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ta Ramos
CIEDADES
.... DÍGENAS
Sumário
1. Introdução 7
Objeto e objetivo 7
O conceito de tribo 10
Diversidade c semelhança 11
2 A importância do território 13
Posse da terra 13
Limites territoriais 14
A escassez social de recursos 16
O território na cultura 18
3 . Sistemas econômicos 23
As noções de trobalho c lazer 23
Pen(•ria ou fartura? 28
Produção 30
O saber da produção 35
Reciprocidade versus acumulação 37
Distribuição c consumo 41
5. Organização política 60
Controle social 61
Poder 65
Autoridade 67
Descentralização 69
,_______________________ 90
_________________ 93
Objeto e objetivo
Fazemos neste estudo a tentativa de suprir uma neces-
sidade didática. No ensino de sociedades ditas, com bas-
tante infelicidade, "primitivas" contamos com obras · ou
especializadas demais ou muito gerais; temos monografUs
•
~ artigos de especialistas que, praticamente, requerem do
lcítor igual especialização; temos trabalhos geograficamente
~. como Sociedades tribais, de Marshall Sahlios, que
engloba povos do mundo inteiro e desenvolve discussões
bastancc complexas, principalmente com relação ao assun-
to parentesco; temos também outros, como o livro de Julio
Ccsar Melatti, /ndios do Brasil, que se restringe às popula-
ções indígenas de um só país e trata o assunto de maneira
extremamente acessível, mas, por isso mesmo c necessaria-
mente. perdendo em profundidade.
Tentamos, pois, chegar a um meio-termo, procurando
uma unidade de estudo intermediária: nem o mundo inteiro.
nem um só país, mas um subcontinente. Esse subcontinentc
e a América do Sul não-andioa, que já se consagrou na
profissão antropológica como uma unidade relevante de
estudos etnológicos - as chamadas sociedades das "terras
baixas sul-americanas". A melhor justificativa para deli-
mirar, desse modo, o objeto deste trabalho, excluindo-se
areas como a andina, está no fato de que as sociedades das
terras baixas apresentam características comuns bem mais
marcadas entre si do que quando comparadas com socie-
dades de outras regiões.
Por outro lado, a realidade etnográfica é tal que tor-
na artificial um corte em termos de fronteiras nacionais.
Para muitas da~. populações indígenas sul-americanas as
divisões entre os vários países são, no mínimo. irrelevan-
tes. chegando a ser até bastante inoportunas em alguns
casos, pois podem dividir sociedades, promovendo cisões
ou dificuldades de comunicação e acesso, às vezes, entre
parentes que por acaso vivem de ambos os lados de uma
fronteira. Por exemplo, enquanto os Yanomami transitam
entre a Venezuela e o Brasil, ignorando linhas divisórias.
os Xuar se vêem apanhados entre os dois fogos da guerra
de fronteira entre o Equador e o Peru. Portanto, as socie-
•
dadcs indígenas sul-americanas são tratadas aqui do -
próprio ponto de vista e não daquele dos pafses aos qu.s
estão involuntariamente ligadas.
Historicamente, o continente sul-americano como _.
todo tem fornecido um grande leque de diversidade de SIS-
temas sociopolíticos. Encontramos nele sociedades de c:aça-
dores, pescadores e coletores vivendo em comunidades ~
mente móveis, desfrutando de sistemas culturais baseados
na posse coletiva de um território, na distribuição igmliri-
ria de recursos, em formas acéfalas de organização pol&-
ca; populações organizadas em aldeias permanentes, com
agricultura acompanhada de caça, pesca e coleta. oruk
governo descentralizado não permite o exercício de f(X'Ç31
ou ~ominação de uns membros sobre os outros~ cacicado5
hierárquicos, com centralização de poder coordenando uma
vasta rede de comunidades inter-relacionadas. sem Cai.
em cidades-Estados e impérios como o incaico e seus pre-
cursores.
