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AMBULANTE
Caroline Bernardo
Daiene Oliveira
Gabriela Santos
Joana Tavares
Luciana Cerqueira
Luísa Sousa
Stephanie Alves
Salvador, 2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
Caroline Bernardo
Daiene Oliveira
Gabriela Santos
Joana Tavares
Luciana Cerqueira
Luísa Sousa
Stephanie Alves
Salvador, 2022
1. Introdução
muito vasto. Diante desse cenário, este trabalho investigou e analisou um trabalhador
da Psicologia do Trabalhar.
conhecimento que possam agregar e fundamentar uma análise crítica, embasada e detalhada a
2. Fundamentação teórica
mas a sua perpetuação no status quo de condição da existência humana sempre foi constante.
Esta condição de existência não se trata apenas do valor de troca que pode-se obter através do
trabalho, mas diz respeito também à formação de identidade individual, produção de cultura
bem-estar individual e coletivo na sociedade humana como um todo, como defende Castel
(2005) ao dizer que o trabalho é visto como eixo central para a estrutura e a dinâmica social.
modalidades de conceituação; Blustein (2013, p. 8) afirma que o trabalho deve atender três
decente, de acordo com a International Labor Organization (ILO, 1999), o que caracteriza um
trabalho decente é a oferta de renda justa, segurança no local de trabalho, proteção social,
decisões que afetam suas vidas, e por último, porém não menos importante, igualdade de
se-iam como muito distantes do modelo de trabalho digno e decente proposto pelo
trabalho decente como uma concepção psicossocial, ou seja, construída de acordo com o
contexto indivíduo/sociedade e nas relações estabelecidas entre ambos. Ademais, de acordo
com uma pesquisa realizada por Ribeiro, M. A. (2020), a maior parte da produção e
investigação científica deste tema provém do norte global, onde predominam os países
desta tendência é que o conceito de trabalho digno e decente, nas produções científicas do
hemisfério norte, gira em torno de empregos formais, sem dar conta da informalidade, que é
Outro ponto muito importante a ser salientado são algumas das discussões propostas
na trajetória para a construção destes conceitos. Quando se pensa em trabalho digno e decente
são levantadas questões como: seria o trabalho digno e decente uma causa ou uma
empecilho para o trabalho decente ou uma modalidade alternativa que abarcaria necessidades
conceituar o trabalho decente como algo uno e singular ou haveriam, ainda, possíveis versões
muitas lacunas em aberto, esperando para serem preenchidas pela investigação científica que,
pesquisa Meaning of Work Research (MOW) (1987) que buscava justamente investigar o
De acordo com Borges (em Fernandes, Gonçalves e Oliveira, 2012, p.185) esse
A partir do MOW muitas outras pesquisas e escalas surgiram, entre elas a proposta
por Rosso, Dekas e Wrzensiniewski (2010), que buscava diferenciar sentido de significado.
compreensão do ato de dar sentido ao trabalho, ou seja, nos mecanismos que dão a
trabalho, o que mobiliza o sujeito e como ele faz a sua leitura da sua relação com o trabalho,
apercepção do mundo do trabalho, de forma que se relaciona com a sua história de vida e
vivências, logo é um processo e é menos estável ao ser comparado com os significados
(Bendassolli & Gondim, 2014). Ou seja, o sentido diz respeito a uma produção individual
um contexto histórico, político, econômico e social, sendo mais estáveis que os sentidos
somente uma divisão teórica, de modo que ambos dizem respeito ao mesmo fenômeno,
formando uma unidade indivisível que é mediada pelo trabalho enquanto uma atividade a ser
exercida pelo sujeito (Santos & Carvalho-Freitas, 2018). Portanto, o processo de significação,
de atribuir sentido ao trabalho, parte da relação que o sujeito estabelece com a representação,
experiência com o trabalho, e ainda para comunicar ao outro qual o sentido do trabalho para
Logo é essa relação entre sentidos e significados que permitirá apreender o universo
simbólico que estabelece e marca a relação do sujeito com o que ele faz enquanto atividade
(2012) propõem uma análise dos sentidos e significados sob a luz de quatro dimensões:
dimensões foram utilizadas como análise de uma escala de sentidos e significados e serão
com 13 pessoas no interior de Minas Gerais e chegaram, após a análise de conteúdo das
grupo.
objetivos” (Santos & Carvalho-Freitas, 2018). Está relacionado também ao retorno material, é
que sente e é gerado ao realizarem, havendo também pontos de vista que consideram o
4) preenchimento da vida, o trabalho como podendo dar sentido à vida como um todo,
trabalho como algo que eleva a autoestima e o apreço por si mesmo, desenvolvendo senso de
valor e dignidade.
pesquisadoras, a partir da entrevista com pessoas com deficiências adquiridas, estão presentes
em diversos grupos de trabalhadores, visto que se trata de categorias amplas com sentidos-
cultural.
leva a um resultado (finalidade e eficiência, de forma que existe de clareza e importância dos
adequada).
Portanto, a partir dessas definições do construto sentido-significados, as categorias
natureza e a trajetória das vidas das pessoas, a teoria interseccional surge a partir dos estudos
busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos
2002, p. 177). De maneira complementar, Sirma Bilge (2009) destaca que o enfoque
opressão que operam a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na
(2001, 2006, 2013) como uma meta-perspectiva e, anos mais tarde, como uma proposição
teórica (Duffy, Blustein, Diemer, & Autin, 2016). A Psicologia do Trabalhar surge como uma
crítica aos modelos de psicologia clássicos sobre o trabalho, que negligenciavam os fatores
dentre outros (Blustein, 2013). Propõe, então, abarcar todos os trabalhadores, sejam
compreender de que maneira este fator, objetivo ou subjetivo (Diemer & Ali, 2009), pode
interferir no acesso ao trabalho decente. De acordo com Liu (2013), a classe social pode ser
definida como a posição de uma pessoa dentro de uma hierarquia econômica e o classicismo
é uma forma de exclusão e rejeição social, tal qual racismo e sexismo, entretanto, diferente
dos outros gatilhos, a marginalização provocada pelo classicismo não carrega aspecto
sentido, Duffy et al. (2016) sugerem que haja interação entre marginalização e restrições
rebaixamento de pessoas para uma posição social de menor poder (Duffy et al., 2016).
trabalho decente.
escolha na tomada de decisão de carreira, apesar das restrições (Steger, Dik, & Duffy, 2012).
