Você está na página 1de 11

Notas de apoio ao capítulo 1- continuação

Saldos das administrações públicas


2– Contas e saldos das Administrações Públicas em Portugal

2.1- Saldos das Administrações Públicas

O senso comum quando refere o valor do défice público está, na verdade, a falar de um
conceito em finanças públicas mais abrangente e que é o de saldo global. Por definição,
na ótica da contabilidade pública, o Saldo Global (SG) é a diferença entre as Receitas
Efetivas (RE) e as Despesas Efetivas (DE) da administração pública, tal que:

𝑆𝐺 = 𝑅𝐸 − 𝐷𝐸

Existe um défice do saldo global, num determinado exercício, quando as receitas


efectivas são inferiores às despesas efectivas. No caso oposto, verifica-se um excedente
do saldo global, e quando as receitas efectivas são exactamente iguais às despesas
efectivas, diz-se que o saldo global é nulo.

Para o cálculo do saldo global devem ser esclarecidos os seguintes aspetos:

1. Há que distinguir se o cálculo do saldo global está a ser feito na ótica da


contabilidade nacional ou na ótica a contabilidade pública.

2. Há que distinguir se são valores executados, valores estimados provisórios, ou


orçamentados.

3. O cálculo do saldo global é a consolidação de todos os saldos dos Subsetores da


Administração Pública.

4. São consideradas, apenas, as receitas efetivas e as despesas efectivas, excluindo-


se, deste modo, as despesas e receitas com ativos e passivos financeiros.

Distinção entre ótica da contabilidade nacional e ótica da contabilidade pública

 Ótica de contabilidade pública: Adota uma ótica de caixa, em que as receitas e


as despesas são registadas no momento em que implicam a entrada ou saída de
fundos.
 Ótica de contabilidade nacional: Adota uma ótica de compromisso, em que as
receitas e despesas são registadas no momento em que o compromisso é
efetuado.
Exemplo: os juros vencidos no ano t, mas não pagos, são contabilizados nesse
ano em contabilidade nacional e no ano em que forem realmente pagos (t+1, t+2,
t+n) em contabilidade pública.

Distinção entre valores executados, valores estimados provisórios, ou orçamentados

 Valores executados: Valores efetivamente recebidos ou pagos do lado da


receita e da despesa. Alguns destes valores só são conhecidos após o fim do
ano civil a que diz respeito o orçamento.

 Valores estimados provisórios: São estimativas dos valores executados.


Tendo em conta que alguns valores executados só são conhecidos após o

fecho do ano civil (em especial os referentes aos subsetores da


Administração local e regional), as estatísticas oficiais elaboram estimativas
dos valores executados para cada ano civil.

 Valores orçamentados: São previsões das despesas e das receitas efetuadas


no momento da elaboração de um orçamento.

Saldos de todos os subsectores das administrações públicas.

O cálculo do saldo global é a consolidação de todos os saldos dos Subsetores da


Administração Pública:

 Administração Central
 Administração Regional
 Administração Local
 Segurança Social.

Os défices e os excedentes orçamentais de cada subsetor determinam o saldo global da


Administração Pública, como se pode ver na seguinte figura:

Despesas efetivas e receitas efetivas


A classificação das várias despesas e receitas das Administrações Públicas é uma
condição necessária para o apuramento do saldo global, tanto mais que é necessário
distinguir receitas e despesas efetivas das não-efetivas (ou financeiras). O Decreto-Lei
n.º 26/2002, de 14 de fevereiro estabelece o regime jurídico dos códigos de classificação
económica das receitas e das despesas públicas.

