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SUMÁRIO

1 VISÃO HISTÓRICA SOBRE O PAPEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DENTRO


DA SOCIEDADE ..................................................................................................................................3
1.1 Aspectos históricos .................................................................................................................3
1.2 Síntese histórica do trabalho infantil ......................................................................................5
1.3 A realidade brasileira ..............................................................................................................10
2
1.4 Evolução histórica dos direitos e garantias constitucionais...............................................12
1.5 A criança e o adolescente .......................................................................................................16
2 PROTEÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL .........20
2.1 A proteção nos primeiros séculos .........................................................................................21
2.2 As instituições para a criança e o adolescente desassistidos a partir do século XX .......24
2.3 Princípio constitucional de proteção .....................................................................................31
2.3.1 Direitos Fundamentais ...............................................................................................................31
2.3.2 Direitos e garantias fundamentais .............................................................................................31
2.3.3 Direitos humanos .......................................................................................................................33
2.4 Conceito de direitos humanos ...................................................................................................35
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .................................41
3.1 Histórico dos direitos humanos no Brasil e no mundo........................................................43
3.2 A história dos direitos humanos no Brasil ............................................................................46
3.3 O menor na sociedade brasileira e suas garantias constitucionais ...................................50
3.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a teoria da proteção integral ...........................54
4 TRABALHO INFANTIL .............................................................................................................57
4.1 Considerações iniciais ............................................................................................................57
4.2 Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho ....................................................60
4.3 Normas vigentes sobre o trabalho infantil ............................................................................66
4.4 A eficácia das normas jurídicas sobre o trabalho infantil....................................................67
5 POSSIBILIDADES E DESAFIOS ..............................................................................................76
5.1 Possibilidades .........................................................................................................................76
5.2 Desafios....................................................................................................................................79
5.3 Diretrizes fundamentais ..........................................................................................................88
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 96
1 VISÃO HISTÓRICA SOBRE O PAPEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NA
SOCIEDADE

1.1 Aspectos Históricos

Desde a Idade Média, o estudo da história da infância


leva-nos à conclusão de que, até o século XVI, o sentimento de 3
infância era praticamente inexistente, pois adultos e crianças
compartilhavam os mesmos espaços e jogos, como se, entre eles,
não houvesse distinção. Nessa época, a criança era vista como
um adulto em miniatura e era reconhecida como adulta muito
cedo.
O ano de 1693, mais do que uma data, foi o marco
inicial, historicamente registrado, da primeira tentativa de
providência em favor do menor desvalido da Colônia Portuguesa.
A Carta Régia, datada de 12 de dezembro de 1693, ordenou que as crianças fossem
alimentadas pelos bens do Conselho do Reino. A ordem não foi cumprida, pois a Câmara alegou
falta de recursos.
Com o aumento da exposição de crianças pelas ruas e casas de família – e a
dificuldade material da Câmara em ampará-las, o governador Antônio Paes Sande enviou
petição ao rei, nos anos finais do século XVII, solicitando providências contra os atos desumanos
de abandonar crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e sede.
Mais uma data a registrar: 1734. Ignácio Manuel da Costa Mascarenhas, vigário da
freguesia da Candelária, no Rio de Janeiro, requereu licença para acolher trinta órfãos e pobres,
para viverem “em clausura até tomar seu Estado”, sob o beneplácito do bispo. Mas a obra não
foi adiante. O governador José da Silva Paes exigiu que a casa se sujeitasse à fiscalização do
governador, não do bispo, com o que o vigário não concordou.
Outra data de relevo: 1738, quando o padre José de Anchieta fundou a Santa Casa do
Rio de Janeiro, que até hoje existe e acolhe crianças, com o fim de servir de amparo aos
inocentes abandonados ao nascer pela ingratidão de quem lhes deu a existência.
No século XVII, o sentimento de família foi acentuado e, gradativamente, novas regras
de cuidado com a criança foram impostas e, além do aprendizado, surgiam preocupações com a
escolaridade. De acordo com Josiane R. Petry Veronese, os filhos dos senhores feudais
passavam por uma rígida educação católica, sendo levados ao sacramento do matrimônio em
idade muito tenra – especialmente as meninas, que eram vendidas por seus pais em troca de
dotes ou lotes de terra. Em contraposição, os descendentes de servos acabavam dando
continuidade aos serviços prestados por seus pais ao senhor feudal.

“Desde muito cedo o jovem era separado de sua família e colocado sob um sistema
rígido de educação, no qual desenvolvia, por meio de exercícios coletivos, suas
aptidões físicas e intelectuais para compor o corpo e alcançar o status do cidadão
grego. Esta condição representava, na época, a possibilidade de participar das
atividades sociais da cidade, de construir uma família e de vir a ser um mestre na arte
de guerrear”.1 4

Com o surgimento da burguesia, a construção de uma nova estrutura familiar foi


estimulada. O sentimento de infância extrapolava a nobreza e a burguesia, atingindo também a
classe proletária.
No século XIX, com a Revolução Industrial, houve a consolidação de um novo modelo
de família e, no que se refere à infância, ocorreu uma regressão à Idade Média, quando a mão
de obra infantil foi requisitada e surgiu certa “precocidade” na passagem para a idade adulta.
Camponeses e artesãos de todas as idades foram colocados em ambientes com disciplina
rígida, serviços repetitivos, trabalho ininterrupto, frio calor e muito ruído.
Historicamente, desde os tempos bíblicos, crianças e adolescentes sempre
trabalharam. Há relatos, inclusive, de Jesus ajudando o pai carpinteiro. Na história das
civilizações, isso é mostrado não de forma imoral, mas como um processo normal do
desenvolvimento do cidadão grego. Havia a prostituição masculina como meio de exploração,
que se encontrava praticamente confinada ao grupo dos adolescentes, no período durante o qual
pessoas dessa faixa etária eram consideradas desejáveis, objeto das experiências promíscuas
dos mais velhos, resultando em participação expressiva na sociedade. Para os gregos, esse tipo
de prostituição masculina não era objeto de escândalo.

