Você está na página 1de 43

Unidade III

Unidade III
7 TEMAS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Os temas da sociedade contemporânea elencados a seguir para a nossa discussão foram levantados
pelo professor Pedro Demo em seu livro Sociologia da Educação: sociedade e suas oportunidades.

7.1 Educação e ciberespaço

Segundo Pedro Demo (2004), ciberespaço ou espaço cibernético é o universo virtual dos computadores
que está entrando de modo definitivo na vida de todos, sobretudo crianças e adolescentes (nossos
alunos). Estes demonstram um especial fascínio pelo mundo eletrônico, muitas vezes chegando ao uso
preocupante, pois entre os jovens é comum ouvir: “Viciei em tal jogo, site da internet ou programa de
computador”, assim como são constantes os relatos de que só conseguem se comunicar com as pessoas
virtualmente. Há também muitos casos de bullying1 eletrônico ou cibernético, outra manifestação
perigosa que tem preocupado pais e educadores.

A Educação sempre esteve atenta às inovações e, portanto, mantém um constante intercâmbio


com a tecnologia, muitas vezes de forma superficial e até fútil, pois frequentemente a informação é
confundida com conhecimento. Na sociedade da informação em que vivemos é possível obtê‑la em
qualquer lugar ou situação, mas a construção do conhecimento é algo mais complexo, que envolve a
interatividade entre pessoas (seja cara a cara ou virtualmente). Até por esse motivo, a aula simplesmente
reprodutiva não faz mais sentido. Apenas transmitir informações que podem ser facilmente acessadas
pelos alunos é totalmente desestimulante e inútil, sendo necessário o papel de articulador de ideias,
dados, textos e pesquisas em um grupo de discussão.

Lembrete

Questões que envolvem conflitos de geração devem ser tratadas com


muita cautela para que as aulas não se transformem em campo de guerra.
Depreciar a cultura do outro jamais ajudará.

Infelizmente, no universo educacional, a internet ainda é muito estigmatizada, sempre associada ao


mundo da cópia e das facilidades. Não é raro, no mundo corporativo, ver técnicos e profissionais liberais

Bullying é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos,
1 

praticados por um indivíduo (bully ou “valentão”) ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro
indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender. Na modalidade de bullying cibernético, essas agressões são
verbais ou com imagens feitas pela rede, em sites de relacionamento.
76
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

trabalharem em casa para a empresa ou empresários gerirem o seu negócio virtualmente, entre outros
exemplos; no entanto, apesar de não ser tão recente, a educação a distância ainda inspira preconceitos,
justamente pela ignorância acerca do seu caráter.

Segundo Demo (2004), a internet facilitou o surgimento de um mercado negro de trabalhos


acadêmicos, que acentua a desconfiança da educação a distância. Contudo, para o autor,

o abuso não tolhe o uso. É importante que as escolas tenham parabólica,


computador, internet etc., mas não é menos importante que se cuide
dos professores, porque somente eles são capazes de vivificar tais
instrumentos [...]. Sem isso, a compra de equipamentos eletrônicos tende
a permanecer apenas programa de compras, não programa pedagógico
(DEMO, 2004, p. 134).

Simplesmente transmitir uma palestra por videoconferência não significa promover educação a
distância; esta tem de ultrapassar o simples emprego de equipamentos e desenvolver uma linguagem,
estratégias de interação, reflexão e debate, que só o cérebro humano é capaz de fazer. Segundo Demo
(2004, p. 135), “o computador não sabe aprender, não sabe pensar. Não por defeito, mas por constituição
natural”. Para o autor, ser lógico (como um computador) é muito pouco para ser inteligente. Ele cita
Hofstadter:

Ninguém sabe por onde passa a linha divisória entre o comportamento


não inteligente e o inteligente; na verdade, admitir a existência de uma
linha divisória nítida é provavelmente uma tolice. Mas, certamente, são
capacidades essenciais para a inteligência: responder a situações de maneira
muito flexível; tirar vantagens de circunstâncias fortuitas; dar sentido
a mensagens ambíguas ou contraditórias [...] sintetizar novos conceitos
tomando conceitos anteriores e reordená‑los de maneiras novas; formular
ideias que constituem novidades (2004, p. 135).

7.2 Educação, violência e direitos humanos

Utilizando dados fornecidos pelo sociólogo Manuel Castells para começar a traçar um painel
da violência no mundo atual, Demo (2004, p. 136) afirma que “o tráfico movimenta por volta de
15% do PIB mundial, fazendo parte integrante do movimento financeiro, mesmo que seja ‘dinheiro
sujo’”, e lembra que a sociedade humana sempre foi muito violenta, destacando a interpretação
de cunho antropológico de Edgar Morin: somos naturalmente sapiens e demiens, ou seja, dotados
de racionalidade, gregários e solidários, mas, por outro lado, irracionais e violentos. Veja o caso do
sistema prisional, responsável pela reabilitação dos criminosos. Atualmente chamado de “escola do
crime”, apresenta um índice de reincidência entre ex‑presos de aproximadamente 2/3, tamanho é o
potencial de corrupção do sistema.

77
Unidade III

Saiba mais

O filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick é um clássico


polêmico, mas provoca significativa reflexão a respeito do papel que
determinadas formas de organização da sociedade exercem sobre a
perversão de indivíduos.

A violência física é a que se vê com mais facilidade. Entretanto, ela é intrínseca à relação
social, ou seja, toda relação de poder faz uso de algum tipo de violência. A relação pedagógica
não escapa a essa lógica, pois o professor impõe, determina e influencia, assim como os pais.
Tanto um quanto o outro no passado faziam uso de castigos físicos para educar. O fato dos
adultos não terem mais o direito de bater nas crianças não retirou a violência das relações
pedagógicas (seja em casa, seja na escola); esta adquire uma “naturalidade” nas relações de
poder e hierarquia.

Para Demo (2004, p. 138), “do ponto de vista da educação e do conhecimento, a relação entre
educação e violência poderia ser visualizada no desafio de convencer sem vencer, apelando para
a autoridade do argumento, em vez do argumento de autoridade”. O autor defende que é preciso
analisar violências mais profundas e históricas, como o fato de 80% da população mundial
viver na pobreza, ou de o planeta estar correndo risco extremo de degradação. Violência suja
é deixar crianças na rua lutando por sua sobrevivência, ou aceitar a prostituição de crianças
e adolescentes. Violência milenar é impedir a emancipação de mulheres, negros, deficientes.
Violência absurda é o luxo de poucos às custas da miséria de uma maioria. Violência agressiva
é deixar que gente tenha de viver do lixo como se fosse lixo. Violência cínica é deixar milhares
de pessoas passando fome em um país que produz alimentos com fartura. Portanto, a violência
física nem sempre é a mais predatória. Há formas menos visíveis de violência que corroem a
espécie humana por dentro.

7.3 Indisciplina e novas gerações

Demo (2004) inicia a discussão sobre esse tema ressaltando que a indisciplina é um problema mundial
entre crianças e jovens, talvez por conta de leis mais incisivas de proteção à infância. Outro fator é o
ritmo acelerado das mudanças na sociedade atual, que colocam uma distância cada vez maior entre as
gerações, tornando impossível que os filhos vivam como viveram seus pais.

A grande queixa dos professores é a desmotivação dos alunos e a dificuldade de envolvê‑los no


processo educacional, pois muitas vezes enveredam por caminhos equivocados. Como vivemos nessa
sociedade do espetáculo, que prima pelo hedonismo, frequentemente os professores se transformam
numa espécie de animadores de auditório, se esquecendo de que a função do educador não é de
entretenimento, e sim educativa e de formação.

78
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Observação

Hedonismo é uma visão de mundo que coloca o prazer acima de todas


as coisas. Como consequência, costuma gerar desapreço por valores como
esforço, disciplina de estudos etc.

7.4 Educação, paz e solidariedade

Demo (2004) nos lembra de que solidariedade está na moda, mas pode ter efeito de poder, como
acontece com a proposta da “pedagogia da solidariedade”, por conta de seu olhar eurocêntrico. Segundo
ele, a pedagogia que propõe retirar indivíduos ou povos da marginalidade tende a marginalizá‑los mais
ainda, transformando solidariedade em técnica de adestramento.

A educação para um trânsito solidário nas grandes cidades pode ser um excelente começo para a
construção da paz, devolvendo ao pedestre a rua, que se tornou o espaço dos automóveis (sobretudo
nos países onde os direitos dos cidadãos são frágeis, como o Brasil). Acidentes de trânsito passaram a ser
a principal causa de morte dos jovens nas cidades. Dirigir de forma agressiva e irresponsável, agravada
pelo consumo de álcool, levou à criação de leis como a Lei Seca, trazendo a discussão do importante
papel da educação na sociedade. Entretanto, as multas e punições moldam o comportamento de fora
para dentro, ou seja, os indivíduos mais se preocupam em não serem pegos pela fiscalização do que, de
fato, tomam consciência sobre a gravidade de seus atos.

Outro aspecto levantado por Demo é a atenção que o tema da paz tem recebido, sobretudo depois
dos ataques de 11 de setembro, quando integrantes do grupo islâmico Al‑Qaeda jogaram os aviões
por eles pilotados contra as torres do World Trade Center, em Nova Iorque. A opinião pública mundial
ficou estarrecida com o potencial de destruição do fundamentalismo islâmico, não menos violento e
destrutivo que o fundamentalismo norte‑americano (sem generalizações), que, naquele momento, era
representado pela figura do presidente Bush. Ele pregava os direitos humanos e tentava manter a paz
(apenas a econômica, na verdade) com guerras, mostrando‑se insensível às mazelas sociais nos países
pobres e reforçando a política predatória dos Estados Unidos, inclusive no que diz respeito ao meio
ambiente, ao se negar a assinar o Protocolo de Kyoto2.

Segundo Demo (2004, p. 150),

[...] A educação poderia comparecer como estratégia fundamental da cultura


da paz, à medida que, na educação formal e igualmente na educação
permanente, se cultivassem procedimentos de convivência pacífica e

2 
Trata‑se do protocolo de um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos
gases que provocam o efeito estufa, considerados, de acordo com a maioria das investigações científicas, como causa do
aquecimento global. Para entrar em vigor, depois de ser discutido e negociado, o documento deveria ser assinado em 11 de
dezembro de 1997 por 55% dos países que juntos produzem 55% das emissões de poluentes.
79
Unidade III

solidária. Esse intento é complexo: por convivência pacífica não se entende


a passividade de gente sem iniciativa própria, ou comodismo de aceitar a
história atual. Faz parte da educação a rebeldia democrática, o confronto
com utopias mais humanas, do que segue tratar‑se da paz ativa, não
parasitária.

7.5 Educação profissional

O conceito de educação continuada é um importante aliado da conquista da cidadania para os


trabalhadores na sociedade atual. No entanto, Demo (2004) adverte sobre as contradições que emergem
dessa política educacional.