A classificação económica possibilita uma decomposição em dois grandes agregados


(despesas correntes e despesas de capital), que são desagregados em 11 agrupamentos
orçamentais que incluem 38 subagrupamentos, e cada um destes ainda tem rubricas
orçamentais (ver decreto-Lei nº 26/2002 de 14 de Fevereiro). Salvo exceções, as dotações
fazem-se rubrica à rubrica até completar o nível hierárquico superior (subagrupamento).
Classificação Económica das Despesas Públicas:

Tipo de despesa Exemplos de rubricas


Agrupamento económico
Corrente:
01- Despesas com pessoal Remunerações permanentes (salários e
pensões); despesas com a proteção social
dos funcionários.
02- Aquisição de bens e serviços Despesas de bens e consumo (duráveis ou
não) e com aquisição de serviços.
03- Juros e outros encargos Juros e outros encargos correntes da
dívida pública.
04- Transferências correntes Importância a entregar a particulares,
organismos ou entidades para financiar
despesa corrente sem que haja qualquer
contraprestação direta para com o
organismo dador.
05- Subsídios Fluxos financeiros não reembolsáveis do
Estado para empresas públicas e privadas.
06- Outras despesas correntes Dotação provisional (verba inscrita no
orçamento do ministério das finanças para
despesas correntes não previstas e
inadiáveis).
Capital:
07- Aquisição de bens de capital Despesas de investimento e com contratos
de locação financeira.
08- Transferências de capital Transferências com características acima
descritas, mas aqui destinadas a financiar
despesas de capital.
09- Ativos financeiros Aquisição de títulos de crédito
(obrigações, ações, etc) e concessão de
empréstimos.
10- Passivos financeiros Pagamentos decorrentes da amortização
de empréstimos ou da execução de avales
e garantias.
11- Outras despesas de capital Dotação provisional (destinadas a fazer
face a despesas de capital não previstas.
Tabela 3: Classificação económica das despesas públicas

A classificação económica das despesas públicas tem duas importantes desagregações:


 Despesas correntes versus Despesas de capital: As despesas correntes
distinguem-se das despesas de capital nos seguintes aspetos: As despesas
correntes renovam-se todos os anos com uma periocidade relativamente estável,
enquanto as despesas de capital têm uma natureza transitória ou esporádica. Para
além desta característica, as despesas correntes não alteram o património
duradouro, enquanto as despesas de capital alteram-no.

 Despesas efetivas versus de não efetivas: As despesas efetivas distinguem-se


das despesas não efetivas nos seguintes aspetos:

1. As despesas efetivas são incluídas no apuramento do saldo global porque


alteram o património financeiro líquido. São todos os agrupamentos,
com exceção do 09 – Ativos Financeiros e do 10 – Passivos Financeiros.
2. As despesas não efetivas não entram no apuramento do saldo global
porque não alteram o património financeiro líquido. São, apenas, os
agrupamentos 09 – Ativos Financeiros e 10 – Passivos Financeiros.

O património financeiro líquido (PFL) é constituído pelas disponibilidades e depósitos


(D) mais ativos financeiros (AF) (títulos, ações e outros valores mobiliários), subtraídos
dos passivos financeiros (PF), tal expressado na seguinte equação:

𝑃𝐹𝐿 = 𝐷 + 𝐴𝐹 − 𝑃𝐹

Do lado das receitas públicas, a classificação económica, de acordo com o decreto-Lei nº


26/2002 de 14 de Fevereiro, é a que está exposta na tabela seguinte:

Classificação económica das Receitas Públicas


Tipo de receita e capítulo Exemplos de rúbricas
Agrupamento económico
Corrente:
01- Impostos diretos Receitas provenientes da tributação do
rendimento. (IRS, IRS) e Outros
(impostos sobre o património)
02- Impostos indirectos Receitas provenientes da tributação sobre
a produção, a venda, a compra ou
utilização de bens e serviços (ex.: IVA,
ISP, IA, etc.)
03- Contribuições para a segurança Receitas provenientes da aplicação de
social, CGA e ADSE taxas às remunerações dos trabalhadores.
04- Taxas, multas e outras penalidades Receitas provenientes da emissão de
licenças, prestação de serviços e aplicação
de multas por transgressão da lei (ex.:
Taxas moderadoras; Propinas, Portagens,
Juros de mora, Coimas por infração ao
código de estrada, etc.).
05- Rendimentos da propriedade Receitas provenientes do rendimento de
ativos financeiros e rendas de ativos não
produtivos (ex.: Juros de aplicações e
empréstimos concedidos, dividendos,
rendas de edifícios, patentes).
06- Transferências correntes Recursos financeiros obtidos sem
qualquer contrapartida, destinados ao
financiamento de despesas correntes.
07- Venda de bens e serviços Receitas obtidas com o produto da venda
de bens e da prestação de serviços (ex.:
Material de escritório, ferramentas,
produtos agrícolas, aluguer de espaços e
equipamentos, rendas da habitação social,
receitas de piscinas, museus, etc.).
08- Outras receitas correntes Capítulo com carácter residual (ex.:
produto da venda de moedas que não estão
em circulação).
Capital:
09- Venda de bens de investimento Receitas provenientes da venda de bens de
capital (Ex.: terrenos, edifícios,
habitações)
10- Transferências de capital Recursos financeiros obtidos sem
qualquer contrapartida, destinados ao
financiamento das despesas de capital.
11- Ativos financeiros Receitas provenientes da venda de títulos
de crédito (papel comercial, obrigações do
tesouro, etc.) e do reembolso de
empréstimos (amortizações de
empréstimos concedidos) e venda de
partes sociais de empresas.
12- Passivos financeiros Receitas provenientes da emissão de
obrigações e empréstimos contraídos.
13- Outras receitas de capital Capítulo com caráter residual
14…………………………..17 Não são efetivas nem não-efetivas; Recursos próprios
comunitários; Reposições não abatidas nos pagamentos; Saldo
da gerência anterior; Operações extraorçamentais

Tabela 4: Classificação económica das receitas públicas

De acordo com a classificação económica, as receitas também são desagregadas entre


receitas correntes e receitas de capital, fazendo-se, também, a distinção entre receitas
efetivas e receitas não efectivas:
 receitas correntes versus receitas de capital: As receitas correntes distinguem-
se das receitas de capital nos seguintes aspetos: (1) As receitas correntes
renovam-se todos os anos com uma periocidade relativamente estável, enquanto
as receitas de capital têm uma natureza mais transitória ou esporádica. Para além
desta característica, as receitas correntes não alteram o património duradouro do
Estado, enquanto as receitas de capital alteram esse património.
 receitas efetivas versus receitas não efetivas: As receitas efetivas distinguem-
se das receitas não efetivas nos seguintes aspetos:

1. As Receitas efetivas são incluídas no cálculo do saldo global e alteram o


património financeiro líquido. São todas as receitas, com a exceção dos
capítulos 11- Ativos Financeiros e 12- Passivos Financeiros [excluindo
também os capítulos 14 a 17].

2. As Receitas não efetivas não entram para o cálculo do saldo global e não
alteram o património financeiro líquido. São os capítulos 11- Ativos
Financeiros e 12- Passivos Financeiros.

Cálculo dos saldos da administração pública

 A. Dados na ótica da contabilidade pública:

Em contabilidade pública, que regista as operações contabilísticas numa ótica de fluxos de


caixa, os saldos contabilísticos mais importantes têm a seguinte denominação:

3. Saldo global= receitas efetivas-despesas efetivas


4. Saldo corrente=receitas correntes-despesas correntes
5. Saldo capital=receitas de capital-despesas de capital
6. Saldo primário=saldo global + juros e outros encargos da dívida pública.
7. Saldo corrente primário=saldo corrente + juros e outros encargos da dívida
pública.
8. Despesa primária=despesas efectiva-juros e outros encargos da dívida pública
9. Despesa corrente primária= despesa corrente - juros e outros encargos da
dívida pública.