“Apesar de denominada relação “homossexual educativa”, enaltecedora da


superioridade masculina, da união dos fortes, dos hábeis com seus iguais, tal
relação revelava um lado luxurioso, perverso e dominador dos mestres em relação
aos seus alunos, que lhes serviam como objetos de prazer”.2

1 VERONESE, Josiane Rose Petry. Papel da criança e do adolescente no contexto social: uma reflexão
necessária. [S.l.: s.n.], 2000.

2 Ibidem.
Como vimos, quando falamos em trabalho infantil contra crianças e adolescentes, vem-
nos à cabeça, por exemplo, o trabalho na agricultura ou nas carvoarias e acabamos nos
esquecendo da prostituição infantil. No Brasil, atualmente, as crianças brasileiras são “objeto” de
oferecimento no mercado nacional e internacional para a prática de atos sexuais. O Brasil –
principalmente o Rio de Janeiro e o Nordeste – é mundialmente conhecido como polo de turismo
sexual.

“A infância tornou-se obscura e isenta de qualquer relevância no âmbito social. Era


a ausência do chamado ‘sentimento da infância’, denominado por Ariès, que assim 5
o descreve: ‘O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas
crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade
que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem”.3

1.2 Síntese histórica do trabalho infantil

Em épocas remotas, as crianças e os adolescentes eram considerados os


trabalhadores ideais, pois, por um salário insignificante, alojamento e remuneração menor que a
dos adultos, produziam igual ou mais que os adultos. No trabalho, as crianças deveriam ser
rápidas, o que a sociedade considerava admirável, maravilhando-se ao ver uma criança de 6
anos ganhando a vida como adulto.

Registre-se que o trabalho do menor é muito antigo na História. O Código de


Hamurabi, há dois mil anos, tinha algumas medidas de proteção aos menores aprendizes. No
Egito, sob as dinastias XII a XX, todos os cidadãos, ricos ou pobres, nobres ou não, eram
obrigados a trabalhar, e os menores estavam incluídos nesse regime geral, desde que tivessem
relativo desenvolvimento físico.

Na Grécia e em Roma, os filhos dos


escravos também eram propriedade dos senhores,
sendo obrigados a trabalhar para o dono ou para
terceiros. Nessa hipótese, o soldo era revertido em

3 ARIÉS, Phillippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 1981. 156 p.
prol do senhor. Com o início das corporações romanas, os filhos dos trabalhadores livres
laboravam como aprendizes para, no futuro, exercer o mesmo ofício paterno.

Na Idade Média, com o surgimento das corporações de ofício, o menor laborava sem
qualquer salário ou proteção, durante anos a fio. Já no Brasil, com o predomínio do trabalho
escravo, não havia qualquer proteção legal. Os filhos dos escravos eram utilizados em atividades
domésticas, agrícolas ou nas indústrias rudimentares.

Na Inglaterra do século XVIII, germinaram-se as sementes da Revolução Industrial, o 6


que alterou profundamente não só o processo produtivo, como a introdução das máquinas, e,
principalmente, o mercado de mão de obra. Frise-se que, no início, esse tipo de mercado foi
marcado por uma concorrência acirrada, violenta até, entre trabalhadores adultos do sexo
masculino.

A evolução tecnológica crescente possibilitou a introdução de novas máquinas no


mercado produtivo e, consequentemente, a dispensa em massa de operários. Cresceu, então, o
número de marginalizados e excluídos, com o aproveitamento e a exploração do trabalho de
crianças e adolescentes. Poucos abusos dos direitos humanos eram tão universalmente
praticados como o trabalho infantil. Destacam-se:

França. Inicia a assistência à infância, com as Leis de 1.841 e 1.848, assegurando aos
menores trabalhadores, com a lei datada de 19/03/1874, a idade de admissão ao emprego, o
tempo máximo da duração do trabalho, a proibição do serviço noturno e nas minas subterrâneas.

Bélgica. Lei datada de 28/05/1888 registra um conjunto de medidas protetoras.

Inglaterra. Desde 1802, por iniciativa de Roberto Peel, existia uma lei de proteção aos
menores trabalhadores nas indústrias têxteis.

Alemanha. Em 1891, expedia um Código Industrial (Gewerbeordnung), incluindo


proteção aos menores trabalhadores. A Suíça teve uma lei em 1877, a Áustria em 1855, a
Holanda em 1889, Portugal em 1891 e a Rússia, em 01/07/1881, expedia sua primeira lei de
proteção aos menores.

