo verbas de instituições de pesquisa, temos o
compromisso de preparar para o porvir. Isto significa, por um lado, que a pesquisa de ponta e
a capacidade crítica devem ser incentivadas; por outro lado, significa que devemos pensar a
própria instituição estrategicamente, com vistas a viabilizar sempre, de antemão, o espaço
institucional para a pesquisa de ponta em todas as áreas de atuação do historiador.
Logo após o doutorado, participei da fundação do Programa de Pós-Graduação em
História Comparada, no qual atuei até 2011, formando cinco mestres nesse tempo: Ronaldo
Guilherme Gurgel Pereira, Ronaldo Russo Marcelino, Sheila Rigante Romero, Irina Aragão
dos Santos e Sandra Ferreira dos Santos (ver Dossiê 2). Nesse período assumi a chefia do então
Departamento de História do IFCS-UFRJ (2001-2003), tendo como foco realizar uma reforma
curricular que atentasse tanto para as diretrizes nacionais da Licenciatura quanto para a
indissociabilidade entre ensino e pesquisa na formação do historiador preconizada pelos fóruns
da ANPUH. A proposta da então comissão de reforma curricular era formar um só profissional
bacharel/licenciado, mas essa proposta infelizmente não teve seguimento já que as Diretrizes
Nacionais da Licenciatura acabaram por exigir que o curso de Licenciatura fosse um curso
único, dedicado e separado do bacharelado (ver Dossiê 5).
Em 2001, publiquei por iniciativa do Laboratório de História Antiga UFRJ minha
dissertação de mestrado. Em 2002, publiquei minha tese de doutorado contemplada com
auxílio editoração da FAPERJ. Entre 2001 e 2004 estive ainda completamente envolvida com
o processo de credenciamento do mestrado do PPGHC pela CAPES. Naquele momento havia
reservas do comitê assessor da área de História na CAPES quanto a proposta do PPGHC, que
não se baseava em um modelo específico de história comparada mas na forma como Marcel
Detienne definia o comparativismo histórico em Comparar o Incomparável (Detienne, 2000):
transdisciplinar, problematizador e experimental. A partir de uma perspectiva aparentemente
absurda — é possível “comparar o incomparável”? — abria-se um horizonte experimental
(literalmente um campo de experimentação) no qual dois contextos poderiam ser reconstruídos
a partir do diálogo e da imbricação de dois tempos em um outro tempo
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(Loraux, 2009). Cito como exemplo dessa perspectiva o artigo A Gota d’Água ou a Medeia
em Nós, publicado por mim em 2008 e do qual falarei mais adiante (Andrade, 2008b).

2. Formação de Grupos de Pesquisa (2006-2011)

Destaco no ano de 2006 o início de minha colaboração com o Laboratório de Estudos


da Cidade Antiga – MAE (USP), a partir da proposta de pós-doutorado em Arqueologia
supervisionada pela profa. Maria Beatriz Borba Florenzano e financiada pelo CNPq (ver Dossiê
1). O pós-doutorado foi realizado entre julho de 2006 e junho de 2007, em reuniões semanais
do LABECA, atividades de pesquisa nas bibliotecas da USP, uma palestra e uma disciplina
(ver tb Dossiê 6). Essa fase foi de extrema importância para o aprofundamento do viés
arqueológico sobre o estudo da cidade e para a consolidação de uma postura crítica quanto a
uma visão da pólis unicamente do ponto de vista do estado e da instituição política. Posso dizer
que o meu pós-doutorado junto ao LABECA foi decisivo para o amadurecimento de uma
abordagem da arqueologia que se reflete em trabalhos apresentados em eventos ou publicados
entre 2006 e 2011, pelo menos. Como resultado desse posdoc, apresentei relatório aprovado
pelo então Departamento de História que foi posteriormente transformado em artigo e
publicado em 2011 pela Revista Brasileira de História (Andrade, 2011a); realizei também uma
pequena tradução de trechos da Política, de Aristóteles, para fins didáticos e não publicada (ver
relatório no Dossiê 1).
Ao retornar às atividades na UFRJ em 2007, assumi o cargo de substituta eventual da
coordenação do Programa de Pós-graduação em História Comparada (Dossiê 5). Como esta
atividade representou uma participação ativa nos trabalhos da coordenação, tendo eu assumido
a direção da implantação do doutorado do PPGHC (Dossiê 2) além de outras tarefas em
conjunto com a coordenadora Regina Maria da Cunha Bustamante, houve redução de minha
carga didática, sem prejuízo das atividades de orientação e de laboratório.
Em 2007-2, ministrei uma disciplina eletiva para o curso de graduação em História,
cuja temática foi A dimensão religiosa da morte na Grécia Clássica (Dossiê 3). Destaco essa
disciplina porque ela tinha como objetivo desenvolver aquilo que considerava um ponto fraco
em minhas pesquisas, justamente a abordagem dos contextos funerários como espaços
apropriados e “significados” dentro de uma experiência religiosa (Andrade, 2008a). Como meu
projeto sempre foi muito voltado para a perspectiva do poder e das identidades de
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gênero (ver, por exemplo, Andrade 2004b e 2005), procurei inserir os espaços funerários na
dimensão política e pública da pólis e, para isso, tive que me distanciar de uma série de estudos
em que a dimensão religiosa e ritual da morte constituía o referencial. Ministrar essa disciplina
foi então um meio de fazer retornar à instituição, como atividade de formação, “ganhos”
obtidos ao longo do pós-doutorado, e ao mesmo tempo forçar o desenvolvimento crítico da
perspectiva religiosa sobre os ritos funerários e sua relação com a dimensão política do espaço
social.
Paralelamente a isso, as atividades de orientação não sofreram interrupção ao longo do
pós-doutorado e, em 2007, algumas foram finalizadas com defesas de dissertação e entregas de
monografias finais de curso de graduação. Neste conjunto, destaco a monografia de Joelma
Nascimento, avaliada no final de 2007. Isto não apenas porque se tratava de trabalho financiado
pela bolsa PIBIC (2004 a 2006) ao longo de dois anos, mas principalmente por representar uma
pesquisa muito bem alinhada com as propostas do grupo de História das Mulheres e das
Concepções de Gênero (Dossiê 6), criado em 2003 como campo de experimentação do
PPGHC. O trabalho de Joelma, um estudo histórico comparado das questões de gênero e poder
na Medeia, de Eurípides e na A Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, suscitou as
reflexões que exponho no capítulo de livro “A Gota d’Água ou a Medeia em nós”, publicado
na coletânea de G. Cornelli e A. Chevitarese, A Tradição Clássica e o Brasil (2008b). Um
exercício difícil de comparatismo histórico mantendo abertas as perspectivas de diálogo cujo
fio condutor só pode ser construído a partir das questões postas pelo pesquisador, evitando
blocos estanques de temporalidades, espacialidades, e evitando, no mesmo movimento, a
naturalização ou essencialização dos objetos, como “gênero”, “política”, “estado” numa
perspectiva demasiado “literária”. A monografia de Joelma teve o mérito de tentar articular
essa tematização na abertura de um primeiro exercício de leituras cruzadas (campo de
experimentação) em que tanto Medeia quanto A Gota d’Água pudessem fundar um diálogo
entre contextos históricos tão diferentes.
Em termos institucionais, o retorno à UFRJ em 2007 apresentou características
importantes. Reassumi meu lugar em diversas comissões de que fazia parte, como a comissão
de afastamento do Departamento de História e a comissão permanente do PPGHC para a
avaliação da CAPES, que chamamos “comissão do datacapes” (Dossiê 5). De fato, no segundo
semestre de 2007 foram divulgados os resultados da avaliação trienal da pós- graduação, da
qual o PPGHC participava pela primeira vez desde sua implantação em 2002 (com
credenciamento em 2004). A notícia de elevação da classificação do curso de mestrado de 3
para 4, com todos os indicadores da CAPES apontando para um perfil de pós-graduação
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nível 5, foi recebida pelos professores do programa como uma oportunidade, como o momento
certo para iniciar o processo de implantação do doutorado. Em meu retorno ao programa,
assumi então a tarefa na qualidade de vice-coordenadora, organizando uma comissão de
professores — Flávio Gomes, Francisco Carlos Teixeira, Leila Rodrigues, Andréia Frazão,
Victor Melo e Alexander Zhebit — para efetivar o projeto. Em um trabalho de equipe bastante
intenso com participação fundamental da então coordenadora, Regina Maria da Cunha
Bustamante, aprovamos em dezembro de 2007 a implantação do doutorado no conselho do
CEPG-UFRJ e em 2008 o doutorado logrou credenciamento pela CAPES (Dossiê 2).
Quanto às publicações, não posso deixar de explicitar as razões que me fizeram publicar
em 2007 um artigo dirigido à teoria e metodologia em História Antiga, sobre o trabalho de
Jean-Pierre Vernant em seu diálogo com a Escola Sociológica Francesa (Andrade, 2007). O
texto era inédito mas não era novo. Refletia um momento de minha formação, a graduação em
História na UFF, em que eu me decidira pelas pesquisas sobre os gregos antigos fortemente
influenciada pela obra de Vernant, da Escola de Paris e da antropologia histórica. Ao longo de
minha formação posterior, a influência de Vernant permaneceu, mesmo em se tratando de
reivindicá-la dentro de uma postura intensamente critica. Como docente, procuro incentivar o
interesse dos alunos em estudar a História Antiga através de discussão não apenas de um marco
da historiografia como o é a obra de Vernant, mas sobretudo através desse (bom) exemplo de
conjugação de ofício e vida. No início de 2007, esse historiador veio a falecer e eu não pude
pensar em outra manifestação que não a retomada desse texto. “Jean-Pierre Vernant à
vizinhança de Marcel Mauss” testemunha um caso de amor e um momento de luto.
Com a carga didática reduzida entre 2007 e 2009, o período caracterizou-se por intensa
dedicação à consolidação institucional do PPGHC. No âmbito do Programa de Pós- Graduação
em História Comparada o começo de 2008 foi marcado pelas atividades de gestão do processo
de avaliação anual da CAPES e pela candidatura ao credenciamento do doutorado pela CAPES,
no APCN 2008. O encaminhamento do PPGHC em direção ao doutorado foi um dos principais
objetivos da equipe de coordenação do Programa. A implementação do curso foi muito bem
recebida no âmbito da UFRJ, e seu credenciamento pela CAPES foi aprovado no segundo
semestre de 2008. Minha participação na coordenação e na comissão de criação do doutorado
do PPGHC fora até então minha experiência administrativa mais importante desde meu
ingresso na UFRJ, em 1997. Quando fui chefe do Departamento de História (2001-2003)
também adquiri uma experiência administrativa
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relevante, mas não ter conseguido, senão implementar, ao menos manter vivo o movimento de
reforma curricular do curso de graduação em História, naquela época foi para mim bastante
frustrante. Nós, professores, não somos administradores. Portanto, acredito que o ponto alto de
nossa contribuição à administração universitária está na síntese vital entre as necessidades
institucionais e as diretrizes acadêmicas de nosso trabalho. Assim, participar da proposta, da
estruturação, e, por fim, da implementação do doutorado, proporcionou-me certa alegria, além
da sensação de uma verdadeira contribuição à instituição.
“As Vozes do Séma”, projeto de pesquisa do pós-doutorado, prosseguiu juntamente
com um novo projeto de pesquisa que veio a se tornar crucial na implementação do grupo de
estudos de História e Filosofia e na realização da pesquisa com a bolsa Jovem Cientista de
Nosso Estado (2008-2011): A pólis dos atenienses, espaço político e políticas da diferença (ver
Dossiê 7). Esse projeto pode ser compreendido como uma inserção no diálogo com a filosofia
política em Platão, Aristóteles, Xenofonte, com o intuito proceder a uma leitura histórica dos
discursos em torno da "cidadania" e da participação no contexto das pólis, entre os séculos V
e IV a.C. Como premissa, a de que a política, no âmbito da cidade grega, delineava um
horizonte de atividades que não se confundia apenas com a instituição de tipo "estatal": a
"governança". Nesse caso, era preciso fazer emergir os diversos domínios em que a sociedade
políade colocava a questão do poder em seus termos próprios, tendo como foco a pólis e não o
"príncipe" ou a "Nação" que estão na base da teoria política clássica. Ao invés de estudar o
funcionamento das estruturas de governo com suas regras de acesso, o projeto propunha a
abordagem desses discursos como práticas discursivas e focalizava os momentos de
instabilidade, os espaços de negociação e de latência, onde a política como regramento e a
lógica discursiva como diretriz fossem colocadas à prova. Assim, defendia que os espaços de
negociação e a percepção de uma política das diferenças emergia na filosofia política como
tema que envolvia uma problemática de gestão das diferenças cujo efeito de superfície pode
ser interpretado como um reforço do pensamento político da unidade da pólis. Mas esse efeito
superficial — exclusivismo do corpo de "cidadãos" , centralidade do papel da "cidadania" e,
por fim, centralidade do binômio “cidadão”- “não cidadão” — agravado pela reapropriação
moderna do fio condutor institucional da comunidade de cidadãos aristotélica (Ver Hansen &
Nielsen, 2005) — encerra o possível, termina a ambiguidade e diminui a aporia. Era preciso,
portanto, superar as fórmulas bipolares a fim de compreender como algumas questões locais,
difusas e silenciosas — como, por exemplo, a da dificuldade dos atenienses em definir o
estatuto da asté, da "cidadã", subentendido em diversas situações de embate político —
produziam seus efeitos esparsos nos discursos sobre a polis e a política.
13

