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A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA DINASTIA TANG

Fausto Camacho Fialho

Dissertação de Mestrado em História das Civilizações do Médio


Oriente e da Ásia Antiga
Versão Corrigida e Melhorada após Defesa Pública

Outubro 2018
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de
Mestre em História das Civilizações do Médio Oriente e Ásia Antiga, realizada sob a orientação
científica da Professora Doutora Isabel Almeida e coorientação científica do Professor Doutor
João Paulo Oliveira e Costa.
DECLARAÇÕES
AGRADECIMENTOS

Devo, antes de mais, agradecer à Professora Doutora Isabel Almeida, por ter
orientado esta dissertação, com uma dose infindável de paciência e animo. Ao Professor
Doutor João Paulo Oliveira e Costa pela coorientação, sempre atento a todos os detalhes.

Ao Centro Científico e Cultural de Macau, nas pessoas do Professor Doutor Luís


Filipe Barreto, e dos drs. Rui Abreu Dantas e Énio de Souza, pela preciosa ajuda na
realização desta dissertação.

Agradecer à Marta Santana e à Rita Silvestre, pela companhia constante e pela


ajuda prestada na Bélgica. À Ana Nicolau, pelo apoio moral e pela amizade, desde
sempre, mas sobretudo na fase de realização desta dissertação. Também à Sara Portela e
à Raquel Lourenço, um agradecimento por todos os bons momentos e apoio. Um
agradecimento também a quantos, em Odemira e Lisboa, foram acompanhando este
processo.

À minha irmã, um obrigado pela enorme paciência demonstrada. Aos tios Flávio
e Luísa, bem como à prima Maria Inácia, pois, sem eles, não me seria possível percorrer
este caminho. À avó Luísa, pelo carinho e compreensão.

E como os últimos vêm sempre em primeiro, agradeço à minha mãe, pelo amor
eterno e por me fazer rir mesmo nas horas mais difíceis. Ao meu pai, pelos valores que
sempre me transmitiu, e por me dar força a seguir em frente.
RESUMO

A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA CHINA TANG

FAUSTO CAMACHO FIALHO

PALAVRAS-CHAVE: Budismo Mahāyāna; Budismo Chinês; Rota da Seda;


Cosmopolitismo Tang; Arte Budista.

O Budismo afirma-se como uma proposta religiosa indiana, cujo surgimento está datado
para meados do I milénio a.C., na região gangética. Os cismas iniciais, que ocorreram no
seio da sua comunidade monástica, após a morte de Siddhartha Gautama, o seu fundador,
levaram à afirmação de diversas correntes. Dentro destas, importa-nos a Mahāyāna, que
iniciou o seu processo de difusão através da Ásia Central, via Rota da Seda terrestre,
atingindo a China, ainda durante os Han.
Ao longo do seu percurso, o Budismo sofreu adaptações, tendo incorporado entidades de
outras tradições e cultos com os quais contatou, o que promoveu um alargamento do seu
corpus documental, que se viu traduzido para línguas locais, assim como um
desenvolvimento das suas representações artísticas. Estas múltiplas alterações chegaram
às Portas de Jade, em Dunhuang- A partir dali, durante o período de fragmentação política
chinesa, da primeira metade do I milénio d.C., o Budismo foi-se infiltrando na sociedade
chinesa, sofrendo outras mudanças.
A grande consolidação desta religião na China ocorreu durante o período dinástico Tang,
cujo contexto político e cultural permitiram uma série de alterações sinizantes no seu
quadro teórico, cúltico e artístico. O cosmopolitismo Tang abriu portas ao surgimento e
desenvolvimento de escolas Budistas chinesas, que procuraram aproximar esta religião
estrangeira às propostas teórico-filosóficas pré-existentes.
A nível artístico, as representações budistas que se foram construindo ao longo da Ásia
Central, foram também marcadas pelo quadro mental do País do Meio, dando origem a
uma arte budista chinesa.
Com esta dissertação pretende-se, assim, caracterizar o processo de afirmação do
Budismo chinês, durante a dinastia Tang, com especial foco na corrente Mahāyāna. As
múltiplas transformações teóricas, cúlticas e artísticas, ocorridas no País do Meio, serão
ilustradas através do recurso às peças datadas desta época, patentes na coleção
permanente do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau.
ABSTRACT

THE SINIZATION OF BUDDHISM IN TANG CHINA

FAUSTO CAMACHO FIALHO

KEYWORDS: Mahāyāna Buddhism; Chinese Buddhism; Silk Road; Tang


Cosmopolitanism; Buddhist Art.

Buddhism affirmed itself as an indian religious proposal, whose appearance dates back to
the middle of 1st millenium BC, at the Gangetic region. The initial schisms, which took
place inside the monastic community, after the death of Siddhartha Gautama, its founder,
led to the affirmation of various currents. Inside those, the most important for us is the
Mahāyāna, which began its diffusion process through the Central Asia, by the land routes
of the Silk Road, reaching China during the Han dynasty.
Along its course, Buddhism suffered some adaptations, incorporating entities from other
traditions and cults with which it contacted, thus promoting the enlargement of its
documentary corpus, translated into local languages, and also developing its artistic
representations. These multiple changes, at some point, reached the Jade Gates, at
Dunhuang. From there, during the Chinese political fragmented period, in the first half of
the 1st millenium AD, Buddhism infiltrated in the Chinese society, suffering new
changes.
The great consolidation of this religion in China occurred during the Tang dynastic
period, whose political and cultural context allows a set of sinizating changes inside its
theoretic, cultic and artistic framework. Tang cosmopolitanism opened the doors for the
emergence and development of several Chinese Buddhist schools, which sought to bring
this foreign religion closer to the preexisting theoric-philosophical proposals.
In the artistic level, the Buddhist representations that have been built throughout Central
Asia, were also marked by the Chinese cultural scenario, giving rise to a Chinese Buddhist
art.
With these dissertation we intend to characterize the process that led to the affirmation of
a Chinese Buddhism, during the Tang dynasty, with a special focus in the Mahāyāna
current. The multiple theoretical, cultic and artistic transformations in China will be
illustrated through the analysis of pieces dating from this period, which belongs to the
Macau Scientific and Cultural Center Museum permanent collection.
Índice
Introdução.................................................................................................................................... 1
Capítulo I - Budismo: origens, princípios reguladores e difusão ............................................ 6
I.1 - Contexto gangético na segunda metade do I milénio a.C. ........................................... 6
I.2 - Siddhartha: entre a história e o mito ............................................................................. 9
I.3 - Os princípios budistas e a sangha ................................................................................ 13
I.4 - As práticas cúlticas iniciais ........................................................................................... 18
I.5 - Cismas e Divisões ........................................................................................................... 21
I.6 - O Período Mauria e posterior difusão do Budismo .................................................... 23
Capítulo II - Chegada e difusão do Budismo na China até à dinastia Tang ........................ 29
II.1 - A Dinastia Han e a aproximação institucional à Rota da Seda ............................... 29
II.2 - Do período de fragmentação política e territorial até à reunificação Sui ............... 35
II.3 Budismo na dinastia Tang (617–907) ........................................................................... 39
II.3.1- Afirmação dinástica ............................................................................................... 39
II.3.2 Os reinados de consolidação Tang e o Budismo .................................................. 43
II.3.3 Declínio da dinastia Tang ....................................................................................... 51
II.3.4- Marcas da sinização do Budismo.......................................................................... 57
Capítulo III – As representações artísticas budistas no I milénio ........................................ 68
III.1 Da arte Indiana às representações na Ásia Central .................................................. 68
III.2 - A arte budista na China ............................................................................................ 75
III.3 As peças Tang do CCCM e as marcas budistas na China ........................................ 82
Conclusão ................................................................................................................................... 88
Bibliografia ................................................................................................................................ 94
Anexos ...................................................................................................................................... 104
Anexo A- Mapas .................................................................................................................. 104
Anexo B – Cronologias........................................................................................................ 118
Anexo C- Fichas técnicas das peças do CCCM ................................................................ 120
Anexo D – Exemplos de representações budistas ............................................................. 132
Introdução

O processo de escolha do tema para esta dissertação começou ainda antes do


ingresso no Mestrado em História, área de especialização em Civilizações do Médio
Oriente e Ásia Antiga. De facto, com a frequência da unidade curricular de História da
China, no 3º ano de licenciatura, o meu interesse pelo mundo asiático, mas sobretudo pela
China, cresceu. A par disso, sempre tive interesse por processos religiosos e mentais, e já
há alguns anos que tinha sentido curiosidade em aprofundar o conhecimento sobre as
religiões chinesas. Simultaneamente, decidi começar a estudar mandarim, lecionado pelo
Instituto de Línguas da NOVA FCSH, dada a importância do conhecimento linguístico
para a análise dos referidos processos mentais. Naturalmente, a aprendizagem desta
língua afirma-se como um processo moroso, sendo que me encontro neste momento a
frequentar o quinto semestre de aulas (nível B 1.1).

No primeiro ano de mestrado, com os trabalhos desenvolvidos para os seminários


de “A Rota da Seda” e de “Diplomacia e Guerra na Ásia Antiga”, comecei a trabalhar
questões relacionadas com o Budismo na China, no caso do primeiro, e de correntes
filosóficas chinesas, como o Legalismo, Taoismo e Confucionismo, no caso do segundo.
Tendo, então, esses ensaios como base de partida, comecei a formular a ideia de tema
para a minha dissertação, sendo que achava interessante confluir duas temáticas: a
presença de uma religião estrangeira no País do Meio e o seu consequente impacto, em
termos culturais, artísticos, religiosos e filosóficos naquele contexto.

Escolher o período da dinastia Tang como foco cronológico para esta dissertação
pareceu-me uma escolha acertada, uma vez que esta dinastia marcou um período de
abertura cultural da China. Contudo, após uma primeira fase de recolha de informação,
ficou claro que seria demasiado redutor cingir o estudo apenas a esse período, sem antes
analisar todo o processo de introdução e adaptação do Budismo em solo chinês. Para
iniciar esta análise, afirmava-se ainda como imperioso refletir sobre o surgimento do
Budismo, na Índia, e como este se teria disseminado até alcançar a China, relacionando
assim a minha temática com as novas perspetivas de análise sobre o sistema de trocas
milenar, conhecido como Rota da Seda.

Por outro lado, ainda durante a frequência da unidade curricular de licenciatura


acima mencionada, tive oportunidade de visitar o Museu do Centro Científico e Cultural

1
de Macau, que apresenta uma rica coleção de peças chinesas, particularmente peças
Tang.1 Assim, quando a escolha da análise para o presente estudo recaiu neste período,
pareceu pertinente avaliar este acervo, procurando identificar marcas do impacto do
Budismo na arte Tang.

Deste modo, esta dissertação cruza a história do Budismo e da sua disseminação


via Rota da Seda com as adaptações que esta religião sofreu na China Tang, em termos
teóricos e artísticos, cujos reflexos se podem identificar nas peças estantes no referido
Museu. Como tal, a dissertação será dividida em três partes distintas: I) Budismo: origens,
princípios reguladores e difusão; II) Chegada e difusão do Budismo na China até à
dinastia Tang; III) As representações artísticas budistas no I milénio.

Neste sentido, é importante aqui explicitar o que entendemos por Rota da Seda.
Este termo foi usado pela primeira vez, nos finais do século XIX, pelo germânico
Ferdinand von Richthofen, quando o mesmo se referiu às trocas, de vários níveis, que
identificou aquando da sua estada no País do Meio.2 A escolha do termo “seda” inseria-
se numa visão ocidental, tendo em conta a importância deste produto, ao longo do tempo,
para os mercados e sociedades europeias. Contudo, perspetivas académicas mais recentes
entendem “Rota da Seda” como um conjunto de diversas rotas comerciais, terrestres e
marítimas, que ligam o Ocidente ao Oriente, com ramificações para o Sudoeste Iraniano,
para as estepes do Nordeste eurasiático, e para o vale do Hindu Kushan e subcontinente
indiano3. Conta ainda com rotas marítimas que atingem o Japão e que se espraiam pelo
mar da China e pelo Índico.4

Por outro lado, estas novas perspetivas promoveram estudos multi e


interdisciplinares, que permitiram verificar como estas múltiplas rotas foram usadas por
humanos, desde tempos imemoriais, unindo o grande espaço euroasiático. Exemplo disso
são os movimentos realizados pelas populações indo-europeias, que se expandiram a Este

1
O acervo deste Museu começou a ser constituído em 1995, data de fundação do Centro Científico e
Cultural de Macau. A coleção permanente encontra-se divida em dois núcleos distintos: “A Condição
Histórico-Cultural de Macau nos séculos XVI”, e “A Colecção de Arte Chinesa”. Cf. História da Colecção,
http://www.cccm.pt/page.php?conteudo=&tarefa=ver&id=40&item=Colec%E7%F5es, consultado pela
última vez a 18/09/2018.
2
Cf. F. v. Richthofen, Verhandelingen der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin, vol. 4, 1877, pp. 99 – 122.
3
Cf. R. Foltz, Religions of Silk Road – Premodern Patterns of Globalization, Nova Iorque, Palgarve
Macmillan, 2010, p. 1.
4
Cf. About the Silk Road, in http://en.unesco.org/silkroad/about-silk-road, visitado pela última vez a
30/05/2018.

2
para a Ásia e a Oeste para a Europa, a partir do IV milénio a.C.5 Desta forma,
desenvolveu-se um contacto amplo, ao longo dos corredores entre as montanhas centrais
que dividem o espaço Euroasiático, atravessando diversos contextos geográficos,
marcados tanto por desertos como por florestas.

Nestes corredores, vários produtos circulavam e eram comerciados entre diversos


agentes, atravessando vários e diferentes sistemas económicos que se encontravam sob o
domínio de distintos sistemas políticos, ao longo do tempo. Assim, mesmo tendo como
primordial funcionalidade as trocas comerciais, tão importantes para o desenvolvimento
das diversas populações ali integradas, estas rotas proporcionaram também a troca de
ideias, tradições, expressões religiosas, culturais e mesmo de moda. De facto, os
comerciantes que seguiam por estes caminhos, em grandes caravanas, estabeleciam
contactos, quer através da interação quer da observação, com indivíduos de culturas
diferentes das suas. Ao mesmo tempo, nestas caravanas iam outros agentes (peregrinos,
diplomatas, artistas, etc.) que contribuíam para as trocas que se foram efetivando de local
para local.6

Deste modo, a Rota tornou-se num sistema de comunicação de excelência pelo


qual as religiões se deslocavam, alcançando os mais diferentes públicos, sendo que
nenhuma religião se manteria inalterada desde a sua origem até aos locais de chegada.
Com o surgimento de religiões proselitistas, como o Budismo, apareceram também os
missionários, que estimularam a propagação de tradições religiosas e, consequentemente,
as viagens de peregrinação.7

Assim, nesta dissertação esta perspetiva sobre a Rota da Seda, como grande
sistema de comunicações e trocas múltiplas, estará presente, pois foi através deste que o
Budismo se difundiu, desde a Índia até à China. As transformações budistas, que diversos
agentes realizaram neste palco, serão, então alvo de análise.

O primeiro capítulo, então, falará logo do processo de difusão do Budismo pelas


rotas da Ásia Central. Contudo, é necessário começar pela caracterização das origens
desta religião em contexto gangético, assim como pela apresentação dos fundamentos
indianos desta proposta religiosa. Em seguida, o foco estará, sobretudo, na corrente

5
Cf. R. Foltz, op. cit., p. 2.
6
Idem, p.8.
7
Idem, p. 9.

3
Mahāyāna, já que foi esta que se propagou pela Ásia Central e que chegou à China, por
via terrestre.

Num segundo capítulo, proceder-se-á à análise da entrada e fixação do Budismo


na China, interligando-a com o contexto histórico do País do Meio. Explicitar-se-á como
esta nova religião se relacionou, sobretudo, com o poder imperial Tang, analisando os
reinados dos diferentes imperadores, e destacando as características mais relevantes
destes governos. Note-se que a entrada de uma religião, em qualquer contexto, está
sempre dependente de condições sociais, políticas e económicas, daí a importância de
analisar estes diferentes governos Tang. Por último, analisar-se-á quais as transformações
sinizantes que ocorreram no seio desta religião, durante o período em análise.

O terceiro e último capítulo focar-se-á na arte budista, nomeadamente nas


expressões relativas à escultura e à pintura. Seguindo a lógica dos dois capítulos
anteriores, tentar-se-á manter uma estrutura similar, começando por caracterizar o
surgimento da arte de temática budista e o seu posterior desenvolvimento ao longo da
Rota da Seda terrestre, até alcançar a China. De seguida, serão avaliadas as
transformações que a arte budista sofreu, de modo a se acomodar à realidade chinesa. O
último ponto, onde se irá recorrer a algumas peças Tang integrantes da coleção
permanente do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, ilustrará essas mesmas
alterações, a vários níveis, permitindo uma análise específica do que foi apresentado
antes.

Resta apenas deixar algumas notas sobre as questões metodológicas. Nesta


dissertação optou-se, sempre fosse necessário, utilizar a nomenclatura em sânscrito,
embora que romanizada, no respeitante aos termos e conceitos do Budismo indiano.
Relativamente a expressões e nomenclaturas chinesas, embora se tenha optado por não
utilizar os caracteres, serão sempre escritas seguindo o sistema de escrita pinyin, uma vez
que se poderia gerar confusão entre os caracteres antigos e modernos e entre diferentes
sistemas de transcrição. Refira-se ainda que aquando da referência a localidades chinesas,
estas encontrar-se-ão sempre acompanhas da sua atual província. Em anexo, encontrar-
se-á um mapa da divisão administrativa atual da República Popular da China, de modo a
ajudar na localização das mesmas.

4
Espero que esta dissertação permita entender melhor o contexto cultural da China
Tang e a sua relação com uma religião originalmente estrangeira, que ainda hoje assume
um papel de relevo no pensamento do País do Meio.

5
Capítulo I - Budismo: origens, princípios reguladores e difusão

I.1 - Contexto gangético na segunda metade do I milénio a.C.

A situação política, social e cultural na Índia, especialmente na região gangética


em meados do primeiro milénio a.C., era de profunda agitação [Anexo A, Mapa 3]. 1 Esta
época, correspondente ao final do período védico2, caracterizou-se por uma sucessão de
guerras entre clãs, que resultaram em diversas situações limite, nomeadamente a
proliferação de casos de escravatura, roubos, assassinatos, bem como de uma profunda
destruturação familiar, marcada por situações de adultério e de abandono dos mais idosos.
Sentia-se uma crise social, mas também de valores, às quais as velhas tradições religiosas
indianas não conseguiam oferecer uma resposta adequada.3

De facto, neste período, a religião védica havia-se tornado um instrumento de


controlo utilizado pela classe sacerdotal, que através de sacrifícios e práticas mágicas,
influenciavam a sociedade, vergando a vontade divina em benefício próprio. Dado que os
elementos pertencentes às castas superiores da sociedade gangética (nobres, ricos
mercadores e proprietários de terras), detinham os recursos necessários para alimentar os
rituais e efetuar os respetivos pagamentos à classe sacerdotal, mais facilmente usufruíam
do favor divino para obterem riqueza, glória, saúde e fertilidade, quer para a vida corrente,
quer para as vidas vindouras4. Devemos ter em conta que, nesta época, já se encontravam
definidas5 a noção de relação entre reencarnações e a ação humana, isto é, o karma6, e o

1
Cf. A. Heirman, S. P. Bumbacher, “Introduction: The Spread of Buddhism”, in D. Sinor, N. DiCosmo, (ed.),
Handbook of Oriental Studies, Section Eight – Central Asia, vol. 16, A. Heirman, S. P. Bumbacher, (ed.), The
Spread of Buddhism, Leiden, Brill, 2007, p. 3.
2
Período da história indiana que decorreu entre c. de 2000 e 500 a.C. e que abrange as principais
migrações de povos arianos oriundos do Médio Oriente. Ver em C. Lacy, The conscience of India – Moral
tradicions in the modern world, Canadá, Holt, Rinehart and Winston, 1965, p. 14.
3
Cf. G. Omvedt, Buddhism in India- Challenging Brahmanism and Caste, Thousand Oaks, Califórnia, Sage
Publications, 2003, p. 29.
4
Cf. A. Bareau, Buda, Lisboa, Editorial Presença, 1964, p. 8.
5
O quadro mental védico encontrou a sua primeira grande definição escrita no conjunto de estudos
metafísicos designados por Upanishads. Estes estudos foram formulados, entre c. de 800 e 400 a.C., por
diversos pensadores, que já recorriam às práticas do ascetismo. Cf. R. Mookerji, Ancient Indian Education:
Brahmanical and Buddhist, New Delhi, Motilal Banarsidass Publ., 1989, pp. 97 e 98.
Veja-se este corpus em I. Busse, (trad.), Os Upanishades, Mem Martins, Livros de Vida, Editores, 19[??].
6
Cf. C. Lacy, op. cit., p. 15.

6
ideal da transmigração7, o samsara. Deste modo, a maioria da população, cujos
rendimentos eram insuficientes, ficava, em teoria, condenada a existências (presentes e
futuras) de miséria e desgraça.8

Consequentemente, no decorrer do século VI a.C., surgiram inquietações sociais


e religiosas, começando a proliferar sentimentos de injustiça e revolta nos meios menos
favorecidos da sociedade gangética. Nas regiões limítrofes deste espaço, em meios
bramânicos com menor influência urbana, mas com profunda erudição, viriam a
consolidar-se fundamentos filosófico-religiosos que respondiam a esta agitação. De entre
as múltiplas propostas destacam-se o Jainismo9, cuja génese se encontra nos Himalaias,
e o Budismo, centrado na região de Bengala.

O processo de construção destas várias propostas ficou marcado pela existência


errante dos seus diversos defensores, que se cruzavam nos seus caminhos, originando
profundas discussões teóricas. Ao mesmo tempo, estes elementos recorriam a meditações
solitárias, que permitiam o amadurecimento dos fundamentos embrionários das suas
doutrinas. Estes métodos possibilitaram uma consolidação, tanto do Jainismo como do
Budismo, que partindo dos pressupostos filosófico-religiosos pré-existentes, formularam
uma nova perspetiva de disciplina, com terminologias específicas e distintas entre si.10

Surgiram, então, novas propostas metafísicas concentradas nas noções do karma


e do samsara. Por exemplo, a classificação dos elementos do plano real surgiu para ajudar
as populações a compreender o destino do ser humano, o encadeamento de vidas
sucessivas, a origem dos prazeres e dos sofrimentos, bem como os meios para quebrar os
ciclos de reencarnação. Por outro lado, se era fácil distinguir e enumerar os elementos
materiais sobreviventes à morte, mais difícil seria discernir quais os elementos imateriais
que passariam às existências seguintes, como aos carácteres, a felicidade ou a
infelicidade, saúde ou doença, riqueza ou miséria, fertilidade ou esterilidade, glória ou
infâmia.

No seio dos profícuos debates acima referidos, confrontavam-se diversas


opiniões. Uns defendiam a existência do “eu”, o âtman, que era um princípio impessoal

7
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 32.
8
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 8.
9
Dado que esta dissertação se foca no Budismo, não se aprofundará este movimento religioso. Acerca do
mesmo, veja-se A. K. Jain, Faith & Philosophy of Jainism, Delhi, Kalpaz Publications, 2009.
10
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 8-10.

7
da personalidade, único e puro, que se mantinha imutável na sucessão de vidas, próximo
ao princípio sagrado da divindade, o brahman, como se encontrava definido pelo
Bramanismo.11 Para outros, o elemento que permanecia entre vidas era o jîva, um
princípio vital e individual, que para o Jainismo era central ao processo kármico.12 Por
outro lado, havia quem defendesse uma pluralidade de elementos permanentes, quer
físicos quer psicológicos, bem como biológicos ou abstratos. Outros, por seu lado,
negavam a existência desses elementos permanentes, defendendo meras sucessões de
fenómenos ou puras ilusões.

No que respeitava à razão para as sucessivas existências, as opiniões eram, de


igual modo, variadas. No seio dos que defendiam uma relação de causa-efeito, onde os
atos anteriormente realizados definiam as vidas posteriores, existiam divergências,
nomeadamente acerca da natureza desta causalidade. Propunham-se, paralelamente, o
cumprimento dos ritos, a pureza religiosa ou, ainda, a pureza moral como causas
determinantes à felicidade ou infortúnio vindouros. Contudo, outros negavam a
causalidade, advogando antes uma fatalidade do destino, absolutamente independente da
ação humana. Neste grupo, havia quem negasse a existência do âtman ou do jîva, ou quem
defendesse estes como passivos, sem capacidade de influenciar o destino. Estas últimas
visões tornavam vãs qualquer esperança na libertação dos sofrimentos mundanos. Por sua
vez, aqueles que aceitavam a potencialidade de atingir tal fim, dedicavam-se a descobrir
os meios para tal. Muitos utilizavam as práticas retiradas dos velhos processos
ritualísticos utilizados pelo xamanismo, para alcançar um transe, ou seja, um estado de
serenidade absoluta, que permitia até adquirir poderes sobrenaturais. 13 Contudo, as
práticas xamânicas, embora fizessem parte de uma tradição ancestral, foram também alvo
de diversas críticas, começando mesmo a ser marginalizadas das práticas correntes por
alguns grupos.14

11
Cf. C. Lacy, op.cit., pp. 15 e 16.
12
Cf. J. Soni, “Jaina Virtue Ethics: Action and Nonaction”, in S. Ranganathan (ed.), The Bloomsbury
Reasearch Handbook of Indian Ethics, Londres, Bloomsbury Academic, 2017, p. 159.
13
Estes processos ficariam mais tarde conhecidos por Yoga (união). Para uma análise detalhada sobre o
surgimento e alterações destes processos rituais na Índia, veja-se G. Samuel, The Origins of Yoga and
Tantra: Indic Religions to the Thirteenth Century, New York, Cambridge University Press, 2008, pp. 39-190.
É interessante notar que, como à frente será desenvolvido, o processo de construção da figura de Buda
será devedor destas discussões, sendo eventualmente entendido como um ser com poderes
sobrenaturais, mostrando, assim, uma continuidade em mudança do pensamento religioso indiano.
14
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 10 e 11.

8
Numa outra vertente, debateu-se como quebrar o ciclo de reencarnações, que
assentava no alcançar da referida serenidade absoluta. A natureza dos processos, das
etapas e graus de intensidade desta eram mais uma vez alvo de divergências. Para alguns,
essa serenidade era alcançada quando o “eu” puro era reencontrado nas profundezas do
pensamento, seguindo a mesma linha das crenças bramânicas. Para outros, esta resultava
da união do princípio da individualidade com o próprio cosmos. Alguns defendiam que a
libertação do ser era o vazio total da consciência. Havia ainda aqueles que, em
continuidade com a tradição, se submetiam a duras austeridades, torturando o corpo para
se libertarem mais facilmente do ciclo de reencarnações, ou que seguiam o caminho da
solidão e do afastamento social, tornando-se eremitas. Já outros acreditavam poder viver
junto da população comum desde que se limitassem às regras de disciplina impostas.15

Foi, então, neste período de falência de valores sociais e intensa discussão


filosófico-religiosa que o Budismo, corrente religiosa central ao presente estudo,
despontou e fixou as suas raízes, construindo a sua própria resposta para combater o
desvirtuamento moral da Índia gangética. Através da utilização e reformulação das ideias
acima enunciadas, o pensamento budista estabeleceu um quadro metafísico e um
comportamental próprio, que procurava restabelecer a tranquilidade social, recorrendo ao
ensino de uma disciplina pessoal, como adiante se explicitará.

I.2 - Siddhartha: entre a história e o mito

A existência histórica de Siddhartha Gautama é impossível de ser perfeitamente


definida, uma vez que ele próprio não deixou registos escritos da sua vida. O que chegou
aos dias de hoje não é mais que uma mistura de tradições orais, que se foram canonizando
ao longo de séculos, e de mitificações que se foram construindo em torno da figura de
Buda. Como tal, nada pode ser tido como uma verdade absoluta quando se fala da vida
desta personagem central do Budismo.

Segundo a tradição comumente aceite, Siddhartha terá nascido em 566 e morrido


em 486 a.C. 16, sendo filho de um pequeno nobre, pertencente ao clã bramânico dos

15
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 12.
16
Esta datação, segundo Jean-Noël Robert, é a mais consensual de entre as várias propostas, sendo por
isso a que preferimos seguir. Veja-se J. Robert, “O Budismo – História e Fundamentos”, in J. Delumeau,
(dir.), As Grandes Religiões do Mundo, Lisboa, Editorial Presença, 1999, p.432.

9
Gautama, na localidade de Kapilavastu, no atual Nepal. Ainda jovem, com vinte e nove
anos17, teria deixado a sua família para trás, escolhendo uma vida de asceta errante. O
principal objetivo das suas meditações era encontrar o remédio para todas as dores que
tornavam a existência de todo e qualquer ser vivo insuportável. Assim, ter-se-ia juntado
a grupos de ascetas, aprendendo com eles técnicas de meditação e suportando
austeridades severas18. Apercebendo-se, a dado momento, que não estava a conseguir
atingir os seus objetivos, abandonou este caminho, seguindo um trajeto próprio19. Foi,
então, na localidade de Bodh Gaya, a cerca de 100 quilómetros a sul da atual cidade de
Patna20, que Siddhartha descobriu a solução das suas questões, através da força da sua
meditação. Sob uma figueira, atingiu a Iluminação, tornando-se Buda.21

A tradição atesta que, naquele momento, e em primeiro lugar, Siddhartha tomou


consciência das suas vidas passadas de sofrimento, confirmando assim as noções de
transmigração e reencarnação. De seguida, compreendeu que os prazeres e sofrimentos
sentidos pelos seres não advinham do acaso ou do cumprimento de certos ritos, mas sim
apenas do valor dos atos realizados numa existência passada, validando, assim, a noção
de karma. Esta constatação levou-o a considerar a veracidade da origem da dor inerente
à vida, que reside nas paixões. Por fim, entendeu a possibilidade da cessação das mesmas
e da existência do caminho para a libertação do sofrimento e do ciclo de reencarnações.
Siddhartha tomou, assim, consciência das “Quatro Nobres Verdades”, os quatro
principais fundamentos do Budismo: o sofrimento (duhkha), a sua origem (samudāya), a
possibilidade de o quebrar (nirodha) e o caminho para alcançar a libertação do mesmo
(ārya-ashtānga-mārga).22 Compreendeu, então, que ele próprio estava liberto de todas as
paixões e consequentemente de todas as dores, e como tal não voltaria a renascer. Tinha
alcançado o Despertar, o bodhi, e atingido o nirvāna23 ao encontrar a paz inabalável
proveniente da extinção das paixões e sofrimentos.24

17
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 23.
18
Ibidem.
19
Cf. J. Robert, art. cit., p.435.
20
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 15.
21
Cf. J. Robert, art. cit., p. 435.
22
Cf. H. Yün, Budismo – Significados Profundos, Sintra, Zéfiro, 2016, p. 219
23
Nirvāna tem o significado literal de extinção. Numa perspetiva budista significa a extinção de
sentimentos como o a inveja e o ódio, ou seja, a eliminação de desejos, bem como o cessar do sofrimento
e do ciclo de reencarnações. Veja-se N. Thera, Buddhist Dictionary: Manual of Buddhist Therms and
Doctrines, Sri Lanka, Buddhist Publication Society, 2004, p. 115.
24
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 15.

10
De seguida, e retomando a vida errante, chegou aos arredores de Benares, onde
proferiu o seu primeiro sermão25. Aí adquiriu os seus primeiros cinco discípulos, que se
tornariam nos primeiros bhiksus26, ou seja, os seus primeiros monges. Este primeiro
sermão enceta a obra de predicação de Buda, fundando simultaneamente a sangha, a
comunidade de monges budistas, e assentando as “Quatro Nobres Verdades”.27

O número dos seus discípulos foi aumentando paulatinamente, recrutando, por


onde passava, novos monges sem qualquer distinção social.28 Ao mesmo tempo, a sua
reputação crescia no seio da comunidade leiga, onde muitos o passavam a seguir. Os
membros leigos destes primeiros tempos continuavam a viver integrados na sociedade,
mas comprometiam-se a respeitar as principais regras de moral enunciadas por Buda,
assim como, assumiam a responsabilidade de suprir, regularmente, as necessidades
materiais dos monges, principalmente a nível da alimentação. Estes leigos eram, também
eles, provenientes de todas as camadas sociais, desde as mais altas até aos mais
desprovidos de riqueza. Contudo, os mais reconhecidos eram os que detinham maior
estatuto, talvez devido às suas grandes doações, que incluíam parques suburbanos onde
os monges podiam viver em paz, entre as suas viagens.