Segundo Mario de la Cueva, a proteção aos menores é o ato inicial do direito do


trabalho, pois foi o Moral and Health Act, expedido por Robert Peel, em 1802, a primeira
disposição concreta que corresponde à ideia contemporânea do direito do trabalho. Ao manifesto
de Peel, traduzido no protesto “Salvemos os menores”, lema de campanha pela proteção legal,
culminou a redução da jornada diária de trabalho do menor para 12 horas.
Também na Inglaterra, com a ajuda de Robert Owen, foi aprovada lei, em 1819,
tornando ilegal o emprego de menores de 9 anos e restringindo o horário de trabalho dos
adolescentes com menos de 16 anos para 12 horas diárias, nas atividades algodoeiras. Na
Inglaterra, em 1833, provocada pela Comissão Sadler, uma lei proibiu o emprego de menores de
9 anos e limitou a jornada dos menores de 13 anos em nove horas, além de vedar o trabalho
noturno. 7
Na França, em 1813, proibiu-se o trabalho de menores em minas; em 1841, vetou-se o
emprego de menores de 8 anos e foi fixada em oito horas a jornada máxima dos menores de 12
anos e, em 12 horas, a dos menores de 16 anos. Já na Alemanha, em 1839, foi votada lei que
proibia o trabalho de menores de 9 anos e restringia a 10 horas a duração do trabalho dos
menores de 16 anos. A lei industrial de 1869 fixou a idade mínima de admissão em 12 anos.
Em 1886, na Itália, foi aprovada a lei que fixou em 9 anos a idade mínima para o
emprego e proibiu certos tipos de trabalho para o menor. A partir disso, a legislação trabalhista
protege o menor ao fixar normas tutelares proibitivas destinadas à idade mínima para seu
trabalho, com relação aos ambientes que possam prejudicar sua saúde, integridade física e
formação moral e a valorizar diretrizes voltadas para a sua educação e qualificação profissional.
O governo federal brasileiro, por intermédio do Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de
1890, fixou uma série de restrições ao trabalho do menor nas fábricas do Distrito Federal, as
quais não foram aplicadas. Houve várias tentativas: o Decreto Municipal nº 1.801, de 11 de
agosto de 1917; o Decreto nº 16.300, de 1923, o qual aprovou o Regulamento do Departamento
Nacional de Saúde Pública, dispondo que os menores de 18 anos não poderiam trabalhar mais
de seis horas em um período de 24 horas; essa proibição foi reproduzida na Lei nº 5.083, de 1º
de dezembro de 1926.
Em 12 de outubro de 1927, com o Decreto nº 17.943-A foi aprovado o Código de
Menores, constando das seguintes proibições: a) trabalho para o menor de 12 anos; b) trabalho
noturno aos menores de 18 anos; c) exercício de emprego, para os menores de 14 anos, na
praça pública.
O Decreto nº 22.042, de 3 de novembro de 1932, traçou as regras quanto ao trabalho
do menor na indústria, sendo a idade mínima de 14 anos, além de ser obrigatória a exibição de
documentos para a admissão: certidão de idade; autorização dos pais ou responsáveis; atestado
médico, de capacidade física e mental; prova de saber ler, escrever e contar.
Tornou-se obrigatória a apresentação de uma relação de empregados menores. Aos
analfabetos, assegurou-se o tempo necessário para a escola. Proibiu-se o trabalho nas minas
para os menores de 16 anos. O Decreto-Lei nº 1.238, de 2 de maio de 1939 (regulamentado pelo
Decreto nº 6.029, de 26 de julho de 1940), instituiu os cursos de aperfeiçoamento profissional, e
proporcionou aos menores trabalhadores o direito à frequência. Com a educação profissional
dos 18 aos 21 anos, o Decreto-Lei nº 2.548 permitiu a redução do salário.
O Decreto-Lei nº 3.616, de 13 de setembro de 1941, para Segadas Vianna, foi a
verdadeira lei de redenção do menor trabalhador. Mantidas as disposições das leis anteriores, 8
foram elas aprimoradas. Assim, por exemplo, dispunha o art. 4º: “Quando o menor de 18 anos
for empregado em mais de um estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão
totalizadas”. Por esse decreto-lei, foi, ainda, instituída a carteira de trabalho do menor.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), houve uma série de
convenções sobre o trabalho do menor. São elas: a) nº 5, de 1919, revista pela de nº 59, de
1937, idade mínima de 14 anos para admissão em trabalhos industriais; b) nº 6, de 1919, o
trabalho noturno na indústria; c) nº 7, de 1920, idade mínima de 14 anos para admissão no
trabalho marítimo, sendo revista em 1936; d) nº 10, de 1921, idade mínima de admissão nos
trabalhos agrícolas, vedando ocupá-los durante o horário de estudo nas escolas; e) nº 15, de
1921, idade de 18 anos para admissão como paioleiros ou foguistas; f) nº 16, de 1921, os
menores de 18 anos deveriam ser submetidos a exame médico antes de ingressar em empregos
a bordo, com novo exame a cada ano; g) nº 33, de 1932, a idade mínima de 15 anos para
admissão nos trabalhos não industriais; h) nº 77, de 1946, a obrigação do exame médico para
admissão de emprego na indústria; i) nº 79, de 1946, a limitação do trabalho noturno em
atividades não industriais; j) nº 87, de 1949, orientação profissional; l) nº 96, admissão nos
trabalhos subterrâneos das minas de carvão; m) nº 112, de 1959, idade mínima para o trabalho
na pesca.
As Convenções da OIT, relativas à idade mínima para o trabalho em várias atividades,
foram englobadas pela Convenção nº 138, de 1973, a qual, em seu art. 1º enuncia:

“Todo País-Membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma


política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve,
progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível
adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem. A idade mínima é de
15 anos (art. 2º, § 3º), admitindo, em caráter excepcional, a fixação da idade em 14
anos (art. 2º, § 4º)”.
A Convenção nº 182, de 1997, aborda pormenores sobre as piores formas do trabalho
infantil, vedando-as e solicitando medidas para a sua eliminação:

“Entre as piores formas de trabalho infantil, compreensivas de crianças com até 18


anos, incluem-se a escravidão e práticas análogas, como a venda e tráfico de
crianças, o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive em conflitos armados, o
recrutamento para a prostituição ou práticas pornográficas, para produção e tráfico
de entorpecentes, o trabalho que possa causar danos à saúde, à segurança ou à
moralidade das crianças. O Estado, as organizações de trabalhadores e
empregadores, conjuntamente, devem definir os tipos que se designarão de piores
formas de trabalho, revisando-os periodicamente, e localizar onde ocorre a prática a
ser abolida. A educação é, declaradamente, o antídoto a ser ministrado pelo Estado, 9
com políticas públicas efetivas e com um plano de ação para eliminar, como medida
prioritária, essas modalidades de trabalho.4

Apontamos a “Declaração dos Direitos da Criança”, assinada em Genebra em 1924,


que, mais tarde, foi acatada pela “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, de 10/12/1948.
As Convenções de número 5 e 6, de Washington (1935), fixaram em 14 anos a idade para o
ingresso do menor no mercado de trabalho, bem como estabeleceram a proibição de trabalhos
considerados prejudiciais à saúde física e mental, à moralidade e à perspectiva educacional da
criança.
No plano nacional, as normas jurídicas que tutelaram o trabalho da criança e do
adolescente têm marco inicial relevante o Decreto nº 432, de 12/11/1935, que recepcionou os
princípios das mencionadas convenções. Observando a recente história da civilização,
percebemos que dirigentes e representantes de nações têm-se reunido em encontros
internacionais, manifestando preocupações com o problema da criança, que, pela sua gravidade,
envergonha o adulto e fere a consciência do homem de bem.

