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CURSO DE DIREITO

FURTO FAMÉLICO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

NOME
R.A n.º
TURMA:
FONE:
E-MAIL:

1
São Paulo
2010

2
NOME

FURTO FAMÉLICO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada à Banca Examinadora do


Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas como requisito parcial para obtenção do grau
de Bacharel em Direito, sob a orientação da
Professora Danúbia Azevedo Barbosa.

São Paulo
2010

3
BANCA EXAMINADORA:

Professor Orientador: ___________________________


Profª Danúbia Azevedo Barbosa

Professor Argüidor: _____________________________

Professor Argüidor: _____________________________

4
A Professora Ms. Danúbia Azevedo Barbosa de
Direito Penal e Direito Internacional, pela atenção aos
seus alunos e dedicação à profissão.

5
SINOPSE

Preliminarmente, ao comentarmos a figura do furto famélico devemos tecer uma


análise geral do artigo 155 do Código Penal brasileiro, analisando o bem jurídico
tutelado, a objetividade jurídica, seus sujeitos e tipos.
Após uma análise geral do furto, para se falar do Furto Famélico, se faz necessário
uma análise aprofundada do artigo 24 do Código Penal brasileiro que trata do
Estado de Necessidade.
Concluídos comentários dos artigos 24 e 155 do Código Penal brasileiro, iniciaremos
o estudo do Furto Famélico que é cometido por quem se encontra em situação de
extrema miserabilidade e penúria, necessitando de alimentação para saciar sua
fome e, sendo imprescindível a prova convincente de perigo atual e inevitável a
direito próprio ou alheio.

6
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................8

CAPÍTULO I - ANÁLISE AO ARTIGO 155 DO CÓDIGO PENAL...............................9

1. DA TUTELA..............................................................................................................9
1.1 Bem Jurídico....................................................................................................9
1.2 Objetividade Jurídica.....................................................................................10
2. DOS SUJEITOS.......................................................................................................10
2.1Sujeitos do Delito............................................................................................10
2.2 Sujeito Ativo...................................................................................................11
2.3 Sujeito Passivo...............................................................................................12
3. DOS TIPOS............................................................................................................12
3.1 Tipo Objetivo..................................................................................................12
3.2 Tipo Subjetivo................................................................................................12
4. DO OBJETO...........................................................................................................13
4.1 Objeto Material...............................................................................................13
4.2 A Coisa...........................................................................................................14
4.3 Da Coisa Alheia.............................................................................................14
4.4 Da Coisa Móvel..............................................................................................15
5. DO ERRO..............................................................................................................15
5.1 Erro do Tipo...................................................................................................15

CAPÍTULO II - CONSUMAÇÃO, TENTATIVA, PENA E AÇÃO PENAL..................17

1. CONSUMAÇÃO.......................................................................................................17
2. TENTATIVA.............................................................................................................17
2.1 Crime Impossível X Tentativa de Furto.........................................................18
3. DA PENA...............................................................................................................19
4. DA AÇÃO PENAL...................................................................................................19

CAPÍTULO III - ESTADO DE NECESSIDADE..........................................................21

1. CONCEITO.............................................................................................................21
2. REQUISITOS...........................................................................................................23

7
3. REQUISITOS DA CONDUTA LESIVA..........................................................................25

CAPÍTULO IV - EXCLUSÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE..............................28

1. CONCEITO.............................................................................................................28
2. CASOS ESPECÍFICOS.............................................................................................30
2.1 Excesso..........................................................................................................30
2.2 Estado De Necessidade Putativo..................................................................31
2.3 Estado de Necessidade Agressivo................................................................32
2.4 Estado de Necessidade Defensivo................................................................33

CAPÍTULO V - DA REPARAÇÃO DO DANO E DO FURTO FAMÉLICO................34

1. CONCEITO............................................................................................................34
2. FURTO FAMÉLICO.................................................................................................34
2.1 Conceito.........................................................................................................34
2.2 Posição Jurisprudencial.................................................................................36

CONCLUSÃO.............................................................................................................37

BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................38

ANEXOS......................................................................................................................39

8
INTRODUÇÃO

O presente trabalho, que tem como tema o Furto Famélico traz cinco
capítulos.

O primeiro capítulo consiste nas elucidações acerca do furto, crime


tipificado pelo artigo 155 do Código Penal brasileiro e suas particularidades.

O segundo capítulo traz de forma bem objetiva de como se da a


consumação e tentativa do fato criminoso estudado no primeiro capítulo.

Em seguida, o capítulo terceiro aborda Estado de Necessidade, um


dispositivo fundamental no tema abordado no presente trabalho.

No penúltimo capítulo há uma breve exposição da exclusão do Estado de


Necessidade, trazendo inclusive casos específicos.

O último capítulo traz uma junção dos capítulos um e três trazendo


finalmente do tema do presente trabalho. Ao final existem algumas jurisprudências
acerca do tema abordado e mostrando o quanto o tema gera controvérsias.

------------------------

9
CAPÍTULO I - ANÁLISE AO ARTIGO 155 DO CÓDIGO PENAL

1. Da Tutela

Neste início de trabalho, apresentaremos de que forma que o dispositivo


penal age quanto ao bem jurídico e sua objetividade.

1.1 Bem Jurídico

O furto vem sendo previsto desde o código de 1890 sob a Matéria


“Crimes contra a Propriedade Pública e Particular”.

Hoje tratado no artigo 155 do Código Penal Brasileiro de 1940 o legislador


alterou o teor da matéria tutelada, dando ênfase ao patrimônio e não apenas a
propriedade.

O conceito de propriedade pode ser extraído do artigo 1.228 “caput” do


Código Civil 2002: “O Proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,
e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a
detenha”.

Clóvis Beviláqua traduz o conceito de patrimônio com preciosidade:


“Patrimônio é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa que tiver valor
econômico”. 1

Entende-se também por patrimônio como o conjunto de direitos e


encargos de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro.

Vimos, então que propriedade e patrimônio são termos distintos onde


patrimônio possui uma abrangência maior e conseqüentemente engloba mais bens a
serem tutelados.

1
BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RED, 2001, p. 137.

10
1.2 Objetividade Jurídica

Existem divergências por parte da doutrina quanto à objetividade jurídica,


entende-se que a objetividade protegida é a posse e, indiretamente a propriedade.

O artigo 155 do Código Penal brasileiro tutela o patrimônio, não apenas a


propriedade, mas também a posse, em regra, esta se confunde em um mesmo
titular, entretanto nada obsta que estejam dissociados. É o que ocorre, por exemplo,
na locação, no usufruto, no penhor.

O tipo penal protege diretamente a posse e, indiretamente, a propriedade.


A proteção do primeiro é proeminente em relação a proteção da propriedade mas
ambas são protegida pelo Direito Penal. Tutela-se também a mera detenção.

Em sentido contrário, entendendo que o tipo penal protege principalmente


a propriedade e só acessoriamente, a posse, a corrente liberada por Nelson
Hungria, diz que: “Na subtração da coisa móvel que esteja em poder do possuidor
direto, quem na realidade tem o seu patrimônio desfalcado é o possuidor indireto, ou
seja, o proprietário.”2

Porém, a opinião predominante afirma que tanto a posse como a


propriedade ou a mera detenção são objetos da tutela penal.

2. Dos Sujeitos

Nesta fase, apresentaremos os sujeitos do crime, tanto no pólo ativo


quanto no pólo passivo.

2.1 Sujeitos do Delito

O crime de furto pode ser praticado por qualquer pessoa física, não se
exigindo qualquer circunstância especial específica. Só não pode praticar o furto o
proprietário, que pode ser responsabilizado pelo crime previsto no Artigo 346 do
Código Penal, se posse estiver com outrem, e o legítimo detentor da coisa. Aquele
2
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 117.

11
que possui apenas a posse vigiada, como um empregado de uma fábrica, comete o
crime se transforma essa posse em propriedade.

2.2 Sujeito Ativo

Como vimos, o crime de furto pode ser praticado por qualquer pessoa
física, logo, o sujeito ativo no crime de furto é o sujeito que subtrai a coisa alheia
móvel em benefício próprio ou de terceiro.

Vale lembrar que se a coisa já se encontrava na posse do sujeito, este


responderá pelo crime de apropriação indébita: “Apropriar-se de coisa alheia móvel,
de quem tem a posse ou detenção3.”

