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TECNOLOGIA

‘Somos cada vez menos felizes


e produtivos porque estamos
viciados na tecnologia’
"Há um usuário novo, uma notícia nova, um novo recurso. Alguém fez algo, publicou
algo, enviou uma foto de algo, rotulou algo. Você tem cinco mensagens, vinte curtidas,
doze comentários, oito retweets"

11 min de
leitura

BBC NEWS MUNDO


24 FEV 2020 - 08H45 | ATUALIZADO EM 24 FEV 2020 - 08H52

BBC: Desde os anos 90, quando descobriu a cena dos hackers em Madri, a jornalista espanhola
Marta Peirano estuda a tecnologia de forma crítica (Foto: Alvaro Minguito via BBC )

"Há um usuário novo, uma notícia nova, um novo recurso. Alguém fez
algo, publicou algo, enviou uma foto de algo, rotulou algo. Você tem
cinco mensagens, vinte curtidas, doze comentários, oito retweets. (...) As
pessoas que você segue seguem esta conta, estão falando sobre este
tópico, lendo este livro, assistindo a este vídeo, usando este boné,
comendo esta tigela de iogurte com mirtilos, bebendo este drinque,
cantando esta música."

O cotidiano digital descrito pela jornalista espanhola Marta Peirano, autora


do livro El enemigo conoce el sistema (O inimigo conhece o sistema, em
tradução livre), esconde na verdade algo nada trivial: um sequestro
rotineiro de nossos cérebros, energia, horas de sono e até da
possibilidade de amar no que ela chama de "economia da atenção",
movida por tecnologias como o celular.

SAIBA MAIS

Estamos viciados em tecnologia ou apenas em


transição para o futuro?

Precisamos de políticas públicas que distribuam


os benefícios da tecnologia, diz Perelmuter

Nesse ciclo, os poderosos do sistema enriquecem e contam com os


melhores cérebros do mundo trabalhando para aumentar os lucros
enquanto entregamos tudo a eles.

"O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você oferece em


troca", diz a jornalista.

Desde os anos 90, quando descobriu a cena dos hackers em Madri, até
hoje, ela não parou de enxergar a tecnologia com um olhar crítico e
reflexivo. Seu livro narra desde o início libertário da revolução digital até
seu caminho para uma "ditadura em potencial", que para ela avança aos
trancos e barrancos, sem que percebamos muito.

Marta Peirano foi uma das participantes do evento Hay Festival


Cartagena, um encontro de escritores e pensadores que aconteceu na
cidade colombiana entre 30 de janeiro e 2 de fevereiro. A seguir, leia a
entrevista concedida à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

BBC News Mundo - Você diz que a 'economia da atenção' nos rouba
horas de sono, descanso e vida social. Por quê?

Marta Peirano - A economia da atenção, ou o capitalismo de vigilância,


ganha dinheiro chamando nossa atenção. É um modelo de negócios que
depende que instalemos seus aplicativos, para que eles tenham um posto
de vigilância de nossas vidas. Pode ser uma TV inteligente, um celular no
bolso, uma caixinha de som de última geração, uma assinatura da Netflix
ou da Apple.

E eles querem que você os use pelo maior tempo possível, porque é
assim que você gera dados que os fazem ganhar dinheiro.

BBC News Mundo - Quais dados são gerados enquanto alguém assiste a
uma série, por exemplo?

Peirano - A Netflix tem muitos recursos para garantir que, em vez de


assistir a um capítulo por semana, como fazíamos antes, você veja toda a
temporada em uma maratona. Seu próprio sistema de vigilância sabe
quanto tempo passamos assistindo, quando paramos para ir ao banheiro
ou jantar, a quantos episódios somos capazes de assistir antes de
adormecer. Isso os ajuda a refinar sua interface.

Se chegarmos ao capítulo quatro e formos para a cama, eles sabem que


esse é um ponto de desconexão. Então eles chamarão 50 gênios para
resolver isso e, na próxima série, ficaremos até o capítulo sete.

BBC News Mundo - Os maiores cérebros do mundo trabalham para sugar


nossa vida?

