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Conferência Pan-americana de Saúde do Trabalhador e Ambiental

DOI: 10.5327/Z16794435201816S1015
Eixo: Práticas Profissionais em Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental
Simpósio 6: Setor Produtivo - Mineração
Lidando com as longas jornadas de trabalho
em turnos na mineração: desafios e possíveis
intervenções
Frida Marina Fischer1
1
Departamento Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, Brasil
Email: fischer.frida@gmail.com

O trabalho em turnos é um importante estressor biológico e social. Milhares de publicações científicas ao longo destas
últimas cinco décadas não deixam dúvidas sobre as associações entre o trabalho em turnos e os efeitos negativos na saúde e
no trabalho. Uma consulta à base Pubmed confirma a imensa literatura científica a respeito do tema.
O trabalhador em turnos vive em função da sua escala de trabalho. É frequentemente excluído, ainda que parcialmente,
do convívio social e da sociedade ao redor. A fadiga crônica e a sonolência excessiva são frequentemente percebidas pelos
trabalhadores. São decorrentes das dificuldades em não conseguir se recuperar dos esforços físicos e mentais realizados no
trabalho, não conseguir dormir o suficiente e não ter boa qualidade de sono durante o dia, ou ainda, ter seu sono noturno
reduzido pelo início muito cedo do trabalho no turno da manhã.
Os efeitos do trabalho em turnos se fazem notar inicialmente nas perturbações dos ritmos biológicos, na redução da
duração do sono, em manifestações de distúrbios de sono e nas dificuldades em conciliar atividades de trabalho e vida socio-
familiar. Há na literatura extenso número de publicações sobre doenças crônico-degenerativas associadas ao trabalho em
turnos e noturno. Há revisões sobre o assunto1-3 e muitos outros autores têm conduzido grandes estudos epidemiológicos e
revisões sistemáticas sobre este assunto.
O maior tempo de exposição traz maiores riscos para o desenvolvimento e agravamento de várias doenças crônico-dege-
nerativas. As diferenças individuais, as condições de trabalho, incluindo as escalas de trabalho em turnos, são importantes
mediadores dos efeitos à saúde, do desempenho no trabalho e da ocorrência (ou não) de acidentes e doenças relacionadas
ao trabalho.
Agravam-se os efeitos em função das cargas de trabalho físico e mental, presença ou não de pausas e sua duração intra e
interjornadas4. Ao longo das noites de trabalho, em função da redução da duração do sono ocorre uma progressiva sonolência
e, frequentemente, cochilos involuntários. Este quadro pode piorar com crescentes débitos de sono, ao longo das noites de
trabalho5. O risco de acidentes do trabalho associados à sonolência aumenta com o aumento do número de noites conse-
cutivas de trabalho, com a duração da jornada e a ausência ou insuficiência de pausas. Quanto maior o número de noites,
provavelmente maior o débito acumulado de sono.
Revisão sistemática publicada em 20116, comparando turnos de 8, 12 e acima de 12 horas diárias, mostrou que jornadas
prolongadas e o trabalho em turnos e noturno aumentam o risco de acidentes. Recente revisão e meta-análise onde foram
comparados vários estudos mostrou que os maiores riscos de acidentes do trabalho ocorrem quando há insuficientes pausas,
ou quando estas são muito curtas (menores que 30 minutos), quando há jornadas prolongadas acima de 11 horas diárias e
mais que 3 noites consecutivas de trabalho7.

