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1.

O PEIXINHO QUE DESCOBRIU O MAR


2. Cristóbal nasceu num aquário. O mundo dele resumia-se a um pouco
de água entre as quatro paredes de vidro. Isso, alguma areia, algas,
pedras de diversos tamanhos e a miniatura em madeira de uma
caravela naufragada. Ah! E trinta e sete outros peixinhos, quase todos
irmãos do Cristóbal, ou primos, tios, parentes próximos. Havia ainda
uma velha tartaruga, chamada Mercedes, que já vivia no aquário
quando os avós dos avós de Cristóbal nasceram. Os peixes
acreditavam que Mercedes vivia no aquário desde a criação do
Universo e ela deixava que eles acreditassem naquilo. CBC
3. Ás vezes os peixes mais velhos contavam histórias que tinham
escutado dos seus avós. Diziam que, para além das paredes do aquário,
longe dali, havia água, tanta água que um peixe podia passar a vida
inteira a nadar, sempre em linha recta, sem nunca bater de encontro
com um vidro. Essa água livre, imensa, onde tinham nascido os
primeiros peixes, chamava-se Mar. Os peixes falavam do Mar como
quem fala de um sonho. Cristóbal tantas vezes escutou aquela história
que um dia resolveu perguntar a Mercedes. A tartaruga era
velhíssima, devia saber; os velhos sabem tudo. CBC
4. Encontrou-a a tomar banho de sol em cima de uma pedra. (...)
Mercedes torceu a boca numa careta de troça: - Disparate: o Mar não
existe! Não existe nada para além daquelas quatro paredes de vidro.
O universo inteiro somos nós. Cristóbal foi-se embora pensativo.
Sempre que ouvia falar no Mar, o aquário parecia-lhe menor. (...) CBC
5. Uma manhã, muito cedo, ainda todos os peixes dormiam. Cristóbal
encheu-se de coragem, tomou balanço e saltou. Percebeu
imediatamente que o mundo não terminava no aquário. CBC
6. Percebeu também, assustadíssimo, que o resto do mundo era um
lugar tão seco quanto a pedra onde Mercedes costumava descansar.
Percebeu isso tarde de mais. Estava estendido no chão de madeira e
não conseguia respirar. Foi então que viu um gato. Ele não sabia o que
era um gato. Nunca tinha visto nenhum. O gato, no entanto, sabia o
que era um peixe. Os peixes, na sua opinião, eram comida. Cristóbal viu
o gato e gritou: -Ajuda-me, vou morrer!... CBC
7. - Pois vais – disse o gato, que , aliás, não era um gato, era uma gata,
e por sinal lindíssima. – Eu vou-te comer. Cristóbal conseguia ver o
aquário e do lado de lá do vidro os outros peixes. Mas eles não o
podiam ver. - Não me comas – pediu - ,eu quero ver o Mar. A gata
olhou para ele admirada: - O Mar? Pois tu nunca viste o Mar?
Cristóbal, com dificuldade, porque fora de água não conseguia
respirar, contou-lhe a sua história. CBC
8. Verónica – era assim que se chamava a gata – ficou com pena dele.
Agarrou-o na boca, cuidadosamente, para não o magoar, e colocou-o na
sua tigela com água. - Vou-te ajudar – disse-lhe -, porque nunca
conheci ninguém tão corajoso como tu. Nessa tarde, a gatinha saiu
pelos telhados à procura do Nicolau, o albatroz, um pássaro enorme,
de bico largo e fundo, capaz de transportar lá dentro uma enorme
quantidade de peixes. Nicolau, velho amigo recebeu-a com alegria.
Verónica contou-lhe a história de Cristóbal e pediu-lhe para levar o
peixinho até ao Mar. CBC
9. O albatroz achou a ideia um pouco estranha: afinal, ele tirava
peixes do mar para os comer. Mas quando Verónica o apresentou a
Cristóbal depressa o convenceu. Colocou então o peixinho dentro do
bico com uma larga porção de água, para que ele não sentisse
dificuldades em respirar, e levantou voo. Voavam há quase uma hora
quando o Nicolau abriu o bico e disse a Cristóbal para espreitar.
Cristóbal ergueu a cabeça e o que viu deixou-o mudo de espanto: o
Mar brilhava imenso à sua frente. Era muita água. Havia muitíssimo
mais água ali do que dentro do seu aquário, muito, muito mais, muito
mais do que ele alguma vez se tinha atrevido a imaginar. CBC
10. Nicolau abriu as asas e começou a descer em direcção ao imenso
azul, lá em baixo o salgado rumor das ondas. Gritou: - Adeus, amigo.
Boa sorte! Sacudiu o bico e fez saltar o Cristóbal. O peixinho olhou
para cima, antes de mergulhar nas águas livres do Mar, e ainda viu o
albatroz agitando as asas, adeus, adeus, e desapareceu entre as
nuvens altas (...) CBC
11. VITÓRIA, VITÓRIA, ACABOU-SE A HISTÓRIA Texto adaptado
do livro “Estranhões e Bizarrocos”- Estórias para adormecer anjos de
José Eduardo Agualusa. Trabalho realizado por Cristina Braga da Cruz

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