Dessa forma, pessoas que percebem altos níveis de volição em suas decisões sobre carreira
têm maior satisfação com o trabalho, pois optam por trabalhar em congruência com suas
preferências pessoais (Duffy, Autin, & Bott, 2015), podendo alcançar um trabalho
significativo (Steger et al., 2012). Para o modelo da TPT, quanto maior a volição, maior é a
al., 2016). Por fim, a adaptabilidade de carreira é um recurso psicossocial que envolve a
confiança em construir e implementar suas atividades e projeto de vida (Savickas & Porfeli,
índices de desemprego) como uma variável macrossocial (Duffy et al., 2016). Dessa forma,
autodeterminado pode ser produzido pelo próprio trabalhador se o contexto permitir que se
2016). Como abordado por Cacciamali (2000), a realidade da América Latina encontra
algumas peculiaridades, como a heterogeneidade nas relações de trabalho informais. Para a
instituições. Diante dessa realidade, a abordagem TPT possibilita, na prática, entender como
O trabalho, de acordo com Bentivi et al. (no prelo) é uma “...ação humana de
natureza, o homem transforma-se a si mesmo (Marx, 2013 [1867]; Codo, 1997; Antunes,
configurou apenas de uma maneira, tendo passado por diversas transformações ao longo dos
compreensão que a identidade pessoal “faz parte do autoconceito, uma entidade conceitual
que depende da construção do self (instância reflexiva sobre si mesmo). Crenças sobre a
sociais.
dimensão psicológica, onde o indivíduo se percebe como único, logo, distinto dos membros
membros, possibilitando uma distinção do exogrupo. A esse respeito, Gondim et al. (2016)
aborda que “a dimensão da identidade introduz outro nível de tensão entre a afirmação e a
identidade se constrói através de uma dualidade entre o indivíduo e o outrem, bem como o
grupo social ao qual se identifica e aquele que se diferencia. Dessa forma, "as contínuas
trocas que se estabelece com o seu meio fazem com que os significados e sentidos sejam
identidades." (Gondim et al., 2016). Logo, a identidade social está implicada no exercício dos
papéis e no pertencimento a diversos grupos sociais, esses sofrem mudanças ao longo da vida
podem distinguir o seu grupo de pertença dos demais.” (Gondim et al., 2016). Nessa
perspectiva, temos a identidade profissional como uma eleição da profissão escolhida pelo
sujeito mediante aspectos de identificação, habilidades técnicas e aprendizagem, referências
3. Método
trabalhador de nome fictício Paulo. Paulo tem 47 anos, se autodeclara racialmente enquanto
negro e se encontra na classe social b/c. Paulo trabalha como vendedor ambulante na frente
3 de coleta de dados e 1 de feedback. Cinco dias antes do primeiro encontro marcado, uma
das pesquisadoras pediu a Paulo que tirasse fotos do seu cotidiano que representassem a
semiestruturada sobre trabalho digno decente e, logo após, houve a aplicação da escala de
questionamentos dos temas supracitados e também recolheram-se as fotos tiradas por Paulo.
documentados através de gravações de áudios que foram previamente permitidos por Paulo.
colabora com a pesquisa, de modo em que ela possa representar visualmente a sua
experiência, bem como também possibilita acessar a forma dela significá-la e interpretá-la
partir delas há discussões orientadas para estimular o indivíduo a refletir sobre sua própria
experiência (With et al., 2009 como citado em Meirinho, 2017). Além disso, essa estratégia é
do participante sobre sua vida (Prins, 2010 como citado em Meirinho, 2017).
pelos(as) pesquisadores(as) de acordo com seu tema de investigação. Entretanto, esse tipo de
técnica também permite que durante a entrevista os(os) pesquisadores(as) possam ter
autonomia para realizar outras questões que não estavam previstas (Laville & Dionne, 1999).
A fim de investigar a primeira concepção teórica, Trabalho digno e decente, as
questões como “Você acredita que todos os seus direitos (décimo terceiro, aposentadoria,
seguro desemprego) enquanto trabalhador estão garantidos? Está satisfeito com essa
realidade?” e “Quais os riscos que você percebe em relação ao exercício da sua profissão? Há
algo, no seu dia a dia de trabalho, que você considera que seja arriscado?”
Para analisar os sentidos e significados do trabalho de Paulo, foi feita uma entrevista
lugar que o trabalho ocupa na vida de Paulo, dessa forma havia perguntas como “O que te
motiva a trabalhar diariamente?” e “O que o trabalho significa para você?” Para ampliar a
& Oliveira (2012). Paulo recebeu a escala impressa com o seguinte comando: "Responda os
itens abaixo marcando a opção que melhor representa a sua relação com o seu trabalho e o
que ele significa para você”. Os 25 itens se iniciavam com a frase “Para mim trabalhar
significa…”. As respostas foram dadas em uma Escala do tipo Likert de 6 pontos: (1)
Discordo totalmente, (2) Discordo raramente, (3) Discordo às vezes, (4) Concordo raramente,
Cada ponto da escala likert tem o valor atribuído de 1 a 6, na análise de resultados foi
feita a média para cada dimensão usando como parâmetro a pontuação máxima que pode ser
analisadas foram:
1. Dimensão da Realização Pessoal do Trabalho, constituída por 09 itens: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8,
2. Dimensão Emocional Positiva do Trabalho, constituída por 07 itens: 10, 11, 12, 13, 14, 15,
16. Refere-se ao modo como o trabalho permite oportunidades pessoais e sociais satisfatórias,
3. Dimensão Emocional Negativa do Trabalho, constituída por 06 itens: 17, 18, 19, 20, 21,
4. Dimensão Econômica do Trabalho, constituída por 03 itens: 23, 24, 25. Refere-se ao modo
base na resposta a respeito da sua raça/cor, aplicou-se mais uma entrevista semiestruturada
(Apêndice E), composta por 14 perguntas, como “O que isso significa para você, a sua
identificação racial? O que te faz ser branco/negro/ pardo?” e “A cor, a raça, é uma questão
usado o método do Photovoice. Dessa forma, solicitou-se à Paulo, cinco dias antes do
primeiro encontro, que tirasse fotos de coisas que remetessem a sua identidade profissional,
sinalizando quais são os aspectos do seu trabalho, sejam eles momentos, objetos, pessoas,
seguida, para cada foto escolhida foram realizadas três questões disparadoras: 1) descreva a
sua fotografia; 2) o que essa foto representa para você? e 3) essa fotografia remete a um
entrevistado.