Assim, Buda e os seus discípulos encontraram estabilidade na bacia do Ganges,


que percorriam, ensinando a sua doutrina a todos aqueles que se dispunham a escutá-la,
discutindo, por diversas vezes, com eruditos de crenças distintas.29 Buda viria a morrer já
em idade avançada, em Kusinagara, a cerca de 175 quilómetros a nordeste de Patna,
encontrando por fim a paz eterna pela sua extinção completa, o parinirvāna.30

A construção sobre a vida de Buda, pela mão das comunidades leigas, iniciou-se
logo a seguir à sua morte, com recurso a elementos trazidos do folclore e da mitologia
indiana. A personalidade de sábio austero e racionalista foi-se eclipsando, dando lugar à
imagem de um ser sobrenatural, omnisciente e omnipotente, capaz de realizar feitos
prodigiosos. Passou de um filho de um simples nobre de província para se tornar num
jovem príncipe, rico e poderoso, oriundo de uma grande linhagem e ao qual estava

25
Idem, p. 16.
26
Cf. G. Omvedt, op.cit., p. 24.
27
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 16.
28
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 24.
29
Cf. A. Bareau, op.cit., p. 17.
30
Parinirvāna é considerado o último estágio do nirvāna, o qual é alcançado com a morte. Cf. D. Keown,
A Dictionary of Buddhism, Oxford, Oxford University Press, 2004, p. 212.

11
destinado o comando de um vasto império, não tivesse ele abandonado tudo para se tornar
num asceta em busca do bodhi. Assim, a imagem criada pelos seus seguidores leigos
tornou o Buda histórico, Sakyamuni, num ser sublime, superior a qualquer ser humano ou
divindade, que não se tinha extinguindo por completo, mas sim atingido um local inefável
e incognoscível para lá do universo.31

É sobre o período com mais lacunas informativas, o que se refere à sua infância e
adolescência, que mais elementos míticos foram acrescentados, divulgados ao longo do
tempo em múltiplas expressões artísticas, desde baixos relevos e frescos a estatuária.
Estas construções, de forma geral, apresentavam Buda como um ser predestinado, filho
do rei Suddhodana e da sua esposa Mahamaya. Esta teria ficado grávida depois de sonhar
com um elefante branco de seis presas, animal cujo simbolismo apontava para o
nascimento de um ser extraordinário.32 Após dez meses de gestação, deu à luz uma
criança pelo seu flanco direito, que de imediato se pôs de pé, verbalizando a sua grandeza,
a qual, anteriormente, havia sido confirmada por sábios brâmanes.33 Segundo esta
perspetiva, Siddhartha teria então crescido, realizando treinos físicos e psicológicos
diversos, aprendendo a uma velocidade impressionante, superando qualquer outro
humano. Já jovem adulto, casou-se com uma mulher nobre, Yashodhara, e dela teria tido
um filho, Rahula.34 Levou, então, uma vida calma, feliz e ociosa até ao dia em que
encontrou, sucessivamente, um idoso, um doente, um morto, e por último um asceta. Os
três primeiros encontros expuseram-lhe as três principais fontes de sofrimento humano,
tendo o último revelado a serenidade do religioso, que se vê privado de tudo. Em
consequência desses encontros e do impacto que nele tiveram, Siddhartha teria então
abandonado o seu palácio para procurar o apaziguamento na austeridade, o que levaria a
que mais tarde tivesse atingido a Iluminação.35 Devemos desde já referir a presença dos
Lokapala nesta construção mítica da figura de Buda, pela importância que os mesmos
detêm nas representações artísticas budistas que mais à frente serão discutidas. Estes seres
divinos, provenientes das tradições pré-existentes do pensamento indiano, seriam quatro
reis celestes, guardiões dos quatro pontos cardeais, que foram absorvidos pelo Budismo
como figuras protetoras da lei Budista. Segundo estas lendas, os Lokapala estiveram

31
Idem, pp. 74-76.
32
Cf. M. McArthur, Reading Buddhist Art- An Illustrated Guide to Buddhist Signs & Symbols, New York,
Thames & Hudson, 2004, p. 135.
33
Cf. S. C. Kohn, A Life of Buddha, Boston, Shambhala Publications, 2009, pp. 3-5.
34
Idem, pp. 9 e 14.
35
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 17 e 18.

12
presentes em todos os momentos chave da existência de Buda, desde o seu nascimento ao
parinirvāna.36

A contínua mitificação da figura de Siddhartha, entre o sábio asceta e o herói com


poderes sobrenaturais, ultrapassou assim o homem, tornando-o mesmo, mais tarde, num
ser numinoso37, superior a todas as divindades.38

I.3 - Os princípios budistas e a sangha

Os séculos seguintes ao parinirvāna foram marcados, também, por um intenso


trabalho para fixar as conceções teóricas desta proposta religiosa, o que acabaria por
resultar no livro canónico do Budismo, o Tripitaka, o (Triplo Cesto de Flores). Este
encontra-se dividido em três partes: a primeira, o sutra, que agrupa os ensinamentos
budistas; a segunda, o vinaya, correspondente à disciplina monástica; e a terceira parte, o
abhidharma, onde a escolástica do ensino de Buda se encontra fixada.39

Nesta obra defende-se que a entrada no caminho da libertação dos leigos se fazia
através do ensino da moral, que se resume à abstenção total das más ações, nomeadamente
o assassinato, o roubo, as práticas sexuais ilícitas, a mentira e a negligência face ao
consumo de bebidas alcoólicas. Deviam, igualmente, evitar a difamação e a calúnia, a
linguagem grosseira e injuriosa, bem como as conversas levianas. Defendia-se ainda que
cabia aos leigos o fornecimento do alimento, do vestuário e outros bens necessários, na
medida das suas capacidades, aos monges. 40 Estes ensinamentos parecem ter sido, pelo
menos em parte, uma resposta filosófica e moral à crise de valores que acima se referiu.
Ora, a total abstinência da prática de más ações, permitia reprimir as paixões por elas
causadas, e que causavam o sofrimento, o que, consequentemente, permitia aos leigos
reencarnarem em melhores condições numa vida futura. No limite, estes encarnariam
finalmente numa existência que lhes dava acesso à vida monástica e entrada no verdadeiro
caminho da libertação.

36
Cf. M. McArthur, op. cit., p. 65.
37
Seguimos, nesta dissertação, a terminologia utilizada pela História e Filosofia das Religiões, onde o
elemento transcendente, o númen, é percecionado pelo homo religiosus, que constrói, assim, um sistema
simbólico e metafísico, no qual o mito tem um papel central. Sobre este quadro teórico, veja-se, por
exemplo, R. Otto, The Idea of the Holy, New York, Oxford University Press, 1966, ou É. Durkheim, Les
formes élémentaires de la vie religiouse, Paris, Les Presses universitaires de France, 1968.
38
Cf. A. Bareau, op. cit., 1964, p. 17.
39
Cf. J. Robert, op. cit., p.441.
40
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 48.

13
Por outro lado, a moral imposta ao bhiksus, através de códigos de disciplina, os
vinaya, era bastante mais severa. Além do acima descrito, os monges budistas deviam
ainda abster-se de todo e qualquer pensamento ou ação maldosa, quer corpórea quer sob
a forma de palavra. Esta imposição moral visava dois fins específicos. Em primeiro lugar,
manter a ordem interna dos mosteiros. Em segundo, salvaguardar o bom nome dos
mesmos para a sociedade exterior.41 Os vinaya detalhavam ao pormenor múltiplos casos
de infração, medindo a gravidade dos mesmos, e ainda previam as sanções a serem
aplicadas e as exceções à regra. A severidade da disciplina a ser seguida pelos monges
era absolutamente necessária para se alcançar a salvação.42

A disciplina praticada nos mosteiros consistia no afastamento dos monges das


multidões, e consequentemente, na realização das suas meditações em contexto
monástico. A vida dos monges devia ser austera, limitada a uma refeição, matinal e de
alimentos simples, para evitar a gula. Os monges dormiam em leitos estreitos e de altura
reduzida, dentro de celas ou cabanas próprias. Viam ainda as suas posses limitadas a três
vestimentas, cujo tecido devia de ser algodão grosso ocre, doado pela comunidade leiga,
43
a uma tigela, a uma navalha e a pequenos utensílios considerados indispensáveis.
Contudo, esta austeridade material era desprovida de um sentimento ascético, bem como
de torturas físicas praticadas em outros movimentos religiosos indianos, como o
Bramanismo ou o Jainismo, pois eram consideradas inúteis e, deste modo, não deviam
ser postas em prática.44

Seguindo estas indicações, o monge budista esquivava-se a um contacto maior


com o mundo leigo, limitando-se a cumprir com as suas obrigações religiosas, que
incluíam o peditório, a pregação doutrinária e ainda a peregrinação. Mesmo quando
viajavam, os monges mantinham-se sujeitos ao cumprimento de regras, que estabeleciam
a manutenção constante de uma conduta dignificante, com os olhos baixos, evitando a
todo o custo qualquer manifestação e conversação que pudesse destabilizar a serenidade
interior que lhes era esperada.45

Para alcançarem a libertação, os monges seguiam certos métodos que os obrigava


a reunir certas qualidades. Uma dessas práticas era o “Nobre Caminho Óctuplo”, que

41
Cf. Idem, p. 49.
42
Cf. J. C. Holt, Discipline: The Canonical Buddhism of Vinayapitka, Delhi, Motilal Banarsidass, 1981, p. 2.
43
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 49 e 50.
44
Cf. S. Tachibana, The Ethics of Buddhism, London, Curzon Press, 1992, p. 5.
45
Cf. A. Bareau, op. cit., p. 50.

14
visava a cessação do sofrimento, onde era necessário ter oito virtudes ou qualidades: a
correta compreensão, resolução, ação, concentração, atenção, assim como o correto
discurso, meio de sustento e esforço.46 No entanto, o método a que se recorria com maior
frequência para atingir a Iluminação era o Dhyana, isto é, o método das quatro
meditações: numa primeira meditação, o monge livrava-se dos seus pensamentos impuros
e dos seus desejos, formulando um raciocínio sobre o qual fazia a sua reflexão, buscando
a alegria. De seguida, numa segunda etapa, apaziguava o raciocínio e a reflexão, atingindo
a serenidade interior, resultante da concentração, e que consistia na união do pensamento
à alegria. Depois, de maneira a alcançar um estado de indiferença, abdicava do que até aí
tinha alcançado, limitando-se a desfrutar da felicidade presente no seu corpo. Por fim
desprovia-se de toda a felicidade e dor, atingindo a quarta meditação, em que através de
toda a atenção e indiferença, atingia a pureza total, deixando-se quedar nesse estado.47

Os códigos anteriormente referidos também nos dão a conhecer o funcionamento


inicial da comunidade dos monges, a sangha. Esta respondia, em última análise, à
necessidade de separar os religiosos das tentações e perturbações leigas. Note-se que a
sangha não era um produto original do Budismo, uma vez que sociedades semelhantes e
com os mesmos fins já vigoravam na Índia ainda antes do surgimento desta religião.
Como já foi referido, Buda, aquando da elaboração da sua doutrina, recorreu a elementos
pré-existentes para organizar a sua comunidade, adaptando-os às suas necessidades.48

Para entrar na sangha só eram necessárias duas condições: a libertação pessoal de


qualquer laço social e a garantia que o preponente não causasse perigo ou escândalo para
os outros monges. Assim, a comunidade religiosa podia acolher indivíduos provenientes
de qualquer casta, sem fazer distinção social.49 Dentro da sangha,a única hierarquia
vigente era definida pela antiguidade dos bhiksus na vida monástica.50 Embora nos
primeiros tempos, a sangha estivesse aberta a qualquer pessoa, os vinaya revelam uma
gradual exclusão de certos grupos sociais, como por exemplo endividados, criminosos e
desertores, por potenciarem a eventual crítica externa ao movimento e, como tal, levar a

46
Cf. P. Harvey, An Introduction to Buddhist Ethics, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, p. 37.
47
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 50-52.
48
Idem, pp. 67 e 68.
49
O Budismo repudiava o sistema de castas vigente na Índia gangética, rejeitado a superioridade de
qualquer indivíduo com base no seu nascimento ou profissão, valorizando antes a moralidade individual.
Cf. S. Tachibana, op. cit., p. 5.
50
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 96.

15
um afastamento da massa de crentes leigos, a grande base de suporte económico da
comunidade monástica.51

Com o crescimento da sangha, e a consequente entrada de pessoas mais jovens na


mesma, tomou-se como prática que um jovem menor de 19 anos de idade, antes de poder
ser ordenado, passasse por um período de noviciado, guiado por um mentor mais velho.52
Só com o término deste período é que o candidato, proposto pelo seu mestre, se sujeitava
a uma cerimónia solene, na qual, após ser apresentado a todos os membros da
congregação à qual se propunha, era alvo de um extenso interrogatório, acabando por fim
por ser acolhido como monge. Não tendo de proferir qualquer voto, individual ou
coletivo53, quando entravam para a sangha os bhiksus rapavam os cabelos e pelos faciais,
e passavam a possuir as três vestes de algodão tingidas de ocre, anteriormente referidas.
Estas vestes eram doadas por leigos em certas festas anuais ou recolhidas de outro modo
pelo próprio monge. 54

Todos os monges tinham como tarefa matinal a deslocação a localidades vizinhas


para procederem à recolha de alimentos, quer para eles quer para qualquer outro monge,
que por algum motivo se visse impedido de realizar essa mesma recolha. Terminada esta
atividade, voltavam ao mosteiro onde comiam na tranquilidade daquele espaço. A
refeição, a única que permitia a ingestão de elementos sólidos, devia terminar antes do
meio dia, e como tal alimentos sólidos só poderiam voltar a ser ingeridos na madrugada
do dia seguinte. O resto do dia e a primeira metade da noite eram ocupados com
meditações, estudo pessoal, pregação da doutrina, assim como com atividades de limpeza
e conservação do mosteiro.55 A cada mudança da fase da Lua, ou seja, quatro vezes por
mês, os monges da mesma congregação reuniam-se numa cerimónia resgatada das antigas
tradições religiosas indianas, a Uposadha. Nesta cerimónia procediam-se a confissões
gerais, onde eram lidos os vinaya, com os delitos e graus de gravidade correspondentes.
Deste modo, cada monge infrator confessava publicamente as suas transgressões.56

A vida dos monges budistas era, assim, de extrema simplicidade, sem recorrer aos
excessos ascéticos, apenas renunciando aos bens supérfluos. Era uma existência com um

51
Cf. K. Trainor, Buddhidm: the Illustrated Guide, Oxford, Oxford University Press, 2004, p. 38.
52
Ibidem.
53
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 95.
54
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 68.
55
Idem, p. 69.
56
Ibidem.

16
duplo sentido convergente, pois, por um lado deviam buscar a libertação pelo esforço
pessoal, afastados da vida mundana; mas por outro, deviam seguir com a predicação da
sua doutrina na sociedade, o que permitia uma simbiose com o mundo leigo. 57 Não
devemos esquecer que em troca dos ensinamentos, os leigos concediam aos monásticos
a dádiva da alimentação, vestuário, alojamento e bens essenciais ao seu quotidiano.58

Contudo, se ao início as regras para a vida monástica pareciam ser algo simples,
com o passar do tempo tornar-se-iam mais rígidas, regulando todos os aspetos da vida
dos monges, desde as relações dentro do mosteiro, bem como com o mundo exterior, até
mesmo definindo o tipo de alimentos e posses permitidos. 59 A necessidade de submeter
os monges a uma disciplina severa explica-se pela existência de indivíduos que aderiam
à sangha com intenções de se aproveitarem de uma vida calma, cujos bens essenciais
eram assegurados por terceiros. Estes indivíduos causavam escândalo para o exterior e a
desordem no meio da vida monástica, uma vez que eram transgressores frequentes das
regras a que estavam sujeitos. Como tal, existia a necessidade de serem punidos. Assim,
os primeiros vinaya foram sendo desenvolvidos, onde as sanções aplicadas aos infratores
da disciplina iam desde a expulsão permanente da comunidade monástica até à simples
confissão, passando ainda por afastamentos temporários e outras penitências, consoante
a gravidade dos atos. Estes castigos eram decididos por uma assembleia de monges
selecionados para o efeito, que procediam conforme as normas ditadas nos vinaya, sendo
que todas as decisões tinham de ser tomadas por unanimidade. Contudo, existiam
exceções à regra, uma vez que os monges acometidos de loucura ou debilidade mental,
aqueles que desconheciam a consequência dos seus atos ou aqueles que estavam em dor
profunda podiam ver-se absolvidos. Por outro lado, apenas os atos físicos podiam ser
julgados, uma vez que os maus pensamentos não podiam afetar o funcionamento da
sangha.60

Para além da fundação da sangha masculina, também se atribui a Buda a fundação


da sangha feminina. As monjas, bhiksuni, estavam submetidas às mesmas regras que os
monges, acrescentando-se-lhes, contudo, outras regras, consideradas mais severas. Note-

57
Cf. E. Conze, Buddhism – Its Essence and Development, New York, Dover Publications, Inc., 2003, pp. 77
e 78.
58
Cf. M. Wijayaratna, Buddhist Monastic Life: according to the texts of Theravāda tradition, Cambridge,
Cambridge University Press, 1990, p. 33.
59
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 97.
60
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 70 e 71.

17
se que as monjas se viam obrigadas a respeitar e obedecer a qualquer bhiksus, fosse ele
mais jovem ou não.61

Nos primórdios da formação da sangha, a vida dos monges era sobretudo errante,
viajando de local em local, à semelhança das restantes sociedades ascetas indianas suas
contemporâneas. Contudo, durante a época das chuvas, a sangha suspendia as suas
62
viagens, acomodando-se em habitações construídas pelos próprios ou doadas. No
período entre Julho e Setembro, os monges não viajavam, pois, segundo eles, se o
fizessem incorriam no risco de danificar a fauna e a flora que nessa época despontava
com fragilidade. Deste modo, deviam praticar um retiro, designado de varsa, numa
residência fixa e de onde não deviam sair. O fim desse período era marcado por uma
cerimónia, a Pravarana, que tal como a cerimónia de Uposadha, visava a realização de
confissões públicas63, à qual se seguia um outro momento cerimonial, Kapina, no qual se
procedia à distribuição de novas vestes oferecidas pela comunidade leiga.64

Os primeiros monges não alcançaram locais muito longínquos, mal saindo da


bacia do rio Ganges. No entanto, mais tarde, o gosto pelas viagens iria permitir combinar
o interesse espiritual das peregrinações com a utilidade da pregação da doutrina, em
concordância com a vocação proselitista do Budismo. Seria assim, quer por terra quer por
mar, que a fé budista alcançaria a Ásia Central, a China e o Sul Asiático, como mais
adiante se explicitará.

I.4 - As práticas cúlticas iniciais

Nos primeiros tempos da vida monástica budista na Índia, e contrariamente aos


movimentos religiosos seus contemporâneos, a sangha encontrava-se desprovida de
culto, sem orações ou sacrifícios, sendo estes considerados mesmo como prejudiciais à
progressão no caminho para a libertação. As relações que uniam os monges a Buda
podiam ser definidas como uma simples veneração de discípulos para com um mestre,
bem como de reconhecimento pela ação de Buda, ao ter mostrado o caminho da salvação.
Enquanto Buda foi vivo, esses sentimentos eram exprimidos recorrendo a gestos e

61
Cf. A. Heirman, “Buddhist Nuns: Between Past and Present”, Numen, vol. 58, ed. 5, Leiden, Brill, 2011,
pp. 606 e 607.
62
Cf. C. S. Prebish, “Buddhism’s Monastic and Lay Communities”, in J. Powers (ed.), The Buddhist World,
New York, Routledge, 2016, pp. 401 e 402.
63
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 69 e 70.
64
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 96.

18
palavras de respeito já em uso na sociedade indiana. Após o parinirvāna, os monges que
o veneravam apenas podiam ter pensamentos de admiração e gratidão para com ele, uma
vez que Buda tinha desaparecido definitivamente.

No entanto, rapidamente se desenvolveu o culto às relíquias de Siddhartha, por


parte da comunidade secular. Uma vez mais, o papel desta foi essencial na construção da
atividade cúltica aos restos de Buda, característica que se afirmou como fundamental
sobretudo ao Budismo Mahāyāna, no tempo longo. A comunidade leiga desenhou,
rapidamente, uma tradição que estipulava como o próprio Iluminado, no seu leito de
morte, tinha confiado o tratamento dos seus restos mortais aos seus seguidores seculares,
que ficaram, então, responsáveis pela sua cremação. No dia seguinte a essa cerimónia,
vários chefes de clãs, oriundos de territórios por onde Buda havia passado, partilharam as
suas cinzas. 65

Este culto foi, no entanto, alvo de resistência por parte da sangha indiana, que
considerava estas práticas como contrárias ao desejo do próprio Buda. A sua aceitação
seria lenta e parcelar, pois, só em obras canónicas posteriores, e apenas de algumas
escolas budistas, sobretudo integradas no Mahāyāna, foi possível verificar a participação
de elementos da comunidade monástica, sob regulamentos próprios, nestas atividades
cúlticas. Mesmo assim, esta participação foi sempre bastante inferior quando comparada
à participação secular, estando reduzida a apenas algumas demostrações de respeito
compatíveis com a reserva e dignidade esperada dos bhiksus.66

Verificou-se também, após o paranirvāna, o desenvolvimento paralelo do culto


aos grandes discípulos e aos arhat67, que eram aqueles que já se encontravam num nível
mais avançado na busca da libertação.68 Tal como nas relíquias do Iluminado, este culto
teve profunda aceitação por parte da comunidade leiga, que deteve um papel essencial na
sua promoção. Fortemente influenciados pelas tradições cúlticas já realizadas a outras

65
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 73 e 74.
66
Ibidem.
67
Arhat é aquele ser que destruiu as aflições da vida e todas as causas que o levassem a uma
reencarnação, que atingiu o nirvāna em vida e atingirá o parinirvāna na morte. Rahula, o filho de Buda
segundo certas tradições, teria integrado este conjunto de Iluminados. Cf. M. McArthur, op. cit., p. 83.
Para o Budismo Mahāyāna, o arhat atingiu a Iluminação, mas contrariamente a um Buda, só eliminou um
dos dois obstáculos, a obstrução do sofrimento, restando-lhe a obstrução intelectual. Deste modo, não é
considerado um Buda. Cf. R. E. Buswell Jr. e D. S. Lopez Jr., The Princeton Dictionary of Buddhism,
Princeton, Princeton University Press, 2014, p. 62.
68
Cf. H. Yün, Budismo Puro e Simples – Sutra das Oito Percepções dos Grandes Seres, Sintra, Zéfiro, 2014,
p. 103.

19
divindades indianas, os seguidores leigos encararam as relíquias de Buda e dos seus
discípulos como talismãs, que permitiam a proteção e a obtenção de resultados benéficos
no seu quotidiano. Estas relíquias, tal como as de Buda, eram constituídas por cinzas,
pedaços de unha, cabelos e ainda, embora com menos frequência, objetos utilizados pelos
discípulos e arhat, como as suas tigelas ou as suas vestes. Estas relíquias eram guardadas
em urnas adornadas de jóias e depois colocadas em construções maciças conhecidas como
stupas. Os comportamentos cúlticos relativos a estas consistiam em demostrações de
respeito, saudações, prostrações, homenagens, oferta de flores, alimentos, velas e
perfumes, com recitação de cantos acompanhados por música e danças.

É interessante sublinhar as tensões que surgiram desde cedo entre formas distintas
de apreender a mensagem do Iluminado, uma mais conceptual defendida pelos monges,
outra mais palpável, por parte dos leigos. Note-se, como referido acima, que os seguidores
seculares indianos desta nova proposta religiosa se encontravam inseridos numa tradição
anterior védica, profundamente marcada por ritos sacrificiais e mágicos. Talvez por isso,
estes crentes sentissem uma necessidade de maior proximidade a Buda, alcançável através
do culto aos seus restos mortais e aos dos seus discípulos. Segundo Bareau, este culto
multifacetado a Buda, aos discípulos e aos arhat encontrava-se largamente difundido por
toda a Índia Gangética, apenas duzentos anos após o parinirvāna.69 Parece-nos que a
sangha indiana, embora resistente inicialmente, foi-se adaptando a este culto, assumindo-
o não como uma oração direta a Buda, mas como uma prática de meditação sobre as
doutrinas ensinadas por ele, o que permitia conduzir o pensamento para a prática do bem,
considerada a única fonte de felicidade.

Assim, encontramos nestas tensões iniciais relativamente ao culto, alterações


imediatas à mensagem de Buda, promovidas pelos leigos e discutidas e acomodadas pelos
monges. O Budismo, religião que se assumiu como proselitista e que se foi modificando
ao longo da Rota da Seda, iniciou o seu processo de transformação logo na sua região
berço, como os primeiros cismas, abaixo discutidos, demonstram perfeitamente.

A questão do culto às relíquias de Buda e outras figuras ligadas à doutrina budista


assumiu-se, como veremos, como basilar para a aceitação do Budismo por parte dos
habitantes do País do Meio, sendo um dos aspetos onde se identifica a sinização desta
religião estrangeira.

69
Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 74 e 75.

20
I.5 - Cismas e Divisões

Não seria necessário muito tempo para que começassem a surgir divisões dentro
da própria sangha, que ia realizando diversos concílios para fixar os cânones do
Budismo.70 De facto, surgiram três grandes formas de Budismo, que eram distintas a nível
doutrinário, embora partissem do mesmo ponto comum – os ensinamentos de Buda. 71
Eram elas o Budismo Theravada (mais tarde conhecido como Hīnayāna), o Mahāyāna e
o Vajrayāna.72 Não obstante, dentro de cada uma destas formas mais alargadas de
Budismo, surgiram outras escolas filosóficas.73

O Theravada é considerado a mais antiga e clássica forma de Budismo, que se


consolidou através de dois concílios realizados após a morte de Buda. O primeiro desses
concílios ocorreu logo após o parinirvāna, em Rajgriha, já o segundo realizou-se cerca
de 100 anos depois, em Vaishali. Este último concílio marca um afrouxamento das regras
aplicadas na sangha. Após este concílio, as divisões e dissidências dentro do Budismo
começaram a surgir de forma mais vincada. O grupo de monges, designados como
Mahāsanghikas, realizou, por si, um outro concílio em Pātaliputra, decorridos cerca de
37 anos após o segundo concílio, onde discutiram a tese do monge Mahādeva.74 Neste
encontro, os ortodoxos ficariam conhecidos como Theravada, expressão que significa
“doutrina dos antigos”75, enquanto os dissidentes adotariam, gradualmente o nome de
Mahāyāna, que significa “Grande Veículo”. Consequentemente, em oposição, os

70
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3.
71
Cf. J. M. Thompson, “Buddhism”, in L. W. Bailey (ed.), Introduction to the World’s Major Religions, vol.
3, Westport, Greenwood Press, 2006, p. 62.
72
Nesta dissertação, o processo de construção da corrente Vajrayāna não será tratado, embora este ramo
seja evocado no capítulo referente ao Budismo chinês. O Vajrayāna, também conhecido como Budismo
Tântrico, surgiu na Índia nos primeiros séculos da Era Cristã. Foi formulado como uma escola secreta, na
qual os ensinamentos eram preservados no seu interior e só transmitido a pessoas selecionadas. A sua
designação decorre da maior importância que os seus membros davam a textos e rituais tântricos. Para
mais informações sobre esta corrente, veja-se J. M. Thompson, art. cit., pp. 85-89. Sobre esta tradição no
Tibete, veja-se A. Torradinhas, A “Magia” como Elemento de Sincretismo entre o Budismo e a Religião
Popular Tibetana: A “Primeira Difusão” do Budismo no Tibete (Séculos VII – IX), Lisboa, 2009 (dissertação
de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa).
73
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 101.
74
Como a própria datação da morte de Buda flutua entre os diversos autores e fontes, também a datação
precisa dos concílios budistas se torna praticamente impossível de afirmar. Conciliando a datação dos
concílios que Prebish sugere em C. S. Prebish, “Buddhist Councils and Divisions in the Order”, in C. S.
Prebish (ed.), Buddhism: A Modern Perspective, Philadelphia, The Pennsylvania State University Press,
1994, pp. 21-25, e a datação para a morte de Buda sugerida por J. Robert, , op. cit, p. 432, obteríamos a
seguinte datação: o primeiro concílio ter-se-ia realizado em 486 a.C., o segundo em cerca de 386 a.C., e o
concílio de Pātaliputra por volta de 349 a.C.
75
Cf. J. Robert, op. cit., p. 430.

21
Theravada passariam a ser rotulados com o nome Hīnayāna, isto é, “Pequeno Veículo”.
Os primeiros sutras Mahāyāna começaram a aparecer ainda no século I a.C., embora a
expressão propriamente dita só ficaria claramente expressa já no século II d.C.

O Budismo Mahāyāna, como descreve Richard Foltz, era um movimento pan-


budista, que aceitava a incorporação de novas escrituras aos cânones.76 Nesta perspetiva,
o Theravada era considerado um caminho pequeno e egoísta, pois, se por um lado, os
seguidores da corrente Mahāyāna partilhavam com os ortodoxos a visão de Buda como
um ser supremo, acima do divino; por outro, enfatizavam a sua enorme compaixão e
desejo de ver todos os seres do mundo libertos do ciclo de sofrimentos e reencarnações.
A partir daqui, nesta corrente, desenvolveu-se a construção da figura do bodhisattva, um
indivíduo que acumulava mérito e renunciava ao nirvāna para ajudar outros a lá chegar77,
sendo que todos os seres podiam beneficiar da sua existência. Tal noção implicava a
assunção do conceito de transferência de mérito entre indivíduos, que era divergente do
conceito de individualismo seguido no Budismo Theravada. Deste modo, os mercadores
e os nobres que ofereciam suporte económico aos mosteiros recebiam mérito como moeda
de troca, sendo que os mais pobres podiam aspirar a se tornarem Budas, bodhisattvas ou
outras entidades associadas ao Budismo, através das boas práticas. Note-se que este
desenvolvimento permitiu ainda que a corrente Mahāyāna incorporasse entidades divinas
indígenas, tornando-as também elementos de culto budista.78

A nível filosófico, a doutrina Mahāyāna desenvolveu-se em torno de três aspetos


nucleares. Em primeiro lugar, fazia-se uma exaltação de Buda a um ponto em que o
Gautama histórico se perdia, e em que os Budas e os bodhisattvas se tornavam figuras
cosmológicas e eternas, acima e além de qualquer divindade, transcendentes a todos os
universos. Em segundo, tornou-se central a conceção dos bodhisattvas ligados à ideia de
salvação de todos os seres, o que consequentemente lhe conferia um espírito de religião
proselitista, permitindo que o conceito de transferência de mérito fosse aceite no seio da
comunidade. Um terceiro aspeto prendia-se com a existência da natureza de Buda em
todos os seres, o que reforçava a ideia da transferência de mérito. Deste modo, a figura
histórica de Siddhartha desvaneceu-se nesta doutrina, enquanto a noção da sua existência
além do plano material foi colocada em primeiro lugar. Para a corrente Mahāyāna,

76
Cf. R. Foltz, Religions of Silk Road – Premodern Patterns of Globalization, Nova Iorque, Palgarve
Macmillan, 2010, p. 41.
77
Cf. X. Liu, Silk Road in World History, Oxford, Oxford University Press, 2010, p. 53.
78
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 105.

