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Capa do primeiro número da revista Poesia, fevereiro de 1915, fundada por Marinetti.

Desenho de Alberto Martini. Acervo Álbum/Fotoarena.

VANGUARDAS EUROPEIAS E MODERNISMO BRASILEIRO1

Bárbara Leal dos Santos

1. Considerando o ensaio Literatura e cultura de 1900 a 1945, de Antonio Candido,


discuta o processo dialético da experiência literária nas primeiras quadras do século
XX, relacionando-o aos seguintes aspectos: a) condições de produção e recepção das
obras; b) os dois “momentos decisivos” da literatura brasileira; c) o papel da crítica
literária; d) as contribuições da leitura revisionista. Justifique os argumentos com
excertos do ensaio. [2,5]

1
Avaliação 1. Trabalho submetido à disciplina Literatura Brasileira II, sob orientação do professor
Sandro Adriano da Silva, como requisito parcial para obtenção de nota referente ao 1º bimestre de 2022.
Modalidade: Questionário dissertativo aberto. Valor: 10,0. Individual. Data de submissão: 18|05|2022
[Improrrogável]. Conteúdo: Vanguardas europeias e Modernismo Brasileiro – 1ª fase. Critérios de
avaliação: 1. Acuidade, pertinência e consistência argumentativa. 2. Fundamentação teórica na
bibliografia da disciplina referente ao conteúdo. 3. Utilização de conceitos, nomenclaturas e operadores
de análise do texto poético. 4. Observação à norma padrão da Língua Portuguesa. 5. Observação às
normas de elaboração do trabalho.
Antonio Candido ao escrever o texto Literatura e cultura de 1900 a 1945
contribui, de forma significativa, para a nossa elucidação e reflexão sobre o
Modernismo Brasileiro. Este estudo é de extrema importância, pois este período em
questão configura-se como um marco histórico no Brasil. Candido inicia a sua escrita
analisando que a literatura brasileira, nas primeiras quadras do século XX, estava
inserida em uma dialética entre o localismo e o cosmopolitismo “ora a afirmação
premeditada [...] do nacionalismo literário, com veleidades de criar até uma língua
diversa; ora o declarado conformismo, a imitação consciente dos padrões europeus”
(CANDIDO, 1950, p, 117). Essas duas visões, localismo e cosmopolitismo, expressam
como as obras literárias desse período eram caracterizadas, isto é, influenciadas pelos
fatores locais e os elementos de herança europeia. Assim, a nossa literatura

[...] tem, sob este aspecto, consistido numa superação constante de


obstáculos, entre os quais o sentimento de inferioridade que um país
novo, tropical e largamente mestiçado, desenvolve em face de velhos
países de composição estabilizada, com uma civilização elaborada em
condições geográficas diferentes. O intelectual brasileiro, procurando
identificar-se a esta civilização, se encontra todavia ante
particularidades de meio, raça e história nem sempre correspondentes
aos padrões europeus que a educação lhe propõe, e que por vezes se
elevam em face deles como elementos divergentes, aberrantes.
(CANDIDO, 1950, p, 117 – 118)

Diante da leitura do respectivo texto podemos inferir que essa literatura se faz
dialética por meio do processo entre o local (as características brasileiras) e os padrões
herdados da cultura europeia/ entre quem impõe e quem é assujeitado a obedecer. As
produções literárias eram raras, visto que as recepções das obras advindas de Portugal
predominavam. Segundo Candido (1950) todo o nosso século XX “[...] depende
literariamente de Portugal, através de onde recebíamos o exemplo e o tom da referida
imitação” (p. 118). Quando essa perpetuação da tradição europeia é rompida, por meio
de estudos em torno de uma literatura brasileira independente, tem-se, segundo o
referido autor, um profundo estudo da etnografia, da história e da identidade brasileira.

Quando o diálogo se despoja da sua aspereza, amainando-se em


mesuras acadêmicas, convênios ortográficos, axaltacoes e louvores
recíprocos, na retorica sentimental e vazia das missões culturais [...]
podemos ver que a influencia morreu, praticamente, tanto é verdade
que a vida se nutre das tensões e dos conflitos. (CANDIDO, 1950, p,
118)