4. Resultados e discussões
decente, à exemplo de: uma oferta de renda justa que possibilite o indivíduo a dispor de
recursos como alimentação, moradia e capital social à partir do frutos do trabalho exercido;
garantia de segurança no local de trabalho, concomitante à proteção social garantida por toda
uma rede de proteção e apoio estatal ao trabalhador; respeito aos direitos fundamentais do
social, bem como a construção de sentido de vida e pertencimento social com a comunidade à
por ele.
A priori, a obtenção de renda justa, que garanta os recursos necessários para uma
vida estável, tais quais alimentação e moradia, foi confirmada por Paulo, com a ressalva de
de 2020, dificultou este aspecto em específico. Como seu trabalho envolve atendimento
possibilitaram que sua renda mensal voltasse, aos poucos, a ser o que era.
Paulo, é possível observar que ele não se sente 100% seguro na sua barraquinha montada ao
cultural em que este trabalhador está inserido: em um dos países com maior taxa de
criminalidade do mundo, ou seja, trabalhar como vendedor ambulante no Brasil sempre vai
apresentar um certo risco enquanto esta realidade não for alterada. Como disse o próprio
Paulo em entrevista ao afirmar que já presenciou cinco estudantes sendo assaltados de uma
Além disso, há também os riscos do trabalho em si, como se queimar com o óleo
quente do acarajé, estarem expostos aos carros que passam na rua e o próprio ato de ter que
dirigir à noite, cansado, após tantas horas de trabalho. De acordo com palavras do próprio
Paulo, “(...) os riscos que a gente passa: um carro bater e atropelar a gente, assaltos, (...)
fico cansado de voltar para casa dirigindo, também. Moro perto, mas para mim, eu acho que
é arriscado, né?”
pelos seus direitos fundamentais sendo garantidos, ambas temáticas também investigadas
como a abertura de conta bancária, o pedido de empréstimos e emissão de notas fiscais, além
de todos direitos (bem como as obrigações) de uma pessoa jurídica. Além disso, o fato de
Paulo contribuir para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), garante a ele direitos
doença e acidente. Entretanto, ao ser questionado sobre suas condições ideais de trabalho,
Paulo frisou que a muito tempo aguarda o quiosque fixo tão prometido pela prefeitura, para
que ele já não tivesse que montar e desmontar sua barraquinha todos os dias, o que facilitaria
seu trabalho e garantiria condições trabalhistas que alavancariam seu senso de trabalho digno
e decente.
construção de sentido de vida e pertencimento social, estes foram os resultados mais positivos
obtidos durante a entrevista, no que tange à trabalho digno e decente. Paulo apresentou um
ponto de vista totalmente otimista em relação ao acolhimento que recebe de seus clientes e
das pessoas em torno do seu local de trabalho; de acordo com palavras do próprio
entrevistado: “Sou bem acolhido, graças a Deus! É o saber chegar, é o saber lidar com as
pessoas! (...) Aqui, graças a Deus, de professor a zelador, de reitor a pró-reitor, todo mundo
sempre me tratou bem e eu sempre tratei as pessoas bem, né?”. Observa-se que o
acolhimento social percebido por Paulo é extremamente satisfatório para a execução de seu
trabalho.
Outro ponto importante, ainda no tópico de desenvolvimento pessoal, é sua
Associação dos Ambulantes de Ondina; ambos grupos sociais permitem uma ancoragem
disso, Paulo também participa do Mercado IAÔ, projeto de iniciativa da artista baiana
Margareth Menezes, que possibilita a obtenção de cursos gastronômicos que agregam valor
Paulo também menciona os cursos disponibilizados pelo SEBRAE e pelo SENAC, ambos
fornecidos através da prefeitura: “A gente sempre tomou treinamento, porque a gente sempre
Bahia), a gente também toma curso pela prefeitura. A gente é pequeno empreendedor, a
gente tem CNPJ, a gente toma curso pelo SEBRAE, pelo SENAC, tudo a gente toma curso",
Por fim, porém não menos importante, avaliamos também os construtos de liberdade
de expressão, organização e participação das decisões que afetam sua vida como trabalhador
e indivíduo. Pudemos investigar, através de algumas perguntas feitas em entrevista, sua auto
concluímos que Paulo se sente, sim, livre e com autonomia para decidir e seguir os passos em
sua ocupação profissional, isto porque, além da ancoragem em associações como a ABAM e
que não trocaria aquele ponto de vendas por um trabalho formal de carteira assinada, pois,
para ele, a liberdade de fazer seus próprios horários e trabalhar para si mesmo, vale mais do
que a garantia de um salário fixo. De acordo com suas próprias palavras, ao ser questionado
se a ele fosse apresentada a oportunidade de largar seu ponto para ter a garantia de um salário
(considerando que ambulantes autônomos ganham por produção e não tem garantia de renda
fixa), ele respondeu:“É uma pergunta difícil porque aqui eu me divirto, você sair de um
lugar que você tá identificado… Se fosse por um milhão eu largava (risos), porque sair de
um lugar que você está se divertindo para ganhar salário mínimo e ficar atrás de uma mesa
trabalho digno e decente. Apesar das ressalvas em torno das condições de trabalho, como a
