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Cabala Prática – Parte 1

Primeira Parte: O Movimento do Espírito

Abraão — O Místico Rebelde

Você pode ter lido em algum lugar que a Cabalá é um fenômeno místico
que emergiu do período medieval da História, uma criação do Século XIII.
Esta é apenas parte da história.
Os textos acadêmicos nos dão conta de que Moses de Lyon foi quem
publicou o texto principal da Cabalá, conhecido como o Zohar (a Luz
Interior), na época medieval.
No entanto, Rabi Shimon bar Yochai já havia manuscrito este trabalho, mil
anos antes, na antiga Israel.
E mais, ele o escreveu com base na tradição oral, a qual remonta a outros
setecentos anos.
A Cabalá da Torá (o compêndio da lei e instrução que compõe a estrutura
da sociedade judaica e as disciplinas espirituais pessoais para seus
membros) é incrivelmente antiga e pode ser atribuída a Abraão, a quem se
atribui a composição de trabalhos Cabalísticos.
Porém, mesmo muito antes, sabemos que Noé e Adão estavam bem
familiarizados com os seus ensinamentos.
A Cabalá está envolta em mistério.
Os acadêmicos ainda hoje discutem, tentando saber como foi que ela
evoluiu e como foi que o seu espírito atravessou os séculos.
Eu não me dispus a escrever um estudo de história ou de análise de textos
teológicos.
Porém, é necessário apresentar um breve retrospecto para que o leitor
possa melhor entender as origens e raízes da Cabalá.
A interpretação que segue foi colhida a partir de textos místicos.
Alguns doutos acadêmicos poderão discordar deste enfoque, porém os
meus professores me asseguraram de que o seguinte está consoante com
as verdades Cósmicas contidas nos textos sagrados.

Abraão era um homem de porte alto e magro.