A economia neoliberal valoriza a educação como investimento em competitividade globalizada,


separando assim a qualidade formal da qualidade política. Com isso, o saber pensar se parte ao meio,
como se fosse possível se desenvolver a habilidade de inovar de forma independente da de questionar.
Segundo o autor,

[...] uma das maneiras mais utilizadas pelas empresas para partir à qualidade
da educação é oferecer cursos pequenos, quase relâmpagos, cercados
de intensa dinâmica de grupo, com o sentido maior de envolvimento
emocional. Surgiram muitos “especialistas” em dinâmica de grupo, dotados
da habilidade de fazer o público se emocionar fortemente, levando‑os às
lágrimas, coisa comum desde a “qualidade total”. Esta, porém, nem de longe
foi tão benéfica para o trabalhador quanto foi para o empresário. [...] Como
se sabe, houve recuo quanto à organização sindical ou quanto ao associativo
em geral. Ao mesmo tempo, a precarização do trabalho tomou conta do
cenário (DEMO, 2004, p. 151).

A LDB expressa esse potencial da educação profissional voltada para a cidadania do trabalhador,
desde que feita de maneira coerente em termos de aprendizagem reconstrutiva política e crítica.

7.6 Educação ambiental

A destruição do planeta chegou a níveis alarmantes, e a escola não pode fugir da responsabilidade de
implementar ações que contribuam para a continuidade das próxima gerações. Se o padrão de consumo
do planeta fosse igual ao norte‑americano, precisaríamos de três planetas Terra só para jogar lixo!

É interessante discutir o documento da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre os direitos
universais da água, que passa a ser encarada como um ente da humanidade, reforçando que a questão
ambiental criou uma cidadania planetária.

O conceito da metáfora de Bauman – a modernidade líquida – cria uma correspondência também


com os impasses ambientais que vivemos na contemporaneidade. Uma das consequências mais
perigosas do efeito estufa é o degelo das camadas polares, que já apresenta resultados catastróficos
80
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

e que podem ainda ser agravados se o atual modelo de desenvolvimento não for redimensionado.
Inundações, tsunamis, mudanças climáticas drásticas, secas irreversíveis em vastas regiões, enfim, a
fonte da vida em nosso planeta pode ser destruída se não estiver em equilíbrio.

Se levarmos a sério a tendência entrópica da natureza (consome‑se sempre mais energia do que
a capacidade de a repor completamente), a exploração indiscriminada dos recursos naturais resultará
inevitavelmente em prejuízos ambientais. Para Demo (2004),

A educação pode claramente contribuir para a preservação ambiental,


como tarefa mais imediata, procurando construir contextos preocupados
com o futuro do planeta e principalmente com as condições de qualidade
ambiental de cada pessoa. Essa perspectiva é sempre importante, mas é
muito mais importante construir o contexto do questionamento face às
oportunidades de desenvolvimento, em particular da polêmica em torno do
desenvolvimento sustentável (DEMO, 2004, p. 155).

Em 22 de março de 1992, a ONU instituiu o Dia Mundial da Água, publicando um documento


intitulado Declaração Universal dos Direitos da Água.

Art. 1º – A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada


povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente
responsável aos olhos de todos.

Art. 2º – A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de


vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela, não poderíamos
conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou
a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser
humano: o direito à vida, tal qual é estipulado do Art. 3º da Declaração
dos Direitos do Homem.

Art. 3º – Os recursos naturais de transformação da água em água potável são


lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada
com racionalidade, precaução e parcimônia.

Art. 4º – O equilíbrio e o futuro do nosso planeta dependem da preservação


da água e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionando
normalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Este
equilíbrio depende, em particular, da preservação dos mares e oceanos, por
onde os ciclos começam.

Art. 5º – A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela
é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui
uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para
com as gerações presentes e futuras.
81
Unidade III

Art. 6º – A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor
econômico: precisa‑se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e
que pode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

Art. 7º – A água não deve ser desperdiçada, nem poluída, nem envenenada. De
maneira geral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento
para que não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração
da qualidade das reservas atualmente disponíveis.

Art. 8º – A utilização da água implica no respeito à lei. Sua proteção constitui


uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Esta
questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

Art. 9º – A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua


proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

Art. 10º – O planejamento da gestão da água deve levar em conta a


solidariedade e o consenso, em razão de sua distribuição desigual sobre a
Terra.
Fonte: IBGEteen datas.

7.7 Educação e multiculturalidade

Demo (2004, p. 160) cita a definição do professor Semprini:

Multiculturalidade significa a “biodiversidade” da sociedade humana.


Esta é o conjunto complexo e não linear de sociedades, estabelecendo
entre elas, historicamente, linhas por vezes muito polarizadas, como é
o caso de sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, ou civilizadas
e primitivas.

Para as culturas etnocêntricas, as demais demonstram menos riqueza humana do que resquícios de
atraso, tendo em vista uma noção unilateral de progresso pautado no mundo civilizado liberal.

Saiba mais

A antropologia deu uma grande contribuição para as ciências humanas


ao introduzir a discussão sobre etnocentrismo versus relativismo. A
esse respeito, consultar o livro de Everardo Rocha intitulado O que é
etnocentrismo.

82
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

As esferas de discussão acerca da Educação podem ser a respeito de diversos fatores:

• Todos os povos têm direito à educação nas suas culturas e línguas próprias. Essa é uma condição
fundamental para minorias que vivem em contexto adverso, como tribos indígenas e outras etnias.

• O conceito de identidade cultural sofreu uma enorme revisão por conta do contexto pós‑moderno,
em particular pelo fato de que preservar a identidade na sociedade contemporânea significa
mudar, pois a cultura que resiste a qualquer mudança simplesmente desaparece. A preservação
da identidade cultural é atualmente uma questão dialética, um processo não de petrificação
ou congelamento, mas de desenvolvimento de uma habilidade para, mudando, permanecer a
mesma. Para o indígena, é importante participar da sociedade moderna, para não se perder nela,
e, por outro lado, lutar em igualdade com o branco pelos seus direitos.

• Os linguajares e dialetos dos grupos sociais menos privilegiados socialmente, que devem ser
respeitados – porém ensinando a norma culta, porque é nesta que o confronto e a competição
social se dão.

• O caráter multicultural do conhecimento, que deve ser ressaltado, pois as vertentes mais lúcidas
do pós‑modernismo relativizam a pretensão ao universalismo (fora do saber eurocêntrico não há
possibilidade de conhecimento, apenas ignorância, como os colonizadores durante muito tempo
fizeram os povos colonizados crer para melhor dominá‑los).

• A eleição do inglês como língua oficial da humanidade. Segundo Demo (2004, p. 127):

O que há a fazer é aprender inglês, não para estabelecer subserviência


irrevogável, mas para saber usar as mesmas armas de combate. Trata‑se,
pois, de aprendizagem reconstrutiva política do inglês, que nos permite
tanto penetrar seu mundo de cultura própria, como usar o inglês para
preservar nossa própria identidade. [...] Tal qual a ocidentalização do mundo,
a americanização é problema que merece atenção redobrada. Cabe à
educação construir modos inteligentes de convivência que não impliquem a
destruição do sujeito capaz de história própria.
7.8 Educação e ética

A ética da sociedade moderna surgiu com os ideais da democracia, ainda que as democracias atuais,
em geral, sejam caricaturas odiosas e os governos autoritários ressurjam a toda hora e em todo lugar.

Em certo sentido, consideramos bom aluno aquele que é obediente, esforçado e estudioso.
Podemos, no entanto, estar apenas querendo enquadrá‑lo. O aluno que sabe somente obedecer não
tem personalidade. Segundo Demo (2004, p. 168): “Não se aprende sem disciplina, mas a aprendizagem
criativa é indisciplinada”.

É muito importante termos consciência de que, além de ajudar os alunos a desenvolver as


habilidades e as competências requeridas pela vida social, é fundamental ajudá‑los a compreender
83
Unidade III

que saber argumentar, convencer e intervir não é simplesmente vencer, ou seja, deve‑se chegar
ao consenso pela ética, sem o uso da força ou do constrangimento, e sim do debate aberto e do
entendimento.

8 AS TEORIAS CLÁSSICAS E AS MATRIZES BÁSICAS DA SOCIOLOGIA DA


EDUCAÇÃO

Como já foi visto em nossa unidade anterior, o primeiro teórico clássico a trabalhar com a
Educação foi Durkheim. Sua preocupação era a sistematização da Sociologia como método de
investigação e como uma teoria autônoma. Escreveu uma obra específica sobre o tema, Educação
e sociedade, concebendo o primeiro grande modelo de análise para o estudo sociológico da escola:
o funcionalista.

Em sua obra Sociologia da educação: reproduzir e transformar, o pesquisador Evaldo Vieira,


investigador da Sociologia da Educação no Brasil, levanta os seguintes conceitos norteadores, baseados
nos autores clássicos:

Cultura: a existência social determina todas as formas de vida dos indivíduos, desde a infância,
passando pela adolescência e indo até a vida adulta, definindo sua cultura, seu modo de viver, pensar
e agir.

Atividades culturais: envolvem a vida na família, na escola, no trabalho, no lazer e em outros


espaços, moldando modos de pensar, sentir e agir, sendo atualmente muito influenciadas pela mídia.

Socialização: é construída por um processo geral de educação que implica longa aprendizagem,
desde o nascimento até a morte.

Divisão social do trabalho: diferencia as atividades, distribuindo‑as entre os indivíduos ou grupos


da sociedade.

Especialização: significa reservar determinadas atividades, preferencial ou exclusivamente, a


determinados indivíduos ou grupos.
Agentes de socialização: são grupos primários, como a família, a sala de aula ou o grupo de idade.

Grupos primários: consistem em pequenos grupos que se fundamentam principalmente em


relações pessoais mais próximas, com capacidade de exercer pressão diretamente sobre seus membros,
cujos comportamentos estão mais ou menos previstos por todos.

Grupos secundários: caracterizados pelo predomínio das relações impessoais, assentadas em


normas gerais, e seus membros estão afastados uns dos outros por obediência a essas regras.

Grupos de trabalho: colocam em prática relações pessoais entre membros nas fábricas, oficinas,
lojas, escritórios etc., expondo alguns traços próprios dos grupos primários e funcionando como
energéticos agentes de socialização em meio ao universo impessoal da grande empresa.
84
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Já a visão marxista “explode” em visões que se refratam em diversas formas de análise e propostas
de ação, com potencial de transformação do sistema escolar e da sociedade, seja pela via dos partidos
únicos ou até dos movimentos mais identificados com o anarquismo ou com o socialismo utópico,
ou mesmo com impossibilidade de transformação, apenas de reprodução das desigualdades sociais,
servindo de inspiração a autores tão diferentes como Bourdieu, Althusser, Gramsci, Mannheim ou Paulo
Freire.