Peirano - Todos os aplicativos existentes são baseados no design mais


viciante de que se tem notícia, uma espécie de caça-níquel que faz o
sistema produzir o maior número possível de pequenos eventos
inesperados no menor tempo possível. Na indústria de jogos, isso é
chamado de frequência de eventos. Quanto maior a frequência, mais
rápido você fica viciado, pois é uma sequência de dopamina.

Toda vez que há um evento, você recebe uma injeção de dopamina —


quanto mais eventos encaixados em uma hora, mais você fica viciado.

BBC News Mundo - Todo tuíte que leio, todo post no Facebook que
chama minha atenção, toda pessoa no Tinder de quem gosto é um
'evento'?

Peirano - São eventos. E na psicologia do condicionamento, há o


condicionamento de intervalo variável, no qual você não sabe o que vai
acontecer. Você abre o Twitter e não sabe se vai retuitar algo ou se vai se
tornar a rainha da sua galera pelos próximos 20 minutos.

Não sabendo se receberá uma recompensa, uma punição ou nada, você


fica viciado mais rapidamente.

A lógica deste mecanismo faz com que você continue tentando, para
entender o padrão. E quanto menos padrão houver, mais seu cérebro
ficará preso e continuará, como os ratinhos na caixa de [B.F.] Skinner, que
inventou o condicionamento de intervalo variável. O rato ativa a alavanca
obsessivamente, a comida saindo ou não.

BBC News Mundo - Os adultos podem entender isso, mas o que acontece
com as crianças que apresentam sintomas de abstinência quando não
estão conectadas ao Instagram, YouTube, Snapchat, Tik Tok por
exemplo?

Peirano - As redes sociais são como máquinas caça-níqueis,


quantificadas na forma de curtidas, corações, quantas pessoas viram seu
post. E isso gera um vício especial, porque trata-se do que a sua
comunidade diz — se o aceita, se o valoriza. Quando essa aceitação, que
é completamente ilusória, entra em sua vida, você fica viciado, porque
somos condicionados a querer ser parte do grupo.

Eles [as empresas] conseguiram quantificar essa avaliação e transformá-


la em uma injeção de dopamina. As crianças ficam viciadas? Mais rápido
do que qualquer um. E não é que elas não tenham força de vontade, é
que elas nem entendem por que isso pode ser ruim.

Não deixamos nossos filhos beberem Coca-Cola e comer balas porque


sabemos que o açúcar é prejudicial; mas damos a eles telas para serem
entretidos, porque dessa forma não precisamos interagir com eles.

BBC News Mundo - E o que podemos fazer?

Peirano - Interagir com elas. Uma criança que não tem uma tela fica
entediada. E uma criança entediada pode ser irritante, se você não estiver
disposto a interagir com ela, porque talvez você prefira estar fazendo
outras coisas.

BBC News Mundo - Olhando para sua própria tela, por exemplo?

Peirano - Vemos famílias inteiras ligadas ao celular e o que está


acontecendo é que cada um está administrando seu próprio vício. Todo
mundo sabe que os jogos de azar são ruins, que a heroína é ruim, mas o
Twitter, o Facebook, não — porque eles também se tornaram ferramentas
de produtividade.

Então, eu, que sou jornalista, quando entro no Twitter é porque preciso
me informar; a cabeleireira no Instagram estará assistindo a um tutorial;
há uma desculpa para todos.

O vício é o mesmo, mas cada um o administra de maneira diferente. E


dizemos a nós mesmos que não é um vício, mas que estamos ficando
atualizados e mais produtivos.

BBC News Mundo - Poderíamos nos caracterizar como viciados em


tecnologia?

Peirano - Não somos viciados em tecnologia, somos viciados em injeções


de dopamina que certas tecnologias incluíram em suas plataformas. Isso
não é por acaso, é deliberado.

Há um homem ensinando em Stanford (universidade) àqueles que criam


startups para gerar esse tipo de dependência.

Existem consultores no mundo que vão às empresas para explicar como


provocá-la. A economia da atenção usa o vício para otimizar o tempo que
gastamos na frente das telas.

BBC: Peirano diz que todos estamos viciados, mas cada um administra — e justifica — seu vício de
uma maneira diferente (Foto: GETTY IMAGES VIA BBC )

BBC News Mundo - Como você fala no livro, isso também acontece com
a comida, certo? Somos manipulados por cheiros, ingredientes, e nos
culpamos por falta de vontade e autocontrole (na dieta, por exemplo).