As areias do deserto afinaram os seus traços faciais com grossos contornos.
Uma figura imponente e estóica, Abraão impressionava todos ao seu redor
com o seu régio porte e a clareza de sua visão.
Ele era o mais festejado líder do Oriente Médio.
Apesar dos aparatos característicos do poder e conforto, Abraão vivia uma
vida espartana.
Ele era extremamente meticuloso e cuidadoso com o seu rebanho de
ovelhas, e mais ainda com os seus pastores; afinal de contas, ele próprio
era um pastor.
Apelidado de Ivri (o Hebreu), Abraão era como uma lenda viva em toda a
terra.
Ele era um pastor-rei e um renomado guerreiro.
Mas, acima de tudo, ele era conhecido como um sábio místico que tinha
uma abrangente e estranha noção de uma só Deidade.
Ele era capaz de invocar poderes das Alturas para dizimar um exército
inteiro, ou para curar uma criança enferma, e tinha a capacidade de ver
coisas que os outros não podiam ver.
Forças angelicais sussurravam em seus ouvidos.
Era sabido que ele recebia instruções do misterioso D'us.
Imaginemos Abraão em pé, no alto de um monte de areia — o deserto Tel
—, meditando acerca dos dias passados.
Ele pode lembrar a rebeldia de sua juventude; de como ele havia desafiado
os modos idólatras do politeísmo da Mesopotâmia; de como ele fora atirado
à abrasadora fornalha pelo rei da Mesopotâmia e como havia desafiado
todas as leis da natureza ao sobreviver ileso àquele intenso calor.
Então, eis que das Alturas chegam-lhe as instruções; foi quando D'us
ordenou a Abraão que deixasse a sua terra natal e fosse para uma terra
estrangeira.
Podemos vê-lo agora, de pé naquela nova terra, uma sagrada energia
vibrando por todo o seu corpo.
Aquela terra receberia, um dia, o nome de seu neto — Israel.
Até o final dos tempos, ela será a encruzilhada para exércitos em guerra
que buscam o domínio de seu credo.
Quando Abraão obedeceu à ordem de D'us, ele já estava bastante
familiarizado com aquilo que, mais tarde, seria conhecido como Cabalá.
Inclusive, ele foi o autor de um importante texto Cabalístico — o Sêfer
HaYetsirá (o Livro da Formação Criativa).
Ele foi um aclamado astrólogo e um conhecedor da mágica e da bruxaria do
Leste.
Em sua juventude, Abraão virou as costas para as forças negativas da tumá
(defeitos ou nódoas espirituais) e adotou o caminho do monoteísmo
espiritual.
Esta sua postura rebelde originou o seu apelido — o Ivri, que significa "o do
outro lado", ou "o forasteiro".
A palavra Ivri acabou sendo traduzida como "Hebreu".
Os acadêmicos discutem as origens da palavra Ivri.
Ela pode ter sido adotada a partir de seu famoso ancestral, Eiver, o bisneto
de Noé.
Ou, poderia, simplesmente, denotar que as suas origens eram de além do
Rio Eufrates, o outro lado das trilhas proverbiais, e daí "o do outro lado".
Talvez pudesse, simplesmente, tratar-se de um sórdido epíteto que lhe foi
atribuído pela classe dominante, para demonstrar o seu desconforto com a
crescente popularidade daquele "novo rico".
Quaisquer que tenham sido as suas origens, o fato é que o seu nome ficou
gravado para a posteridade.
Os sonhos de Abraão para o sucesso das gerações vindouras foram
inculcados em seu filho Isaac, nascido de sua esposa Sara.
O futuro da dinastia dependia de seu leal e modesto filho.
Ele pôde sentir em Isaac as qualidades que viriam a guiar os agora
emergentes hebreus através dos acidentados caminhos espirituais do
Ocidente.
Foi para salvaguardar Isaac que Abraão teve que rejeitar seus outros filhos
— os filhos nascidos de sua segunda esposa, Hagar.
Estes jovens exerciam má influência sobre Isaac, por estarem tão
emaranhados nas crenças dos cultos então prevalecentes, que envolviam o
politeísmo e a bruxaria.
Podemos imaginar a tristeza de Abraão ao lembrar de sua amarga partida,
e as suas preces ao lembrar dos dotes que lhes havia conferido —
percepções e poderes espirituais com os quais podiam navegar pelos reinos
superiores.
Se os seus filhos tivessem que lidar com o fogo da idolatria, eles teriam, ao
menos, uma bússola moral para guiá-los na direção certa.
Os dotes dados por Abraão haveria de permitir-lhes enxergar a natureza do
mal — shem hatumá, o lado escuro da realidade superior.
Será que eles usariam sabiamente os seus conhecimentos?
Isto era algo que ele não sabia.
Ele podia apenas esperar que aqueles ensinamentos os manteria em boa
forma ao partirem para as terras do Leste — o codinome bíblico de Hodu —
Índia.
É aqui que podemos encontrar os primórdios do grande conflito entre o
Oriente e o futuro Ocidente.
Tornam-se inteligíveis os notáveis paralelos existentes entre o Judaísmo
místico e os caminhos do Budismo e do Hinduísmo.