A teoria comunista, criada pelos pensadores alemães Karl Marx (1818‑1883) e Friedrich Engels
(1820‑1903), propunha uma crítica e a ruptura radical com a sociedade capitalista. Suas obras, em
princípio, não tinham a preocupação de sistematizar uma disciplina acadêmica, mas explicar a sociedade
como um todo, e transitaram pela Filosofia, Economia, Antropologia, Ciência Política e Sociologia. O
marxismo tornou‑se uma teoria e uma proposta política de transformação da sociedade. Por meio de
uma revolução, o proletariado chegaria ao poder, acabando com a exploração que a burguesia exerce
sobre o trabalhador, o que para Marx e Engels seria a causa de todos os problemas da sociedade. Segundo
eles, dentre os diversos tipos de violência, há a chamada violência estrutural, ou violência branca, que
possui ligação com as relações de exploração dos sistemas injustos e que tem nas crianças suas maiores
vítimas. Infelizmente, ainda nos dias de hoje, é uma realidade em muitos países a falta de saneamento
básico e a alimentação insuficiente ou inadequada, assim como a carência de educação para as crianças,
que, por serem mais frágeis, são condenadas à morte e à marginalidade.

Uma importante contribuição teórica de Marx é a discussão do conceito de classe social, que pode ser
compreendida a partir de alguns pressupostos. O autor argumentava que as divisões de classe baseiam‑se
nas diferenças das relações entre os indivíduos e o processo de produção, em especial na propriedade e
no controle dos meios de produção. No capitalismo, esses meios são possuídos e controlados por uma
única classe – a classe burguesa –, cujos membros, no entanto, não os usam concretamente a fim de
produzir a riqueza. Esse trabalho é feito pela classe operária ou proletária, que produz riqueza, mas não
possui e nem controla os meios de produção. Uma vez que os capitalistas tampouco produzem riqueza
de fato, sua prosperidade depende necessariamente do trabalho de outras pessoas.

Aos trabalhadores, resta tentar suprir as suas necessidades com a venda da sua força de trabalho em
troca de salários que, do ponto de vista marxista, representam apenas uma parte do valor da riqueza que
eles produzem (extração da mais‑valia). Assim, classe e relações de classe baseiam‑se na tensão e na luta
entre interesses conflitantes, numa relação de oposição e complementaridade.

Em sua obra O que é ideologia?, Chauí (1984) discute a relação entre os modelos de família, classes
sociais e educação que foram se configurando na sociedade moderna. Para ela, existem no capitalismo
três tipos de família relacionadas às classes: a burguesa, a pequeno‑burguesa e a proletária.

Família burguesa: na maioria das vezes, não passa de um contrato econômico entre famílias para
conservar o patrimônio familiar e assegurar a transmissão da herança. Por isso, o adultério feminino é
uma falta grave.

Família proletária: existe quase que exclusivamente para reproduzir a força de trabalho por meio
da procriação de filhos. Por isso, a mulher não tem direito ao aborto decente e ao anticoncepcional.
85
Unidade III

Entretanto, quando existem mudanças tecnológicas no processo produtivo, necessitando que se diminua
a oferta de mão de obra, a classe dominante, por meio do Estado, cria programas de planejamento
familiar, ou então de esterilização em massa, afirmando que estão contribuindo para o desenvolvimento
nacional, diminuindo o número de filhos dos pobres.

Família pequeno‑burguesa: tem a função fundamental de reproduzir os ideais e os valores


burgueses para toda a sociedade. O pai tem a autoridade reforçada para compensar a falta de poder que
ele tem na sociedade. A mãe tem o lugar honroso da domesticidade, para que fique fora do mercado de
trabalho e não vá competir com o pai e lhe roubar a autoridade ilusória. Os filhos desse casamento têm
retardados a entrada no mercado de trabalho e o casamento. Conjuga‑se a isso a defesa de dois ideais:
a virgindade, para as meninas, e a condenação do homossexualismo, pois neste não há reprodução, nem
vínculo familiar.

Uma visão muito prestigiada na segunda metade do século XX foi a chamada interpretação
reprodutivista da escola, criada pelos pensadores franceses Bourdieu e Passeron (que se declaram
marxistas) no livro A reprodução, que destaca a violência simbólica na transmissão do saber nas escolas.

Para Pierre Bourdieu, a escola exerce o papel de legitimar um capital simbólico institucionalizado
e demonstra em suas relações que as questões de classe não se restringem à posição ocupada pelo
indivíduo no processo produtivo, mas a relações ligadas ao prestígio, à reputação, à fama e ao estilo de
vida. Para ele, o campo social é um espaço multidimensional que se dá nas relações e nas composições,
segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das posses dos indivíduos.

A essa visão se juntam outros teóricos, como Louis Althusser, que na obra Ideologia e aparelhos
ideológicos do Estado defende que as escolas nas sociedades capitalistas têm por função ministrar a
submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua prática. Elas se inserem no processo de reprodução
ideológica e representam a forma na qual a ideologia da classe dominante deve necessariamente se
realizar, atuando por ritos, palavras, atos ou quaisquer outros meios, fazendo com que os indivíduos
sejam levados à sujeição e à submissão à ordem vigente, reproduzindo‑a constantemente.

Em A escola capitalista na França, Baudelot e Establet utilizaram o instrumental teórico de Althusser


a fim de analisar o sistema escolar francês e concluíram que a escola é o principal lugar da reprodução
ideológica, desempenhando um importante papel na reprodução das condições materiais de vida. Para
eles, os demais aparatos ideológicos exercem sua função somente sobre a base da inculcação primária
realizada pelo aparato escolar.

Nos Estados Unidos, Bowles e Gintis, em sua obra Schooling in Capitalist America, aplicam a teoria
reprodutivista, partindo da mesma ideia de que a escola reproduz a divisão social do trabalho. Segundo
eles, as instituições educacionais se estruturam para alcançar alguns objetivos:

• produzir qualificações técnicas e cognitivas, exigidas para um bom desempenho nos empregos;

• legitimar a desigualdade econômica, reduzindo o descontentamento com a divisão hierárquica do


trabalho e afirmando um escalonamento objetivo e meritocrático;
86
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

• incentivar o individualismo, realçando as características pessoais, recompensando‑as e


enaltecendo‑as como fundamental para ocupar postos nas hierarquias;

• criar um padrão de distinção de status que fomente e reforce a consciência fragmentada em que
se baseia a divisão das classes economicamente subordinadas.

Isso só é possível porque a estrutura e as relações sociais no interior da escola reproduzem as relações
sociais da produção capitalista.

Em O capital (1867), Marx comenta a legislação trabalhista anterior a 1844, que permitia a
contratação de crianças para trabalhar nas fábricas, com a condição de que os patrões apresentassem
um atestado de que os meninos frequentavam a escola. Marx concluiu que o tipo de educação dado
às crianças era tão precário que só poderia servir para perpetuar as relações de opressão às quais elas e
seus pais operários estavam sujeitos.

Leia o relato de um inspetor do trabalho da época, citado por Marx:

A sala de aula tinha 15 pés de comprimento por 10 pés de largura e continha


75 crianças que grunhiam algo ininteligível. [...] Além disso, o mobiliário
escolar é pobre, há falta de livros e de material de ensino e uma atmosfera
viciada e fétida exerce efeito deprimente sobre as infelizes crianças. Estive
em muitas escolas e nelas vi filas inteiras de crianças que não faziam
absolutamente nada, e a isso se dá o atestado de frequência escolar; e esses
meninos figuram na categoria de instruídos de nossas estatísticas oficiais (O
capital, cap. XIII, item 9).

A legislação inglesa de 1844 mudou as regras. A partir de então, só poderiam ser contratadas para
as fábricas crianças que já tivessem pelo menos a instrução primária.

Marx, num texto intitulado Instrução aos delegados do Conselho Geral da Internacional Comunista
(1866 apud RODRIGUES, 2007), defende:

Consideramos que é progressista, sã e legítima a tendência da indústria


moderna de incorporar as crianças e os jovens para que cooperem no grande
trabalho da produção social, embora sob o regime capitalista ela tenha sido
deformada até chegar a uma abominação. Em todo regime social razoável,
qualquer criança de 9 anos de idade deve ser um trabalhador produtivo, do
mesmo modo que todo adulto apto para o trabalho deve obedecer à lei geral
da natureza, a saber: trabalhar para poder comer, e trabalhar não só com a
cabeça, mas com as mãos.

E propõe que os militantes do partido comunista lutem para que a lei estabeleça tratamento
diferenciado conforme a faixa etária, prevendo jornadas de trabalho diferenciadas para crianças e jovens:

87
Unidade III

• de 9 a 12 anos, deveriam trabalhar duas horas por dia;


• de 13 a 15, quatro horas;
• de 16 a 17, seis horas.

Não se deve permitir, em nenhum caso, que o trabalho de crianças e jovens não esteja conjugado
com a educação. Para Marx, os conteúdos educacionais devem contemplar três dimensões: educação
mental (educação elementar para o trabalho intelectual), física (oferecida nos ginásios esportivos e
no treinamento militar) e tecnológica (manejo de instrumentos e máquinas dos diferentes ramos da
indústria, conjugada com o trabalho nas fábricas).

Num texto chamado Crítica ao Programa de Gotha, de 1875 (apud RODRIGUES, 2007), Marx,
debatendo com adversários internos do Partido Comunista, diz: “Isso de uma educação popular a cargo
do ‘Estado’ é absolutamente inadmissível. [...] É preciso livrar a escola de toda influência por parte do
governo e da Igreja. [...] É, ao contrário, o Estado que necessita receber do povo uma educação muito
severa”.

Quase trinta anos antes, Engels, no texto Princípios do Comunismo, de 1847 (apud RODRIGUES,
2007), defende ser a “educação de todas as crianças em estabelecimentos estatais e a cargo do Estado,
a partir do momento em que possam prescindir do cuidado da mãe”. Argumenta também a favor da
supressão da educação doméstica (compartilhada com a família) e sua troca pela educação social, para
eliminar a reprodução da ideologia capitalista que parte de alguns princípios:

• progresso (estudar para “vencer na vida”);


• individualismo (não existe possibilidade de felicidade coletiva, apenas individual);
• soberania popular (todo poder emana do povo e em seu nome será exercido);
• igualdade perante a lei (discurso ideológico que procura ocultar a desigualdade no cumprimento
da própria lei);
• ideal de família harmônica (sem contradições e diversidades).
A seguir, apresentaremos outros pensadores marxistas que veem a Educação de outra maneira:

Antonio Gramsci (1831‑1937)

Assim como Marx, vê o trabalho como princípio educativo e acredita no potencial transformador da
educação.

Para ele, a hegemonia sempre é uma relação pedagógica, na medida em que envolve uma relação de
convencimento, de ensino‑aprendizagem.