Apesar de convenções, tratados, declarações, convênios e tantos outros documentos,


nesse segmento, a humanidade ainda não saiu do campo das intenções relativamente à
exploração do trabalho infanto-juvenil. Nesse quadro triste, emoldurado pela fome, as crianças
são incorporadas no mercado produtivo a baixos custos. Envenenado pela cobiça, atacado pela
febre do ouro, o empresário no início da Revolução Industrial, aviltando os salários, criou em
torno de si um exército de miseráveis.5

Àquela época da Revolução Industrial, a jornada de trabalho alcançava o limite de 18


horas diárias nos subsolos das minas, onde as condições higiênicas eram deploráveis,

4 TEIXEIRA FILHO, João de Lima et al,,op. cit., 1007 p.

5 OLIVEIRA, Dris. O trabalho infanto-juvenil no direito brasileiro. OIT, 193. 16 p.


proporcionando o surgimento de doenças com deformações físicas, em operários adultos e em
crianças que só se diferenciavam pelo salário recebido. Apesar de absorver as ideias liberais
que animaram as revoluções americana, de 1776, e francesa, de 1789, a vida prática mostrava
exemplos de leis que não expressavam o sentimento de direito e de justiça, inscrito na
consciência dos homens de bem, visto que a evolução moral do homem não acompanha na
mesma velocidade, sua evolução intelectual.

A Europa toda escureceu e não foi apenas pela fumaça liberada por suas chaminés,
10
mas principalmente pelo pensamento obscurecido dos homens fascinados pelo ouro, que não
hesitaram em submeter crianças de até 7 anos a uma vergonhosa escravidão, somente para
garantir a edificação de fortunas que em tempo algum jamais foram garantidoras de paz e da
felicidade pessoal.6

A humanização do trabalho foi ganhando força, conquistando espaço nos parlamentos


e nos gabinetes. A lucidez de sindicalistas, juristas e economistas comprometidos com a causa
popular contagiaram governantes e patrões que passaram a contribuir para geração do direito da
criança.

O neoliberalismo, até nos países altamente industrializados, tem sido causador de um


crescente desemprego, configurando-se numa política econômica que concentra renda, abaixa
salários e desagrega a família. A ameaça do recurso ao trabalho da criança e do adolescente é
então uma tentação por parte das empresas menos competitivas e estruturadas financeiramente.

1.3 A realidade brasileira

Qual é a realidade vivida? Costuma-se dizer que as crianças e os adolescentes que


trabalham são prisioneiros de seu ambiente, com a pior qualidade de vida no trabalho possível,
pois as necessidades e aspirações desses trabalhadores não são consideradas, como, por

6 DERRIEN, Jean-Maurice. Trabalho infantil: a fiscalização do trabalho infantil. OIT, 1993. 11 p.


exemplo, o ambiente social, familiar, de trabalho, os valores culturais, condições de vida da
família, etc.
Partindo da cultura grega, passando por diferentes períodos, como a Idade Média, a
Renascença, o pós-Renascimento e, finalmente, a Idade Moderna, observam-se algumas
mudanças. De acordo com as palavras de Veronese:

“O trabalho escravo a que os donos das minas de carvão da Inglaterra, no século


XVIII, submetiam crianças com até 5 anos de idade apresenta alguma diferença em
relação ao trabalho escravo praticado no Brasil, neste final de século, em que
crianças com idades entre 5 e 14 anos trabalham na lavoura, no corte da cana-de- 11
açúcar, nas minas de extração de minérios, nos serviços em olarias.”5

A diferença reside no fato de que a sociedade brasileira estava marcada tanto pela
variação etária como pelo acentuado desnível social.6 O patrão de hoje, seja usineiro, o dono de
olarias, o produtor de carvão vegetal, em relação à criança e ao adolescente, parece ter-se
inspirado nos abastados patrões da Europa do Estado Liberal do século XVIII. Não nos
esqueçamos que o século XIX também foi cenário de verdadeira era da escravidão de crianças e
mulheres, com a submissão a trabalhos no interior da minas de carvão e na indústria têxtil.
Na cidade e no meio rural, mostrar os problemas da infância e da juventude
desassistidas, pequenos seres sem perspectivas, cujo número populacional aumenta ao longo
do tempo, implica basicamente tratar do destino do país e de seus percalços na ordem
econômica internacional.
Mesmo sendo proibido em vários países, no Brasil o trabalho infantil conta com mais
de três milhões de crianças e adolescentes menores de 14 anos, os quais, em vez de participar
de atividades de socialização, de brincadeiras e de ter tempo para o estudo e outras atividades
inerentes às crianças, passam o dia laborando para garantir seu sustento e/ou o de sua família,
e esse fato traz consequências danosas para seu desenvolvimento físico e psicológico.
Uma sociedade que exclui suas crianças do convívio familiar e comunitário e impede o
acesso a seus direitos fundamentais está plantando a violência que colherá mais tarde, criando,
assim, um círculo vicioso com graves consequências sociais. A situação em questão decorre, em
parte, da baixa renda de muitas famílias, para as quais o trabalho infantil é uma questão de
sobrevivência. Os organismos sindicais se omitem por se tratar de setores não-organizados da
economia. E, muitas vezes, os próprios pais ou responsáveis consideram o trabalho preferível à

5 VERONESE, op. cit.

6 Ibidem.
escolarização, por ser mais “educativo e rentável”. Primeiro, a sociedade dita organizada e legal
escreve uma Constituição e uma lei específica que não cumpre.
Pelo que examinamos da Lei 8.069/90, está-se cumprindo tão-somente a parte em que
os deveres das crianças são cobrados. Segundo Siro Darlan, ex-juiz da Vara da Infância e da
Juventude, o diretor da Biblioteca Nacional assiste diuturnamente, do alto de seu gabinete, ao
desfile de crianças, sem teto, sem escola, sem alimentação, cheirando cola para matar a fome.
Podia fazer algo para mudar essa situação, mas nada faz. Poderia ter aberto um espaço na
Biblioteca Nacional para realizar com elas um trabalho de escolarização. De acordo com a 12
Organização Internacional do Trabalho, “a criança e o adolescente não podem esperar. Eles só
têm uma única oportunidade de crescimento e desenvolvimento, ou seja: eles têm direito à
infância”.

