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É justificável a manipulação genómica de embriões humanos para fins

estéticos ou de aprimoramento intelectual?

O presente ensaio propõe-se estudar o problema da permissibilidade moral das técnicas de


melhoramento genético (human enhancement), aplicada à manipulação genómica de embriões
humanos. A especulação de que, num futuro próximo, os progressos científicos no que respeita aos
campos da biologia molecular, da tecnologia e da genética possibilitarão a alteração contínua de
genes do ser humano e a interferência direta do homem no desenvolvimento embrionário de forma
previsível e indubitavelmente adulterada, relaciona-se intimamente com a possibilidade de controlar
o património genético de gerações futuras. No seguimento da inauguração da era de biotecnologia
de potencial revolucionário e transformador, a forma do ser humano de se posicionar face à vida, à
morte, ao envelhecimento e às doenças sofre mudanças drásticas e torna inevitável a formulação de
padrões restritos, que delimitam nitidamente as barreiras da intervenção intencional no genoma
humano e resultam na emergência de questões éticas controversas. É com vista na reconsideração
dos limites da ciência no que concerne ao que é legal e moralmente admissível que organizamos a
vigente dissertação.

O aprimoramento humano é pelo menos tão antigo quanto a civilização humana. As pessoas têm
procurado melhorar suas capacidades físicas e mentais há milhares de anos, no entanto, até este
ponto na história, a maioria das intervenções biomédicas, bem-sucedidas ou não, tentaram somente
restaurar algo percebido como deficiente, como a visão, a audição ou a mobilidade. Contudo, graças
aos recentes desenvolvimentos científicos em áreas como biotecnologia, tecnologia da informação e
nanotecnologia, a humanidade pode estar à beira de uma revolução de aprimoramento e
aproximamo-nos das visões distópicas de escritores de ficção científica.

De facto, cada caso de manipulação genética é marcado por uma intensificação da polémica e
seguido por discussões éticas fervorosas. Então, evidentemente, quando se cogita aplicar a seres
humanos, assiste-se ao incremento das proporções do debate, afinal é a interferência do homem no
homem.

Em resposta a este dilema, instaurou-se a afirmação de duas correntes de pensamento conflituantes


acerca dos limites da ciência e da medicina. De forma abrangente e pouco pormenorizada, aqueles
que se opõem geralmente fazem alusão ao que significa ser humano e alertam para o modo de
como esses procedimentos ameaçam a imaculação da dignidade humana e da autodeterminação
individual. Por outro lado, aqueles que promovem o avanço do campo afirmam que o
aprimoramento sempre fez parte da natureza humana, e alguns argumentam ainda que é o nosso
dever moral aperfeiçoar a humanidade. Em vez de depender dos caprichos da natureza para a
lotaria genética, a ciência permitirá assumir o controle do desenvolvimento da nossa espécie,
tornando-nos a nós e às gerações futuras mais fortes, mais inteligentes, mais saudáveis e mais
felizes.

Permanecem dúvidas sobre a viabilidade de mudar radicalmente a fisiologia humana, em parte


porque os cientistas ainda não entendem completamente nossos corpos e mentes. No entanto, face
às especulações sobre possíveis avanços tecnológicos, o que nos interessa abordar é a significativa
oposição filosófica, ética e religiosa ao aprimoramento do genoma humano, apresentando para tal a
perspetiva de muitos pensadores de diferentes disciplinas que se preocupam com a hipótese das
mudanças radicais a nível genético resultarem em pessoas que não são mais física ou
psicologicamente humanas.

Um dos mais importantes episódios responsáveis pela revolução no mundo da genética data 1953,
quando o biólogo americano James Watson e o físico britânico Francis Crick divulgaram
publicamente a descoberta de Rosalind Franklin (ainda que não tenham conferido o devido mérito)
sobre estrutura molecular do DNA – a famosa dupla hélice – que é o modelo genético da vida. Mais
tarde, foi possível identificar todos os pares de bases químicas que compõem o DNA humano.
Descodificar e ler com sucesso a base da vida deu aos pesquisadores a oportunidade de alterar a
fisiologia humana no nível mais fundamental. Manipular esse código genético – um processo
conhecido como engenharia genética – pode permitir que os cientistas produzam pessoas com
músculos mais fortes, rostos mais simétricos e cérebros mais rápidos.

Outro desenvolvimento importante envolve a nova e poderosa tecnologia de edição de genes


conhecida como CRISPR- um sistema eficiente e preciso de splicing de genes que usa o sistema
imunológico de cada célula para segmentar e separar partes de seu DNA e substituí-las por um novo
código genético. A sua aplicação mais intrigante envolve precisamente as alterações genéticas no
estágio embrionário, processo também conhecido como edição germinativa. A lógica é simples:
altera-se as linhas genéticas no estágio de oito ou 16 células de um embrião e essa mudança
ocorrerá em cada um dos triliões de células da pessoa resultante – para não mencionar nas células
dos seus descendentes.

Especialistas em ética persuadiram a comunidade científica a adiar a manipulação genómica de


embriões por enquanto, argumentando que ainda não sabemos o suficiente para fazer mudanças
com segurança que podem ser passadas para as gerações futuras, particularmente no que diz
respeito a fins não-terapêuticos. Neste cenário, os pais podem escolher uma variedade de opções
para seus filhos ainda não nascidos, desde traços estéticos, como a cor do cabelo ou dos olhos, e até
dispõe da possibilidade de dotar os seus filhos de maior capacidade intelectual ou atlética.

Na mente de muitos filósofos e teólogos, a ideia de “crianças projetadas” aproxima-se demasiado do


conceito de eugenia – um movimento filosófico do século 19 e início do século 20 para criar pessoas
melhores. A eugenia acabou por inspirar leis de esterilização forçada em vários países e, mais
notoriamente, esteve na base do assassinato de milhões de pessoas pela Alemanha nazi em nome
da promoção da pureza racial. Etimologicamente, eugenia significa “o bem-nascido" e pressupõe um
melhoramento genético das próximas gerações através da relação das heranças genéticas
pretendidas. Tal como a supremacia nazi pretendia “purificar” a raça ariana excluindo da sociedade
alemã indivíduos com características distintas, teme-se uma repetição da segregação da 2ª Guerra
Mundial.

“Apesar de toda sua tolice e ignorância, o movimento eugenista do século XX nasceu da aspiração
por aprimorar a humanidade, ou promover o bem-estar coletivo de sociedades inteiras. A eugenia
liberal se exime de tais ambições coletivas. Não é um movimento de reforma social, mas uma forma
de pais privilegiados terem o tipo de filho que desejam e armá-los para o sucesso numa sociedade
competitiva” (SANDEL, 2013, p. 89)

Michael Sandel, filósofo e professor da Harvard university, adota uma postura bioconservadora ou
preservacionista da natureza humana. Argumenta que se o envolvimento da sociedade na
adulteração genética resultar em violações da liberdade dos indivíduos, assiste-se à deteorização
acentuada dos sistemas de valores humanos. É comum dizer que o melhoramento genético, a
clonagem e a engenharia genética ameaçam a dignidade humana, porém persiste algo de
moralmente inquietante em discernir como essas técnicas reduzem a nossa humanidade. Acrescenta
ainda que um dos principais problemas é a perda do carácter de dádiva da vida. Até que ponto a
melhoria genética em atletas de alta competição não resultaria na desvalorização das conquistas
humanas, na medida em que retira do esforço e do talento do atleta o mérito da conquista e o
transfere para os responsáveis pelo melhoramento proporcionador do desempenho vencedor.

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