segurança no local, o risco inerente aos procedimentos do trabalho e a falta de estrutura física
adequada para as vendas, podemos afirmar sim que Paulo sente-se inserido em uma realidade
significados atribuídos por Paulo ao trabalho que ele realiza e também é possível avaliar se é
um trabalho significativo ou não para ele e como com os elementos presentes ao compará-los
sobre como o trabalho é capaz de proporcionar satisfação pessoal, Paulo respondeu todos os
itens com “concordo totalmente”, dessa forma, ele considera que o seu trabalho o
Trabalho, Paulo manteve suas respostas em sua maioria no ponto “concordo totalmente”, com
exceção apenas do item “pra mim trabalhar significa estar em um ambiente físico agradável"
em que marcou “discordo às vezes”. A média de 5,57 demonstra que ele percebe o trabalho
como um facilitador de experiências pessoais e sociais, portanto concorda com frases como,
“pra mim trabalhar significa uma fonte de felicidade e bem-estar” e “pra mim trabalhar
Dimensão da Realização 54 54 6
Pessoal do Trabalho
Dimensão Econômica do 18 3 1
Trabalho
Os escores mais baixos nessa escala, foram encontrados nas Dimensões Negativas e
trabalho como algo desgastante e estressante e também não o vê como forma de garantia de
qualidade de vida ou estabilidade econômica. Paulo discorda então que trabalhar significa
uma atividade repetitiva e aborrecida ou um fardo pesado que ele tem que suportar
diariamente, e explícita no entanto, que trabalhar raramente pode ser uma atividade
desgastante e cansativa. Ao falar da dimensão econômica, Paulo deixa claro que discorda
totalmente que seu trabalho configure como uma garantia de um bom salário, garantia de
central da sua vida, mas também como algo muito positivo e que lhe proporciona realizações,
prazer, superação de limites e uma fuga do ócio, e apesar de não fornecer estabilidade,
segurança e um retorno financeiro favorável, ele não vê o seu trabalho como algo
Sendo assim, a partir dos resultados da escala e dos argumentos de Paulo, é possível
pessoa provocado pela realização da sua atividade profissional e pontos de vista que
englobam o fato da pessoa gostar do que faz, logo esses aspectos podem ser exemplificados
pelas falas de Paulo, como: “aqui é bom tá aqui, por causa dos [clientes], fiz amizade com
tanta gente”; “com certeza, porque através disso aqui já fiz muito eventos, fiz muita
“aqui é! cê vê que quando não venho praqui, eu fico triste em casa, fico deprimido,
Dessa forma, é nítido o modo como a conexão com os clientes e a maneira que ele
trabalha o permite ficar alegre e isso tem muita relação com a possibilidade dele poder, a
partir da vivência do seu trabalho, exercer aspectos de sua personalidade e de seu talento,
como argumenta Morin (2001), isso pode ser percebido também a medida em que Paulo fala
ao longo das entrevistas sobre como ele adora se comunicar e interagir com as pessoas e
como o fato de ser comunicativo faz parte da sua forma de ser e estar no mundo desde de
muito novo: “As vantagens pra mim é que eu gosto de trabalhar com público, eu gosto de
Comunicação com o povo. Tanto que é a parte que eu mais gosto. Porque desde de
pequenininho eu tive bar com meu pai né? Sempre tive bar e aí sempre meu pai teve
bar e eu sempre fui comunicativo né? Também sou músico, aí eu toco, tenho banda
de forró tudo isso, ai comunicação com um com outro, sou fácil de fazer amizade,
Desse modo, faz-se perceptível a forma enfática que Paulo se refere às relações
satisfatórias que ele estabelece com todos os seus clientes e faz questão de externar que eles
ocupam níveis hierárquicos diversos dentro da instituição pública e também fala sobre como
se relaciona bem como os funcionários da segurança pública e o quanto criou bons laços de
amizades e é chamado para participar de eventos, tanto a trabalho quanto a lazer. Além das
falas de Paulo, foi possível observar esses aspectos interacionais em campo, e como ele se
relaciona bem com os seus clientes. Esse relacionamento corrobora com o postulado por
relação de amizade [...] É para esses mesmos clientes que aqueles organizam
é possível afirmar que outros sentidos-significados atribuídos por Paulo são a independência
e sobrevivência, visto que essa categoria abarca à contrapartida financeira do trabalho, ou
seja, o retorno material, a forma de sustentar a família, que permite prover sua autonomia e
uma certa segurança para continuar gerindo sua própria vida como ele mesmo afirma: “[...]
eu que gerencio meu dinheiro e minha vida, [...]” e “Eu tenho uma filhinha de 16 anos de
idade, tenho que cuidar dela, as contas pra pagar, as coisas pra se fazer, então a gente fica
no corre corre.”
menção sobre como o trabalho permite que ele esteja inserido no circuito de produção-
Freitas, 2018), esse tipo de aspecto pode ser visto nas falas de Paulo ao ser questionado sobre
[...]Sem trabalhar a gente não tem nada o que a gente quer. A gente não compra um
carro, não compra um sofá, uma televisão, não compra um computador. Então com
o trabalho você pode fazer o que você bem quer né? Você vai ta com seu
dinheirinho no bolso.[..]