Peirano - É quase um ciclo de abuso, porque a empresa contrata 150


gênios para criar um produto que gera dependência instantânea.

Seu cérebro é manipulado para que a combinação exata de gordura,


açúcar e sal gere uma sensação boa, mas como isso [a combinação] não
nutre o corpo, a fome nunca passa, e você experimenta um tipo de curto-
circuito: seu cérebro está pedindo mais, porque é gostoso, mas o resto do
seu corpo diz que está com fome.

Como no anúncio da Pringles, "Once you pop, you can't stop" [depois que
você abre, não consegue parar, em tradução livre]. O que é
absolutamente verdade, porque abro um pote e até que eu o coma inteiro,
não consigo pensar em outra coisa.

Então, dizem: 'bem, isso é porque você é um glutão'. O pecado da gula!


Como você não sabe se controlar, vou vender um produto que você pode
comer e comer e não fará você engordar, os iogurtes light, a Coca-Cola
sem açúcar.

E a culpa faz parte desse processo. No momento, no Vale do Silício,


muitas pessoas estão fazendo aplicativos para que você gaste menos
tempo nos aplicativos. Esse é o iogurte.

BBC News Mundo - Essa conscientização, de entender como funciona,


ajuda? É o primeiro passo?

Peirano - Acho que sim. Também percebo que o vício não tem nada a ver
com o conteúdo dos aplicativos.

Você não é viciado em notícias, é viciado em Twitter; não é viciado em


decoração de interiores, é viciado em Pinterest; não é viciado em seus
amigos ou nos seus filhos maravilhosos cujas fotos são postadas, você é
viciado em Instagram.

O vício é gerado pelo aplicativo e, quando você o entende, começa a vê-


lo de maneira diferente. Não é falta de vontade: eles são projetados para
oferecer cargas de dopamina, que dão satisfação imediata e afastam de
qualquer outra coisa que não dá isso na mesma medida, como brincar
com seu filho, passar tempo com seu parceiro, ir para a natureza ou
terminar um trabalho — tudo isso exige uma dedicação, já que há
satisfação, só que não imediata.

BBC News Mundo - De tudo o que você cita, manipulações, vigilância,


vícios, o que mais a assusta?

Peirano - O que mais me preocupa é a facilidade com que as pessoas


estão convencidas a renunciar aos seus direitos mais fundamentais e a
dizer: quem se importa com meus dados? Quem se importa com onde eu
estive?

Há 40 anos, pessoas morriam pelo direito de se encontrar com outras


pessoas sem que o governo soubesse suas identidades; pelo direito de
ter conversas privadas ou pelo direito de sua empresa não saber se há
uma pessoa com câncer em sua família.

Custou-nos muito sangue para obtê-los (os direitos) e agora estamos


abandonando-os com um desprendimento que não é natural — é
implantado e alimentado por um ecossistema que se beneficia dessa
leveza.

BBC News Mundo - Quando você envia um email, sabe que outros
podem lê-lo, mas de fato pensamos: quem se importará com o que eu
escrevo?

Peirano - Ninguém realmente se importa, até o momento que se importe,


porque todo esse material é armazenado e, se estiver disponível para o
governo, ele terá ferramentas para contar qualquer história sobre você. E
você não poderá refutá-lo.

Se o governo quiser colocá-lo na cadeia porque você produz um material


crítico, ele pode encontrar uma maneira de vinculá-lo a um terrorista.
Bem, talvez seus filhos tenham estudado juntos por um tempo e possa
ser mostrado que as placas dos seus carros coincidiram várias vezes na
mesma estrada por três anos. Nesse sentido, seus dados são perigosos.

BBC News Mundo - Você diz no livro que "2,5 quintilhões de dados são
gerados todos os dias", incluindo milhões de e-mails, tuítes, horas de
Netflix e pesquisas no Google. O que acontece com tudo isso?

Peirano - Estamos obcecados com nossos dados pessoais, fotos,


mensagens... Mas o valor de verdade é estatístico, porque suas
mensagens, com as de outras bilhões de pessoas, informam a uma
empresa ou a um governo quem somos coletivamente.

Eles os usam primeiro para os anunciantes. E depois para criar previsões,


porque este é um mercado de futuros.