22
Sakyamuni defendido pelo Theravada como central, tornava-se apenas mais um,
enquanto o Buda sublime e transcendente defendido por si afirmava-se como supremo.79
Além disso, também contra a corrente Theravada, a doutrina Mahāyāna separou o
nirvāna do plano das reencarnações.80

No entanto, o cisma doutrinário não foi um corte radical e definitivo, uma vez que
pontes entre as doutrinas foram sendo mantidas. De facto, para os seguidores do Budismo
Mahāyāna, a corrente Theravada nunca foi rejeitada, tal como a própria figura de
Sakyamuni, que apesar de ter sido alvo de grandes transformações, permaneceu. A
mensagem budista primeva, com o conteúdo do dharma e das “Quatro Nobres Verdades”,
também nunca foi invalidada, mas sim reinterpretada. Note-se ainda que os vinaya e a
sangha tornaram-se os grandes pontos em comum entre as duas correntes.81

Segundo o cronista tibetano Taranatha (1602), na Índia do século II d.C., o


Theravada mantinha-se com o maior número de mosteiros e de monges, bem como uma
maior popularidade entre a população, embora o Mahāyāna tivesse já angariado muitos
seguidores, sobretudo entre as classes nobres ou endinheiradas. Já no que respeita ao
Budismo Vajrayana, por ser uma doutrina secreta, torna-se difícil perceber qual foi o seu
alcance na sociedade indiana desta época. O que é garantido é que todas as formas de
Budismo, independentemente da sua doutrina, foram crescendo e ganhando influência e
que coexistiram durante algum tempo.

I.6 - O Período Mauria e posterior difusão do Budismo

Durante a dinastia Mauria (322 a.C. – 180 a.C.)82, que unificou, pela primeira vez,
o subcontinente indiano, as relações entre a sangha e o poder central foram estreitadas, já
que vários dos seus governantes ofereceram patronato ao Budismo. Destaque-se a ação
de Ashoka (268 - 233 a.C.), o terceiro imperador desta linha dinástica, que parece ter sido
um regular doador de bens à sangha.83 Apesar dos seus éditos demostrarem que não

79
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3.
80
Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 109.
81
Cf. J. Robert, “O Grande Veículo na Índia e no Extremo Oriente”, in J. Delumeau, (dir.), As Grandes
Religiões do Mundo, Editorial Presença, Lisboa, 1999, pp. 480 e 481.
82
Cf. H. Kulke e D. Rothermund, A History of India, New York, Routledge, 2004, p. xii
83
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3.

23
direcionava o seu favorecimento apenas para Budismo, a documentação relativa ao seu
governo, quando analisada em conjunto, reflete um interesse permanente nesta religião.
Em muitas das suas inscrições existem referências explícitas a Buda, sendo que Ashoka
chegou mesmo a referir-se a si próprio como um discípulo leigo budista. Na inscrição de
Sarnath, Ashoka parece ter entrado mesmo em disputa com a sangha, defendendo que
esta não se devia dividir, e decretando que qualquer monge ou monja que trabalhasse
nesse sentido devia ser excluído da vida monástica.84 Durante o seu reinado, em cerca de
250 a.C , um novo concílio foi convocado, visando a resolução de problemas internos na
sangha.85

As dificuldades para a sangha indiana em geral surgiriam em torno de 185 a.C.,


com o fim da dinastia Mauria. Então, com a emergência do Império Sunga, as relações
entre a sangha budista e o governo imperial começaram a deteriorar-se, uma vez que o
primeiro governante desta dinastia, Pusyamitra, por ser de origem bramânica, dedicou
quase todo o seu patrocínio aos sacrifícios védicos, ignorando a comunidade monástica
budista. Apesar do afastamento imperial à sangha, esta conseguiu sobreviver, sobretudo
com base nas doações crescentes da população secular e até mesmo com os bens doados
pelos indivíduos aquando da sua ingressão na vida monástica. Com vista à sua
sobrevivência na sociedade indiana, os monges budistas começaram também a praticar
certos rituais, como casamentos e cerimónias funerárias, reorganizando as suas funções
de modo a aumentarem a sua presença e necessidade na sociedade. Outras medidas
contaram com um maior trabalho de divulgação da sua doutrina, o que permitiu um maior
número de conversões, assim como no desenvolvimento do processo de apropriação de
divindades oriundas do culto popular, fazendo inclusivamente várias equivalências destas
a Buda.86

Contudo, devido ao sistemático estrangulamento político que o Budismo sentia na


Índia, e utilizando as rotas comerciais que partiam do seu território berço, esta religião
acabou por avançar para o exterior. 87 Note-se que para este processo de difusão foi muito
importante o impulso dado pela expansão territorial do Império Mauria, principalmente

84
Cf. R. DeCaroli, Hauting the Buddha – Indian Popular Religions and the formation of Buddhism, New
York, Oxford University Press, 2004, p. 32.
85
Cf. C. S. Prebish, Buddhist Councils …, p. 21.
86
Cf. R. DeCaroli, op. cit., pp. 38-53.
87
Cf. T. H. P. Chentharassery, History of the Indigenous Indians, New Delhi, A. H. P. Publishing Corporation,
1998, pp. 65-67.

24
no que respeita às conquistas de Ashoka, que estabeleceram ligações sólidas à Ásia
Central [Anexo A, Mapa 4]. 88

Concentrando a nossa atenção no Budismo Mahāyāna, este vai ter a oportunidade


de se popularizar fora do subcontinente indiano, inicialmente na Ásia Central,
percorrendo os caminhos da Rota da Seda terrestre. Esta corrente irá recorrer à
incorporação de ideias e aspetos religiosos pertencentes a diferentes culturas com as quais
foi contactando no seu percurso.89 O método de apropriação de diversos deuses, espíritos
e até alguns rituais das culturas locais por onde os monges Mahāyāna passavam, originou
processos de adaptação, onde o Budismo não só alterava o paradigma das crenças locais
como também se transformava a si próprio.90

Por outro lado, o papel dos bodhisattvas foi essencial para o sucesso desta corrente
budista nestes novos territórios, já que permitia quebrar a monotonia do ciclo de
reencarnações, com a ideia de que a salvação podia ser alcançada em vida, através da
transferência de mérito. Assim, os agentes da Rota da Seda, sobretudo mercadores, que
contactavam com esta corrente começaram a concretizar esta abordagem, procurando
essa transferência através de pagamentos e doações às entidades budistas. processo
permitiu que a comunidade budista Mahāyāna crescesse ainda mais, uma vez que as
doações passaram a ser em ouro, prata e jóias, como recomendavam alguns dos seus
sutras, como é exemplo o Sutra do Lótus. 91 Vendo-se donos de enormes fortunas, os
mosteiros começaram a envolver-se diretamente em diversos negócios e passaram a
dedicar grande parte dos seus esforços na manutenção, expansão e construção de novos
mosteiros, podendo assim promover ainda mais o Budismo.92

Como os monges, desde sempre, estavam habituados a viajar em conjunto com os


mercadores, a relação entre os dois grupos foi sendo estreitada, por ser mutuamente
benéfica. Seguindo em conjunto pelas estradas da Rota da Seda era natural que tomassem
os mesmos abrigos durante as épocas das chuvas, e como grande parte desses troços eram

88
Cf. D. Keown, Buddhism, New York, Sterling Publishing Company, Inc, 2009, p. 105.
89
Cf. R. Foltz, op. cit., p. 41.
90
Cf. R. DeCaroli, op. cit., pp. 143 e 144.
91
Este sutra é um dos mais importantes no Budismo Mahāyāna. Surgido entre o século I a.C. e o século II
d.C., é constituído por 28 capítulos, escritos em forma de diálogo entre o Buda histórico e os seus
discípulos, discorrendo pelos principais pontos doutrinários deste ramo Budista. Veja-se J. M. Shields,
“Political Interpretations of the Lotus Sutra”, in S. M. Emmanuel, A Companion to Buddhist Philosophy,
Chichester, John Wiley & Sons, Inc., 2016, pp. 512-513.
92
Cf. X. Liu, op. cit., pp. 53 e 54.

25
em zonas montanhosas, esses abrigos começaram a surgir em grutas próximas aos
caminhos. Uma vez que as rotas eram, por norma, as mesmas de ano para ano, os abrigos
também se deveriam manter. Deste modo, estas cavernas foram-se tornando locais de
abrigo e de culto permanentes possuindo, em alguns casos, stupas nos seus interiores. As
grutas esculpidas nas rotas que ligavam o Noroeste indiano ao planalto do Decão, são um
exemplo disso mesmo. Este sistema de estabelecimento de abrigos/santuário continuou a
desenvolver-se noutras regiões montanhosas como a do atual Afeganistão.93

Com uma maior riqueza a ser controlada pelos mosteiros, os budistas tiveram a
oportunidade de adaptar a sua doutrina para expandirem as suas organizações. Essas
mudanças, de modo a facilitar a compreensão dos mercadores e populações estrangeiras,
foram consolidadas na elaboração dos primeiros sutras Mahāyāna.

A difusão da corrente Mahāyāna para fora da sua área de origem beneficiou


também do aumento das relações comerciais propiciadas pela expansão Mauria, e de
outros poderes imperiais que se foram formando.94 Seguindo então para os territórios a
Norte da Índia, em plena Ásia Central, o Mahāyāna entrou em contacto, primeiramente,
com populações de matriz helenística, como os habitantes de Gandhara, da Báctria, do
mundo Sogdiano, do Império Parta e ainda o povo errante dos Sakas, originário da bacia
do Tarim [Anexo A, Mapa 5].95Mas seria sob o Império Kushana (séculos I-III d.C.) que
o Budismo começou a florescer, estimulado pela estabilidade, segurança e riqueza
oferecidas por este poder96 que controlava grande parte da Rota da Seda terrestre [Anexo
A, Mapa 6]. 97 Este Império formou-se com a sedentarização de nómadas das estepes,
absorvendo parte do legado das populações acima referidas, e que viram a sua força

93
Idem, p. 55.
94
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3.
95
A Báctria, Sogdiana e o Império Parta foram satrapias do Império de Alexandre, o Grande, situadas na
região do Planalto Iraniano e do atual Afeganistão. Foram conquistadas por Alexandre nas campanhas da
Ásia Central entre 330 e 327 a.C. Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., e da fragmentação do seu
Império, estes territórios voltaram a ter a sua independência, mantendo a matriz cultural helenística por
ele trazida. A história destas regiões foi marcada pelo surgimento de novos impérios na Ásia Central,
vendo-se ora sob um poder, ora sob outro. Com a extensão do Império Kushana para essas regiões, em
meados do século I d.C., entrariam em contacto permanente com a Índia. Quanto aos Sakas, por serem
um povo que se movia livremente por aquele território, não se pode dizer que tenha sido efetivamente
subjugado. Contudo, esteve em contacto com a cultura helenística, e tal como outros, foi sempre
influenciado pelos poderes vigentes na Ásia Central. Para uma análise mais detalhada sobre esta temática
veja-se C. I. Beckwith, Empires of the Silk Road – A History of Central Eurasia from the Bronze Age to the
Present, Princeton, Princeton University Press, 2009, pp. 1-140.
96
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, op. cit., p. 3.
97
Cf. X. Liu, op. cit., p. 42.

26
potencializada com os benefícios oriundos das rotas comerciais de longa distância, que
atravessavam os seus territórios. O patrocínio destes governantes às instituições budistas
foi ativo, e como tal, a riqueza da sangha Mahāyāna também se deveu ao fluxo comercial
apoiado por este poder. Por outro lado, várias medidas que pretendiam fortalecer a
autoridade Kushana no comércio de longa distância, ajudou, de igual modo, à difusão
budista. Exemplo disso foi a cunhagem de moeda em ouro, prata e cobre, onde os
governantes Kushanas se faziam representar, mas onde também incluíam imagens de
diversas divindades, de territórios e contextos religiosos distintos, desde o deus
mesopotâmico Nanna/Sîn até, claro está, Buda.

Noutro nível, a elite Kushana apoiou também as expressões artísticas religiosas


integrantes do seu Império, nomeadamente a budista. Esta arte começa então a incorporar
influências de outras culturas, de forma mais institucional.98 É neste período que stupas
e locais comemorativos de Buda começaram a surgir nas regiões de Mathura e de
Gandhara, bem como estátuas do Iluminado surgiram um pouco por todo lado, passando
a ser alvo de culto.99

Não obstante, a jornada do Mahāyāna por estes territórios foi complexa, sendo
condicionada por múltiplos fatores, que iam desde as dificuldades geográficas, com
desertos e cadeias montanhosas a marcar os caminhos de passagem dos missionários;
passando por aspetos filosóficos, religiosos e políticos, que criavam diversas vezes
resistência à fixação do Budismo. Devemos ainda evocar as barreiras linguísticas, que
dificultavam muito a transmissão da doutrina. Por outro lado, estas mesmas barreiras
fomentaram as atividades de tradução nos locais onde a doutrina budista chegava,
selecionando e acrescentando novas escrituras ao corpus documental do Budismo, e
consequentemente influenciando a transformação do mesmo.100 Apesar dos fracassos e
entraves em muitas regiões, o Budismo viria a ter uma boa receção em múltiplos
territórios, onde a sangha acabou por se estabelecer e prosperar, inclusivamente, muitas
vezes, com apoio estatal.

De facto, ainda no decorrer do século I d.C., esta religião começou a sair do


núcleo do Império Kushana101, seguindo dois rumos distintos. Um deles rumou para

98
Idem, pp. 47-49.
99
Idem, p. 52.
100
Idem, p. 2.
101
Idem, p. 42.

27
Ocidente, embora sem grande sucesso. Surgem alguns indícios da presença budista na
região iraniana, provavelmente por ser uma área de cruzamento entre as matrizes
helenística e indiana. Mas foi o outro caminho de difusão, que seguiu para Oriente, aquele
que vingou.102 Com as terras afegãs como ponto de partida, e continuando nos trilhos da
Rota da Seda para Este, o Budismo Mahāyāna acabaria por chegar à China, através das
populações dos oásis do deserto do Taklamakan103, a partir da década de 60, quando as
trocas comerciais entre a China dos Hàn e os oásis se tornaram numa realidade
constante104, uma vez que o Império Hàn se estendeu até aos limites ocidentais deste
deserto. A partir daqui, iria atingir outras paragens, já transformado pela força centrífuga
chinesa.

102
Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, op. cit., p. 6.
103
Cf. X. Liu, op. cit., p. 58.
104
Cf. X. Liu., Ancient India and Ancient China- Trade and Religious Exchanges, AD 1-600, Oxford University
Press, Delhi, 1994, p. 4.

28
Capítulo II - Chegada e difusão do Budismo na China até à dinastia
Tang

II.1 - A Dinastia Han e a aproximação institucional à Rota da Seda

Desde sempre, o território chinês contactou com paragens distantes, integradas no


sistema da Rota da Seda.1 Contudo, este contacto não era institucional, nem direto, pois,
por um lado, o modelo de tipo feudal (feng jian)2 seguido pelos poderes dinásticos Shang
e Zhou impedia uma centralização governamental forte, originando profundas
instabilidades no seio do território chinês3; por outro, múltiplos agentes não-chineses,
como os nómadas dos territórios estépicos, eram quem controlava as trocas comerciais
entre a China e outros contextos. Esta situação mudou com a afirmação da dinastia Han
(206 a.C. – 220 d.C.), que consolidou o modelo imperial criado por Qin Shi Huang Di
(221-209 a.C.). 4 e concretizou uma presença institucional direta no sistema da Rota da
Seda terrestre, através do controlo do troço que passava pelo deserto do Taklamakan,
como de seguida veremos. É este controlo que irá permitir a chegada do Budismo ao
mundo chinês.

Após séculos de profundas guerras internas entre vários poderes locais, Qin Shi
Huang Di afirmou-se como o primeiro unificador da China, assumindo uma titulatura
imperial, em 221 a.C. [Anexo A, Mapa 9].5 Apesar das diversas reformas centralizadoras
que este governante levou a cabo, a dinastia não sobreviveria à sua morte, em 209 a.C.,
acabando por ser destronada pouco tempo depois. Após uma guerra civil entre várias
fações, Liu Bang conseguiu destacar-se ao conquistar a cidade de Xianyang (Shanxi), a
capital dos Qin. Assim, logo em 206 a.C., Liu Bang declarou-se Imperador, tomando o
nome de Gaozu, e começando, desde logo, a construir uma nova capital, Chang’an

1
A título de exemplo, refira-se a constante presença e trabalho do jade na China, proveniente da Ásia
Central, desde o período neolítico. Veja-se P. B. Ebrey, The Cambridge Illustrated History of China,
Cambridge, Cambridge University Press, 1996, p. 18 – 21.
2
Note-se, no entanto, que apesar de partilhar caraterísticas com o feudalismo Europeu, o feng jian chinês
mantém algumas particularidades. Veja-se, para mais detalhes, D. Zhao, The Confucian-Legalist State – A
New Theory of Chinese History, Oxford, Oxford University Press, 2015, pp. 55 – 59.
3
Sobre o contexto Shang e Zhou, veja-se P. B. Ebrey, op. cit., pp. 22 – 60.
4
Acerca da primeira unificação imperial chinesa e da figura do primeiro Imperador, veja-se os diferentes
contributos em J. Portal (ed.), The First Emperor – China’s Terracotta Army, London, British Museum Press,
2007.
5
Cf. C. Holcombe, A History of East Asia: From the Origins of Civilization to the Twenty-First Century, New
York, Cambridge University Press, 2011, pp. 46-48.

29
(Shanxi). O início de um novo tempo foi, então, declarado com a afirmação de uma nova
dinastia, os Han, que iria comandar os destinos do País do Meio nos séculos vindouros.6

Contudo, o modelo imperial inaugurado por Qin Shi Huang Di foi continuado, sob
novas roupagens. A título de exemplo, devemos destacar que embora os Han tenham
protagonizado um apoio institucional aos intelectuais confucionistas e mesmo, nos
primeiros tempos, aos filósofos taoistas, de forma a cortar com o modelo Legalista
seguido pelos Qin, a verdade é que Gaozu e os seus sucessores continuaram a utilizar
algumas lógicas governativas dos métodos legalistas nestas correntes, uma vez que os
mesmos auxiliavam o processo de concentrar o poder no governo central.7

Devemos destacar, igualmente, a importância que a primeira unificação territorial


às mãos de Qin Shi Huang Di, deteve para afirmar a China como uma entidade política
coesa, que se dilatava por um vasto território, e que abria portas a contactos mais estreitos
com outras regiões integradas na Rota da Seda terrestre, assim como com os seus agentes.
A relação que a China foi estabelecendo com as populações estépicas conheceu um novo
momento a partir desta primeira unificação político-territorial.

De facto, no decurso dos problemas internos aquando da mudança dinástica dos


Qin para os Han, as tribos nómadas a Norte uniram-se numa confederação que se
designou por Xiongnu (nome de uma das tribos que a integrava). Estes povos
distinguiram-se pelos raids rápidos efetuados sobre os agricultores chineses da fronteira
Norte, com o objetivo de obter bens para autoconsumo, mas igualmente passíveis de
serem comerciados nas rotas do Taklamakan. O sucesso dos seus ataques deveu-se em
muito à superioridade tática que detinham, nomeadamente com o recurso a uma forte
cavalaria.8 O poder Han teve, então, de lidar com a ameaça desta confederação, o que
desencadeou o estabelecimento institucional chinês neste troço da Rota da Seda.

De modo a pacificar as relações entre os dois poderes, Gaozu e os seus sucessores


tentaram estreitar os laços diplomáticos com uma política de casamentos, que tomava
proporções tributárias, através da entrega de vários bens (como a seda ou os cereais),
incluídas nos dotes das princesas chinesas; e recebendo em troca a promessa de não

6
Cf. C. Benjamin, Empires of Ancient Eurasia – The First Silk Roads Era, 100 BCE-250 CE, New York,
Cambrige University Press, p. 58.
7
Idem, pp. 58-60.
8
Certos autores sublinham que a estratégia militar dos Xiongnu apresentava já as particularidades que
seriam visíveis noutros poderes nómadas posteriores, como os mongóis. Cf. A. Michel (dir.), Dictionaire
de la Civilization Chinoise, Paris, Encyclopaedia Universalis, 1998, p. 777.

30
ataque por parte da confederação, assim como a entrega de cavalos, animal essencial à
arte da guerra.9 Contudo, este acordo de paz foi sendo quebrado, sucessivamente, pelos
Xiongnu, através da multiplicação de raids e consequente aumento das exigências
tributárias para parar os mesmos. No seio da corte chinesa começaram, assim, a surgir
vozes discordantes relativamente a esta aliança, muitas vezes vista como uma
subordinação do Imperador a populações consideradas bárbaras.10

O governo do Imperador Wudi, que ascendeu ao trono em 140 a.C., alterou esta
situação.11 Inicialmente, este governante tentou cortar a aliança acima referida,
protagonizando diversas incursões sobre os territórios dos Xiongnu, de modo a pilhar
gado e cavalos, ao mesmo tempo que os tentava afastar das fronteiras. Contudo, a força
bélica desta confederação, materializada em investidas de saque concentradas em
localidades de fronteira, obrigou Wudi a procurar outras soluções, nomeadamente
alianças militares com inimigos dos Xiongnu. A oportunidade surgiu após o estalar de
um conflito entre a confederação e os Yuezhi, um poder nómada originário da atual região
chinesa de Gansu, cujas pretensões expansionistas embatiam com os interesses dos
Xiongnu. De modo a estabelecer contato com os Yuezhi, Wudi preparou uma embaixada,
liderada pelo seu oficial Zhang Qian.12

Esta missão, que partiu da China em 138 a.C., foi capturada pelas forças dos
Xiongnu, na região do deserto do Gobi.13 Zhang Qian e os seus companheiros ficariam
em cativeiro durante cerca de uma década, durante a qual os Yuezhi foram derrotados
pela confederação, e obrigados a recuar para territórios da Ásia Central, como a Báctria
e a região sogdiana. Eventualmente, o emissário Han conseguiu escapar do cativeiro,

9
Mais tarde, a braços com problemas internos, a confederação dividir-se-ia nos Xiongnu do Sul e nos do
Norte, sendo que os primeiros procuraram firmar uma aliança com o Imperador. Esta fomentou as trocas
comerciais entre os dois poderes, permitindo uma maior presença de bens chineses nas rotas da Ásia
Central. X. Liu, The Silk Road …, p. 4 e 5.
10
É interessante notar que os próprios Xiongnu avaliavam esta aliança como se o Império Chinês fosse
seu tributário. Thomas Jay Bartfield sublinha mesmo como o líder desta confederação, Shanyu, se dirigia
ao Imperador Han, nas suas missivas, como superior a este. Cf. T. J. Bartfield, The perilous frontier –
nomadic empires and China, 221 BC to AD 1757, Cambridge, Blackwell, 1992, pp. 50-53.
11
Este Imperador foi dos mais marcantes da dinastia Han, com uma ação política vasta. Uma das grandes
marcas que deixou foi o fomento do sistema de ensino confucionista, como base educacional para os
funcionários burocratas, que se manteria por todo o período imperial chinês, não obstante alguns
períodos de interrupção. C. Benjamin, op. cit., p. 63.
12
Cf. X. Liu, The Silk Road …, p.6.
13
Cf. C. Benjamin, op. cit., p. 71.

31
alcançando a região de Dawan (atual Ferghana, Uzbequistão), de onde foi escoltado até
à corte Yuezhi, em 129 a.C., na região do rio Oxus.

Embora a sua missão política junto deste poder tenha falhado, os registos das suas
viagens14 foram cruciais para futuras políticas Han, pois ofereceram à China informações
geográficas sobre a Ásia Central, e ainda sobre a cultura e estrutura política dos Xiongnu
e de outros povos/poderes. Por exemplo, forneceu informações sobre como os Partos, que
designava de Anxi, cunhavam moedas de prata com efígies dos seus reis; ou sobre a
Báctria, onde identificou a existência de produtos chineses nos mercados locais, que
segundo as informações que lhe tinham sido dadas, chegavam através da Índia (região
que também descreveu sumariamente, embora através de testemunhos indiretos).

Estes relatos suscitaram o interesse imperial para encontrar uma forma de


estabelecer comércio com tais regiões. Contudo, o único meio viável para alcançar a Ásia
Central era a utilização de rotas das estepes, nomeadamente o corredor de Hexi (Gansu),
que passava entre o planalto tibetano e o deserto do Taklamakan, e que estavam sob o
controlo dos Xiongnu. O poder central chinês encontrou, assim, novas motivações para
atacar e vencer esta confederação, concretizadas em novas campanhas de Wudi. Após a
vitória chinesa naquela região, o Imperador conseguiu estender a Grande Muralha até
Dunhuang (Gansu), onde estabeleceu as Portas de Jade, que serviam como grande
entreposto comercial chinês na Rota da Seda terrestre. Para conseguir defendê-la, Wudi
destacou várias guarnições militares, que dotou de meios para se abastecerem e
povoarem, de forma sólida, a região. Aproveitando o oásis, o governo chinês decretou
que os militares ali destacados deviam ser acompanhados pelas suas famílias, oferecendo-
lhes materiais agrícolas, e, assim, tornado as guarnições militares em bases de produção
agrária. A segurança que passou a ser oferecida nesta região atraiu, assim, diversos
mercadores estrangeiros, que ali se começaram a fixar.15

Foi neste contexto que o Budismo entrou em contacto com a China, sobretudo
através das rotas terrestres estabelecidas com a Ásia Central.16 A primeira referência

14
Estes foram compilados na obra de cariz cronístico de Sima Qian, Shiji, redigida no século I a.C. Veja-se
P. B. Ebrey, op.cit., p. 67.
15
Cf. X. Liu, The Silk Road …, p.10. Esta conexão seria desvanecida entre 9 d.C. e 23 d.C., quando a dinastia
Han foi interrompida. Com o restabelecimento do poder Han, às mãos de Liu Xiu, o domínio deste troço
foi retomado. C. Benjamin, op. cit., p. 66.
16
Nesta dissertação, concentraremos a nossa atenção nas rotas terrestres, onde o Budismo Mahāyāna se
afirmava como a corrente predominante. Contudo, não devemos esquecer que a Rota da Seda engloba,
igualmente, rotas marítimas, e que as mesmas permitiram contactos entre a China Han e o Sudeste

32
explícita surge em 65 d.C., quando é mencionado pelos registos taoistas, sendo que data
também desta época as primeiras interações sincréticas do Budismo com as crenças
autóctones. Refira-se a associação de Buda ao culto de figuras religiosas chinesas, como
Huang-Lao17 ou a Rainha Mãe do Oeste. Relativamente, ao primeiro, figura central no
Taoismo, que sincretizava o culto do Imperador Amarelo e de Laozi, Buda parece ter sido
encarado como uma outra representação do mesmo.18 No que diz respeito à Rainha Mãe
do Oeste, responsável na religião popular chinesa por livrar os crentes do sofrimento, a
presença de imagens de Buda em espaços tumulares a si destinados, parecer sugerir um
paralelismo com a figura do Iluminado.19

Paralelamente à progressiva infiltração do Budismo nas crenças chinesas, também


a elite governativa se foi aproximando desta religião. A tradição atribui ao Imperador Han
Ming (57-75 d.C.) a chegada do Budismo à China. Segundo a lenda, este Imperador teria
sonhado com uma figura dourada que afirmava ser Buda. Em consequência, Ming enviou
uma missão diplomática aos Yuezhi para adquirir textos sagrados. Os enviados teriam
regressado com dois monges budistas, para quem o Imperador teria mandado construir o
Templo do Cavalo Branco em Luoyang (Henan), em 68 d.C. Também o irmão de Ming,
apesar de ter voltado a sua atenção para a Alquimia, a partir de 65 d.C., ofereceu algum
patrocínio a esta religião, sendo mesmo elogiado nestas ações pelo Imperador.20

Efetivamente, parece que o Budismo alcançou o País do Meio em meados do


século I d.C., através de estrangeiros oriundos da Ásia Central e que viviam na China
como mercadores, refugiados de guerra e embaixadores. É atribuído um grande grau de
importância ao papel dos estrangeiros, uma vez que as coletâneas de sutras e vinayas
traduzidas do sânscrito para chinês devem ter sido realizadas por eles, uma vez que
chineses só aprenderiam sânscrito no século IV d.C. As barreiras linguísticas, por outro
lado, obrigaram os primeiros tradutores a recorrer a expressões taoistas e confucionistas

Asiático, onde o Budismo Theravada se ia difundido. M. E. Lewis, The Early Chinese Empires: Qin and Han,
Cambridge, Harvard University Press, 2007, p. 204.
17
Huang significa amarelo em chinês, enquanto Lao se refere ao mestre Laozi, logo Huang-Lao significa
Mestre Amarelo (tradução própria). A. Vervoorn, Men of the Cliffs and Caves – The Development of
Eremitic Tradition to the End of Han Dynasty, Hong Kong, The Chinese University Press, 1990, p. 86.
18
Cf. R. de Crespigny, Fire over Luoyang: A History of the Later Han Dynasty 23-220 AD, Leiden, Brill, 2016,
p. 93.
19
Cf. M. E. Lewis, op.cit., p. 204.
20
Cf. R. de Crespigny, op. cit., p. 93.

33
para explicar as noções budistas indianas21, o que contribuiu para as associações entre as
crenças chinesas e o Budismo.

Atribui-se ao parto An Shigao, que já vivia em Luoyang (Henan) em 140 d.C. a


tradução inicial de vários textos budistas, e que embora fossem de qualidade reduzida,
garantiam algum conhecimento desta doutrina. Também nesta altura, está atestada a
circulação, pelos arredores da capital de um manual da doutrina Theravada, o Sutra nas
42 secções.22 Outro parto importante foi An Xuan, que se estabeleceu como mercador em
Luoyang em 181 d.C., e que teria aderido ao mosteiro liderado pelo tradutor An Shigao.

O Budismo que inicialmente entrou na China não se encaixava, contudo, em


nenhuma das correntes maiores, chegando, ao invés, uma mescla de textos Mahāyāna e
textos Theravada, provenientes de diversas épocas e escolas.23 Por outro lado, a sua
aceitação em larga escala foi dificultada pela importância conferida ao Confucionismo,
pelo governo central. Relembre-se que a doutrina confucionista fazia apologia à figura do
imperador, bem como à estrutura familiar, enquanto o Budismo, com a sangha autónoma,
desafiava a autoridade central e o ideal familiar, ao defender o celibato e o abandono dos
laços familiares.24

Concluindo, a chegada do Budismo à China deveu-se aos contatos estabelecidos


com a Ásia Central, sobretudo pela Rota da Seda. Podemos dizer que os confrontos com
os povos das estepes tiveram um papel importante neste processo, uma vez que
desencadearam a chegada de emissários chineses a regiões com cunho helenístico, que
contactavam com o Budismo há muito, fazendo surgir a vontade de estabelecer relações
comerciais diretas entre a China e essas paragens. O passo dado no desenvolvimento das
rotas comercias e a consequente atração de mercadores estrangeiros para o território
chinês teve um papel fundamental para a chegada dos primeiros missionários e textos
budistas, bem como das primeiras traduções que conferiam algum conhecimento sobre
esta religião. Contudo, a aceitação do Budismo foi fraca, nestes primeiros tempos, pois a
sua total compreensão estava ainda longe de acontecer.

21
Cf. E. Lyons e H. Peters, Buddhism: History and Diversity of a Great Tradition, Philadelphia, University of
Pennsilvania Museum of Archeaology, 1985, p. 23.
22
Cf. R. de Crespigny, op. cit., p. 343.
23
Cf. F. Wood, The Silk Road – Two Thousand Years in the Heart of Asia, Berkley, University of Califórnia
Press, 2002, pp. 89-94.
24
Cf. E. Lyons e H. Peters, op. cit., p. 22.