1.4 Evolução histórica dos direitos e garantias constitucionais

No Brasil, é possível dividir a evolução histórica dos direitos das crianças e dos
adolescentes em quatro grandes períodos, dos quais se destacam alguns fatos marcantes:

Período religioso (1500-1889)

Durante esse período, qualquer tipo de assistência dada às crianças órfãs ou expostas
ocorria como prática da piedade católico-cristã. Em 14 de janeiro de 1738, no Rio de Janeiro, foi
fundada por Romão de Mattos Duarte a primeira Casa dos Expostos do Brasil, uma instituição
em que eram acolhidas as crianças abandonadas por seus pais (os quais permaneciam no
anonimato).
Com a Constituinte de 1823, José Bonifácio defendeu um projeto em que a escrava,
após o terceiro mês de gravidez, não poderia trabalhar e, após o parto, teria um mês de
convalescença; passado este, durante um ano, não poderia trabalhar longe de seu filho. Apesar
de ter sido outorgada em 25 de março de 1824, a primeira Constituição do Brasil, promulgada
por Dom Pedro I, não trazia qualquer menção, em seu texto, à criança e ao adolescente.
Em 1830, o Código Penal Imperial do Brasil estabeleceu que os menores infratores
entre 14 e 18 anos deveriam ser considerados criminosos, tendo, no entanto, a pena atenuada.
Em relação aos menores infratores abaixo de 14 anos, estes deveriam ser considerados
inimputáveis; contudo, se fosse constatado terem agido com discernimento na prática do ato
criminoso, seriam encaminhados pelo juiz a tratamento nas Casas de Correção, não
ultrapassando a idade de 16 anos. Predominava, neste caso, a teoria da ação, na qual a
imputabilidade se baseia na condição pessoal de maturidade do agente frente ao ato ilícito
praticado.
O Senado, em 12 de julho de 1862, aprovou a Lei de Silveira da Mota, que proibia a
venda de escravos sob pregão e exposição pública, bem como a proibição de, em qualquer
venda, separar o filho do pai e o marido, da mulher. 13
Em 28 de setembro de 1871, a Princesa Isabel aprovou a Lei do Ventre Livre, que
concedia liberdade às crianças nascidas de mães escravas. Contudo, havia restrições legais: o
menor deveria permanecer sob a autoridade do proprietário de escravos e de sua mãe, que,
juntos, deveriam educá-lo até os oito anos de idade. Completado este período, o proprietário da
escrava-mãe teria duas opções: poderia receber uma indenização estatal de 600 mil réis pagos
em títulos do governo, no prazo de trinta anos, ou se utilizar dos serviços do menor até que este
completasse 21 anos.

Período filantrópico (1889-1964)

Durante esse período predominou a assistência à infância órfã, abandonada e


delinquente, com base na racionalidade científica, em que o método, a sistematização e a
disciplina têm prioridade sobre a piedade católica-cristã.
Surge o primeiro Código Penal republicano do Brasil, no qual os menores de 9 anos
eram absolutamente inimputáveis, bem como os menores entre 9 e 14 anos que agissem sem
discernimento. Dentro dessa faixa etária, os menores que agissem com discernimento seriam
internados em estabelecimentos correcionais disciplinares, até a idade de 17 anos. Aos maiores
de 14 e aos menores de 16 anos, imputavam-se penas atenuadas. Ainda aqui, prevalece a teoria
da ação com discernimento.
Em 1896, foi fundada em São Paulo a versão paulista da Casa dos Expostos. Ocorreu,
assim, em todo o Brasil, um aumento considerável de orfanatos, fato decorrente da urbanização
aliada à imigração europeia, incentivada pelo governo para substituir a mão de obra escrava.
Em 1° de janeiro de 1916 entrou em vigor o Código Civil Brasileiro, no qual, por
influência do Direito romano, o homem é colocado como o centro da família, tendo sua mulher e
seus filhos subordinados à sua figura. Em 1921, entrou em vigor a Lei n° 4.242, que afastava a
teoria da ação com discernimento, declarando o menor infrator inimputável. A idade penal é
fixada em 14 anos.
Em 1924, começou a funcionar no Rio de Janeiro o primeiro Juizado de Menores do
Brasil, graças ao esforço do jurista e legislador Mello de Mattos. Em 1927, o Decreto n° 17.943-A
criou o primeiro Código de Menores do Brasil e da América Latina, de autoria do jurista Cândido
Albuquerque de Mello Mattos. Este código conseguiu corporificar leis e decretos, desde 1902,
que se propunham a provar um mecanismo legal que concedesse relevo à questão dos
menores. 14
A concepção do código pôs em evidência questões controversas em relação à
legislação civil em vigor. Assim, o pátrio poder foi transformado em pátrio dever, pois ao Estado
era permitido intervir na relação pai/filho, ou mesmo substituir a autoridade paterna, caso esta
não tivesse condições ou se recusasse a dar ao filho uma educação regular, caso em que o
menor seria recolhido a um internato.
No ano de 1934, foi promulgada a segunda Constituição Federal da República. Trata-
se da primeira Constituição brasileira que menciona questões vinculadas à infância e à
juventude: “Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
amparar a maternidade e a infância e proteger a juventude contra toda exploração, bem como
abandono físico, moral e intelectual” (art. 138, letras c e d).
Em 7 de setembro de 1940 entrou em vigor o Código Penal Brasileiro, com a fixação
da idade penal em 18 anos, segundo o art. 23 do Decreto-Lei n° 2.848/40. Em 1° de maio de
1943 passou a vigorar a Consolidação das Leis do Trabalho, que abrangia a regulação do
trabalho dos menores que se situassem na faixa de 14 e 18 anos.

