Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÃO PAULO – SP
2017
ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING
CIÊNCIAS SOCIAIS E DO CONSUMO
SÃO PAULO – SP
2017
Sumário
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................3
1. INTRODUÇÃO À VIGILÂNCIA.....................................................................................4
2. A INTERNET DAS COISAS.............................................................................................6
3. A INTERNET DAS COISAS E A VIGILÂNCIA.............................................................8
4. CONCLUSÃO:.................................................................................................................10
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................11
INTRODUÇÃO
O artigo tem como temática principal a abordagem da vigilância por meio da internet das
coisas, considerando a seguinte questão problema: em que medida se dá a exposição dos
sujeitos em meio ao uso das redes sociais? A partir dessa problemática o objetivo é por em
pauta o paradoxo entre a sociedade da vigilância e a privacidade daquele envolvido na
cibercultura. O conteúdo deste artigo será fundamentado em 1984, de George Orwell (1949),
Michel Foucault (2009), Fernanda Bruno (2013) e Pierre Lévy (2003). Por fim, o trabalho
contribui para que haja uma reflexão e uma conscientização dos desdobramentos dos dados
que são tornados públicos nas redes sociais.
Para iniciar o artigo há uma contextualização e conceituação sobre como foi representada
a vigilância. Michel Foucault já estudava sobre vigiar e controlar as pessoas há anos, vide em
seu livro Vigiar e Punir, publicado originalmente em 1975, que analisa o conceito de
vigilância e controle na Idade Moderna. Para efeito didático, será feita uma relação entre a
vigilância e o livro 1984, na qual será melhor esclarecida a conceituação do sociólogo acerca
de vigiar.
É colocado em pauta o paradoxo entre o que é determinado como público e o que é
privado. Bauman faz mais uma observação sobre o assunto, em entrevista para o The
Guardian, em 20111:
“Tudo o que é privado agora é feito, potencialmente, em público –e está potencialmente
disponível para o consumo público; e permanece disponível para a duração, até o fim do
tempo, assim como a internet ‘não pode ser feita para esquecer’ nada uma vez que se está
gravado em qualquer um dos seus inúmeros servidores. […] A escolha entre o público e o
privado está saindo das mãos das pessoas, com a cooperação entusiasta das pessoas e os
aplausos ensurdecedores’, a partir dessa fala podemos perceber o quanto somos reféns das
informações que são coletadas a nosso respeito.”
1. INTRODUÇÃO À VIGILÂNCIA
Publicado em 1949, pelo inglês George Orwell, a realidade vivida no livro 1984 não
parece tão distante dos dias atuais. Na obra, o autor descreve a sociedade de um Estado
totalitário, regida pelo Partido. No mundo distópico de Orwell, o Partido, personificado pelo
Big Brother, O Grande Irmão, tudo vê, tudo ouve e tudo sabe, controlando até mesmo os
pensamentos dos indivíduos.
A exposição na era da internet das coisas2 (ou IOT) é, muitas vezes, voluntária – um
clique para uma foto, um pensamento ou uma localização podem ser divulgados para toda
uma rede que está fora do controle dos usuários que compartilham essas informações. A
vigilância passa a ser algo onipresente e praticamente imperceptível, e os dados coletados
podem ser utilizados para vários fins.
O filósofo Michel Foucault, em Vigiar e Punir explica o panóptico como “o olho que
tudo vê”. A referência para o termo utilizado pelo autor é do projeto arquitetônico de uma
prisão, do também filósofo e jurista Jeremy Bentham. O dispositivo permite que os guardas
2 Segundo o estudo CERP 2009 (Cluster of European Research Projects on the Internet of Things), a Internet das Coisas é definida como uma rede dinâmica
global com uma autoconfiguração que ocorre por meio de “coisas” virtuais e reais, essas definidas por um padrão de comunicação que funciona por interfaces
Nos dias atuais, o panoptismo ultrapassa as esferas de poder e pode ser aplicado à
sociedade, atingindo o cotidiano de cada indivíduo. A vigilância, dessa forma, pode ser feita
não apenas por empresas como Google, Facebook e Yahoo!, mas por qualquer cidadão que
tenha acesso à internet e, consequentemente, à informação. Isso só se torna possível pela
proliferação da IOT.