34
II.2 - Do período de fragmentação política e territorial até à
reunificação Sui

Após a queda dos Han Tardios, em 220, a China iria viver um período de
fragmentação política e territorial, que duraria até à unificação protagonizada pela
dinastia Sui (581-617), embora com alguns curtos períodos de união [Anexo A, Mapa
11]. Contudo, a dissolução do poder central com a queda dos Han, criou condições
favoráveis à infiltração do Budismo em território chinês. A inquietude social provocada
pelas guerras, mas sobretudo o domínio da região Norte da China por populações não
chinesas foram os principais fatores de uma maior adesão ao Budismo. De facto, as
dinastias da região Norte patrocinaram fortemente esta religião, o que permitiu a sua
melhor difusão nas camadas mais baixas da sociedade.25

A progressiva desintegração dos Han começou ainda em meados do século II, com
os crescentes conflitos de fações na corte e a revolta dos “Turbantes Amarelos”, grupo
liderado por taoistas, em 184. O poder central foi sendo dominado por três homens
distintos: Cao Cao, senhor da guerra do Norte chinês; Liu Bei, membro da família
imperial, estante no Sul, em Shu (Shichuan); e Sun Quan de Wu, no vale do Yangzi. Em
220, o último Imperador Han transferiu o poder para Cao Pi, filho de Cao Cao, que
estabeleceu a dinastia Wei (220-265). Nesse mesmo ano, Liu Bei, em Chengdu
(Shichuan), declarou-se Imperador do Estado de Han, poder que permaneceu até 263. Na
mesma década, em 229, Sun Quan declarou-se Imperador da dinastia Wu, estabelecendo
a capital em Jianye (Nanjing, Jiangsu), potentado que só sucumbiu em 280. Este período
ficou conhecido como o período dos Três Reinos, que findou com a ascensão da Dinastia
Jin, em 265, às mãos de Sima Yan, que progressivamente tinha unificado os três poderes
sob a sua alçada.26

Durante os Três Reinos, o Budismo encontrou espaço para se desenvolver,


sobretudo na área de influência da dinastia Wu, a Sul, mas também no território da
dinastia Wei, a Norte. Em Wu, registou-se a presença de três tradutores budistas na cidade
de Wuchang (Hubei), que se transferiram para a capital, aquando da fundação da dinastia.
As personalidades ligadas ao Budismo que mais destaque tiveram foram Zhi Qian e Kang

25
Idem, p. 23.
26
Cf. L. Ye, Z. Fei e T. Wang, China: Five Thousand Years of History and Civilization, Hong Kong, City
University of Hong Kong Press, 2007, pp. 56 e 57.

35
Senhui, ambos estrangeiros, um de ascendência indiana e o outro de origens sogdianas,
respetivamente. O primeiro foi aprendiz em Luoyang (Henan), numa escola da tradição
Mahāyāna, liderada por missionários Yuezhi. É-lhe atribuída a tradução de uma
considerável quantidade de textos budistas para chinês, incluindo uma versão do
Sūramgamasamadhi sūtra, uma nova tradução do Astasāhasri Kāprajñāparamita e uma
versão melhorada do Sutra em 42 Secções (tradição Mahāyāna), e ainda uma versão
alargada do Dharmapada (corrente Theravada). Além disso, é-lhe atribuída a composição
dos primeiros hinos budistas, que misturavam música instrumental com a recitação de
escrituras.

Já Kang Senhui ficou conhecido pelo seu grande conhecimento sobre o Tripitaka
e sobre os clássicos confucionistas. Assim, recorreu a noções chinesas cruzando as
correntes Mahāyāna e Theravada. Grande parte dos seus trabalhos debruçaram-se nas
práticas Dhyana, em sequência do caminho teórico já realizado pela escola de An
Shigao.27

Por seu lado, a dinastia Wei, no Norte chinês, parece ter tido uma menor atividade.
Mesmo assim, fontes posteriores registaram a presença de monges estrangeiros em
Luoyang (Henan), o grande reduto budista na região, sendo eles o indiano Dharmakala,
o sogdiano Kang Sengkai, e os partos Tanwudì e An Faxian. Os seus trabalhos
debruçaram-se sobre os vinaya, que assim conheceram a sua primeira forma escrita na
China. Dharmakala fez a tradução do Prātimoksa, da escola Mahāsānghika, e Kang
Sengkai traduziu o Karmavācanā, da escola Dharmaguptaka, ambas pertencentes à
corrente Mahāyāna.28 Ainda durante a dinastia Wei, em 250, foi fundada a escola Vinaya,
com principal foco na disciplina monástica, seguindo textos quer Theravadas, quer
Mahāyānas.29

A turbulenta história chinesa desta época conheceu, então, um breve período de


unificação protagonizado pela dinastia Jin, que se divide no tempo entre os Jin Ocidentais
(265-316) e os Jin Orientais (317-420). Conseguindo submeter a dinastia Wu, em 290, o
primeiro Imperador Jin tentou solidificar o poder da sua família elevando diversos
parentes ao título de príncipe. Contudo, em vez de surtir o efeito pretendido, acabou por

27
Cf. E. Zürcher, The Buddhist Conquest of China – The Spread and Adaptation of Buddhism in Early
Medieval China, Leiden, Brill, 2007, pp. 46-57.
28
Ibidem.
29
Cf. N. Huai-Chin, Basic Buddhism: Exploring Buddhism and Zen, York Beach, Samuel Weiser, Inc., 1997,
p. 90.

36
desencadear lutas intestinas que culminaram no designado “Distúrbios dos Oito
Príncipes”, em 290. Esta guerra civil permitiu a invasão do Norte da China pelas forças
dos Xiongnu, em 304, que vivendo um período de renovada força, proclamaram a sua
independência, após a conquista de Luoyang (Henan), em 311, e de Chang’an (Shanxi),
em 316. O poder dos Jin Ocidentais chegava, assim, ao fim. Entre 304 e 588, o Norte
conheceu 21 dinastias distintas, ficando conhecido como o período dos 16 Reinos.

Refugiando-se no Sul, os sobreviventes dos Jin proclamaram a dinastia dos Jin


Orientais, com a capital em Nanjing (Jiangsu), cujo poder durou pouco mais de um século.
A partir da queda destes, o Sul chinês, embora mais estável que o Norte, conheceu mais
quatro dinastias30, até que um general da dinastia Zhou do Norte, Wendì, após ter
dominado esta região e se ter proclamado imperador31, em 581, avançou para sul,
conquistando a capital Nanjing (Jiāngsū), em 588.32 A dinastia Sui foi, assim, inaugurada.

O período de fragmentação política acima descrito permitiu que diversas escolas


budistas se instalassem e se desenvolvessem no território chinês, já que os diversos
governantes das sucessivas dinastias viam com bons olhos o Budismo. Como referido
acima, as camadas populares mais afetadas pelos problemas decorrentes da instabilidade
militar sentiam-se atraídas pela mensagem salvífica de Buda. Assim, esta religião poderia
ser um instrumento para os governantes melhor afirmarem o seu poder. Como veremos
com mais detalhe no ponto seguinte, algumas das escolas que à frente descrevemos, e que
se desenvolveram na China sem antecedentes indianos, foram as grandes promotoras do
processo de sinização do Budismo. Por agora, limitamo-nos a referir o seu surgimento no
País do Meio.

Ainda durante a dinastia dos Qin Tardios (384-417) surgiram duas grandes
escolas: a escola Satyasiddhi, e a escola dos Três Tratados, ambas criadas pelo monge
Kumarajiva, que era originário do reino budista de Kusha. A primeira seguia as escrituras
Theravada, e frisava que a libertação do ciclo de reencarnações se realizava em 27
estágios; sendo que a segunda seguia textos Mahāyāna, como o Madhyamika Shastra, e
repudiava o apego às verdades absolutas e convencionais, revelando as verdades da
vacuidade, existência e impermanência. Por volta de 400, no final da dinastia dos Jin
Orientais, foi fundada a escola Terra Pura, integrada na corrente Mahāyāna, por

30
Veja-se, para saber quais as dinastias, o Anexo B, Figura 1.
31
Cf. X. Li, China at War: An Encyclopedia, Santa Barbara, ABC-Clio, 2012, p. 432.
32
Cf. C. Holcombe, op. cit., p. 92.

37
Huiyuan, erudito budista chinês, que seguia textos como o sutra da Vida Infinita, o sutra
da Contemplação de Amitabha, e os Tratados do Nascimento na Terra Pura.

Outras escolas de orientação Mahāyāna foram ainda fundadas previamente à


unificação Suí, mas que se desenvolveram com maior notoriedade durante esta dinastia.
Dentro destas, destaque-se a Tiantai, a Chan, a Huayan, e a Abhidharmakosha. A
primeira foi fundada por Huiwen e Zhiyi, no período dos Qi do Norte (550-577), tendo
como texto base o sutra do Lótus, embora se apoiasse noutros, como o sutra do Nirvāna
e o sutra da Grande Perfeição. Esta escola focava-se no veículo único para alcançar o
Despertar, nas formas de cessar o sofrimento e nos métodos de meditação. Por seu lado,
a escola Chan33, que foi fundada pelo monge indiano Bodhidharma, na dinastia Liang
(502-556), utilizou o sutra do Diamante e o sutra Lankavatara como textos principais,
ensinando a importância da mente humana para a tomada de consciência da real natureza
dos seres, fundamental para se tornarem um Buda. Na dinastia Chen (557-588), o monge
Dushun estabeleceu a escola Huayan, que seguia os princípios dos quatro reinos da
realidade e dos dez portões misteriosos, patentes num sutra homónimo. Por último, no
reinado do Imperador Wen, da dinastia Chen, em cerca de 563, foi fundada a escola
Abhidharmakosha, pelo monge indiano Paramartha Tripitaka. Esta utilizava como textos
principais os sutras Agama e o Abhidharmakosha Shastra, sendo que os seus
ensinamentos consistiam nos 75 dharmas para conter os princípios dos fenómenos na
mente e em forma.34

A fundação destas várias escolas, entre finais do século IV e meados do século


VI, permitem-nos identificar vários aspetos relativos à difusão do Budismo na China,
neste período. O primeiro, desde logo, é a paulatina afirmação da corrente Mahāyāna em
território chinês. O segundo, prende-se com a contínua importância da presença de
agentes estrangeiros como difusores desta religião. Por último, a diversidade dos sutras
nos quais estas escolas se baseavam permite observar o crescente conhecimento teórico
construído no seio do Budismo, concretizado num alargar do seu corpus, que era
rapidamente difundido no País do Meio.

33
Esta, quando chega ao Japão, transformou-se na escola Zen, adaptando-se àquele contexto específico.
Veja-se P. D. Hershock, Public Zen, Personal Zen – A Buddhidt Introduction, Lanham, Rowman & Littlefield,
2014, pp. 57 – 72.
34
Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 90-93.

38
Assim, apesar do período entre a queda da dinastia Han e a reunificação Sui ser
marcado por uma confusão política e territorial, e consequentemente social, causada por
guerras e dinastias sucessivas, o Budismo encontrou o seu caminho, sendo absorvido
pelas camadas populares, além de usufruir de uma aproximação a famílias reinantes,
sobretudo as não chinesas do Norte. A afirmação da dinastia Sui alavancou a presença
desta religião no mundo chinês, já que os seus dois imperadores, Wendi (581-604) e
Yangdi (604-617), ofereceram um grande suporte ao Budismo, através do financiamento
à construção de mosteiros, da autorização de ordenação de novos monges e monjas, e do
apoio à veneração de relíquias budistas.35 Seria na dinastia seguinte, com os Tang, que o
Budismo recolheria os frutos deste processo, chegando mesmo a tornar-se numa religião
oficial do estado.

II.3 Budismo na dinastia Tang (617–907)

II.3.1- Afirmação dinástica

A reunificação político-territorial protagonizada pela dinastia Sui teve uma


existência curta [Anexo A, Mapa 12]. Na sequência de três campanhas militares falhadas,
levadas a cabo entre 612 e 614, contra o Norte da península coreana, um
descontentamento generalizado tomou conta do País do Meio, com maior incidência nas
populações do Norte, que organizaram rebeliões. Devido a esta instabilidade social, a
corte e o Imperador mudaram o centro político do Império, pela segunda vez36, desta feita
de Luoyang (Henan) para Yangzhou (Jiangsu), mais a Sul.37

Aproveitando-se deste clima turbulento, Li Yuan, que tinha servido como general
por uma década, e que nesse momento era comandante de uma guarnição militar na
localidade de Taiyuan (Shanxi)38, promoveu e liderou uma revolução. Aliando-se com o

35
Cf. S. Gosch e P. Stearns, Premorden Travel in World History, New York, Routledge, 2008, p. 78.
36
Anteriormente, já o Imperador Sui Yangdi mudara a sua capital de Daxingcheng (Chang’an) para
Luoyang, em 605. Cf. N. H. Rothchild, Emperor Wu Zhao and Her Pantheon of Devis, Divinities, and
Dynastic Mothers, New York, Colombia University Press, 2015, p. 47.
37
Cf. C. Benn, China’s Golden Age – Everyday life in the Tang Dynasty, New York, Oxford University Press,
2004, p. 1.
38
Cf. V. C. Xiong, Historical Dictionary of Medieval China, in Historical Dictionaries of Ancient Civilizations
na Historical Eras, vol. 19, Lanham, The scarecrow Press, Inc., 2009, p. 178.

39
Canato Turco para a obtenção de uma cavalaria mais forte39, contra os Suí, conduziu as
suas tropas com o objetivo de capturar a antiga capital do Império, Daxingcheng
(Shanxi).40 Li Yuan conseguiu dominar esta cidade, em 617, sendo coroado Imperador
em 618, com o nome de Gaozu.41 Por ter ascendência estrangeira, tentou ligar o seu nome
de família, Li, a anteriores governantes42 e adotou o apelido Tang como nome da nova
dinastia.43 No entanto, só em 624, é que Gaozu seria capaz de eliminar os rivais mais
perigosos [Anexo A, Mapa 13].44

Para restaurar a segurança no território era necessário, numa primeira instância,


resolver a insolvência financeira causada pela guerra, que tinha esvaziado os cofres
estatais. Deste modo, visando a recuperação económica, o governo de Gaozu levou a cabo
a reinstituição do sistema de divisão equitativa da terra, de maneira a poder assegurar a
entrada de verbas, através da taxação das parcelas da mesma. 45 Para tal efeito,
reformulou-se simultaneamente o sistema de Prefeituras e Distritos, para assegurar uma
administração local mais ativa e competente, que correspondesse ao anseio de capitalizar
os cofres centrais. Como medida adicional, a partir de 621, o governo começou a cunhar
moedas de cobre, perspetivando a estabilização da circulação monetária.46 Declarando a
cunhagem como um privilégio exclusivo do estado47, a pena de morte foi instaurada para
castigar aqueles que desrespeitassem tal exclusividade.48

39
Cf. H. M. Hung, Li Shi Min Founding the Tang Dynasty – The Strategies that made China the Greastest
Empire in Asia, New York, Algora Publishing, 2013, p. 31.
40
No momento da revolta comandada por Li Yuan o nome oficial da capital era Daxingcheng, uma vez que
em 582 a dinastia Suí tinha renomeado a cidade de Chang’an. Veja-se J. K. Skaff, Sui-Tang China and its
Turko-Mongol Neighbors – Culture, Power, and Connections, 580-800, New York, Oxford University Press,
2012, p. 342.
41
Cf. C. Benn, op. cit., p. 1.
42
Cf. J. Lovell, The Great Wall – China Angaist the World, 1000 BC – AD 2000, New York, Grove Press, 2006,
p. 138.
43
Cf. C. Benn, op.cit., p. 1.
44
Ibidem. Note-se, contudo, que a resistência armada a este novo poder permaneceu ativa por mais
quatro anos. Veja-se M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire – The Tang Dynasty, Cambridge, The
Belknap Press of Harvard University Press, 2012, p.31.
45
Este sistema de divisão de terras consistia na divisão parcelar de terrenos, que em teoria pertenciam
na totalidade ao Imperador, através do estado e para os camponeses. Em contrapartida, os agricultores
viam-se obrigados a pagar dois tipos de taxas anuais distintas, uma em géneros cerealíferos (2 a 3% do
consumo médio de um homem adulto), e outra em seda ou linho, produzido pelas mulheres. Além disso
viam-se obrigados a dar vinte dias do seu trabalho em favor do governo central e dois meses à
administração local. Cf. C. Benn, op. cit., p. 3.
46
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 32 e 33.
47
Cf. D. Lombart, A China Imperial, Lisboa, Editora Arcádia, 1971, p. 111.
48
Cf. C. Benn, op. cit., p. 3.

40
Não obstante, o desvanecimento da oposição interna, em 623, Gaozu vê o Império
a braços com invasões de povos de matriz semi-nómada. Na esperança de aliviar essa
pressão externa o Imperador estabeleceu pagamentos às forças invasoras. Contudo, seria
só em 627, já no reinado seguinte, que este problema seria resolvido.49

Em 626, assassinando os seus irmãos e relegando o seu pai ao cárcere, Li Shimin


tomou o trono imperial, assumindo o nome de Taizong. 50 Apesar de, no primeiro ano de
governo, este segundo Imperador Tang ter continuado a política de pagamentos
tributários às forças turcas, em 627, as condições geopolíticas iriam sofrer alterações
benéficas à China. Lidando com rebeliões internas e com a destruição dos rebanhos,
consequência de adversidades climatéricas, o poder turco dividiu-se em dois impérios
distintos. Com esta situação, Taizong encontrou a oportunidade para esmagar as forças
invasoras. Destruindo em primeiro lugar o Império turco oriental, colocou outros povos
turcos, seus aliados, à frente deste segmento. A partir de 630, após ver reconhecido o seu
direito de guerrear além das fronteiras chinesas, Taizong utilizou as tropas do inimigo
recém-conquistado, promovendo rebeliões e guerras civis com os turcos ocidentais,
conseguindo que estes se submetessem, em 642. Deste modo, o Imperador chamou a si o
domínio da Ásia Central, ao dominar os territórios entre Yumen (Gansu) e a Pérsia
Sassânida.51 Taizong protagonizou ainda um estreitar de relações com os poderes do
planalto tibetano, os Tubo, fortalecendo-as através do casamento de uma sua filha com o
líder deste povo, em 641.52 Deste modo, fomentou as comunicações mútuas a nível da
tecnologia agrícola e de artesanato.

Os últimos vinte anos de reinado deste Imperador ficaram marcados por alguma
instabilidade na esfera militar, bem como nas relações internacionais, em grande medida
causada por campanhas realizadas contra o poder coreano de Koguryŏ, cujos desfechos
não foram positivos.53

Herdando o sistema intelectual governativo dos Suí, fundado nos princípios


confucionistas e legalistas54, Gaozu e Taizong não se limitaram a seguir o modelo

49
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33.
50
Cf. R. Eno, “The Culture of the Tang Dynasty (618-907)”, EALC E232, Bloomington, Indiana University,
2008, p. 3.
51
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33.
52
Cf. H. G. Gelber, O Dragão e os Diabos Estrangeiros- A China de 1100 a.C. até à atualidade, Lisboa,
Guerra e Paz S.A., 2008, p. 68.
53
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.34.
54
Cf. R. Eno, art. cit., pp.3 e 4.

41
anterior, tentando imprimir as suas marcas pessoais. Por exemplo, embora adotando o
regime dos três Sheng55, mudaram-lhes a designação e as competências: Zhong shu sheng
ficaria responsável por administrar o poder legislativo, administrando as esferas militares
e estatais; Menxian sheng seria o responsável por examinar todos os decretos e ordens,
assumindo assim o papel de assessor imperial; e Shang shu sheng assumiria o papel de
organismo executivo, com alçada sobre os ministérios do Interior, do Pessoal, Educação
e Cultura, Guerra, Justiça e Construção Pública.56

Em termos militares, Gaozu e Taizong contavam com um vasto exército


permanente, tradição mantida da dinastia anterior.57 Este, em tempos de paz dedicava-se
à agricultura e a treinos, bem como a servir as guarnições militares da capital. Inovando
em continuidade, Taizong introduziu o sistema de recruta voluntária, que complementaria
o corpo militar efetivo.58

O método de acesso aos cargos de administração continuou a ser realizado através


do sistema de exames, que se viu fortalecido neste período59, seguindo uma linha ancestral
que recua à dinastia Han. Contudo, com os Tang, os proponentes à realização dos exames
deixavam de ser recomendados pela administração local. Neste sentido, qualquer pessoa
que se sentisse em condições de prestar provas poderia candidatar-se. Como tal, estes
novos contornos dados ao sistema de exames abriram as portas a um maior número de
indivíduos ao oficialato, quebrando certas barreiras de caráter social que anteriormente
existiam.60 O sector burocrático começou, consequentemente, a ser dominado cada vez
mais por uma nobreza de mérito, em detrimento da nobreza de sangue.61 Não obstante, o
segundo Imperador Tang, de modo a conseguir uma melhor consolidação desta nova linha
dinástica, continuou também a admitir no seio dos seus funcionários personalidades
oriundas da nobreza tradicional, assim como com orientações políticas distintas das

55
Os sheng são cargos burocráticos, aos quais competem a regência de alguns departamentos
governamentais. Serviam como assessores do Imperador e, como tal, podem ser correspondidos a cargos
ministeriais. Ver C. Mu, Government in Imperial China – A Critical Analysis, Hong Kong, The Chinese
University Press, 2000, p. 37.
56
Cf. B. Shouyi, Breve Historia de China – desde la antigüidad hasta 1919, Beijing, Ediciones en Lenguas
Extranjeras, 1984, p. 201.
57
Cf. H. G. Gelber, op. cit., p. 68.
58
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203.
59
Cf. R. Eno, art. cit., p. 3.
60
Cf. C. Mu, op. cit., pp. 48-53.
61
Cf. H. G. Gelber, op. cit., p.71.

42
suas62, mantendo, desta forma, alguns traços de um sistema do tipo feudal no
mandarinato.

Se por um lado, Gaozu, mostrou uma aproximação ao Taoísmo63, os seus


sucessores aperceberam-se da importância que a comunidade budista da época detinha, e
como tal, da conveniência de se aliarem à mesma.64 Foi durante o reinado de Taizong que
regressou ao solo chinês aquele que foi considerado o mais ilustre dos peregrinos budistas
chineses, Xuanzang.65 O Imperador revelou respeito pelo Budismo, concedendo honras
aos peregrinos regressados de terras da Índia, que traziam para o Império sutras e relíquias
daquela religião.66 Taizong promoveu ainda o estabelecimento de um instituto para a
tradução dos textos que chegavam à China.67 Em consequência destes esforços, sobre as
escrituras trazidas da Índia, a escola budista Abhidarmakosha conheceu uma nova versão
do seu texto central, ganhando novo fulgor. Por outro lado, devido a novos ensinamentos
trazidos por Xuanzang, floresceu uma nova escola, a Yogacara, cujo ensinamento central
era que todos os fenómenos se tratavam de representações da consciência.68

Neste período de afirmação de uma nova dinastia, o Budismo continuou a usufruir


da corrente positiva que já se verificava com os Suí. De facto, manteve-se a tendência das
viagens de peregrinação, bem como o apoio imperial a estas. A viagem de Xuanzang, que
se iniciara em 629, foi paradigmática deste suporte institucional, dado o reconhecimento
que lhe foi demonstrado por Taizong, que lhe abriu portas à implantação de um instituto
próprio, para a tradução de textos indianos. A conceção de honras, a construção de
stūpas69 e a tradução de sutras trazidos da Índia revelaram, de igual modo, a consideração
ao Budismo, por parte da esfera imperial.

II.3.2 Os reinados de consolidação Tang e o Budismo

Morrendo em 649, o segundo governante da dinastia Tang foi sucedido por Li Zhi,
conhecido para a posteridade como Gaozong.70 Apesar de este ter sido um reinado muito

62
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203.
63
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33.
64
Cf. R. Eno, art. cit., p. 4.
65
Cf. R. Foltz, op. cit., p. 54.
66
Cf. R. Eno, art. cit., p. 4.
67
Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 89.
68
Idem, pp. 91-93.
69
Cf. T. Sen, Buddhism, Diplomacy, and Trade: The Realignment of Sino-Indian Relations, 600-1400,
Honolulu, University of Hawaii Press, 2003, p. 67.
70
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203.

43
marcado pela crescente influência de uma das suas concubinas, Wu Zhao71, a ação deste
Imperador foi percetível em diversos quadrantes. Refira-se, a título, de exemplo as duas
revisões ao código legal Tang levadas a cabo neste governo, que originaram uma versão,
em 653, que seria considerada a mais importante da história chinesa, não só porque
influenciou todos os códigos legais vindouros, mas também porque foi exportada para
vários contextos políticos vizinhos, servindo-lhes de base para os seus próprios códigos.72

Em 653, Gaozong enfrentou um levantamento liderado por uma mulher oriunda


das classes camponesas, Chen Shuozhen, com epicentro em Muzhou (Zhejiang). Esta
sublevação deveu-se ao endurecimento das condições de vida das classes sociais mais
baixas, causado pelo declínio da prosperidade económica, consequente das guerras
levadas a cabo no final do reinado de Taizong.73 Decorrente do mesmo, várias localidades
da província de Zhenjiang foram ocupadas pelas forças revoltosas, levando a líder a
declarar-se Imperatriz. Embora interessante do ponto de vista da ação feminina neste
período da história chinesa, este levantamento foi prontamente esmagado, não tendo sido
capaz de abalar a estabilidade política pré-existente.74

A nível de relações internacionais, o reinado do terceiro Imperador Tang ficou


visivelmente marcado por uma grande estabilidade, não obstante alguns conflitos
pontuais, nomeadamente nas fronteiras Norte e Noroeste da China, com os povos Tujue
de Leste e Tujue de Oeste.75 Os confrontos com os primeiros ultrapassariam o reinado de
Gaozong, só sendo cessados em 716, sete reinados depois. Já os problemas com os Tujue
do Oeste, que provinham, pelo menos, da dinastia anterior, chegaram ao fim em 658, com
a eliminação total desta ameaça.76 Com esta vitória, a dinastia Tang manteve o seu
domínio sobre a região montanhosa de Tianshan, controlando diversas tribos dessa área.
Assim, os intercâmbios económicos e culturais entre o interior do Império e esta região
mais limítrofe foram fortalecidos, com a pacificação do troço das rotas que ligavam a

71
Refira-se que Wu Zhao já tinha sido concubina de Taizong. Cf. C. Benn, op. cit., p. 4.
72
Cf. J. O. Haley, Law’s Political Foundations: Rivers, Rifles, Rice, and Religion, Cheltenham, Edward Elgar
Publishing Limited, 2016, p. 75.
73
Cf. L. X. H. Lee e S. Wiles (ed.), Biographical Dictionary of Chinese Women – Tang through Ming, 618-
1644, Routledge, New York, 2015, p. 38.
74
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 204.
75
Os Tujue eram povos nomádicos de matriz turca que habitavam as regiões a Norte e Noroeste da China.
Cf. V. C. Xiong, Emperor Yang of the Sui Dynasty – His Life, Times, and Legacy, Albany, State University of
New York Press, 2006, p. 207.
76
Cf. X. L. Woo, Empress Wu the Great: Tang Dynasty China, New York, Algora Publishing, 2008, p. 168.

44
China à zona ocidental da Ásia.77 A influência que os exércitos chineses puderam então
estabelecer na fronteira com a Pérsia, a norte de Caxemira, permitiu à dinastia Tang
reassegurar o domínio comercial desta grande secção da Rota da Seda terrestre.

Na década de 660, as forças chinesas subjugaram ainda o reino de Koguryŏ,


aliados ao poder de Silla, ambos da península coreana.78 Será já no final do reinado de
Gaozong que a China sofreu alguns revezes, perdendo o domínio de algumas localidades
importantes na Bacia Tarim, para as forças expansionistas tibetanas.

Sofrendo Gaozong de uma doença incapacitante, em cerca de 650, Wu Zhao, a


sua concubina, foi elevada a Segunda Imperatriz79, isto é, foi-lhe conferido o estatuto de
mulher do Imperador. Dominando cada vez mais os bastidores políticos, Wu Zhao
começou a exercer uma crescente influência nas decisões centrais, sem, no entanto,
substituir o marido. Seria após a morte de Gaozong, em 683, que esta mulher assumiu em
pleno o seu poder, depondo e exilando o seu filho Zhongzong, que tinha herdado o trono
do seu pai. Colocando o seu filho mais novo, Ruizong, como imperador, Wu, assumiu
prontamente a regência, que duraria os seis anos seguintes e que foi marcada por diversas
revoltas geradas pelos seus opositores políticos.80

Não obstante, Wu conseguiu eliminar a maioria dos seus inimigos81 e, em 690,


declarou-se Imperatriz, mudando o seu nome para Wu Zetian. Instaurando a sua própria
dinastia, a Zhou, da qual ela seria a única representante, a Imperatriz mudou o centro
político de Chang’an (Shanxi) para Luoyang (Henan).82 Esta mudança explica-se por
motivos políticos, uma vez que Chang’an (Shanxi) era o centro político tradicional da
dinastia Tang, albergando, por isso, um largo número de opositores a Wu. Por sua vez,
em Luoyang (Henan) a Imperatriz contava com o apoio de diversas famílias provenientes
das províncias do Nordeste chinês.83

Incrementando o recrutamento de oficialato através do sistema de exames, a


Imperatriz Wu procurou enfraquecer o poder das famílias mais antigas, introduzindo na

77
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 205.
78
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire … p.35.
79
Cf. R. Eno, art. cit., p. 6.
80
Cf. C. Benn, op. cit., p. 4.
81
Cf. Y. T. Lee, “Wu Zhao Ruler of Tang Dynasty”, Asia: Biographies and Personal Stories, Part II, Education
About Asia, vol. 20, nº 2, 2015, p. 16.
82
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.36.
83
Cf. A. Cotterell, The Imperial Capitals of China – An Inside View of the Celestial Empire, New York,
Random House, 2008, p. 114.

45
corte membros de origens humildes, que lhe ficavam devedores da sua ascensão social.
Com o objetivo de tornar o estado cada vez mais autocrático, criou inúmeros novos
postos, onde colocou aliados por si escolhidos. Foi retirando, de modo progressivo, o
poder dos seus ministros, criando um grupo de conselheiros, não oficiais, responsáveis
pelo trabalho administrativo e literário, mas que assumiam funções mais abrangentes,
nomeadamente no respeitante aos éditos imperiais, e sobretudo em fases que os burocratas
oficiais faziam frente à Imperatriz.84 No setor económico, focou-se na agricultura,
ordenando a compilação de textos sobre essa temática, assim como apoiando a construção
de um novo sistema de irrigação, bem como a redução de taxas sobre a produção
agrícola.85

Wu compreendeu as vantagens de se associar ao Budismo, como estratégia de


legitimação política. Declarando-se reencarnação de Maitreya, o Buda do Futuro, a
Imperatriz Wu ordenou, então, a construção de templos budistas em todas as províncias,
de modo a fazer circular o sutra Dayunjing, no qual se profetizava o surgimento de uma
mulher que governaria o mundo, 700 anos após a morte de Buda.86 Esta associação da
Imperatriz a Maitreya levou a que imagens deste Buda proliferassem por todo o Império.87
Assim, estabeleceu o Budismo como religião com patrocínio oficial estatal88, estendendo
o seu patronato a várias escolas e mosteiros budistas, tendo fomentado os trabalhos
artísticos nas grutas de Longmen (Henan) e de Dunhuang (Gansu).89

Estas múltiplas medidas de Wu não impediram, contudo, que em 684 estalasse


uma rebelião com o objetivo de a depor, levada a cabo pelo oficial Xu Jingye. 90 Wu
Zetian, após ter controlado esta revolta, iniciou um período mais duro do seu reinado,
com a criação de serviços secretos, cujo objetivo era perseguir os seus inimigos. Em 690,
estabeleceu um gabinete de investigação às portas de Luoyang (Henan), com ordens para
torturar qualquer suspeito de oposição. Embora o seu foco estivesse, inicialmente,

84
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 37 e 38.
85
Cf. Y. T. Lee, art. cit., p.16.
86
Note-se, contudo, que a datação sugerida naquele sutra não era correta, uma vez que, nesta época,
Buda já teria atingido o parinirvāna pelo menos há c. de 1100 anos antes.
87
Cf. P. E. Karetzky, Chinese Religious Art, Lanham, Lexington Books, 2014, p. 280.
88
Cf. R. Eno, art. cit., p. 7.
89
Cf. C. Schirokauer e M. Brown, A Brief History of Chinese Civilization, Boston, Wadworth Cengage
Learning, 2013, p. 105.
90
Cf. X. L. Woo, op. cit., p. 123.

46
direcionado aos membros do clã Li, parentes do seu marido91, foi alargando a repressão
a todo e qualquer indivíduo que representasse uma potencial ameaça ao seu governo.92

Um outro foco de ameaça ao seu reinado proveio da situação internacional. A


pesada derrota sofrida pelos seus exércitos, em 695, contra as forças tibetanas, na
província do Sichuan, espoletou críticas. Ao mesmo tempo, Wu teve de lidar com diversas
incursões dos turcos de leste e com uma revolta dos antigos aliados de Khitan. Resolvida
esta crise, nos dois anos seguintes, a Imperatriz Wu estabeleceu comandos militares
permanentes nas regiões fronteiriças a Norte e a Noroeste.93 Contudo, devemos referir
que durante o seu governo a situação a Oriente manteve-se estável, com a China a
continuar a exercer um domínio cultural sobre a Coreia e o Japão.