Nesse contexto de estudo e reflexão em torno de renovação de cenário do país,


evidenciamos dois momentos importantes da nossa literatura brasileira: o Romantismo,
no século XIX (1836 – 1870), e o Modernismo, no século XX (1922 – 1945). Ambos
esses momentos “representam fases culminantes de particularismo literário na dialética
do local e do cosmopolita” (CANDIDO, 1950, p, 118).
O Romantismo, segundo nossa leitura, tem como objetivo superar a influência
de Portugal na literatura brasileira "afirmando contra ela a peculiaridade literária do
Brasil” (CANDIDO, 1950, p, 118), isto é, esse contexto foi marcado por artistas e
escritores brasileiros que almejavam/desejavam o nacionalismo dos sujeitos
pertencentes a esse território. Já o Modernismo “desconhece Portugal, [...]. Um fato
capital se torna deste modo claro na história da nossa cultura; a velha mãe pátria deixará
de existir para nós como termo a ser enfrentado e superado” (CANDIDO, 1950, p. 118 -
119). Superando o academicismo que havia se instaurado, tanto o Romantismo quanto o
Modernismo “foi no Brasil um vigoroso esforço de afirmação nacional; [...] da
construção de uma consciência literária” (CANDIDO, 1950, p. 122), isto é, esses dois
respectivos movimentos ‘constroem’ uma nova forma de constituir e interpretar o
Brasil, as obras literárias são fundamentais para relatar a realidade e a cultura brasileira;
verifica-se que uma das principais vias de afirmação e de autodefinição de uma
identidade brasileira foi a expressão do nosso regionalismo, se configurando, nesse
período, por meio de contos sertanejos; como representante literário, nesse período, foi
a publicação de Os sertões, de Euclides da Cunha, em 1902.
Ao se propor a construção de uma literatura pautada na identidade brasileira, que
não seguiria mais os princípios europeus, escritores e estudiosos voltaram-se para a
nossa cultura/existência de sujeitos que independentemente de Portugal constituíam
uma forma/maneira de pensar. Dessa forma, o papel da crítica literária da época foi de
analisar qualitativamente as produções artísticas produzidas nesse período de
independência. Tomemos como exemplo as três divisões da literatura brasileira do
século XX: a primeira vai de 1900 a 1922, caracterizado como pós-romântico; a
segunda compreende os períodos de 1922 a 1945, com a literatura de permanência, e a
terceira divisão começa em 1945. Diante da divisão desses períodos encontramos a
seguinte crítica literária:

[...] a fase seguinte (1922 – 1945) a literatura aparece aí


essencialmente como literatura de permanência. Conserva e elabora
os traços desenvolvidos depois do Romantismo, sem dar origem a
desenvolvimentos novos; e, o que é mais interessante, parece
acomodar-se com prazer nesta conservação. Com a fase de 1800 –
1900 tinha sido, em contraposição ao Romantismo, antes de busca de
equilíbrio que de ruptura, esta, que a acompanha sem ter o seu vigor,
dá quase impressão de estagnar-se. Uma literatura satisfeita, sem
angústia formal, sem rebelião nem abismos. Sua única mágoa é não
aparecer de todo européia; seu esforço mais tenaz é conseguir pela
cópia o equilíbrio e a harmonia, ou seja, o academismo. [...] o
regionalismo [...] gênero artificial e pretenciosos, criando um
sentimento subalterno e fácil de condescendência em relação ao
próprio país, a pretexto de amor da terra, ilustra bem a posição dessa
fase que procurava, na sua vocação cosmopolita, um meio de encarar
com olhos europeus as nossas realidades mais típicas, que tratou o
homem rural do ângulo pitoresco, sentimental e jacoso, favorecendo a
seu respeito ideias-feitas perigosas tanto do ponto de vista social
quanto, sobretudo, estético. [..] é toda a aluvião sertaneja que desabou
sobre o país entre 1900 e 1930 e ainda perdura na subliteratura e no
rádio. (CANDIDO, 1950, p. 120 - 121),

Caberia ao Modernismo superar essas dicotomias existentes nos períodos


anteriores a 1922, liderando os escritores e estudiosos “[...] rumo ao certo, ao
redescobrir a visão de Euclides, que não comporta o pitoresco exótico da literatura
sertaneja” (CANDIDO, 1950, p. 122). Verifica-se que a partir dos anos de 1922 guiou-
se nacionalmente “[...] um compromisso da literatura com as formas visíveis,
concebidas pelo espírito principalmente como encantamento plástico, euforia verbal,
regularidade” (CANDIDO, 1950, p. 122), isto é, todas essas ações tendiam para uma
forte e extremo esforço de afirmação nacional para com a construção de uma
consciência literária.