A invasão européia teve o efeito de erradicar muitas
das diferenças sociopolíticas que existiam antes do século
XVI. Com a depopulação em massa que se seguiu à con-
quista, os antigos cacicados da região do Caribe. que autes
mantinham complexos sistemas de estratificação. foram re-
duzidos a pequenas comunidades acéfalas, depauperadas,
desbaratadas e dependentes do poderio europeu. Passaram.
então, a se assemelhar cada vez mais às culturas ama-
zônicas que hoje conhecemos. Da costa atlântica, o êxodo
indígena se deu para o interior do continente, em busca
de áreas de refúgio onde pudessem escapar a doenças c
escravidão, ao menos por algum tempo. No processo c:k
rec"!JO, esses grupos foram grandemente afetados em suas
culturas e sistemas sociopolíticos.
Tudo indica, pois, que a conquista européia produ:ziu
uma certa uniformização cultural, destruindo, embora par-
..
c:ialmente, a grande diversidade que há quinhentos anos
MDS existia na América do Sul.
O conceito de tribo
Com a conquista, os europeus, e depois deles as nas-
ClCilleS nacionalidades sul-americanas, passaram a catego-
nzar as populações indígenas: os mansos e os bravos, os
Tupi e os "Tapúya", os selvagens e os civilizados. Passa-se
a aplicar o conceito de tribo, que sobreviveu na linguagem
axidi.a.na. foi apropriado pela retórica dominante e se insi-
aDDU igualmente no discurso científico. Por sua imprc-
asio., por sua plasticidade altamente manipulável, por ser
am termo utilizado por conquistadores para se referir a
conquistados, o termo tribo não é empregado aqui.
Segundo Morton Fried, tribos são entidades criadas
pda '>ttuação de colonialismo ou de outro tipo de domi-
uação vinda de fora. Resultam do rearranjo das unidaóes
c relações sociopolíticas subseqüentes à conquista, quer
militar. quer política, ou econômica.
~a América do Sul, o conceito de tribo, dependendo
dos interesses em jogo, tem sido aplicado elasticamente,
para englobar vários grupos indígenas, independentemente
da presença ou ausência de vinculações entre eles, ou tem
sido contraído, para excluir grupos que são cultural, social
e politicamente próximos. Os agentes desses feitos têm si-
do, principalmente, missionários e funcionários governa-
mentais. Agrupar compulsoriamente sociedades indígenas
di\'ersas numa mesma missão ou ..redução", ignorando di-
crenças e divergências por vezes profundas, tem sido uma
prática missionária bastante difundida. A ilusória "tribo''
dos ··Tapúya'', por exemplo, foi uma tal invenção dos cha-
mados civilizados. Por outro lado, se o que importa é im-
u
pressionar as autoridades ou fontes de recursos finaocaro.
pelo trabalho de assistência ao maior número possívc:1 de
índios, é conveniente considerar aldeias da mesma SOCIIe-
dade como se fossem "Lribos" diferentes; ou, na quesr.io
da demarcação de terras, quando se quer retalhar um ter-
ritório, é útil afirmar que quem vive nele são "tribos- di-
versas, mesmo quando essas "tribos" não passam ck
grupos locais de uma mesma sociedade ou de soei~
cultural e historicamente tão próximas que se toma scm
c;entido uma tal separação.
Diversidade e semelhança
Tentar caracterizar em bloco as sociedades indígenas
no continente sul-americano, mesmo excluindo os Andes.
é correr o risco de generalizar sobre uma realidade que.
apesar de tudo, ninda é altamente diversificad<t. Niio hi
duas sociedades indígenas iguais. Mesmo quando ocupam
zonas ecológicas semelhantes, elas mantêm sua irulhidua-
lidadc, tanto no plano das relações sociais como no campo
simbólico. Portanto, não é possível explicar a lógica ~
ciocultural dessas sociedades simplesmente por fatores ~
lógicos ou por determinações econômicas.