Em 705, preocupados com a idade já avançada da Imperatriz94, diversos ministros


e conselheiros começaram a pressionar a sua retirada, colocando como sucessor o seu
filho exilado, Zhongzong. Apercebendo-se da perda de influência, com o afastamento dos
homens de sua confiança, Wu acabou por se afastar do trono nesse mesmo ano, vindo a
falecer pouco tempo depois.95

O período de governança de Wu assume-se como uma época extraordinária, pois


foi aqui que uma mulher conseguiu reinar, de facto, o País do Meio. No que diz respeito
ao Budismo, deve ser sublinhado que, se por um lado, esta religião era já importante o
suficiente, em larga escala, para servir de meio para a legitimação de Wu; por outro, foi
o patronato desta Imperatriz que permitiu a ascendência do mesmo, equiparando-se e, até,
superando, as tradições confucionistas e taoistas. Destaque-se, ainda, que foi graças à
ação de Wu que se assistiu ao crescimento do culto a Maitreya; assim como à instituição
de mosteiros em todas as prefeituras do Império, o que permitiu um melhor enraizamento
do Budismo no País do Meio. Com Wu esta religião estrangeira tornou-se religião de
estado e, como tal, afirmou-se como transversal a todo o mundo chinês.

91
Relembra-se que foi a família Li, pelas mãos de Li Yuan, que fundou a dinastia sucessória aos Suí, e
optou pelo nome dinástico de Tang.
92
Cf. C. Benn, op. cit., p. 5.
93
Ibidem.
94
Wu Zhao nasceu em 624, tendo assim 81 anos. Cf. Y. T. Lee, art. cit., p. 17.
95
Cf. R. Eno, art. cit., p. 6.

47
Zhongzong iniciou o seu segundo reinado, em 705, que duraria apenas cinco
anos.96 O mesmo foi marcado por uma forte influência feminina na corte97, já que a sua
aparente fragilidade98 permitiu que a sua mulher, Wei, aumentasse o poder das suas filhas,
nomeadamente recebendo os mesmos direitos que os príncipes varões, incluindo o
estabelecimento de um grupo de burocratas ao seu serviço, bem como o acesso a
benefícios hereditários.99 Mesmo sendo um reinado curto, foi percetível a afinidade deste
Imperador ao Budismo, uma vez que tinha gosto em receber monges, para escutar os seus
ensinamentos. O facto de promover a realização de rituais budistas na corte permitiu que
esta religião continuasse a usufruir do apoio institucional que adquirira no reinado
anterior.100

Com a morte de Zhongzong, a Imperatriz Wei colocou no trono o jovem Shaodi,


que em menos de um mês foi deposto, pois os oficiais da burocracia, conselheiros e
ministros temiam um novo golpe de estado feminino.101 Assim, após vinte anos afastado
do poder, o Imperador Ruizong voltou a comandar os desígnios chineses.102 Apesar do
seu reinado ser bastante fugaz, durando apenas dois anos, Ruizong deixou marcas
importantes a nível religioso, patrocinando a tradução, edição e publicação de uma vasta
quantidade de textos budistas.103

Em 712, Ruizong abdicou em favor do seu filho, Xuanzong.104 Este longo reinado
que duraria até 756, foi marcado por uma reviravolta económica, com um novo ciclo de
prosperidade.105 Encontrando o estado com os seus recursos exauridos, devido à
corrupção vivida nos anos anteriores, o novo Imperador declarou, em 714, uma política
de austeridade, visando os gastos palacianos. Vários objetos de ouro e prata foram
fundidos, de modo a garantir fundos para o exército e, num ato público, Xuanzong chegou
mesmo a destruir inúmeras peças do seu tesouro. Noutro nível, apoiou a expansão do

96
Cf. C., Benn, op. cit., p. 6.
97
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 38 e 39.
98
Durante o período de exilio, ao qual foi obrigado pela Imperatriz Wu, Zhongzong tornou-se um homem
deprimido e assustado. Chegou a querer cometer suicídio, sendo impedido pela mulher, da qual se tornou
dependente. Veja-se B. B. Peterson, Notable Women of China – Shang Dynasty to the Early Twentieth
Century, New York, M. E. Sharpe, Inc., 2000, pp. 202-206.
99
Cf. C., Benn, op. cit., p. 6.
100
Cf. J. Chen, Philosopher, Practicioner, Politician: The Many Lives of Fazang (643-712), Leiden, Brill, 2007,
p.261.
101
Cf. C., Benn, op. cit., p. 6.
102
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.39.
103
Cf. Y. T. Lee, art. cit., p. 17.
104
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 39 e 40.
105
Cf. C. Benn, op. cit., p. 7.

48
sistema de silagem, a partir de 719, com a construção de grandes silos em todas as regiões
do Império. Este sistema permitiu a estabilização dos preços de mercado sobre os
alimentos, prevenindo as fomes. A produtividade agrícola pôde então aumentar e o custo
de transporte de mercadorias diminuiu em virtude do incremento do sistema de canais.106

A nível social, este Imperador deixou um cunho muito próprio, pois determinou,
em 722, que se distribuísse as terras pertencentes ao estado pelos mais desfavorecidos.
Na década de 740, decretou medidas de alívio fiscal para as famílias de mais baixo
rendimento, tendo ainda abolido a pena de morte, em 747. O sistema de ensino foi
alargado, sendo que Xuanzong apoiou a consolidação do sistema de saúde, em todas as
províncias. O imperador ofereceu ainda o seu patrocínio a diversas personalidades
artísticas, sobretudo a músicos e cantores, bem como a dançarinos.

Contudo, neste contexto socioeconómico, o Budismo foi alvo de ataque, já que


Xuanzong proibiu o estabelecimento de novos mosteiros budistas por parte de privados,
pois estes eram um meio de fuga ao fisco, retirando ainda da vida religiosa cerca de
trezentos mil monges, obrigando-os a voltar à vida secular e a pagar impostos.107
Efetivamente, a sangha encontrava-se livre do pagamento de impostos e de prestar
serviços ao estado. Além do mais, como já se viu no capítulo anterior, o movimento
Mahāyāna, na sua generalidade, fomentava a doação de terras e bens preciosos à sangha
como uma maneira de transferência de mérito e de aproximação ao Despertar. Como tal,
a acumulação de riqueza por parte da comunidade monástica budista chinesa era uma
realidade que a política económica do governo central quis combater.108

Não se pode considerar, assim, que este ataque ao Budismo tenha sido realizado
por questões meramente religiosas, uma vez que esta ação tinha como principal foco a
avultada posse de recursos da comunidade budista. Aliás, foi precisamente neste reinado
que o Budismo Tântrico foi introduzido na China, e para o qual o Imperador mostrou
alguma inclinação.109 Tendo sido trazida por monges indianos, especificamente por
Subhakarasimha e Vajrabodhi, esta corrente tinha por base o sutra Vairocana e o sutra
da Coroa de Diamante, estabelecendo a utilização de mandalas, mūdras (i.e., gestos
realizados com as mãos) e mantras, numa meditação que consistia em dez passos para

106
Ibidem.
107
Ibidem.
108
Idem, p.29.
109
Cf. D. Ikeda, The Flower of Chinese Buddhism, Santa Monica, Middleway Press, 2009, p.138.

49
estabilizar a mente.110 É interessante observar que a Budismo Tântrico aproximava-se do
conceito de longevidade, partilhando-o com o Taoismo, fomentando, assim, a sua
aceitação, bem como através de outros processos sincréticos.111

No que diz respeito à política internacional, Xuanzong foi lidando com as


esporádicas incursões protagonizadas pelos povos nomádicos da zona fronteiriça a Norte,
e com a pressão proveniente do planalto tibetano. No entanto, em vez de recorrer a
políticas beligerantes, o Imperador escolheu utilizar a via diplomática para manter a
tranquilidade chinesa.112

À medida que ia envelhecendo, o Imperador foi-se afastando do centro de poder,


sendo que a partir de 736 foi delegando, progressivamente, responsabilidades nos seus
ministros. A partir de 740, nota-se ainda o crescente poder da sua concubina, Yang
Guifei113, que conseguiu mesmo elevar a ministro, um homem da sua esfera de influência,
Yang Guozhong, em 752.114 Foi, também, a partir desta data, que An Lushan, que já
gozava de algum favorecimento por parte do Imperador, fortalece a sua presença na corte.
Destacado como enviado militar para três localidades, Pinglu (Shanxi), Fanyang (Beijing)
e Hedong (Tianjin), acumulando ainda o cargo de supervisor da província de Hebei, An
Lushan dominava uma parte significativa do território chinês, possuindo,
consequentemente, um forte dipositivo militar.115 Foi, já com um certo estatuto e um
poderio vasto, em 755, que este homem iniciou a sua marcha rumo à capital116, naquela
que seria uma das rebeliões que mais marcas deixaria na dinastia Tang, e que só acabaria
em 763.117

Durante estes cinco reinados, marcados por uma relativa estabilidade política, o
Budismo chinês alcançou o seu expoente máximo. Continuando a alimentar a riqueza da
sua comunidade, solidificou as suas raízes na China com a chegada de novos textos que
foram trazidos da Índia, e que cuja tradução e proliferação contaram com um apoio
transversal dos diversos governantes. Resultado disso foi o surgimento de novas escolas,

110
Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 93.
111
Cf. X. Kang, The Cult of the Fox – Power, Gender, and Popular Religion in Late Imperial and Modern
China, New York, Columbia University Press, 2006, p. 31.
112
Cf. C. Benn, op. cit., p. 8.
113
Idem, p. 9.
114
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 43.
115
Cf. B. Shouyi, op. cit., pp. 214 e 215.
116
Idem, p. 215.
117
Cf. J. K. Skaff, “Barbarians at the Gate? The Tang Frontier Military and the An Lushan Rebellion”, War
& Society, nº 18, 2ª ed., Taylor & Francis, 2000, p. 23.

50
o que revela que o Budismo ainda tinha espaço para crescer. O reconhecimento e
oficialização do patronato imperial pelas mãos da Imperatriz Wu, embora por
conveniência da mesma para se poder legitimar, mostra que o Budismo não era apenas
uma religião que pairava em solo chinês, mas, que ao invés se tinha tornado numa religião
integrada e fundamental na cultura e sociedade do País do Meio. Não obstante, o controlo
sobre a economia budista esboçado por Xuanzong, pode ser visto como um primeiro
sintoma do processo destrutivo que, mais tarde, o Budismo viria a ser alvo.

II.3.3 Declínio da dinastia Tang

Tomando, de início, como falsa a notícia do levantamento de An Lushan, só após


a conquista de diversas localidades, incluindo Luoyang (Henan) pelo mesmo, e da sua
autoproclamarão como Imperador, em 756, Xuanzong reagiu. Acompanhado pela
amante, pelo ministro, pelo herdeiro ao trono, bem como por um pequeno grupo de
funcionários, o Imperador abandonou a capital, protegido pela guarda imperial. Quando
tentava alcançar Chengdu (Sichuan), esta comitiva viu-se a braços com um motim dos
seus soldados, o que obrigou o Xuangzong a eliminar quer o ministro quer Yang Guifei.
Em simultâneo, An Lushan e o seu exército já haviam conseguido conquistar a capital.
Sem recursos, o Imperador cedeu à pressão, perdendo a sua força política, sendo o seu
herdeiro, Li Heng, quem passou a assumir a responsabilidade militar. Chegando a Lingwu
(Ningxia) tomou o trono sob o nome de Suzong.118

An Lushan foi assassinado, em 757, pelo seu filho, An Qingxu, que se proclamou,
também, Imperador. A rebelião continuou, apesar deste ano ser marcado por pesadas
derrotas, nomeadamente a recuperação de Chang’an (Shanxi) e Luoyang (Henan), por
Suzong.119 Em 759, An Qingxu teve o mesmo destino que tinha traçado a seu pai, sendo
assassinado por um general, Shi Siming. Este acabaria também assassinado, em 761, às
mãos de seu filho, Shi Chaoyi, que, após um ano de pesadas derrotas acabou por cometer
suicídio, pondo fim à rebelião em 763, já no reinado do Imperador Daizong.120

Parte do sucesso em reprimir a rebelião foi devida a duas novas políticas tomadas
por Suzong. Em primeiro lugar, a formação de uma aliança com a tribo turca dos Uigures,
fundamentais com a sua força armada para as vitórias da dinastia. Por outro lado, a

118
Cf. B. Shouyi, op. cit., 1984, p. 216.
119
Cf. C., Benn, op. cit., p. 10.
120
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 216.

51
implementação de um sistema de governadores militares em zonas interiores, à
semelhança das que existiam em zonas fronteiriças121, permitiu a prevenção de novos
levantamentos. Contudo, apesar dos homens de confiança de An Lushan se terem
submetido à dinastia Tang, preservaram as forças separatistas. Aproveitando a fragilidade
da corte, chegaram a proclamar a hereditariedade dos seus cargos, promovendo uma
descentralização do poder.122 Esta seria uma das consequências mais difíceis de resolver
pelos imperadores vindouros, sendo apenas solucionada, e apenas por breves momentos,
quatro reinados depois, em 819.

Após a morte de Suzong, em 762, foi Daizong quem assumiu o trono chinês, que
governaria até à sua morte, em 779.123 Este reinado deparou-se com marcadas
dificuldades económicas, devedoras dos efeitos da rebelião de An Lushan, que levaram
ao colapso do sistema de impostos e de divisão de terras. Assim, a partir de 766, o
Imperador foi tentando reativar estes antigos sistemas, embora a situação turbulenta na
corte tivesse impedido resultados de maior relevo neste campo.124

De facto, os reinados de Suzong e de Daizong ficariam marcados pelo espaço dado


ao crescimento do poder dos eunucos, processo iniciado ainda no reinado de Xuanzong,
e que contribuiu para tensões internas entre diversas fações. Xuanzong já havia delegado
a Gao Li Shi, um dos eunucos da sua corte, plenos poderes para administrar o oficialato.
No reinado seguinte, Suzong nomeu Li Fuguo como chefe da guarda imperial, como
forma de agradecimento ao apoio que lhe prestou durante a rebelião. Enviou, ainda, outro
eunuco, Yu Chao’en, para supervisionar dois generais, dos quais suspeitava. Deste modo,
os eunucos começaram a usufruir de poder militar, ganhando mais relevância. Em 762,
no ano da morte de Suzong, dois eunucos, entre eles Li Fuguo, assassinaram a Imperatriz
Zhang Liangdi, de modo a elegerem como sucessor Li Yu, que subiria então ao trono com
o nome de Daizong. Assassinando um, mas depositando total confiança noutro, este
Imperador acabaria por ceder à pressão dos seus ministros, que se opunham ao poder
crescente dos eunucos. Assim, Daizong acabou por demitir o eunuco que o apoiara, pondo
fim ao sistema que dava a este grupo acesso a poder militar.125 Contudo, os eunucos viram

121
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 58 e 59.
122
Cf. C. Benn, op. cit., p. 13.
123
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 60.
124
Cf. C. Benn, pp. 13 e 14.
125
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 217.

52
o seu poder restaurado no reinado de Dezong (779-805), como recompensa por o terem
ajudado a evitar um motim do exército, voltando a ter o controlo da guarda imperial.126

Daizong faleceu em 779, sendo sucedido por Dezong. Continuando o esforço para
relançar as bases económicas do Império Chinês, a partir de 780, protagonizou reformas
profundas127, nomeadamente abolindo o antigo sistema de impostos, e criando um sistema
de coleta, baseado no ciclo agrícola, e que cobrava os impostos duas vezes ao ano.
Abandonando também o antigo cálculo de cobrança de taxas, determinou que os tais
cálculos se fizessem com base na riqueza e posses efetivas dos indivíduos. Esta medida
levava igualmente em conta as diferenças produtivas de cada província, e como tal, os
impostos não eram transversais ao Império. Assim, em conjunto com o monopólio sobre
a produção de sal, o estado foi enriquecendo, permitindo que se iniciasse a busca pela
restituição do poder central.128

Como anteriormente foi referido, alguns dos governadores ligados à rebelião de


An Lushan mantiveram o poder nas suas províncias, incluindo as de Hebei, Pinglu
(Shanxi), Shandong, Xianyang (Shanxi) e Huaxi (Jiangsu). Administrando livremente
estes territórios, limitavam-se a pagar tributos e taxas ao poder central, permanecendo
como uma ferida aberta na autoridade do governo imperial.129 Tentando reverter esta
situação, Dezong levou a cabo campanhas para tentar resgatar a influência nessas regiões,
como por exemplo, a sua recusa, em 781, de reconhecer o herdeiro do governador de
Chengde (Hebei). Apesar das forças leais ao governo terem obtido algumas vitórias sobre
os rebeldes, não foram capazes de colocar um ponto final nesta situação. O exército
chegou mesmo a amotinar-se, com o seu comandante a declarar uma nova dinastia,
obrigando Dezong a sair da capital. Aconselhado por Lu Zhi, um dos seus oficiais,
Dezong ofereceu amnistia aos rebeldes, de modo a poder resolver os motins que ocorriam
em Chang’an (Shanxi). O conflito só terminaria em 786, com o estado a reconhecer a
independência de várias províncias.130

O reinado de Dezong ficou também marcado pela resolução do conflito sino-


tibetano. O Imperador tentou, em 783, estabelecer um pacto de tréguas de um ano, em
que reconhecia diversas conquistas tibetanas. De seguida, e reatando a aliança com os

126
Ibidem.
127
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire…, p. 61.
128
Ibidem.
129
Idem, pp. 61 e 62.
130
Idem, p. 62.

53
Uigures, através de uma política de casamentos, tentou defrontar o Tibete, acabando
derrotado em 790, perdendo o controlo de certas regiões ocidentais. O Imperador tentou
então reavivar os laços com o reino de Nanzhao (Yunnan), a partir de meados da década
de 790. Em conjunto com este poder, as forças chinesas avançaram sobre o Tibete, em
801, obtendo uma vitória que pôs fim a cerca de cinquenta anos de guerra.131

Os primeiros anos do século IX, com o fim do conflito sino-tibetano, permitiram


que o Imperador Xianzong, que chegou ao poder através do apoio dos eunucos132, se
concentrasse em questões internas, nomeadamente na recuperação da autoridade central
em regiões do Leste e do Sul do Império Chinês. Entre 814 e 819, levou a cabo campanhas
contra as forças rebeldes das províncias de Huanxi (Jiangsu), Chengde (Hebei) e Pinglu
(Shanxi), conseguindo resgatá-las para a esfera central.133 Contudo, como os gastos com
estas campanhas foram avultados, o Imperador foi obrigado a reformular as políticas de
impostos, algo que concretizou paralelamente a uma reforma da administração militar,
que, em conjunto, permitiria o enfraquecimento do poder provincial.134

Se, por um lado, conseguiu restaurar o controlo imperial sobre algumas das
províncias, Xianzong deu margem de manobra para os eunucos continuarem a aumentar
o seu poder, tendo-os encarregado de tratar da sua política, e de a impor à administração,
quer central quer provincial. Como os eunucos mantinham o controlo sobre a guarda
imperial, e serviam como supervisores dos generais, o poder deste grupo cresceu
exponencialmente. Em 810, o Imperador criou mesmo um gabinete responsável por tratar
de assuntos de foro privado, que ficou a cargo dos eunucos, institucionalizando de vez o
seu poder. 135

131
Idem, pp. 63 e 64.
132
Xiangzong sucede a Shunzong, que governou por breves meses, após a morte de Dezong, em 805. Cf.
B. Shouyi, op. cit., pp. 217 e 218.
133
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 64.
134
Primeiro, para evitar a manipulação na coleta de impostos Xiangzong estabeleceu, em 809, que as
prefeituras deveriam pagar impostos diretamente à corte, sem passar pela administração das províncias.
Estas apenas receberiam os impostos respetivos à prefeitura da capital provincial. Em 819, introduziu um
novo modelo militar, em que os governadores provinciais só podiam utilizar os exércitos respetivos ao
território da prefeitura capital. Assim, guarnições e fortes mais pequenos de outras prefeituras, ficavam
sob a tutela das mesmas, resultando na retirada do poder de decisão dos governadores militares de
mobilizarem as forças de toda a província. Idem, pp. 65-66.
135
Ibidem.

54
Nas duas décadas seguintes à morte de Xianzong, em 820, a China foi governada
por três imperadores136, cuja ação se caracterizou, segundo Charles Benn, como desligada
dos deveres políticos.137 A rápida perda do domínio das províncias recuperadas em 819,
permitiu que se efetivasse a cisão entre o estado central e o poder provincial, onde se
voltou a assistir à hereditariedade dos cargos governativos, e onde os decretos imperais
não eram acatados. Por outro lado, a fraca ação dos imperadores abriu portas à formação
de uma fação dentro da corte, composta por ministros e outros membros da administração,
que se opunha ao poderio dos eunucos.138 As lutas entre estes grupos foram constantes,
causando profunda instabilidade. Exemplo disso foi a morte do imperador Jingzong,
arquitetada pelos eunucos.139 Sucede-lhe então Wenzong, que apesar de estar em dívida
para com aqueles, tentou diminuir a sua influência, apoiando-se no grupo dos burocratas.
Contudo, os eunucos acabariam por ver a sua força reafirmada140, sendo que parece que
Wenzong acabou por ficar refém daqueles.141

Em 840, Wuzong chegou ao trono142, tentando desde logo diminuir a influência


dos eunucos143, mas também dos burocratas, ao nomear Li Deyu como seu único ministro.
Com a corte relativamente apaziguada, virou as suas atenções para os Uigures, que
aproveitaram a instabilidade anterior para realizar várias incursões em território chinês.
De notar que o Maniqueísmo, religião oficial dos Uigures, viu consequentemente as suas
pretensões de crescimento na China estranguladas. O ataque a religiões por parte do poder
central Tang era uma vez mais motivado por questões políticas e económicas, e não por
questões culturais e/ou religiosas. De facto, foi também neste reinado que o Budismo se
viu uma vez mais atacado, principalmente entre 845 e 846, período durante o qual grande
parte dos mosteiros foram destruídos ou desmantelados, e os seus bens e terras
confiscados. De novo, monges budistas foram obrigados a regressar à vida secular,

136
Estes três imperadores foram: Muzong, que reinou entre 820 e 824, Jingzong, que reinou entre 824 e
827, e por fim Wenzong, que governou até 840.
137
Cf. C. Benn, op. cit., p. 16. Note-se que os eunucos aproveitaram este período para aumentar a sua
influência nos destinos chineses. Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 224.
138
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 66.
139
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 224.
140
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.68.
141
Ibidem.
142
Cf. C. Benn, op. cit., p. 16.
143
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 69.

55
havendo mesmo mortos no seio da sangha. Após esta tomada de posição foram mantidos
apenas 800 monges a operar por todo o Império.144

Embora a China Tang tenha voltado a sentir algum fulgor, durante o reinado de
Xuanzong II, entre 846 e 859, nomeadamente no que respeitava à administração interna
e às relações externas145, a sua morte marcou o declínio definitivo da dinastia Tang. Logo
no início do reinado do seu sucessor, Yizong, que governou entre 859-873, o poder central
voltou a enfrentar problemas decorrentes da força dos eunucos, mas também outros
levantamentos militares ou motins entre múltiplos poderes regionais que procuravam a
sua afirmação. Exemplo disso foi o conflito, iniciado em 868, na prefeitura de Xu,
liderada por Pang Xun, da qual resultaria a perda de algumas regiões do Sul do território
chinês.146

Esta situação turbulenta agudizou-se no reinado seguinte, do imperador Xizong,


durante o qual estalou a rebelião que mais afetou a dinastia nesta fase final. Em 875,
eclodiu uma insurreição a partir de Chengyuan (Fujian), liderada pelo traficante de sal
Wang Xianzhi. A este juntou-se outro traficante, também militar, Huang Chao, sendo que
as suas forças conjuntas protagonizam, em três anos, vitórias de grande importância,
conquistando diversas prefeituras das províncias de Shandong e do Henan. Após a morte
de Wang Xianzhi, em 878, Chao assumiu a liderança das duas forças, dirigindo-se para
Norte, conquistando várias localidades pelo caminho. Em 880, submete Luoyang (Henan)
e Chang’an (Shanxi), obrigando o Imperador a abandonar a capital. Huang Chao chegaria
a declarar-se Imperador, mas lidando com motins dentro das suas hostes, viu o seu poder
enfraquecido. Aproveitando esta instabilidade, e aliando-se a forças estrangeiras, o poder
imperial tentou ripostar, cercando as forças rebeldes em Chang’an (Shanxi). Chao acabou
por cometer suicídio, pondo fim a uma rebelião profundamente destrutiva para a China,
que durou cerca de dez anos.147

As guerras intestinas mantiveram-se durante os dois últimos reinados Tang.


Durante o governo de Zhaozong (888-904), as forças separatistas foram ganhando

144
Cf. C. Benn, op. cit., p. 16.
145
Xuangzong II mostrou-se um governador ativo, quando comparado com os anteriores imperadores,
tendo patrocinado a redação de grandes compilações administrativas, legais e históricas. Foi neste
reinado também que a China voltou a controlar territórios no Noroeste, que havia perdido para o Tibete
quase dois séculos antes. Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan …, p. 69.
146
Idem, p. 70.
147
Cf. B. Shouyi, op. cit., pp. 226 e 227.

56
protagonismo, atacando em várias frentes. Foi nesta época que os eunucos sofreram uma
pesada derrota, ao serem massacrados na capital, por ordem do general Zhu Wen.148 Este
ataque seria repercutido por todo o território, esmagando o poder que este grupo vinha a
gozar desde 712.149 Por outro lado, este massacre permitiu a ascendência daquele general,
que em 904 assassinou o Imperador, fazendo subir ao trono o último Imperador Tang,
Aidi.150 Este, ainda adolescente, não passou de uma marioneta política de Zhu Wen, que
o acabaria por depor, em 907, iniciando um período de fragmentação política e territorial,
que só viria a ser resolvida com a afirmação da dinastia Song (960 - 1279).151

O Budismo, durante a situação política e militar acima descrita, ao longo do século


IX, viu-se paulatinamente enfraquecido. Se no reinado de Xuanzong já tinha visto a
sangha ser reduzida e controlada pelo estado, com Wuzong, a partir de 845, esta foi
gravemente lesada. Com a perda da sua riqueza, decorrentes das expropriações que foram
levadas a cabo pelo poder central, o Budismo deixava de ter a força necessária para se
impor, com a agravante de ver a sua comunidade monástica reduzida a um número
mínimo de membros. Deste modo, o Budismo perdeu a capacidade de chegar a múltiplos
setores da sociedade chinesa, sendo que a sua produção literária e artística praticamente
cessou. Com toda a instabilidade vivida nesta época, não houve condições para o
surgimento de novas escolas budistas em solo chinês, sendo que a sua presença aqui se
manteve nos séculos seguintes de forma muito residual. Semelhante ao que acontecera na
Índia, cerca de seiscentos anos antes, o Budismo sinizado encontrou espaço para
sobreviver e crescer fora do Império do Meio, mais precisamente no Japão, com a escola
Zen, e noutros contextos que tinham mantido fortes laços culturais com a China Tang,
como a Coreia e o Vietname.

II.3.4- Marcas da sinização do Budismo

Após se ter descrito o panorama político, é agora tempo de se analisar mais


detalhadamente o processo de sinização do Budismo. Devemos ter em atenção que o
Budismo que chegou à China já era bastante diferente do que tinha saído da Índia, em

148
Cf. D. A. Graff, “Command, control and castration – Eunuch supervisors in the armies of the Tang
dynasty”, in K. Roy e P. Lorge (ed.), Chinese and Indian Warfare – From the Classical Age to 1870, New
York, Routledge, 2015, p. 206.
149
Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 228.
150
Ibidem.
151
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 72.

57
virtude das diversas mutações que foi sofrendo ao longo da Rota da Seda, decorrentes do
contacto com variadas tradições locais. Assim, aquando da chegada ao País do Meio, esta
proposta religiosa integrava já múltiplas visões, sintetizadas na corrente Mahāyāna. Já
em terras chinesas, estas novidades voltaram a sofrer transformações, desta feita causadas
pela força civilizacional centrífuga chinesa, que conferiu à doutrina budista uma nova
roupagem, acomodando-a à matriz cultural e religiosa pré-existente naquele território,
nomeadamente a Taoista e Confucionista.

Este processo, iniciado cerca de 600 anos antes da ascensão da dinastia Tang, foi
marcado por duas fases. A primeira, correspondente, grosso modo, ao período da dinastia
Han, caracterizou-se pela forte transferência cultural que o Budismo sofreu, às portas do
mundo chinês, recebendo uma influência mútua, oriunda quer da Ásia Central quer da
China. A segunda fase, durante o período de fragmentação política, ficou caracterizada
pela infiltração do Budismo em diversas camadas sociais. Foi aqui que se foi
desenvolvendo aquilo que consideramos ser o Budismo chinês, ou seja, uma doutrina
configurada de modo a se aproximar e responder à realidade chinesa. Durante o período
Tang, identificamos o culminar deste processo, que se identifica em vários aspetos e que
em muito se deve às conceções trabalhadas pelas escolas que se formaram no País do
Meio sem antecedentes indianos, atrás referidas: Tiantai, Huayan, mas especialmente
Terra Pura e Chan.152

O primeiro aspeto que devemos analisar, e que se assume comum a todas estas
escolas, prende-se com a hierarquização efetuada nos textos. De modo a colmatar
incoerências entre as escrituras originárias da Índia e as elaboradas na China, procedeu-
se à divisão dos mesmos por antiguidade e por nível de ensinamentos, defendendo-se que
o próprio Buda teria predicado a sua doutrina, ao longo da vida, em diversos níveis de
profundidade, consoante o seu público. Assim, cada escola fez as suas seleções textuais,
advogando que as suas eram as que mais representavam os elevados ensinamentos de
Buda. O mesmo processo de seleção e hierarquização ocorreu com as práticas
meditativas, como o dhyana, que permitiam atingir a Iluminação.153

Um segundo aspeto, talvez o mais forte em termos de sinização do Budismo,


prende-se com os ritos. Na China, as práticas cúlticas budistas tornaram-se mais

152
Cf. C. Yü, Kuan-Yin: The Chinese Transformation of Avalokitesvara, New York, Columbia University
Press, 2001, p. 18
153
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 223 e 224.

58
preponderantes, quando comparadas com o Budismo indiano original, que como vimos,
mostrou algumas resistências, numa fase inicial, ao desenvolvimento das mesmas. O
processo de complexificação ritualístico que o Budismo sofreu quando viajou ao longo
da Rota da Seda foi intensificado em território chinês, para responder à milenar tradição
cúltica chinesa. Note-se que desde o Neolítico estão atestadas práticas rituais das
comunidades chinesas, nomeadamente as que se focavam no culto aos antepassados. Com
efeito, deste este período que era costume enterrar defuntos com alimentos e bebidas, em
conjunto com objetos utilitários, ligado a crenças que visavam uma interdependência
entre os mortos e os vivos, em que estes últimos eram responsáveis pelo bem-estar pós-
morte dos seus antepassados.154

Aliás, posteriormente, a própria doutrina Confucionista, defendia a estruturação


da sociedade através do respeito aos antepassados. Nesta proposta filosófica chinesa
defendia-se que os filhos deviam prestar reverência aos seus pais, cristalizando o conceito
de piedade filial, que se tornaria transversal a toda a sociedade chinesa. No
Confucionismo, esta moral era manifestada nas práticas rituais e expressada em atitudes,
sempre orientadas em proporcionar o bem-estar do outro, e que em última instância tinha
em vista o alcançar da harmonia (ren).155

Neste sentido, observamos que as escolas acima mencionadas vão desenvolver


conceções cúlticas próprias, ligadas aos antepassados, através, por exemplo, da
formulação de lendas específicas, como é o caso das que se referem às figuras de Mulian
e de Dizang. Noutra vertente, também se desenvolveu a conceção de Inferno, que chegou
via Ásia Central. Provavelmente, esta construção criou a ligação entre o Budismo
original, onde a confissão de más ações em público tinha um papel de destaque, com a
adaptação chinesa do Inferno como castigo para os incumpridores das normas morais.
Acabou por se revelar sob o ideal pós-morte dos “10 Reis do Inferno”, em que o morto
seria levado por um desses reis para ser castigado pelos seus “pecados” mundanos. Este
conceito cristalizou-se entre os séculos VII e X, copiando o modelo dos tribunais Tang.156
Esta conceção manifestou-se em cultos e lendas criadas em torno da morte, assim como
nos festivais dos “espíritos famintos”. 157 No extremo oposto encontrou-se a conceção do
Paraíso, onde os que cumpriam os preceitos budistas podiam reencarnar, do qual é

154
Cf. P. B. Ebrey, op. cit., p. 21.
155
Idem, pp. 42 – 43.
156
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 192.
157
Cf. X. Guan, “Buddhist Impact on Chinese Culture”, in Asian Philosophy, vol. 23, nº 4, 2013, p. 314.