O Oriente Encontra o Novo Ocidente


Supomos que ao chegarem à antiga Índia - Hodu - os filhos de Abraão
começaram a compartilhar suas percepções com os nativos que até
chegaram a dar ao grande rio, o Rio Indus, o nome do pai que para lá os
mandara.
Em Brâmane, a palavra Indus significa "o do outro lado‖ – o Ivri.
Além disso, a sua Divindade - BRAHMAN – é simplesmente, uma
combinação das letras que compõem o nome de seu pai — ABRAHAM.
Diz-se que o bisneto de Abraham, Ashurim, foi quem criou a comunidade
espiritual conhecida como ashram.
É interessante notar que a tradução da Bíblia, o Targum Onkelos, traduz a
palavra ashurim como "campos" ou "comunidades".
Outros conceitos hebraicos começaram a transparecer entre os sistemas de
credo dos Orientais.
Ram, uma elevada deidade no Leste, em hebraico significa "elevado".
Veydá está, etimologicamente, relacionado à palavra Hebraica deyá, que
significa "sabedoria" e "percepção".
A palavra tamas, que em Hindu significa "impureza", obviamente equivale à
palavra tamê, que, em hebraico, tem o mesmo significado.
Além das semelhanças terminológicas, podemos nitidamente observar
diversos paralelos conceituais.
Por exemplo, um conceito como o da reencarnação, toku, no Oriente, é o
ensinamento hebraico do guilgul HaNefesh, a reencarnação cíclica da
peregrinação da alma.
O karma, a "bagagem" trazida das vidas anteriores, lembra a hashgachá
pratit, a específica relação entre causa e efeito, determinada por vidas
anteriores.
As provas e aberturas que constituem os momentos de oportunidade para
mudar o destino de reencarnação da pessoa são chamados de bardos no
Oriente, e de nissyonot em hebraico.
A Natureza da Respiração
Uma interessante e significativa abordagem Oriental sobre a meditação se
concentra na ciência da respiração.
Coincidentemente a isto está a associação antropomórfica da respiração
com a criação, tal como está descrita na Bíblia Hebraica: "E Ele soprou a
alma viva em suas (de Adão) narinas".
A palavra Hebraica que significa "sopro" é neshimá, enquanto que a palavra
que significa "alma" é neshamá.
A relação é óbvia.
A concentração na respiração é a concentração na própria força de vida.
Os mestres Chassídicos da Cabalá ofereceram as imagens meditacionais da
investidura de D'us no mundo como o processo de ―memale‖ — o
"preenchimento" do mundo com a Presença Divina, tal como a respiração
"preenche" os pulmões.
O "esvaziamento" da mente, que constitui um outro ensinamento
meditacional Oriental, é parecido ao ensinamento Cabalístico de que o
mundo é derivado de um vazio, um vazio conhecido como chalal.
(Seria esta a origem de hylé Grego, que significa "o material básico com o
qual o Cosmos foi esculpido?").
O esvaziamento da mente cria a base para o processo de preenchimento
contemplativo, rnemale, conhecido na meditação Chassídica como
hitbonenut.
A Cabalá não ensina que a "ciência da respiração" é, por si, um fim, e nem
que o esvaziamento da mente seja, por si, uma virtude.
Tratam-se de disciplinas que levam a uma maior introspecção, e são
instruídas por práticas devocionais bem definidas.

Os Primeiros Cabalimas
Abraão era proficiente naquilo que, muito mais tarde, viria a ser conhecido
como Cabalá.
Freqüentemente ele invocava seus poderes místicos e sua sabedoria
prática.
O pastor-rei estudara no grande centro de ensinamento espiritual,
conhecido como a Academia de Shem e Eiver, criado pelo filho de Noé,
Shem (o pai dos Shemitas, ou povos Semitas), e o neto do próprio Shem,
Eiver, de quem descendia Abraão.
A Academia de Shem e Eiver não era um centro público de ensino.
O seus portais eram restritos aos recém-iniciados — aqueles encarregados
de levar os ensinamentos espirituais de uma futura Torá em seus primeiros
caminhos pelo deserto.
Os patriarcas hebreus, Abraão, Isaac e Jacob, foram instruídos nesta
academia.
Supõe-se que Jacob estudou estas disciplinas espirituais durante quarenta
anos.
Os arquitetos da nação judaica adquiriram, assim, uma disciplina espiritual
que se tornaria a marca patente do Povo do Livro.
O filho de Jacob, Judá, reabriu a academia exatamente no coração do antigo
Egito, onde continuou funcionando em segredo durante os quatrocentos
anos de exílio e escravidão no Egito, até mesmo na presença do próprio
faraó Ramsés II.
Ainda assim, Abraão não foi o primeiro Cabalista.
As forças espirituais que constituem o Cosmos e que mantêm a sua
integridade física e espiritual, já eram conhecidas pelo primeiro Homem —
Adão.
E aqui temos alguns fascinantes ensinamentos.
Assim, deixemos Abraão, o primeiro hebreu, e visitemos a aurora do
primeiro milênio, na pessoa de Adão, também conhecido como Harishon ("o
Primeiro").