Com a proposição desse projeto de pesquisa aliado aos estudos dos epigramas funerários, teve
início um modo de abordar a política, o cotidiano e os espaços de exposição e publicização
feminina que não desconsiderasse o potencial político dessa exposição.
Esse projeto abriu três frentes de trabalho: primeiro, um aprofundamento do estudo
filosófico e histórico da problemática do poder, da política e da cidade antiga, a partir das
leituras e da análise da historiografia, da filosofia e, principalmente, dos textos antigos de
Platão, Aristóteles, Xenofonte, Heródoto, Tucídides, Aristófanes, Eurípides; em segundo lugar,
a continuidade do projeto Contextos Funerários e Exposição Feminina em Atenas; em terceiro
lugar, promoção de pesquisas em nível de iniciação científica, incorporando alunos da
graduação com o objetivo de realizar leituras e investigar noções e realidades da "exclusão" e
da participação política dos "excluídos".
Da primeira frente de trabalho surgiram as atividades de ensino, pesquisa e extensão do
grupo de estudos “A Leitura Histórica e o Ofício de Historiador” (âmbito do LHIA-UFRJ)
ainda em 2008. Reunindo em um mesmo encontro quinzenal alunos e orientandos de graduação
e pós-graduação, o grupo de estudos A “Leitura Histórica” e o Ofício de Historiador, vulgo
“Anexo” (2008-2015 – vide Dossiê 6) tinha a proposta de colocar em discussão textos teóricos
e metodologias de análise de fontes com o intuito de problematizar a relação entre a leitura
histórica, a construção do diálogo com os “documentos”, a escrita da história e a verdade do
historiador no mundo contemporâneo; procurava promover ainda o debate em torno da escrita
da história e reescrita do lugar ou da posição do historiador. O grupo foi constituído por um
núcleo de orientandos de graduação e de pós-graduação, chegando em seu auge (2011-2012) a
contar com 18 alunos de graduação e pós. Em 2012, o “Anexo” foi oficialmente batizado como
Núcleo de Estudos de História e Filosofia (Philos), inscrito na base de grupos de estudos do
CNPq. Ao longo do período de vigência da JCNE (2009-2012), concentrei as atividades de
pesquisa na leitura de filosofia política da Antiguidade; encaminhei ainda leituras teóricas
sobre filosofia e antropologia do poder, dando início a estudos de “poder e subjetividade” no
contexto do ‘Anexo”, desvio profundamente conceitual pelo qual passaram meus estudos e
discussões para poder retornar, enfim, à história das mulheres.
Quanto à segunda frente de trabalho, o projeto As Vozes do Séma recebeu continuidade
em um novo projeto apresentado ao CNPq e contemplado com auxílio-pesquisa em 2008 e
2013: Contextos Funerários e Exposição Feminina em Atenas (vide Dossiê 7). Nesse momento
em que a dedicação às leituras em filosofia e teoria da história era fundamental, o projeto
Contextos Funerários foi programado para a organização da base
14

documental de estelas funerárias e lécitos de fundo branco. A base de estelas funerárias


constitui atualmente um catálogo com cerca de 110 epigramas / estelas em sua maioria já
traduzidos por mim para o português. Além disso, entre 2008 e 2011 foram publicados textos
e artigos contemplando o diálogo temático entre os dois projetos: política e história das
mulheres. Além de trabalhos como “A Gota d’Água ou a Medeia em Nós” (Chevitarese,
Cornelli & Silva, 2008b), e “A Dimensão Religiosa das Práticas Funerárias: o caso de Atenas”
(Andrade, 2008a), no início de fevereiro de 2008 o artigo “Mito e Gênero: Pandora e Eva em
perspectiva histórica comparada” foi entregue à equipe editorial dos Cadernos Pagu para
apreciação. Resultado de trabalho conjunto entre eu e a profa Andreia Cristina Lopes Frazão
da Silva iniciado em 2003 com a criação do Gen, substanciado em 2006, no Seminário
Internacional Fazendo Gênero, em Florianópolis e refletido tanto na publicação dos Cadernos
Pagu (2010b) como na oferta conjunta de disciplinas em 2010/2 e 2013/2 (Dossiê 3).
Em junho de 2008, participei como conferencista do V Seminário Internacional Archai
(Brasília, UNB). Neste seminário interdisciplinar reunindo filósofos, filólogos, historiadores e
arqueólogos, tive a oportunidade de abordar a dimensão material dos espaços funerários em
relação a sua definição como contextos na minha pesquisa. Parafraseando meu projeto de
produtividade em pesquisa, “com a noção de contextos funerários procurava indicar que a
abordagem não pretendia lidar apenas com os espaços tomados empiricamente, mas
principalmente com a dimensão visual ligada ao ato de dispor dedicações funerárias a mulheres
nesses espaços de sepultamento, assunto que pode ser compreendido a partir da documentação
arqueológica, certamente, mas também considerando um corpus vinculado a produção social
da morte: espaços como o das necrópoles, assim como a casa e o teatro; textos epigráficos,
textos de tragédias, comédias e oradores; imagens dos vasos áticos, com particular atenção aos
lécitos de fundo branco. Como ponto de partida, pressupunha que os espaços funerários
constituíam o que se pode definir como um contexto dialógico cotidiano, onde se percebem
como inextricavelmente conectadas certas funções de publicização e exposição, ligadas aos
monumentos com imagens e inscrições, e a necessidade de expressão das famílias em uma
dimensão mais ampla do que a esfera institucional de trânsito dos cidadãos com foco direto na
cidadania” (ver Dossiê 7). Sob o tema “diálogos da vida comum”, a conferência trazia uma
reflexão sobre a dimensão pública dos espaços funerários na cidade antiga, discutindo sua
importância para modalidades de exposição, e assim de publicização não tanto de idéias e
valores, mas de imagens, proposições de identidade, requisições de status, reconhecimento.
Arrolei alguns fragmentos de uma primeira tentativa
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de aproximação dos espaços funerários, pela menção à necrópole do Cerâmico, junto aos
resultados da primeira fase da pesquisa Contextos Funerários e Exposição Feminina em
Atenas, que aborda um conjunto de dedicações funerárias feitas para e por mulheres na Ática,
entre os séculos VI e IV a.C. Procurei incitar o diálogo entre espaço e texto, seguindo a
principal hipótese da pesquisa: os espaços funerários, com suas estelas e epitáfios gravados na
pedra, constituíam o que se pode definir como um contexto dialógico cotidiano, onde se podem
encontrar inextrincavelmente conectadas certas “funções” de publicização e exposição ligadas
aos monumentos em pedra e a necessidade de expressão das famílias em um contexto mais
amplo do que a esfera de trânsito dos cidadãos e da cidadania. A conferência foi publicada em
2010 (Andrade, 2010b). Com esta perspectiva, o artigo Logos Gunaikos, publicado nos anais
do Ciclo de Debates em História Antiga (Dialogando com Clio, 2009a), é a primeira publicação
de minha autoria a tematizar a questão da palavra feminina como problema político na Atenas
Clássica.
Os trabalhos apresentados em 2008, bem como a publicação do artigo sobre a dimensão
religiosa das práticas funerárias atenienses na Revista Phoînix, estiveram intimamente
relacionados ao andamento de meu projeto de pesquisa. Em fases anteriores, este projeto de
pesquisa já havia recebido auxílios financeiros dos órgãos de fomento. Na terceira etapa (2007-
2011), o CNPq aprovou mais dois auxílios: o primeiro no âmbito do edital 03/2008 (C
Humanas); o segundo, pelo edital 57/2008 (Gênero), totalmente dirigido ao estágio científico
em Atenas entre outubro e novembro de 2009. Além do estágio científico, os recursos foram
aplicados em material permanente, basicamente livros necessários à finalização da pesquisa
com epitáfios (epigrafia funerária em geral) áticos do período entre séc. VI e IV a.C e 1
computador (ver relatórios de pesquisa JCNE, principalmente, no Dossiê 7).
A organização e realização de uma visita científica a instituições de pesquisa, sítios
arqueológicos e museus de Atenas, Grécia, tomou parte considerável das atenções do grupo de
pesquisa em 2009 (ver relatório de pesquisa JCNE no Dossiê 7). A visita científica obedeceu a
um plano de trabalho traçado entre janeiro e junho de 2009. Inicialmente era prevista uma
estadia de um mês na École française d’Athènes (EFA); contudo, considerando que essa visita
foi a primeira do grupo de pesquisa a Grécia, optou-se por dividir a estadia em duas etapas, a
primeira fora da EFA, para estudo em Museus, sítios arqueológicos e na American School of
Classical Studies at Athens (ASCSA). Em uma segunda etapa, optou-se pela hospedagem na
EFA que, ao longo de dez dias, possibilitou acesso irrestrito ao acervo
16

da biblioteca. Instituições de pesquisa visitadas: EFA (com permanência de aprox. 10 dias,