Jornadas de trabalho prolongadas: o exemplo da mineração


Jornadas com trabalho em turnos que apresentam longa duração do trabalho diário (acima de 8 h/dia) têm sido muito
utilizadas em alguns segmentos produtivos na Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Brasil, entre outros países.
Em particular, estas jornadas têm sido implantadas em atividades de mineração, que se situam longe de áreas urbanas. É
frequente que os trabalhadores realizem jornadas acima de 8 horas diárias, frequentemente 12 horas, e permaneçam em
alojamentos próximos às atividades de extração/refino e transporte do minério. A semana comprimida de trabalho que

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Resumos expandidos de apresentação de convidados

inclui longas jornadas diárias pode vir a facilitar aqueles que teriam um longo tempo de transporte para chegar ao trabalho
e retornar à residência.
Entretanto, há importantes controvérsias entre os autores especializados sobre a adoção de turnos de trabalho diários
mais prolongados. Embora sejam atraentes por permitirem maior número de dias de folga em cada ciclo, pois a semana de
trabalho fica comprimida, há necessidade de um estrito controle dos estressores ambientais e ocupacionais para impedir
que os trabalhadores tenham exposições excessivas aos vários agentes nocivos presentes nos ambientes de trabalho. No caso
da mineração ocorrem simultâneas exposições de várias naturezas. Fletcher (2010) comenta sobre os múltiplos estressores
presentes nas operações de mineradoras associados à fadiga: as cargas de trabalho, o desconforto térmico, as dificuldades de
sono, as condições de vida8.
Há uma questão importante que diz respeito aos limites de exposição ocupacional (LEOs): estes não diferenciam jornadas
diurnas das noturnas. Porém, dada as modificações que ocorrem nos ritmos biológicos e, particularmente nos mecanismos de
desintoxicação após exposições ocupacionais, os trabalhadores são mais vulneráveis a agentes químicos, físicos e biológicos
quando trabalham em turnos não diurnos. Este problema se agrava com extensas jornadas diárias, como as que usualmente
ocorrem na mineração.
A metabolização de substâncias tóxicas se faz de forma menos eficiente durante o trabalho noturno, comparado com o
diurno, agravando os efeitos das exposições ocupacionais. Uma publicação recente aponta as lacunas na prática da higiene
industrial e do monitoramento biológico, e de forma correta estabelecer limites de tolerância ocupacional para trabalhadores
que se encontram em situação de trabalho não-diurno e em jornadas prolongadas9.
Segundo esses autores:
“....devido ao lento e usualmente incompleto ajuste da estrutura temporal circadiana que ocorre entre os trabalhadores em turnos,
incluindo os trabalhadores de turnos noturnos fixos, as exposições ocupacionais a agentes químicos e outros contaminantes ocorrem em
diferentes momentos dos ritmos circadianos para os trabalhadores noturnos, comparados aos diurnos. E por este motivo, a proteção
para alguns dos limites de tolerância ocupacional pode ser insuficiente, especialmente em locais de risco à saúde” 9.
Têm-se aí um cenário complexo, onde não se conhecem os efeitos combinados das exposições ocupacionais múltiplas e não
se adotam critérios de proteção dos limites de exposição ocupacional diferenciados para trabalhadores em turnos e diurnos.

Possíveis intervenções
Várias publicações têm informado sobre as possibilidades de intervenção para reduzir os efeitos negativos do trabalho
em turnos. Uma recente revisão sobre o assunto apresenta várias medidas a serem adotadas ou reforçadas pelas empresas e
pelos trabalhadores10. De forma não exaustiva, cita-se algumas destas medidas mencionadas neste artigo:
• Cochilos de curta duração, que ajudam a minimizar a sonolência excessiva;
• Refeições com alimentos que tenham baixo teor de gorduras, frutas e vegetais frescos, grãos integrais, produtos com baixo
teor de açúcares estão entre as principais recomendações com relação à nutrição, especialmente a realizada durante à
noite;
• Exposição à luz intensa à noite, para redução da sonolência, pode levar a modificações nos ritmos circadianos. Entretanto,
esta medida deve ser cuidadosamente avaliada, pois sua eficácia depende de vários fatores, tais como: intensidade lumi-
nosa, esquema de trabalho em turnos, uso de protetor da exposição à luz após a jornada de trabalho, entre outras;
• Modificações de hábitos de vida, tais como a prática da atividade física regular, evitar o uso do tabaco, bebida alcoólica,
entre outros);
• Escala de trabalho em turnos é o principal fator que leva às perturbações do sono, da sonolência excessiva, das desordens
biológicas e dos efeitos no sono.