As Letras da Criação
Quem foi aquele bípede humanóide que se sobressaía a todas as demais
criaturas?
Era ele/ela humano?
A Cabalá nos diz que Adão, a primeira Pessoa, foi, inicialmente, uma
mistura de homem e mulher — um ser andrógino.
Foi somente mais tarde que Adão foi separado em dois: o componente
predominante masculino em Adão, e o feminino em Eva.
Ainda hoje, o homem possui uma feminilidade latente, e a mulher, uma
masculinidade latente.
A dualidade masculino-feminina abrange toda a criação.
Mesmo as letras hebraicas, sobre as quais estaremos meditando,
contribuem para a essência dos componentes masculino e feminino da
linguagem.
Principalmente, estas letras se relacionam às forças espirituais, masculinas
e femininas.
Na tradição mística da Cabalá, o componente feminino de um indivíduo é
mais profético, previdente e dotado nos talentos espirituais.
Eis porque as esposas dos patriarcas, Sara, Rebeca, Raquel e Lea, eram
espiritualmente dotadas.
Mesmo a Presença Divina que envolve o profeta tem uma denominação
feminina, Shechiná (morada Divina interior).
Ainda assim, os conceitos de masculinidade e de feminilidade não são
absolutos.
Tanto o homem como a mulher podem exibir expressões tanto masculinas
como femininas.
Esta dualidade se manifesta em toda a natureza.
A terra é feminina e aceita a atividade masculina das pessoas ambos,
homens e mulheres — de semear o solo e alimentar a semente, dando a luz
à prole — a colheita.
As energias espirituais que definem a Mente e a Emoção possuem
propriedades masculinas e femininas, e, em toda a Cabalá, é possível
encontrar imagens do gênero.
Isto será apresentado com mais detalhes na segunda parte deste estudo.
Na verdade, Adão não era, realmente, um humano como você e eu.
A sua relação com a natureza da criação estava, literalmente, "fora deste
mundo".
Ele conhecia Intuitivamente as vinte e duas forças criativas que formam o
universo, e entendia os diferentes caminhos que elas tomavam ao adentrar
o reino do "aqui e agora".
Com esta compreensão, ele transpôs os caminhos místicos, e podia ver em
vinte e duas formas distintas.
Cada uma delas se transformou numa letra do alfabeto hebraico.
Adão pôde, também, entender as energias associadas com cada uma destas
letras.
Ele replicou as energias individuais delas através da respiração, quando ela
saía de seus pulmões, através de sua laringe — e, assim, formando aquele
sopro em sons, articulados através das cinco características de sua boca: os
lábios, a língua, os dentes, o palato e a garganta.
Isto resultou em vinte e dois tipos de som — os vários sons do alfabeto
hebraico.
Adão utilizou a articulação dos sons para expressar a profundidade e a
beleza da vida.
Cada letra da linguagem Hebraica é uma janela que se abre para uma
realidade superior.
As letras constituem uma linguagem conhecida como Lashon HaCodesh —
"a Língua Sagrada" –, o hebraico.
É por isso que a Cabalá enfatiza, sobremaneira, a análise das letras e das
palavras, a sua equivalência e valor numérico, formas, e as letras finais das
palavras.
Cada nuance abre um panorama de significado espiritual, muito mais
complexo do que qualquer estrutura gramatical possa vir a sugerir.
Vejamos um exercício bastante simples.

A palavra, em hebraico, que designa "querer", ou "desejar" — ratsá –, é


composta por três consoantes do alfabeto hebraico, que têm o som de
R-TS-H.
Estas mesmas três consoantes formam, também, a base da palavra que
significa "adversário" — hatsar H-TS-R.
Além desta, ainda uma outra palavra composta pelas mesmas três
consoantes — tsohar TS-H-R, que significa "claridade", "clareza" ou
"esclarecimento".
Ainda uma quarta combinação destas três consoantes é TS-R-H — tsará –,
que significa "problema" ou "constrangimento".
Em nosso idioma, estas palavras parecem não ter nenhuma relação entre
si; mas na Cabalá, o fato de estas palavras terem a mesma raiz significa
que elas têm alguma inerente relação.
Assim, podemos aprender que a nossa "vontade" e "desejo" cria,
incorretamente, uma "adversidade" interna — isto é, um "problema" –,
dentro e fora.
O seu correto direcionamento traz "esclarecimento" e "clareza" ao espírito.
Se as letras do alfabeto hebraico são símbolos que representam os
componentes espirituais básicos da criação, então a combinação delas, tal
como na Torá, fornece uma completa planta da criação.
Exploremos esta planta e aprenderemos um pouco mais acerca dos
aspectos espirituais da criação.

Continua

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