entre 24 out e 03 nov.), ASCSA (Blegen Library, 21-23 out).
A permanência EFA teve por meta a consulta a obras específicas na biblioteca, os
inventários mais antigos da epigrafia funerária, além do SEG, periódico de referência e
indexação na área da Epigrafia grega. Esses estudos aliados a outros artigos e capítulos de
livros com os quais pude entrar em contato , acabaram direcionando o trabalho para a
organização de uma publicação futura (já em processo de finalização) sobre uma estela
funerária específica do Museu do Pireu (n. 20), que pude observar e fotografar na reserva
técnica do mesmo Museu durante minha estadia. A redação desse artigo foi esboçada ainda na
EFA. Sítios arqueológicos pesquisados: necrópole do Cerâmico, complexo da Agora e
Acrópole de Atenas, incluindo teatro de Dionisos, Areópago e Pnyx; templo de Zeus Olímpico;
escavações das estações do metrô: Syntagma, Monastiraki, Evangelismos; sítio da rua Aiolou,
antiga estrada para Acharnes (casas e sepultamentos). As visitas aos sítios arqueológicos e
museus teviveram duas metas principais: primeiro, recolher material próprio de pesquisa, com
fotos e filmes dos artefatos e contextos, cuja produção respondeu às hipóteses de pesquisa dos
membros do grupo; em segundo lugar, procuramos suscitar, através da experiência dessa
visitação, hipóteses sobre as práticas do espaço. Literalmente, realizamos um trabalho de
campo.
Para o grupo, o sítio do Cerâmico representou uma fase importante e difícil desse
esforço de interpretação “participativa” demandada pela trabalho de campo, realizado em
quatro visitas ao longo do período de estadia. A tônica dessas visitas foi a produção de material
fotográfico e fílmico que tornasse possível para nós abordar em nossos trabalhos futuros
questões concretas sobre usos do espaço. Como resultado, produzimos um imenso material de
pesquisa, que será usado tanto no projeto individual de cada membro do grupo como para fins
didáticos. As visitas ao Cerâmico nos auxiliaram a “ajustar” algumas percepções quanto ao
contexto de sepultamento, tal como abordei teoricamente na conferência “Diálogos da Vida
Comum” (Andrade, 2010b). Esforçamo-nos por observar o epigrama funerário como um
artefato inserido num contexto espacial que precisávamos compreender tanto como testemunho
de uma organização antiga da cidade quanto como sitio arqueológico no qual a ocupação da
cidade moderna delimita um perímetro, além de uma área “de interesse” permitida à visitação.
Assim, num primeiro momento procuramos estabelecer a relação entre a leitura e a
verbalização dos epigramas e suas características artefactuais, observando as inscrições não
tanto do ponto de vista do texto e do sentido mas sob a perspectiva da visualidade: o fato, por
exemplo, de que um grande número de
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epigramas arcaicos foram encontrados não na necrópole, em sua função memorial, mas já nas
bases da muralha de Temístocles, cumprindo não mais a função de marco funerário mas apenas
agindo no contexto do reaproveitamento do material da necrópole para fins de defesa. Um outro
elemento que debatemos muito com relação aos epigramas: em alguns casos, em estelas
grandes ou em estelas pequenas, o tamanho das inscrições exigiria que o transeunte se
aproximasse e até mesmo entrasse nos recintos familiares, mostrando que sua leitura por
forasteiros e pessoas não diretamente ligadas afetivamente aos comemorados, embora
exaustivamente explicitada pelos próprios epigramas, não era facilitada por sua disposição
espacial.
As visitas ao Cerâmico nos ajudaram a confirmar, por outro lado, o viés público ou a
dinâmica de exposição no espaço da necrópole. Sua relação com as duas principais vias de
acesso à cidade, muito utilizadas cotidianamente e de grande importância por ocasião de
festivais religiosos como as Panatenéias e as procissões em direção a Eleusis; a existência de
sepultamentos públicos e, ainda, de um Banho público de proporções consideráveis, faz-nos
discordar de Younger para quem “Like all cemeteries, the Keirameikos was a heterotopia, a
space other than that which humans usually inhabit” (2002, p. 167). Muito ao contrário, o que
o sítio arqueológico sugere é a “usualidade” como característica, não a alteridade sob a qual
esse autor coloca a noção foucaultiana de heterotopia.
As visitações aos demais sítios responderam a dois objetivos distintos. O primeiro deles
era o da observação dos espaços de sepultamento que, em Atenas, além do Cerâmico estão
presentes nas estações do metrô Syntagma e Evangelismos. Há também diversas sepulturas
margeando a estrada para Acharnes, no sítio que vem sendo escavado na Rua Aiolou. Nenhum
desses sítios possui proporções comparáveis ao Cerâmico; mas auxiliam a considerar a
ubiquidade do hábito de sepultar os mortos nas margens de estradas principais, próximos aos
portões da cidade, na proximidade de cursos d’água e também de habitações privadas.
O segundo objetivo era conectar (ou continuar a conexão interrompida pelo perímetro
do sítio arqueológico) o Cerâmico a outros pontos importantes da antiga asty. Dessa maneira,
seguimos a via sagrada entrando pelo parque arqueológico pela porta do Theseion, direto para
a antiga Agora de Atenas, onde os vestígios datam massivamente do período romano. Seguindo
ainda a via sagrada, subimos a Acrópole. Do alto, é possível perceber como cada ponto-chave
do espaço cívico ateniense mantinha uma conexão visual com a colina da Acrópole que, apos
450 a.C. será dominada pelo Parthenon. O Cerâmico, a Agora, o Areópago e a Pnyx, além do
templo de Zeus Olímpico, forma com a Acrópole um semi-
18

círculo que nos sugere uma relevante ligação entre política e religião, marcada visualmente na
paisagem que inclui o Cerâmico. Não que essa articulação seja “novidade”, já que o modelo da
polis articulada pela religião é muito antigo na historiografia grega . O que nos esses sítios
arqueológicos nos descortinam é a possibilidade de uma abordagem material/visual desse
modelo religioso usualmente remetido mais à literatura do que às práticas de espaço. Devo
ressaltar que o trabalho de campo realizado pela equipe de pesquisa nos sítios arqueológicos
foi a parte mais significativa e mais surpreendente da viagem, e renderá seus frutos nas
publicações dos próximos anos.
Da visita resultaram aproximadamente 900 fotos de um universo de pelo menos 300
lécitos de fundo branco, principalmente. Destaco como um marco importante nessa etapa de
visitas a museus, o acesso que me foi concedido pelo eforato à reserva técnica do Museu
Arqueológico do Pireu, onde tive a oportunidade de fotografar detalhadamente a estela
funerária de Melita, discutida no projeto de pesquisa a partir do inventário de Clairmont (GaE).
O interesse pela estela surgiu das leituras que vinha realizando na biblioteca da EFA,
reforçando a possibilidade de realizar um estudo de caso capaz de “testar” as hipóteses
fundamentais da pesquisa. O resultado desse trabalho foi publicado num artigo na Revista do
MAE (Andrade, 2011b). Os estudos sobre a estela de Mélita renderam ainda um minicurso na
reunião da SBEC em 2011 (Rio de Janeiro) e uma comunicação na FIEC em 2014 (Bordeaux).
Entre agosto de 2010 e julho de 2011, parte do grupo de pesquisa envolveu-se
no projeto de extensão “Da Modernidade da História Antiga” (ver Dossiê 4), requisito
obrigatório do termo de compromisso assinado com a FAPERJ para a bolsa JCNE. Com as
atividades de extensão propostas nesse projeto, o objetivo foi demonstrar aos professores e
trabalhar com os alunos de escolas públicas do Ensino Básico a vantagem e a relevância da
História Antiga para o conhecimento da modernidade, e sua aplicação não de forma
conteudística mas em um horizonte teórico e metodológico, no ensino de História. Foram duas
intervenções, uma dedicada aos professores, outra aos alunos. A primeira — “Dar a Matéria”
— aconteceu em agosto de 2010 e consistiu em palestras e oficinas com os professores da
Escola Municipal Anita Garibaldi (Ilha do Governador) ; a segunda — “Estória contada,
história ouvida”— aconteceu entre maio e junho de 2011. O alvo foram os alunos da turma de
“projeto” da profa. Sandra Ferreira dos Santos (mestrado PPGHC) na escola Anita Garibaldi.
Uma turma de projeto era selecionada pela escola naquela época, a partir de critérios de idade
e de aproveitamento abaixo da média dos alunos, para receber uma atenção intensiva de um
único professor. Participaram das atividades duas alunas do curso de
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graduação em História da UFRJ que faziam parte do grupo de pesquisa: Thalita Carvalho de
Lima e Vaneza Santiago de Azevedo. As atividades, divididas em duas sessões, tinham por
objetivo chamar a atenção para as diferentes formas de narrar constituindo histórias. Foram
utilizadas quatro matrizes. A primeira foi a leitura das duas primeiras páginas do livro O
Pequeno Príncipe, que inicia justamente com a estória do desenho do “chapéu” que “de fato”
era uma cobra engolindo um elefante. Em seguida, foi contada a estória de .... . Depois de
narrada, tendo o material sido distribuído aos alunos, abriu-se uma discussão livre que foi
surpreendentemente bem recebida pelos alunos, com perguntas interessantes que nos levaram
ao problema da distinção entre crença e ciência e à questão, certamente muito presente na vida
desses alunos, das versões “científica” e “religiosa” da criação. Um trecho de um livro didático
de história sobre a revolta da vacina no Rio de Janeiro. Os resultados dessas intervenções foram
o esperado. Houve muito interesse dos alunos em escutar e debater as estórias, mas não houve
tanto interesse quando se leu o texto do livro didático. Nossa avaliação a respeito considerou a
possibilidade de colocar como fator condicionante do interesse a percepção da diferença entre
contos, estórias fictícias e a história “como realmente aconteceu”, ou seja, a história com
pretensões normativas. Mas descartamos essa via por considerar simplesmente que a abstração
necessário a tal conclusão não era viável para compreender o ocorrido em sala de aula. A
resposta teria que ser pragmática, e nesse caso, a distinção entre estilos, o reconhecimento das
diferentes linguagens do livro didático e dos textos literários, deve ter tido o papel principal. A
questão seria, então, a de se compreender o texto de história num contexto em que ele se dá, se
produz como texto, no nosso caso, de certa forma, uma situação de transposição didática. A
narrativa da revolta da vacina contida em um livro didático remete a um contexto escolar que
representa algo, de antemão, na vivência desses alunos. O mito contado, a pequena estória do
príncipe, não fazem parte dessa vivência escolar, e remetem, mais facilmente, ao cotidiano dos
alunos. As oficinas e o projeto de extensão foram apresentados no Congresso de Extensão da
UFRJ, em outubro de 2011 (ver comprovantes do Grupo III no relatório de atividades).

Entre 2010 e 2011, divergências quanto ao encaminhamento de estratégias acadêmicas


do PPGHC levaram-me a solicitar o desligamento do programa. Primeiramente, fiz meu
credenciamento no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (PPGARQ – Museu
Nacional). Passei a acumular a participação permanente em ambos os programas, considerava
que já era tempo de colocar em prática no ensino e na pesquisa o viés arqueológico
desenvolvido no pós-doutorado, principalmente no que se referia ao universo da história da
20

cultura material e da história visual. A concentração cada vez mais estrita das pesquisas do
PPGHC em modelos de História Comparada que, a meu ver, distanciavam-se da minha própria
pesquisa fez com que eu buscasse credenciamento no Programa de Pós-Graduação em História
Social – PPGHIS UFRJ, em abril de 2011. Assim, iniciei uma nova fase à época um tanto
incerta, descredenciando-me do PPGHC que ajudei a criar e aonde permaneceram os demais
professores do Laboratório de História Antiga, e passei a atuar nas linhas Sociedade e Política
e Sociedade e Cultura do PPGHIS. Isso significou, por um lado, um certo isolamento, já que
eu era e continuo sendo a única especialista em História Antiga no PPGHIS. Por outro lado,
essa passagem abriu um novo horizonte em que comecei a refletir não apenas sobre filosofia e
história, mas ainda iniciei uma reflexão sobre os paradigmas da disciplina, principalmente no
que diz respeito a concepções de tempo histórico e diacronia. Iniciou-se um período de
“despensamento” dos paradigmas da disciplina e de meu campo de investigação, o que me
conduziu a um estudo da formação da disciplina História Antiga entre o séc. XIX e o séc XX.
Comecei a trabalhar, então, com a perspectiva das leituras cruzadas, cujo principal fundamento
residia no espelhamento do “ocidente” na herança, autoridade e importância civilizatória da
Antiguidade grega: a história grega poderia ser compreendida como parte do discurso de
“ocidente” com fortes raízes no século XIX.

Resultando dessa nova preocupação, criei uma linha de pesquisa no grupo de História
das mulheres (HCGen) denominada “leituras políticas do gênero”, visando analisar a influência
da literatura grega na formação das mulheres com foco no Rio de Janeiro entre 1820-1920 (ver
Dossiê 6). Entre 2010 e 2020, fizeram parte dessa linha de pesquisa 8 bolsistas de iniciação
científica, cujos trabalhos resultaram em 5 monografias finais do bacharelado em história e em
acumulo de material de pesquisa proveniente de livros, jornais e revistas da Biblioteca
Nacional, a partir dos quais pude oferecer no primeiro semestre letivo de 2017 a disciplina
Historiografia da Antiguidade: o exemplo das mulheres de Atenas: ideais de gênero e a
educação feminina no séc XIX (vide Dossiê 3).