Entretanto, quando comparados às populações na-
cionais em que estão encravados, os povos indigenas a~
sentam alguns denominadores comuns que os diferenaam
delas. Sendo produtos de processos históricos distintos dos
que marcam as sociedades ocidentais, eles descnvoh·cram
uma série de características que lhes dão uma feição p~
pria e que contrastam fortemente com aquelas. São essas
características que serão aqui focalizadas, desde a orp-
nização da produção até a relação dos homens com o
sobrenatoraJJ passando por formas de residência e s:nam--
môoio e sistemas políticos. A ênfase dada nessa busca ele
denominadores comuns está na preocupação de desvendar
a lógica dos sistemas sociais desses povos q uc, muitos
séculos antes dà chegada dos europeus ao Novo Mundo,
já haviam resolvido problemas que hoje afligem as popu-
lações regionais e nacionais, especialmente na Amazônia.
É importante fazer aqui uma ressalva. A divisão de
uma dada sociedade humana em sistema econômico, sis-
tema religioso, social, político etc. só se justifica como um
artifício necessário à descrição e análise. Quanto mais não
seja, o sistema linear da escrita ocidental dificulta, ou
mesmo impede, a apresentação simultânea de um todo
complexo, formado de várias partes intimamente interli-
gadas, !ornando indispensável à compn.!cnsão proceder-se
"por partes··. ~ unicamente por essa nv..ão que fazemos
uqui uma divisão das sociedades indígenas em seus sis-
temas componentes. Porém deve ficar claro que, na rea-
lidade, é impossível ativar-se o sLslcma econômico sem
que o social, o potítico ou outros entrem em ação e
vice-versa. No processo de descrição de um sistema eco-
nômico, é necessário fazer freqüentes menções a questões
de parentesco, de política, de conhecimento, de crenças c
valores, como fica demonstrado nas páginas que se
seguem.
Comecemos, portauto, pela noção de territorialidade
e a relação com o meio ambiente, para depois focali-
zarmos as relações sociais, as relações políticas e os sis-
temas de crenças. Ao longo do trabalho bá a preocupação
de indicar que essas sociedades não vivem no v{tcuo, nem
em 1·cdomas de vidro, mas sim em meio a tremendas
pressões a elas impostas pelas vicissitudes do contato que
sã(} forçadas a ter com as sociedades nacionais onde se
inseram.
2
A importância do
território
Posse da terra
limites territoriais
Considerações de limites territoriais não são estranhas
às tradições das sociedades indígenas. O que é estranl10 é
o sentido de exclusividade e de policiamento de um dado
território; esse sentido vem lhes sendo imposto por força
das invasões e dos saques de suas terras pelas populações
nacionais ou por interesses alienfgenas. Tradicionalmente,
é milito comum existir o reconhecimento tácito dos con-
fins geográficos dos territórios de caça, de coleta ou de
pesca das comunidades que compõem uma dada sociedade
ou sociedades vizinhas. Porém, esses limites não são tão
ngidos que impossibilitem o acesso a oulras comunidades,
nem tão permanentes que inibam uma mudança de local
e rearranjos espaciais. O que existe, geralmente, é um con-
senso partilhado por comunidades vizinhas de que é etica-
mente incorreto utilizar os recursos de outra comunidade
sem consultá-la ou informá-la. O traçado exato desses li-
mjtes pode não ser do conhecimento ou do interesse da
população, porém há uma praxe reconhecida e observada
por todos. Temos, por exemplo, o relato de Irving
Goldman sobre os índios Cubeo (Kobéwa), grupo ribei-
rinho do Alto Uaupés da Colômbia e do Brasil, no
noroeste amazônico:
Deve ser explicado que a discussão de fronteiros não flui
naturalmente dos Cubeo: ela é puxada pelo etnólogo. Os
Cubeo não são zelosos de fronteiras e rar~~mente têm pro-
blemas com elas. embora as conheçam [ ... ) Com respeito
à terra, estamos lidando mais com domfnlo do que com
propriedade [ ... ) o domínio e sancionado por tradições
de origem que narram precisamente de onde vieram os
primeiros ancestrais e suas viagens e aldeamentos subse-
qüentes. ~ com base nessas tradições que as pessoas
podem dizer: • Esta é a nossa terra• .