[...] o bem-estar da gente, ter condições de você comprar o que você bem quer,
porque sem o trabalho você não tem dignidade nenhuma né? É como os amigos de
bairro, né? Quando você tá com dinheiro, todo mundo é seu amigo [...]
preenchimento da vida, ou seja, o lugar central que o trabalho ocupa na vida de Paulo, que
pode ser notado na resposta dele ao ser questionado qual esse local de ocupação do trabalho
em sua: “TUDO. Pouquíssimo lazer e mais trabalho. [...] Então praticamente o trabalho da
de demanda envolvida na realização do trabalho, como ele afirma que não é simplesmente
chegar e vender o produto, há toda uma estrutura de atividades durante o dia para que se
chegue ao local do trabalho e realize a venda. São atividades que a maior parte do tempo é
realizada somente por ele e sua companheira, logo todos os processos de trabalho demandam
muito do tempo dos dois. Logo essa centralidade pode ser bem relacionada ao entendimento
reprodução da vida (Lima et al, 2013 citado por Santos e Carvalho-Freitas, 2018).
categorizado como a utilidade, que como afirma Santos e Carvalho-Freitas (2018) diz
respeito a geração de resultados e a ajuda aos outros. Além disso, tem muita relação com a
contribuição social, o que é feito em prol da sociedade (Morin et al., 2007 e Oliveira, 2004
citados por Santos e Carvalho-Freitas, 2018). Aspectos esses que puderam ser notados nas
seguintes falas de Paulo:“eu acho que eu trago bem-estar, comodidade[...] além de trazer
um bem estar, alimentar bem o povo com uma coisa de qualidade, a gente traz segurança
Outra forma de contribuição social de Paulo é quando ele gera posto de trabalho para
comigo, então tô ajudando ele a ganhar o dele, então to ajudando ela a ganhar o dela
mas que não foi mencionado diretamente por ele é o da valorização pessoal, que diz respeito
ao “trabalho como algo que fortalece a identidade pessoal, eleva a autoestima e desenvolve o
senso de valor e dignidade” (Santos & Carvalho-Freitas, 2018). Desse modo, foi possível
observar como Paulo fala do seu fazer com muito gosto, fala orgulho de como sabe lidar
muito bem com as pessoas, como administra o seu negócio, exercendo funções
aperfeiçoamento e entendimento do produto que oferece, de forma que reconhece o seu valor
diante das pessoas através do trabalho honesto e bem feito que ele faz questão de enfatizar.
Além disso, a partir do modelo proposto por Morin (2001) é possível destacarmos
começar, pelo fato de poder classificá-lo como um trabalho intrinsecamente satisfatório, visto
que Paulo aprende novas competências, atualiza seu potencial e aumenta a sua autonomia.
Tais característica podem ser percebidas quando Paulo partilha o fato de está sempre
ser associado [...]. A gente também toma curso pela prefeitura, a gente é pequeno
empreendedor, a gente tem CNPJ, a gente toma curso pelo SEBRAE, pelo SENAC,
gente não fica só parado, não fica só vendendo, a gente procura fazer um curso, a
gente procura fazer um, um entendimento do que a gente trabalha, porque não
adianta você só vender, você chegar ali e comprar, porque tem muita gente que
compra, vende hoje bom, amanhã tá vendendo ruim, então tem que procurar saber o
que você vende [...] pra aumentar a sua qualidade do seu produto, então pra mim o
Ademais, outra característica que pode ser visualizada é o fato de Paulo estar
além do mais, a medida que tem que resolver problemas e vencer dificuldades Paulo é
estimulado a ser criativo. Criatividade esta que pode ser notada quando no período de
Pandemia, precisou adaptar o seu modelo de negócio: "Transformei meu modo de trabalhar,
nunca fiz delivery, comecei a fazer delivery, botei o acarajé no aplicativo 99 Food. [...]
o fato dele conseguir feedback dos seus clientes de modo que possa melhorar, quando
aquilo que você fez.", “mas quando você vê cliente chegando, você vê cliente comprando,
você vê que tem retorno.”. E também como já mencionado anteriormente, é um trabalho que
humanas satisfatórias, com os colegas de trabalho, com os clientes, permitindo realizar trocas
e encontrar com pessoas honestas, ajudá-las e manter sempre o contato com os outros e de
forma intensa, isso tudo é estimulante para o trabalhador e para o fortalecimento de suas
identidades pessoais e sociais, logo foi possível perceber essas características a medida em
que Paulo relatou sobre as amizades e relações diversas que estabelece com os seus clientes e
Outra classificação proposta pelo modelo de Morin (2001) é que o trabalho que tem
trabalho. Pensando nas características do trabalho de Paulo, de fato é trabalho que permite
que ele tenha suas necessidades básicas atendidas, junto à sua família, de modo que ele seja
instabilidade financeira e até emocional pelo fato de ser um trabalho que a pessoa fica muito
a mercê da variabilidade da clientela, do clima e a falta de certeza quanto a renda que será
vende você fica com ânimo, quando você não vende você fica com outro ânimo…”.
trabalho digno e decente, não são tão boas, visto que se localiza em um local aberto, onde
fica exposto a riscos, como a exposição à fuligem de carros e ônibus, assaltos, chuvas e ser
elementos que ele compartilhou com as pesquisadoras, é “o trabalho que tem sentido é
moralmente aceitável” (Morin, 2001), diz respeito a um trabalho que está articulado com
causas significativas e contribui socialmente com algo, logo Paulo ver o seu trabalho como
algo que colabora para o bem-estar e segurança dos seus clientes e de fato é um trabalho que
está neste lugar de oferta desses aspectos desde a maneira com as pessoas são recebidas e se
sentem bem quista por ele, com o trabalho dele junto a sua companheira proporcionam bem-
E por fim, é um trabalho que mantém Paulo ocupado e estrutura a organização da sua
vida, mas a carga de trabalho não é uma carga horária adequada, visto que como Paulo
mencionou, praticamente todos as horas dele e de sua companheira estão voltadas para o
trabalho, em função da necessidade que tem em trabalhar para manutenção da própria vida e
brasileiro.