3. Leituras Cruzadas - história grega, história brasileira, história das mulheres


(2012 – 2017)

Este foi um período ao mesmo tempo conturbado e extremamente rico na minha vida
pessoal, período em que criei personagens conceituais como Ana Madeira (eu-poesia) e
21

Deodorina (eu-nós-música). Apesar de ainda ter dúvidas se devo ou não incluir essa “parte” de
minha vida num documento acadêmico, a ideia de memorial não me permite deixar essas
personagens de lado, pois a poesia e a música vieram para ficar e para modificar os motivos
d’eu-história (ver Dossiê 9 para exemplos e links). Tiveram um enorme impacto na
compreensão clara do desenvolvimento de meus estudos sobre as mulheres de Atenas. Junto
com as leituras do “Anexo” e as disciplinas que ministrei, ajudaram a clarear o tema, o foco, a
meta e a narrativa. Considero, portanto, esse período, sobretudo entre 2012 e 2015, um período
de desterritorialização subjetiva e recondução objetiva.
Ana Madeira escreveu dezessete livros de poesia (2012-2020), dos quais publiquei uma
compilação intitulada O Amor de Muitos e um livro integral intitulado Alfarrabio de Mouros
em 2015. Além disso, passei a manter um blog para divulgação de “Ana Madeira”
(www.literamenor.blogspot.com), um perfil no facebook (Ana Madeira) e uma página
(Literatura Menor). Nesse período, nasceu Deodorina na música
(www.soundcloud.com/deodorina). Inicialmente solo e independente trabalhando
composições musicais autorais publicadas no perfil Deodorina no portal soundcloud, a partir
de 2016 “Diadorim” transformou-se em duo, tendo até o presente realizado 15 shows ao vivo
e lançado 4 álbuns em “streaming”.
Como poderia deixar de falar disso? Efervescente, é como descrevo o período. Grande
atividade intelectual, tempo maior de gestação do que veio e virá a ser meu trabalho acadêmico
daqui para a frente. O ócio, o lúdico, a amizade foram fundamentais. Comecemos pelo “Anexo”
(Dossiê 6). Grupo de pesquisa surgido do antigo “A Leitura Histórica e o Ofício de
Historiador”, o “Anexo” transformou-se num ambiente de pensamento livre sobre a história e
a filosofia, no qual assumi o risco de desapropriar-me ao democratizar radicalmente as relações
com os alunos num processo de aprendizagem em comum, já que a maioria dos textos
escolhidos eram apresentados a mim, também, pela primeira vez. Do Anexo resultaram leituras
de Heidegger, Nietzsche, Foucault, Deleuze, Negri, Agamben, Clastres, Benjamin, Espinosa.
Do Anexo surgiram estudos e traduções fundamentais de grego que preciso, nesse caso, creditar
à presença, participação e diálogo com a profa. Ms. Stephania Samsone Giglio (atualmente
profa substituta e doutoranda no Departamento de Letras Clássicas da UFRJ). No Anexo,
trabalhamos ao longo de dois anos (2012-2014) para verter ao português o livro Unthinking the
Greek Polis, tradução que, embora apresentada a diversas editoras e proposta ao Auxilio
editoração da FAPERJ com recomendação dos principais especialistas em História Antiga no
Brasil, infelizmente não conseguimos publicar por seu alto custo. Do Anexo, saíram, enfim,
amizades com as quais caminho até hoje (Ver Dossiê 6).
22

Construção em comum de conhecimento, mão na massa para fundar um grupo e


traduzir textos, encontros, amizades, afetos reunindo alunos da graduação, da pós-graduação e
externos. Dos alunos de graduação que passaram pelo “Anexo”, entre 2008 e 2017 seis
ingressaram no mestrado e doutorado, nove tornaram-se professores das redes pública e
particular do ensino básico, cinco tornaram-se mestres e uma, doutora. Sandra Ferreira dos
Santos, por exemplo, teve sua dissertação de mestrado (PPGHC 2011) financiada por bolsa do
CNPq em projeto individual (não concedida pelo PPGHC) e foi premiada pelo CNPQ (prêmio
Construindo a Igualdade de Gênero 2010), obtendo com isso sua bolsa de doutorado (Ver
Dossiê 7). Em 2012 começou o doutorado em Arqueologia pelo PPGARQ, tornando-se doutora
em 2015. No Museu Nacional, fundou o grupo Argos de estudos de arqueologia do
mediterrâneo antigo e coordenou junto comigo dois cursos de extensão (ver certificados anexos
ao grupo III do relatório de atividades): Vida Cotidiana, Cultura e Sociedade na Grécia Antiga
(abril-maio 2013) e Religião, Mito e Magia na Grécia Antiga (maio-junho 2013). Sandra
permaneceu atuante no ensino básico (prefeitura RJ) e no Museu Nacional coordenando o
Argos e foi contemplada com bolsa de pós-doutorado CNPq em 2017 (MAE- USP), quando
infelizmente veio a falecer. Deixou comigo a tarefa de terminar o artigo A figuração das
mulheres: breve exposição sobre o casamento, o dionisismo e as cenas de partida na
iconografia dos vasos italiotas iniciado em conjunto em 2017. Será publicado em 2020 na
coletânea Vida e Morte na Cerâmica Grega (vide Dossiê 8).
Destaco também as trajetórias de Daniel Teixeira Taveira (mestre pelo PPGHIS e
atualmente doutorando), Bruno Rodrigo Couto Lemos (mestre pelo PPGHIS, doutorando pelo
PPGHIS e professor da rede estadual pública e privada do Ensino Básico), Luciana Campos
Batista (mestre pela UNIRIO e doutoranda pelo PPGHIS), Irina Aragão dos Santos (mestre e
doutora pelo PPGHC, professora da PUC-RJ), Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira (mestre pelo
PPGHC, doutor pela Universidade da Basileia e professor da Universidade Nova de Lisboa),
Jorge Steimback (mestre e doutorando pelo PPGHIS). Não posso deixar de citar aqui
componentes do “Anexo” que não estavam sob minha orientação mas participaram ativamente
da construção das propostas do grupo: Lucas Cabral de Castro (professor temporário do Pedro
II e mestrando PUC RJ), Vaneza de Azevedo (historiadora formada pela UFRJ e pela PUC RJ
e psicanalista), Kevin Shortall (músico), Mads Damgaard (cientista social – Universidade de
Copenhagen), Edmar Victor da Silva Jr (mestre pelo PPGHIS e doutorando Colégio do
México). A eles eu deveria juntar aqui outros nomes de orientandos de iniciação científica,
monografia e mestrado que não seguiram para o doutorado: Marcia Generoso, Diego Souza,
Thalita Lima, Gisele Souza, Rui da Cruz Silva Jr, Sheila Rigante
23

Romero, Ronaldo Russo Marcelino, Joelma Nascimento, Mateus Oliveira, Sáloa Farah, Thaís
Sanchez, Maria Estela Guedes, e tantos outros do período de formação do Núcleo de Estudos
de História e Filosofia (Philos), representado ainda pelo grupo “Clareira”, no facebook, e pelo
website www.nucleophilos.com.
Desde 2012, por fim, venho atuando no sistema EAD CEDERJ-Unirio (Licenciatura
em História) como coordenadora da disciplina Mundo Helenístico (2012-atual, vide Dossiê 3),
conferindo uma nova perspectiva sobre o ensino à distância, que venho considerando
problemático mas promissor no sentido da execução (metas estritas, avaliações tradicionais,
calendários engessados, atrelamento a políticas de governos, etc) e contudo positivamente
surpreendente no que tange aos processos didáticos envolvendo plataformas digitais,
intermediadores entre professores e alunos e maior independência desses últimos no sentido de
organizar seus estudos. O potencial de democratização do ensino superior nos cursos EAD
gratuitos vinculados à iniciativa CEDERJ-UAB não deve ser subestimado e, se nos próximos
anos eu vier a ocupar posições administrativas ou colegiadas na UFRJ será sem dúvida pela
defesa da infraestrutura para os cursos de humanas e da implementação de alguns cursos à
distância, de extensão ou especialização, gratuitos. A sala de aula regular, presencial, a meu
ver, representa cada vez mais uma forma de engessamento dos meios possíveis— ainda mais
quando esses meios se tornam escassos pela falta de investimentos em infraestruturas básicas
como ar-condicionado, quadro branco e quiçá quadros digitais interativos, aparelhos de
Datashow e laptops funcionando, recursos audiovisuais e, utopia, salas temáticas abertas aos
recursos que temos, como por exemplo compilações de fontes e outros, mas abertas também
ao mundo “lá fora” e às contribuições dos próprios alunos — engessamento fixado na tutela e
no disciplinamento de alunos visualmente conectados à figura hierárquica e central de um
professor, alunos e professores convivendo cotidianamente mas, mesmo assim, distantes, cuja
vida social, com a globalização, as redes sociais e a proliferação de instrumentos sérios e
válidos de pesquisa, ficam limitados a um espaço que, no sentido da hora/aula, deveria ser
menos prioritário do que as leituras dirigidas e atividades de campo. A sala de aula presencial
deveria promover, sempre, o agon, o diálogo e o debate, coisa que os fóruns do EAD
geralmente são bem sucedidos em promover.
Em 2012, o Philos propôs e organizou junto com o PPGHIS o evento e a coletânea de
artigos Corpo: Sujeito Objeto (Dossiê 2 e 6). Coordenado por mim e pelos professores Lise
Sedrez e William de Souza Martins (PPGHIS-UFRJ) e financiado pela CAPES. O Colóquio
ocorreu entre os dias 2 e 4 de julho, principiando com a mesa “Corpo e ritual”, que agregou as
contribuições de Leila Mezan Algranti, Margareth de Almeida Gonçalves e Beatriz Catão
24

Cruz Santos. Ainda no primeiro dia do evento, realizou-se a mesa “Gênero e religião”, na qual
participaram Célia Maia Borges e William de Souza Martins. No dia 3, houve também a
realização de duas mesas: “Corpo Filosofia”, em que apresentaram comunicações Eduardo
Prado e Marco Antônio Valentim, e “Escritas de si”, que contou com a participação de Marilda
Ionta. Encerraram o evento, no dia 4 de julho, as mesas “Corpos avulsos”, na qual contribuíram
Andrea Casa Nova Maia, Lise Sedrez e Simone Kropf, e “Todos somos corpo; mas que corpo
somos?”, em que expuseram trabalhos Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva e Marta Mega
de Andrade. Quando optamos pelo tema do colóquio e do livro, sabíamos que não se tratava
de uma preocupação nova, tendo sido objeto de diversos enfoques tanto no campo da história
cultural, como no domínio da arqueologia e história da cultura material. Nossa meta era e
continua sendo a de proporcionar um espaço de discussão tanto dessas formas pelas quais o
corpo tem se consolidado como objeto de estudos da história, como incentivar o trânsito desses
debates nas fronteiras da História, a partir do diálogo com literatura, arte, antropologia,
filosofia. Para focalizar o “corpo” na história não tanto como a “coisa” ou a “realidade”
biológica de um sujeito, mas principalmente como forma aberta, moldável e mutável na relação
sujeito/objeto, contribuindo assim para uma visão mais abrangente do corpo como lugar do
encontro e da mediação sujeito/objeto; corpo, na perspectiva da escrita de si; corpo como
metáfora para comunidade; corpo, governo, soberania; corpo-instituição. Buscavamos um
espaço para a discussão transdisciplinar do corpo construído como problemática justamente
por não ser um objeto fixado da pesquisa — “corpo humano” do homem, corpo animal — mas
pela sua mutabilidade e pela mediação da prática simbólica de construção de identidade /
alteridade. As diversas comunicações, conferências e os capítulos posteriormente enviados
para o livro inseriram-se direta ou indiretamente no questionamento do “corpo”, a partir da
tematização do “sujeito” ou a partir de sua tomada como “objeto” de uma produção histórica.
O livro foi publicado no final de 2012.
Além da organização, contribui com uma conferência publicada no livro Corpo: Sujeito
Objeto intitulada “Corpo, gênero e poder: ideias de gênero e corpo na reflexão política dos
gregos” (Andrade, 2012a). Essa conferência marca o momento de afirmação da história das
mulheres em minha trajetória, focalizando “mulheres” e não necessariamente o “gênero”. A
noção de gênero sempre foi problemática para mim. Quis discutir esse aspecto problemático
na conferência. Primeiro: que havia uma divisão binária dos gêneros masculino
/ feminino nos textos gregos — filosofia e poesia, basicamente — mas essa divisão binária não
estava fixada na diferença sexual. Acompanhando Thomas Laqueur e suas teses sobre o
25