59
exemplo maior o “Paraíso da Terra Pura Ocidental”, que estaria sob a alçada de Amitabha.
Esta conceção assumiu-se como um dos princípios basilares da escola Terra Pura.158

No que respeita ao culto e às lendas relativas aos mortos, durante a dinastia Tang,
a figura de Ksitigarbha, que alcançou a China como um bodhisattva responsável pelo
Inferno, assumiu-se como um salvador dos seres em sofrimento neste plano, sob o nome
de Dizang.159 A incorporação de Dizang na cultura chinesa pareceu realçar a importância
da estrutura familiar e do dever dos descendentes cuidarem da salvação dos parentes e
dos espíritos domésticos, tão caraterísticos do pensamento chinês. É interessante notar
como o culto a este bodhisattva na China encontra-se atestado a partir do século VI,
enquanto na Índia só se encontram provas do mesmo no século VIII e de forma residual.
Estas diferenças demonstram, por um lado, que esta figura teve origem na Ásia Central e
que dali viajou tanto para a China como para a Índia; por outro os diferentes níveis de
receção da mesma, pois a sua importância em território chinês não é comparável ao seu
papel em contexto indiano.160

Por seu lado, a história de Mulian parece ter origem na tradição oral indiana, onde
assumia o nome de Maudgalyayana.161 Contudo, não existem provas textuais oriundas do
exterior do mundo chinês, sendo que o primeiro texto que surgiu na China foi composto
entre o século IV e V, o Sutra Yulan Bowl. Nesta primeira versão, Mulian queria salvar
os pais do sofrimento pós-morte. Vendo que a sua mãe tinha renascido entre fantasmas
que se encontravam privados de alimento, e sendo incapaz de a alimentar, recorreu a
Buda. Este ter-lhe-ia dito que os “pecados” da mãe eram grandes, e que se Mulian a
quisesse salvar teria de buscar o poder espiritual da comunidade monástica, oferecendo
taças de arroz aos monges no dia 15 do 7º mês, afirmando que esta seria a maneira de
salvar os parentes do Inferno. Já na dinastia Tang, por volta de 800, a lenda de Mulian
tomou novos moldes, canonizados no “Texto transformador de Maha-Maudgalyanana
salvando a sua Mãe do Reino da Escuridão”, em que o herói da história passou a ser
representado como um filho de um pai devoto e de uma mãe que havia abandonado a vida
de piedade após a morte do marido. Mulian, após o falecimento da mãe, tinha-se tornado

158
Cf. M. Unno, Buddhism and Psycothearpy Across Cultures: Essays on Theories and Practices, Somerville,
Wisdom Publications, Inc., 2006, p. 285.
159
Ibidem.
160
Cf. Z. Ng., The Making of a Savior Bodhisattva – Dizang in Medieval China, Honolulu, University of
Hawai’i Press, 2007, pp. 2 – 9.
161
Cf. R. Berenzkin, Many Faces of Mulian: The Precious Scrolls of Late Imperial China, Seattle, University
of Washington Press, 2017, p. xi.

60
monge, e confirmado o renascimento do pai no Paraíso, enquanto a progenitora tinha sido
condenada ao Inferno. Esta seria sido libertada através da ação de Buda e da devoção do
filho, sendo reencarnada num fantasma faminto, depois num cão e finalmente no
Paraíso.162 Note-se que esta lenda reúne diversas características do Budismo Chinês
acima referidas, como a conceção de Inferno, bem como o ideal de reencarnação num
Paraíso, muito notório na escola Terra Pura, além de se aproximar das questões filiais
patentes na cultura tradicional chinesa. Note-se ainda que esta lenda era celebrada num
festival muito popular na dinastia Tang, o Yulanpen, ou “Festival dos Espíritos”, que seria
celebrado no 15º dia do 7º mês lunar, com o objetivo de salvar as “almas” dos parentes
do Inferno. 163

Várias outras festividades litúrgicas chinesas, também foram assumidas pelo


Budismo. Um desses festivais era o aniversário de Buda, no 8º dia do 4º mês do calendário
lunar, cuja celebração ocorria nos mosteiros, sendo partilhada pela maioria da população,
mesmo aquela que não se definia como budista. Uma outra data festiva, o La Ba, que
coincidia com o fim de ano e que era marcado pela oferenda a deuses e ancestrais,
festejado no 8º dia do 12º mês, tornou-se, segundo a tradição budista chinesa, na data da
Iluminação de Buda.164

No respeitante às relações de parentesco, o Budismo Chinês da época Tang


introduziu novas características na comunidade monástica. Efetivamente, é neste período
que se começou a celebrar casamentos entre pessoas vivas e espíritos, ou mesmo entre
dois espíritos, de modo a aplacar os problemas causados por espíritos infelizes.165 Por
outro lado, a sangha chinesa, numa perspetiva de se aproximar às crenças populares,
realizava exorcismos, como os xamãs e outros religiosos taoistas.166

Por outro lado, nos mosteiros construídos sob ordens imperais, decorriam
cerimónias de celebração de aniversários de governantes e membros da família real, bem
como serviços memoriais de imperadores e imperatrizes consortes que já tinham falecido.
Os monges realizavam ainda ritos mortuários coletivos para soldados perecidos em
campanhas. Tomando ainda um papel interventivo na guerra, que como vimos acaba por

162
Cf. B. Grant e W. L. Idema, Escape from Blood Pond Hell – The Tales of Mulian and Woman Huang,
Seattle, University of Washington Press, 2011, pp. 5 – 7.
163
Cf. X. Guan, art. cit., p. 315.
164
Ibidem.
165
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.179.
166
Cf. C. Benn, op. cit., p. 240.

61
ser constante no período Tang, os mosteiros procediam, a mando do Imperador, à
recitação do sutra Ren Wang Jing, ou “Escritura dos Reis Humanos”, redigido no século
V, e que tinha como objetivo invocar exércitos de espíritos e outros poderes para ajudarem
na defesa do território.167 No decorrer destes festivais e cerimónias, era também usual a
realização de banquetes vegetarianos, oferecidos às populações.168

Estas cerimónias, lideradas pela sangha, fortaleceram, em certa medida, a ligação


entre o Budismo e a ideologia real chinesa, marcadamente confucionista. Esta, expressa
nas conceções do “Filho do Céu” e do “Mandato Celeste”, defendia que o rei/imperador
tinha a legitimidade e condições de estabilidade para governar enquanto tivesse um
favorecimento da entidade celeste, Tian, devendo cumprir com a sua vontade. Caso
entrasse em conflito com as vontades superiores, esse favorecimento poderia ser
transferido para outro indivíduo.169 Assim, estas cerimónias budistas parecem
corresponder ao mesmo princípio, uma vez que o Imperador recorria à ajuda de entidades
budistas para manter a estabilidade do seu domínio e para o defender de inimigos
externos, de modo a manter a sua legitimidade governativa.

Outra grande alteração prende-se com o culto às relíquias que se desenvolveu


exponencialmente a par da organização patriarcal da sangha. No período Tang,
efetivamente, o Budismo Chinês desenvolveu uma particularidade muito própria, o
Patriarcado, que espelhava a própria lógica da sociedade patriarcal chinesa. Este sistema
consistiu na criação de genealogias que organizavam os mestres e discípulos das
respetivas escolas, estabelecendo as ligações entre estes, até firmarem ligações aos
fundadores de cada corrente, fossem eles reais ou imaginários.170 Tendo sido uma ideia
pioneira da escola Tiantai, foi a escola Chan que mais destaque deu a esta prática,
utilizando-a como base à sua fundação171

Por sua vez, a veneração de relíquias, que como vimos se assumiu como central
ao culto budista, desde os seus primórdios, foi adaptada na China, com maior força a
partir do séc. V. Apesar de, inicialmente, manter uma posição marginal face a
peregrinações de crentes, a posição da China inverteu-se na dinastia Sui, quando foram
adquiridas múltiplas relíquias. A partir desta dinastia, começaram a surgir peregrinações

167
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 215.
168
Cf. C. Benn, op. cit., pp. 137 e 138.
169
Cf. P. B. Ebrey, op. cit., pp. 30-33.
170
Cf. E. Lyons e H. Peters, op. cit., p. 25.
171
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 224.

62
ao mundo chinês, tando de monges indianos como de crentes provenientes da península
coreana. Deste modo, a partir de 600, o País do Meio tornou-se num centro do mundo
budista, passando a ser um local onde se buscavam sítios sagrados, fazendo-se
peregrinações aos relicários chineses.172

O primeiro local de peregrinação budista, durante a época Tang, foi o Monte


Wutai, no Shanxi. Este surge associado a um bodhisattva de origem indiana, Manjusri,
que também salvava os espíritos do sofrimento, transformando-os em seres sencientes.
Este local, a partir de 664, passou a ser relacionado com o “Monte dos Cinco Cumes”
patentes na forma indiana do bodhisattva, como seu local de residência.173 Deste modo,
o centro do seu culto foi transferido para terras chinesas, contribuindo para a afirmação
do País do Meio como centro do mundo budista.

Esta afirmação da China recorreu à corrente de pensamento que defendia que o


dharma revelado por Buda estaria condenado a ser corrompido e a desaparecer. Esta ideia
estava já, nos séculos V e VI, disseminada por toda a China, em parte devido à pressão
taoista e às tentativas de repressão do Budismo ocorridas em 446 e em 574. Contudo, com
o ressurgimento em força do Budismo nas dinastias Sui e Tang, esta doutrina foi
reinterpretada, passando a afirmar que o Budismo se estava a extinguir na Índia, o que
faria do País do Meio o novo centro budista. A Imperatriz Wu utilizou uma versão desta
teoria para se legitimar, nomeadamente a que referia que seria Maitreya a restaurar a
doutrina, descendo ao mundo terreno. Assim, através do sutra Dayunjing, Wu fez-se
associar a Maitreya, como antes se verificou.174

No que diz respeito aos mosteiros, também estes acabaram por se moldar, em
diferentes aspetos, ao mundo chinês. Os mosteiros budistas, na dinastia Tang, estavam
disseminados por todo o Império, marcando fortemente, a par de templos de outras
religiões, a cidade capital. De facto, em qualquer ponto de Chang’an era possível
encontrar mosteiros ou capelas dedicadas ao Budismo [Anexo A, Mapa 14]. Apesar de
existirem templos do Nestorianismo, do Zoroastrismo, e sobretudo do Taoismo,
estimava-se que a instituição budista possuísse mais do dobro de edifícios do que qualquer
outra religião. Efetivamente, até nos espaços restritos do Palácio Imperial se podiam

172
Idem, pp. 220 e 221.
173
Idem, p. 221.
174
Idem, p. 222.

63
encontrar diversos edifícios budistas.175 Encontrando-se tanto em espaços urbanos como
rurais, os mosteiros budistas Tang tomavam características próprias, assemelhando-se às
demais construções chinesas, como palácios imperiais, ou edifícios residenciais das elites,
refletindo os estilos arquitetónicos utilizados pelos seus patrocinadores.176

Devemos destacar a tentativa de alterar o espaço sagrado chinês da escola Chan.


Apesar dos locais de culto e peregrinação dos seguidores desta escola se manterem iguais
aos tradicionais, isto é, pagodas com relíquias, os peregrinos Chan começaram a
desvalorizar aqueles que estavam simbolicamente ligados a Buda, em detrimento de
novos locais ligados a mestres patriarcas desta escola, nomeadamente aqueles que
continham relíquias de tais mestres, incluindo os seus corpos mumificados. Numa
primeira fase, tentaram desenvolver centros de culto nos espaços urbanos, angariando
patrocínios imperiais. A partir do século VIII, contudo, estes espaços acabaram por ser
recolocados em espaços provinciais, estando dependentes da sua capacidade de convocar
crentes e, naturalmente, as suas respetivas doações.177

Patrocinados pelo estado, os mosteiros começaram a desempenhar também o


papel de albergues a viajantes. Além dessa função, e a par da produção cultural e religiosa,
os mosteiros da dinastia Tang prestavam diversos serviços sociais, como assistência a
doentes, alimentação aos desfavorecidos, acolhimento de órfãos e de idosos, construindo
ainda estradas, pontes e canais de navegação.178 A par da sua própria economia, a
presença de mosteiros em diversas localidades, sobretudo nas rurais, teve um profundo
impacto nas economias locais, uma vez que em dias de festividades se formavam
mercados e feiras de província.179 Note-se, ainda, que devido às crescentes doações, estes
mosteiros tornaram-se donos de enorme riqueza.180

Com a escola Chan, a sangha tornou-se autossuficiente a nível económico,


abandonando a prática do peditório e desenvolvendo a produção agrícola própria em
terras doadas aos mosteiros. 181 Paralelamente, esta escola alterou a vida monástica, com

175
Idem, pp. 92 e 93.
176
Cf. F. Xinian, “The Sui, Tang, and Five dynasties”, in N. S. Steinhardt (ed.), Chinese Architecture, New
York e China, Yale University Press e New World Press, 2002, p. 110.
177
Cf. B. Faure, “Relics and Flesh Bodies: The Creation of Chan Pilgrimage Sites”, in S. Nanquin e C. Yü
(ed.), Pilgrims and Sacred Sites in China, Berkeley, University of California Press, 1992, pp.150-152.
178
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 218
179
Idem, p. 215.
180
Cf. C. Benn, op. cit., p. 61.
181
Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 95.

64
especial enfoque em dois principais vetores: em primeiro lugar, quebraram com a
formalidade rígida em termos de crenças supersticiosas no seio monástico, acreditando
que o caminho para o Despertar era um objetivo coletivo, recorrendo a práticas físicas e
mentais para o alcançar. Nesta perspetiva coletiva, a escola Chan recorria a
professores/mestres que guiavam os alunos nas práticas para atingir a Iluminação. Em
segundo lugar, de modo a adaptar as regras de disciplina indianas ao contexto cultural
chinês, integraram um conjunto de novas normas, as “Regras Puras de Baizhang”, que
correspondiam ao modelo moral de conduta coletiva e individual vigente no País do
Meio.182 Além disso, esta escola começou, a nível doutrinário, a dar mais importância à
possibilidade de se atingir a Iluminação em vida e às experiências pessoais de cada
indivíduo.183

No caminho feito pelo Budismo, via Rota da Seda, os stupas também se foram
transformando. Numa fase inicial, na Índia, esta construção arquitetónica tomava a forma
de uma redoma ovoide, primeiro construída em terra e depois em pedra. Já no percurso
efetuado pela Ásia Central, esta construção foi tomando uma forma mais alongada,
embora mantivesse a forma circular. Quando os stupas chegaram à China, estavam já
configuradas na forma de torres, sendo que no País do Meio voltariam a sofrer alterações,
de modo a se articularem com os paradigmas arquitetónicos chineses. Assim, as torres
passaram a ter forma quadrangular, sendo divididas em diversos andares assumindo a
forma de pagoda, que com o decorrer do tempo, foram crescendo até se tornarem
monumentos colossais. Na China, as pagodas perderam ainda o lugar central do culto,
sendo substituídas por salões/halls de Buda, que possuíam esculturas de diversas
divindades budistas. 184 Já na dinastia Tang, a construção quer de pagodas quer de halls
continuou a florescer, surgindo um novo modelo, o de pagodas gémeas, colocadas em
pontos paralelos dos pátios ou defronte aos halls de Buda.185

Outra grande alteração que o Budismo sofreu no País do Meio prende-se com as
entidades budistas, nomeadamente dos Budas e dos bodhisattvas. Foram, de facto, além
de Manjusri, diversas as entidades budistas que ganharam popularidade na China,

182
Ibidem.
183
Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 225.
184
Cf. F. Xinian, “The Three Kingdoms, Western and Eastern Jin, and Northern and Southern Dynasties”,
in N. S. Steinhardt (ed.), Chinese Architecture, New York e China, Yale University Press e New World Press,
2002, pp. 79 e 85.
185
Cf. F. Xinian, “The Sui, Tang, …”, pp. 118.

65
influenciando e sendo influenciadas pelas crenças populares chinesas. Maitreya, por
exemplo, viu o seu nome transformado para Milefo, tornando-se, no final da dinastia
Tang, no conhecido Buda Sorridente, assumindo uma aparência jovial e obesa, divergente
da imagem inicial.186

Avalokitesvara, por seu lado, tomou o nome de Guanyin, assumindo uma


identidade feminina, e começando a ser adorada como uma bodhisattva de misericórdia,
tornando-se uma das entidades mais aclamadas e representadas durante a dinastia Tang
187
A transformação de Guanyin numa divindade feminina na China parece ter sido um
caso único. Efetivamente, no sutra de Lótus indiano, Avalokitesvara era apresentado
como tendo 33 formas distintas, das quais apenas sete eram femininas. Por sua vez, na
versão chinesa, que servia de base às crenças da escola Terra Pura, Guanyin foi
apresentada com 33 formas femininas.188

Por último, destaque-se a entidade budista Hariti, um espírito que tivera 500 filhos
que eram utilizados para devorar os filhos dos vivos, que foi transformada, na China, no
“Espírito Mãe da Criança”, uma mulher de meia idade responsável pela proteção de todas
as crianças.189 Este processo revela uma suavização do papel feminino desta entidade,
que por norma possuía características salvíficas e de misericórdia no mundo chinês.

Todas estas alterações acabaram por marcar, também, a literatura chinesa.


Efetivamente, foi com os monges budistas que se começou a utilizar linguagem vernácula
na literatura, deixando de lado uma linguagem mais refinada, de modo a expressar, mais
facilmente, as conceções desta religião. Além disso, com a afirmação da escola Chan, na
dinastia Tang, os seus monges influenciaram as temáticas poéticas, recorrendo a este
estilo literário para descreverem as suas experiências pessoais e as atitudes que tomavam
no decorrer do seu dia a dia, que como se viu, tornou-se num ponto fulcral da sua
doutrina.190

Como se pode verificar, a China Tang ficou, de facto, marcada pelo surgimento
de um novo Budismo, mais adequado à sua realidade. Não só se criaram escolas mais
próximas do contexto cultural chinês, como se recriaram e se adaptaram mitos e

186
Cf. X. Guan, art. cit., p. 313.
187
Ibidem.
188
Cf. C. Yü, op. cit., pp. 18 e 19.
189
Cf. X. Guan, art. cit., p. 314.
190
Idem, p. 317.

66
personagens. Também a sangha se adaptou ao mundo chinês, aproximando-se da
realidade pré-existente, e os mosteiros e stupas adquiriram características da arquitetura
chinesa. Note-se, contudo, que apesar do surgimento de um Budismo sinizado, foram
muitas a vozes que continuaram a clamar que esta religião era estrangeira. Um dos mais
marcantes períodos de crítica ao Budismo ocorreu entre 842 e 845, no reinado de
Wuzong, com os éditos imperiais que pretendiam expulsar os estrangeiros do território
chinês. Estes acabaram por impactar a comunidade monástica, que como se viu
anteriormente foi gravemente reprimida.191

Paralelamente a todas as mudanças acima referidas, também as representações


artísticas budistas sofreram alterações. Partindo de uma base indiana que se reconstruiu
ao longo da Rota da Seda, a arte budista adequou-se aos modelos chineses, como veremos
no próximo capítulo.

191
Cf. J. Gernet, A History of Chinese Civilization, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, pp. 194 –
196.

67
Capítulo III – As representações artísticas budistas no I milénio

Como vimos anteriormente, as questões teóricas e práticas do Budismo não se


mantiveram iguais desde a sua génese, no contexto gangético. Do mesmo modo, as
expressões artísticas ligadas a esta religião foram-se alterando, primeiro em terreno
indiano, e depois no curso da Rota da Seda. Assim, as representações que chegaram à
China já não correspondiam, em fidelidade, aos modelos indianos, sendo que ainda
sofreram alterações sinizantes. É, então, neste capítulo que se procederá à análise deste
processo transformativo e transmissor das características artístico-pictóricas, com
especial enfoque nas peças Tang patentes na coleção permanente do Museu do Centro
Científico e Cultural de Macau.

III.1 Da arte Indiana às representações na Ásia Central

Logo após o paranirvāna, os mitos sobre a vida de Siddhartha foram crescendo


exponencialmente. Porém, nos séculos posteriores não houve produção artística que
refletisse os mitos criados em torno da personagem central do Budismo. De facto, só no
século I a.C. é que surgiram as primeiras representações de Buda. 1 Neste período inicial,
contudo, Buda não era representado na forma humana, mas sim através de símbolos a ele
associados.2 Estes, por norma, prendiam-se a eventos da sua vida, nomeadamente: a sua
conceção, representada por um elefante a entrar no ventre da mãe de Siddhartha; o seu
nascimento, representado por uma flor de lótus; o abandono da vida no palácio, cujo
símbolo era um cavalo; a sua Iluminação, simbolizada por um trono vazio, em baixo de
uma árvore, com duas pegadas, ou simplesmente pela árvore; o seu primeiro sermão, em
Benares, que se representava pela roda do dharma; e por último, o paranirvāna
simbolizado através de um stupa [Anexo D, Imagens 1-3].3

Neste período também se nota a utilização mais sistemática da pedra como matéria
base das representações, deixando-se de lado materiais mais frágeis como o tijolo, a
madeira e o bambu. Deste modo, os stupas passaram a contar com decorações neste

1
Cf. M. McArthur, Reading Buddhist Art – An Illustrated Guide to Buddhist Signs & Symbols, New York,
Thames & Hudson, 2004, p. 13.
2
Cf. R. Fais, Birth of the Buddha in the Early Buddhist Art Schools, in Pontillo, T. e Candotti, M. P.,
Signless Signification in Ancient India and Beyond, London, Anthem Press, 2013, pp. 239-260, p. 239.
3
Cf. Y. Krishan, The Buddha Image – Its Origin and Developement, New Delhi, Munshiram Monoharlal
Publishers Pvt. Ltd., 1996, p. 1.

68
material mais duradouro, como painéis e portais, adornados com baixos-relevos e
esculturas que expressavam as temáticas acima enunciadas.4

A utilização de símbolos para representar Buda poderá estar relacionada com


certas questões levantadas pela corrente Theravada. Efetivamente, nesta tradição,
defendia-se que Buda não podia ser representado em termos antropomórficos, dado ter
quebrado o ciclo de reencarnações e, por isso, ter-se dissolvido aquando do paranirvāna.
Por outro lado, para esta corrente, Buda tinha tido uma existência humana, logo não
deveria ser divinizado e cultuado, algo que a sua representação artística antropomórfica
poderia pressupor. Contudo, em alguns locais indianos onde se encontram estas
representações simbólicas, como por exemplo em Bharhut ou Sanchi, encontram-se
também inscrições que atestam que tais símbolos eram alvo de culto por parte da
comunidade leiga. 5

Tal como noutros aspetos da construção religiosa budista inicial, que abordámos
anteriormente, nota-se uma vez mais a ativa participação secular no estabelecimento e
discussão dos cânones artísticos, assim como nos contributos para a afirmação das
correntes Mahāyāna e Theravada.6 De facto, o desenvolvimento da imagem
antropomórfica de Buda, que surgiu por volta do séc. I d. C, já durante a dinastia Kushana,
nomeadamente nos centros budistas de Mathura e Gandhara [Anexo A, Mapa 4]
respondeu ao crescente devocionismo indiano, e, consequentemente, ao fortalecimento
da corrente Mahāyāna, que chamou ao plano artístico representações de outras
divindades.7

Note-se, contudo, que nos dois centros budistas acima referidos surgiram modelos
artísticos que seguiam duas tradições distintas. Em Mathura, as representações de Buda
ficaram mais ligadas à matriz indiana, enquanto que em Gandhara, emergiu uma figura
antropomórfica de Buda que possuía traços fisionómicos decorrentes da tradição greco-
romana, cuja presença na Ásia Central se deveu ao processo de helenização, via as

4
Cf. V. Dehejia, Buddhism and Buddhist Art, in Metropolitan Museum of Arts,
https://metmuseum.org/toah/hd/budd/hd_budd.htm, 2007, consultado pela última vez a 12/09/2018
5
Idem, pp. 12-14.
6
A corrente Theravada acabará por ter as suas próprias representações antropomórficas de Buda,
sendo que ainda hoje a comunidade académica se debate sobre o início deste tipo de representações
nas diversas correntes budistas. Sobre esta questão veja-se, por exemplo S. L. Huntington, “Early
Buddhist Art and the Theory of Aniconism”, in Art Journal, Vol. 49, No. 4, New York, College Art
Association, 1990 pp. 401 - 408.
7
Cf. M. McArthur, op. cit., p. 14.

69
conquistas de Alexandre, o Grande. Consequentemente, a arte de Gandhara também ficou
conhecida como estilo greco-budista.8

Relativamente à imagética de Buda na arte de Mathura, esta caraterizava-se por


representar Siddhartha com um rosto amigável, de olhos abertos e boca suavemente
sorridente. O seu corpo era representado segundo as proporções indianas, com ombros
largos e cintura estreita, vestindo um saiote (dhoti), em que uma das pontas cobria o
ombro esquerdo9. Apresentava sinais anatómicos que indicavam características
específicas de Buda, como uma protuberância no crânio (ushnisha), descrita em certos
textos como sendo uma espécie de reservatório para a sabedoria que Siddhartha tinha
adquirido aquando da Iluminação, e que era coberta por cabelos curtos e em forma de
caracol.10 A sua postura, ora sentado ora em pé, seguia a conceção popular indiana da
realeza. Numa pose frontal, o corpo de Buda ganhava coxas e pernas arredondadas, com
a parte média da barriga elevada e, no peito, mamilos carnudos e baixos. O pescoço
detinha três pregas, sendo que a nível facial, surgiam círculos incisos entre as
sobrancelhas, que simbolizavam a sabedoria, e lóbulos das orelhas alongados, sinal de
realeza, uma vez que se tornavam descaídos pelo uso de joalharia pesada [Anexo D,
Imagem 4].11

No que respeita à figura de Buda em Gandhara, as influências para os artífices desta


escola manifestam os múltiplos processos de transferência cultural que a Rota da Seda
sempre estimulou. Às feições de Apolo, foi-se buscar os traços faciais essenciais, sendo
ainda transformado o ushnisha num penteado tipo coque, associado naquelas paragens a
essa mesma divindade. As vestes de Buda evocavam as togas romanas, cobrindo os dois
ombros, e com múltiplos drapeados que caiam pesadamente pelo seu corpo.12 Por outro
lado, ecos das convenções iranianas, no que respeitava a representação de Ahura Mazda,

8
Cf. D. P. Leidy, “Buddhism and Buddhist Sculpture in China – A Brief Overview”, in D. P. Leidy e D. K.
Strahan, Wisdom Embodied – Chinese Buddhist and Daoist sculpture in the Metropolitan Museum of Art,
New York, Metropolitan Museum of Art, 2000, pp. 3-26, pp. 4-6.
9
Cf. U. Singh, A History of Ancient and Early Medieval India – From the Stone Age to the 12th Century,
London, Pearson Education Ltd., 2008, p. 464.
10
Cf. B. Rowland Jr., The Evolution of the Buddha Image, The Asia Society INC., New York, 1963, pp. 9-12
11
Cf. W. Willetts, Foundation of Chinese Art – From Neolithic pottery to Modern Architecture, London,
Thames & Hudson, 1965, pp. 184-185.
12
Cf. B. Rowland Jr., op. cit., pp. 9-11.

70
divindade do Zoroastrismo, através de um disco solar, faziam-se sentir na atribuição de
halos/nimbos tanto a Buda, como a outras entidades budistas [Anexo C, Imagem 5].13

Note-se que a influência iraniana predominou nos territórios da Rota da Seda mais
Ocidentais, nomeadamente a partir da afirmação dos Sassânidas (200-635), que chegaram
a anexar a região de Gandhara [Anexo A, Mapa 8]. No espaço controlado por estes, os
templos em grutas acabaram por receber influência dos templos zoroastristas,
transformando o espaço do hall, onde se encontrava o stupa, em formas quadradas,
ladeadas por dois corredores; bem como a forma do próprio stupa, que passou a ser
representado por um pilar quadrangular. A nível iconográfico, a arte sassânida
influenciou a imagética dos bodhisattvas, sobretudo no respeitante às coroas e lenços
usados pelos mesmos. Em relação a Buda, este passou a ser representado com chamas a
elevarem-se dos ombros, sendo que Maitreya adquiriu uma nova postura, sentado com as
pernas pendentes, cruzadas pelos tornozelos, quando o objetivo era representar o Buda
do Futuro no paraíso.14

Regressando a Gandhara, nota-se também neste estilo a presença de elementos


indianos, como a manutenção da simbologia do leão, que em Mathura também se fazia
sentir, e cujo uso se tinha desenvolvido durante o reinado de Ashoka. Este elemento felino
surgiu em Gandhara associado às lendas relativas às vidas passadas de Buda. 15 Nesta
corrente artística, a figura de Siddhartha antes de ter atingido a Iluminação também era
contemplada, apresentando diversos adornos, como diademas, colares e pulseiras.16 Estes
objetos viriam, mais tarde, a ser associados aos bodhisattvas, uma vez que representavam
a ligação ao mundo terreno.17

Durante o século II, as conceções de Gandhara e Mathura foram-se influenciando,


originando um estilo sintetizado, que partiu para a Ásia Central até à China, deixando as
suas marcas no atual Afeganistão e nos oásis da bacia do Tarim. Exemplos desta

13
Para um entendimento mais aprofundado do Zoroastrismo, veja-se Boyce, M., Zoroatrians: Their
Religious Belifs and Practices, New York, Routledge, 2000.
14
Cf. B. N. Puri, Buddhism in Central Asia, Delhi, Motilal Banarsidass Publishers Private Limited, 1993, p.
284.
15
Cf. S. Mitra, Gir Forest and the Saga of the Asiatic Lion, New Delhi, Indus Publishing Company, 2005, p.
36.
16
Cf. V. Dehejia, art. cit.
17
Cf. M. Kamata, M. e M. E. Shaw, “A New Identity: The Vow of a Being Destined for Enlightenment -
Bodhisattvas: Perfected Beings as Exemplars”, pp. 176-207, in J. C. Huntington e D. Bangdel, The Circle of
Bliss – Buddhist Meditational Art, Ohio, Columbus Museum of Art, e Chicago, Serindia Publications Inc.,
2003, p. 176.