Período militar (1964-1988)

Nesse período, predomina uma visão de que a questão do menor abandonado ou


infrator seria da esfera da segurança nacional, e que o Estado deveria buscar disciplinar,
reprimir, reeducar, para que futuramente a criança não se tornasse um instrumento de oposição
ao sistema democrático capitalista.
Em 1964 foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), seguindo
a linha pedagógica de internação e implantando em seu Programa Nacional de Bem-Estar do
Menor o apoio doutrinário e logístico da Escola Superior de Guerra.
Foi instituído, em 1979, com o advento da Lei n° 6.697, o Código de Menores, que
trouxe para o ordenamento uma nova categoria: “menor em situação irregular”, isto é, o menor
de 18 anos abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido
juridicamente, com desvio de conduta ou autor de infração penal. Este código, apesar de ter sido
considerado um avanço em relação ao anterior, apresentava alguns aspectos controversos,
como as características inquisitoriais do processo envolvendo crianças e adolescentes, quando a
própria Constituição garantia ampla defesa ao maior de 18 anos.
O referido código não dispunha acerca do princípio do contraditório. Outro fato que
pode exemplificar tal distorção é a existência de “prisão cautelar” para os menores de 18 anos,
pois, caso lhes fosse atribuída a autoria de uma infração penal, poderiam ser presos para fins de 15
verificação, o que constituía uma verdadeira afronta aos direitos da criança.7

Período democrático (1988 até os dias atuais)

Nesse período predomina uma grande mobilização da sociedade civil na tentativa de


contribuir para inserir na Constituição Federal (1988) os direitos humanos da infância e da
juventude, bem como materializar uma legislação especial que trate da criança e do adolescente
abandonado e infrator como sujeito de direitos, sendo o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990 (ECA/90) fruto dessa aspiração social.8
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 significou um grande avanço
nos direitos sociais, beneficiando, entre outros, a criança e o adolescente. Em 13 de julho de
1990 entrou em vigor a Lei n° 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA/90). Baseado na Doutrina da Proteção Integral, esse diploma legal veio pôr fim a situações
repressivas do Código de Menores de 1979 e a políticas da Funabem, além de tantas outras que
ameaçavam os direitos das crianças e dos adolescentes.
O Estatuto apresenta uma nova postura a ser tomada tanto pela família, pela escola e
pelas entidades de atendimento como pela sociedade e pelo Estado, objetivando resguardar os
direitos das crianças e dos adolescentes. Esse instituto será melhor examinado mais adiante.
Dessa forma, com uma análise sucinta da evolução histórica dos direitos das crianças
e dos adolescentes na estrutura brasileira, percebe-se que, ao longo dos anos, assiste-se a um
quadro de profundas desigualdades, que, apesar de diversos instrumentos criados no intuito de
minorá-las, somente tornou-se ainda mais complexo e diferenciado. As próprias decisões

7 MENDES, Emílio Garcia e COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Das necessidades aos direitos. São Paulo:
Malheiros, 1994, 127 p.

8 Idem, 132 p.
políticas (instrumentos criados), que deveriam atuar sobre a problemática, apenas resultaram em
uma cristalização ainda maior dessas desigualdades sociais.

1.5 A criança e o adolescente

16

Entende-se por direito da criança e do adolescente o conjunto sistemático de normas


coercitivas que regulam a conduta do homem, do Estado e da sociedade face à sua população
menor de 18 anos, qualquer que seja a faixa social ou econômica.
Muita gente não sabe diferenciar criança de adolescente. Assim, podemos dizer que a
criança é aquela que tem até 12 (doze) anos incompletos e adolescentes é a pessoa que tem
entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.

É proibido ao adolescente qualquer tipo de trabalho a menores de 14 (quatorze) anos,


a não ser como aprendiz, que é aquele que aprende uma profissão, dentro das normas da
legislação sobre educação.

Essa preparação do adolescente para uma profissão, que é a formação técnico-


profissional, não pode prejudicar a obrigação do adolescente de estudar em sua escola regular.
Além disso, o adolescente deve ter uma atividade técnico-profissional que não prejudique seu
desenvolvimento e um horário especial.

Com a edição da Lei 8.069/90 (ECA), de 13/07/90, a qual entrou em vigor em 12/10/90,
o Brasil mostra maturidade legislativa na questão da dignificação da pessoa humana desde a
tenra idade, com a valorização do ser, em condição peculiar de desenvolvimento, marco para a
construção de uma sociedade organizada, mais justa e capacitada a vencer os entraves
discriminatórios e de violência que ainda estão expostas as crianças e adolescentes. A
interpretação do Estatuto leva em conta os “fins sociais a que se dirige”:

• Exigências do bem comum;

• Direitos e deveres individuais e coletivos;


• Condição peculiar da criança e do jovem em desenvolvimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente adotou o mesmo sistema do art. 5 o da Lei de


Introdução ao Código Civil. Mas acrescentou, no art. 6o (que também deve ser considerado pelo
juiz), os direitos e deveres individuais e coletivos  na condição da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento.
17
Adapta também os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Infância à
realidade brasileira e regulamenta o artigo 227 da Constituição, que dispõe acerca dos direitos
da criança e do adolescente. Ao adotar a doutrina da proteção integral à criança e ao
adolescente, mudou radicalmente a orientação ao atendimento à população infanto-juvenil,
estendido, hoje, a todas as crianças e adolescentes do país, que é o respeito à dignidade da
pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas Leis.
Como vimos, o direito da criança e do adolescente guarda relação intrínseca com
outros ramos do Direito, como, por exemplo, afinidade com o Direito Internacional Público e
Privado, pois se baseou em Tratados e Convenções Internacionais. Também está presente
afinidade com o Direito Constitucional, porquanto nossa Lei Maior, de maneira inédita, proclama
uma série de direitos específicos da infanto-adolescência. Igualmente, há reflexos dos direitos
civis (adoção, maioridade, poder familiar, etc), penais (imputabilidade, crimes em espécie, etc) e
trabalhista (contrato de trabalho, direitos trabalhistas, etc).