corpo de sexo único (Laqueur, 2001), procurei demonstrar, seguindo aí também Nicole Loraux
(1989) que a divisão masculino-feminino estava vinculada ao poder político e não
propriamente ao sexo biológico. Assim, por exemplo, os termos utilizados por Aristóteles,
Xenofonte, Hipócrates e outros para designar coletivos “masculino” (arsén/ arrén), feminino”
(thélu) ou “Homens” (andres), “mulheres” (gunai / gunaikai) advinham do vocabulário das
comunidades territorias e do poder: tribos (phulai), raças (gene), povos (ethne), domínios
(archai). A biologia/fisiologia estava longe de definir o “gênero”. E tal questionamento vinha
confirmar a origem de meu desconforto com o conceito de gênero e sua utilização em História:
a transformação da categoria gênero em conceito naturalizava um instrumento de dominação
cuja operação se efetiva, a meu ver, no âmbito do mesmo dispositivo da sexualidade de que
fala Foucault em A Vontade de Saber: normalização da heterossexualidade, naturalização dos
corpos “normais” feminino e masculino, medicalização das diferenças e, por fim, determinação
biológica do sujeito pelo sexo e pela sexualidade (Foucault, 1988, p. 73-124) . Gênero não é,
portanto, uma chave científica, e também não é um único horizonte aberto à inteligibilidade
das mulheres na história. Ele dá conta do poder sobre a diferença sexual, mas não da conta de
uma compreensão contextual da “subalternidade”, do silenciamento da voz e do desinteresse
pela ação das mulheres. Ao atrelar mulheres-homens numa dialética da dominação, gênero nos
tira a concentração e oblitera uma questão de fundo: quem é mulher? A mulher existe — “eu
existo”, como diz Layla ao seu marido em A Fonte das Mulheres (no filme de 2006) — e eu
colocaria um ponto final, antes que se possa escrever a vírgula e relacionar essa existência à
“percepção da diferença sexual” e ao eterno retorno do homem como determinação. Vejam:
não quero dizer de forma alguma que essa sobredeterminação não exista, quero dizer que ela
precisa ser contextualizada e colocada em seu devido lugar. Assim, por exemplo, seria possível
compreender por que a questão da “voz das mulheres” quando conduzida para a
impossibilidade de ouvi-la em textos cuja autoria é masculina é uma falsa questão: aprisiona a
“mulher” no indivíduo, no corpo individual em suas capacidades individuais e em seu sexo,
um círculo vicioso em torno da sexualidade como dispositivo de subjetivação.
Foi com essa questão da história de grupos subalternos em vista que iniciei meu contato
com o historiador grego então radicado na Inglaterra Kostas Vlassopoulos. Meu primeiro
contato com a obra de Vlassopoulos se deu através de seu livro Unthinking the Greek Polis
(2007). Publicado a partir de uma tese de doutorado, tratava-se de um exaustivo estudo das
condições históricas da configuração da pólis e do atenocentrismo como temas principais da
moderna historiografia da Antiguidade. Nele, Vlassopoulos utilizava o termo
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“ocidentalismo”, contraposto ao orientalismo de E. Said (1990) , trazendo à tona uma


arqueologia do conceito de pólis em sua adequação ao modelo do estado-nação moderno. A
proposta, em si, não era nova e já tinha sido objeto do primeiro volume de Black Athena, de
Martin Bernall (2006), mas o propósito de Vlassopoulos era não apenas o de demonstrar o
espelhamento da pólis no estado-nação e suas consequências para a centralidade de Atenas na
historiografia, como também explorar um modelo alternativo de “sistema-mundo”
mediterrânico que incorporasse duas noções interligadas de comunidades e redes. Com a noção
de comunidade (koinônia) abria-se um horizonte para uma compreensão mais dinâmica das
formas comunais como a pólis, mas também além e aquém dela (por ex. Formação de
comunidades religiosas, redes sociais femininas, etc). O maior impacto que essa tese de
doutorado teve sobre o meu trabalho foi propiciar um salto para fora da problemática
aparentemente insolúvel da cidadania feminina como atividade política plena. Minha referência
deixava de ser a pólis como centro e eixo das relações políticas dos atenienses para assentar-se
definitivamente e com maior clareza no que eu chamara “política do cotidiano”: formação de
comunidades, solidariedades, redes cujo vetor era a política ou literalmente a prática da pólis,
isto é, a conformação de uma comunidade territorial governada por um corpo de cidadãos.
Como diria Fábio Morales (Soares, 2014) o trabalho vivo da pólis, a política como constituinte,
não necessariamente constituída, em outras palavras, esse magma do “possível”. Seguir esse
filamento tênue de uma prática que não subentende, não precisa ou não pode ter um resultado
edificado em construções, obras, leis, etc, para mim é a definição de uma história muda: sua
minoridade, subalternidade e sua apreciação do que não foi, inspirada pelo encontro com as
teses sobre o conceito de História, de Walter Benjamin (2005).3
Tendo em mente o início de uma colaboração com o prof. Vlassopoulos, fizemos o
convite e entre 5 e 26 de setembro de 2013, Kostas Vlassopoulos veio ao Instituto de História
da UFRJ pelo Núcleo de Estudos de História e Filosofia associado ao PPGHIS (vide Dossiê 4).
Inicialmente, entre os dias 9 e 24 de setembro de 2013 o prof. ministrou o curso Historicizando
a Escravidão Antiga que valeu como disciplina regular para alunos de mestrado e doutorado.
Para os alunos graduandos e ouvintes, o curso conferiu certificado de extensão. Foram ao todo
16 inscritos, sendo quatro alunos regularmente matriculados e 12 ouvintes, dos quais 11
receberam certificados de extensão. Além disso, a conferência Globalização no Mundo Antigo
foi proferida no Ciclo de Debates em História Antiga, edição

3
(...) Não existem nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que
cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer? (...) (trecho da segunda tese, p. 48)
27

2013 na quarta-feira, 25 de setembro. A conferência atingiu um público de aproximadamente


100 ouvintes, inscritos no evento, geralmente alunos de graduação, de pós-graduação e
professores de universidades brasileiras e sul-americanas, especialistas ou especializando-se
em História Antiga. Muitos vieram ao Rio de Janeiro com a intenção de conhecer melhor o
trabalho do prof. Vlassopoulos, demonstrando grande interesse do campo da história antiga no
Brasil nesse trabalho que poderíamos sem receio aproximar dos estudos descoloniais. O prof.
Vlassopoulos também foi recebido em uma mesa redonda organizada pelo Philos pelo prof.
Manolo Florentino. Em debate, Escravidão antiga e moderna (19/09/2013).
A vinda do professor Kostas Vlassopoulos promoveu debates bem sucedidos e
propiciou maior integração entre o Núcleo de Estudos de História e Filosofia (Philos) e outros
grupos de pesquisa brasileiros, como o LEIR. Influenciou também a organização programática
de meus cursos de pós-graduação e graduação, com a gradativa passagem do conteúdo clássico
(formação, apogeu e declínio da pólis) para uma visão crítica equilibrando a narrativa meta-
histórica com a elaboração dos conteúdos de pesquisa e ensino, até o momento atual em que,
como Vlassopoulos, defensor da noção de sistema-mundo e da teoria das redes para
compreender o espaço histórico do Mediterrâneo antigo, argumento a favor da observação da
noção de comunidade e de formação de comunidades não institucionalizadas, baseadas em
redes de solidariedade cotidiana e constituintes da pólis, aquém da pólis sob o ponto de vista
das instituições como trabalho morto. O acento de Vlassopoulos sobre a dinâmica, a
fugacidade e a liberdade envolvidas na formação das redes (segundo a teoria ator-rede) me
levou a reler diversos textos da literatura clássica — e traduzi-los para fins de laboratório —
de um modo bem diferente. Essa discussão/visão está presente no artigo que publiquei na
revista Mare Nostrum em 2014 (Andrade, 2014a). Infelizmente, não conseguimos apoio da
faperj em 2014 para a publicação da tradução brasileira de Unthinking the greek polis, que
permanece até hoje disponível apenas em seu rascunho pdf no âmbito do Philos (Dossiê 6).
Mas com a nova reformulação de meu projeto de pesquisa Contextos Funerários e
Exposição Feminina em Atenas, em janeiro de 2014 fui contemplada com a bolsa de
produtividade em pesquisa CNPq nivel II. Foram dez anos de solicitações, e a concessão final
da bolsa de produtividade que acaba de ser renovada pela segunda vez (2020-2023) indica um
momento de amadurecimento intelectual e profissional, simbolicamente um ponto de inflexão.
Eu já tinha recebido auxílios pesquisa do CNPq no âmbito de editais universais e de ciências
humanas (2006, 2008 e 2013), auxílios que me permitiram adquirir livros, materiais de
pesquisa, equipamentos e, sobretudo, viajar (em 2009 e em 2014, vide Dossiê 7 e grupo V
28

do relatório de atividades). A maior diferença que a bolsa de produtividade faz diz respeito ao
reconhecimento vindo de seus pares de que há uma liderança em consolidação, conferindo a
ela alguma visibilidade em âmbito nacional. Esse reconhecimento se expressa no volume de
citações de artigos, livros e capítulos de minha autoria ao menos nos últimos cinco anos (vide
Dossiê 8). Os pareceres para agências de fomento e revistas especializadas, a precedência na
concessão de bolsas de formação de iniciação científica, também são índices de uma nova fase.
Em agosto de 2014, participei do encontro internacional da FIEC, Federação Internacional de
Estudos Clássicos, em Bordeaux, França. Apresentei em inglês uma versão abreviada de meu
estudo de caso sobre o taphos de Melitta que foi muito bem recebida (ver Dossiê 8).
De volta ao Brasil, começamos a organizar com antecedência o I Ciclo de Seminários de
História e Filosofia do Philos, marcado para o final de 2015 (Dossiê 6). A intenção era criar
um website que hospedasse nossa programação, nossas informações de pesquisa e,
principalmente uma revista virtual que deveria ter em seu primeiro número os anais do I Ciclo.
As intervenções no ciclo procuraram tematizar não propriamente uma filosofia da história mas
a questão “o que é a história” ou o campo historiográfico e os horizontes da pesquisa histórica,
especificamente no que se refere ao como pluralizar as narrativas e incorporar antropologia e
filosofia num modelo transdisciplinar. Além da organização e do pedido de financiamento à
CAPES, contribui com a conferência História e Tragédia (Dossiês 6 e 8). O tema surgiu ao
longo do curso de pós-graduação em 2015-1 (Dossiê 2 e grupo I do relatório de atividades),
quando iniciei uma colaboração com a então mestranda e agora doutoranda e professora de
grego Stefania Samsone Giglio, que apresentou trabalho na mesma ocasião. Ao longo de 2015,
a profa. Stefania coordenou a oficina de grego instrumental que eu já vinha realizando no
âmbito do HHAG desde 2014. E começamos então a realizar a tradução de partes da Poética,
de Aristóteles. Em 2015 também começou meu périplo sobre as obras de Walter Benjamin,
iniciado pelo Drama Barroco Alemão (1984), Arcades (2009) e as Teses (2005). A conferência
que apresentei no I Ciclo, História e Tragédia, tinha como subtítulo “entre as leituras de
Nietzsche e Benjamin”. Nela, busco aproximar o Drama Barroco Alemão e as Teses sobre o
conceito de História, da II Consideração Intempestiva (2003) e de O Nascimento da Tragédia
(1992), de Nietzsche. Enquanto Stefania apresentava a nossa proposta de tradução de parte da
Poética, eu encaminhava uma relação entre a tragédia (poesia) e o tempo histórico, reflexão
esta que se encontra na raiz de meu artigo publicado pela História da Historiografia em 2019
(Andrade 2019a).
29