Para Gramsci, uma classe se torna hegemônica quando, além da dominação pelo poder coercitivo e
policial, ela domina pela persuasão, pelo consenso, que é desenvolvido por meio de um sistema de ideias
muito bem elaboradas por intelectuais a serviço do poder.

88
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

A única maneira de romper esse ciclo é a produção de um discurso contra‑hegemônico, que apenas
o intelectual orgânico (intelectual vinculado à classe trabalhadora) pode fazer.

Karl Mannheim (1893‑1947)

Para esse sociólogo judeu nascido na Hungria e que mescla Marx, Durkheim e Weber, a educação
escolarizada é uma técnica social e pode ser uma arma nas mãos de quem domina, podendo ser usada
tanto para a manutenção quanto para a transformação de uma sociedade.

Segundo Mannheim, mesmo sendo transformadora num primeiro momento, a Educação tende a ser
mantenedora da situação social.

A importância da análise social da Educação, para ele, reside em dois fatores:

• se retirarmos da Educação a sua conotação social, estaremos reduzindo‑a a um esquema de ação


arbitrário e abstrato;
• a prática educacional na sociedade contemporânea toma o grupo, e não o indivíduo, como
unidade educativa.

Ainda na década de 1970, na Inglaterra, surge a chamada Nova Sociologia da Educação, que se
contrapõe aos reprodutivistas ao se preocupar com o funcionamento interno da escola e com o currículo.

Michael Young (1915‑2002)

Sociólogo britânico, notório especialmente por sua obra Conhecimento e controle.

Georges Snyders (1916‑)

Sociólogo francês, escreve em 1976 Escola, classe e luta de classes , obra na qual criticava os
reprodutivistas, ressaltando que o professor encontra resistência dos alunos e que a realidade
de cada escola e professor interfere no processo educacional e traz de volta, com seriedade e
critério, o tema da felicidade na educação em obras como Alunos felizes: reflexão sobre a alegria
na escola a partir de textos literários (1993) e Feliz na universidade: estudo a partir de algumas
biografias (1995).

Saiba mais

Para saber mais sobre esses autores, vale a pena consultar os livros
História das ideias pedagógicas, de Moacir Gadotti, Sociologia da Educação,
de Alberto Tosi Rodrigues e Documentos de identidade: uma introdução às
teorias do currículo, de Tomaz Tadeu da Silva.

89
Unidade III

8.1 A Sociologia da Educação no Brasil

No Brasil, a Sociologia como ramo do conhecimento tem seu início na década de 1930. Despontam
nesse período intelectuais da chamada geração de 30, cujos expoentes foram Caio Prado Júnior, Gilberto
Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Fernando de Azevedo.

O primeiro livro didático destinado às escolas normais é publicado em 1933, com o título Elementos
de Sociologia educacional e fundamentos sociológicos da Educação, escrito por Carlos Miguel Delgado
de Carvalho, professor do Colégio D. Pedro II, do Rio de Janeiro.

Um importante documento que marca as preocupações com a Educação em nosso país, que até
então tinha uma história de descontinuidade e descaso por parte do poder público, foi o Manifesto dos
pioneiros da educação, texto publicado em 1932.

Como se sabe, a Educação começa no Brasil como instrumento de catequização dos índios, pelas
mãos dos padres jesuítas, que firmaram uma espécie de acordo com a Coroa Portuguesa a fim de
garantir a colonização e melhor adequação dos gentios ao trabalho.

Durante o período da escravidão, após a Independência, a Educação era privilégio de brancos, já que
os textos constitucionais mencionavam o direito a ela apenas para os cidadãos brasileiros, e os escravos
não eram cidadãos. Portanto, como a maior parte da população não tinha direito à Educação, ela era
elitista nesse período.

Após a Abolição, a desigualdade ao acesso e o descaso com a Educação continuaram. Os relatos


da época dão conta das péssimas condições de trabalho nas quais viviam os professores, submetidos
muitas vezes ao isolamento nas escolas rurais, aos péssimos salários e à falta de material didático e de
infraestrutura básica nas cidades.

No início do século XX, com os surtos de industrialização e urbanização – em grande parte, decorrência
da imigração, sobretudo em São Paulo –, não era possível vislumbrar melhores condições. As chamadas
escolas étnicas, fundadas pelas colônias alemãs, italianas, japonesas entre outras, não foram construídas
com recursos governamentais, e sim como resultado dos esforços desses imigrantes, que reconheciam a
necessidade da Educação para seus filhos nascidos em solo brasileiro.

Portanto, o teor do Manifesto dos pioneiros da educação, redigido por 26 educadores, era inovador
na medida em que defendia a educação como um direito social, um dever do Estado, pautado na
laicidade (desvinculado da formação religiosa), na gratuidade (caráter público‑estatal, que garantiria a
democratização do ensino) e na obrigatoriedade (unificação do ensino, o que demandaria a criação de
um sistema nacional responsável pela legislação, normatização e gestão do ensino a fim de garantir o
acesso do cidadão a esse direito).

Os principais educadores envolvidos na elaboração do Manifesto são considerados figuras


emblemáticas da Educação brasileira, comprometidos com os valores democráticos e republicanos e
conhecedores das novas teorias pedagógicas surgidas na primeira metade do século XX, que repudiavam
90
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

o modelo jesuítico, muito influente até então, baseado na punição, no decorar da matéria e na
superioridade quase que aterrorizante do professor.

Fernando Azevedo (1894‑1974) é lembrado por ter introduzido as ideias de Emile Durkheim no
Brasil ao traduzir a sua obra Educação e sociedade para o português. Anísio Teixeira, por sua vez, foi um
grande divulgador da Filosofia Educacional de John Dewey no Brasil, após ter sido seu aluno nos Estados
Unidos. A Filosofia Educacional era pautada na aprendizagem significativa e baseada nas experiências
do educando.

Azevedo se dedica especialmente a pensar a educação tendo como influência direta a obra Educação
e sociedade, de Durkheim, publicada no Brasil em 1939. Azevedo vai além do teórico francês quando
defende que o aluno não recebe passivamente as informações e os comportamentos dados pelos
professores, mas reage a eles dependendo de sua história de vida e do contexto cultural.

Juntamente com Fernando Azevedo, Anísio Teixeira (1900‑1971) foi o pioneiro do movimento da
Escola Nova, que rompeu com o método tradicional de ensino baseado na memorização e mudou os
rumos da Educação brasileira nos anos 1920 e 1930. Foi nomeado pelo governador da Bahia, em 1922,
para um cargo equivalente ao de secretário da Educação do Estado, seguindo para a Europa, em 1925, a
fim de observar a realidade educacional em diversos países. Promoveu a reforma do sistema educacional
da Bahia e do Rio de Janeiro, o que viria a influenciar toda a Educação nacional. Infelizmente, faleceu
em 1971, sob circunstâncias misteriosas no período da Ditadura Militar, tendo deixado como legado
algumas realizações como:

• O Centro Educacional Carneiro Ribeiro (mais conhecido como Escola Parque), de 1945, situado
no populoso e pobre bairro da Liberdade, em Salvador, no qual buscou inspiração o também
sociólogo e educador Darcy Ribeiro para, na década de 1980, criar os Cieps no Rio de Janeiro. Na
década de 1990, foi a vez do Governo Federal criar os Ciacs; no início do século XXI, na Bahia,
os Colégios Modelo – todos fundamentados na sua ainda atual visão da educação integral; e, no
início do século XXI, os mais de 21 CEUs (Centros Educacionais Unificados) construídos na cidade
de São Paulo tiveram em seus projetos forte influência da Escola Parque de Anísio.

• Em Caetité, na sua casa natal, está sediada a Fundação Anísio Teixeira, presidida por sua filha,
Anna Cristina Teixeira Monteiro de Barros (Babi), com apoio governamental (estadual e municipal)
e da iniciativa privada, contendo biblioteca, museu, cineteatro e biblioteca móvel. A instituição
leva conhecimento e mantém viva a memória do grande educador brasileiro, sendo objeto de
muitas reportagens em todas as mídias.

• No Rio de Janeiro, existe o Centro Educacional Anísio Teixeira, escola privada de Ensino Fundamental
e Ensino Médio com proposta pedagógica que segue as ideias do educador.

Florestan Fernandes (1920‑1995) fez parte da primeira turma de sociólogos formados pela
Universidade de São Paulo, iniciando sua carreira docente em 1945 como assistente de Fernando
Azevedo na cadeira de Sociologia. Passa a desenvolver pesquisa e docência, produzindo uma
obra que viria a firmar o seu nome como um dos principais da Sociologia brasileira, tendo se
91
Unidade III

concentrado no estudo de seus fundamentos teórico‑metodológicos. Seus ensaios mais importantes


foram, posteriormente, reunidos no livro Fundamentos empíricos da explicação sociológica. Seu
comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito
básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação
na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito como direito
fundamental do cidadão no mundo moderno. Foi um defensor ferrenho do direito à Educação,
participando ativamente como deputado federal na redação do novo texto constitucional de 1988,
sobretudo nos artigos relativos a esse tema.

A visão educacional de Florestan é marcada pela crítica aos reprodutivistas e a teorias como a de
George Snyders.

8.1.1 Contribuição dos teóricos brasileiros e realizações educacionais após a redemocratização

O tema do projeto político pedagógico surge no Brasil após a redemocratização do país (período
imediatamente posterior aos 20 anos de Ditadura Militar), que gerou também um novo texto
constitucional, homologado em 1988, uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e políticas públicas
condizentes com valores como direitos e formação do cidadão, trabalho comunitário, acolhimento das
demandas dos movimentos sociais etc. Portanto, o PPP, como o próprio nome diz, é um projeto que deve
ultrapassar o pedagógico e o administrativo, para se transformar num exercício político, num espaço
de discussão, elaboração e, sobretudo, de construção da escola almejada pelo conjunto da comunidade
escolar.

Após a superação da questão da oferta de vagas (que foi solucionada em grande parte no período da
Ditadura), um dos grandes desafios da escola atual é alcançar a qualidade. Isso porque, infelizmente, os
números e as experiências mostram que a escola pública no Brasil se tornou uma instituição de massa,
ou seja, a quase totalidade das crianças e jovens está na escola, porém aprendendo muito pouco ou de
forma ineficiente.

Os anos 1980 foram o período de incorporação da lógica empresarial pelas instituições estatais
e, dentre elas, o sistema educacional sofreu o impacto de modelos de gestão pautados em conceitos
como os de qualidade total, produtividade e avaliação de desempenho – incompatíveis com a realidade
e a natureza do universo educacional. O processo de formação de pessoas não pode ser equiparado à
produção de automóveis ou eletrodomésticos e, nesse sentido, a equipe gestora e até o corpo docente
têm sido conduzidos a equívocos, como separar o administrativo do pedagógico, dar mais atenção às
demandas das instituições reguladoras do sistema educacional do que à comunidade escolar etc.