O território na cultura
l!m risco a vida da criança. São esses afins <.lo caçador que
irão consumir a carne e dar o veredito: se a carne for de
tma qualidade, a criança viverá; senão, morrerá.
Vista pelo prisma puramente economicista, essa caça-
ua não representaria mais do que uma maneira floreada
de fornecer carne il aldeiu Empobrecedora como seria lal
vis~o. pois, quando muito, relegaria à calL:goria de detalhi!S
aspectos culturais muito importantes para aqueles que vi
vem essa cultura, eln támbém teria o defeito <.11! minimizar
a interdependência das esferas da vida indígena. O caçador
Sanumú não pode ignorar - e nem ele nem ninguém igno-
ra que tem responsabilidades para com o nuvo filho
c p11rn com as entidades sobrenaturais, que requerem ações
e atitudes especiais, mc~mu em conte:xtos que rotineiramen-
te são tão prosaicos como uma caçada. O caçador Sanumá
h.:m tudo isso em mente quando procura matar um animal
que não .represente tabu como alimento e que seja ad~
quado à ocasião por ter um nome aproprindo para um ser
humano, o que nem sempre ocorre.
Sendo tão intrincadamcnte ligado n assuntos não-eco-
nômicos, o trabalho em sociedades indígenas não repre-
senta, estritamente falando, o lado oposto, a contrapartida
do lazer. O sistema de produção é organizado de tal ma-
neira que permite a quem produz a liberdade de manifestar
con vi\lllidade, tendências estéticas, gratificação fisicu ou
o que quer que esteja envolvido em atividades de lazer.
isso no p rocesso mesmo de produzir. Assim como não
existe uma divisão social entre classe ociosa e classe traba-
lhadora, também não exjste uma divisão temporal entre
tempo produtivo (trabalho) e tempo recreativo (lazer).
Um grupo de caçadores numa trilha da floresta niiu
está compelido a obedecer a um horúrio fi~o. uenlro du
qual é proibido divergir da atividade centml, parar de tra-
balhar ou conversar com os companheiros. Cles têm a li-
16
Penúria ou fartura?
Na realidade, as demandas econômicas de uma socie-
dade indígena são minúsculas quando comparadas com as
de uma sociedade industrial, que, para garantic a sua pró-
pria continuidade, necessita criar sempre novas demandas
de mercado. O acervo material de uma sociedade indfgena
~ rclotivamcntc limitado, sendo que, em alguns casos, uma
famnia pode. lilcralmcnlc, carregar todos os seus perten-
%9
Produção
O saber da produção
- -- - - -
. -~~
38
Distribuição e consumo
Esse principio de reciprocidade que rege a distri-
buição interna numa sociedade indígena envolve não só os
membros de uma mesma aJdeia, mas também os de várias
alueias ou de várias sociedades como, entre muitos outros.
no caso do Alto Xingu, ou da região do Alto rio Ncgru.
Segundo Goldman:
A área inteira do noroeste amazõnico é uma rede de troeos
vastamente complexa Objetos de todo tipo, utenslllos do·
rnéstlcos, ornamentos. lnst~mentos musicais, objetos ceri-
moniais, plantas, animais de estlmaçao e substtlnclss má·
glcas estão em circulação constante do tribo a tribo, de
slb a sib. Os fndlos que estão em contato com os centros
comerciais de colombianos ou brasileiros servem multas
vezes de lntennedlárlos, bombeando bens manufaturados
para a corrente das trocas - pano. sol. anzóis. armas,
terçados, além da ornamentos baratos.
O local de residência
As unidades residenciais
O casamento
Socialização
Poder
Autoridade
DescentraJização
Xamanismo
Feitiçaria
Concepção do cosmos
Messianismo
lm~por
W, llotb & Cla, l,tda.