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Palavras 11

4.º Teste - 11.º ano fevereiro / março

Grupo I (100 pontos)


Educação Literária

A (60 pontos)

Lê o texto e consulta as notas apresentadas.

Daí a dias, Afonso da Maia viu enfim Maria Monforte. Tinha jantado na quinta do
Sequeira ao pé de Queluz, e tomavam ambos o seu café no mirante, quando entrou pelo
caminho estreito que seguia o muro a caleche azul com os cavalos cobertos de redes.
Maria, abrigada sob uma sombrinha escarlate, trazia um vestido cor-de-rosa cuja roda, toda
em folhos, quase cobria os joelhos de Pedro sentado ao seu lado: as fitas do seu chapéu,
apertadas num grande laço que lhe enchia o peito, eram também cor-de-rosa: e a sua face,
grave e pura como um mármore grego, aparecia realmente adorável, iluminada pelos olhos
dum azul sombrio, entre aqueles tons rosados. No assento defronte, quase todo tomado por
cartões de modista, encolhia-se o Monforte, de grande chapéu panamá, calça de ganga, o
mantelete da filha no braço, o guarda-sol entre os joelhos. Iam calados, não viram o
mirante; e, no caminho verde e fresco, a caleche passou com balanços lentos, sob os ramos
que roçavam a sombrinha de Maria. O Sequeira ficara com a chávena de café junto aos
lábios, de olho esgazeado, murmurando:
− Caramba! É bonita!
Afonso não respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate que, agora, se
inclinava sobre Pedro, quase o escondia, parecia envolvê-lo todo − como uma larga
mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.
O Outono passou, chegou o Inverno, frigidíssimo. Uma manhã, Pedro entrou na
livraria onde o pai estava lendo junto ao fogão; recebeu-lhe a bênção, passou um momento
os olhos por um jornal aberto, e voltando-se bruscamente para ele:
− Meu pai − disse, esforçando-se por ser claro e decidido − venho pedir-lhe licença
para casar com uma senhora que se chama Maria Monforte.
Afonso pousou o livro aberto sobre os joelhos, e numa voz grave e lenta:
− Não me tinhas falado disso.... Creio que é a filha dum assassino, dum negreiro 1, a
quem chamam também a negreira...
− Meu pai!...
Afonso ergueu-se diante dele, rígido e inexorável como a encarnação mesma da honra
doméstica.

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traficante de escravos.

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− Que tens a dizer-me mais? Fazes-me corar de vergonha.


Pedro, mais branco que o lenço que tinha na mão, exclamou todo a tremer, quase em
soluços:
− Pois pode estar certo, meu pai, que hei de casar!
Saiu, atirando furiosamente com a porta. No corredor gritou pelo escudeiro, muito alto
para que o pai ouvisse, e deu-lhe ordem para levar as suas malas ao hotel da Europa.
Dois dias depois Vilaça entrou em Benfica, com as lágrimas nos olhos, contando que o
menino casara nessa madrugada − e segundo lhe dissera o Sérgio, procurador do Monforte,
ia partir com a noiva para a Itália.

Eça de Queirós, Os Maias [cap. I], Porto: Porto Editora, 2014, pp. 29-30.

1. Enquadra o episódio dentro da estrutura da obra.


2. Relativamente ao início da ação da obra, este episódio constitui um recuo no
tempo. Explica a estratégia narrativa utilizada.
3. Identifica um momento em que a passagem do tempo é marcada a partir de uma
elipse, desvalorizando os eventos suprimidos.

B (40 pontos)
Lê o seguinte texto.

ESCUDEIRO Antes que mais, diga agora,


Deus vos salve, fresca rosa,
e vos dê por minha esposa,
por mulher e por senhora.
Que bem vejo
nesse ar, nesse despejo,
mui graciosa donzela,
que vós sois, minha alma, aquela
que eu busco e que desejo.

Obrou bem a Natureza


em vos dar tal condição
que amais a discrição
muito mais que a riqueza.
Bem parece
que a discrição merece
gozar vossa fermosura,
que é tal que, de ventura,
outra tal não se acontece.

Senhora, eu me contento
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receber-vos como estais:


se vós vos não contentais,
o vosso contentamento
pode falecer: no mais.

LATÃO Como fala!

VIDAL E ela como se cala!


Tem atento o ouvido…
Este há de ser seu marido,
segundo a coisa s’abala.

Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira.

4. Explicita, na fala do Escudeiro, marcas de um discurso sedutor e elogioso que


caracterizam a personagem, introduzindo expressões comprovativas.
5. Identifica dois recursos expressivos e explica a sua expressividade.

Grupo II (50 pontos)

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a
opção escolhida.