Teóricos respeitados na discussão sobre o PPP, como Ilma Veiga ou Victor Paro, entre outros, alertam
para o fato de que o modelo administrativo do contexto socioeconômico atual tem levado a uma
burocratização da escola e a um acirramento das contradições e desigualdades que deveriam ser
superadas num modelo educacional que pretende ser de fato democrático, coletivo, voltado para os
direitos do cidadão. O PPP deve ser um instrumento de cerceamento de possíveis vícios e excessos por
parte dos grupos gestores, eliminando arcaísmos do passado, e funcionar como orquestradores para o
surgimento da identidade e dos anseios e necessidades da comunidade escolar.
92
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

8.2 Globalização e Educação

A globalização é um fenômeno econômico que, inicialmente, compreende a internacionalização dos


mercados, passando, consequentemente, a um fenômeno político, social e cultural que vem modificando
substancialmente a vida dos indivíduos nos mais diversos lugares do planeta.

Do ponto de vista histórico, um dos maiores estudiosos brasileiros sobre o assunto foi o professor
Octavio Ianni. Consultando sua obra, chegamos à conclusão de que só podemos falar em globalização
após a queda do Muro de Berlim, em 1989, pois, desde a Revolução Russa de 1917, o mundo se dividiu
em dois blocos econômicos – o capitalista e o socialista –, que estabeleceram dois sistemas econômicos
operando em separado: o centro do capitalismo era os Estados Unidos da América e o seu antagonista
era a União Soviética, nações que criaram em torno de si um círculo de influência e confiança que só
comercializava entre si.

Dos antigos países do bloco comunista, a China pode ser considerada um caso à parte. Desde a queda
do Muro de Berlim, o país aparece surpreendentemente como uma potência emergente, crescendo num
ritmo acelerado, muito acima das outras economias. Esse fato se deve ao processo de implantação de um
regime que é capitalista do ponto de vista do sistema produtivo e comunista na política e administração
interna. O governo Deng Xiaoping, na década de 1970, implantou na China a “política da porta aberta”,
que viabilizou a criação de núcleos industriais que produziam exclusivamente para exportação, gerando
líderes empreendedores e competitivos, capazes de colocar no mercado os produtos mais baratos, por
conta da utilização tanto de matéria‑prima barata e de baixa qualidade como de mão de obra em regime
praticamente semiescravo, uma classe trabalhadora que não reivindica melhorias por viver num sistema
político autoritário e extremamente repressor. Pode‑se dizer que, do ponto de vista do proletariado, a
China alia o que há de pior no sistema socialista com o que há de pior do capitalista, enriquecendo, assim, o
Estado chinês, que se torna a cada dia uma mais poderosa potência militar e bélica, com pleno domínio da
energia nuclear e que, por viver fechada para o Ocidente, representa uma ameaça de potencial incalculável.

O sucesso do modelo econômico chinês se deve, em grande parte, ao estágio em que se encontrava o
capitalismo mundial nos anos 1980. Como se sabe, o capitalismo é um modelo que vive de crises cíclicas,
e a internacionalização dos mercados foi um arranjo para a sobrevivência do sistema, que se encontrava
num período de crescente recessão desde a crise do petróleo, na década de 1970. Portanto, os produtos
que ganharam a concorrência no mercado internacional foram os mais baratos (não importando a
qualidade), aliando‑se a isso o processo de “desindustrialização” dos países ricos.

As implicações econômicas e políticas da globalização da economia têm gerado impacto em todos os


aspectos da vida, sobretudo no que diz respeito ao modo de vida, aos valores e à cultura dos povos que
entraram num sistema de intercâmbio e comunicação cada vez mais rápido e direto com o crescimento
da internet e a sofisticação dos recursos dos meios de comunicação de massa.

O que se discute, do ponto de vista cultural, é que a sociedade global gerou uma “crise de identidade”,
em que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio,
fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito
unificado” (HALL, 2005, p. 7).
93
Unidade III

A ideia de “pertencimento” a um grupo étnico, religioso, cultural e, sobretudo, nacional dava um


“sentido em si” à vida dos indivíduos e ao lugar que ocupavam na sociedade, fato que hoje não ocorre,
pois essa identidade se constrói em função de valores que estão o tempo todo se deslocando e se
fragmentando, tornando as identidades “descentradas”.

A investigação da identidade para a Sociologia está diretamente ligada à concepção de sujeito expressa
nas diferentes épocas históricas. Para entendermos como chegamos a essa crise do sujeito contemporâneo,
devemos observar as concepções pelas quais passamos desde o advento do Estado Moderno:

• o sujeito do Iluminismo;

• o sujeito sociológico;

• o sujeito pós‑moderno.

O sujeito iluminista era um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado da capacidade da


razão, que emerge com o nascimento da ideia de sujeito, ideia esSa que é bastante individualista e
cartesiana, baseada numa ciência e num Estado “machocêntricos”.

O sujeito sociológico já é uma abordagem que admite a multiplicidade gerada pela complexidade
crescente do mundo moderno. Segundo essa concepção, a identidade é gerada a partir da interação do
eu com o outro.

O sujeito pós‑moderno se caracteriza como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente,
pois as transformações sociais são muito rápidas. As formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam mudam e se reorganizam ininterruptamente,
fazendo com que dentro de nós convivam identidades contraditórias se empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estejam sendo continuamente deslocadas.

O fenômeno do sujeito pós‑moderno gera uma política de “pluralização” de identidades, fazendo


com que as pessoas não identifiquem mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe,
mas a movimentos sociais: o feminismo, as lutas pela valorização das mais diversas minorias étnicas,
sexuais, de estilos de vida alternativos, como os ecologistas, os vegetarianos, os antibelicistas e pacifistas,
os movimentos de libertação nacional etc.

Hall (2005) adverte para o fato de que esse descentramento do sujeito é um processo bastante
complexo, que leva à discussão acerca da “morte do sujeito” na sociedade contemporânea. O autor
lembra que a identidade era fixa e unificada nas sociedades tradicionais pelo fato destas serem
organizadas a partir de sistemas religiosos, ou seja, cada indivíduo estava na Terra para cumprir o
seu papel divinamente predeterminado, não havendo possibilidade de mudança de papel social e,
consequentemente, de identidade.

Com a emergência do Humanismo renascentista, que colocou o homem no centro do universo, e


com a Reforma e o Protestantismo, que liberaram a consciência individual das instituições religiosas da
94
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Igreja, o homem pôde desenvolver a capacidade de investigar, inquirir e decifrar a natureza e, por meio
do conhecimento e da ciência, dominá‑la. É nesse contexto que surge o sujeito iluminista, o cidadão
da democracia representativa, gerido a partir dos lemas da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e
fraternidade.

Entretanto, toda a promessa de liberdade e emancipação do ser humano esbarra num sistema
capitalista industrial extremamente burocratizado e complexo, que enreda o homem em sua maquinaria
produtiva e administrativa submetida ao mercado e à circulação dos objetos que alimentam o lucro.

Nas grandes cidades modernas do sistema de produção urbano‑industrial, o homem se torna


uma engrenagem da multidão. Ao longo do século XX, alguns teóricos demonstram os elementos
que contribuem com o descentramento do sujeito, revelando a fragilidade da suposta racionalidade e
sensação de controle do homem sobre a realidade e a natureza.

A teoria de Karl Marx (que é do século XIX) é reinterpretada sob a ótica de que o homem está
condicionado às circunstâncias objetivas da sociedade em que vive, sendo, portanto, um ser que faz a
história, mas apenas sob as condições que lhe são dadas.

Além disso, a teoria marxista tem como um de seus principais conceitos a alienação, ou seja, a ideia
de que os indivíduos creem em falsas noções e falsos valores, que são criados pela burguesia apenas
para dominar a sociedade, o que também se reproduz na forma como é feita a divisão do trabalho. A
alienação gera uma prisão mental, fazendo com que o ser humano se torne refém de ideias distorcidas,
disseminadas por aqueles que querem se perpetuar no poder.

A segunda teoria que representa um choque para a noção de sujeito e identidade unificada é a
descoberta do inconsciente por Freud. Segundo ele, nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura
de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que
funciona de acordo com uma lógica muito diferente daquela da razão iluminista.

O terceiro descentramento examinado por Stuart Hall está relacionado aos estudos de linguística
estrutural de Ferdinand de Saussure, que argumenta que não somos os “autores” das afirmações que
fazemos ou dos significados que expressamos na língua, pois esta é um sistema social, e não individual.
Além disso, segundo Saussure, o significado das palavras não é fixo; as palavras são “multimoduladas”,
mudam ao longo do tempo e por meio do espaço, adquirindo outros significados.

O quarto descentramento é produto do pensamento do filósofo francês Michel Foucault. Ele


produziu uma série de estudos sobre um novo tipo de poder que emerge nas sociedades modernas: o
“poder disciplinar”, que consiste numa entidade de controle invisível, representada pela vigilância das
instituições disciplinares clássicas, como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais, manicômios etc.

Segundo Foucault, o objetivo do “poder disciplinar” é manter as vidas, as atividades, o trabalho


e as práticas sexuais e familiares sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes
administrativos e do conhecimento especializado dos profissionais. Então, para criar o indivíduo
“ajustado” ao sistema, existem profissionais como pedagogos, sociólogos, psicólogos e administradores,
95
Unidade III

que criariam um corpo e uma mente dóceis e produtivos, contribuindo para um bom funcionamento
do sistema social.

O quinto e último fator do descentramento é o impacto do feminismo tanto como crítica teórica
quanto como movimento social. Uma das grandes militantes e teóricas do movimento feminista foi a
filósofa e escritora Simone de Beauvoir. A sensibilidade e o humanismo femininos questionam tanto os
modelos políticos socialistas quanto os capitalistas e todas as formas de opressão e exploração humana,
e criaram arenas inteiramente novas de contestação social, como os modelos familiares, sexuais, o
trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado e a responsabilidade na educação dos
filhos e, sobretudo, o questionamento de uma civilização que se produziu a partir da dicotomia homem/
mulher.

Para aprofundar a questão das mudanças do papel da mulher em nossa sociedade, vale a pena
pensar o uso do corpo e do vestuário no cotidiano das mulheres, especificamente das professoras, ao
longo do tempo.

Faremos um breve balanço das mudanças do século XX, que foi um período de radicais e velozes
transformações no que diz respeito a vestuário e estilo de vida.