Um dos efeitos mais cruciais do pensamento feminista sobre a nossa disciplina incide
sobre o marco da temporalidade, sobretudo no que diz respeito ao anacronismo. Para explicar
essa questão, preciso remeter aos estudos que me levaram a escrever sobre as teses de Benjamin
(2019a) e sobre a obra de Nicole Loraux (no prelo para 2020). Além, é claro, do trabalho sobre
História e Tragédia. O argumento de Aristóteles sobre o “particular e o universal” na Poética
1451b se tornou, a partir do curso de 2015, uma pulga atrás da orelha. Não por concordar ou
discordar: para mim o problema estava na verdade, mais precisamente, na forma como o drama
desdobraria o mito fazendo-o desenlaçar uma verdade “mais verdadeira” sobre o ethos. Assim
é que a poesia, segundo Aristóteles nessa argumentação bem conhecida pelos historiadores,
seria mais criteriosa que a história, mais séria, precisamente por não lidar com fatos, mas com
o possível (com o universal na linha do ethos). Intrigava-me a comparação entre História e
Poesia remetida à problemática do mais verdadeiro e do “mais sério”, inclusive porque nós não
mais a faríamos dessa forma. Como historiadores cientistas, compararíamos a história e as
ciências naturais, mas não colocaríamos no mesmo plano de existência história e poesia sem
muitos questionamentos críticos. Somava-se a esse estranhamento o fato de que, naquela época,
eu me encontrava imersa na criação poética e na composição musical e pressentia que essa
imersão de modo algum me afastava do caminho da historiografia; era como um intermezzo,
aquele mesmo intervalo do sonho que sonha um outro mundo possível. História e poesia
continham, para Aristóteles, um quê de semelhança técnica. Um desdobramento, a partir de
um espetáculo (o testemunho do historiador ou do espectador), de uma narrativa em direção ao
desenlace, no tempo fechado de um ciclo solapado pela reviravolta. Com uma diferença: a
poesia seria mais geral, portanto mais verdadeira, que a história. Observe-se: não há, aqui, nada
que toque a problemática tão cara para nós do ficcional, essa ideia de ficção não faz parte da
discussão da tragédia e da poesia por Aristóteles. A fabricação do poeta pela mímese não tem
como consequência uma obra com estatuto “irreal” e, ao invés disso, essa obra parecia ser
levada em conta pelo filósofo como mais real porque mais verdadeira, mas afeita à ideia geral,
do que aquilo que Alcibiades fez ou concebeu, na particularidade da historiografia.
Surpreendentemente, aquela discussão me mostrava já um caminho de esclarecimento de como
a parte (o tema historiográfico) pode ser maior que o todo, como a parte pode ser universal pela
mediação de uma poética (ver dossiê 8, meu artigo 2020b que ainda aguarda avaliação da
Revista História e Historiografia).
Para alguém que se via já há alguns anos extrapolar-se pela poesia, a sensível subversão
da questão tal como colocada pela Poética merecia atenção. Naquele momento eu
30

já tinha realizado a leitura de ao menos dois estudos da passagem 1451b (Finley, 1989 e
Ginzburg 2002) e, em ambos os casos, havia um quê de autojustificação por parte dos
historiadores. No caso de Finley, a referência a Aristóteles aparecia em um contexto de
comparação e diferenciação entre a história como ciência — o que fazemos hoje — e a história
como manifestação do interesse pelo passado. No caso de Ginzburg, interessava menos a
presença da discussão na Poética do que a defesa da ciência do particular em sua relação não
à poesia mas à retórica e, consequentemente, relação da retórica à prova. Para a conferência no
Seminário do Philos, fiz uma pesquisa exaustiva em estudos de filosofia e história sobre a
relação colocada por Aristóteles entre história e poesia. Encontrei estudos sobre o trágico, o
drama e a história, como no caso do Drama Barroco Alemão, de W. Benjamin, mas o que me
interessava era esse suposto “mais sério” (spoudaiós) que a poesia representava para
Aristóteles quando comparada à História. Desse questionamento resultou a conferência no
Philos que anexo integralmente ao Dossiê 8. E resultaram as considerações que levaram aos
temas de minha produção intelectual e artística a partir de então.

- Leituras Cruzadas

Em 2017, fui convidada pelas profas Lise Sedrez, Monica Lima e Andrea Casa Nova
Maia (PPGHIS-UFRJ) para compor uma mesa redonda como aula inaugural do 1 semestre
2017 no PPGHIS. Escolhi o tema da violência simbólica e considerei uma boa oportunidade
para retomar o tema Medéia/Gota d’Água, objeto do capítulo de livro A Gota d’Água ou a
Medeia em nós que publiquei em 2008 (Andrade 2008b). A questão de fundo era, justamente
a da violência psicológica, um tipo de violência legalmente caracterizada, com facetas como,
por exemplo, a do assédio sexual e/ou moral. Considero a violência subjetiva talvez a forma
mais cruel e insidiosa, primeiro porque ela nem sempre é reconhecível (e muitas vezes quando
é reconhecida por outrem é negada por quem passa por ela), segundo porque, vindo
acompanhada de violência física ou de sua promessa ou mesmo da mais pura felicidade, sempre
visa como resultado a quebra e a pacificação de um sujeito. Mas como poderia eu contribuir
para um debate sem cair no anacronismo? Pensei muito sobre isso e resolvi retornar ao estudo
comparativo de Medeia e a Gota d’Água publicado alguns anos antes, um estudo em que a
versão trágica "original" de Medeia (quero dizer, o texto de Eurípides tal como chegou até nós)
servia de “grade de leitura” para uma análise da tragédia moderna A Gota d'Água, de Chico
Buarque e Paulo Pontes (1975). Como cruzar o aparente “abismo” entre a tragédia grega e o
teatro moderno brasileiro, mesmo sabendo que esse cruzamento já
31

havia sido feito na obra poética dos autores de A Gota d’Água? E, sobretudo, como comunicar
naquele evento, estrategicamente constituído com o intuito de endereçar casos de violência
subjetiva e física contra nossas mulheres, digo mulheres-do-agora? A Medeia de Eurípides é
uma tragédia grega, uma obra poética na qual o autor opera uma escolha a partir de uma
pluralidade de versões e de lendas sobre o que uma princesa da Cólquida fez e o que aconteceu
com ela quando vai com Jasão morar em Corinto. Eles se casam em tem dois filhos. Mas
Medeia é bárbara, ápolis na versão de Eurípides, enquanto Jasão é um príncipe grego bastante
promissor e para quem o rei de Corinto oferece a filha em casamento. Jasão abandona Medeia
e os filhos que teve com ela. A tragédia começa aí e focaliza primeiro o sofrimento de Medeia,
depois seu estratagema para vingar o que ela chama de leito traído (juramento do leito traído)
e então, sendo bem-sucedida na vingança que culmina com a protagonista matando os próprios
filhos (a descendência de Jasão fica assim eliminada), Medeia foge em apoteose no carro do
deus Sol, para o completo horror dos espectadores.
Medeia é a única tragédia que conheço de fato, em que a protagonista declama um
monólogo (v. 214-266) em que a condição feminina em contraponto às benesses de ser um
homem é abordada: não poder escolher o marido e ter de aceitá-lo ficando somente com ele,
enquanto ele pode se divertir com outros; morrer no parto como pior destino que morrer na
guerra, etc. Com esse monólogo, Medeia consegue a cumplicidade do coro de mulheres
coríntias para efetuar sua vingança, e embora elas lamentem o tempo todo e sofram com a
monstruosidade dos planos de Medeia, vão com ela até o fim. Um segundo momento acontece
no primeiro canto coral, onde as coríntias levantam a voz para "contraecoar o hino masculino
do descrédito feminino" (v.410-430), sendo as ações das mulheres do coro instauradoras uma
verdadeira guerra de gêneros, virando ao avesso toda a tradição poética de censura às mulheres
(ver Andrade 2009a e 2020a).
A sociedade ateniense era uma sociedade patriarcal. Em família, as mulheres eram
marcadas por um estatuto de minoridade legal como akuron (subordinadas) e adunaton
(incapazes) e precisavam socialmente de um senhor que falasse por elas, pai, irmão, marido,
tio... E a tragédia de Eurípides explora isso. Não é um final feliz o êxito de Medeia, é trágico
para o que realmente importa: Jasão não terá mais descendentes, seus filhos foram mortos pelas
mãos da mãe, e só um detalhe, a maior parte dos textos de medicina grega (principalmente
aqueles que se tornaram fundamento da medicina ocidental até o séc XVIII) consideravam que
a participação do pai na concepção era ativa e a da mãe passiva: o pai concebe, a mãe alimenta,
portanto os filhos não são filhos dela em um sentido importante, aquele que poderia conferir a
elas um poder jurídico sobre eles ou sobre a herança. Mas
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então, nesse mundo patriarcal em que as mulheres provocavam tragédias, a tragédia de Medeia
era, de fato, o sucesso das mulheres em atacar duas condições de suma importância para elas
mesmas: primeiro, o casamento e o juramento do leito (o estatuto legítimo de esposa); depois,
a condição de mãe dos filhos do marido.
Como os autores de A Gota d'Água adaptam Medeia? O texto é belíssimo, todo
versificado, musical. Medéia agora é Joana, mulher mais velha que se casa com Jasão, um
sambista muito promissor que cujo primeiro hit de sucesso toca nas rádios. Moram num
conjunto habitacional cujo proprietário rentista vê em Jasão um excelente genro, quer casar a
filha. Em meio a isso, o drama do pagamento do aluguel pelo povo que habita o conjunto. E o
que acontece? Bem, Jasão abandona Joana, vai se casar com Alma numa grande festa dada pelo
sogro. O sofrimento de Joana não encontra a solidariedade das mulheres, atarefadas a preparar
a festa e fazer os doces; a luta contra o aumento dos aluguéis também não consegue seguir
adiante, o medo e o clima de festa esvaziam as queixas dos locatários. Resta a Joana o último
recurso, a macumba e o envenenamento de um bolo. Os filhos levam o presente a noiva, mas
o presente é repelido e a vingança fracassa. A peça termina com Joana e os filhos comendo o
bolo, Joana suicida-se e mata os filhos. O infanticídio seguido de suicídio ecoa nos jornais
populares.
A peça é sobre impotência e apaziguamento. Diferentemente, a história de Medeia era
uma história de sucesso feminino na vingança e ao mesmo tempo um aviso aos homens para
temer as mulheres. Em nenhum momento há solipsismo, em nenhum momento apaziguamento,
conformação. Alguém me dirá: mas Medeia era semi divina, princesa e por aí vai. Sim, mas
precisamente esta não é a questão, porque Medeia não é uma pessoa, mas um caractere (um
ethos), e isto significa que no enredo do drama o que está em questão é a linha de ação dos
caracteres e não, e nunca, intenções ou sentimentos de pessoas — isso aprendi no debate e na
tradução da Poética. A linha de ação segue em direção à síntese: o conjunto de mulheres
assume uma voz ativa e provoca um grande desastre. Essa é uma característica do patriarcado
clássico, ao menos nos textos atenienses: as mulheres são mais temidas que submetidas, e
precisam ser submetidas pelo poder maior, pelo kratos, pela violência. Não se espera
apaziguamento senão pelo exercício da força, e daí segue-se o dilema do natural feminino,
adunatos, “impotente”, tão caro às medicinas aristotélica, galênica e posteriores. Medeia é
capaz de muitos males, é feiticeira e é ardilosa. Como outras heroínas trágicas transformam a
impotência inicial em ato final.
A Gota d'Água, por outro lado, é justamente sobre a impotência de um povo que não
consegue fazer a síntese no ato final, não consegue solidarizar-se e resolver dialeticamente
33

seu destino. É, portanto, sobre a potência do dominador (e não necessariamente sobre a


violência) de dobrar a vontade. A ação política de submeter pela captura, de anular a força de
um sujeito pela captura da subjetividade, pacificar a ação, isso é violência subjetiva. E a peça
magistral de Chico Buarque e Paulo Pontes mostra isso, como um povo vai se dissolvendo nas
doçuras da coerção da subjetividade, alienando sua capacidade de ação histórica.
"Mirem-se no exemplo das mulheres de Atenas" é o primeiro verso de uma das músicas
mais importantes de Chico Buarque como dramaturgo. Não é da Gota d’Água mas de Lisa, A
Libertadora, de Augusto Boal. Cabe aqui uma ironia velada, porque o exemplo de Medeia,
como o exemplo da Lisístrata que inspira a peça de Boal, é precisamente contrário ao exemplo
da Gota d'Água. A música é um chamado à ação, não a constatação de um fato histórico.
Mulheres de Atenas seremos nós (não as atenienses). Seremos nós quando incapazes de
sororidade, e sobretudo, enquanto introjetamos e naturalizamos a violência simbólica derivada
particularmente das relações de gênero que nos constituem como homens e mulheres. Essa
reflexão sobre a apropriação de um texto de literatura clássica por dois dramaturgos modernos
no contexto do teatro de opinião é o exemplo prático do que considero leituras cruzadas.
Formas belamente anacrônicas de promover o encontro de dois tempos, dois contextos
incomparáveis do ponto de vista das realidades históricas, mas indispensáveis para a
elaboração de temas, objetos e abordagens (parafraseando a série de publicações francesas da
década de 70) capazes de conferir sentido a uma ou várias narrativas sobre história das
mulheres, ou história de como as mulheres atuam num mundo de comunidades, redes e fluxos
em transformação.