A apropriação indébita ocorre pela posse indevida do bem mediante sua


retenção, o agente deve ter a intenção de se apropriar da coisa e se comportar
como o proprietário do bem, deve-se observar ainda, que a transmissão do bem
deve ser tranquila, sem o uso violência ou qualquer forma que ludibrie o detentor da
posse real.

Julio Fabrini Mirabete em sentido contrário expõe dois casos em que a


posse vigiada enseja a subtração 4 por parte do sujeito ativo: o empregado de uma
fábrica que detendo a posse de ferramentas para execução de seu trabalho leva-as
para casa, praticando assim o crime de furto; e, o balconista de loja que subtrai a
mercadoria.

Para Damásio Evangelista de Jesus o legislador deixou claro este


entendimento uma vez que, utilizou a expressão “coisa alheia”. 5
Como vimos se o
sujeito subtrai coisa própria, respondera pelo crime previsto no artigo 168 do Código
Penal brasileiro.

Fica clara então que a segunda corrente tem razão, pois se a coisa
pertence ao proprietário, ela não é alheia a este.

3
Artigo 168 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
4
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. II. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 207.
5
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. II, Parte Especial. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 138.

12
2.3 Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha posse ou a propriedade do


bem.

Com isso, nos crimes de furto é desnecessário que a vítima comprove o


domínio da coisa, pois a objetividade jurídica do tipo penal em questão é de proteger
não só o proprietário, mas também a posse, a detenção.

Entretanto aquele que detêm a posse transitória do bem, como por


exemplo, a balconista de uma loja, o operário de uma fábrica não será o sujeito
passivo, nestas hipóteses a vítima do furto será necessariamente, o proprietário do
bem.

3. Dos Tipos

3.1 Tipo Objetivo

A conduta tipificada no artigo 155 do Código Penal brasileiro é o verbo


“subtrair” e, determina a ação que o sujeito ativo deverá praticar para que se
enquadre no referido artigo. O artigo define ainda, que: o sujeito deverá praticar a
ação sem o emprego de violência ou grave ameaça; e, sem o seu consentimento.

Entretanto Julio Fabrini Mirabete entende que pode haver o crime de furto
as vistas da vítima 6 no clássico caso do sujeito que entra em uma loja solicitando ao
balconista algum produto e este sai correndo quando o balconista a entrega.

O crime de furto é classificado ainda como direto, que ocorre quando o


sujeito subtrai pessoalmente o objeto e, indireto que ocorre quando o sujeito utiliza-
se, por exemplo, de animais adestrados para a prática do delito penal.

3.2 Tipo Subjetivo

O crime de furto exige como dolo a vontade de subtrair, acrescida do


elemento subjetivo do tipo dolo específico.

6
MIRABETE, op.cit, p. 210.

13
O legislador entendeu que em alguns modalidades culposas, não bastava
apenas o dolo para caracterizar o ilícito penal e com isso no texto legal de certas
práticas ilícitas, o agente deve ter uma finalidade especificada no texto.

O dolo é caracterizado na vontade consciente do sujeito em efetuar a


subtração da coisa para si, contudo para que o tipo pena se configure não basta
apenas o dolo, exige à lei que a subtração tenha a finalidade trazer a coisa subtraída
ao patrimônio do sujeito ativo ou outro que não seja o sujeito lesado, caracterizando-
se assim a expressão para si ou para outrem.

No crime de furto afasta-se a modalidade culposa por não existir previsão


legal

É impensável então que o agente tenha a intenção de possuí-la,


submetendo-a ao seu poder, Istoé, de não devolver o bem, de forma alguma. Assim,
se ele o subtrai apenas para uso transitório e depois devolver no mesmo estado, não
haverá a configuração do tipo penal, ocorrendo assim o crime de Furto de Uso.

O crime de furto deve ser praticado sem consentimento da vítima, seu


consentimento irá excluir a conduta ilícita do furto mas nada obsta no agente ser
enquadrado outra tipificação penal.

Subtrair então, para o crime de furto, significa retirar contra a vontade do


possuidor.

4. Do Objeto

Neste tópico falaremos de forma individualizada o objeto que descreve o


texto legal.

4.1 Objeto Material

O objeto material do furto é a coisa alheia móvel.

14
4.2 A Coisa

Coisa pode ser definida como todo objeto corpóreo, material e suscetível
de apreensão, ou seja, tudo que pode ser transportado, removível e deslocado do
local em que se encontra, ficando excluídas as coisas incorpóreas ou imateriais.

Pode ainda a coisa não ser tangível, como por exemplo, os corpos
gasosos.

Na categoria de coisas que não são passíveis de furto, encontra-se o


homem, o furto de homem não constitui o crime de furto, há outra tipificação penal,
como seqüestro e cárcere privado, entretanto, suas partes podem ser furtadas,
como cabelo, dentes com a finalidade de serem vendidos. Os objetos postiços como
pernas, braços e dentaduras também se enquadram nas coisas passíveis de serem
furtadas.

Há ainda o crime contra o respeito aos mortos onde furta-se cadáver


(artigo 211 do Código Penal brasileiro), mas, se este pertencer a uma entidade,
como, por exemplo, uma faculdade, a subtração é considerada como furto 7
,
conforme preceitua Julio Fabrini Mirabete. – furto de pessoa/ ser humano

As coisas que nunca tiveram dono ou foram abandonadas não podem ser
objeto de furto, pois não são alheias ou não verifica ofensa a coisa alheia,
respectivamente.

O apoderamento de coisa perdida em local público também não constitui


crime de furto e sim de apropriação indébita (artigo 168, inciso II do Código Penal
brasileiro), mas, se alguém apoderar-se de coisa perdida em uma residência, por
exemplo, cometerá crime de furto.

4.3 Da Coisa Alheia

Ainda fazendo uma análise morfológica do artigo 155 do Código Penal


brasileiro, o legislador define que a coisa deve ser alheia, e para que isto aconteça
se faz necessário que ela possua um dono, seja ele possuidor ou detentor.

7
MIRABETE, op.cit, p. 211.

15
A necessidade de ser alheia faz o crime de furto possuir um elemento
normativo e, sem este elemento o fato será caracterizado como atípico. Portanto, em
um processo, devem existir provas que a coisa pertença a alguém.

4.4 Da Coisa Móvel

O Direito Penal define que móvel, é tudo aquilo suscetível de remoção,


deslocamento, transporte, ou pode ser dotado de movimento próprio, como os
semoventes, ou por ação do homem.

Visto isto, podemos perceber que somente os bens móveis podem ser
subtraídos e tirados da esfera de vigilância da vítima.

5. Do Erro

Na parte final do capítulo, apresentaremos o erro do tipo e como ele


acaba por excluir a modalidade dolosa nos ilícitos penais

5.1 Erro do Tipo

O erro do tipo ocorre quando o agente, por erro, apoderar-se de objeto


alheio supondo ser próprio. Como se tratava de coisa alheia, o sujeito não tinha
consciência nem vontade de subtraí-la de modo que o indivíduo acaba por não
praticar o crime de furto.

O erro de tipo exclui sempre o dolo, seja evitável ou inevitável; podendo o


sujeito responder por crime culposo,

No caso do furto, a modalidade culposa não foi prevista pelo legislador,


visto que o próprio texto legal impõe taxativamente a vontade que o sujeito tem de
cometer a prática lesiva. Como tal modalidade não é prevista o fato acaba sendo
considerado como atípico.

O erro de tipo pode ser dar sob duas formas: essencial e acidental.

O erro de tipo essencial ocorre quando o sujeito levado pela falsa


percepção, não compreende a natureza criminosa do fato, recaindo assim sobre os

16
elementos e circunstâncias do tipo penal ou sobre os pressupostos de fato de uma
excludente da ilicitude que se apresenta sobre duas formas:

Danúbia não entendi esta parte, devo abordar mais o erro essencial, é
isso?

a) erro invencível ou escusável (quando não pode ser evitado pela


norma diligência);aaa

b) erro vencível ou inescusável (quando pode ser evitado pela


diligência ordinária, resultando de imprudência ou negligência.

As descriminantes putativas ocorrem quando o sujeito, levado a erro


pelas circunstâncias do caso concreto, supõe agir em face de uma causa excludente
de ilicitude.