A sociedade do começo do século XX oferecia apenas dois modelos de existência para a mulher
se colocar no mundo: Eva ou Maria. Segundo a visão cristã que formava as meninas desde cedo, as
mulheres deveriam ser diligentes, honestas, ordeiras e asseadas, ou seja, educadas segundo as boas
maneiras, para fazer bela figura ao lado do marido quando este tivesse convidados em casa; deviam
estar sempre vestidas sobriamente, atentando para que seus vestidos não tivessem mais do que
duas polegadas acima dos tornozelos; e tinham como papel principal o de mãe educadora dos filhos,
sempre pronta a afastá‑los dos distúrbios e perturbações do mundo exterior. As “senhoras do lar” e as
mães de família eram as verdadeiras encarnações da Virgem Maria na Terra. A outra possibilidade de
modelo, que se aproximava de Eva, era o das moças de moral duvidosa, que vagavam pelas sorveterias
desacompanhadas (as jovens casadoiras só iam ao espaço público acompanhadas do pai, do irmão ou
do marido), com maquiagem, roupas coloridas e cabelos tingidos; estas teriam maior dificuldade para
“arranjar marido”.

Souza (1987) ressalta o importante papel desempenhado pelo vestuário na arte da sedução na
virada do século XIX para o XX e lembra que a grande concorrência pelos “melhores partidos” fazia com
que as jovens se preocupassem em não infringir as regras de etiqueta e a vigilância familiar e social
das suas virtudes. Segundo Gilda, a vestimenta entrava no jogo do esconde‑revela, do dar e negar, num
velho truque de chamar a atenção para certas partes do corpo por meio do ornamento. Era de se notar a
severidade do vestido de dia e a surpresa do traje de noite, que deixava os braços e o colo nus, num ritmo
erótico, num jogo de entregas parciais do qual a mulher lançava mão, sem ofender a moral burguesa
de guardar as aparências, mas também se oferecendo a uma quantidade de homens ao mesmo tempo.

Contudo, à medida que a mulher diversifica as suas possibilidades de entrada no mercado de trabalho,
vai se libertando da crinolina, das caudas pesadas, dos excessos de renda e tecido nas mangas e saias,
que limitavam os movimentos e faziam dela uma figura meramente ornamental.
96
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Uma opção de vida para a mulher nessa época era o magistério, carreira muito idealizada, que fazia
das mestras verdadeiros modelos de virtude e abnegação. As “professorinhas” tinham um aspecto estético
que refletia a ética que lhes era atribuída e características como obediência aos superiores, pontualidade e
assiduidade. Elas se vestiam com uniformes sóbrios, avessos à moda, que escondiam seus corpos, tornando‑os
praticamente assexuados, combinando com uma postura discreta e digna. A imagem das mulheres que se
dedicavam ao magistério estava associada à imagem da mulher pouco graciosa, da solteirona retraída e rígida.

Muitas vezes, as professoras eram proibidas por lei de se casarem, como se pode constatar num
contrato padronizado para docentes de uma escola elementar dos Estados Unidos, do ano de 1923, e em
uma lei brasileira do ano de 1927 para o Estado de Santa Catarina, que também alertava para a perda
do cargo se a professora se casasse. A alegação para tal medida era: como a professora casada, que seria
mãe, poderia se apresentar dignamente ante seus alunos se despertaria a curiosidade sobre a sua vida
afetiva e sexual? Tal (absurda) imposição fez surgir o movimento Liga do Magistério Catarinense, que
articulou as professoras em torno da luta contra essa forma cruel de discriminação.

Um marco do século XX que diz respeito à mudança de vestuário e condição feminina é a figura de Coco
Chanel (nascida Gabrielle Bonheur Chanel, em 1883, e falecida em 1971), estilista francesa que começou
como designer de chapéus e revolucionou o estilo e o comportamento femininos. O famoso “pretinho
básico”, que se transformou em símbolo de praticidade e elegância, se descolando definitivamente do
traje de viúva (na cultura ocidental, visto que em outras culturas, como a chinesa, por exemplo, a cor do
traje de luto é o branco), aparece pela primeira vez numa coleção de Chanel, que, deprimida com a morte
de seu amante, vestiu de luto todas as suas modelos. Um detalhe importante é que esse homem era um
oficial alemão com o qual Chanel manteve um relacionamento durante a ocupação da França pelo exército
nazista, na Segunda Guerra Mundial. As mulheres que se relacionavam com soldados do exército de Hitler
eram repudiadas, humilhadas publicamente e tinham suas cabeças raspadas como castigo por se deixarem
seduzir pelo inimigo. Chanel enfrentou todas as convenções sociais para preservar a sua individualidade e
se transformou num símbolo de mulher independente, corajosa e realizadora.

Na década de 1960, a contracultura e, em muitos momentos, a quase falta total do vestuário


significou revolução na moda e no comportamento. É inesquecível no imaginário brasileiro a foto da
atriz Leila Diniz em uma praia do Rio de Janeiro, de biquíni, com a barriga protuberante de uma gravidez
de mais de seis meses, em uma época em que as mulheres ainda tinham vergonha desse estado, se
escondendo dentro de rodadas batas e vestidos que mais pareciam balões.

8.3 Pós‑modernidade e Educação

Enquanto Hall defende o descentramento do sujeito pós‑moderno, Santos (1991) fala em


dessubstancialização desse sujeito e defende a ideia de que a condição pós‑moderna contém vários des:

• desreferencialização do real (com as sofisticadas técnicas de reprodução, perdemos a referência


do que é original e do que é cópia);

• desmaterialização da economia (a economia pós‑industrial globalizada não se baseia mais na


produção, e sim na especulação de um mercado financeiro virtual);
97
Unidade III

• desestetização da arte (fim de parâmetros e de um conjunto de valores norteadores da produção


artística);

• desconstrução da Filosofia (fim dos grandes modelos explicativos, todas as ideias e todos os
conceitos são relativos);

• despolitização da sociedade (sujeitos se tornam individualistas, alheios às causas e aos interesses


coletivos);

• dessubstancialização do sujeito (a identidade dos sujeitos não é fixa, está sempre mudando).

No caso específico da arte pós‑moderna, o que dizer de uma arte que mais se parece com antiarte?
São exemplos a obra A fonte, de um dos precursores da chamada arte conceitual, Marcel Duchamp, que
nada mais é do que um mictório de banheiro público, e a pop art de Andy Warhol, que estampava em
seus trabalhos desde uma lata de sopa que podia ser comprada em qualquer supermercado até rostos
de celebridades, como Marilyn Monroe ou o revolucionário cubano Che Guevara.

Os exemplos da cultura pós‑moderna no Brasil são inúmeros. A televisão em nosso país oferece
variadas manifestações no mundo da música, do humorismo, das telenovelas e dos programas de
auditório, tendo no apresentador Chacrinha a sua expressão máxima.

Segundo Santos (1991), para muitos, todas essas manifestações são expressão da pura decadência,
“mas outros sentem no pós‑modernismo uma praga boa e saudável que abala preconceitos, põe abaixo
o muro entre arte culta e de massa, rompe as barreiras entre os gêneros e traz de volta o passado (os
modernos só queriam o novo)”. O autor organiza as diferenças entre a modernidade e a pós‑modernidade
num quadro, como vemos a seguir:

Quadro 1

Modernismo Pós‑modernismo
Cultura elevada Cotidiano banalizado
Arte Antiarte
Estetização Desestetização
Interpretação Apresentação
Obra/originalidade Processo/pastiche
Forma/abstração Conteúdo/figuração
Hermetismo Fácil compreensão
Conhecimento superior Jogo com arte
Oposição ao público Participação do público
Crítica cultural Comentário cômico, social
Afirmação da arte Desvalorização obra/autor

Fonte: SANTOS, 1991, pp. 41‑42.

98
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Enquanto na modernidade as obras de arte eram criadas para serem eternas, pois eram vistas como
cultura elevada, na pós‑modernidade, a criação artística é descartável, banal e comum, como qualquer
anúncio publicitário, que será substituído a qualquer momento. A criação artística na modernidade
requeria interpretação, ao passo que na pós‑modernidade é apenas apresentada, mostrada. O objetivo
do artista moderno era criar algo original; o artista pós‑moderno trabalha com o pastiche (a mistura
de todas as tendências, materiais e referências), trazendo para a arte a ideia de jogo. A arte moderna
se colocava em oposição ao público, no sentido de afrontá‑lo, provocá‑lo, ao contrário da arte
pós‑moderna, que se pretende interativa, convidando o público a participar da elaboração da obra. Aqui,
vale lembrar que a televisão atualmente fala muito na interatividade com o público, principalmente nos
reality shows, porém, interatividade não quer dizer apenas ligar para um número de telefone ou acessar
um site e responder sim ou não a uma pergunta.

Por fim, há um contraste entre o potencial de crítica cultural da arte moderna – que afirmava a
importância da obra e, consequentemente, de seu autor – com o tom superficial cômico, de paródia, da
arte pós‑moderna, que gera por fim uma desvalorização da obra e de seu autor. Há quem afirme que a
arte moderna era hermética (fechada, de difícil compreensão), ao contrário da produção pós‑moderna,
que seria de fácil compreensão.

Resumo

Como você pôde perceber, prezado aluno, depois de abordar as bases


ou matrizes clássicas da sociologia, chegamos a uma abordagem de
interpretação mais contemporânea da escola e da educação. Não que
os autores e abordagens clássicas da sociologia sejam ultrapassados,
muito pelo contrário, eles conservam uma atualidade muito grande. A
questão é que se eles forem analisados por si só, constituirão apenas
elementos de erudição, mas esse não é nosso objetivo. Nosso objetivo é
compreender bem a educação a fim de que possamos ter elementos para
melhorá-la. Nosso intuito é dominar os fundamentos da educação nos
apropriando do saber que a sociologia disponibiliza a respeito da escola e
da educação para, assim, estarmos preparados para agir com consciência
e convicção a respeito daquilo que vamos fazer quando educadores.
Pois bem, o percurso trilhado até agora oferece uma boa oportunidade
para se servir de e aplicar (mesmo que teoricamente) fundamentos da
sociologia discutidos nas unidades anteriores com a finalidade de melhor
compreender assuntos de relevância atualmente em voga no cenário
educacional.

A principal referência para o que foi exposto nesta unidade foi o trabalho
do autor Pedro Demo, intitulado Sociologia da Educação: Sociedade e Suas
Oportunidades. Essa obra representa muito bem o caráter que quisemos
dar ao texto até este ponto, a saber, apresentação e reflexão a respeito
de temas cada vez mais presentes em nossa sociedade e com inserção e
99
Unidade III

impacto diretos sobre a escola. Dentre eles, foram discutidas as relações


entre educação e ciberespaço, violência e direitos humanos, indisciplina
e novas gerações, paz e solidariedade, multiculturalidade e ética, além da
educação ambiental e profissional. No centro da discussão dessas novas
temáticas, fica evidente que as mudanças pelas quais as sociedades
humanas vêm passando estão questionando o papel e a organização atual
da escola, dificultando as relações entre professores e alunos de modo a
desencadear uma verdadeira crise de valores com o potencial de deflagrar
o conflito de gerações. Nesse contexto, o professor precisa estar preparado
para compreender esse cenário e não transformar suas aulas em um
campo de batalha da guerra de gerações. A contribuição da antropologia
é fundamental nesta questão, no sentido de relativizar e demonstrar
que não há cultura melhor ou pior, o que há são culturas que devem ser
compreendidas e respeitadas, até mesmo porque aquilo que é positivo para
uns, pode não ser para outros e aquilo que hoje está em decadência, um dia
esteve em evidência, como um pré-aviso de que praticamente tudo o que
está no auge um dia deixará de estar, ou seja, não é melhor, mas apenas
considerado adequado para determinado momento.

