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1)

Dos escombros de uma catástrofe na qual fomos todos arremessados, é


necessário fazer da reconexão com as bases críticas da educação um exercício
primário para a construção adaptativa dos saberes. Paulo Freire nos convida a pensar
o retorno ao princípio humano da curiosidade (inicialmente semi-intransitiva, produtora
de saberes comuns) que, ao longo da vida e sob mediação do processo educacional,
deve buscar-se formar como crítica, epistemológica, rigorosa em sua análise,
autônoma na busca pela percepção das manipulações ideológicas objetivadas na
naturalização das desigualdades sociais que tanto beneficiam poucos poderosos. É
sobre esta curiosidade crítica que se fundam as lições de Freire no contexto
pandêmico, mesmo frente às dificuldades de acesso tecnológico, ou seja, a
infraestrutura da educação no dado momento. Devemos pensar, aqui, por dois eixos: o
primeiro dá conta dos desafios para formação da curiosidade crítica a partir de um
contexto de falta de materiais básicos de acesso às novas tecnologias.
Compreendendo essas tecnologias tanto como acesso ao material como estabilidade
de conexão, o problema da falta em grande parte dos contextos brasileiros aprofunda
as desigualdades de aprendizado (já graves), dificulta a construção relacional entre
escola e aluno e o coloca refém das mídias tradicionais (televisivas, principalmente)
como fontes de construção de saber, dificultando a formação crítica frente a um
discurso que busca se firmar como verdade unívoca. Esse aspecto se impõe como um
desafio aos gestores escolares, exacerbando a necessidade de buscar fontes
alternativas de conexão, pois como Paulo Freire identifica, não se trata de fazer das
“velhas” e “novas” tecnologias inimigas, mas trazê-las ao centro do debate a partir da
problematização de seus discursos. O segundo eixo dá conta de pensar que, mesmo
quando o acesso às novas tecnologias é possível, a construção da curiosidade e
busca pelo saber de forma crítica não é simples. Diferentemente das mídias
televisivas, a internet propicia uma produção de conteúdos, “verdades”, ideologias,
saberes e pesquisas mais horizontalizado, combatendo a verticalidade de saberes
impostos por mídias televisivas. Porém, justamente pela força horizontalizada, a
carência de crivo em redes sociais (principalmente), faz disseminar conspiracionismos,
ideologias preconceituosas e etc, capturando a curiosidade do sujeito para
irracionalidades autoritárias, mentirosas e que colocam em risco a própria liberdade. É
tanto desafio para gestores, professores e demais membros da comunidade escolar
fazer do acesso às novas tecnologias uma pauta e, para tanto, a formação coletiva e
defesa de investimentos públicos são as bases para fazer da curiosidade crítica um
objetivo em tempos de desinformação, seja pela defesa de acesso à infraestrutura,
seja pela formação crítica no combate ideológico. Por fim, resta apenas fazer coro à
mensagem primordial ao professor: não desista, pois é você uma parte essencial da
coletividade que busca fazer do conhecimento um amor que incita a curiosidade
crítica.

2)
Que lições um pensador como Paulo Freire pode nos dar décadas depois de
sua morte, num contexto de pandemia, cujos desafios dificilmente poderiam ser
previstos? A curiosidade crítica, acima de tudo, é tanto mote inicial como o objetivo
final de um processo educacional focado na libertação do sujeito, uma liberdade para
o coletivo, não apesar dele, uma liberdade das amarras das tentativas fugazes de
imposição de certezas e verdades absolutas que camuflam seus interesses de classe.
Isto é, as lições de Paulo Freire apregoam a necessidade do ser humano se perceber
como sujeito de transformação do mundo, não objeto de uma verdade imposta e
finalista. A curiosidade crítica é a potência informativa e busca pelo prazer do saber
criticamente produzido. Aqui, a possibilidade de acesso à internet de forma constante
apresenta-se como uma das principais ferramentas da educação frente às intempéries
momentâneas, exacerbando ainda mais a necessidade de defesa do criticismo e rigor
para construção do conhecimento. Aos professores, destaco a necessidade de
incentivar com ainda mais fervor a curiosidade e paixão pelo saber, já que esta
ferramenta possibilita o acesso a uma rede vasta de informações e saberes de forma
significativamente mais livre, em comparação com rádio e televisão que apenas dão
acesso ao que passa por seu controle. Porém, justamente pelo acesso livre de
informações, abre-se espaço para disseminação de fake-news, discursos de ódio e
falácias, que tomam os mais desavisados e aqueles suscetíveis a se informar antes
por fontes que fazem coro ao seu (des)conhecimento prévio. É aqui que está a
centralidade do professor enquanto incentivador do questionamento crítico, da dúvida
saudável e da pesquisa objetivada em destronar o espaço da mentira e dos interesses
egoístas em função da defesa ao bem comum. Mas, no contexto de pandemia, as já
evidenciadas desigualdades educacionais tornam-se ainda mais gritantes,
principalmente pela falta de acesso às novas tecnologias por uma parcela significativa
da população, fazendo com que a televisão e sua veiculação de informações sejam
apresentadas como verdades irrestritas (e não como o que são - interesses de
classes). Neste ponto faz-se necessário a organização de gestores e professores a fim
de elaborar alternativas passageiras a fim de atender o aluno, incitando sua
curiosidade pelo saber crítico, mesmo que a falta de uma infraestrutura de qualidade
seja uma barreira. Assim, a falta de acesso aos meios tecnológicos que facilitem o
processo educacional implica em disparidades de saberes aprofundadas no contexto
de pandemia. Em resumo, tal como apontava Paulo Freire décadas atrás, não se trata
de transformar as novas ferramentas tecnológicas em inimigas, mas, principalmente
com a internet, trata-se de fazer dela uma fundamental ferramenta pedagógica de
construção de uma curiosidade crítica, ainda que este seja um espaço extremamente
pantanoso e perigoso.