Logo de forma geral há muitas características no trabalho de Paulo que junto aos
sentidos-significados que ele atribuiu nos faz afirmar que é um trabalho significativo, com
emocional e a excessiva carga horária de trabalho, tudo isso em função dele ser um
trabalhador no Brasil.
isso representa, na prática, uma experiência diferente do que a literatura espera sobre as
condições contextuais e históricas desses recortes. Como destacado por Blustein (2006), a
política e social, e que exercem grande influência nas possibilidades de vida das pessoas, sem
excluir o entendimento de que as pessoas também exercem influência sobre suas vidas. Logo,
a justificativa central para a construção da TPT, de que não há estudos, até o momento, que
escada da posição social” (Duffy, Blustein, Diemer & Autin, 2016, p. 127) se aplica nesse
Nesse sentido, Paulo se identifica racialmente como negro e, nas palavras dele,
pertencer a essa identificação racial “ significa tudo né? Ainda mais porque minha avó foi
escrava. Meu avô era português e minha avó foi escrava e índia. [...] A família é toda negra,
já vem de raízes africanas”. No entanto, mesmo com a noção de ancestralidade racial, ele
não apresenta ligação com a cultura africana, apontando que “muitos seguem aquelas bandas
de matriz africana, como Olodum, mas eu não tenho esse gênero musical. Tenho um
totalmente diferente. Sou negro, mas musicalmente não sigo essas coisas, meu negocio é
rock in roll, forró, tenho banda de forró e sou músico também, já toquei em várias bandas.
Nunca gostei de olodum, pagode, principalmente esses que rebaixam a mulher, esses
pagodes de facção" e completa que “a minha casa era terreiro de candomblé, meu pai era
pai de santo, mas depois acabou quando meu pai e minha madrasta faleceram. Depois não
tive mais contato. Só frequentava porque era na minha casa.” Além disso, embora trabalhe
com a venda de Acarajés que, segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima (2010), possui
ancestralidade africana e foi introduzido no Brasil através dos escravos de etnia nagô, das
regiões iorubás da Nigéria e do atual Benin, Paulo não apresenta uma identificação cultural
com o acarajé. Ele atribui a comercialização desse alimento a dois fatores: a junção
Quanto às relações com sua esposa, Paulo aponta que as atividades e demandas
domésticas e do trabalho são divididas, e destaca que os dois fazem, conjuntamente, cursos
permitiu que ele se sinta competente para suas responsabilidades, e está envolvido pelas
Em relação a idade, Paulo aponta a vivência do preconceito partindo das pessoas que
são mais velhas e que trabalham na comercialização do acarajé há mais anos do que ele. A
partir das suas falas “as baianas de acarajé hoje em dia, você vê que 80% são mais idosas
[...]. Quando a gente começou a vender acarajé aqui, a gente fez cursos, somos da ABAM,
temos advogados e somos tombados e protegidos pelo IPHAN. Por ser mais novo, dentro de
6 meses a gente comprou carro. Aí rola aquele ciúme e inveja né? Tem uma baiana mesmo
que disse que tinha 20 anos trabalhando com acarajé e não tinha um carro e eu tinha 6
meses trabalhando e tinha um. Entendeu? A minha visão era outra.” Dessa forma, Paulo
apresenta três aspectos importante da TPT, apontado por Duffy e colegas (2016) como
atributos pessoais e sociais que podem alterar a direção e a força do impacto do contexto, na
comércio e venda de acarajé não sejam boas fontes de retornos financeiros mas, a partir da
ligação de Paulo com algumas associações e aprimoramentos, ele conseguiu sair do que era
esperado na sua profissão. Além disso, o suporte social, está presente fundamentalmente no
trabalho em conjunto com sua mulher e a forma como ele se sente seguro nessa atividade,
através dos conhecimentos adquiridos com o pai para exercer atividades comerciais.
preconceito social. Quando questionado se ele percebeu, em relação a sua cor, algum tipo ou
gesto de discriminação (pergunta 6), ele diz que “Não pela cor, mas pela roupa. Como eu
trabalhava na Vitalmed, eu só andava nos ‘trinks’, roupa social, sapato brilhando, gravata.
Então, sempre que eu entrava nas lojas, as pessoas me abordavam rapidinho para atender.
[...] Antes eu entrava nas lojas e todo mundo vinha falar comigo, mas certa vez eu tava de
folga, fui de bermuda e chinelo (mas eu estava com dinheiro no bolso), e fui comprar um
Ele aponta que no ambiente de trabalho “ [...] todo mundo é parceiro. De reitor a faxineira,
todo mundo vem aqui. Quando to lá dentro, o vice-reitor vem ‘tomar uma’ comigo, também
leva os professores que vêm de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, pra ‘tomar uma’
desenvolvimento de uma vida de trabalho digna e com significado (Blustein, 2011). Esse
fundamental para garantir seu trabalho e sua segurança; a diferenciação cultural, ao apontar o
estilo musical do pagode como “pagodes de facção” na qual ele não se identifica por esse
motivo; o relato de pedido à filha, que quando namorasse “não se misturasse com ninguém
do bairro e nem que fosse do tráfico ou de facção”; a experiência profissional, na qual ele
afirma que “tudo que você imaginar já vendi, menos drogas” e por fim, de maneira
com a criminalidade como ameaça ao seu sustento, nas suas palavras “tirei a licença daqui e
deixei tudo legalizado. Aqui tá tudo cadastrado e certinho. Aqui ninguém mexe, só ladrão
mesmo”. Nesse sentido, existem três componentes, do âmbito pessoal de Paulo, que podem
conseguir um trabalho decente. Dessa forma, a volição (Duffy, Diemer, Perry, Laurenzi, &
exposição inerente do trabalho ambulante. A adaptabilidade (Savickas & Porfeli, 2012) está
identidade social e profissional do trabalhador estudado, para isso, esta análise requer uma
compreensão a respeito do conjunto de fotografias escolhidas pelo trabalhador a partir do
Photovoice, que dizem respeito à construção da sua identidade profissional, aspectos que são
manutenção do seu trabalho atrelada a sua identidade profissional. Nas palavras de Paulo,
isso é possível pois essa representação diz respeito a “vida, no geral da vida, é tudo né? Os
três representam tudo. Porque a gente hoje, sem segurança, sem qualificação no que você
faz, qualificação no seu trabalho, e sem o cliente pra te dá o retorno você não é nada. Não
adianta ter um produto que não seja bom e que não tenha cliente. Se o produto tem que ser
bom para ter retorno dos clientes, né? E a polícia para dar segurança para todo mundo,
Claude Dubar, que “as identidades profissionais são maneiras socialmente reconhecidas para
(Dubar, 2005). A forma identitária laboral coabita com outras formas identitárias, como a de
gênero, que tem origem na socialização familiar e nesse aspecto, o trabalhador relata no
primeiro dia de entrevista que começou a trabalhar por volta dos 13 anos ao auxiliar seu pai
que também era comerciante, e a forma simbólica, que inclui valores estéticos, políticos e/ou
geralmente, mal vistas pela sociedade, essa profissão é parte constituinte importante no
mundo do trabalho no sul global, sendo um fator constituinte ao se inserir na vida do sujeito,
garantindo dignidade, independência, fortalecimento da sua identidade e permite ao indivíduo
contribuir ao mundo e dar um sentido à sua existência. Por outro lado, esta mesma sociedade
identitário para esse trabalhador (Bourdieu, 2007), substituindo outros atributos clássicos da
partir das representações individuais e subjetivas dos próprios indivíduos. No entanto, como
uma construção conjunta, portanto submetida a dualidade, esse aspecto pode ser observado ao
longo das falas de Paulo, e na escolha da Imagem 1 (clientes) como representativa na sua
compreensão a respeito da sua própria identidade profissional, sendo que a identidade nada
Imagem 1.