É possível ainda, que o sujeito por erro plenamente justificado pelas


circunstâncias, suponha encontrar-se em face: de estado de necessidade; de
legítima defesa; de estrito cumprimento do dever legal; ou, do exercício regular de
direito. Quando isso ocorre, aplica-se o disposto no artigo 20, § 1º, 1ª parte, do
Código Penal:

“Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o


dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo.”8   
          
Pelo artigo, é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima;
surgem as denominadas causas putativas de exclusão da antijuridicidade.
-------------------

8
Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

17
CAPÍTULO II - CONSUMAÇÃO, TENTATIVA, PENA E AÇÃO PENAL

1. Consumação

Damásio Evangelista de Jesus diz que a consumação se da no momento


que o objeto material é retirado da esfera de posse e disponibilidade da vítima, ainda
que o sujeito não detenha a posse tranqüila 9, basta que o sujeito se apodere do
bem.

Julio Fabrini Mirabete comenta a teoria da inversão da posse. Nela, a


consumação do furto ocorre com a inversão da posse, ou seja, no momento em que
o bem passa da esfera de disponibilidade da vítima para a do autor, ainda que por
pouco tempo, contudo a teoria da inversão da posse determina que a posse deve
ser tranqüila, discordando assim de Damásio Evangelista de Jesus.

Ainda que o sujeito esconda a coisa no próprio local do furto, para após
levá-la consigo o crime se consuma, visto que a vítima perde a disponibilidade da
coisa. Como o caso de empregada doméstica que esconde jóia da patroa na própria
casa para depois transportá-la10.

2. Tentativa

Por se tratar de crime material, a tentativa desta modalidade de crime é


cabível, como o caso do sujeito que esconde roupas na bolsa e tenta sair da loja.

Edgar Magalhães Noronha define a tentativa de forma bem clara 11:

“Há tentativa de furto sempre que a atividade do agente estaque ou cesse,


antes que sua posse haja substituído a da vítima, por circunstâncias alheias
à sua vontade. Deve o ato de execução, como em qualquer outro crime, ser
inequivocadamente dirigido à consumação do furto. Praticado que seja ela,
se o sujeito ativo não conseguir apossar-se da coisa, terá ficado na
tentativa”.

9
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. II, Parte Especial. 04 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 146.
10
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. II. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 212.
11
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1999129.

18
2.1 Crime Impossível X Tentativa de Furto

No crime impossível além da previsão legal para a caracterização da


conduta ilícita é necessário que a conduta traga o risco de lesão ou uma lesão ao
bem jurídico.

O sujeito não é punido quando o meio escolhido ou o material


selecionado não permitem a conclusão do ilícito.

Na tentativa a execução do crime é iniciada mas o agente não atinge a


consumação por circunstâncias alheias à sua vontade,

Na tentativa, o agente pode não lesionar o bem jurídico ou lesionar o bem


jurídico diverso do pretendido, tentativa branca e tentativa cruenta, respectivamente.

A tentativa pode ser perfeita, quando o agente pratica todos os meios


para atingir o resultato, mas o resultado não foi consumado por um motivo alheio a
sua vontade, ou imperfeita, quando o agente é interrompido no decorrer da prática
lesiva e não consegue chegar ao resultado.

Para explicar a diferença entre ambos, vamos exemplificar em um caso


prático posto por Damásio Evangelista de Jesus, Julio Fabrini Mirabete e Nelson
Hungria. “O sujeito que coloca a mão no bolso da vítima, desejando subtrair sua
carteira e a vítima não trazia consigo sua carteira”.12

Damásio Evangelista de Jesus e Julio Fabrini Mirabete entendem que há


o crime impossível conforme disposto no artigo 17 do Código Penal brasileiro: “Não
se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Logo, não existe tentativa punível, pois não houve perigo ao patrimônio da
vítima.

Para Nelson Hungria neste caso, cabe tentativa, uma vez que, a ausência
da coisa é meramente acidental.

12
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. II, Parte Especial. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 107,
Parte Especial; MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. II. 23 ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 178; e, HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 06ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1983, p. 126.

19
Ainda no caso do ladrão de carteiras, e se este errar o bolso e não
encontrar a coisa desejada?

Neste caso o sujeito responderá por crime, pois houve risco ao bem
jurídico, a subtração não ocorreu.

3. Da Pena

A pena para o furto, se cometido de forma simples será a de reclusão de


um a quatro anos e multa13.

O furto cometido durante o repouso noturno sofrerá aumento na pena


acima de um terço14.

O furto praticado por réu primário visando bem de pequeno valor é


denominado furto privilegiado, nele o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela
de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa 15.

O furto qualificado ocorre quando o agente utiliza-se de violência contra


obstáculos que o impendem de concluir sua conduta, nele a pena será de dois a oito
anos e multa16.

Na mesma linha de qualificadora, o legislador entendeu que se a coisa


furtada for um veículo automotor e que venha a ser transportado para outro Estado
ou para o exterior a pena será de três a oito anos de reclusão 17.

4. Da Ação Penal

A ação penal cabível para os casos de furto será em regra a pública


incondicionada, que é aquela promovida pelo próprio Estado através do Ministério
Público.

13
Artigo 155, caput do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
14
Parágrafo Primeiro do artigo 155 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
15
Parágrafo Segundo do artigo 155 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
16
Parágrafo Quarto do artigo 155 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
17
Parágrafo Quinto do artigo 155 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

20
Em regra, pois a lei prevê alguns casos em que a ação penal poderá ser
pública condicionada à representação conforme artigo 182 do Código Penal
brasileiro:

“Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste


título é cometido em prejuízo:
I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;
II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita”.

21
CAPÍTULO III - ESTADO DE NECESSIDADE

1. Conceito

O estado de necessidade surge quando aquele que, diante de situação de


perigo extremo que não provocou, sacrifica bem jurídico com a finalidade de
savaguardar outro, desde que o sacrifício seja inevitável e razoável.

André de Oliveira Pires define que a conduta praticada pelo acusador do


“delito”, quando necessário a salvação de um bem jurídico próprio ou de terceiro
considera-se um estado de necessidade18.

Damásio Evangelista de Jesus define o estado de necessidade de forma


semelhante, como uma situação de perigo atual de interesses protegidos pelo
direito, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem a
alternativa senão lesar o bem de outrem19.

André de Oliveira Pires comenta que no passado o estado de


necessidade não era bem definido e as questões eram resolvidas casuisticamente.
Diz ainda que no direito romano, por exemplo, passou a vigorar o princípio de que
não existiria crime quando o cometimento da lesão fosse imprescindível à salvação
de um bem igual ou superior, embora existisse casuísmo sobre a matéria e, na idade
média era reconhecida a situação necessária limitando-se as hipóteses de proteção
do corpo ou da vida.

André de Oliveira Pires afirma que após a reforma no direito moderno e,


especificamente no Brasil, o legislador adota a concepção unitária 20 e o artigo 24 do
código Penal Brasileiro disciplinou o estado de necessidade da seguinte forma:

“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de


perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.

18
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p.
27.
19
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 130.
20
PIRES, op. cit, p. 28.

22
§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo.

§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena


poderá ser reduzida de um a dois terços”.21

Damásio Evangelista de Jesus E Julio Fabrini Mirabete citam ainda, o


artigo 23, I, do Código Penal Brasileiro 22:

“ Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade”.23

Julio Fabrini Mirabete comenta que para alguns doutrinadores o estado de


necessidade é uma faculdade e não um direito, pois a este último corresponde uma
obrigação.

Damásio Evangelista de Jesus cita passagens de Nelson Hungria e Jose


F. Marques onde mencionam que o estado de necessidade não se trata de um
direito, pois a todo direito corresponde uma obrigação de sofrer lesão de seu
interesse24.

Damásio Evangelista de Jesus discordando de tal posição declara que:

“Não há relação jurídica entre o agente causador da lesão necessária e o


titular do bem lesado, mas sim ente o agente e o Estado 25”.

Com essa passagem entende-se que o Estado permanece neutro e


declara a inexistência de crime na conduta do sujeito.

Damásio Evangelista de Jesus afirma que se trata de um direito, não


contra o interesse do lesado, mas do Estado, que concede ao sujeito esse direito
subjetivo por meio de uma norma penal.

21
Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
22
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 138, Parte
Geral; MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. I. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pag.
181.
23
Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.
24
JESUS, Op. cit. p. 139.
25
JESUS, Op. cit. p. 141.