Essa vigilância, que, supostamente, deveria causar incômodo pela falta de liberdade,
não perturba, e os indivíduos sentem-se à vontade para compartilhar selfies, rotinas e os
detalhes sobre suas vidas. Diante disso, Bauman, em seu livro Vigilância Líquida (2012)
reflete sobre a fluidez da segurança no mundo. Ao tratar sobre a “vigilância líquida”, ele
estata que a sociedade não apenas consente fazer parte do controle, como também contribui
para ela, sem considerar os riscos de uma vida observada. A vigilância, para ele, se tornou
liquefaz, podendo estar presente em todos os espaços.
As redes sociais são um fenômeno de enorme alcance presente na vida de quase todos
com um smartphone ao seu dispor. Com essa tecnologia em mãos, entretanto, é cada vez
mais difícil controlá-la e usá-la de modo racional. Tal contexto é justificado por Vargas
Llosa (2013) e a “civilização do espetáculo”1. O uso exacerbado das redes sociais se
evidencia pela busca por um espetáculo ou pela busca por um prazer momentâneo, facilitado
pelas redes sociais, plataformas nas quais, assim como em 1984 ou no panóptico de Foucault,
o indivíduo pode ver sem ser visto.
Llosa não é o único que pode se relacionar com esse excessivo consumo de
informações superficiais. Tomás de Aquino2, filósofo medieval, também trata sobre o
assunto, justificando o hábito como um dos sete pecados capitais. O evento evidenciado
atualmente pode se relacionar com a Preguiça, antes chamado de acídia. Esse pecado capital é
caracterizado pela perda do eu em meio à distração. Tomás de Aquino pregava que todos
teriam que se tornar aquilo que tinha a potência para ser, como uma semente - que ainda não
é árvore, mas tem potência para sê-la; desviando-se de seu caminho para alcançar quem tem
que ser, a pessoa cometerá a acídia. No mundo moderno as redes sociais são usadas para se
distanciar de quem se deve ser. A rede social tira do indivíduo o ócio - o tempo de ficar
consigo mesmo. É nesse tempo ócio que a pessoa reflete sobre si e sobre sua potência, porém
ao ocupar esse tempo vigiando o alheio nas redes sociais se comete um dos sete pecados
capitais, também chamais maços de vícios capitais, que cai muito bem ao pensar no uso
contínuo dessa rede de fuga que se tornou a socialização online.
Tanto o pensamento de Llosa quanto o de Tomás de Aquino convergem na ideia de
mostrar que a interação por meio da tecnologia causa vícios, ciclos dificilmente rompíveis e
que quando muito fortes tendem a extinguir as fronteiras entre real e virtual. É nessa confusão
de limites que se fortalecem questões acerca da vigilância.
Em Máquinas De Ver, Modos De Ser: vigilância, tecnologia e subjetividade (2013,
p.18) Fernanda Bruno escreve: “...observação, conhecimento e intervenção. A observação
pode ser efetuada de diferentes modos (visual, mecânico, eletrônico, digital) e implica a
inspeção regular, sistemática e focalizada de indivíduos…” . Em outras palavras, não há uma
fórmula única para a vigilância. Uma dessas formas pode, sim, ser por meio virtual e no
anonimato, ou seguir os princípios de Foucault (2009) como um modo de controle e algo
físico. Entretanto, a vigilância não precisa ser física e muito menos explícita, como
o panóptico: hoje ela está misturada e disfarçada de lazer. Ao publicar algo em qualquer meio
digital a indivíduo abre mão da sua privacidade e torna pública a informação compartilhada,
que passa a fazer parte de um banco de dados, que está disponível tanto pelo governo ou
empresas quanto para cidadãos comuns, apenas por terem acesso à internet. A tecnologia,
portanto, facilita para que a vigilância se torne popular a todos.