Leitura | Gramática

A Questão Coimbrã, nome pelo qual a polémica ficou conhecida na época, é uma
das mais renhidas batalhas do século XIX que se manteve acesa durante quase um ano
numa guerra de opúsculos, artigos, folhetins, defendendo ou atacando as duas
personalidades em foco – António Feliciano Castilho e Antero de Quental.
Em boa verdade, o desencontro de palavras e conceitos começara já em meados de
1865 com as intervenções de Manuel Pinheiro Chagas, um dos protegidos de Castilho, em
folhetins nos jornais de Lisboa, ridicularizando Antero de Quental e Teófilo Braga
chamando “tisanas1 filosóficas” aos conceitos expressos nos prefácios dos seus livros de
poesia. Estes pontos de vista não correspondiam aos cânones defendidos por Castilho e a
sua corte de jovens literatos, ansiosos por agradar ao “patriarca das letras” que, de Lisboa,
fustigavam os coimbrões. A poesia devia ser entendida por todos “sem idealidades e
abstrações mascaradas em literatura e poesia”.
Assim se expressava Castilho na carta enviada ao editor António Maria Pereira,
felicitando-o pela publicação do medíocre livro de Manuel Pinheiro Chagas Poema da
Mocidade. Nessa extensíssima carta, semeada de citações, principalmente latinas, aproveita

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bebida pouco carregada de princípios ativos (sentido irónico).

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para afirmar que a poesia andava com o “fastio de morte à verdade e à simplicidade” e que
Antero e Teófilo voam muito alto, mas não se sabia qual seria o seu destino.
Estas opiniões provocaram a indignação de Antero que respondeu com o violento
opúsculo Bom Senso e Bom Gosto, o outro título pelo qual também é conhecida a
polémica. Explica que a atitude do “patriarca das letras” deriva do facto de jovens
escritores ‒ “hereges das letras” ‒ se revoltarem contra as autoridades literárias e ousarem
seguir a sua carreira intelectual sem pedir autorização a ninguém. Acusa ainda Castilho de
se ter feito chefe de uma cruzada “tão desgraçada e mesquinha”.
As duras palavras de Antero deram lugar a intervenções, umas indignadas outras
elogiosas, em que participaram intelectuais como Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Camilo
Castelo Branco, Brito Aranha, Eduardo Vidal e muitos outros. Os diferentes pontos de
vista sobre a literatura ajudaram a enterrar a poesia passadista e criaram as condições para
a afirmação da que viria a denominar-se Geração de Setenta.
http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1058%3Amostra-a-questao-do-bom-
senso-e-bom-gosto-10-ago-2-out&catid=165%3A2015&Itemid=1077&lang=pt (consultado a 29.01.2018)

 Leitura/Gramática
1. A Questão Coimbrã foi, no século XIX,
(A) uma das batalhas entre liberais e miguelistas.
(B) uma forte polémica causada por divergências políticas.
(C) uma acesa discussão por causa de pontos de vista literariamente divergentes.
(D) um inócuo desencontro de ideias entre Castilho e Antero.

2. A frase “Antero e Teófilo voam muito alto, mas não se sabia qual seria o seu
destino.” (l. 17)
(A) destaca a necessidade de mudança dos cânones literários.
(B) é escrita por Castilho para menosprezar os novos ideais literários.
(C) valoriza a modernidade de Antero e Teófilo.
(D) escrita por Pinheiro Chagas para atacar os novos ideais literários.

3. O opúsculo Bom Senso e Bom Gosto


(A) agita e transforma o panorama literário do século XIX.
(B) sacode a cena literária do século XX.
(C) prolonga a polémica iniciada pelos protegidos de Castilho.
(D) é a obra-prima de Antero de Quental.

4. O referente do pronome pessoal presente em “felicitando-o pela publicação do


medíocre livro de Manuel Pinheiro Chagas Poema da Mocidade” (ll.14-15) é
(A) “Manuel Pinheiro Chaga”.
(B) “o editor António Maria Pereira”
(C) “Castilho”.
(D) “o medíocre livro”.

5. As palavras/expressões “Em boa verdade” e “Assim” contribuem para


(A) a coesão frásica.

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(B) a coerência textual.


(C) a coesão lexical.
(D) a coesão interfrásica.

6. O elemento sublinhado desempenha na frase “o desencontro de palavras e


conceitos começara já em meados de 1865” (ll. 5-6) a função sintática de
(A) complemento do nome.
(B) modificador.
(C) complemento oblíquo.
(D) modificador do nome.

7. A palavra sublinhada na expressão “que se manteve acesa” (l. 2) é


(A) um pronome relativo.
(B) uma conjunção coordenativa.
(C) um pronome demonstrativo.
(D) uma conjunção subordinativa.

8. Indica a função sintática da expressão “um dos protegidos de Castilho” (l. 6).
9. Identifica o sujeito da oração subordinada em “Estas opiniões provocaram a
indignação de Antero que respondeu com o violento opúsculo Bom Senso e Bom
Gosto” (ll. 18-19).
10. Classifica a oração sublinhada em “Explica que a atitude do ‘patriarca das letras’
deriva do facto de jovens escritores ‒ “hereges das letras” ‒ se revoltarem contra as
autoridades literárias e ousarem seguir a sua carreira intelectual sem pedir
autorização a ninguém” (ll. 20-22).

Grupo III (50 pontos)


Escrita
A Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza a liberdade de informar e
o direito de ser informado, no entanto, assistimos frequentemente à violação destes direitos.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 300 palavras,
apresenta um texto de opinião sobre o que é afirmado no excerto, considerando a liberdade
de imprensa na atualidade.

Para fundamentares o teu ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um
deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

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