23
Esclarecendo que o Estado não pode acudir o que está em perigo nem
tomar partido de qualquer dos sujeitos, ele concede o direito de ofender o direito
alheio para salvar o próprio ou de terceiros ante um fato irremediável.

Julio Fabrini Mirabete e Damásio Evangelista de Jesus dão exemplos


clássicos do estado de necessidade: furto famélico (objeto de estudo deste
trabalho), danos matérias produzidos em propriedade alheia para extinguir um
incêndio e salvar pessoas em perigo; a antropofagia no caso de pessoas perdidas;
violação de domicilio para acudir vítimas de crimes ou desastres; a destruição de
mercadorias de uma embarcação ou aeronave para salvar tripulantes e passageiros;
matar um animal que ataca o agente sem a interferência alguma de seu dono;
aborto praticado por médico quando não existe outro meio de salvar a gestante; etc.

Porém, em qualquer caso, é imprescindível que o sujeito esteja na


presença de todos os requisitos do estado de necessidade, sejam eles objetivos
como subjetivos.

2. Requisitos

Para que a conduta do agente se enquadre no artigo 24 do Código Penal


brasileiro, de modo a ser reconhecido o estado de necessidade deste agente, devem
ser observados, em conjunto, os requisitos descritos por André de Oliveira Pires,
Julio Fabrini Mirabete e Damásio Evangelista de Jesus 26;

Em situação de perigo:

a) A existência de perigo (ou necessidade) atual e inevitável.

André de Oliveira Pires diz que o perigo, neste caso, é uma possibilidade
efetiva de dano e não de prejuízo, embora este último possa acompanhar o dano,
embora a sua existência nem sempre estará presente. Mas ele concorda que o dano
estará presente em todos os crimes.

26
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 04ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 142;
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. I. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pag. 182; e,
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 48.

24
Para Julio Fabrini Mirabete, para que seja reconhecida a excludente de
estado de necessidade que legitimaria a conduta do agente, se faz necessária a
ocorrência de um perigo atual, e não um perigo eventual e abstrato.

b) Situação não provocada voluntariamente pelo agente.

Damásio Evangelista de Jesus afirma: “O Código Penal brasileiro


determina que só pode alegar estado de necessidade quem pratica o fato para
salvar de perigo atual direito próprio ou alheio, que não provocou sua vontade 27.”

André de Oliveira Pires discorda de Damásio Evangelista de Jesus e diz


que para este requisito a divergência reside na discussão entre dolo e culpa 28. Já
que ao dispor “que não provocou por sua vontade”, o legislador cita a vontade
referindo-se apenas ao dolo, mas também poderia ser culpa.

Diz ainda que para alguns doutrinadores, o legislador, ao tratar da


involuntariedade no surgimento da situação perigosa refere-se apenas ao dolo, já
para outros doutrinadores, parece que se soma culpa, cita ainda que existem
autores que partilham da mesma opinião quanto a incidência de excludente quando
o perigo for provocado culposamente, entre eles Damásio Evangelista de Jesus,
Aníbal Bruno de Oliveira Firmo, Heleno Claudio Fragoso, Alberto Silva Franco,
dentre outros.

c) A ameaça a direito próprio ou alheio.

Neste caso é necessário que na situação do estado de necessidade


exista uma situação de perigo e esta represente uma ameaça (entendida como
perigo) a um direito próprio ou de terceiro. A ameaça deve ser vista como uma
probabilidade de ocorrer dano.

Caso inexista a possibilidade de dano não existe a incidência do estado


de necessidade na conduta praticada pelo sujeito. No socorro a terceiro não é
necessário que o mesmo mostre vontade de guardar seu bem jurídico. André de

27
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 04ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 144.
28
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p.
51.

25
Oliveira Pires e Damásio Evangelista de Jesus concordam que esta vontade passa a
ser substituída pelo agente29.

d) A inexistência de dever legal de enfrentar o perigo.

Damásio Evangelista de Jesus afirma que só se encontra em dever


jurídico de enfrentar o perigo o que tiver em situação de obedecer a lei, sob o
contrato, em função tutelar ou encargo sem mandato; e anterior a conduta do agente
causador do perigo30.

André de Oliveira Pires comenta que acordo com o Código Penal para
que o sujeito tenha a seu favor a excludente do estado de necessidade não poderá
existir o dever de enfrentar o perigo 31. Se o agente, autor da conduta lesiva típica,
possuía o dever de enfrentar o perigo, não poderia alegar a incidência do estado de
necessidade.

Em exemplo ele mesmo cita o caso do salva-vidas que, na


impossibilidade de salvar duas pessoas que se afogam no mesmo instante escolhe
uma delas para salvar. É uma situação em que o sujeito é responsável pela defesa
de dois bens absolutamente iguais mas no momento do perigo só pode salvar um
deles.

3. Requisitos Da Conduta Lesiva

a) Conduta lesiva

André de Oliveira Pires diz que de acordo com o artigo 24 do Código


Penal brasileiro, para que o agente tenha reconhecida a excludente em seu favor, é
necessário que a conduta praticada seja inevitável e que não haja outro meio de
afastar o perigo senão pela prática da lesão 32, comenta que a inevitabilidade do
perigo deverá ser analisada em fato concreto, e cabe ao julgador verificar se nas
29
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p.
54; JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 153.
30
JESUS, Op. cit. 159.
31
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
p. 57.
32
Ibidem, p. 57.

26
circunstâncias, a ação praticada pelo sujeito era realmente indispensável à salvação
pretendida.

Damásio Evangelista de Jesus discordando, questiona se pode haver


estado de necessidade contra estado de necessidade 33: em caso de contenda entre
duas pessoas com a mesma situação de necessidade. Contudo como os dois têm
não podem permitir a lesão de seu bem jurídico, é perfeitamente possível que suas
condutas constituam fatos necessários.

Ele cita como exemplo, o caso de dois náufragos lutando pela posse da
tábua de salvação. O autor comenta que nenhum dos dois pratica o fato em legítima
defesa, pois esta exige que a conduta contrária seja uma “agressão injusta” (artigo
25 do Código Penal Brasileiro). Para ele, é licita a conduta de ambos.

b) A inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado.

André de Oliveira Pires e Damásio Evangelista de Jesus defendem que


só existe o estado de necessidade para salvaguardar o próprio interesse ou de
terceiro34 “cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se 35”. Neste
caso a lei determina a razoabilidade de exigir o sacrifício do bem ameaçado
preservado pela conduta típica e o Código adotou a teoria unitária e não a
diferenciadora como cita Julio Fabrini Mirabete.

Neste caso analisa-se a necessidade não só no sacrifício de um bem


menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor
idêntico ao preservado, por exemplo, de dois náufragos em luta pela tábua de
salvação. Ambos apresentam conduta lícita. O patrimônio pode ser destruído para
preservar a vida, mas não se pode matar para preservar um bem patrimonial.

O artigo 24, § 2º do Código Penal brasileiro prevê: “Embora seja razoável


exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois
terços.”

33
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 160.
34
Ibidem, mesma página; e, PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2000, p. 58.
35
Artigo 24 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940.

27
Com isso, Julio Fabrini Mirabete diz que ao juiz é facultado sentenciar
com a redução de pena em casos de sacrifício de bem de maior valor do que o
protegido, se presentes os demais requisitos legais 36. Neste exemplo o fato não
exclui a antijuricidade e o agente responde pelo crime praticado, podendo o juiz,
diante das circunstâncias do fato, reduzir a sanção imposta ao sujeito.

c) O conhecimento da situação de fato justificante

Damásio Evangelista de Jesus comenta que não existe estado de


necessidade quando o sujeito não tem conhecimento de que age para salvar um
interesse próprio ou de terceiro37.

André de Oliveira Pires afirma que para que a conduta lesão praticada
pelo agente seja justificada pela excludente do estado de necessidade além dos
elementos de caráter objetivo, deverá estar presente o pressuposto subjetivo, qual
seja o conhecimento da situação de perigo 38.

Já Julio Fabrini Mirabete diz que a lei possibilita o estado de necessidade


em benefício próprio ou em favor de terceiro. Tratando-se de estado de necessidade
em favor de terceiro é possível que a excludente abrigue inclusive o agente que atua
em benefício de pessoa jurídica, que possui bens e interesses que podem ser
colocados em risco39.