No que tange às leis extravagantes, destaca-se a lei da ação civil pública,


imprescindível em se tratando da tutela dos interesses difusos. Verifica-se, ainda, o vínculo com
outras ciências não jurídicas, como, por exemplo, Sociologia e Psicologia.

A criança e o adolescente: um dos assuntos mais polêmicos na atualidade. Pelo


menos desde meados do século XIX, esse sempre foi um verdadeiro problema, o modo como
eram tratadas as crianças.

Do final do século XIX até 1945, muitos países industrializados lutaram para limitar ou
impedir o trabalho infantil, além de garantir as mínimas condições de escolaridade e atendimento
médico. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, teve início uma conscientização, em nível
mundial, de proteção às crianças.
Em 1946, a Assembleia Geral da ONU criou a Organização das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), iniciando um amplo programa de auxílio aos novos países. A mesma
Assembleia, já em 1948, inseriu na Declaração Universal de Direitos Humanos, a garantia à
educação, à saúde e à limitação do trabalho. Esses princípios, embora com algum atraso, estão
presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Será que, algum dia, os adultos compreenderão a importância de dar amor, carinho,
compreensão e apoio às crianças e aos adolescentes? Infelizmente não podemos responder a
18
essas perguntas com certeza, mas esperamos sinceramente que sim, pois essa é uma tarefa
muito importante e – por que não? – até vital.

O direito da criança e do adolescente situa-se na esfera do direito público, uma vez


que o Estado tem como missão precípua a proteção e a reeducação (em caso de desvio) dos
futuros cidadãos. A função estatal, portanto, é protecionista e ordenadora.

Consigna-se que, seguindo a distinção romana, as normas do ECA constituem ius


cogens (direito ou norma cogente = de observância obrigatória. Por exemplo, a adoção somente
pode ser obtida mediante sentença judicial), ao contrário das normas de direito privado em geral,
as denominadas ius dispositivum (direito ou norma dispositiva = que fixa regra jurídica sem
coagir. Por exemplo: via de regra, não há impedimento a que alguém faça uma doação).

Portanto, a normatização do direito da criança e do adolescente tem por objeto


considerá-los sujeitos de direito e afirmar sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
sendo esta a essência do ECA, haja vista que o legislador preocupou-se sobremaneira em não
permitir ofensas a essa característica, de modo a evitar prejuízo ao futuro de cada um (art. 69.I e
art. 71, ECA).

Para isso é preciso seguir alguns princípios básicos, tais como:

 Universalização
São sujeitos de direito perante o ECA todo e qualquer menor, independentemente de
faixa social ou econômica. Abandonou-se, assim, a distinção que fazia o Código de Menores,
voltado basicamente para aqueles que se encontrassem em situação irregular.

 Humanização
O art. 5° do ECA dispõe que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência/discriminação/exploração/violência/crueldade e opressão, sujeito a punição
qualquer atentado de tais direitos, em outras palavras, humanizou o tratamento aos menores.

 Desjudicialização
Para a administração da justiça de menores dispõe que deve-se procurar o tratamento
adequado ao infrator menor, sem recorrer ao processo judicial.
19
 Despolicialização
Em regra, problemas de menores não é caso de polícia, mas sim questão social. Por
isso, antes de qualquer envolvimento policial, deve-se procurar resolver por intermédio de
Conselhos da Criança, Conselho Tutelar, Comissário da criança e do adolescente e outros.

 Participação coletiva
É dever da família/comunidade/sociedade em geral e do Estado assegurar; com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais da C. A.
2 PROTEÇÃO SOCIAL E JURÍDICA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

Para uma análise mais profunda do problema da infância


carente no Brasil, torna-se necessário recorrermos a subsídios
anteriores à nossa colonização, pois a situação da família, e
consequentemente dos filhos, é digna de atenção desde quinze ou 20
vinte séculos antes de Cristo e já aparece nas civilizações romana e
helênica.
Anísio Garcia Martins, ao buscar informações na Cidade
antiga, de Fustel de Coulanges, esclarece que:

“Desde aquelas duas antigas civilizações que herdamos, no mundo


ocidental, as mais importantes instituições políticas, jurídicas e
sociais, a família e os filhos já tinham, como proteção especial, as
normas instituidoras, como uma necessidade do culto familiar para
preservação dos ritos de “Lares Manes”, ou deuses domésticos, na
concepção de que este culto familiar lhes preservaria a imortalidade,
pois os pais e os avós mortos tornavam-se deuses domésticos, e a
continuidade da família pertencia aos filhos, especialmente do ramo
masculino”.1

Outras obras relativamente recentes têm fornecido subsídios acerca da relação familiar
ao longo da história.2 Sem dúvida foi a partir do século XVIII que surgiram na Europa mudanças
radicais que influíram na história da criança. Levantamentos demográficos realizados naquele
período levaram a considerar as crianças abandonadas e as prostitutas como forças de
produção potenciais, visando, sobretudo, à promoção de colônias. Chamousset esclarece que
“as crianças abandonadas não conhecem outra mãe senão a pátria; daí a importância do Estado
em conservá-las”.3

1 MARTINS, Anísio Garcia. Direito do menor. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1988, 26 p.

2 ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. SHORTER, E. La
naissance de la famile modeme. Paris: Seuil, 1977.