Vídeo
- Pedagogia da indignação – fala do capítulo
- Curiosidade humana: crianças e alunos são curiosos.
- Quando fica mais velho, essa curiosidade tem que se tornar mais crítica.
- Curiosidade crítica: aprender a se defender das armadilhas, das irracionalidades desse
mundo racional e tecnologizado. Irracionalismos do mundo racional – apesar dos
avanços racionais e tecnológico, muitas vezes achamos que isso pode substituir o
aspecto humano dos sonhos, ideologias humanas, processos humanos políticos (como se
a tecnologia não fosse política – não há neutralidade). Outro ponto do irracionalismo é
aceitar o que é vinculado pela tecnologia como se fosse verdade absoluta.
- Por isso precisa de curiosidade crítica – manter o gosto pelo novo, pela descoberta,
mas num sentido crítico.
- Pra Paulo Freire isso não é negação do novo, mas uma ideia de que essa tecnologia
pode ser usada pro bem ou não
- É preciso conhecer, usar os recursos tecnológicos, mas discuti-los criticamente

Paulo Freire
- Curiosidade aprofunda a existência humana, é a inquietação face ao não-eu. O mistério
a se desvelar. Essa curiosidade e possibilidade de conhecimento é condicionada
historicamente, então varia no tempo e espaço. P.1
- É histórico, social e cultural. O conhecimento (natural do ser humano) se faz e se
refaz na História, produz achados diferentes.
- Dá exemplo de um padre antropólogo que vai pra uma comunidade do Nordeste que,
segundo ele, era dobrada sobre si mesma. Não perguntaram nada ao padre além das
coisas do cotidiano. Depois de um tempo descobriram aos poucos que ele sabia de
coisas que não eram dali e começaram a pedir ajuda, mas sobre coisas que nem eles
mesmos conseguiam organizar. O padre fez reuniões e viu a preocupação de todos com
o que fazer com os corpos dos mortos (já que não tinham caixão e nem nada, então se
preocupavam com o que podia ocorrer). Aí se criou uma espécie de cooperativa pra
fabricar caixão e organizar sepultamento. Aprenderam o valor da união, se juntaram
mais e intensificaram a solidariedade e esperança. Falaram com o prefeito de
necessidade de escola e se dispuseram a ajudar, receberam professora. A escola
ampliaria o horizonte da curiosidade social e individual. Nesse sentido, não eram mais
dobrados sobre si-mesmos. Depois conseguiram uma bica de água
- O prefeito e elites começaram a desconfiar das exigências coletivas das pessoas. A
partir disso, o coronel sabia do risco que a democracia e a civilização ocidental cristã
corriam naquele canto do Nordeste. Levaram tanques pra região. A curiosidade semi-
intransitiva da comunidade era estraçalhada pela curiosidade irracional do autoritarismo
do golpe.
Em sociedades fechadas, sociedades em processo de transição e sociedades abertas, onde
para cada uma dessas sociedades há um estado de consciência, identificadas da seguinte
forma: sociedade fechada e a consciência semi-intransitiva, a sociedade em processo de
transição, a consciência ingênuo-transitiva e a sociedade aberta a consciência transitiva.
- Pra Freire, a distância entre uma curiosidade ingênua, sem método, da criticidade não
representa ruptura, mas superação. A curiosidade ingênua não deixa de ser curiosidade,
mas ao se tornar crítica, se torna curiosidade epistemológica
- Curiosidade ingênua se aproxima do senso comum, a epistemológica aproxima-se
mais do objeto cognoscível. Muda a qualidade mas não a essência. Da curiosidade
ingênua se desenvlolve a epistemológica, mas isso se dá a partir de uma prática
educadora.
- Questão da irracionalidade da racionalidade – não aceitar tudo da tecnologia, mas não
abandoná-la.
- Uma leitura de mundo crítica impede a reprodução ideológica dos meios de
comunicação. Esses meios de comunicação impõem uma verdade com cores e imagens.
- Faz uma crítica a esse modelo de ser-humano neoliberal que aparece como ideologia
vencedora, rompendo com a ideia de srres humanos histórico-sociais capazes de
intervir, criar e recriar. Freire fala da luta incessante do sujeito ser agente na História,
não obeto (submisso à idelogia capitalista).
- Considera a questão de se pensar criticamente e não aceitar tudo uma condição básica
humana. Não se trata de lutar contra a televisão, mas pensa-la criticamente.
- A questão é como identificar e combater armadilhas ideológicas na televisão. Não é da
televisão que o escurtínio dos interesses dos poderosos vai vir, mas é importante que
sejam revelados criticamente. Não podemos nos por de frente pra televisão passivos e
entregues. Esse poder dominante tem vantagens sobre nós.
- Assim, propõe não ignorar a televisão, mas trazê-la pro debate e discutir com ela.

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