Ele mesmo lembra que existe a situação do estado de necessidade


defensivo quando o agente agride o causador do perigo, e estado de necessidade
agressivo quando ele lesa o bem jurídico que alguém que não provocou a situação
de risco.

36
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. I. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 184.
37
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 163.
38
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p.
60.
39
MIRABETE, op.cit. p. 185.

28
CAPÍTULO IV - EXCLUSÃO DO ESTADO DE NECESSIDADE

1. Conceito

Julio Fabrini Mirabete explica que certas pessoas podem exercer funções
que, normalmente, as colocam em perigo, assim sendo, não podem eximir-se da
responsabilidade pela conduta típica que praticarem em certas situações 40.

O § 1º do artigo 24 do Código Penal Brasileiro prevê: “Não podem alegar


estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”.

Ele diz ainda que dever legal é aquele previsto em uma norma jurídica
(lei, decreto, etc.) o que inclui a obrigação funcional de pessoas encarregadas de
funções que normalmente as colocam em perigo como policiais, bombeiros,
médicos, etc; E, que estas não podem eximir-se da responsabilidade pela conduta
típica que praticarem em uma dessas situações. Se isto acontecer responderão pelo
crime praticado para salvar direito próprio, embora em estado de necessidade, se
enfrentarem o perigo em decorrência de disposição legal.

O estrito cumprimento do dever legal é previsto no artigo 23, inciso III,


primeira parte do Código Penal brasileiro: “não há crime quando o agente pratica o
fato no “estrito cumprimento do dever legal”.

Julio Fabrini Mirabete afirma que quem cumpre regularmente um dever


não pode, ao mesmo tempo, praticar lícito penal, uma vez que a lei não contem
contradições. Afirma ainda, citando que a antijuricidade da conduta seria até
dispensável; E, “A excludente, no entanto, é prevista expressamente para que seja
evitada dúvida quanto a aplicação e na lei são definidos os termos exatos de sua
caracterização.”

Julio Fabrini Mirabete comenta que os doutrinadores debatem se o


dispositivo vedaria a excludente àqueles que têm o dever jurídico não previsto em lei
de enfrentar o perigo41.

40
MIRABETE, op. cit. p.187.
41
MIRABETE, Ibid. p. 188.

29
O Código Penal de 1940 expõe de motivos ao se referir a um “especial
dever jurídico”.

A opinião predominante entre os doutrinadores, porém, é a de que podem


ser beneficiados aqueles que não têm o dever legal, mas o dever jurídico não
previsto em lei, de enfrentar o perigo.

Discute-se na doutrina o dever jurídico e se ele excluía o estado de


necessidade, uma vez que o dever jurídico não é previsto em lei como o é o dever
legal quanto a questão de enfrentar o perigo. Porém, a opinião majoritária é no
sentido de que poderiam se beneficiar aqueles que não tinham o dever legal. O
artigo 13 §2º do Código Penal brasileiro prevê:

“O resultado, que depende a existência do crime, somente é imputável a


quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o
resultado não teria ocorrido

§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia


agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;


b) de forma, assumiu responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado”.

Julio Fabrini Mirabete diz que o dever de agir passou a ser legal, como
está previsto neste artigo42.

Se o sujeito pratica o fato típico em uma das condições, quando podia


agir, a conduta é antijurídica. Nesta hipótese, existe crime e somente poderá ser
excluída a culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa – culpabilidade.

Damásio Evangelista de Jesus exemplifica de acordo com o artigo 24 § 1º


que reza: “não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever de enfrentar
o perigo”

Em exemplo ao disposto ele exemplifica no caso de militar que não pode


invocar risco a sua visa ou integridade corporal para fugir às operações bélicas; o
capitão de navio não pode salvar-se as custas da vida de passageiro; o policial não
42
MIRABETE, op. cit. p. 189.

30
pode deixar de perseguir malfeitores sob pretexto de que estão armados e dispostos
a resistir43.

O princípio da exigibilidade do dever de enfrentar o perigo absoluto, ou


seja, a exigência de sacrifício deve coincidir com os limites legais ou sociais do
exercício da sua profissão. Julio Fabrini Mirabete cita que de acordo com Francisco
M. Conde, não se pode exigir de ninguém um comportamento heróico ou virtuoso 44.

Cita ainda que exigindo a lei como requisito a inevitabilidade do perigo e


referindo-se às circunstâncias do fato, não se tem admitido a existência de estado
de necessidade nos crimes permanentes, bem como na reiteração criminosa, não
estariam presentes os requisitos do estado de necessidade, que exige um perigo
atual e inevitável e na não-razoabilidade de exigência do sacrifício do direito nas
circunstâncias do fato.

2. Casos Específicos

Nos casos específicos Julio Fabrini Mirabete cita que o Código Penal
brasileiro, na Parte Especial, prevê alguns casos de estado de necessidade
específicos em determinados crimes, ora exclui a antijuricidade, por exemplo: a
invasão de domicílio quando algum crime está sendo praticado ou na iminência de o
ser (artigo 150, § 3º, II do Código Penal Brasileiro), ora a tipicidade, por exemplo:
violação de segredo com justa causa (artigo 153 e 154 do Código Penal Brasileiro) 45.

2.1 Excesso

Julio Fabrini Mirabete analisa o excesso explicando que quando o agente


se excede na conduta de preservar o bem jurídico, responderá por ilícito penal se
atua de forma dolosa ou culposa46. Como exemplo o autor cita o agente que numa
situação particular, podendo apenas ferir a vítima, causa-lhe a morte.

43
JESUS, op. cit. p. 165.
44
MIRABETE, op. cit. p. 188.
45
Idem. p. 188.
46
MIRABETE, op. cit. p. 189.

31
De acordo com Damásio Evangelista de Jesus “o excesso no estado de
necessidade é a desnecessária intensificação da conduta inicialmente justificada 47”.

Damásio Evangelista de Jesus e Julio Fabrini Mirabete concordam que o


excesso pode ser doloso ou não intencional e explicam que haverá um excesso
doloso quando o agente superar de maneira consciente os limites legais e nestes
caso responderá o mesmo pelo fato do excesso doloso (artigo 23, Parágrafo Único
do Código Penal brasileiro).

Damásio Evangelista de Jesus afirma que quanto ao excesso


inconsciente, este poderá ser derivado sob a situação de fato ou sobre os limites
normativos da causa de justificação48. Quando o erro derivar sobre a situação de
fato, serão aplicados os princípios do erro de tipo permissivo (artigo 20, § 13º, do
Código Penal brasileiro). Quando o erro for totalmente justificado pelas
circunstâncias não haverá dolo ou culpa, ficando o agente isento de pena, todavia,
se o erro derivar de culpa o fato será punível como crime culposo. No caso de erro
sobre os limites normativos da causa de justificação, trata-se de erro de proibição,
será aplicado o artigo 21 do Código Penal brasileiro. Se desculpável pela
inevitabilidade do erro sobre a ilicitude do fato, ficará o agente isento de pena, mas
se evitável o agente responderá por crime doloso com a pena diminuída de 1/6 a
1/3.

2.2 Estado De Necessidade Putativo

Julio Fabrini Mirabete discute o estado de necessidade putativo


mostrando que o mesmo se apresenta se o agente supõe, por erro, que se encontra
em situação de perigo.

Se o agente, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supões


que está em perigo iminente, por exemplo, no meio de um incêndio, não responderá
pelas lesões corporais ou morte que vier a causar para salvar-se 49. O autor afirma

47
JESUS,op. cit. p. 166.
48
JESUS, op. cit. p. 167.
49
MIRABETE, op. cit, p. 190.

32
que não existe a justificativa, mas o agente não responde pelo fato por falta de culpa
em razão de erro de proibição.

O artigo 20 parágrafo 1º dispõe: “É isento de pena quem, por erro


plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que existisse,
tomaria a ação legitima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o
fato é punível como crime culposo”.

Julio Fabrini Mirabete diz que a presente lei trata das discriminantes
putativas em que o agente supõe que sua ação é licita imaginando que estão
presentes os requisitos de uma das causas justificativas previstas em lei 50.

Diz ainda com clareza o estado de necessidade putativo dando os


exemplos; do policial munido de um mandado de prisão, recolhe à prisão um
determinado elemento, irmão gêmeo daquele e objeto da ordem judicial; o caso de
uma pessoa qualquer que persegue outra que acabou de cometer um crime e leva a
força para a delegacia um sósia daquele.