Modificações na escala de trabalho a partir de uma ampla participação de todos envolvidos no trabalho (os próprios
trabalhadores em turnos e seus superiores) tem mostrado que a reorganização dos turnos de trabalho leva a efeitos positivos.
Particularmente em empresas de mineração que adotam turnos de trabalho com 12 ou mais horas diária, as escalas devem
ter menor número de noites consecutivas, várias pausas intrajornadas, além das pausas para as refeições. Durante as pausas
os trabalhadores deverão ter locais onde possam descansar, inclusive cochilar nos momentos de maior sonolência (ao longo

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da madrugada e em alguns horários durante o dia). Também é importante o monitoramento da saúde dos trabalhadores
com exames periódicos frequentes, especialmente no que diz respeito aos aspectos ligados ao sono e à sonolência excessiva,
às questões cardiovasculares e metabólicas.
Praticar a equidade nos locais de trabalho é também garantir condições de trabalho saudáveis a todos os trabalhadores
(diurnos e em turnos). No caso dos trabalhadores em turnos esta equidade nem sempre é alcançada. É necessário avaliar
com cuidado novas tendências que surgem no mercado, como os turnos prolongados, sem descuidar que sejam tomadas
cautelas necessárias. Na mineração, setor que abrange grandes empresas, as boas políticas de gestão de recursos humanos
devem também incluir em suas pautas uma especial proteção à saúde das pessoas que permitem suas operações ao longo
das 24 horas ininterruptas.

Referências
1. Costa G. Shift work and health: current problems and preventive actions. Saf Health Work. 2010;1(2):112-123.
2. Tucker P, Folkard S. Working time, health and safety: a research synthesis paper. Conditions of work and
employment series (31). Geneva: International Labour Office; 2012. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/
groups/public/@ed_protect/@protrav/@travail/documents/publication/wcms_181673.pdf>
3. Fischer FM, Moreno CRC, Rotenberg L. Trabalho em turnos e noturno: impactos sobre o bem-estar e saúde dos
trabalhadores. Possíveis intervenções. In: Mendes R. (organizador). Patologia do trabalho, 3a Edição, São Paulo:
Editora Atheneu; 2013.
4. Knauth P. Innovative working time arrangements. Scand J Work Environ Health. 1998; 24:13-17.
5. Akerstedt T. Sleepiness, alertness and performance. In: Cappuccio P, Miller MA, Lockley S. (Eds). Sleep, health
and society. From aetiology to public health. Oxford: Oxford University Press; 2010.
6. Fischer D, Wagstaff AS, Sigstad Lie J-A. Shift and night work and long working hours − a systematic review of
safety implications. Scand J Work Environ Health. 2011;37(3):173–185.
7. Lombardi DA et al. Updating the “Risk Index”: a systematic review and meta-analysis of occupational injuries
and work schedule characteristics. Chronobiol Int. 2017;34(10):1423-1438.
8. Fletcher A. Staying safe in the jungles of Borneo: five studies of fatigue and cultural issues in remote
mining projects. Ind Health. 2010;48;406–415. Disponível em: <https://www.jstage.jst.go.jp/article/
indhealth/48/4/48_MSSW-04/_pdf/-char/en>
9. Smolensky MH, Reinberg AE, Sackett-Lundeen L. Perspectives on the relevance of the circadian time structure
to workplace threshold limit values and employee biological monitoring. Chronobiol Int. 2017;34(10):1439-1464.
10. Richter K et al. Prevention of fatigue and insomnia in shift workers—a review of non-pharmacological measures.
EPMA Journal. 2016;7:16.

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