negociação identitária. Por isso pode-se afirmar que Paulo construiu a própria identidade
profissional mediante a atividade que exerce. Logo, o trabalhador associa a mesma com a
sua profissão, e consequentemente, validar seu esforço diário a fim de exercer sua função
que representa os clientes mesmo como sentimento positivo atrelada a mesma, em suas
palavras, “positivo, com certeza. Porque quando você faz um evento que não tem ninguém
você fica triste né? Porque você não tá vendendo, você teve aquele trabalho todo e não tá
vendo o retorno, mas quando você vê cliente chegando, você vê cliente comprando, você vê
que tem retorno. Porque meu trabalho não é só aqui, meu trabalho vem desde casa, a gente
acorda cedo, feira de São Joaquim, da feira pro mercado, depois casa. [...] É um trabalho
da porra que a gente tem, entendeu? Nós temos. O trabalho da gente não é só, a gente
sentou aqui e vendeu não, vem desde de manhã, de casa. Ainda lavar as panelas, ela vai
dormir tarde, eu vou dormir tarde todo dia, a gente acorda cedo, tudo pra fazer isso aqui.”
trabalho não está atrelado apenas ao lugar da prestação de serviço, mas também ao longo de
todo o dia. O trabalho está intrinsecamente atrelado a sua rotina diária, preenchendo grande
parte do seu dia-a-dia. Logo, sua identidade social, no caso da profissional, está diretamente
exercício laboral.
compreensão desse aspecto, ela possibilita a construção por parte do trabalhador de uma
projetar uma carreira e se engajar tanto nas suas funções, quanto na qualificação para o
exercício das mesmas. Aspecto este que pode ser observado em sua fala a respeito de
progressão de carreira, “então cada dia mais eu vou crescendo em relação a contato, a
conhecimento, que a gente não fica só parado, não fica só vendendo, a gente procura fazer
um curso, a gente procura fazer um, um entendimento do que a gente trabalha, porque não
adianta você só vender, você chegar ali e comprar, porque tem muita gente que compra,
vende hoje bom, amanhã tá vendendo ruim, então tem que procurar saber o que você vende,
um camarão bom, uma qualidade boa, pra aumentar a sua qualidade do seu produto, então
dos clientes e um maior retorno, seja ele financeiro ou social, aspecto este que é característico
profissional, sendo esta “um tipo de identidade social fruto da percepção de inclusão em um
grupo social que compartilha um domínio específico e técnico de saber, e que permite
Imagem 2.
Barca de acarajé - sentimento evocado: positivo
outrem sobre seus atributos e competências interfere na sua autopercepção, isso nos permite a
sobre si próprio, e na sua identidade profissional. Além disso, a identidade profissional tem
(Gondim et al., 2016). Nesse sentido, Paulo atribui um significado social importante ao seu
trabalho, em suas palavras, o seu trabalho enquanto vendedor ambulante que ocupa o espaço
público da cidade, “além de trazer um bem estar, alimentar bem o povo com uma coisa de
qualidade, a gente traz segurança [...], porque como eu falei, como eu sou comunicativo, fiz
amizade com as polícias daqui, eu tenho o contato de todo mundo, eu boto viatura aqui na
frente, as motos ficam aqui, os alunos [...] não ficam lá no ponto, ficam todo mundo aqui
comigo de noite, fica todo mundo aqui comigo de noite, entendeu? Quando eu saio, eu aviso
“saia daqui, fique lá na frente. Fica mais perto do portão lá”, a gente já livrou muita gente
social naquele espaço geográfico no qual está exercendo sua atividade profissional,
implicação esta que está relacionada com a segurança pública, mas não apenas, entende-se
sentimento de segurança, e amizade que eu fiz aqui também, amizade com o batalhão todo,
se você quiser o número de todo mundo aqui eu tenho. Então é isso aí, o sentimento de
segurança para todos nós, não só para mim, mas para os alunos também, os clientes.”
Imagem 3.
Com isso, a partir desse estudo é possível reforçar a prerrogativa que as identidades
do sujeito. Gondim e autoras, salientam que a identidade social está relacionada com os
papéis e o sentimento de pertencimento aos grupos sociais, ou seja, não se nasce com uma, ou
várias identidades, elas são construídas nos processos de inserção e interação social ao longo
da trajetória de vida. Nesse sentido, podemos supor que o início da construção da identidade
profissional de Paulo, se deu primeiramente no âmbito familiar, ao lado do seu pai que
exercia a mesma função profissional, “então, fiz meus corri dessa forma e meu pai tinha o
comércio, tinha um bar... comércio! Então eu tô no comércio desde pequeno, né?", ou seja,
vendedor, “eu sempre trabalhei com vendas, né? eu já vendi tudo que você já pensar nessa
vida.”