4. Palavra de mulher (2018-atual)

Para descrever a fase em que me encontro atualmente, três palavras: produtividade,


maturidade e... pandemia. Após um quadriênio extremamente fértil do ponto de vista da
gestação de ideias e formação de alunos, tive que me confrontar com um resultado muito aquém
do esperado no que tange às publicações de livros e artigos entre 2012 e 2016. Publicar,
publicar, resultados... é um mantra esterilizante, por um lado; mas por outro lado, foi preciso a
partir de 2018 encarar a folha em branco que me esperava após alguns anos de ideias
pronunciadas em aulas, textos apresentados em eventos, em poesias, em músicas. No horizonte,
ao longe, prometo-me um livro autoral para encerrar a pesquisa sobre exposição feminina em
contextos funerários até 2023. Enquanto isso, os resultados vão sendo publicados em forma de
artigos e capítulos de livros.
34

Entre 2018 e 2021 foram e serão ao todo 10 publicações (vide Dossiê 8). A primeira
delas foi surgiu na Revista Mare Nostrum, intitulada “Nós e o Outro: A Cidade-Estado e os
Dilemas de Uma Política Sem Rosto” (2018). Trata-se de um diálogo com o texto “La Pólis, el
Estado y los Ciudadanos de la Democracia Ateniense Como Una Comunidad Indivisa”, de
Diego Paiaro, publicado no mesmo número da revista, trazendo contribuições tanto da pesquisa
sobre os contextos funerários e a exposição feminina em Atenas como das leituras de História,
Filosofia e Antropologia realizadas ao longo dos últimos oito anos. O objetivo do artigo é
discutir a questão do espaço político das mulheres à luz da problemática da política e da cidade-
estado, acompanhando Paiaro no que se refere ao recurso à antropologia do poder de Pierre
Clastres (1978). Mas com outros desdobramentos, a partir dos quais espero ter ampliado mais
ainda essa discussão de suma importância para aqueles que buscam, na história, a agência dos
sem história. Em 2019, foram publicados dois artigos e um capítulo de livro. Em primeiro
lugar, uma síntese teórica e especulativa a partir das leituras de Agamben, Benjamin e da
Poética, de Aristóteles, intitulada “Tempo, história e subjetividade em uma abordagem
“atópica” das teses de Walter Benjamin em seu ensaio Sobre o conceito de história” (Revista
de História e Historiografia, v. 12, n. 29, jan-abr, ano 2019a, p. 153-178), no qual buscava
refletir acerca dos problemas do tempo e da subjetividade na produção de conhecimento
histórico. A abordagem escolhida foi inspirada no pensamento de Giorgio Agamben e parte da
citação da relação entre história e poesia no trecho 1451 (a, b) da Poética de Aristóteles. O
diálogo que se segue com as teses incluídas em Sobre o conceito de história, de Walter
Benjamin, aproxima a problemática do corpo do tempo à questão da ação e da subjetividade
histórica, indagando sobre a possibilidade de conceber uma imagem do tempo mais adequada
à ação constituinte do sujeito histórico e a sua relação com o possível. Ainda em 2019, foi
publicado o artigo “A Política e a Vida Comum” (Phoînix, Rio de Janeiro, 25-1: 124-140,
2019b). Nele, a abordagem das três características principais do “universo espiritual da pólis”,
segundo Jean-Pierre Vernant (1990), sob o ponto de vista da relação entre as mulheres e a pólis,
tendo como foco a Atenas clássica. O debate tomava como base os argumentos de Nicole
Loraux (1989) sobre a impossibilidade de uma história das mulheres no mundo antigo, que, ao
mesmo tempo, traz à tona uma operação política de distinção entre masculino e feminino para
definir os espaços e os agentes da pólis. Discuti, então, a possibilidade da compreensão dos
valores desse universo espiritual, afirmando a presença política das mulheres na vida comum.
Por fim, foi publicada minha contribuição à obra coletiva Vidas Antigas: ensaios biográficos
organizada pelo prof. Marcelo Rede (2019c). Escrevi um capítulo sobre Aspásia onde ressalto
as dificuldades e ao mesmo tempo as
35

possibilidades promissoras de se escrever uma história que busca por indícios das palavras
das mulheres em fontes (textuais, iconográficas, materiais) raramente atribuídas a sua autoria.
Em 2020, foi publicado o artigo Palavra de Mulher (Andrade, 2020a); encontra-se em
processo de avaliação o artigo O Indisciplinado: reflexões sobre a escrita da história no pós-
Homem (Andrade, 2020b) e no prelo o livro Como se escreve a História da Antiguidade –
Olhares sobre o antigo, organizado por Glaydson Silva e Alexandre Carvalho, onde
contribuo com uma análise do conjunto da obra da historiadora francesa Nicole Loraux,
intitulada “Nicole Loraux ou o tempo do anacronismo” (Andrade, 2020c); o livro organizado
pela profa Camila Souza, Viver e Morrer na Antiguidade, no qual contribuo com o capítulo A
Cidade das mulheres: breve exposição sobreo casamento, o dionisismo e as cenas de
partida” escrito por mim e por Sandra Ferreira dos Santos (Andrade, 2020d) ; e o livro
Arquivo Pandemia, vol 2, organizado por Andrea Casa Nova Maia, contribuo com o pequeno
texto “O Range-Rede” (Andrade, 2020e). Além desses textos já finalizados, publicados ou
enviados para publicação, trabalho atualmente no projeto Poesia e História: o universal, o
particular e a ciência de verdade. Para que esse projeto se concretize em forma de artigo
acadêmico, é necessário terminar a tradução dos trechos da Poética, incorporar os
comentários e contribuições da tradutora, prof. Stefania Giglio, e compor a tradução com meu
artigo Poesia e História, não publicado mas já finalizado em forma de copião. Minha
meta para os próximos anos é, portanto, publicar.
Pretendo também finalizar essa longa etapa da pesquisa sobre contextos funerários com
o livro completo, como mencionei, inaugurando ao mesmo tempo uma nova etapa voltada para
a cultura clássica e o Brasil sob o ponto de vista da educação das mulheres, integrando assim
o questionamento sobre a formação de certos parâmetros de gênero e bi- gênero dentro do
processo de formação, significando tanto a educação formal provida, por exemplo, pelo Liceu
de Artes e Ofícios, como também por jornais, revistas e livros com alguma circulação entre o
público feminino eminentemente urbano e carioca entre meados e finais do século XIX (vide
projeto Leituras Políticas do Gênero no Dossiê 6). O objetivo é subsidiar estudos sobre o uso
da literatura e das referências à antiguidade grega na formação das mulheres entre os séculos
XIX e XX.
36

A Pandemia

A quarentena chegou quando estava a finalizar este memorial e impôs a ele um silêncio
de quase sete meses, entre fevereiro e outubro de 2020. Nesse período, assim como meus
colegas, demorei um tempo para compreender a extensão do infortúnio e mais um tempo para
reinventar os meios. “Ficar em casa” nem é tanto um desafio, mas a falta do convívio
presencial, a ausência do prédio mesmo do Instituto e História, de minha sala, os livros que
ficaram para trás, tudo isso dificultou num primeiro momento essa narrativa, forçando uma
necessária metamorfose. Como a produção intelectual demonstra, consegui publicar e enviar
para publicação muitos trabalhos que estavam latentes. Quando a UFRJ suspendeu o primeiro
semestre de 2020, eu estava me recuperando de uma pequena cirurgia e ainda não tinha
retornado a sala de aula. Estava preparando um curso de História Antiga 1 sensivelmente
diferente por incorporar questionamentos advindos dos estudos descoloniais e da história de
grupos subalternos (ver Dossiê 3), a começar pela discussão de uma história plural, anacrônica
e alternativa a partir das leituras de Adichie (2019), Krenak (2019) e Kopenawa (2009). Uma
escritora africana, dois indígenas, a historiografia secular da antiguidade grega, e um desafio,
novamente, marcado pelas leituras cruzadas mas, dessa vez, vozes da “nossa” subalternidade a
dialogar com a também “nossa” herança clássica eurocentrada. Esse desafio acabou
configurando uma série de videos, leituras dirigidas, grupos de estudo que não teriam
acontecido se não houvesse a necessidade de pluralizar os meios remotos de diálogo com os
estudantes. Inicialmente, por um período de 6 semanas, conduzi ainda a turma de História
Antiga 1 pelos primeiros passos do programa da disciplina em 2020/1. Diante da suspensão
das aulas, contudo, considerei não ser apropriado avançar além da parte introdutória do curso.
Os materiais foram preservados no canal do youtube, no grupo de facebook e na Google
classroom e serão retomados no reinício de 2020/1, previsto para 30/11/2020, remoto.4 Ao
longo desse período entre março e outubro de 2020, mantive o grupo de estudos HHAG em
funcionamento, com a leitura dirigida em reuniões remotas via Zoom do livro Metafísicas
Canibais, de Eduardo Viveiros de Castro (2018). A pós-graduação reiniciou em agosto de
2020, também por meio de reuniões remotas e atividades assíncronas que venho realizando
com os alunos da disciplina Logos Gunaikos: palavra de mulher (PPGHIS 2020/1, ver Dossiê
2). Ao longo de todo o período, as atividades de orientação, a
4
videoaulas publicadas no youtube:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLa5vd46VVFlq6tquYk8cjwSCf8KzWVcyK
grupo de facebook da disciplina:
https://www.facebook.com/groups/588181108428918/
37

editoria de resenhas da revista Topoi que assumi em 2018, a atuação como parecerista, as
bancas de pós-graduação, nada disso parou, assim como também o fluxo da música, contínua,
vêm demarcando o ritmo de um tempo redescoberto, estilizado, sem relógios que consigam
determinar a disciplina do trabalho. Por isso, posso dizer que hoje meus sentimentos são
ambíguos em relação às “novas práticas”. Percebo que se a presença é necessária, se a
convivência é com certeza imperativa para a universidade, as atividades remotas e assíncronas
oferecem um espaço bem diferente do ensino à distância institucionalizado (EAD) no que tange
inclusive ao papel ativo e ao diálogo dinâmico, em sincronia ou não. Comemoro, por exemplo
e diferentemente de muitos professores, a possibilidade de gravar as reuniões (com copyrights).
As práticas que vão caracterizando o ensino remoto demonstram, para mim, os benefícios de
uma opção indisciplinar: democrática, desfocada da lista de presença, deslocada do lugar da
avaliação, emancipadora no sentido de uma experiência do tempo próprio. É claro que todas as
defesas que eu possa fazer ficarão sujeitas à controvérsias, havendo prós e contras em um
processo ainda em curso. Mas até o presente momento minha experiência é positiva e eu espero
que o retorno ao presencial não seja o retorno puro e simples das antigas práticas e de hábitos
enraizados.
Tenho festejado a indisciplina, rigorosamente. A tal ponto que, quando a revista
História da Historiografia propôs o dossiê “História e (In)disciplina”, juntei todas as minhas
forças para apresentar o artigo do qual já falei acima (2020d). O (In)disciplinado (vide Dossiê
8) é quase autobiográfico. É quase um memorial sobre a escrita da História tal qual se impôs à
minha prática ao longo desses anos de UFRJ. Para além de uma autobiografia intelectual, o
artigo é fruto dos debates antigos e recentes do Anexo/Philos/HHAG em torno da História e da
Filosofia, culminando com a discussão do livro Metamorfoses Canibais (Castro, 2018). No
diálogo com a antropologia, vou explicando em O (In)disciplinado o que penso ser crucial para
a escrita da história no limiar da produção do conhecimento, considerando nosso
encaminhamento para uma era “pós-Homem” que exige das ciências humanas posicionamento
crítico quanto a sua separação do rosto disciplinar subentendido pelo sujeito racional
(universal). A complexidade da questão “quem são as mulheres?” no contexto do pensamento
feminista e tal como se apresenta em minha própria trajetória de pesquisa, introduz a descrição
da personagem do “sem-rosto”, seu desdobramento em “mundo” e considerações sobre as
condições de sua possível aparição no âmbito do “conhecimento histórico”. A importância da
indisciplina do “sem-rosto” relaciona-se, no artigo, à parcialidade implicada na produção da
historiografia sob pontos de vista engajados e plurais, cuja importância é discutida a partir do
diálogo com a antropologia e a filosofia. A meta do
38

artigo é delinear um panorama para a abordagem histórica de um sujeito no “entre”,


heterotópico e anacrônico por necessidade. O (In)disciplinado (2020d), o Palavra de Mulher
(2020a), ambos escritos em 2020, somados aos textos sobre Nicole Loraux (2020b, escrito em
2018 e aguardando publicação) e sobre Walter Benjamin e o corpo do tempo (2019a),
representam conjuntamente minha profissão de fé no futuro da História, da historiografia e da
historiadora, professora, orientadora, compositora que voz fala.