Eles sabem que quando, em um país com certas características, o preço


da eletricidade sobe entre 12% e 15%, acontece X; mas, se sobe entre
17% e 30%, outra coisa Y acontece. As previsões são usadas para
manipular e ajustar suas atividades — para saber, por exemplo, até onde
você pode prejudicar a população com o preço das coisas antes ela se
revolte contra você ou comece a se suicidar em massa.

BBC News Mundo - Como o que aconteceu no Chile, com manifestações


motivadas inicialmente pelo aumento no preço da passagem do metrô..?

Peirano - Talvez o governo chileno não esteja processando dessa


maneira, mas o Facebook está, o Google está — porque todas as
pessoas na rua têm o celular no bolso. E elas o carregaram durante os
últimos anos de sua vida.

O Facebook sabe em que bairros aconteceu o que e por quê; como as


pessoas se reúnem e como se dispersam; quantos policiais precisam
chegar para que a manifestação se dissolva sem mortes.

BBC News Mundo - Mas quem está disposto a ficar sem o celular, a
internet? Qual é o caminho para o cidadão normal?

Peirano - O problema não é o celular, não é a internet. Todas as


tecnologias das quais dependemos são ferramentas da vida
contemporânea, voluntariamente as colocamos em nossos celulares. Mas
elas não precisam da vigilância para funcionar, nem precisam monitorar
você para prestar um serviço. Eles não precisam disso, o que acontece é
que a economia de dados é muito gulosa.

BBC News Mundo - Os negócios são tão lucrativos que vão continuar a
fazê-lo da mesma maneira ainda que tentemos impor limites?

Peirano - É muito difícil para um governo enfrentar tecnologias que


facilitam esse controle populacional, que é interessante. Mas a ideia é
exigir que isso aconteça.

Se, agora, você desativar todos os sistemas de geolocalização do seu


celular, eles continuarão a geolocalizá-lo.

Assim como no Facebook ou no Twitter, em que você pode bloquear o


que posta para algumas pessoas ou para todos — somente você... e o
Facebook veem. O que acontece nos centros de dados deles, acontece
para você e para eles. Você não pode bloquear o Facebook, porque você
está no Facebook.

BBC News Mundo - Você está sugerindo que precisamos nos rebelar e
exigir privacidade?

Peirano - Mas não contra empresas. É natural que elas se beneficiem de


uma fonte de financiamento tão barata e gloriosamente eficaz. MAIS LIDAS

O que não é natural é que um governo destinado a proteger os direitos de


seus cidadãos o permita. E a questão é que cada vez mais governos
chegam ao poder graças a essas ferramentas.

Então, o que deve ser feito? Precisamos começar a transformar essa Por que a premiê
da Finlândia diz
questão fundamental em um debate política nos níveis local e mais
que é mais fácil
amplo, ou seja, em ação coletiva, ação política. conquistar o
‘sonho
BBC News Mundo - Esse debate está acontecendo em algum lugar do americano’...
mundo?

Peirano - Nas primárias democratas da campanha presidencial dos EUA


deste ano, essa é uma das questões cruciais. Está em debate se essas
empresas devem ser gerenciadas de outra maneira ou serem
Cientistas
fragmentadas, porque além de tudo também são um monopólio.
descartam que
novo vírus tenha
No entanto, na Europa e na América Latina, nos cansamos de falar sobre origem em
notícias falsas, seus efeitos, campanhas tóxicas... Na Espanha, houve mercado em
três eleições gerais em três anos e nenhum político fala sobre isso. Wuhan - Época...

BBC News Mundo - O sistema é nosso inimigo, então?

Peirano - Somos integrados a e dependemos de sistemas que não


sabemos como funcionam ou o que querem de nós. Facebook, Google e
'Mad' Mike
outros dizem que querem que nossa vida seja mais fácil, que entremos
Hughes: Piloto
em contato com nossos entes queridos, que sejamos mais eficientes e americano morre
trabalhemos melhor, mas o objetivo deles não é esse, eles não foram em foguete
projetados para isso, mas para sugar nossos dados, nos manipular e caseiro que
vender coisas. tentava provar
que...

Eles nos exploram e, além disso, somos cada vez menos felizes e menos
produtivos, porque somos viciados [na tecnologia].
Navio russo
suspeito de
espionagem
coloca Marinha
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