Uma vez que diversos autores brasileiros de peso (já apresentados


anteriormente) se puseram também a discutir alguns desses temas que
ainda são atuais no cenário educacional brasileiro, essa discussão temática
contou com aportes e referências a muitos desses autores, tanto brasileiros
quanto os estrangeiros que os influenciaram. Um dos exemplos é a menção
ao autor Florestan Fernandes, teórico brasileiro que assumiu a defesa do
rompimento com as injustiças sociais pela via da educação. Seu trabalho
caracterizou-se pela crítica aos reprodutivistas (motivada pelo caráter
pessimista de suas análises) e pela luta em prol da universalização do
ensino público.

Além dele, merecem destaque ainda Anísio Teixeira (contemporâneo


de Fernando Azevedo) e Octavio Ianni (contemporâneo e companheiro
intelectual de Florestan Fernandes). Influenciado por John Dewey, Anísio
Teixeira defendeu a introdução dos métodos ativos e o rompimento com
os métodos tradicionais de ensino na educação brasileira, além de ter
redigido, junto com Fernando Azevedo e outros eminentes educadores
brasileiros, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, documento
considerado um marco na educação nacional por fixar a gratuidade, a
obrigatoriedade e a laicidade entre os princípios almejados para a educação
pública no Brasil. Na ocasião, o país passava por um crescimento urbano
acentuado e a oferta de vagas, bem como a organização do sistema
público, estavam muito aquém das necessidades urbano-industriais que
despontavam.

100
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Octavio Ianni se destacou por seus estudos junto a Fernando de Azevedo


e Fernando Henrique Cardoso, mas também por se dedicar à compreensão
de uma temática fundamental aos estudos sociológicos na atualidade, a
globalização. As características de sua abordagem, portanto, concentraram-
se mais na natureza da organização econômica.

Provenientes do cenário internacional, três outros autores com forte


repercussão na reflexão sobre a educação na contemporaneidade também
foram apresentados, são eles Gramsci, Mannheim e Snyders. A contribuição
de Gramsci está ligada, sobretudo, ao conceito de hegemonia, por
demonstrar metodicamente como alguns grupos constroem e mantêm sua
hegemonia, isto é, sua dominação.

Mannheim, embora tenha iniciado seu trabalho alinhado ao pensamento


de Marx, acabou se distanciando do autor por não considerar que a revolução
seria o único e melhor caminho para as mudanças sociais. Ele admitia a
existência das injustiças sociais e que a escola poderia contribuir para eternizá-
las, mas defendia o caminho da transformação pela via da estruturação da
educação com base no trabalho de intelectuais e cientistas. Ele se amparou
em Weber ao discutir as tipologias da pedagogia do cultivo e do treinamento,
propondo que a escola não precisaria necessariamente abandonar a
pedagogia do cultivo (a que formaria o homem integral). Segundo ele, a
crescente pressão pela democratização da sociedade trazia esperanças nesse
sentido. Sendo assim, ele também se aproximou de Durkheim ao entender
a escola como espaço de formação de um determinado modo de pensar e
preparar os indivíduos para a vida em sociedade, embora defendesse que essa
preparação devia ser operada por intelectuais e cientistas que se amparassem
nos conhecimentos sociológicos.

Snyders é um teórico conhecido por tentar articular o pensamento


marxista à pedagogia e evocar o tema da alegria na escola. Ele se posicionou
categoricamente contra o autoritarismo na sala de aula, mas não entendia
que o aluno devia ser deixado a si mesmo, diferente de como alguns
interpretaram as pedagogias não diretivas. Para ele, o espontaneísmo
educacional só reproduziria as injustiças, pois os alunos, sem orientação
adequada dentro da escola, levariam para dentro dela o repertório de
uma sociedade dividida e desigual que se eternizaria. Assim, segundo seu
pensamento, a escola possui um caráter contraditório, não sendo nem
totalmente revolucionária nem totalmente reprodutora, ou seja, um espaço
onde as contradições se chocam e se manifestam, exigindo, desse modo,
professores orientadores.

Há ainda uma nova vertente da sociologia da educação dedicada


sobretudo a se contrapor aos teóricos reprodutivistas e a analisar as
101
Unidade III

questões que envolvem o currículo. Trata-se da nova sociologia da


educação, movimento da década de 1970 que teve origem na Inglaterra e
teve em Michael Young um de seus principais representantes.

Por fim, o tema da pós-modernidade e da identidade cultural na


pós-modernidade foi apresentado no sentido de destacar as profundas
mudanças pelas quais a sociedade vem passando e os impactos disso para
as identidades. Na pós-modernidade, a certeza é substituída pela incerteza,
o desencantamento e a insegurança imperam, levando as pessoas a terem
uma identidade instável e fragmentada, conforme afirma Stuart Hall. Todos
os padrões de confiança na razão e os idealismos construídos ao longo da
modernidade (ou pelo menos com base nela) vêm sendo questionados de
modo que alguns autores caracterizam a pós-modernidade como a era dos
desencantamentos.

Exercícios

Questão 1. A seguir foram reproduzidos dois textos. Leia-os atentamente:

Relato de um inspetor do trabalho da época, citado por Marx

A sala de aula tinha 15 pés de comprimento por 10 pés de largura e continha 75 crianças
que grunhiam algo ininteligível [...] Além disso, o mobiliário escolar é pobre, há falta de
livros e de material de ensino e uma atmosfera viciada e fétida exerce efeito deprimente
sobre as infelizes crianças. Estive em muitas escolas e nelas vi filas inteiras de crianças que
não faziam absolutamente nada, e a isso se dá o atestado de frequência escolar; e esses
meninos figuram na categoria de instruídos de nossas estatísticas oficiais.

Educação brasileira fica em 58º no ranking do Pisa

Entre os 65 países avaliados, desempenho do Brasil ainda é fraco

Apesar de ter conseguido uma evolução significativa nos itens avaliados pelo Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil ainda está nas posições mais baixas
do ranking. Entre os 65 países comparados, o Brasil ficou em 58º lugar. No entanto, desde
2003, o Brasil conseguiu os maiores ganhos na performance em matemática, saindo dos
356 pontos naquele ano e chegando aos 391 pontos em 2012, segundo os dados divulgados
nesta terça-feira (03/12).

A avaliação, feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE) é aplicada a jovens de 15 anos a cada três anos. A pesquisa mede o desempenho
dos estudantes em três áreas do conhecimento – leitura, matemática e ciências. Em 2009, o
Brasil ficou na 54ª posição no ranking.
102
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Entre os pontos destacados em relação ao Brasil, também está o aumento percentual de


estudantes matriculados. De acordo com o estudo, em 2003, 65% dos jovens com 15 anos
frequentavam a escola. Em 2012, o país conseguiu matricular 78% dos adolescentes nessa
faixa etária.

“Não só a maioria dos estudantes brasileiros melhorou o desempenho, mas também


o Brasil aumentou a taxa de matrículas nas escolas primárias e secundárias”, informa o
relatório. Segundo o texto, as taxas de escolaridade para jovens de 15 anos aumentaram de
65% em 2003 para 78% em 2012. “Muitos dos alunos que agora estão incluídos no sistema
escolar vêm de comunidades rurais ou famílias socioeconomicamente desfavorecidas, de
modo que a população de alunos que participaram na avaliação do Pisa 2012 é muito
diferente da de 2003”, diz o documento.

Mesmo com a evolução dos alunos em relação à matemática, o Brasil ainda está abaixo
da média da OCDE, ficando no patamar de países como a Albânia, Jordânia, Argentina e
Tunísia. Comparando com a América Latina, a performance brasileira está abaixo do Chile,
México, Uruguai e da Costa Rica. Porém, o país se saiu melhor do que a Colômbia e o Peru.
A pesquisa ressalta que metade dos ganhos obtidos pelo Brasil em matemática se deve ao
desenvolvimento econômico, social e cultural dos estudantes.

Apesar dos avanços, o Pisa mostra que há desafios em relação ao aprendizado de


matemática. Na área, são seis os níveis de proficiência, sendo que o sexto nível é atingido
apenas por 4,2% dos estudantes dos países que participaram do exame. A média brasileira
atinge apenas o nível 1. Em um gráfico mais detalhado, é possível observar que pouco mais
de 60% dos estudantes brasileiros que participaram do exame estão no nível 1 ou abaixo
dele. Pouco mais de 20% atingiram o nível 2. A porcentagem de estudantes que atingiu os
níveis de 3 a 6 não chega a 20%.

Em leitura, o Brasil subiu de 396 pontos em 2000 para 410 pontos em 2012, colocando-
se no mesmo patamar da Colômbia, da Tunísia e do Uruguai, abaixo da média da OCDE. Na
América Latina, os estudantes brasileiros tiveram performance inferior aos colegas chilenos,
costa-riquenhos e mexicanos. Mas, se saíram melhor do que os argentinos e peruanos. O
estudo atribui a evolução do Brasil nesse item somente aos avanços econômicos e sociais
no período.

A pesquisa mostra que 49,2% dos estudantes brasileiros conseguem, no máximo,


entender a ideia geral de um texto que trate de um tema familiar ou fazer uma conexão
simples entre as informações lidas e o conhecimento cotidiano. Apenas um em cada duzentos
alunos atinge o nível máximo de leitura. Ou seja, cerca 0,5% dos jovens são capazes de
compreender um texto desconhecido tanto na forma quanto no conteúdo e fazer uma
análise elaborada a respeito.

Em ciências, o desempenho brasileiro também ficou abaixo da média, no nível da


Argentina, Colômbia, Jordânia e Tunísia. O Brasil ficou, nesse item, atrás do Chile, da Costa
103
Unidade III

Rica, do Uruguai e do México, mas à frente do Peru. Desde 2006, a performance brasileira
saiu dos 390 pontos e chegou aos 405 em 2012. O estudo mostra que cerca da metade dessa
evolução deve ser atribuída a mudanças demográficas e socioeconômicas da população.

Fonte: Educação... (2013).

A partir da leitura dos textos, é possível afirmar que:

A) A educação está associada à inteligência inata, e essa nem todos os alunos possuem.

B) A educação deve garantir eficiência econômica para o país.

C) A educação e o desenvolvimento cultural estão no bojo de um projeto maior de valorização da


vida, das condições de acesso à saúde de qualidade e de boas condições de desenvolvimento
cultural.

D) A educação depende de desenvolvimento econômico do país.