71
transferência são as vestes de influência greco-romana, que Gandhara emprestou a
Mathura. Aqui, estas foram trabalhadas, com o objetivo de se tornarem mais leves e
reveladoras de detalhes anatómicos. Os drapeados foram reduzidos a linhas simétricas
que caiam pelo corpo a partir dos ombros, fazendo com que os volumes fossem criados
pela estrutura corporal, e não pela representação da veste. Este tipo de trabalho oferecia,
assim, uma sensação de quase transparência do tecido. Devolvido a Gandhara, este estilo
difundiu-se, então, pela Rota da Seda.18

Após a queda do poder Kushana, no primeiro quartel do século IV, os Gupta


tornaram-se os governantes em Magadha19, onde surgiu um novo estilo artístico. Este
período ficou conhecido como a época dourada da arte budista indiana, em que se fixaram
normas estéticas, baseando-se nas tradições artísticas pré-existentes, e em que se procurou
alcançar uma imagem idealizada de Buda. 20 As vestes tornaram-se ainda mais estilizadas,
sendo formadas por um conjunto complexo de linhas, em seguimento das transformações
acima descritas.21 Por outro lado, o halo/nimbo foi complexificado, sendo adornado com
motivos florais. A cabeça de Buda ficou mais suave e ovoide, adquirindo um rosto mais
sereno, com os olhos em forma de pétalas de lótus, e as linhas da testa e das sobrancelhas
mais arqueadas. O cabelo foi, também, redefinido em forma de caracóis individuais,
assumindo-se que Sakyamuni o tinha rapado quando renunciou à sua vida palaciana. A
nível corporal, o modelo da tradição de Mathura foi acentuado, com o peito mais largo
do que a cintura [Anexo D, Imagem 6]. 22

O culto dos bodhisattvas, durante o período Gupta, tornou-se mais marcado,


sobretudo no que diz respeito a Maitreya e a Avalokitesvara, sendo que se assistiu ainda
à introdução de novas entidades budistas, derivadas do panteão bramânico, como Tārā e
Vaisravana23. Note-se que este período corresponde à forte difusão do Mahāyāna, sendo
que várias escolas desta corrente se começaram a manifestar em territórios extra-indianos,
como vimos. A dilatação do panteão budista Mahāyāna acarretou, assim, uma
multiplicação de representações das suas entidades, o que, consequentemente, reduziu a

18
Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 187-189.
19
Cf. P. Jermsawatdi, Thai Art with Indian Influence, Delhi, Abhinav Publications, 1997, p. 49.
20
Cf. V. Dehejia, art. cit.
21
Cf. B. Rowland Jr., op. cit., p. 12.
22
Cf. P. Jermsawatdi, op. cit., p.49.
23
Tārā, divindade feminina, seria mais tarde associada a Avalokitesvara, funcionando como sua parceira,
e que, segundo lendas, teria nascido de uma lágrima desse bodhisattva da compaixão. Vaisrava é o
Lokapala guardião do Norte e do Inverno, e possivelmente adaptado da divindade Kubera. Cf. M.
McArthur, op. cit., p. 47 e p. 67, respetivamente.

72
representação de Sakyamuni. Desta época, assistiu-se também ao aumento da variedade
de mūdras que foram sendo adicionados às representações de Buda, sendo que se
introduziu ainda uma postura reclinada do mesmo.24

A representação de Buda convencionada com os Gupta tornou-se no modelo que seria


seguido pelos artistas indianos vindouros, mas não só. Este modelo difundiu-se pelas
regiões do Sudeste asiático, via Rota da Seda marítima, mas também para a China, via
rotas terrestres, uma vez que peregrinos chineses e indianos levaram estes novas formas
de representação para o País do Meio.25 Aliás, no que respeita ao caminho percorrido
através da Ásia Central, devemos sublinhar como estas correntes artísticas – de Gandhara,
de Mathura e Gupta – adaptaram-se ao gosto e referências locais, à semelhança do que
aconteceu com os sutras, que foram sendo editados, no processo de tradução para as
línguas nativas das regiões de chegada.

Os trabalhos artísticos da Índia e da Ásia Central partilharam, então, os mesmos


grandes temas, sobretudo no que dizia respeito à representação de Buda, de bodhisattvas
e de discípulos importantes, mas também alguns motivos específicos, como é o caso do
uso dos apsarases, figuras mitológicas indianas que se deitavam sobre seda em nuvens,
marcando a sua superioridade ao mundo terreno.26 Contudo, sentia-se a marca
local/regional em diversos outros aspetos. Na pintura, por exemplo, as representações
antropomórficas foram adotando novos traços faciais, cores de pele e vestuário.
Simultaneamente, as representações pictóricas dos paraísos de alguns Budas
apresentavam características específicas, não só dos estilos arquitetónicos locais, mas
também da flora regional.27

As transformações sentiram-se, assim, tanto em pequenos pormenores como em


grandes conceções, sendo marcadas por influências cruzadas de múltiplas origens. Note-
se ainda o papel dos patrocinadores e doadores budistas, ao longo da Rota da Seda, já que
estes faziam-se representar, muitas vezes, nas pinturas e nos baixos-relevos dos mosteiros
que apoiavam, numa lógica de imortalizar as suas contribuições, adquirindo assim o

24
Cf. P. Jermsawatdi, op. cit., p.49.
25
Cf. V. Dehejia, art. cit.
26
Cf. L. Xinru, The Silk Road in World History, Oxford, Oxford University Press, 2010, pp. 65-66.
27
Cf. A. Getty, The Gods of Northern Buddhism – Their History, Iconography and Progressive Evolution
Through the Northern Buddhist Countries, Clarendon Press, 1914, p. xliv.

73
mérito necessário à salvação. Assim, não só estes indivíduos agiam como mecenas, como
eles próprios influenciavam os motivos iconográficos representados. 28

Os estilos que chegaram à China foram, então, alvo de múltiplos processos de


transformação no espaço da Ásia Central, nomeadamente nas rotas que circundavam o
deserto do Taklamakan, indo confluir nas Portas de Jade, no famoso complexo de Grutas
de Dunhuang [Anexo A, Mapa 5].29 Não sendo o foco do presente trabalho analisar
detalhadamente estes processos de transformação, devemos, contudo, referir alguns
núcleos que se destacaram na produção artística budista e que contribuíram para os
produtos que chegaram à China.

Em primeiro lugar, refira-se o grande oásis de Khotan, onde o modelo Gupta se fez
sentir com maior força, embora integrando vários traços iranianos.30 Aqui, nota-se a
introdução do uso de terracota pintada na escultura, bem como a predominância da cor
dourada. 31 Afirmando-se como ponto difusor, de Khotan os estilos viajaram para a região
de Kashgar, onde as expressões artísticas aproximaram-se mais do estilo indiano, e para
Kusha, onde se identifica o uso de uma nova cor de origem iraniana, o azul.

Temos, então, em segundo lugar, o oásis de Kusha, cuja pintura budista começou por
se caracterizar pela utilização de cores suaves, com traços mais finos, que contribuíam
para um efeito mais fluído dos drapeados das roupas. Com o tempo, este estilo acabou
por alargar o espectro de cores, afastando-se da quase monocromia inicial, chegando
mesmo a utilizar cores não naturais na representação de pele e de cabelos, sendo que os
traços de contorno se tornaram mais rígidos. A joalharia e os adornos na cabeça tornaram-
se, também, mais complexos e extravagantes, incluindo a representação de pérolas. O
fundo das pinturas era adornado com frutos e outros motivos florais, recorrendo-se a
montanhas estilizadas em preto, branco e verde, como pano de fundo para a representação
de lendas budistas.32

De Kusha, os estilos viajaram para os oásis da região de Turfan, onde se


acrescentaram influências Uigures, nomeadamente nos frescos ali identificados. O

28
Cf. L. Xinru, op. cit., pp. 65-66.
29
Idem, p. 257.
30
Cf. Puri, B. N., op. cit., pp. 255-256.
31
Cf. Getty, A., op. cit., p. xliv.
32
Cf. Härtel, H., Introduction, pp. 13-56, in Metropolitan Museum of Art, Along the Ancient Silk Routes –
Central Asia Art – From the West Berlin Museums, New York, Metropolitan Museum of Art, 1982, pp. 47-
48.

74
impacto Uigur no complexo artístico de Dunhuang foi reduzido, mas não deixa de ser
interessante notar o contributo desta matriz de cariz nómada na arte budista da Ásia
Central. 33

Por fim, as Portas de Jade eram alcançadas, chegando aqui uma síntese artística, com
contributos greco-romanos, iranianos, indianos, uigures, entre outros. Ao receber esta
síntese, a China respondeu com os seus traços artísticos, originando, assim, a formação
de um sistema simbiótico, que se difundiu a partir de Dunhuang.

III.2 - A arte budista na China

No Budismo chinês, as imagens sempre tiveram um papel central, porque, desde logo,
os textos budistas que chegavam à China eram acompanhados por imagens, que
representavam entidades budistas, para melhor expressarem as conceções desta nova
religião. Note-se que segundo os ensinamentos da corrente Mahāyāna, as representações
de Budas e dos bodhisattvas eram vistas como intermediárias entre os pedidos dos crentes
e as próprias entidades, na lógica de transferência de mérito, anteriormente discutida.34
Paralelamente, no decorrer dos séc. II e III, o Budismo recorreu a expressões taoistas para
melhor transmitir os seus ensinamentos ao mundo chinês, sendo que o surgimento de
ícones budistas neste contexto também estimulou o desenvolvimento da representação
das divindades taoistas. Assim, as expressões artísticas budistas na China, especialmente
na pintura e na escultura, tiveram um profundo impacto na afirmação desta religião,
passando por múltiplas fases de desenvolvimento.

Recuando aos inícios da presença budista na China, durante a dinastia Han, nota-se
que as esculturas funerárias ilustravam principalmente cenas taoistas ou da história
chinesa. As expressões artísticas budistas que iam surgindo nesta época eram assim
residuais, embora já ligadas ao culto. As figuras escultóricas apresentavam-se austeras e
simples, sendo que o corpo da peça não tinha um papel relevante, nem expressava
naturalidade ou tensão meditativa. Por vezes, o corpo apresentava-se
desproporcionalmente pequeno em relação à cabeça, sendo que as vestes eram muito

33
Cf. A. Getty, op. cit., p. xliv.
34
Cf. J. Kiechnick, The Impact of Buddhism on Material Culture, Princeton, Princeton University Press,
2003, p. 53-55

75
esquematizadas, com os drapeados reduzidos a linhas, relembrando a arte de Mathura,
mas sem revelar as formas do corpo. Outra característica da escultura budista chinesa
deste período era a predominância do trabalho na parte frontal da estátua, uma vez que,
nos templos em grutas, estas deviam ser apenas observadas de frente, como acontecia em
nichos e estelas.35

A evolução posterior da estatuária chinesa ficou marcada pelos constantes contactos


com a Índia, de onde recebeu influência dos seus modelos. A chegada de imagens de
Budas e de bodhisattvas notou-se sobretudo a partir do Período dos 3 Reinos (c. 220-
280)36, sendo que na dinastia dos Jin Ocidentais (265-316), no Sul chinês, surgiram
também figuras que seguiam já o modelo da tradição de Gandhara.37

A partir daqui identificam-se várias fases de desenvolvimento: uma primeira fase, que
ocorreu entre as dinastias dos Wei do Norte (385-535) e a dos Wei do Oeste (535-557); a
segunda fase que decorreu ao longo das dinastias dos Qi do Norte (550-577), dos Zhou
do Norte (557-580), e dos Sui (580-618); e uma terceira fase, durante a dinastia Tang
(618-907). 38 Nestes períodos, recorreu-se a diferentes tipos de escultura: estátuas votivas
em bronze e de pequena dimensão; estelas religiosas de pedra, que adaptavam ao
Budismo o modelo Han de pedras memoriais, inclusivamente nas decorações com
dragões; e em estátuas de grande porte, presentes em templos de grutas.39

No que diz respeito à primeira fase da estatuária chinesa, esta apresentou dois estilos.
O primeiro, também designado por superior, seguia o modelo artístico de Mathura, onde
a face da figura era construída num modelo abstrato, tendo uma testa larga, um nariz em
forma de cunha, e sobrancelhas em forma de semicírculos, que partiam da base do septo
nasal. A boca, pequena, exibia um leve sorriso. Este tipo de rosto não oferecia qualquer
indicação sobre identidade racial, emoções ou estados de espírito da divindade
representada. A veste empregue neste estilo era sintetizada, como no modelo indiano,
com os drapeados representados por linhas.

Já o segundo estilo, também conhecido como inferior, revelava uma certa


personificação de beleza formal, apesar de ter uma produção mais massificada. As figuras

35
Cf. W. Willetts, Foundation of Chinese Art - From Neolithic Pottery to Modern Architecture, Thames &
Hudson, 1965, pp. 173-174.
36
Cf. X. Guan, Buddhist Impact on Chinese Culture, in Asian Philosophy, vol. 23, nº 4, 2013, p. 318.
37
Cf. D. P. Leidy, art. cit., p. 8.
38
Cf. W. Willetts, op. cit., p. 176.
39
Idem, p. 196.

76
representadas tinham um ar mais intimista e sentimental, embora continuando a seguir
padrões de produção massificada que não encorajavam um tratamento individualizado
das peças. As vestes caíam em drapeados pelo corpo tenso, terminando de forma
pontiaguda, cobrindo parcialmente, no caso das imagens sentadas, os seus assentos. A
cara também era tratada de forma mais abstrata, apesar das formas do rosto variarem.
Tinham, apesar das bocas serem pequenas, os sorrisos mais pronunciados, o que conferia
o ar mais intimista à peça. Os olhos eram reduzidos a fendas alongadas, e as sobrancelhas
partiam da base do nariz, sendo mais arqueadas. As orelhas possuíam os lóbulos
alongados e o queixo terminava de forma angulosa. Outro aspeto marcante era a
existência de nimbos em forma de folha, utilizados tanto em Budas como em
bodhisattvas, quer estivessem de pé ou sentados. A este halo, nas estátuas de bronze,
acrescentavam-se bordas externas flamejantes.40

Este segundo estilo parece corresponder ao modelo representativo que surgiu no final
da dinastia dos Wei do Norte, quando a sua capital foi transferida para Luoyang (Henan).
Como Denise Leidy descreve, os seus exemplares possuíam halos em forma de folha e
pedestais com leões, de influência persa, sendo as vestes uma derivação dos modelos
indianos. A autora avança com mais detalhes, descrevendo um acrescento específico
chinês ao vestuário: uma peça de roupa que ligava as vestes com os lenços, e que tinha os
seus drapeados trabalhados de forma mais naturalista. Por esta altura, os Budas sentados
associados a Maitreya, surgiram com uma perna pendida e a outra dobrada na horizontal,
com o pé a repousar no joelho oposto. Assim, segundo Leidy, desenvolveu-se um modelo
figurativo intermédio, revelando diferentes influências.41

A segunda fase, apesar de ser consideravelmente mais curta que a anterior,


protagonizou um progresso significativo na escultura budista na China. O estilo da
primeira fase entrou em franco declínio, com a introdução mais forte da arte Gupta
embora esta não tenha sido integrada na sua totalidade. Os motivos decorativos foram
bem aceites, como por exemplo o halo decorado com motivos florais, que foi fielmente
reproduzido nas esculturas da dinastia dos Qi do Norte. Mas, nas vestes, o tratamento
esquematizado Gupta não foi assumido pelo mundo chinês. Nesta fase, a tendência foi
desprover as vestes do seu interesse decorativo. A fórmula de tratamento da face e do
corpo foi-se aproximando de um certo realismo, perdendo a qualidade abstrata do rosto,

40
Idem, p. 196-198.
41
Cf. D. P. Leidy, op. cit., pp. 11-12.

77
que começou a personalizar-se. Tal como na arte Gupta, contudo, o rosto ganhou uma
forma mais arredondada, perdendo os vestígios de sorriso dos lábios. As restantes
caraterísticas faciais da primeira fase acima descritas começaram a ser executados com
menos profundidade. A posição rígida que se via anteriormente perdeu espaço, uma vez
que os corpos ganharam algum movimento, em consequência do aumento do peso
suportado por uma das pernas. Os corpos também ganharam volume, sobretudo visível
em ombros mais arredondados. Nesta segunda fase, a marca anatómica das três pregas no
pescoço de Buda foi utilizada, assim como medalhões de influência sassânida,
representações de vinhas do mundo helénico, e rosetas de lótus, como detalhes
decorativos. Contudo, no final desta fase já com os Suí, a arte budista chinesa afastou-se
dos modelos da arte Gupta.42

Na segunda metade do século VI, de facto, surgiu um interesse por formas mais
presas, quase colunares, de origem sogdiana, ainda havendo, no entanto, motivos
decorativos oriundos da India e da Ásia Central a serem aplicados nas figuras dos
bodhisattvas, como flores, medalhões flamejantes e figuras leoninas. Também neste
século, Avalokitesvara (Guanyin) tornou-se num foco de devoção pessoal, o que
provocou um aumento da produção de figuras desta entidade, ao mesmo tempo que
Amitabha e a escola Terra Pura estavam em franco crescimento.43 Este afastamento das
tradições até então seguidas, fez com que este novo paradigma escultórico fosse
considerado uma fase transitória, voltando-se a usar uma expressão mais abstrata e linear
nas suas representações.44 As imagens, no século VI, não se limitavam ao espaço dos
templos, sendo também encontradas em espaços leigos, como palácios ou lojas. As
representações das entidades budistas eram consideradas como fontes de poder sagrado,
tornando-se, assim, parte integrante da vida devocional de todos os budistas.45

Ressalte-se que, no início desta fase, na dinastia dos Qi do Norte (550-577), a pintura
também conquistou progressos. De facto, Cao Zhongda, recorrendo aos modelos indianos
de pintura, criou um modelo específico, conhecido como modelo Cao, que trabalhava as
vestes das imagens de Buda de modo a que estas parecessem que tinham saído de água.46

42
Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 198-200.
43
Cf. D. P. Leidy, art. cit., p. 13.
44
Cf. M. Sullivan, Introducion à l’art Chinoise, Le Livre de Poche, Paris, 1968, p. 189 e p. 197.
45
Cf. J. Kiechink, op. cit., p. 55.
46
Cf. X. Guan, op. cit., p. 318.

78
Já no respeitante à terceira fase, com a dinastia Tang, assistiu-se ao revitalizar das
tradições indianas, sobretudo entre 645 e 705, voltando a escultura a ser submetida à arte
Gupta, que surgiu mais aprimorada. O corpo era trabalhado, sobretudo nos bodhisattvas,
de uma forma mais naturalista, sendo que o seu movimento ficou mais marcado, com as
cinturas mais estreitas e as ancas realçadas.47 A escola Chan provocou ainda o surgimento
de novas representações de Avalokitesvara, o culto a Vairocana, bem como o surgimento
de diagramas cósmicos, as mandalas.48

No respeitante à arte Tang dos templos de grutas, são percetíveis algumas


caraterísticas específicas. Em relação às esculturas, foram trabalhados vários grupos de
figuras, representando Budas a pregar, ladeados de bodhisattvas vários, Lokapalas e
outras entidades budistas, sempre em números pares. Por norma, os Budas eram
representados com vestes chinesas, com golas quadradas, e sentados. Os bodhisattvas
eram também representados em estilo chinês, com caras mais rechonchudas, perdendo,
assim, as poses Gupta. As figuras humanas adquiriram ainda olhos oblíquos, claramente
uma marca da sinização da imagética budista.

Na representação dos Lokapalas, que podiam ser o Vadurya, guardião do Sul, ou


Vaisravana, o guardião do Norte, também se notam marcas de sinização. Estes podiam
ser eram representados vestindo armaduras, com olhos grandes, narizes empinados e
bigodes, mas quando eram trabalhados num estilo mais chinês, os olhos tornavam-se
carrancudos, os punhos cerravam-se, e o cabelo ficava apanhado num coque.

Na época Tang também se identificam representações específicas de bodhisattvas,


por exemplo, a alcançarem o nirvana; assim como estátuas colossais dos mesmos, que no
reinado da Imperatriz Wu representavam, sobretudo, Maitreya. 49 Como se viu no capítulo
anterior, este viu a sua imagem profundamente alterada, sobretudo no final do período
Tang. Maitreya ao se transformar em Milefo adquiriu uma forma corporal mais
avantajada e com uma expressão mais sorridente. Claro está que esta nova conceção se
refletiu nas suas representações artísticas.

No que diz respeito às pinturas murais de templos em grutas, note-se que estas
encontravam-se repletas de entidades budistas. Tal como na escultura, também aqui se

47
Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 201-202.
48
Cf. D. P.Leidy, op. cit., p. 15.
49
Cf. W. Duan, Dunhuang Art: Through the Eyes of Duan Wenjie, New Delhi, Indira Gandhi National
Centre of Arts, 1994, pp. 136-156

79
representavam grupos de figuras. Surgiram também cenas de pregação com
Avalokitesvara, com a sua identidade feminina chinesa de Guanyin representada com
onze cabeças e oito braços, como consequência da crescente popularidade da escola Terra
Pura. Outros bodhisattvas, mesmo que menos consagrados, eram também representados
com frequência.

As pinturas murais eram ilustradas, igualmente, com representações de sutras, com


especial incidência aqueles ligados a Amitabha e a Maitreya. Eram, ainda, feitas
representações de cenas da história do Budismo, incluindo episódios da vida de
Sakyamuni e dos seus discípulos. Por último, e como já se verificava anteriormente,
existiam representações de doadores. Neste período, e neste meio artístico, a influência
Gupta mantinha-se, mas a paleta de cores utilizadas era mais vasta, revelando influências
da Ásia Central, como vimos anteriormente. Recorria-se assim a vários tons de azul,
vermelhos e verdes, aos quais ainda se juntavam dourados e pretos.50

A arte chinesa, por outro lado, acabou também por se fazer sentir na Ásia Central,
sobretudo entre os séculos III e VIII, partindo de Dunhuang para Ocidente. A arte
produzida na dinastia Tang refletiu-se, neste espaço, no esquema de cores, mais brilhantes
e temperadas, mas também na representação do rosto das figuras, que ganharam rostos
mais arredondados e olhos oblíquos. Além disso, o surgimento de figuras flutuantes sobre
nuvens, traço tipicamente chinês, também denota a influência artística do País do Meio
em complexos artísticos da Rota da Seda.51

Devemos ainda caracterizar um pouco a cerâmica Tang, dada a sua originalidade no


contexto artístico chinês. Esta cerâmica, tanto a monocromática como policromática,
ganhou mais destaque nesta época, deixando de estar tão limitada ao uso funerário. As
terracotas vidradas com cores base a variar entre o branco e o tom camurça rosado, além
de se libertarem dos modelos antigos de bronze, representavam as influências ocidentais.
As peças policromáticas podiam ser cobertas por vidrados sancai (obtidos através da
cozedura entre os 750º e os 800º C). Detinham três cores (creme, verde e âmbar/castanho)
conseguidas através da mistura de óxidos metálicos ao vidrado básico de chumbo; através

50
Cf. W. Duan, Dunhuang Art: Through the Eyes of Duan Wenjie, New Delhi, Indira Gandhi National
Centre of Arts, 1994, pp. 136-156.
51
Cf. B. N. Puri, op.cit., pp. 281-284.

80
52
da adição de óxido de cobre; e com óxido de ferro, respetivamente. Não obstante, as
tonalidades dos vidrados eram mais variadas, podendo ter tons azulados, pretos, brancos
e avermelhados. Algumas peças tinham ainda decorações gravadas, relevos ou aplicados.
A cerâmica sancai tornou-se num estilo marcante da dinastia Tang, devido à sua
originalidade.53

Outro método de cobertura vidrada, derivado das peças monocromáticas, eram os


vidrados manchados. Para este efeito, recorria-se à utilização de um vidrado escuro, preto
ou castanho na maioria dos casos, como cor de fundo, sendo-lhe aplicado, por cima,
vidrados de cores mais claras, como azuis, cinzas ou lavandas. Este vidrado superior
podia ser aplicado ao acaso ou de forma controlada, criando efeitos únicos. Por vezes, o
contraste podia ser criado de forma inversa, utilizando cores de base claras e aplicações
de vidrado escuro.54

No respeitante a peças funerárias, variantes em temas e tamanhos, podiam ser


vidradas em sancai, de modo monocromático, ou até sem vidrado algum. Nas figuras de
entidades e de indivíduos humanos, por norma, as mão e rostos eram deixadas por vidrar,
sendo pintadas à mão, após a cozedura. Outra tipologia de peças que é típica da dinastia
Tang é a cerâmica marmoreada, que parece ter sido introduzida na China neste período.
Esta cerâmica era obtida através da mistura de barros de cores contrastantes, que depois
de moldados e cozidos davam a sensação de as peças ser feitas de mármore.55

Apesar de nem sempre estar diretamente relacionada com o Budismo, esta cerâmica
Tang também refletiu a influência de culturas estrangeiras com que a China contatou,
importando formas e motivos da Índia, da Pérsia, e do mundo Helénico, que acabaram
por ser incorporados no reportório chinês.56 Estes refletiam o cosmopolitismo Tang,
associado ao comércio na Rota da Seda, representando tanto comerciantes estrangeiros
como animais externos à China, como os cavalos e os camelos, e ainda, relevos florais
ou cordões de pérolas.57

52
Cf. M. A. P. Matos, “A Cerâmica dos Shang aos Qing – Alguns Apontamentos”, in M. A. C. Gomes
(coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de Macau, Macau,
Governo de Macau, 1994, p.39.
53
Cf. F. Lilif, Chinese Ceramics, New York, Cambridge University Press, 2010, pp. 52-53
54
Cf. S. G. Valenstien, A Handbook of Chinese Ceramics, The Metropolitan Museum of Art, New York,
1989, p. 63.
55
Idem, pp. 64-66.
56
Cf. S. G. Valenstein, op. cit., p. 74.
57
Cf. M. A. P. Matos, art. cit.,1994, p.39.

81
III.3 As peças Tang do CCCM e as marcas budistas na China

Neste último ponto, iremos focar a nossa atenção em alguns exemplares do conjunto
de peças Tang estantes no Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, dado que uns
expressam claramente influências budistas, outros, sugerem marcas trazidas do Ocidente,
através da Rota da Seda. Em conjunto, as peças selecionadas estabelecem, de um modo
ou de outro, a ligação entre mundos distintos através da chegada e afirmação do Budismo
na China Tang, permitindo ilustrar as características deste período, que fomos
apresentando nos capítulos anteriores.

Esta análise focar-se-á em quatro grupos distintos, que definimos pelas suas
caraterísticas: um primeiro, que se centrará em duas peças, que representam duas
entidades budistas; um segundo, no qual se dará atenção a agentes transmissores desta
religião; um terceiro, dedicado a peças que podem refletir uma alteração do paradigma
mental chinês; e um último, que se debruçará em peças do quotidiano que apresentam
reflexos do Budismo e da Rota da Seda.

Assim, o primeiro grupo consiste em duas peças que claramente expressam a presença
do Budismo em solo chinês. Foquemo-nos, primeiramente, numa pequena estátua de
bronze dourado, que representa uma entidade antropomórfica, cujas características
permitem a sua associação a esta religião [Anexo C, Ficha 1]. Note-se que esta figura
detém traços vincados do estilo artístico originário no período Gupta com algumas
influências sassânidas, possuindo ainda características dos cânones figurativos de Kusha,
o que nos remete, assim, a um trabalho baseado em modelos dos oásis do Taklamakan.
Contudo, alguns pormenores indicam já transformação chinesa.

Analisando esta peça com mais detalhe podemos verificar que a mesma possui uma
cabeça mais ovoide, com um rosto sereno e olhos em forma de pétalas de lótus, marcas
claramente Guptas. A estrutura corporal fluida, com os ombros e peito mais largos que a
cintura, que fica assim mais vincada, e com a presença de uma barriga levemente saliente
segue os mesmos modelos indianos. No entanto, a representação do dothi, elemento que
provém de Mathura, como vimos, é aqui aplicado de outra forma: as linhas que marcam
o drapeado são mais leves; sendo que a própria veste parece terminar de forma
pontiaguda, a cobrir parcialmente o assento, como foi típico da segunda fase de
representação budista chinesa, descrita no ponto anterior.

82
No que diz respeito ao halo/nimbo que enquadra a figura, devemos destacar as flamas
presentes na sua decoração interior, elemento claramente sassânida. Por seu lado, os
adornos da cabeça e as jóias, nomeadamente a coroa e o colar, são extremamente
complexos, refletindo já a arte Kusha. O colar com as suas linhas incisas manifesta assim
elementos deste oásis, mas os traços sassânidas ainda ecoam, nomeadamente na
representação de pérolas. Interessante, contudo, é o halo parecer assumir a forma de folha
que, como se viu, se afirma como outro elemento chinês.

A utilização destes traços decorativos, aos quais se juntam pulseiras em ambos os


pulsos, como visto anteriormente, costuma ser associada a bodhisattvas. Esta estátua pode
então representar Maitreya, uma vez que a posição em que se encontra (sentada, num
trono) parece ser, embora de forma invertida, a posição Maitreyasana 58, associada ao
Buda do Futuro59. Por outro lado, a presença de uma figura miniatura no topo do halo,
que parece ser um Buda sentado em posição de meditação, corrobora a identificação de
Maitreya, já que esta é uma caraterística da sua representação, em geral.60

Esta peça mostra, assim, uma ligação com os processos de adaptações teóricas do
Budismo chinês, que, como vimos no capítulo anterior, transformaram Maitreya numa
entidade bastante representada. Embora não se tenha uma datação precisa, sabe-se que
durante o reinado da Imperatriz Wu houve uma proliferação de imagens desta divindade,
e como tal, esta imagem poderá ser desta época.

A outra escultura deste grupo é uma peça em terracota com vidrado sancai, que
representa um Lokapala [Anexo C, Ficha 2] Lembre-se que estas entidades budistas,
guardiãs de stupas e dos pontos cardeais eram oriundas da Índia, onde se faziam
representar em cores e com objetos diferentes, o que os distinguia. Por exemplo,
Dhrtarasharta, guardião do Este, era representado em cor branca e segurando uma espada,
enquanto Virupaksha, guardião do Oeste, era representado em vermelho e segurando um
sutra. Contudo, na China, as cores tornaram-se diferentes, consoante as correspondências

58
Podemos identificar esta posição para Maitreya, tanto na sua expressão de Buda como na de
bodhisattva. Aqui, o uso das jóias remete claramente para a segunda hipótese. Cf. W. Willetts, op. cit.,
p.195.
59
Esta posição, conhecida também por posição de contemplação, é associada a Maitreya, e é expressa
por o Buda do Futuro ter a perna esquerda pendida, enquanto a direita se encontra fletida na
horizontal, com o pé a repousar no joelho oposto. O braço direito dobra-se, enquanto o cotovelo
descansa no joelho direito, e os dedos parecem tocar na cara. Veja-se M. McArthur, op. cit., p. 105.
60
Cf. M. McArthur, op. cit., p. 105.

83
religiosas ali realizadas. Virupaksha passou a ser branco, enquanto Dhrtarasharta passou
a ser azul ou verde.61

Ao possuir uma cobertura vidrada sancai, tipicamente chinesa, e por não possuir
qualquer objeto que o distinga, torna-se impossível discernir qual dos Lokapalas que aqui
se encontra representado. No entanto, podemos tecer outras considerações. A figura
aproxima-se muito do modelo figurativo chinês, utilizado na dinastia Tang nas imagens
destas entidades em templos de grutas. Como se viu anteriormente, estas figuras budistas
com adaptações chinesas eram representadas envergando uma armadura típica, com o
cabelo apanhado no cimo da cabeça num coque, ao estilo do País do Meio, apresentando
olhos agressivos e punhos fechados, caraterísticas que a peça em análise possui, embora
seja uma estatueta funerária e não uma peça de templo. A cobertura vidrada sancai não
lhe cobre nem as mãos nem o rosto, como acontecia com as estátuas funerárias de
antropomórficas chinesas. Note-se, também, que sendo uma entidade responsável pela
proteção de stupas e templos na tradição budista, na China foi adotada e adaptada ao culto
funerário, que como se viu no capítulo anterior, se afirmava como basilar ao País do Meio.

Esta peça, contrariamente à anterior, expressa, então, uma clara sinização do


Budismo, uma vez que é demonstrativa das adaptações artísticas que foram
protagonizadas na China. Paralelamente, ajuda a entender o modo como o Budismo se foi
acomodando à realidade cúltica do mundo chinês. Veja-se que, uma vez que esta entidade
foi associada a um contexto funerário, ela foi, provavelmente, adaptada a realidade
próxima das conceções taoistas e confucionistas da piedade filial, assumindo assim o
papel de guardiã de túmulos de indivíduos comuns, e não só de personalidades
transcendentes, como originalmente eram concebidas. Recorde-se que tanto no contexto
indiano como na Ásia Central, os Lokapala eram representados em associação à vida de
Buda.

Passando para o segundo conjunto de peças, devemos começar pela análise de um


exemplar que, embora não expresse uma ligação direta ao Budismo à primeira vista,
retrata uma personagem fulcral para a disseminação desta religião. Falamos da estátua
em terracota, com vidrado sancai, que representa um palafreneiro estrangeiro, com traços
ocidentais, tratando-se, talvez de um persa [Anexo C, Ficha 3].62 Esta peça revela-se

61
Idem, p. 65.
62
Cf. M. A. C. Gomes (coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de
Macau, Governo de Macau, Macau, 1994, p. 97.