Com esses raciocínios é perceptível que cada pessoa tem um papel fundamental, ativo
pode estar fundamentada em diversos fatores, nesse caso específico, a experiência direta da
comerciante do pai.
ambulante no atual sistema econômico, perpassados por aspectos que cristalizam essas
marcadores de raça, classe social e gênero no exercício das suas atividades diárias, sem
deixar de lado uma reflexão a respeito das diversas possibilidades do trabalhar, e que mesmo
havendo características específicas dessa profissão que não estão relacionadas a um vínculo
organizacional do trabalho, ainda é possível, como afirma Paulo ao longo desse estudo, que
haja uma escolha consciente por sua profissão perpassada por identificação, motivação,
trabalho e profissional) são atropeladas pela instabilidade das referências, mas também a
exercido pelo vendedor ambulante, e todas as contingências que os circundam. Os temas aqui
analisados - trabalho digno e decente, sentidos e significados, interseccionalidades e
identidade profissional - foram elucidadores para uma investigação ampla sobre não só sobre
Dessa forma, foi muito interessante perceber, por exemplo, como Paulo não via o seu
trabalho como um fardo e sim como uma atividade positiva e permissiva que ocupava um
lugar central na sua vida ou como a raça não era um fator tão importante no seu ramo e local
condições e processos do vendedor ambulante cadastrado como MEI e identificar que diantes
significativo, digno e decente, mesmo que diante de algumas ressalvas, em torno da carga
instabilidade financeira.
de Paulo, o destaque maior é para o prazer e a satisfação que Paulo demonstra ter em interagir
com as pessoas, clientes e associações, o quanto isso é o que mantém o seu trabalho
proveitoso, contribui fortemente para a construção das suas identidades profissionais, sociais
e pessoais, permite que ele tenha suporte técnico e social e esteja inserido em contextos que
direitos.
o protagonista de sua própria história, lutando diariamente em muitos aspectos de sua vida
dimensões investigadas, foi preciso, também, caminhar pelas esferas do direito e dos âmbitos
sociais, sendo relevante a compreensão de questões relativas aos direitos, valores e moral.
Jurídica (2014) elaborado por Murilo Oliveira, o ambulante, ou seja, aquele que escolhe os
produtos que compra e vende pelo preço que considera adequado (trabalhador autônomo), é
nosso sujeito analisado (mesmo sendo ele um contribuinte associado e que participa do MEI).
A questão é que o ambulante trabalha para si, não para outrem. A discussão, da proteção a um
trabalhador autônomo, tem sido feita, justamente, porque hoje, também há um conjunto de
figuras que ficam na zona intermediária entre assalariados e autônomos. No caso dos
ambulantes, também é importante dizer, que eles estão pautados por uma condição de
informalidade e precariedade, porque ocupam este meio de vida, muitas vezes arriscado e
economicamente desfavorecidos, porque não acham emprego formal ou, como no caso do
nosso sujeito investigado, não têm capital suficiente, para colocarem uma loja física e
estruturada.
abarcar as demandas que dignificaria essa classe de trabalhadores, seria o principal caminho.
Segundo Murilo Oliveira (2014), hoje, no direito brasileiro, não há proteção para essas
pessoas, porque essas são tidas como empresárias. Para combater a informalidade e proteger
esse tipo de trabalhador, o que sugerimos e concluímos, portanto, é preciso que se busque
instaurar no Brasil, o que alguns países europeus já fazem: adoção da renda mínima. Sendo
assim, a partir de uma renda melhor, poderiam escolher algum trabalho diferente ou investir
estudados, notando o quanto eles estão imbricados e o quanto se faz necessário contextualizá-
los para que seja possível uma leitura mais ampla, principalmente, sobre as diversas formas
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1. Você exerce seu trabalho, em uma área pertencente à uma instituição pública. Existe
algum tipo de acordo, benefícios, exigência ou supervisão da instituição, em relação
ao seu trabalho?
2. Quais os riscos que você percebe em relação ao exercício da sua profissão? Há algo,
no seu dia a dia de trabalho, que você considera que seja arriscado? [objetivo da
pergunta: identificar os possíveis riscos, como inspirar monóxido de carbono,
exposição ao sol, cortes, topadas]
3. O senhor já sofreu algum acidente de trabalho na sua função atual?
4. Se ocorrer algum imprevisto, como fica a questão da sua renda? Fica comprometida?
5. Caso você adoeça e não possa realizar suas funções diárias de trabalho, existe alguma
outra fonte de renda para auxiliar no seu sustento (exemplos: INSS ou outro auxílio
do governo)?
6. Quando os alunos entram de férias e em situações como a da pandemia, em que a
universidade esteve fechada, quais foram os impactos no seu trabalho e na sua vida?
7. A remuneração pelo seu trabalho, costuma ser satisfatória para o seu sustento e da sua
família?
8. O que você poderia nos dizer, a respeito do modo como é tratado e acolhido?
9. Quais as desvantagens do seu trabalho? [exemplos teóricos: falta de garantias,
benefícios da seguridade social]
10. Quais dificuldades existem nas suas relações sociais por ser um vendedor ambulante?
E nos seus direitos de cidadão? [exemplos teóricos: dificuldade de conseguir crédito
no banco, a carteira de trabalho já foi um marco de nascimento cívico, uma pessoa
sem carteira tem menos valor]
11. Quais as vantagens de ser vendedor ambulante? E as desvantagens?
12. Quais seriam as condições de trabalho ideais para a sua profissão? Qual é a sua
realidade? (objetivo da pergunta: saber o que falta para as boas condições de trabalho
dele)
13. Você acredita que todos os seus direitos (décimo terceiro, aposentadoria, seguro
desemprego) enquanto trabalhador estão garantidos? Está satisfeito com essa
realidade? [segunda pergunta para ser feita após a primeira resposta]
14. Você participa de alguma organização social, como associação, coletivo? De que
forma você atua nesse lugar?
Itens:
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Daiene Oliveira da Silva
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Gabriela Santos
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Joana Tavares
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Luciana Cerqueira
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Luísa Sousa
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Stephanie Alves