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Saúde Mental Pós-Covid

A pandemia da COVID-19 impactou tanto o Brasil quanto vários países do mundo.


Diante da falta de vacina ou tratamento adequado, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) propôs, como principal forma de combate à pandemia, o distanciamento e
isolamento social. Com isso, a saúde mental das pessoas foi brutalmente atingida e
fragilizada, haja vista as recomendações de isolamento e afastamento físico. Logo, é
notória a importância de estudos que discutem a saúde mental das pessoas na
pandemia da doença (COELHO et al., 2022).

O isolamento social favoreceu inúmeros danos à saúde física e mental, pois a


necessidade de contato social é intrínseca do ser humano, comparado até mesmo,
ao consumo de alimentos e ao sono, necessidades básicas para a sobrevivência. As
consequências deste distanciamento vão desde o estresse até a supressão de
estímulos fundamentais do desenvolvimento cerebral (HALL, 1998 apud COELHO et
al., 2022).

Atualmente, é possível identificar vários estudos que indicam o aumento de


depressão, ansiedade, estresse, alteração na qualidade de vida e do sono e
aumento no uso de substâncias psicotrópicas decorrentes da pandemia
(MILIAUSKAS e FAUS, 2020).

a) Qualidade de Vida

Segundo a OMS, a definição para qualidade de vida pode ser: “[...] a percepção do
indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos
quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações” (PIRES et al., 2021).

Observou-se que, profissionais da saúde, especialmente os de enfermagem, tiveram


sua qualidade de vida afetada pela pandemia. E isso se deu devido a carga horário
de trabalho extenuante e ao medo de transmitir a doença aos seus familiares, uma
vez que até outubro de 2020 haviam 41.926 casos confirmados e 454 óbitos por
COVID-19 em profissionais da enfermagem no país (PIRES et al., 2021).

Para Rosa et al. (2021), não apenas profissionais da saúde foram afetados, mas
pacientes infectados também tiveram suas vidas afetadas. Foram cerca de 20% dos
pacientes hospitalizados por COVID-19 que desenvolveram complicações severas,
incluindo insuficiência respiratória, síndrome do desconforto respiratório agudo
(SDRA), choque, delirium e disfunção de múltiplos órgãos. Além disso, pacientes
críticos apresentaram dependência de terapias de suporte a órgãos com ventilação
mecânica prolongada e longas permanências na unidade de terapia intensiva (UTI) e
no hospital.

Dessa forma, a ocorrência mais elevada de incapacidades, como dependência para


atividades da vida diária, disfunções cognitivas, ansiedade, depressão e transtorno
de estresse pós-traumático (TEPT) contribuíram para a diminuição da qualidade de
vida dessas pessoas (ROSA et al., 2021).

As incertezas sobre o futuro durante um período pandêmico corroboraram na


diminuição da qualidade de vida das pessoas, principalmente em idosos,
estudantes, mulheres e divorciados, que tiveram sua rotina modificada, com
consequências nos aspectos psicológicos e físicos. Desse modo, Carvalho et al.
(2021) destaca a necessidade de propostas de organização e implementação de
serviços de atenção à saúde mental a esses grupos prioritários.

b) Qualidade de Sono

O sono de boa qualidade favorece o sistema imunológico, metabólico e endócrino,


assim como, interfere nas questões emocionais, na saúde física e no bem-estar da
pessoa (LIMA et al., 2021).

Grandes eventos estressantes (terremotos, incêndios e inundações) favorecem os


distúrbios do sono, logo, é provável que a pandemia do COVID-19 também venha
prejudicar o sono e os ritmos circadianos. E esses são os momentos em que o sono
saudável é particularmente indispensável para lidar de forma assertiva com a crise e
a incerteza sobre o futuro (TAUYR et al., 2021).

Para Richter et al. (2020), em meio a pandemia do COVID-19, estudos já


encontraram alta prevalência da qualidade do sono ruim na polução mundial,
ocasionado por questões emocionais e altas taxas de estresse.