1 – Exercício para o cálculo de saldos e taxas de execução

A tabela seguinte compara os valores orçamentados para toda administração pública em


2017 com os valores executados até 2017, na ótica da contabilidade pública. Como base na
informação disponível nessa tabela, calcule os seguintes indicadores para os valores
orçamentados:
1. Saldo global
2. Saldo corrente
3. Saldo capital
4. Saldo primário
5. Saldo corrente primário
6. Despesa primária
7. Despesa corrente primária

Tabela – Conta consolidada das Administrações Públicas


Período: janeiro a agosto € Milhões
Acumulado até Orçamento 2017
agosto de 2017
Administrações
Administrações Públicas
Públicas
Receita corrente 50 653,2 78 572,9
Receita Fiscal 30 196,6 46 654,3
Impostos diretos 13 259,7 21 461,0
Impostos indiretos 16 936,8 25 193,3
Contribuições de Segurança Social 12 960,9 19 369,3
Outras receitas correntes 7 433,6 12 542,1
Receita de capital 1 246,6 2 541,1

Receita efectiva 51 899,8 81 114,0

Despesa corrente 50 790,6 79 474,0


Despesas com o pessoal 13 327,0 19 797,6
Aquisição de bens e serviços 7 171,7 12 009,8
Juros e outros encargos 5 767,3 8 285,2
Transferências correntes 23 311,0 36 094,9
Subsídios 527,5 1 446,4
Outras despesas correntes 671,0 1 791,7
Despesa de capital 3 142,9 6 403,4
Investimentos 2 412,5 4 987,5
Transferências de capital 641,5 1 061,8
Outras despesas de capital 38,8 215,3

Despesa efectiva 53 933,5 85 877,4

Resolução

1. Saldo global= 81.114,0-85.877,4=-4.763,4


2. Saldo corrente=78.572,9-79.474,0=-901,1
3. Saldo capital=2.541,1-6.403,4=-3.862,3
4. Saldo primário=-4.763,4+8.252,2=3.521,8
5. Saldo corrente primário=-901,1+8.285,2=7.384,1
6. Despesa primária=85.877,4-8.285,2=77.592,2
7. Despesa corrente primária=79.474,0-8.285,2=71.188,8
B. Dados na ótica da contabilidade nacional

Na ótica da contabilidade nacional os agrupamentos estão agregados de acordo com o


Sistema de Contas Europeu (SEC 2010), como exposto na tabela seguinte. Do ponto de
vista dos conceitos, o saldo global (ótica da contabilidade pública) é substituído por um
conceito novo, nomeadamente, a “Capacidade/Necessidade de Financiamento Líquido”.
Existem dois resultados possíveis:

 Capacidade (+) de Financiamento líquido: A diferença entre as receitas totais e


as despesas totais é nula ou positiva.
 Necessidade (-) de Financiamento líquido: A diferença entre as receitas totais e
as despesas totais é negativa.
Importa ainda dizer que os resultados apurados para o saldo global (contabilidade pública)
e para a Capacidade/Necessidade de Financiamento líquido (contabilidade nacional) são
ligeiramente diferentes porque o momento do registo das operações é diferente. Na
contabilidade pública é na ótica de caixa, na contabilidade nacional é na ótica do
compromisso.
Conta da Administração Pública na ótica da contabilidade nacional
Exercício: Com base na tabela anterior responda às seguintes questões:
1. Calcule o saldo relativo à Capacidade (+) / Necessidade Líquida de Financiamento
prevista para 2018.
2. Calcule o valor do saldo Primário previsto para 2018.

Resolução
1. Calcule o saldo relativo à Capacidade (+) / Necessidade Líquida de Financiamento
prevista para 2018

 Capacidade (+) / (-) Necessidade Líquida de Financiamento = 86.725-88.758 = - 2.033


Visto que o saldo é negativo (défice) há uma necessidade líquida de financiamento.

2. Calcule o valor do saldo Primário previsto para 2018.

 Saldo primário é igual ao saldo global + juros =-2.003+7.126=+5.123

Você também pode gostar