84
importante, uma vez que os estrangeiros tiveram, como vimos, um papel extremamente
importante na introdução e na fixação do Budismo na China. Eram os agentes que
percorriam a Rota da Seda até Dunhuang e/ou capital que faziam a entrada de peças
artísticas e de sutras, assim como se deve a várias personagens estrangeiras a tradução e
edição dos conceitos budistas ao contexto teórico-religioso chinês.

No período Tang, o estrangeiro era, com efeito, uma temática popular na arte cortesã,
o que deixa transparecer, em certa medida, o cosmopolitismo deste império, e mais
especificamente da capital Chang’an, aonde confluíam gentes de diversas partes da Ásia.
Assim, também em esculturas se representavam estrangeiros, cuja imagética mantinha os
traços fisionómicos e culturais, como nas vestes, da origem da pessoa retratada.63

De facto, esta última questão é bastante percetível nesta peça. Veja-se que a figura é
representada com um nariz bolboso, uma barba e cabelos crespos, envergando uma veste
mais simples, apertada na cintura com um cinto com um medalhão. Assim, esta figura
afasta-se, nitidamente, das representações da população chinesa. Contudo, é fácil de
deslindar a presença de técnicas chinesas, uma vez que o corpo da estátua se encontra
vidrado com sancai. As mãos e rosto por vidrar são elementos que indicam o uso da
estatueta em contexto funerário. Assim, pode-se concluir que até os agentes que traziam
o Budismo e que habitavam o território chinês eram incluídos no culto funerário.

Ainda na mesma lógica, é importante analisar as duas estátuas que apresentam


camelos [Anexo C, Fichas 4 e 5], cobertas com vidrados sancai, e também utilizadas em
contexto funerário. A representação de comerciantes estrangeiros era frequente na corte
Tang, sendo associados, muitas vezes, a este animal.64 Os camelos não eram autóctones
ao território chinês, sendo um animal associado à região da Báctria. Contudo, eram
utilizados como meio de transporte na Ásia Central e, como tal, detiveram um papel na
transmissão do Budismo daquele espaço para a China, através da Rota da Seda.

Passando agora para o terceiro grupo, constituído por três vasos e um pote, os mesmos
não parecem, à primeira vista, associados ao Budismo. Os vasos, de utilização funerárias,
apresentam o vidrado sancai, manifestando, assim, a sua identidade totalmente chinesa
[Anexo C, Fichas 6, 7, 8]. Contudo, no pote, pertencente ao tipo de cerâmica policromada
manchada, encontra-se a cor azul [Anexo C, Ficha 9]. Relembre-se de esta cor,

63
Cf. M. E. Lewis, op. cit., pp. 164 – 167.
64
Idem, pp. 165-168.

85
proveniente da região sassânida, teve bastante utilização na pintura de imagens budistas
em grutas no oásis de Kusha, o que revela a importância deste entreposto na ligação
artística entre a Ásia Central e a China. Como tal, o uso do azul num objeto cerâmico
chinês reflete o impacto colateral da Rota da Seda e do Budismo na cultura material do
País do Meio.

Mas a grande característica que notamos nestas peças tem a ver com a decoração das
suas coberturas. A fluidez vincada que identificamos em todas, obtida pelo escorrer do
vidrado colorido nas peças sancai e pelas manchas do pote, parece quebrar com a tradição
decorativa chinesa. De facto, observando outras peças patentes no Museu, de épocas tanto
anteriores como posteriores à dinastia Tang, estas mostram uma decoração rígida, com
traços definidos e geométricos.65 A ausência de formas neste conjunto pode ser um reflexo
da mudança de mentalidade Tang, decorrente do inundar do Império por pessoas,
mercadorias, religiões e estilos artísticos vindos do exterior. O cosmopolitismo do
período, assim como as marcas de uma nova religião, cujas formas se assumem mais
naturalistas, podem então ser identificados neste aspeto do conjunto.

Por último, passemos à análise do quarto grupo, que diz respeito aos objetos do
quotidiano. A primeira peça que devemos examinar é o espelho [Anexo C, Ficha 10].
Note-se que na China os espelhos, embora sendo objetos de uso comum, vinham, desde
há muito tempo, a ser associados com processos mágicos. Assim, apresentavam na sua
decoração simbologias abstratas ligadas a esta vertente religiosa. Nos espelhos Tang nota-
se uma particularidade, o uso no verso de símbolos figurativos, associados a bons agoiros,
de índole taoista, substituindo os motivos abstratos. Usando-se as cores dourada e
prateada, no revestimento do verso, os espelhos Tang representavam, entre outros
elementos, dragões entrelaçados, fénixes, flores e pássaros.66

O espelho estante no Museu apresenta esses mesmos símbolos, mas apresenta ainda
um leão.67 Como já se viu anteriormente, o uso deste animal na arte budista surgia
aquando da representação de lendas sobre as vidas passadas de Buda. Podendo relacionar-
se com a crença de reencarnações futuras, verifica-se que este motivo simbólico foi
apropriado pelos Tang como um símbolo de bom agoiro, fazendo-se representar em

65
Idem, pp. 82-94. Sobre as origens neolíticas dos motivos decorativos geométricos na cerâmica
chinesa, veja-se P. B. Ebrey, op. cit., pp. 15-18.
66
Cf. M. Sullivan, op. cit., p. 251.
67
Cf. M. A. C. Gomes., op. cit., p. 101.

86
conjunto com a simbologia das tradições chinesas. Além disso, note-se que para além do
leão, animal estranho à China, o espelho também é decorado com motivos vegetais, que
tinham origens estrangeiras.

Resta fazer referência a duas peças miniaturas, um pássaro e um vaso [Anexo C,


Fichas 11 e 12], ambos em cerâmica vidrada. O primeiro, que possivelmente era utilizado
com brinquedo, inclui uma vez mais o azul no seu vidrado sancai. 68 Já no vaso miniatura,
o que se destaca são os motivos decorativos, uma vez que possui quatro medalhões florais,
com pequenas esferas em seu redor, lembrando pérolas.69 Sendo aplicados nesta peça,
mostram uma vez mais que, ao serem de inspiração sassânida, a influência desta arte era
real em solo chinês. Como já se viu, estes cânones artísticos foram importados via Rota
da Seda, amalgamados com a arte budista, sendo depois utilizados em peças chinesas.

Após esta análise pode-se concluir que, de facto, o Budismo não só entrou na China
como uma nova religião, que se adaptou a esta realidade cultural; como ainda trouxe
outros elementos consigo que foram aplicados noutras materialidades. A nível religioso,
podemos perceber que entidades budistas foram absorvidas, adaptadas e utilizadas pelo
mundo chinês, quer em processos de legitimação real, quer integrando conceções mágicas
e de culto funerário, aspetos importantes na conceção da morte e do pós-morte no País do
Meio. A presença de indivíduos e animais estrangeiros, associados à Rota da Seda e ao
Budismo, revelam a abertura da dinastia Tang, bem como o cosmopolitismo das suas
cidades. A utilização de motivos decorativos e cores, adotados pela arte budista nos
espaços da Ásia Central, deixam transparecer como esta arte religiosa acabou por se
espraiar para a arte chinesa, alcançando também a arte secular.

68
Idem, p. 98.
69
Ibidem.

87
Conclusão

Após a redação desta dissertação, é possível retirar algumas conclusões sobre o


Budismo na Índia, sobre os processos de difusão desta religião via Rota da Seda, e
também, sobre a cristalização do Budismo Chinês na época Tang.

Em primeiro lugar, e relativamente ao Budismo indiano, tornou-se percetível que


a Índia gangética deu todas as condições para o surgimento de novos movimentos
religiosos, uma vez que a sua sociedade, deteriorada pelos comportamentos de meados
do I milénio a.C., já não se refletia no pensamento religioso e moral existente. Deste
modo, o Budismo manifestou-se, numa primeira fase, como uma resposta moral e como
guia de vida para esta sociedade em crise. Não detendo restrições de cariz
socioeconómico para os seus seguidores e aderentes, esta religião revelou, desde logo,
uma natureza salvífica, aberta a todos, procurando romper com o sistema de castas que
havia sido introduzido pelos invasores indo-europeus. Note-se, no entanto, que o
Budismo não foi uma criação totalmente nova, uma vez que, em continuidade com as
tradições pré-existentes, adotou e adaptou diversos conceitos à sua nova visão. Pode-se
dizer, então, que na sua génese, o movimento budista tomou a forma de uma nova
abordagem ao quadro moral e religioso indiano.

Quando chegou ao solo chinês, o Budismo foi, também, entendido, como uma
nova proposta de moral salvífica. Respondendo, igualmente, a um período de profunda
agitação social, marcado pelas guerras que se sucederam à queda do Império Han, o
Budismo encontrou espaço para uma aceitação transversal na sociedade chinesa, que
procurava ver respondida as suas dúvidas, geradas, em grande medida, pelo medo da
miséria e morte. Os governantes chineses de origem estrangeira perceberam a dimensão
social do Budismo, sendo que o utilizaram como meio de afirmação do seu poder. O
Budismo, quer na Índia, quer na China, afirmou-se assim como uma religião que
respondia a crises e como tal o seu desenvolvimento não pode ser analisado em separado
dos contextos históricos que integrou.

É, também, interessante notar que, após a morte do seu fundador, o Budismo foi
imediatamente alterado. De uma proposta de vida, seguindo certas regras
comportamentais, avançadas por Siddhartha Gautama, o Budismo passou a afirmar-se
como uma proposta de contornos religiosos. Logo após o paranirvāna, a comunidade

88
leiga indiana fomentou o culto a Siddhartha, sobretudo no que diz respeito à recolha e
tratamento das suas relíquias. Ao mesmo tempo, iniciou a construção de lendas e mitos
sobre a vida do mesmo. Esta transformação parece ter sido promovida pela necessidade
de a comunidade secular ter algo mais tangível, ao qual se pudesse ligar, uma vez que as
questões metafísicas, discutidas e elaboradas pela sangha, se afirmavam como mais
distantes. De facto, porque a comunidade leiga estava enquadrada numa tradição védica,
onde os cultos e mitos eram centrais, fez sentido que esta transformação ocorresse, em
continuidade com as tradições anteriores. Destaque-se que, assim, a mensagem inicial de
Buda foi alterada de imediato, uma vez que o culto não tinha lugar nesta primeira
conceção.

Como vimos, a comunidade monástica ofereceu resistência numa primeira fase,


mas após os cismas que foram ocorrendo no seu interior, verificou-se que a corrente
Mahāyāna acabou por incorporar estas conceções leigas na vida religiosa, adaptando-as
e canonizando-as na sua nova abordagem. Buda, antes visto como um humano excecional
e que servia de modelo, passou a ser idealizado como um ser transcendente, com poderes
muito mais amplos. Esta corrente também permitiu a incorporação de outras entidades,
como os bodhisattvas, que auxiliavam outros a alcançar a Iluminação. Estes também
viram o seu culto ser desenvolvido, com base no conceito de transferência de mérito.
Estas alterações à construção religiosa original tiveram um impacto profundo no percurso
que o Budismo tomou, uma vez que permitiu o crescimento económico da sangha, o que
criou espaço a uma maior difusão desta religião.

Em segundo lugar, devemos ressaltar a importância que a Rota da Seda deteve


para a difusão do Budismo até à China. Funcionando como palco de transformações, a
Rota da Seda permitiu que esta religião fosse incorporando não só novas abordagens
teóricas, mas também práticas e expressões artísticas próprias das populações que
habitavam os diferentes espaços ligados por si. Contudo, é necessário referir que não foi
só o Budismo que se foi aproximando da China, mas que também esta foi protagonizando
uma paulatina aproximação à Ásia Central. Efetivamente, a dinastia Han estabeleceu uma
ligação oficial com esta região, através da conquista e domínio de diversos entrepostos
dos oásis da Bacia do Tarim, no Deserto do Taklamakan. Durante os Han, esta ligação
oficial concretizada nas Portas de Jade (Dunhuang) permitiu que a China contatasse com
a Índia, embora de maneira indireta, e recebesse as tradições budistas que na Ásia Central
se iam formando. Durante os séculos vindouros, a China foi mantendo as suas pretensões

89
territoriais neste espaço, aproximando-se do mesmo e, consequentemente, do Budismo
que ali se consolidava.

As transformações acimas descritas também se manifestaram no plano artístico,


uma vez que a arte budista se desenvolveu, logo em contexto indiano, integrando
múltiplas influências que permitiram a passagem de um estado anicónico para a exaltação
da figura antropomórfica de Buda e de outras entidades budistas. Destaque-se que, ao
longo da Rota da Seda, diversas características da arte helenística, iraniana e das
populações das múltiplas regiões da Ásia Central, com destaque para as comunidades dos
oásis do Taklamakan, foram sendo integradas nas representações budistas, sobretudo da
corrente Mahāyāna. Estes acrescentos foram percetíveis tanto em pequenos pormenores,
como a introdução de motivos decorativos de fauna e flora específicos, como em grandes
linhas temáticas e estilísticas, como o uso de halos.

Em terceiro lugar, devemos destacar o papel dos agentes estrangeiros, que foi
crucial para as primeiras abordagens budistas na China. Sendo os responsáveis pela sua
entrada naquele espaço, fizeram-se valer dos conceitos das correntes filosófico-religiosas
chinesas na tradução dos sutras, para melhor expressarem a sua mensagem, àquele
público. O Budismo sofreu, assim, alterações de cariz sincrético às mãos destes agentes.
Por outro lado, foi o seu constante movimento que permitiu manter a China a par das
diversas novas escolas budistas que iam surgindo, quer na Índia quer na Ásia Central. A
partir da afirmação da dinastia Sui, mas sobretudo durante os Tang, as escolas budistas
chinesas ocuparam o lugar destes agentes estrangeiros na formulação do Budismo na
China. Contudo, estes mantiveram uma presença forte na sociedade do País do Meio,
sendo representados na arte da época. Será com o declínio dos Tang, que os estrangeiros
acabaram por se tornar alvos de ataque, paralelamente ao cair do pano de um período de
abertura e cosmopolitismo chinês.

Em relação à dinastia Tang e à sua relação com o Budismo, são várias as


conclusões que podemos apresentar. Em primeiro lugar, destaque-se que a fase inicial
deste período, na sua globalidade, proporcionou as condições políticas necessárias para a
afirmação do Budismo em solo chinês. De facto, os primeiros reinados Tang foram
cruciais para o forte crescimento desta religião, pois existiu um forte apoio estatal às
escolas budistas e aos seus tradutores chineses. À medida que se avançava no século VII,
os governos Tang alcançaram uma estabilidade a todos os níveis que permitiu consolidar
a presença budista. Na viragem para o século VIII, com o governo de Wu, o Budismo
90
alcançou o seu expoente máximo, pois ao tornar-se religião com patrocínio oficial do
estado, conseguiu dilatar a sua influência, com um aumento extraordinário do número de
mosteiros, e consequente poder económico destes. Assim, a sangha conheceu um poder
não antes visto, com uma influência na sociedade chinesa ímpar. Note-se que foi nesta
época que os monges desenvolveram uma ação social profunda relativamente aos
cuidados dos mais desfavorecidos, com os mosteiros a servirem como hospitais, orfanatos
e asilos

Contudo, na segunda parte deste período deu-se uma inversão deste crescimento
budista. Os imperadores Tang do século VIII, sobretudo a partir de Xuanzong,
começaram a restringir o apoio a esta religião, nomeadamente ao controlarem o poder
económico dos mosteiros e ao limitarem o crescimento da própria sangha. A turbulência
política crescente, que se agudizou no século IX, com o reinado de Wuzong, viria a
estrangular a presença estrangeira, em termos gerais. Curiosamente, o Budismo, que se
manifestava já como chinês, continuou a ser observado como estrangeiro, sendo alvo de
uma forte repressão.

Em segundo lugar, devemos destacar o processo de sinização do Budismo,


decorrente da boa relação entre o poder imperial e esta religião, na primeira parte do
período Tang. Como vimos, foi nesta época que diversas escolas, criadas de raiz ou
reinventadas, se desenvolveram de forma extraordinária, permitindo a afirmação de um
Budismo marcadamente chinês. Estas conjugaram a tradição ritualística chinesa com as
práticas budistas, nomeadamente no que diz respeito ao culto das entidades budistas
(cujas lendas também conheceram um novo desenvolvimento), das suas relíquias e
festividades, assim como da própria atividade cúltica da sangha, que passou a realizar
diversos rituais tradicionais chineses, como por exemplo os exorcismos. Esta conjugação
permitiu ainda que novas noções, como o Inferno e o Paraíso, fossem desenvolvidas no
seio do Budismo chinês, como resposta às conceções pós-morte deste contexto. Note-se
a importância da mimetização da sociedade chinesa por parte da sangha, através da
afirmação da lógica de organização Patriarcal, para todas estas transformações.

No respeitante à arte, a dinastia Tang também deixou a sua marca, embora


continuasse a recorrer aos modelos estrangeiros como base artística. Note-se que a própria
fisionomia e roupa das representações das entidades budistas adquiriram traços chineses.
Por outro lado, a organização chinesa das entidades budistas fez com que certas
personagens tivessem um maior destaque maior nas representações artísticas, do qual é
91
exemplo a proliferação de imagens de Maitreya durante o reinado da Imperatriz Wu. A
nível arquitetónico, também as construções budistas se adaptaram, com perfeição, à
paisagem chinesa, alterando definitivamente a sua configuração. Exemplo disso são as
modificações nos stupas, que se transformaram em pagodas. Como as trocas ao longo da
Rota da Seda foram sempre dinâmicas, devemos sublinhar que, a partir da China, estas
transformações artísticas do Budismo sinizado tomaram o caminho inverso, infiltrando-
se na Ásia Central.

Uma última conclusão prende-se com a transformação da China como grande


centro do Budismo. O País do Meio, durante os Tang, tornou-se num centro de
peregrinação, devido à existência de múltiplas relíquias, que foram sendo adquiridas,
tanto por mosteiros, como por governantes, ao longo do tempo. Foi ainda percetível a
transferência de centros de culto indianos para a China, como aconteceu com a
identificação geográfica da habitação de Manjusri em território chinês. A centralização
da China no mundo budista foi ainda aprofundada com o desenvolvimento da crença da
disrupção do dharma, e que foi assumida pela dinastia Tang, sobretudo no reinado de
Wu. Neste reinado, Maitreya foi associado à reformulação do dharma, numa sua
encarnação em espaço chinês.

As peças selecionadas da coleção do Centro Científico e Cultural de Macau


permitiram, através da arte, entender todas estas mudanças. Através delas foi possível
ilustrar o longo caminho que o Budismo percorreu até à China, uma vez que nas mesmas
se encontram marcas tanto de origem indiana, como iraniana, ou de outras paragens da
Ásia Central. Assim, notam-se as alterações que o Budismo provocou no País do Meio.
Simultaneamente, as peças mostram traços chineses na sua conceção, sendo por isso
objetos que revelam a construção do Budismo chinês na época Tang.

Após a conclusão desta dissertação, identificámos novas pistas de trabalho futuras,


relacionadas com a Rota da Seda, com o Budismo chinês e com os seus mecanismos de
transmissão. Seria importante, no futuro, aprofundar o impacto que o Budismo teve no
Confucionismo e no Taoísmo, numa lógica de entendimento do próprio desenvolvimento
do pensamento religioso chinês nesta época. Uma outra linha de investigação interessante
seria a avaliação do caminho inverso, via Rota da Seda terrestre, que o Budismo sinizado
fez para a Ásia Central. Decorrente desta linha, poder-se-ia aprofundar a relação do
Budismo chinês com outras religiões estantes em territórios asiáticos. No mesmo sentido,
mas numa lógica de Rota da Seda mais oriental, poderíamos avaliar mais detalhadamente
92
o processo de difusão do Budismo para a Coreia e para o Japão, dando destaque ao papel
da escola Chan e das suas novas relíquias. Uma outra vertente de estudos, bastante atual
na agenda historiográfica internacional, poderia conduzir a uma investigação sobre o
papel feminino na China Tang, uma vez que várias mulheres se destacaram nesta dinastia.
Neste sentido, o papel da sangha feminina afirma-se como um campo de estudo rico.

Assim, esta dissertação afirma-se, a título pessoal, como um primeiro ponto de


partida de um caminho de investigação em torno da História da China e das História das
Religiões que pretendo continuar a trilhar.

93
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103
Anexos
Anexo A- Mapas

Mapa 1 – Rota da Seda.1

1
Unesco, “Silk Roads: Dialogue, Diversity & Development”, in https://en.unesco.org/silkroad/about-silk-
road, 20/09/2018.

104
Mapa 2 – Território atual da China, com as respetivas divisões administrativas.2

2
M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire – The Tang Dynasty, Cambridge, The Belknap Press of Harvard
University Press, 2012, p. 7.

105
Mapa 3 - Índia Gangética (c. 1000 a.C. – 500 a.C.).3

3
H. Kulke e D. Rothermund, A History of India, New York, Routledge, 2004, p.46.

106
Mapa 4 - Império Mauria no reinado de Ashoka (262 a.C. - 233 a.C.).4

4
H. Kulke D. Rothermund, op. cit., p. 69.

107
Mapa 5 - Difusão do Budismo pela Ásia.5

5
P. B. Ebrey, The Cambridge Illustrated History of China, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, p.
98.

108
Mapa 6- Domínio Kushana (c. 150 a.C. – 200 d.C.).6

6
W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, The Essential World History, Belmont, Thomson Wadsworth, 2008, p. 192.

109
Mapa 7 - Império Gupta (c. 320 – 600 d.C.).7

7
W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, op. cit., p. 195.

110
Mapa 8 – Império Sassânida em c. de 600.8

8
P. Crawford, The War of the Three Gods: Romans, Persians and the Rise of Islam, Barnsley, Pen &
Sword Military, 2013, p. 13.

111
Mapa 9 – Unificação da China com Qin Shi Huang Di (221 – 206 a.C.).9

9
W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, op. cit., p. 83.

112
Mapa 10 – Dinastia Han (202 a.C. – 220 d.C.).10

10
C. Benjamin, Empires of Ancient Eurasia – The First Silk Roads Era, 100 BCE-250 CE, Cambridge University
Press, Cambridge, 2018, p. 65.

113
Mapa 11 – O território chinês em diversas fases do período de fragmentação política pós
Han.11

11
P. B. Ebrey, op. cit., p. 57.

114
Mapa 12 – Extensão territorial da dinastia Sui (586 - 618) em 609.12

12
A. F. Wright, “The Sui dynasty”, in D., Twitchett, The Cambridge History of China – Volume 3 – Sui and
T’ang China, 586-906, Part I, Cambridge, Cambridge University Press, 1979, p. 129.

115
Mapa 13 - Dinastia Tang, a sua divisão administrativa e rotas comerciais (618 – 906).13

13
P. B. Ebrey, op. cit., p. 110.

116
Mapa 14 – Distribuição de templos, de diversas religiões, na capital Tang, Chang’an.14

14
M. E. Lewis, op. cit., p. 93.

117
Anexo B – Cronologias
Figura 1 – Dinastias e períodos da China.15

Qin 221a.C. – 206 a.C.

Han Ocidentais 206 a.C. – 9 d.C.


Han Orientais 25 d.C. – 220 d.C.
Período dos Três Reinos 220 d.C. – 280 d.C.

Wei 220 d.C. – 265 d.C.

Shu 221 d.C. – 263 d.C.


Wu 229 d.C. – 280 d.C.
Jin Ocidentais 265 d.C. – 316 d.C.

Jin Orientais 317 d.C. – 420 d.C.

Período dos Dezasseis Reinos – Norte 304 d.C. – 439 d.C.


Período das Dinastias do Norte e do Sul
Sul

Song 420 d.C. – 478 d.C.

Qi 479 d.C. – 501 d.C.


Liang 502 d.C. – 556 d.C.
Chen 557 d.C. – 588 d.C.

Norte

Wei do Norte 386 d.C. – 533 d.C.


Wei do Leste 534 d.C. – 549 d.C.
Wei do Oeste 535 d.C. – 557 d.C.

Qi do Norte 550 d.C. – 577 d.C.

Zhou do Norte 557 d.C. – 588 d.C.

Sui 581 d.C. – 617 d.C.

Tang 618 d.C. – 907 d.C.

15
T. K. San, Dynastic China: An Elementary History, Malasya, The Other Press Sdn. Bhd., 2014, pp. xv e xvi.

118
Figura 2 – Lista de reinados dos Imperadores Tang.16

Gaozu 618 – 626

Taizong 626 – 649

Gaozong 649 – 683

Zhongzong (1º reinado) 684

Ruizong (1º reinado) 684 – 690

Imperatriz Wu 690 – 705

Zhongzong (2º reinado) 705 – 710

Shaodi 710

Ruizong (2º reinado) 710 – 712

Xuanzong 712 – 756

Suzong 756 - 762

Daizong 762 – 779

Dezong 779 – 805

Shunzong 805

Xianzong 805 – 820

Muzong 820 – 824

Jingzong 824 – 827

Wenzong 827 – 840

Wuzong 840 - 846

Xuanzong II 846 – 859

Yizong 859 – 873

Xizong 873 – 888

Zhaozong 888 – 904

Aidi 904 – 907

16
C. Benn, China’s Golden Age – Everyday Life in Tang Dynasty, New York, Oxford University Press, 2004,
pp. xxi e xxii.

119
Anexo C- Fichas técnicas das peças do CCCM
Ficha 1- Divindade em Bronze.

Dimensões: 16 cm (altura), 5 cm (largura).

Material: Bronze dourado.

Cores: Dourado.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), provavelmente anterior a 750.

Análise temática: Entidade budista antropomórfica.

Descrição: Estatueta em bronze dourado A figura apresenta-se sentada, num trono, e


parece estar, embora de forma invertida, na posição Maitreyasana, associada a Maitreya.
Encontra-se vestido com um dhoti e com o que parece ser um lenço que lhe cai pelos
braços. Utiliza um colar, que parece ser de pérolas, uma pulseira no braço esquerdo, tendo
ainda a cabeça coberta com um adorno. Possui, atrás de si, um halo, decorado com
motivos flamejantes e uma miniatura do que parece ser um Buda a encabeçá-lo.

120
Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 650.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Entidades Divinas - Budismo

Observações: As características acima descritas parecem indicar que estamos na presença


de uma representação de Maitreya.

Ficha 2 – Estatueta Funerária- Lokapala (Guardião de Túmulo).

Dimensões: 69,5 cm (altura), 24 cm (largura), 16 cm (profundidade).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Entidade budista antropomórfica

121
Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai representando um Lokapala. O
revestimento vidrado não cobre o rosto e as mãos da figura, sendo que se apresenta em
pé, vestido com uma armadura tipicamente chinesa. O rosto apresenta-se feroz, com olhos
semicerrados e o cabelo encontra-se apanhado no topo da cabeça, em coque. Os punhos
da estátua encontram-se fechados.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 316.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material - Budismo –Entidade divina - Sancai

Ficha 3 – Palafreneiro Estrangeiro.

Dimensões: 33,8 cm (altura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.


122
Análise temática: Estrangeiro.

Descrição: Estátua de indivíduo estrangeiro, com traços fisionómicos não chineses.


Revestido a vidrado sancai, que não cobre o rosto e as mãos. O rosto apresenta
sobrancelhas grossas, nariz bolboso, bigode e barba. Tem um braço levantado e o outro
dobrado, com o punho fechado. Utiliza uma veste, cruzada à frente, com um cinto com
fivela em forma de medalhão.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 672.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Estrangeiro - Sancai

Observações: A estatua apresenta traços fisionómicos ocidentais, provavelmente persas.17

Ficha 4 – Estatueta Funerária – Camelo.

17
Cf. Gomes, M. A. C. (coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de
Macau, Governo de Macau, Macau, 1994, p. 97.

123
Dimensões: 37,5 cm (altura), 28 cm (largura), 10 cm (profundidade).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e castanho escuro.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Animal.

Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai. Representa um camelo parado.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 311.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Animal - Sancai

Ficha 5 – Estatueta Funerária – Camelo.

Dimensões: 57,5 cm (altura), 43 cm (largura), 13,5 cm (profundidade).

124
Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e castanho escuro.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Animal.

Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai, que não cobre as boças e parte da
cabeça. Representa um camelo parado. Possui um adorno em torno da boças.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 312.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Animal - Sancai

Ficha 6 – Vaso Funerário.

Dimensões: 16,5 cm (altura), 11,5 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

125
Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto funerário.

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 299.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário - Sancai

Ficha 7 – Vaso Funerário.

Dimensões: 14 cm (altura), 10 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto funerário.

126
Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 300.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário - Sancai

Ficha 8 – Vaso Funerário.

Dimensões: 16,8 cm (altura), 11 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar, castanho escuro e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Objeto funerário.

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

127
Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 673.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário – Sancai

Ficha 9 – Pote.

Dimensões: 23,5cm (altura), 18,5 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Preto acastanho, azul e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), século IX.

Análise temática: Objeto do quotidiano (?)

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado manchado, com cores contrastantes. Parte
inferior do pote deixada por vidrar. Possui uma boca larga, com duas pequenas pegas
aplicadas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 697.

128
Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Pote – Vidrado manchado

Ficha 10 – Espelho.

Dimensões: 21,8 cm (diâmetro).

Material: Bronze.

Cores: Prateado.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto quotidiano (?)

Descrição: Espelho circular, em bronze prateado. O reverso apresenta uma decoração


vegetal e uma inscrição circular. O centro é decorado com oito animais, um dos quais
representa um leão, e ainda um dragão, um cão e um rato. Estas representações circundam
uma meia esfera perfurada, que serviria, provavelmente, para encaixar uma pega.

129
Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 651.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Espelho

Ficha 11 – Ave Miniatura.

Dimensões: 5 cm (comprimento).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – Castanho âmbar, verde azul e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Animal.

Descrição: Pequena estátua representando uma ave, com as asas fechadas. Apresenta
linhas incisas a marcar as penas e a cauda. O bico curto e aberto provoca a sensação de
que se encontra a cantar. A parte inferior da estátua não se encontra vidrada.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 675.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Miniatura -


Animal – Sancai

130
Ficha 12 – Vaso Miniatura.

Dimensões: 4,3 cm (altura), 3.8 cm (diâmetro).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Verde.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Objeto do quotidiano (?).

Descrição: Pequeno vaso monocromático. Apresenta quatro pegas, intercaladas por


apliques de medalhões florais e circundados por pequenas esferas que fazem lembrar
pérolas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 676.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Miniatura -


Monocromático

131
Anexo D – Exemplos de representações budistas

Imagem 1 – Representação em baixo relevo, do mito da conceção de Siddhartha.


Bharhut, c. de 100 – 80 a.C.18

18
V. Dehejia, “On Models of Visual Narration in Early Buddhist Art”, in The Art Bulletin, Vol. 72, No. 3,
New York, College Art Association, 1990, p. 375.

132
Imagem 2 – Representação em baixo relevo da Iluminação de Buda. Barhut, c- de 100 –
80 a.C. 19

19
S. L. Huntington, “Early Buddhist Art and the Theory of Aniconism”, in Art Journal, Vol. 49, No. 4, New
York, College Art Association, 1990, p. 403.

133
Imagem 3 – Representação, em baixo relevo, do paranirvāna, simbolizado com a
iconografia do stupa.20

20
Idem, p. 404.

134
Imagem 4 – Estátua de Buda sentado, em estilo Mathura, do período Kushana.21

21
Kimbell Art Museum, Fort Worth, Texas, in https://www.kimbellart.org/collection-object/seated-
buddha-two-attendants, 23/09/2018.

135
Imagem 5 – Estátua de Buda sentado, em bronze, de Gandhara, datada entre o século I e
meados do século II.22

22
Metropolitan Museum of Art, New York, in http://metmuseum.org/art/collection/search/72381,
23/09/2018.

136
Imagem 6 – Estátua representando Buda em pé, do período Gupta, datada do final do
século V.23

23
Metropolitan Museum of Art, New York, in http://metmuseum.org/art/collection/search/38198,
23/09/2018.

137

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