A mudança de rotina diária da população mundial, perturbou os hábitos do dia-a-dia,


que são os reguladores dos ritmos circadianos. Tarefas diárias simples,
normalmente realizadas em horários fixos, como, acordar de manhã, ir ao trabalho,
fazer refeições, manter atividades sociais e atividades de lazer, foram todas
interrompidas ou modificadas pela pandemia (RICHTER et al., 2020).

A semana fica desestruturada quando não há uma rotina, não há mudanças de dias
úteis para os fins de semana e não existe distinção entre os horários para as
atividades. Para que se possa manter uma boa rotina de sono é necessário ter
horários corretos para dormir e acordar. Além de reduzir o uso excessivo de tela, o
qual atrasa o ritmo circadiano quando usado antes de dormir (RICHTER et al.,
2020).

O mesmo autor reforça que crianças e adolescentes também foram atingidas, onde
a quarentena levou a mudanças repentinas no seu cotidiano, devido a falta de aula
presencial e ao aumento do uso de aparelhos eletrônicos.

Para Lima et al. (2021), as pessoas em que a renda diminuiu muito, ficaram sem
emprego e aumentou a quantidade de trabalho doméstico, a piora ou incidência de
problemas de sono também foram maiores.

Mas, também tem indícios de problemas de sono em profissionais da saúde,


ocasionado pelo desgaste físico devido ao isolamento social, o uso de equipamentos
de proteção individual por horas resultando em desidratação e exaustão, a
necessidade de constante vigilância em relação à contaminação e infecção durante
a realização de procedimentos, carga de trabalho excessiva, preocupações em
relação à família e medo de contaminação (JAHRAMI et al., 2020 apud TAUYR et
al., 2021).

Não obstante, um estudo de Jahrami et al. (2020) apontou que a maior prevalência
dos distúrbios do sono ocorreu no sexo feminino, sendo este um fator preditivo para
distúrbios do sono. Acredita-se que seja pelos inúmeros papéis que a mulher
desempenha na sociedade, pois muitas vivenciam dupla jornada, somado aos
aspectos estressantes do meio profissional (TAUYR et al., 2021).

A importância para estabelecer uma organização e higiene do sono se dá para evitar


dificuldades cognitivas e comportamentais, assim como, prejuízos na memória e na
atenção. Um sono de boa qualidade é imprescindível para a saúde física e mental
das pessoas. E para as crianças, a falta de sono pode comprometer o seu
desenvolvimento e crescimento, além de levar a um risco de obesidade e sobrepeso
(RICHTER et al., 2020).

c) Sintomas de Depressão, Ansiedade e Estresse

Alguns estudos relatam a ocorrência de sintomas psicológicos, distúrbios


emocionais, depressão, estresse, humor depressivo, irritabilidade, insônia e
sintomas de estresse pós-traumático nas pessoas em quarentena. Para Santos et al.
(2021), os profissionais de enfermagem apresentam maior predisposição para
sofrimento mental, sendo a depressão uma dentre três das doenças que mais os
acometem. Os autores, os fatores associados a este desfecho consistem em ter
vínculo empregatício no setor privado, ter sintomas da Síndrome de Burnout, falta de
reconhecimento profissional e atuar em serviços sem estrutura para a pandemia.

As incertezas, apreensões, pânico, quadros de ansiedade, medo e solidão, pode


também estar relacionado a renda mensal dos profissionais da saúde, onde
profissionais com renda mensal de 3 a 4 salários mínimos obtiveram uma
prevalência de sintomas de depressão moderadamente severa ou severa 41% maior
que profissionais com renda mensal igual ou maior a 5 salários mínimos (SANTOS
et al., 2021).

Os ambientes insalubres, condições precárias, conflitos internos, cobrança dos


acompanhantes, falta de autonomia profissional, insegurança no desenvolvimento
de suas atividades, sobrecarga de trabalho e exigências da instituição, obriga muitos
profissionais da área da saúde a exercerem suas atividades em situações de risco,
com estrutura física inadequada, escassez de recursos materiais, sobrecarga de
funções, carga horária extensa e falta de capacitação profissional (SANTOS et al.,
2021).

