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Resenha: Contra Perfeição:ética na era da engenharia genética

(Michael J.Sandel)
Aluna: Mayara Leite Dutra
Curso: Enfermagem
Professora: Eufrazia Cristina

Michael J. Sandel, norte americano, publica sua terceira obra, Contra a


perfeição: ética na era da engenharia genética. A obra é resultado da sua
participação no Conselho de Bioética criado pelo presidente Bush no início do
milênio. O livro, contra a perfeição, aborda o melhoramento genético, o
melhoramento físico, atletas biônicos, confronto de eugenias e a relação
domínio, talento e questiona se isso beneficiará, de fato, a sociedade como um
todo.Sandel tem como entendimento reflexões sobre os pontos contraditórios
em torno de temas relacionados à pesquisa genética para “melhoria”
física ,mental ,e vários tipos de seleções de genes. Pode-se relatar que o norte
do livro é o esforço em entrelaçar o mal-estar moral persistente que a maioria
de nós sentimos diante dos vários estilos de manipulação genética. Michel
salienta os questionamentos de se temos ou não motivos para nos sentir
perturbados, pelo fato da possibilidade de clonar um filho para nos remeter a
outro ente querido que faleceu, ou ainda, pela possibilidade de encomendar
uma criança com traços genéticos específicos (altura,sexo,inteligência).Dessa
forma ,a obra faz surgir um novo embate ,a ser questionado, em torno da
modificação de genes, já que, em breve, com todo esse avanço tecnológico,
seremos capazes de tratar, curar e até prevenir doenças ,mas ao mesmo
tempo, toda essa evolução instaura dúvidas diante do fato de que isso poderá
resultar na manipulação de nossa própria natureza, nos tornando “melhores
que a encomenda”. Estamos evoluindo mais rápido no quesito genético do que
na definição do que bioéticamente correto, Sandel observa que há uma grande
inquietação para entender até onde podemos ir, mas essa inquietação pode ser
lenta ou rápida demais para tentar definir onde podemos chegar com a
engenharia genética.
O livro divide-se em cinco capítulos: a ética do melhoramento; atletas
biônicos; filhos projetados, pais projetistas; a nova e a velha eugenia; e domínio
e talento; além do epílogo. Embasa-se de forma geral que para entendermos a
ética do melhoramento, precisamos retomar questões, tais como o estatuto
moral da natureza e questões acerca da atitude correta dos seres humanos em
relação ao mundo "dado". É a partir desses pressupostos em mente que
Michael Sandel analisa os argumentos reivindicados a favor e contra a
intervenção genética. Isso nos conduz à principal questão do livro: Qual(ou
quais) motivo que, de fato, nos instiga a entender de forma pejorativa ou
positiva ,a manipulação de nossa natureza?
Ao abordar o primeiro capítulo o autor cita reportagens de jornais, como do
Washington Post, relatando histórias de modificação genética. Relata sobre a
história da escolha genética que um casal de lésbicas surdas fez ao decidir que
seu filho teria mesma linhagem genética, em relação a surdez, para isso teve
que selecionar uma família que tinha o histórico muito dominante, em relação a
esse gene. “É errado fazer uma criança surda pelo design? Se assim for, o que
faz com que seja errado, a surdez ou o design? “Outro caso citado é de um
casal que procura uma doadora de óvulo com traços físicos específicos
(elevada estatura, bom histórico de saúde familiar e inteligência elevada). Ao
nos depararmos com esses casos há uma percepção que o problema inicial
estaria na falta de autonomia dessas crianças que nasceriam predeterminadas,
isto é, sem liberdade, mas logo depois, desfaz-se esse argumento, uma vez
que, mesmo não havendo um projetista (nesse caso os pais), ninguém escolhe
sua herança genética, então acabaria dando no “mesmo”. Ainda assim, apenas
pelo fato de as crianças poderem ser geradas sob encomenda nos causa uma
imensa inquietude moral. Para o autor, existem exemplos de biotecnologia que
são apenas escolhas pró consumo: melhoramento muscular, da memória, da
altura e escolha do sexo. Então, apesar de todos os melhoramentos genéticos
começarem na tentativa de prevenir uma doença ou um distúrbio genético, a
sociedade as mercantilizaria para serem meros instrumentos de melhoria da
espécie, de acordo com os padrões pré-ditados.Um dos pontos a serem
discutidos é a diferença entre curar e melhorar, essa distinção se baseia em
cunho totalmente moral, uma vez que, essa revolução genética trará grandes
questionamentos relacionados a discussão de saber até onde é moral e justo
modificar um gene que não seja para combater uma doença que levaria à
morte. Ademais, é citado o caso da clonagem da ovelha Dolly,e por conta do
ocorrido com o animal, o autor mostra uma grande preocupação com a
clonagem humana.Entretanto,comitantemente Sandel instiga a pensar na
possibilidade de haver clonagem sem procedimentos arriscados, sem produzir
crias com anormalidade ou defeitos genéticos, se a ciência avançasse nesse
nível, será que a clonagem seria censurável?