2.3 Estado de Necessidade Agressivo


Damásio Evangelista de Jesus diz que o estado de necessidade agressivo
refere-se, apenas ao terceiro que sofre a ofensa necessária 51. O estado de
necessidade agressivo se da quando o agente pratica a ação salvadora contra bem
jurídico de terceiro inocente, ou seja, contra bem pertencente aquele que não
contribui ou não causou a produção da situação perigosa.

Damásio Evangelista de Jesus d André de Oliveira Pires concordam que


agressivo será o estado de necessidade de sujeito que visando esquivar-se de um
perigo iminente causa dano em terceiro que se encontra em seu caminho 52.

André de Oliveira Pires Comenta o caso do ciclista que em uma estrada


quer esquivar-se de caminhão desgovernado e atropela um transeunte. Outro

50
MIRABETE, op.cit , p. 191.
51
JESUS, op. cit. p. 168.
52
JESUS, Damásio E, Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 170; e,
PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 63.

33
exemplo é aquele que arromba a porta de uma casa abandonada para abrigar-se de
uma tempestade53.

2.4 Estado de Necessidade Defensivo

O estado de necessidade defensivo ocorre quando uma vez preenchidos


os requisitos indispensáveis à configuração da situação necessária, o agente,
quando vai salvar algum bem investe contra interesse de quem causou ou contribuiu
para causar a situação perigosa. André de Oliveira Pires afirma: “Nesta estado o
agente voltará sua ação para o bem que estivar produzindo a situação de perigo. O
agente então poderá direcionar sua conduta tanto em desfavor de um bem
patrimonial, quanto contra uma pessoa54.”

53
PIRES, op. cit, p. 63.
54
PIRES, op. cit. p.65.

34
CAPÍTULO V - DA REPARAÇÃO DO DANO E DO FURTO FAMÉLICO

1. Conceito

Por se tratar de excludente de ilicitude, não haverá obrigação de reparar o


dano causado, entretanto quanto ao estado de necessidade agressivo assim como
quando houver caracterizado a legitima defesa a obrigação de reparar o dano de
acordo com o Código Civil de 2002, que consagra em seus artigos 188 parágrafo
único, 929 e 930 conforme segue:

“Art. 188 – Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito


reconhecido;

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim


de remover perigo iminente.

Parágrafo Único – No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando
as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os
limites do indispensável para a remoção do perigo.

Art. 929 – Se a pessoa lesada, ou dono da coisa, no caso do inciso II do


artigo 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-à direito a
indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930 – No caso do inciso II do artigo 188, se o perigo ocorrer por culpa
de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a
importância que tiver ressarcido ao lesado.

Parágrafo Único – A mesma ação competirá contra aquele em defesa de


quem se causou o dano (artigo 188, inciso I)”.

2. Furto Famélico

2.1 Conceito

Passadas elucidações acerca do furto por si só e do Estado de


Necessidade, veremos agora a questão do furto Famélico.

35
Furto Famélico é aquele cometido por quem se encontra em situação de
extrema miserabilidade, penúria, necessitando de alimento para saciar a sua fome
e/ou de sua família.

O sujeito age impelido pela necessidade de alimentar a si próprio ou sua


família, afastando-se assim, a antijuricidade de sua conduta.

Como vimos nos Capítulos anteriores à figura do furto famélico é


encontrada no estado de necessidade excluindo assim a ilicitude do crime. Assim, o
furto seria um fato típico, mas não ilícito.

No capítulo que trata do Estado de necessidade menciona que as


dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria por si só não
caracterizam essa descriminante do Furto Faméli, do contrário estariam legalizados
todas as subtrações eventualmente praticadas, por quem estiver exercendo
atividade laborativa.

Vimos que para excluir-se o crime é necessário preencher todos os


requisitos, e a subtração deve ser um recurso inevitável.

Sempre que ocorrer, deve haver a necessidade de prova dessa situação


do agente, que deve ser grave e atual.

São requisitos para se provar o furto famélico: que o fato seja cometido
para saciar a fome ou satisfazer necessidade vital; que seja o único e derradeiro
recurso e; que haja subtração de coisa capaz de diretamente contornar a
emergência.

Se o agente tinha plenas condições de exercer trabalho honesto ou se a


conduta recair sobre bens supérfluos, não será o caso de furto famélico.

Em pesquisa me deparei com um excelente comentário acerca do furto


famélico: “O furto famélico deve ser apreciado pelo juiz com extrema cautela, sob
pena de se abrir perigoso precedente, favorecendo a prática de outros delitos da
mesma espécie, em razão da impunidade dos infratores 55.”

55
Disponível em: http://www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/rjdtacrim/html/volume27.html, 23/02/2010
às 14:00 horas.

36
Vemos então que a simples circunstância de estar o sujeito
desempregado ou em um momento de crise financeira não configura o estado de
necessidade e, se a coisa furtada não for própria para a alimentação não será caso
também da excludente de ilicitude.

Outro pensamento bastante claro nos dá a idéia de um fato típico do


estado de necessidade:“Ninguém subtrai um quilo de carne para acrescentá-lo em
seu patrimônio; fá-lo, tão-só, para mitigar a fome, pois que apenas a isso se presta
mercadoria de tal natureza56.”

Em grandes desastres naturais é comum visualizar o Furto Famélico,


lembrando sempre que a caracterização desta excluende deve vir acompanhada dos
requisitos sob risco do não enquadramento.

Mas não é apenas em situações de calamidade que furto famélico


aparece, existem casos de pessoas que furtam um pacote de manteiga para
alimentar; de pessoas que subtraem carne, peixes para saciar sua fome.

Lembrando que nestes casos, devem sempre ser observados os


requisitos do estado de necessidade.

2.2 Posição Jurisprudencial

Após toda a explicação teórica passamos a apresentar, em seguida, o


panorama jurisprudencial sobre o tema.

Conforme se verá nos anexos ao presente trabalho, existe uma


disparidade nas decisões judiciais, ora reconhecendo o furto famélico como estado
de necessidade, ora descaracterizando-o desta figura. Em outros julgados,
reconhece-se a inexigibilidade de outra conduta, ou ainda, a figura do furto
privilegiado.

Dentro deste cenário, o presente mostra que tanto a doutrina como os


tribunais não possuem um entendimento pacífico sobre o tema exposto.

56
Lex 86/425-426.

37
CONCLUSÃO

Diante do exposto, vimos que as excludente de ilicitude do furto devem


ser analisadas com rigor pelo legislador.

Ele não pode abrir margens e criar precedentes para que pessoas que
possuem condições pratiquem o ilícito penal e que pessoas de bem sofram dano ao
seu patrimônio.

Em se tratando de furto famélico, sempre devem ser observados os


requisitos para a caracterização da excludente de ilicitude.

E que por não haver um consenso tanto a doutrina como os tribunais não
possuem um entendimento pacífico sobre o tema exposto.

O presente traz ainda, a idéia na dignidade humana do sujeito e que o


Estado deve sempre buscar o melhor para erradicar com a pobreza.

38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BEVILÁQUA , Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, São Paulo, RED, 2001.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 06ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1983.

JESUS, Damásio E. Código Penal Anotado, 17ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2000.

_______. Direito Penal, v. I, Parte Geral. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

_______. Direito Penal, v. II, Parte Especial. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. v. I. 23ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

PIRES, André de Oliveira. Estado de Necessidade. 1ª ed. São Paulo: Juarez de


Oliveira, 2000.

Endereço Eletrônico:

CIVIL, Código. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/leg.asp - Acesso em:


23/02/10

PENAL, Código. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/leg.asp - Acesso em:


23/02/10

39
ANEXOS

1 – FURTO – Estado de necessidade – Subtração de alimentos para matar a


fome – Denúncia não recebida em razão da excludente de ilicitude –
Admissibilidade.

Embora seja mais técnico o exame de excludente de criminalidade na


instrução criminal, é justa, entretanto, a decisão que rejeita a denúncia ante a
evidência de haver o acusado agido em estado de necessidade ao praticar furto
famélico.

Rec. 447.493-4 – 6ª C. – j, 25.11.86 – rel. Juiz Mafra Carbonieri. (RT 615/312


e Lex 90/155-156).

ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido escrito


447.493-4 da comarca de São Paulo, em que é recorrente a Justiça Pública, sendo
recorrente o Juízo da Comarca, indiciado Valdemir Alves Pereira: Acordam, em 6ª
Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação unânime, negar provimento ao
recurso.