Entretanto esse fácil acesso fez com se tornasse uma questão de discussão a
privacidade de alguém no meio digital. “Dada esta vasta quantidade de rastros pessoais
cotidianamente produzida, o monitoramento desses dados vem se tornando uma rotina dos
serviços, sites, redes sociais e plataformas de produção e compartilhamento de conteúdo na
Internet.” (BRUNO, 2013, p. 31). Aos poucos, hackers começaram a publicar informações
alheias, governos passaram a usar informações pessoais para benefício próprio, e empresas se
favoreceram dos dados divulgados. Os indivíduos, também aos poucos, percebem a falta de
segurança no mundo virtual, e problematizam a vigilância na web.
Tal problematização, entretanto, pode ser colocada em questão ao observar a
contribuição que os próprios vigiados dão para serem vigiados. De forma distópica é possível
ver claramente essa relação entre observadores e observados no filme Nerve (2016), que trata
do jogo fictício Nerve, em que as pessoas podem escolher ser jogadores ou observadores.
Assim como nas redes sociais os observadores são anônimos e usam dos atos extremos e
peculiares dos jogadores para se divertirem e obter o prazer momentâneo. Ainda em comum
com a realidade, os jogadores têm como objetivo entreter sua plateia virtual com feitos
espetaculares. O filme pode ser considerado uma crítica social ao hábito de estar sempre
focado em ver um espetáculo nas telas e não olhar ao seu redor na vida real. Assim como os
jogadores fazem de tudo para conseguir mais observadores, os hard users, termo usado para
caracterizar quem é um usuário muito presente na rede, se expõem, mentem e podem até
mesmo criar uma vida nova na internet para que consigam mais seguidores. A sociedade
virou carente de atenção virtual e precisa cada vez mais se expor para poder chamar atenção
do outro afim de se sentir realizado e satisfeito.
Levando em consideração este fato, é possível ver nele uma ligação com a auto
sabotagem, como pode ser evidenciado no trecho “Num estrato mais superficial e explícito,
há as informações pessoais e publicações que divulgamos voluntariamente na web (postagens
em blogs, dados de perfil e conversações nas redes sociais).” (BRUNO, 2013, p.123). Ou
seja, muitos dos dados que são usados para vigiar são fornecidos pelos próprios vigiados, e
nas mídias sociais isso pode ser claramente evidenciado, por haver uma forte auto exposição,
seja em busca de visibilidade ou apenas por número de likes.
Ainda, Fernanda Bruno alega que antes de pensar em outros invadindo a privacidade
alheia, é importante que cada indivíduo saiba a sua responsabilidade quando divulgando
informações consideradas pessoais, já que, ao entrarem em um servidor online, elas passam a
ser, de uma maneira ou outra, públicas.
4. CONCLUSÃO:
Por conta dessas angústias e preocupações, um novo mundo foi criado ao redor dessas
inovações com suas características próprias. Esse mundo envolveu o ciberespaço como um
todo, e o ampliou com ajuda da internet das coisas – ambos responsáveis por dar espaço para
novos ideais e valores, que foram aos poucos atribuindo uma característica única a todos os
seus usuários e os tornando reconhecíveis pela abundância de tecnologia que fazem questão
de estarem envoltos.
Como muitas coisas, o estudo da vigilância ganhou uma nova imagem dentro da
cibercultura, adquirindo particularidades como sua onipresença, dada por meio,
principalmente, das redes sociais e da internet das coisas. Dessa forma, é dado mais poder à
vigilância, alimentada pelos próprios usuários da rede, que expõe e consomem informações.
Logo, é visível que as pessoas são responsáveis também por sua autovigilância, por
alimentarem as redes sociais com informações pessoais a todos os momentos. As
consequências destas publicações são vistas na carência de privacidade, problema enfrentado
no ciberespaço, mas que deixou de ser assustador, como ressaltado por Bauman (2012), para
que a vida real possa continuar existindo na vida virtual.
REFERÊNCIAS
DA COSTA, Rogério. Sociedade de Controle. São Paulo: São Paulo em Perspectiva, 2004.
Nerve: Um Jogo Sem Regras. Direção: SCHULMAN, Ariel Schulman, Henry Joost.
Produção: KATAGAS, Anthony. Paris Filmes, 2016. Título original: Nerve.
ORWELL, George. 1984. Tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn. São Paulo:
Companhia das Letras: 2009.