Muitas perguntas ficam sem resposta instigando o leitor a refletir sobre os
assuntos, e analisar os dois pontos de vista, mesmo algumas vezes Sandel
sendo inclinado mais para algum determinado viés. Segue-se no segundo
capítulo a discussão sobre todo contexto problemático em torno do
melhoramento, muitas vezes relacionado ao uso de drogas e artimanhas
genéticas na prática esportiva. O problema estaria no que Sandel chama de
“superoperação, uma aspiração prometeica de remodelar a natureza, incluindo
a natureza humana, para servir aos nossos propósitos e satisfazer os nossos
desejos. “O exemplo disso são os atletas biônicos ,essa “modalidade” é um
sério problema para o desporto, já que rompe totalmente com a lógica
esportiva, na qual tem o intuito de ultrapassar obstáculos por dedicação e
esforço, sempre almejando ser mais eficaz, com muito treinamento.”. Em
contraponto com esse pensamento, ligado ao esporte, os atletas biônicos
apelam pelas drogas e manipulação genética sem um real esforço. Será que o
melhoramento genético não distorceria as habilidades e talentos naturais de
um atleta? Ou será que as mesmas coisas acontecem sem ser por alteração
genética ou drogas, através das inovações em equipamentos (como os
aparelhos apóxicos), dietas megacalóricas, treinamentos específicos que
também, muitas vezes, reduz o esforço quase que brutalmente de um
esportista. Dessa forma a grande questão seria, o esporte é uma disputa de
habilidades e talentos ou um mero entretenimento que as regras são
descartáveis? Se for válido o primeiro caso, então as modificações corrompem
sua essência e objetivo. No segundo, está apenas se importante com os
patrocínios, fama, sendo assim, seria totalmente aceitável.
No tópico “Filhos projetados, pais projetistas” é evidente o relato do autor de
como a eugenia tem seu lado repugnante. Normalmente os filhos não são
escolhidos e nem nascem com o futuro traçado, eles são foco de amor e
dedicação dos pais, que buscam sempre dar o melhor. Entretanto, Sandel
relata que há pelo menos uma década, os pais resolveram se tornar maestros
da vida dos filhos, tentando manipular geneticamente, buscando os melhores
genes. De acordo como Julian Savulescu, os pais não têm apenas o dever de
promover a saúde dos filhos, mas também a "obrigação moral de modificá-los
geneticamente" a fim de dar-lhes a "melhor oportunidade de ter uma vida
melhor”. Porém, qual a diferença entre oferecer essa ajuda por meio dos
estudos e disciplina e oferecê-la por meio do melhoramento genético? Para os
defensores dessas técnicas, em princípio, não existe diferença entre as duas
práticas, mas, segundo Sandel, isso não justifica o melhoramento genético,
apenas destaca o problema por trás da exigência de maximizar o desempenho
para conquistar vantagem competitiva. A reflexão ética orienta os pais a
valorizar os filhos como presentes e aceitarem o inesperado, a combinação
hereditária que irá surgir naturalmente. Quando os pais procuram controlar o
mistério do nascimento, privam aos filhos da dádiva natural e perdem a
possibilidade de cultivar a abertura ao inesperado. Os pais devem estimular os
filhos as suas melhores versões, porém quando essa excelência é resultado de
melhoramento genético, então há uma perfeição artificial mais ressaltada que a
própria natureza, privando a criança se desenvolver de forma natural.
O quarto capítulo, a nova e velha eugenia ,Michael relata o surgimento do
termo eugenia, este foi criado pelo cientista Francis Galton com o sentido de
bem-nascido. Para ele a ideia de bem-nascido deveria era uma ideia de
racionalidade que deveria sempre buscar maneiras de aprimorar a raça
humana, almejando destacar os “melhores”. Destaca-se que em 1927, a
Suprema Corte dos Estados Unidos defendeu a constitucionalidade das leis de
esterilização dos mais diversos Estados do país em nome da não propagação
de uma raça de manifestamente inadequados. Os genes defeituosos deveriam
ser evitados, impedidos de reprodução para não prejudicar a geração. A partir
desse mesmo pensamento em 1933, quando conquistou o poder, Adolf Hitler
promulgou uma lei de esterilização na Alemanha sobre a qual orgulhosamente
se manifestou em Mein Kampf. A esterilização alemã foi muito além, com
inúmeros assassinatos, das formas mais brutais possíveis, já que deveria
apenas se manter o “melhor gene”. Outro caso, em 1980, o governo de
Cingapura ofertava dinheiro às famílias pobres para se submeterem à
esterilização e estimulava, ao mesmo tempo, mulheres de nível universitário a
terem mais filhos. Dessa forma, eugenia no passado está ligado a práticas
repugnantes. A nova eugenia “privatizada”, ou “livre mercado”, tem intenções
mais atuais, ligada a ambições humanas e o grande comércio de genes.