1 – Na noite de 17.3.86, perto de uma pizzaria da Vila Mariana, o acusado,


depois da tentativa frustrada de arrebatar uma pizza das mãos do entregador,
abordou o garoto A.G.S. – também entregador - e tirou dele um disco de pizza,
“tamanho grande”.

Enquanto o garoto avisava o patrão e este se apressava para diminuir o


prejuízo e prender em flagrante o gatuno, o acusado “já deglutia o último pedaço”,
como anotou o promotor na denúncia.

A denúncia não foi recebida, entendendo o Juíz que devido as circunstâncias


compunham nitidamente um caso de exclusão da ilicitude pelo estado de
necessidade: o furto famélico.

Sobreveio o recurso em sentido escrito do Ministério Público no prazo,


sustentando que a excludente deve ser examinada na instrução criminal.

40
Com o despacho de sustentação e a remessa dos autos a esta instância,
manifestou-se a douta Procuradoria-Geral da Justiça pelo provimento. Esse o
relatório.

2- Escreve Fabrini Mirabete que “o estado de necessidade pressupõe um


conflito entre titulares de interesses lícitos, legítimos, em que um pode perecer
licitamente para que outro sobreviva”.

Nesse conflito, quando, em face de um furto famélico, o objeto jurídico se


reduz a uma pizza, ainda que de tamanho grande, não seria incabível questionar a
própria relevância penal do assunto.

Embora mais técnica a solução alvitrada pelo Ministério Público, em ambas


as instâncias a singularidade do caso concreto se antecipa a outras indagações e
sugere o desfecho mais justo, exatamente o do julgamento recorrido.

Nega-se provimento ao recurso.Custas como de direito.

Presidiu o julgamento o Sr. Juiz Chaves Camargo, participando os Srs. Juízes


Álvaro Barrense e Pedro Gagliardi. São Paulo, 25 de novembro de 1986 – MAFRA
CARBONIERI, relator.

3 - ESTADO DE NECESSIDADE – Nordestino recém-chegado do estado


natal, sem recursos, emprego, teto e alimento – Prática de furto por se encontrar
faminto – Ausência de prejuízo para a vítima, por não haver o delito ultrapassado a
esfera da tentativa – Absolvição decretada – Inteligência dos artigos, 19, I, e 20 do
Código Penal e 5ª da lei de Introdução ao Código Civil.

Sob pena de tornar letra morta a regra do artigo 19, I, do Código Penal, é de
se reconhecer o estado de necessidade àquele que, recém-chegado de seu Estado
natal, sem recursos e sem emprego, não tendo alimentos nem teto, pratica furto que
não ultrapassa a esfera da tentativa.

N. 315.255 – Santos – Apelante: X.F.S. – Apelada: Justiça Pública. (RT 574-


370-371).

41
ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação 315.255, da comarca


de Santos, em que é apelante X.F.S., sendo apelada a Justiça Pública: Acordam,
em 4ª Câmara do tribunal de Alçada Criminal, por votação unânime, dar provimento
para absolver o apelante.

1 – O Menor X.F.S. apela por absolvição, porque se acha inconformado com


a condenação que lhe foi imposta por tentativa de furto simples, que lhe acarretou,
com base no § 2º do artigo 155 do Código Penal, a sanção pecuniária de
Cr$1.000,00.

O apelo foi bem processado, vindo parecer, pelo improvimento, do Dr.


Procurador da Justiça. É o relatório.

2 – O apelante, numa feira-livre que se realizava em Santos, tomou a carteira


de Maria Consiglia Bueno Rocha Ferreira e correu. Infeliz, foi preso imediatamente
pelo investigador Nélson Rodrigues Oliveira, sendo restituída a vítima a res, que era
a importância de Cr$ 2.100,00 em dinheiro.

3 – O fato e a autoria estão provados, o primeiro pelo auto de apreensão de


folhas e a última pela confissão do réu. A vítima e as testemunhas o confirmaram.

4 – Ocorre, entretanto, data venia, uma situação de estado de necessidade,


prevista em lei.

Anote-se desde logo que se trata de nordestino recém-chegado da Bahia,


sem recursos e sem emprego, não tendo alimentos nem teto.

É certo que o MM. Juiz, mostrando perfeita consciência da realidade pessoal


do apelante, um miserável, aplicou-lhe o §2º do artigo 155 do estatuto penal,
reconhecendo no caso do furto privilegiado, tanto que aponta na r. Decisão, verbis
“O réu é primário e não registra antecedentes criminais, cuja conduta é de ser
creditada ao desespero diante da falta de teto e de comida daquele que deixa sua
terra para tentar a sorte na cidade grande. Não é justificativa, mas o tempo que o réu
vem permanecendo no cárcere já é o preço pago à sociedade pelo ato praticado”.

Se a colocação e certa, como efetivamente o é, outra há de ser a solução da


espécie, sob pena de tornar letra morta a regra do artigo 19, I do Código Penal.

42
È o apelante absolutamente primário, é notoriamente pobre e desempregado,
situação, essa, de resto, de largas parcelas da população brasileira; confessou
espontaneamente (artigo 48, IV, “d” do Código Penal) o fato, o que mostra sua boa
índole; não houve prejuízo algum à vítima, que tudo recuperou, e logo; não tem o
apelante condições de pagar sequer multa, como não teve para constituir defensor
ou arrolar testemunhas em seu favor, está arrependido do fato.

Anote-se por derradeiro, não se pode exigir de alguém, nas condições do


apelante, que produza prova maior de seu estado de necessidade sem agravar esse
mesmo estado, como se esse estado não constituísse já um fato notório.

E o apelante já sofreu penalidade de fato, na cadeia, desde o flagrante até a


prolação do decisão.

Enfim, não é o Direito Positivo a única ou melhor expressão do Direito, sendo


igualmente relevantes, entre outras fontes, a equidade, a jurisprudência e os
princípios gerais de Direito, um destes expresso no artigo 5º da Lei de Introdução,
que impõe: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá as fins sociais a que ela se dirige e
às exigências do bem comum”.

5 – Ex positis, acolhe-se o apelo de X.F.S. para, reformando a r. sentença de


primeiro grau, decretar-lhe a absolvição. Custas pelo Estado.

Presidiu o Julgamento o Juiz Godofredo Mauro, praticando os Juízes Albano


Nogueira e Camargo Sampaio. São Paulo, 8 de Fevereiro de 1983 – Nelson
SCHIESARI, relator.

4 – FURTO FAMÉLICO – Acusado que agiu, no caso, movido pelo estado de


necessidade - Circunstância não comprovada pela defesa, mas que se infere dos
autos – Apelação provida – Inteligência dos artigos 155 e 20 do Código Penal.

A comprovação do estado de necessidade cabe à defesa. Mas pode resultar


de prova indiciária e circunstancial, para se reconhecer o furto famélico.

Apelação crimminal n. 8.641 – Apelante: Elísio Luiz da Silva – Apelada:


Justiça Pública. (RT 459/414-415).

43
PARECER

Elísio Luiz da Silva apela da sentença do MM. Juiz de Direito da 5ª Vara


Criminal, que o condenou à multa de Cr$ 0,50, como incurso no artigo 155,
combinado com o artigo 12, n. II do Código Penal.

O apelante, desde o flagrante, alega ter agido em estado de necessidade, por


estar passando fome e ter filhos doentes, na miséria.

Repete a tal versão em Juízo, no interrogatório.

O apelante foi surpreendido em plena ação pela esposa do lesado e preso


por este, após persegui-lo. No momento, o apelante chorou, arrependido, alegando
o estado de necessidade.

Tal circunstância é reconhecida pela sentença, embora não haja provas do


alegado.

Tudo faz crer seja sincera a versão do acusado. Ele é primário e esteve preso
desde 23.8.1973 até 14.12.1973, portanto três meses e 21 dias.

A condenação de Cr$ 0,50 é, como se verifica, muitas vezes superior à pena


de fato, que já cumpriu o apelante.

Manter a sentença só teria o sentido de fixar maus antecedentes penais, o


que me parece injusto do ponto-de-vista da política criminal. Pois se o fato foi tão
irrelevante que acarretou pena tão irrisória, tendo sido o apelante punido com pena
de fato muito mais grave do que aquela decorrente da condenação, seria injusto
manter a sentença condenatória, que não corresponde, evidentemente, ao grau de
culpabilidade atribuído ao apelante. A pena, se mantida, perderia o seu sentido de
defesa social.