E) A melhora da educação depende de maior quantidade de investimentos financeiros.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a qualidade da educação não está associada às qualidades pessoais dos educandos
porque, exceção feita àqueles que possuem problemas cognitivos, todos têm condições de aprender e
evoluir intelectualmente se forem garantidas condições adequadas para isso.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a eficiência dos processos produtivos e econômicos é apenas um dos elementos que
uma educação de qualidade garante para o país. Outros elementos importantes também dependem de
educação de qualidade e não podem ser esquecidos, como é o caso de uma participação política eficiente,
que garanta a escolha de candidatos com maior visão pública e sem interesses pessoais. Além disso, a
educação de qualidade permite a expansão da atividade cultural, com diferentes formas de expressão,
como as artes plásticas, o cinema, o teatro e a música, entre outros. A educação de qualidade é não apenas
um instrumento econômico, mas também, e principalmente, um instrumento de emancipação humana.

C) Alternativa correta.

Justificativa: os índices de melhora da educação não podem ser avaliados somente a partir da
melhora do desempenho técnico dos alunos. A educação é um projeto que está em um contexto
104
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO

social ampliado, ou seja, será de melhor qualidade quando igual qualidade tiverem a saúde, o acesso
à moradia, as manifestações culturais e esportivas além da segurança pública etc. Nenhuma criança
terá desenvolvimento educacional pleno se não lhe forem garantidas condições adequadas de saúde,
moradia, segurança e acesso à cultura e ao esporte.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: o desenvolvimento econômico é importante, mas não é tudo. É possível construir


uma educação de qualidade em países que não alcançaram índices de desenvolvimento econômico
de ponta, como é o caso da Costa Rica, do Uruguai e do Chile, países cujos produtos internos
brutos não ultrapassam o do Brasil e que, no entanto, estão à sua frente nos índices de qualidade
de educação.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: o investimento financeiro é importante, mas não é tudo. Um país que planeje uma
educação de qualidade para suas crianças deverá despender recursos financeiros, mas deverá, antes
disso, planejar o modelo de educação que deseja adotar e buscar valorizar a integralidade da dignidade
humana nesse modelo. Em outras palavras, investimentos financeiros não são mais importantes que a
valorização da cultura e da expressão popular nas artes, na música, na dança e no folclore. A educação
precisa de investimentos para os aspectos científicos e tecnológicos, mas não se resume a isso, porque
uma educação voltada somente para a ciência e a tecnologia deixa de lado importantes dimensões
humanas, como a cultural e a artística.

Questão 2. Durante este livro-texto afirmou-se que uma das características da pós-
modernidade é a despolitização da sociedade, ou seja, os sujeitos se tornam individualistas,
alheios às causas e aos interesses coletivos. Esse aspecto da pós-modernidade é bastante negativo
para a educação porque:

I – Os pais e os responsáveis pelos educandos tratam a escola como um serviço de consumo, ou seja,
estão dispostos a fazer exigências e cobranças, mas não estão dispostos a participar de reuniões para
debater melhorias na qualidade do ensino.

II – As crianças são mais individualistas e se recusam a participar de atividades em grupo.

III – A educação é uma forma de prática política e, sem a participação intensa de todos os envolvidos,
ela jamais será construída de forma a atender as dimensões que dela se espera, ou seja, jamais será
formativa e informativa.

IV – Os pais e os professores devem atuar para garantir que a escola tenha um ambiente físico
agradável para as crianças, com muitos recursos tecnológicos e científicos.

V – A escola, sem a participação da sociedade, tem menos recursos financeiros para sua estruturação.

105
Unidade III

Está correto o que se afirma em:

A) Apenas as afirmativas I e IV são corretas.

B) Apenas as afirmativas II e V são corretas.

C) Apenas as afirmativas III e IV são corretas.

D) Apenas as afirmativas IV e V são corretas.

E) Apenas as afirmativas I e III são corretas.

Resposta correta: alternativa E.

Resolução desta questão na plataforma.

106
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

3A35987R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3a30000/3a35000/3a35900/3a


35987r.jpg>. Acesso em: 10 dez. 2012.

Figura 2

01113V.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/hec/01100/01113v.jpg>. Acesso em: 10


dez. 2012.

Figura 3

PARI0974.JPG. Disponível em: <http://worldart.sjsu.edu/media/images/pari0_paris/pari0974.jpg>.


Acesso em: 10 dez. 2012.

Figura 4

PARI0454.JPG. Disponível em: <http://worldart.sjsu.edu/media/images/pari0_paris/pari0454.jpg>.


Acesso em: 10 dez. 2012.

Figura 5

3C03175R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3c00000/3c03000/3c03100/3c0


3175r.jpg>. Acesso em: 10 dez. 2012.

Figura 6

MENZEL, A. Voltaire in the court of Frederick II of Prussia. 1750. 1 original de arte. Disponível em:
<http://static.newworldencyclopedia.org/e/e6/Adolph‑von‑Menzel‑Tafelrunde.jpg>. Acesso em: 15 set.
2011.

Figura 7

ANOTHER_PICTURE_OF_AUGUSTE_COMTE.JPG. Disponível em: <http://www.bolender.com/


Sociological%20Theory/Comte,%20Auguste/Another%20Picture%20of%20Auguste%20Comte.jpg>.
Acesso em: 5 jul. 2011.

Figura 8

DURKHEIM.JPG. Disponível em: <http://www.marxists.org/glossary/people/d/pics/durkheim.jpg>.


Acesso em: 10 dez. 2012.

107
Figura 9

MARX, K. 1 fotografia p/b. Disponível em: <http://www.marxists.org/archive/marx/photo/marx/


images/82km1.jpg>. Acesso em: 3 mai. 2011.

Figura 10

CHAPMAN, A. D. Max Weber. 1914. 1 fotografia, p/b. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/


pnp/cph/3g00000/3g09000/3g09700/3g09765r.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2011

REFERÊNCIAS

Audiovisuais

HISTORY of stuff. Disponível em: <http://www.storyofstuff.org/movies-all/story-of-stuff/>. Acesso em:


02 jan. 2013.

LARANJA mecânica. Dir. Stanley Kubrick. ING, 1971. 136 minutos.

O GERMINAL. Dir. Claude Berri. EUA, 1993. 158 minutos.

OLIVER Twist. Dir. Roman Polanski. EUA, 2005. 130 minutos.

TEMPOS modernos. Dir. Charles Chaplin. EUA, 1936. 87 minutos.

Textuais

ALTHUSSER, L. P. Aparelhos ideológicos de Estado. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

ALVES, R. O que é religião. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2003.

ANTIGO regime. Disponível em: <http://suapesquisa.com/pesquisa/antigo_regime.htm>. Acesso em: 02


jan. 2013.

ARAÚJO, S. M. Sociologia: um olhar crítico. São Paulo: Contexto, 2009.

BAUDELOT, C.; ESTABLET, R. L’école capitaliste em France. Paris: Maspéro, 1971.

BAUMAN, Z. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

BORDIEU, P.; PASSERON, J. A reprodução. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.


108
BOWLES, C; GINTIS, H. Schooling in capitalist America: education reform and contradictions of
economic life. New York: Basic Books, 1976.

BURKE, P. A Escola dos Annales, 1929‑1989. São Paulo: Editora UNESP, 1991.

CANCIAN, R. Burocracia: Max Weber e o significado de “burocracia”. Disponível em: <http://educacao.


uol.com.br/disciplinas/sociologia/burocracia-max-weber-e-o-significado-de-burocracia.htm>. Acesso
em: 02 jan. 2013.

CARVALHO, J. M. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.

CHAUÍ, M. O que é ideologia? São Paulo: Brasiliense, 1984.

COHN, G. (Org.). Weber. 5. ed. São Paulo: Ática, 1991. (Coleção Grandes cientistas sociais, n. 13)

DEMO, P. Sociologia da educação: sociedade e suas oportunidades. Brasília: Plano Editora, 2004.

DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2001.

EDUCAÇÃO brasileira fica em 58º no ranking do Pisa.Agência Brasil, 3 dez. 2013. Disponível em:
<http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2013/12/educacao-brasileira-fica-
em-58-no-ranking-do-pisa.html>. Acesso em: 8 dez. 2013.

FERRARI, M. Karl Marx. Educar para crescer, set. 2011. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.
com.br/aprendizagem/karl-marx-307009.shtml#>. Acesso em: 27 ago. 2013.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 19. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p. 33.

GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999.

GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1995.

HALL, S. Identidade cultural na pós‑modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

HOBSBSBAWN, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. 3 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

IANNI, O. A sociedade global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.

______. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

______. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

______. (Org.). Marx. 3. ed. São Paulo: Ática, 1982. (Coleção Grandes cientistas sociais, n. 10)
109
ILUMINISMO: a crítica ao antigo regime. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/historia/
iluminismo-a-critica-ao-antigo-regime.html>. Acesso em: 02 jan. 2013.

LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 24 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

MARTINS, C. B. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2006.

MARX, K. O capital. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Coleção Os economistas)

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: L&PM Pocket, 2001.

MAX Weber: vida e obra. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/weber.htm>. Acesso em: 02 jan. 2013.

OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 1991.

ONU. Declaração Universal dos Direitos da Água. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/


datas/agua/declaracao.html>. Acesso em: 02 jan. 2013.

PAULO Freire: educar para transformar. Disponível em: < http://www.projetomemoria.art.br/


PauloFreire/>. Acesso em: 02 jan. 2013.

PILETTI, N. Sociologia da Educação: do positivismo aos estudos culturais. São Paulo: Ática, 2010.

POLÊMICA sobre infanticídio indígena mistura leis, valores culturais e saúde pública. Uol, São Paulo,
Notícias, 16 abr. 2009. Disponível em: <http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2009/04/16/ult5772u3629.
jhtm>. Acesso em: 6 fev. 2014.

ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2006.

RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.

______. O que você precisa saber sobre... sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

RODRIGUES, J. A. (Org.). Durkheim. São Paulo: Ática, 1984. (Coleção Grandes cientistas sociais, n. 1)

SANTOS, J. F. O que é pós‑moderno? 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.

SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:


Autêntica, 1999.

SOUZA, G. M. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

THUILLIER, P. De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção científica. Rio de Janeiro: Zahar,
1994.
110
TOMAZI, N. D. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997.

VIEIRA, E. Sociologia da Educação: reproduzir e transformar. São Paulo: FTD, 1996.

WEBER, M. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Cia das Letras, 2004.

______. Burocracia. In: WRIGHT MILLS, C. E.; GERTH, H. H. (Org.). Ensaios de sociologia. 5 ed. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1982.

______. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Atlas, 1979.

WHITAKER, D. Escolha da carreira e globalização. 11. ed. São Paulo: Moderna, 2000.

Sites

<http://www.acaoeducativa.org.br>.

<http://www.anpocs.org.br/portal/content/view/47/66>.

<http://www.fns‑brasil.org/site/index.asp>.

<http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php>.

<http://www.sociologos.org.br/>.

111
112
113
114
115
116

Você também pode gostar