Não se precisaria mais diz e escrever [...] que tudo é aqui belo e
risonho: acentuam-se a rudeza, os perigos, os obstáculos da natureza
tropical. O mulato e o negro são definitivamente incorporados como
temas de estudo, inspiração, exemplo. O primitivismo é agora fonte de
beleza e não mais empecilho à elaboração da cultura. Isso, na
literatura, na pintura, na música, nas ciências do homem. (CANDIDO,
1950, p. 126)
Verifica-se, assim, que no campo literário, uma leitura revisionista foi necessária
para compreendermos atualmente como se desenvolveu e como está constituído a luta
identitária de 1900 a 1945. Os escritores e estudiosos analisam as produções literárias
produzidas nesse período para compreenderam como se desenrolou o processo histórico
do Brasil; estes escrevem como somos diferentes de Portugal, como a nossa cultura é
nossa, por isso nossa literatura também deve ser diferente; esta deve mostrar, e mostra,
as nossas peculiaridades, os nossos costumes, as nossas ideias, angústias, riquezas,
enfim, a luta que escritores do Brasil tiveram em torno da valorização do Brasil.

2. Localize, cite e discuta a concepção e reflexão metapoéticas de Mário de Andrade no


ensaio “Prefácio Interessantíssimo”. [2,5].
3. Identifique, cite e comente, no ensaio “A escrava que não é Isaura”: a) um argumento
em defesa da liberdade de estilo e pensamento do Modernismo; b) um argumento sobre
a poesia modernista como “impulsão lírica”. [2,5]
A escrava que não é Isaura trata-se de um texto do escritor brasileiro Mário de
Andrade publicado em 1925, pela revista Estética, cujo alguns trechos foram
apresentados na Semana da Arte Moderna, em 1922. Este texto trata-se de uma paródia
do romance de Bernardo Guimarães, A escrava Isaura, de 1875. Verifica-se que este
respectivo texto foi escrito em defesa da liberdade de estilo e do pensamento
modernista, para comprovar este fato podemos citar como exemplo a primeira e a
segunda parte elucidadas no ensaio. Na primeira parte, denominada como Poética (o
fenômeno da criação), Mário de Andrade enuncia a seguinte parte: “Belas-artes:
‘Começo por conta de somar:/Necessidade de expressão + espaço de necessidade de
comunicação + necessidade de ação + necessidade de prazer = Belas Artes”
(ANDRADE, 1960, p. 436); verifica-se que está citação remete-se a uma conta de
adição, que pode ser interpretada como uma receita a ser seguida para se chegar a uma
escrita/poesia perfeita, isto é, uma fórmula (formalismo) já pronto. O autor, seguindo os
pressupostos do Modernismo, defende uma escrita que elucida uma segunda fórmula:
“Lirismo puro + Crítica + Palavra = Poesia”, com “máximo de lirismo e máximo de
crítica para adquirir o máximo de expressão” (ANDRADE, 1960, p. 447).
Já na segunda parte do ensaio, Retórica (o agente da criação: o criador),
percebe-se a defesa de uma poesia modernista com características voltadas para uma
‘impulsão lírica’ (possui como característica marcante na subjetividade, por meio da
expressão verbal as emoções são anunciadas), no qual que Mário de Andrade elucida
uma outra fórmula, “verso livre/Rima livre/Vitória do dicionário/Esteticamente são:
Substituição da Ordem Intelectual pela Ordem Subconsciente,/Rapidez e
Sintese,/Polifonismo” (ANDRADE, 1960, p. 439), características estas que são
materializadas em poemas curtos, típicos da vida moderna.

4. Leia o poema “Rua de São Bento” 2 e indique os aspectos poéticos e temáticos


defendidos por Mário de Andrade nos prefácios, bem como no contexto histórico e
literário do Modernismo, apresentados por Bosi, no capítulo “Modernismo: um clima
estético e psicológico”. [2,5].

Triângulo.

Há navios de vela para os meus naufrágios!


E os cantares da uiara rua de São Bento...

Entre estas duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas,


as minhas delícias das asfixias da alma!
Há leilão. Há feira de carnes brancas. Pobres arrozais!
Pobres brisas sem pelúcias lisas a alisar!
A cainçalha... A Bolsa... As jogatinas...

Não tenho navios de vela para mais naufrágios!


Faltam-me as forças! Falta-me o ar!
Mas qual! Não há sequer um porto morto!
- Can you dance the tarantella - Ach! ya.
São as califórnias duma vida milionária
numa cidade arlequinal...

O Clube Comercial... A Padaria Espiritual...


Mas a desilusão dos sombrais amorosos
põe majoration temporaire, 100% nt!...

Minha Loucura, acalma-te!


Veste o water-proof dos tambéns!
Nem chegarás tão cedo

à fábrica de tecidos dos teus êxtases;


telefone: Além, 3991...
Entre estas duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas,
vê, lá nos muito-ao-longes do horizonte,
a sua chaminé de céu azul!

2
ANDRADE, Mário de. “Rua de São Bento”. In: ______. Poesias completas. Volume 1. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2013, p. 82-83.
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