Opino, pois, pelo provimento da apelação, para que seja o réu absolvido, por
reconhecido o estado de necessidade.

Rio de Janeiro, 20 de março de 1974.

JEFFERSON MACHADO GOES SOARES

Procurador de Justiça

44
ACORDÃO

Vistos, relatos e discutidos estes autos de apelação criminal n. 8.641, em que


é apelante Elísio Luiz da Silva, sendo apelada Justiça: Acordam os Juízes da 2ª
Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado da Guanabara, em decisão
unânime, dar provimento ao recurso, para absolver o apelante. Custas de Lei.

Assim, decidem pelos fundamentos do lúcido parecer da lavra do emitente


Procurador da Justiça Dr. Jefferson Machado Goes Soares, que convencem
plenamente e passam a integrar este julgado, como parte complementar, na forma
regimental.

Com o maior acerto sustentou o excelente parecer que “tudo faz crer seja
sincera a versão do acusado”, ao afirmar ter agido sob o estado de necessidade.

A prova desse estado, para que possa ter como configurado o furto famélico,
é, sem dúvida, muito difícil. O agente, quase sempre ignorante, e sem meios, não
tem possibilidade de produzi-la. A polícia é que, em face das alegações do mesmo e
das circunstâncias do caso, deve procurar esclarecer a causa sob esse aspecto,
com o que, de regra, não se preocupa.

Na espécie, o quase lesado afirmou que, ao ser preso, o apelante “não


esboçou qualquer reação, sentou-se no chão e começou a chorar”, confessando o
delito e “mostrando-se arrependido”. Esclareceu ainda, o quase lesado, em Juízo,
que “só conseguiu alcançar o réu porque este é doente e aparentava ter um defeito
na perna”.

O apelante, desde a primeira hora, invocou a extrema necessidade em que se


encontrava.

A própria sentença apelada considerou que ele, “infeliz, necessitado e doente,


não merece maior punição”.

O apelante, desde a primeira hora, invocou a extrema necessidade em que se


encontrava.

A própria sentença apelada considerou que ele, “infeliz, necessitado e doente,


não merece maior punição”.

Sua absolvição se impõe.

45
ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 544.699-5, da


comarca de Amparo, em que é apelante JOSÉ ALVES DE GODOI OU JOSÉ ALVES
DE GODOY sendo apelada a JUSTIÇA PÚBLICA:

ACORDAM, em segunda Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação


unânime, dar provimento à apelação para absolver o apelante, nos termos que
constam deste acórdão.

Condenado pelo MM. Juiz Substituto em exercício na Comarca de Amparo,


no Feito n. 141/87, como o incurso na artigo 155 § 2º, c.c. o artigo. 14, inc. II, ambos
do Código Penal, a dez dias – multa de valor mínimo, apela José Alves de Godoy ou
José Alves de Godoy, visando à absolvição por furto famélico.

Recurso em ordem, a d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo


provimento.

È o relatório.

O apelante penetrou em granja alheia, dirigiu-se ao galinheiro, matou duas


galinhas, colocou-as num saco e se retirou pela estrada de única saída.

Avistado, desde logo, pelos filhos do proprietário, este o aguardou no ponto


de passagem obrigatória, deu-lhe carona em seu veículo e o apresentou ao
Delegado de Polícia, lavrando-se, então, o flagrante.

Avaliadas ambas as galinhas no preço total de Cz$ 140,00, recuperou-as a


vítima e, alegando o apelante a prática da subtração impelido pela fome, pretende-
se sua absolvição pelo estado necessário.

Merece, à vista dessas excepcionalíssimas circunstâncias, acolhido o


argumento, com o qual se mostrou concorde o Dr. Procurador de Justiça, pois, como
escreve MAGALHÃES NORONHA, “A não ser por anomalia psíquica ou tendência
criminosa imputável, ninguém furta coisa insignificantes, senão movido pela
necessidade” (“Crimes Contra o Patrimônio”, São Paulo, Saraiva, 1958, 2ª ed.,
pág.109).

Pelo exposto, dá-se provimento à apelação e absolve-se o apelante nos


termos do artigo 386, inc. V do CPP, c.c. o artigo 24, do CP.

46
Participaram do julgamento, além do infra-assinado, os Srs. Juízes Lustosa
Goulart (Presidente) e Ribeiro Machado.

São Paulo, 3 de agosto de 1989.

HAROLDO LUZ, Relator.

6 – FURTO FAMÉLICO – Agente que subtrai de supermercado ínfima


quantidade de gênero alimentar – Reconhecimento.

Ninguém subtrai um quilo de carne para acrescentá-lo em seu patrimônio; fá-


lo, tão-só, para mitigar a fome, pois que apenas a isso se presta mercadoria de tal
natureza. (Lex 86/425-426).

47
ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 418.807-0, da


comarca de São Paulo, em que é a JUSTIÇA PÚBLICA, sendo apelado ROMERO
JOSÉ LEITE.

ACORDAM, em oitava Câmara do Tribunal de Alçada Criminal, por votação


unânime, negar provimento à apelação.

Romero José Leite foi processado perante o Juízo da 2ª Vara Criminal da


Capital, apontando como incurso nos artigos, 304 e 155, estes c.c. o artigo 12,II
(antiga redação), todos do CP e mais artigos 32 da LCP, porquanto, em 31.5.1983,
estando a dirigir uma moto sem a devida habilitação e portando documentação falsa
que o apontava como habilitado a fazê-lo, tentou subtrair para si, do supermercado
de propriedade de Antonio Higuti, uma peça de carne avaliada em Cr$ 1,000.

Declarada extinta a punidade quanto à contravenção penal, já que verificada


a prescrição, e absolvido o réu quanto ao mais da imputação, apelada a Justiça
Pública reclamando a retificação do julgado no ponto concernente à tentativa de
furto, por isso que, ao contrário do que admitiu a sentença, não se pode falar em
crime famélico.

Não mereça reparos, contudo, a resp. sentença hostilizada, tal como o


reconhece, aliás, o digno Procurador de Justiça oficiante.

Induvidosa a tentativa de subtração, fato aliás sempre admitido pelo apelado,


o que cumpre ter em conta é que a severa representa do artigo 155 do CP está
reservada a delinqüentes de outro calibre. Ao violador inconteste do patrimônio
alheio, a tanto movido por simples cupidez, pelo propósito de se enriquecer mercê
da rapina injustificável.

O apelado, contudo, não é desses que assim procedem. Primário, jamais


envolvido em infrações contra o patrimônio, viu-se trazido ao pretório, sob a pecha
de “gatuno”, porque, do interior de um supermercado, retirou uma peça de carne
avaliada em Cr$1.000.

48
Como anotado no parecer, “ninguém subtrai um quilo de carne para
acrescentá-lo em seu patrimônio...”; fá-lo, tão-só, para mitigar a fome, pois que
apenas isso se presta mercadoria de tal natureza.

E nem descaracteriza o furto famélico corretamente reconhecido o fato de


estar o apelado trabalhando, residindo em pensão, pois que não são poucos os
casos de trabalhadores, gente honesta e laboriosa, que, a despeito do ganho
salarial, muitas vezes se vêem às voltas com invencíveis dificuldades financeiras
impostas por um tempo onde o aviltamento da moeda jamais permitiu, a muitos, a
percepção de um salário condizente, capaz de possibilitar uma alimentação razoável
e sadia.

Fosse o apelado o larápio que se quis nele reconhecer, sua atividade não se
limitaria a um ínfimo pedaço de carne. No estabelecimento onde se achava, muitos
outros produtos e artigos que lhe ofereciam a uma subtração mais fácil, mais
rendosa e segura, pelo que a peça de carne deve ser havida como inequívoco e
único meio de que pôde se servir para a mitigação da insuficiência alimentar.

Daí, a correção da solução absolutória.

Diante de todo o exposto, nega-se provimento à apelação, a fim de que,


também por seus fundamentos, subsista a resposta da sentença apelada.

Participaram do Julgamento, além do infra-assinado, os Srs.Juízes Manoel


Carlos e Silva Pinta.

São Paulo, 3 de abril de 1986.

CANGUÇU DE ALMEIDA, Presidente Relator

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