O estudo de Maia e Dias (2020) também confirmou um aumento significativo de


perturbação psicológica (ansiedade, depressão e estresse) entre estudantes
universitários no período pandêmico comparativamente a períodos normais. Esses
resultados vão ao encontro de outros estudos internacionais que analisaram o efeito
psicológico da COVID-19 e de outras pandemias, os quais também apontam
prejuízos de ordem psicológica.
Outro impacto foi à adoção do distanciamento social, que provocou alterações na
forma como as pessoas se relacionam. Considerando a natureza sociável das
pessoas, o afastamento é um fator negativo para a construção individual,
desenvolvimento, aprendizagem, ensino e criação de vínculos, importantes para a
reestruturação psíquica (SANTOS et al., 2021).

A veiculação de informações falsas e sem base científica, as notícias alarmantes e o


excesso de tempo dedicado às notícias sobre a pandemia, são aspectos que
também estão contribuindo como estressores na pandemia de COVID-19 (BARROS
et al, 2020; ZANON et al., 2020).

Para lidar com situações adversas, recomenda-se a manutenção de estilos de vida


saudáveis, a manutenção de redes sociais de apoio através das tecnologias de
informação e comunicação, e também a uma postura mais criativa ou de
mobilização de recursos ou estratégias para lidar com situações adversas (MAIA e
DIAS, 2020).

Afinal, o hábito de ter conversas com amigos e familiares mostrou ser um fator que
reduziu a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em profissionais de
enfermagem, durante a pandemia de COVID-19 (SANTOS et al., 2021).

Ações que visem a melhoria das condições de trabalho e o estímulo a prática de


atividades físicas podem auxiliar na manutenção e fortalecimento das condições de
saúde mental dos profissionais de saúde, além de estratégias de promoção e
valorização da profissão por meio de seus órgãos representativos e públicos
(SANTOS et al., 2021).

Essa nova realidade pode servir para construir seres humanos melhores, mais
resilientes e capazes de entender que nem tudo está no seu controle. Buscar
encontrar os pontos positivos que toda situação possibilita, é o ponto chave para
manter a saúde mental intacta. Afinal, é natural que diante de um fenômeno
desconhecido haja maior preocupação e ansiedade. No entanto, a intensificação dos
sintomas de ansiedade exige a busca por atendimento especializado, e neste caso
deve-se sim, buscar a ajuda psicológica (ROLIM, OLIVEIRA e BATISTA, 2020).

REFERÊNCIAS
BARROS, Marilisa Berti de Azevedo et al. Relato de tristeza/depressão,
nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a
pandemia de COVID-19. Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, vol. 29,
Brasília, 2020. Disponível em: <
https://www.scielosp.org/pdf/ress/2020.v29n4/e2020427/pt >. Acesso em: 23 fev.
2022.
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indivíduos pós Covid-19: O que mudou? Research, Society and Development, vol.
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<https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/21769/19548>. Acesso em: 12 fev.
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n. 9, 2020. Disponível em:
<https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/8074/7227>. Acesso em: 23 fev.
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Acesso em: 20 fev. 2022.
MAIA, Berta Rodrigues; DIAS, Paulo César. Ansiedade, depressão e estresse em
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<https://www.scielo.br/j/estpsi/a/k9KTBz398jqfvDLby3QjTHJ/?format=pdf&lang=pt>.
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MILIAUSKAS, Claudia Reis; FAUS, Daniela Porto. Saúde mental de adolescentes
em tempos de Covid-19: desafios e possibilidades de enfrentamento. Physis:
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PIRES, Bruna Maiara Ferreira Barreto et al. Qualidade de Vida dos Profissionais de
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ZANON, Cristian et al. COVID-19: implicações e aplicações da Psicologia Positiva
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format=pdf&lang=pt >. Acesso em: 23 fev. 2022.

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