Finalmentes

Quando iniciei a escrita desse memorial em 2019, era relativamente fácil falar sobre os
projetos futuros. Atualmente, consequência talvez de uma mudança na experiência tempo, já
não me é tão fácil. Falo mais em relação aos planos de internacionalização de minha atuação,
com um possível pós-doutoramento no exterior. Previa solicitar afastamento para pós-
doutorado em 2021, por considerar principalmente que me falta uma experiência de longa
duração em um intercâmbio internacional. Não sei mais quando será possível sair do país. Não
sei mais quando voltaremos a ter recursos de pesquisa que financiem nossa saída do país, desde
2014 não participo de eventos internacionais e não posso fazê-lo com recursos próprios. Tenho
concentrado esforços, assim, na formação dos alunos e numa reescrita pedagógica de cursos e
reuniões presenciais para aproveitar da melhor forma possível todos os recursos que um curso
remoto proporciona. Voltei-me para a didática nos últimos tempos; para a reengenharia dos
cursos de graduação e pós e, portanto, voltei-me para “dentro”. De tal forma que me pego,
surpreendentemente, aceitando um cargo de direção após quase duas décadas, como susbtituta
eventual / vice-diretora do Instituto de História na gestão de Antonio Carlos Jucá (2020-2024).
Esse é o futuro que eu espero que me espere. Vice-diretora atuante do Instituto de História (ver
Dossiê 5); professora e orientadora com atuação presencial e remota; pesquisadora em processo
de encerramento de um ciclo com a publicação de um livro e início de um outro ciclo voltado
para a operação da “tradição clássica” na formação das mulheres no Brasil. Quiçá ainda farei
meu pós-doutorado no exterior, pós-vacina, em 2024.

Quis unir duas pontas com esse Memorial; quis construir a imagem de uma trajetória e
de uma biografia. Contudo, ao leitor peço que não cultive expectativas de que do lado de cá,
na escrita da história antiga grega em que me mantenho, serão um dia (re)encontradas as
mulheres atenienses tais quais. Eu vos prometo daqui para a frente uma prática, não uma
39

resposta. Primeira lição sobre a prática: ela não separa sujeito, objeto, dizer e fazer, pois se eu
fiz poesia e música, fiz porque sou feminista e historiadora, e se continuei essa história sobre
as mulheres foi porque amei a poesia, a música e a sala de aula; foi porque costurei minha vida
numa outra imagem da travessia, do tempo, do poder e da política; e porque “as mulheres”,
finalmente, não são indivíduos, grupos específicos, mas um ínterim, um lapso, o soluço da
máquina do mundo. E a resposta sobre a história delas é nosso dever com uma outra forma de
comunidade, um outro pacto social, enfim, com uma outra prática política. Eu sou feminista.

E, no mais, devo minha gratidão à sala de aula e aos laboratórios; aos alunos que
acompanharam a jornada do Anexo pela filosofia e a todos aqueles que permitiram às aulas
serem espaços de produção, de elaboração, de resolução. Por vocês, essa história vale a pena.

Obras Citadas:

ADICHIE, C. O perigo de uma história única. São Paulo: Cia das Letras, 2019.
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Dossiês:

Os dossiês indicados no Memorial seguem junto ao processo de Promoção à classe de


professor Titular e também podem ser acessados nos links abaixo. Observe-se que nos dossiês
foram colocados textos integrais e materiais descritivos das atividades. Para comprovantes
como diplomas, certificados e declarações favor consultar a documentação comprobatória
anexa ao Relatório de Atividades.

Dossiê 1: Formação Acadêmica


https://www.dropbox.com/sh/u6k01bx42wcpeeh/AACKN2XaYvauZbyhEwgnrPI1a?dl=0

Dossiê 2: Atuação em Pós-Graduação


https://www.dropbox.com/sh/dk1e6b739wp8tdb/AACV5BGjhrR8G2PItFDUjHwAa?dl=0

Dossiê 3: Atuação na Graduação


https://www.dropbox.com/sh/ip43jotdjsqs80d/AACPaguztgSS1FSpn9g4Sq_sa?dl=0

Dossiê 4: Extensão
https://www.dropbox.com/sh/attzl9ahh3srbcp/AADdwc9_NMaBp2aLkI2VZ1K7a?dl=0

Dossiê 5: Administração Acadêmica


https://www.dropbox.com/sh/bsnm3tdi99zfocn/AADtLoCh0O_qnh9lk3UI7GNna?dl=0

Dossiê 6: Grupos de Pesquisa


https://www.dropbox.com/sh/3jmo8i1pu8rndvg/AABeEw1rVpTbHgzzzvBatI6Ea?dl=0

Dossiê 7: Bolsas, Auxílios e Premiações


https://www.dropbox.com/sh/f0pdztny3pktctf/AAC-RgSHeXrfZNqaVhFwtfaba?dl=0

Dossiê 8: Produção Intelectual


https://www.dropbox.com/sh/kljkutxhlvh5ljv/AABMYGwDpTY6KdC6mpTFhtHVa?dl=0

Dossiê 9: Produção Artística


https://www.dropbox.com/sh/rs2d9hm794v6fpu/AABUwvLunN1J_UPr2uWFgGuja?dl=0
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Citations 175 78
History philosophy anthropology h-index 6 5
i10-index 5 2

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TITLE CITED BY YEAR

A vida comum: espaço, cotidiano e cidade na 57 2002


Atenas Clássica 8
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DP&A

A cidade das mulheres 33 2001


2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
0
MM Andrade
Cidadania e Alteridade Feminina na Atenas Clássica. Rio de
Janeiro: LHIA

15 2003 Co-authors EDIT


A “Cidade das mulheres”: a questão feminina e a
pólis revisitada
MM ANDRADE
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da. Amor, desejo e …

Deformidades em valgo e varo de joelhos alteram 13 2007


a cinesiologia dos membros inferiores
AEF Gama, LC Lucena, MM Andrade, SB Alves
X ENCONTRO DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA DA UFPB 1

Mito e gênero: Pandora e Eva em perspectiva 11 2009


histórica comparada
ACLF Silva, MM Andrade
cadernos pagu, 313-342

Prática do espaço, experiência do corpo: Sennett 9 1996


e a cidade
MM de Andrade
Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material 4 (1),
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O tempo e os outros: ensaio sobre história e 6 2004


alteridade
MM ANDRADE
Boletim do CPA, 7-30
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O espaço funerário: comemorações privadas e 5 2011


exposição pública das mulheres em Atenas
(séculos VI-IV aC)
MM Andrade
Revista Brasileira de História 31 (61), 185-208

A" vida comum": espaço e cotidiano nas 4 2000


representações urbanas da Atenas clássica
MM de Andrade
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo.

Os" usos" do feminino. Ou da participação da 4 1998


mulher na pólis dos atenienses no período
clássico
MM de Andrade

Pólis: comunidade, política e a vida em comum 3 2015


numa leitura da Política de Aristóteles
MM de Andrade
Classica-Revista Brasileira de Estudos Clássicos 28 (1), 95-
124

O Feminismo e a Questão do Espaço Político das 3 2011


Mulheres na Atenas Clássica
MM DE ANDRADE

A Cidade das mulheres: cidadania e alteridade 3 2001


feminina na Atenas clássica
MM de Andrade
LHIA

Política e Visibilidade: o Elogio das Mulheres em 2 2014


Contextos Funerários Atenienses (sécs. V-IV a.
C.)
MM de Andrade
MARE NOSTRUM. ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO
ANTIGO 2014, NÚMERO 05, 1

Aristófanes e o Tema da Participação (Política) da 2 1999


Mulher em Atenas'
MM de Andrade

Pharmacokinetic aspects of Tert-Butylaminoethyl 2 1989


disulfide, an experimental drug against
schistosomiasis in mice
MM Andrade, ACT Freire, DL Nelson
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 84 (1), 95-102

Tempo, história e subjetividade em uma 1 2019


abordagem “atópica” das teses de Walter
Benjamin em seu ensaio Sobre o conceito de
história
MM de Andrade
História da Historiografia: International Journal of Theory and
History of …

O elogio das mulheres em contextos funerários da 1 2010


Atenas Clássica: estudo de caso do táphos de
Mélita
MM de Andrade
Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 235-249

IMAGENS DE CAÇA NA ANTIGUIDADE 1


CLÁSSICA: ENTRE A CIDADE E O CAMPO
AL Chevitarese, MM de Andrade, RM da Cunha Bustamante
Phoinix, 46

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A Woman’s Speech:“Women’s Voice” and the 2020


Ancient Greek History
MM Andrade
Revista Brasileira de História 40 (84), 119-140

Palavra de Mulher: sobre a “voz das mulheres” e a 2020


história grega antiga
MM Andrade
Revista Brasileira de História 40 (84), 119-140

Time, History and Subjectivity in an" atopic" 2019


approach to Walter Benjamin's theses On the
concept of History.
MM de Andrade
Historia da Historiografia 12 (29)

Nós e os Outros 2018


MM de Andrade
Mare Nostrum 9 (2), 70-83

Cenas de Partida: um ensaio de análise da 2015


iconografia
MM de Andrade
Interfaces Brasil/Canadá 15 (1), 166-189

Departure Scenes: an essay on iconographical 2015


analysis
MM de Andrade
INTERFACES BRASIL-CANADA 15 (1), 166-189

Politics and visibility: women eulogy in Athenian 2014


funerary contexts (5th-4th BC.)
MM de Andrade
Mare Nostrum (São Paulo) 5 (5), 1-17

Corpo: sujeito objeto 2014


MM de Andrade, LF Sedrez, W de Souza Martins, E Prado,
MA Valentim, ...
Editora Ponteio-Dumará Distribuidora Lta

Outras histórias: Ensaios em História Social 2014


ACN Maia, MM de Andrade, BCC Santos, W de Souza
Martins, FV Castro, ...
Editora Ponteio-Dumará Distribuidora Lta

diálogoS da vida comum: oS eSPaçoS funerárioS 2012


e a cidade antiga
MM de Andrade
Representações da cidade antiga: categorias históricas e
discursos …

Funerary Spaces: private dedications and the 2011


public exposure of women in Athens (6th-4th
centuries BC)
MM de Andrade
Revista Brasileira de História 31 (61), 185-207

Myth and gender: Pandora and Eva in a 2009


comparative historical approach
ACLF Silva, MM Andrade
Cadernos Pagu, 313-342

Spatial practices and bodily experience: sennett 1996


and the city
MM Andrade
Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material 4 (1),
291-308

Cotidiano, Trabalho e Lazer na Atenas Clássica

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MM de Andrade

A POLÍTICA E A “VIDA COMUM”


MM de Andrade
PHOÎNIX 25 (1), 124-140

A Paz e a festa: a vida comum na comédia de


Aristófanes
MM de Andrade

USOS ICONOGRÁFICOS DO MONUMENTO


FUNERÁRIO NA ATENAS CLÁSSICA
MM de Andrade
CADERNOS DO CEIA, 137

1-A HISTÓRIA ANTIGA COMO CAMPO DE


INVESTIGAÇÃO
HAIG Antiga-Professora, MM de Andrade

A DIMENSÃO RELIGIOSA DAS PRÁTICAS


FUNERÁRIAS: O “CASO” DE ATENAS
MM de Andrade

e cidade antiga
MM de Andrade
da Cidade Antiga, 51

Espaço social na grécia antiga: figurações do


feminino no espaço público
MM de Andrade

CIDADE E CIDADANIA: UMA PRÁTICA DO


ESPAÇO
MM de Andrade

Elogio do Anacronismo–O Ocidente, a história


grega e o pensamento feminista
MM de Andrade

Time and the others: essay on History and


Otherness
MM de Andrade

JEAN-PIERRE VERNANT À VIZINHANÇA DE


MARCEL MAUSS
MM de Andrade
Phoinix, 238

GÉNERO, PODER E DIEERENÇAS


MM de Andrade
Phoinix, 171

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Universidade Federal do Rio de Janeiro
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A vida comum: espaço, <i'"'"'"....,..... . .,. ;-<""'"....._AI,,., ,... r 1"'=;,...


MM de Andrade
DP&A
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A cidade das mulheres


MM Andrade
Cidadania e AJlel1dade Femini

A "Cidade das mulheres


MM ANDRADE

. l1
FUNARI, Pedro P: FEITOSA,

Mito e gênero: Pandora


ACLF Silva, MM Andrade
cadernos pagu. 313-342
11
Prática do espaço, expe
MM de Andrade
Anais do Museu <>auJ,sla· Hlst

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