Atualmente, os genes viraram muito lucrativos. Diversos pais buscam, em
bancos de espermatozoide, o seu gene ideal para fazer uma inseminação
artificial e além de diversos óvulos em leilões. Para o autor, os defensores
falam de uma eugenia liberal, “não é um movimento de reforma social, mas
uma forma de pais privilegiados terem o tipo de filho que desejam e armá-los
para o sucesso numa sociedade competitiva”. Apesar de se distinguir da
eugenia antiga,Sandel ressalta que ambas continuam no mesmo valor moral, já
que as crianças são projetadas ou por um valor puramente eugênico ou por
ditames do mercado, dessa forma tanto a nova quanto a velha prática tornam a
criança um produto previamente selecionado por algum aspecto, ou seja
ambas práticas são ,de suas formas, eugenistas. Esta pratica ressalta a louca
vontade do ser humano de exercer domínio sobre o que é lhe está a
volta ,inclusive em relação a questões eu deveriam ser meramente naturais,
dádivas humanas.
O quinto e último capítulo, “Domínio e talento”, problematiza a engenharia
genética, pois com ela o nosso senso de domínio e triunfo são ressaltados.
Para isso precisamos de “humildade, responsabilidade e solidariedade”. Pela
visão religiosa essas relações junto à vida estão relacionados com o ato de ser
grato a Deus pela dádiva de viver. Em uma visão mais cética o simples ato de
ser pai ou mãe já nos traz a característica de humildade, já que somos
entregues a natureza, pois não somos capazes de escolher, apenas de
contemplar a dádiva do natural e ao mesmo tempo gerando responsabilidade
e solidariedade, impedindo que a sociedade se encaminhe para uma arrogante
meritocracia. Entretanto quando há um processo naturalizado de melhoramento
genético, essas características perderiam o sentido, à medida que os bem
sucedidos não passariam pela premiação genética, pelo contrário seria uma
determinação de acordo com o gosto do cliente. Tudo seria um mero resultado
da loteria genética, não uma conquista creditada a nós, dessa forma haveria
muita dificuldade de cultivar sentimentos .Para Sandel, o custo geral da
biotecnologia é muito maior que o benefício.
Por fim, o epílogo, um pequeno debate sobre as células-tronco,
desmistificando o alarde desnecessário que se faz sobre o tema por aqueles
que são contrários a tal tipo de pesquisa. “a pesquisa com células-tronco
voltada para a cura de doenças debilitantes que utiliza blastocistos não
implantados é um exercício nobre do engenho humano para promover a cura e
desempenhar nosso papel de reparar o mundo dado.” Michael traz uma visão,
para desmistificar o tema, que recorre a fertilização in vitro, segundo ele,
moralmente falando, nos fins gerais, não há de fato uma diferença da utilização
de embrião como FIV e como pesquisa embrionária, já que ambas, de forma
diferente, o embrião acaba morrendo. A solução, segundo ele, não é banir as
pesquisas com células-tronco embrionárias e a clonagem para fins de
pesquisa, mas permitir sua continuidade com restrições morais adequadas à
natureza humana. Sandel traz várias alegações de que um blastocisto não é
um ser humano, mas um potencial ser humano, dessa forma ,segundo ele não
se deve proibir a realização de pesquisas com as células embrionárias, mas
também, deve-se ter uma ética necessária para não exceder a ponto de
menosprezar e transformar o cultivo de embrião e zigotos em meros
commodities.
Diante dos expostos, averiguo que o melhoramento genético deve ser
aplicado apenas no sentido de curar ou prevenir doenças, anomalias. Dessa
forma, introduzir deliberadamente a alteração genética, sem ser por objetivo de
ajudar uma vida, tem fortes chances de culminar em eugenia, ou seja, na
necessidade do ser humano de buscar e implantar um padrão que deve ser
seguido e implatado por todos, de forma à alterar todo material genético,
apenas para suprir uma inquietação de ser como um grupo, que se impôs
como dominante.Sandel exemplifica muito bem, o caso de pessoas que
querem ficar mais altas, ou até escolher a cor do filho,sexo.Ou seja, o que seria
a perfeição? O que é tão perfeito que se deve mudar os próprios genes
hereditários ,correndo o risco de erros brutescos,já que até para própria ciência
evoluir ela necessitará de testes, de possíveis erros,cobaias,isto é, nesse caso
não vale a pena usar uma vida humana, para tentar chegar uma perfeição que
é pré-ditada, uma puramente fenotípica. Diferente é descobrir códons do
material genético, específicos que irão ajudar a combater uma doença. Uma
forma é puramente aceitável, já a outra é contra a perfeição da dádiva do
natural.

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