3 CHAMOUSSET, H. apud BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado – o mito do amor materno. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1988, pp. 12 e ss.
Elucida ainda que o Estado deve esforçar-se para manter vivas essas crianças
abandonadas, cuidar de sua higiene e do aleitamento artificial para que sobrevivam. Seria
inclusive isenta do serviço militar a aldeia que quisesse cuidar dessas crianças até que
entrassem para o exército, quando seriam obrigadas a servir até 25 ou 30 anos, substituindo o
marinheiro e o soldado, que custavam mais para o Estado do que o custo anual de uma criança.
Como se vê, a criança era um valor mercantil em potencial.4
O discurso da igualdade e da felicidade de Rousseau, nessa época, ressaltava a
preocupação em relação à criança e ao poder dos pais, a partir da ideia da família como única 21
sociedade natural. Já Voltaire demonstrava o interesse do homem pela felicidade; não se
esgotava como uma questão individual, mas diante da possibilidade de vivê-la na coletividade.
Nesse passo, todas essas ideias – consideradas num apanhado superficial – impuseram
modificações políticas e sociais consideráveis na Europa daquele período.

2.1 A Proteção nos Primeiros Séculos

As ideias do século XVIII só chegaram efetivamente ao Brasil no final do século XIX e


no início do século XX. Até então, o pobre era prioridade exclusiva da Igreja Católica e um de
seus instrumentos de poder. Arthur Moncorvo Filho, em obra exemplar sobre a proteção da
infância no Brasil, nos primeiros séculos que se seguiram à colonização, ressalta alguns
aspectos importantes:

“Na história do período colonial surgem, com algumas ideias adiantadas destoando
da absoluta apatia pela sorte da criança, os vultos memoráveis de Nóbrega,
Anchieta e tantos outros discípulos de Loyola, na esforçada empreitada de
catequese dos selvagens, tão criticada por Oliveira Martins e vários outros
escritores. Fundando, no entanto, em nosso território as primeiras escolas e
empenhando-se na civilização das populações embrutecidas, a catequese foi obra
de caridade dos jesuítas. Meio século ainda não se havia passado da chegada ao
Brasil da missão apostólica de Anchieta e já quase todo o litoral, desde
Pernambuco até São Vicente, estava povoado por índios domesticados e
convertidos, já havendo sacerdotes convertidos, deles, mais de cem mil. Eram
criadas aldeias e nelas se ensinava as crianças a ler e escrever, assim se
multiplicando as escolas [...]. Reza a história que aos jesuítas se deve a criação e,
por espaço de dois séculos, quase exclusivamente, a manutenção do ensino público
no Brasil [...]. Seu primeiro ato, ao aportar às nossas plagas, foi, como se sabe,
fundar em 1549, na Bahia, um colégio. Em 1551, esse colégio já funcionava com 20

4 Ibidem.
meninos. Foi aí que, em 1622, recebeu instrução o notável Padre Antônio Vieira [...].
Segundo dizem os historiadores, as congregações religiosas se constituíram as
grandes promotoras da instrução da mocidade e da educação da infância desvalida.

Nesse intuito colaboraram os lazaristas, jesuítas, salesianos e redentoristas, e os


Claustros de São Bento, dando ao Brasil uma plêiade de homens eminentes, de
mestres em ciência e artes, graças à educação e instrução ali recebidas [...]. Sob o
manto do catolicismo continuava a desenvolver-se a beneficência, fundando-se
instituições que acolhiam os peregrinos e, como as antigas albergarias, protegiam
os pobres, curavam os doentes, enterravam os mortos, adotavam e ensinavam os
órfãos desvalidos, etc. À custa de piedosas esmolas, imploradas de porta em porta,
instalavam os seminários dos órgãos da Bahia e de Itu, seguidos dos de
Jacuecanga e do Caraça”.5 22

O ano de 1693 foi marcado pela demonstração oficial de proteção direta à infância.
Floro de Araújo Melo lembra este fato ao ressaltar que

“O governador Antônio Paes de Sande informara ao rei sobre o estado em que


ficavam os enjeitados na cidade do Rio de Janeiro, morrendo ao abandono. O rei
determinou providência à Câmara, a qual, alegando falta de recursos, apelou à
Santa Casa, que, já então, atendia aos que eram deixados à sua porta ou eram
órfãos de falecidos nas enfermarias”.6

O mesmo autor destaca, ainda:

“Em 1734, Ignácio da Costa Mascarenhas, vigário colado na freguesia


da Candelária do Rio, desejando ‘aliviar este drama’, solicitou licença
para o acolhimento de trinta órfãos e pobres para viverem em
clausura até tomar o estado sob o beneplácito do bispo. Como o
governador José da Silva Paes exigiu que a Casa ficasse sujeita à
fiscalização do governador, não do bispo – com o que não concordou
o vigário – a ideia não foi adiante”.7

As mudanças estruturais a partir do final do século XIX

5 MONCORVO FILHO, Arthur. Histórico da proteção da infância no Brasil. 1550/1922. Rio de Janeiro: Empresa
Gráfica Editora. 1923, p. 26-31.

6 MELO, Floro de Araújo. A história da história do menor no Brasil. [editora particular], 1986, 27 p.

7 Idem.
Irmã Rizzini, em recente e esplêndido trabalho de pesquisa, A assistência à infância na
passagem para o século XX – da expressão à educação, focaliza, sobretudo, o conflito entre as
forças da caridade e da filantropia como uma disputa econômica e política pela dominação sobre
o pobre. Ela diz:

“A filantropia surge como um modelo assistencial que se apresenta


capacitado para substituir o modelo representado pela caridade.
Fundamentada pela ciência, a filantropia atribuiu-se a tarefa de
organizar a assistência no sentido de direcioná-la às novas exigências 23
sociais, políticas, econômicas e morais que nascem juntamente com a
República”.8

Os grupos comprometidos com as ideias filantrópicas acusam a caridade pela falta de


organização, de método de trabalho e de ordem nas iniciativas. A filantropia surge para dar
continuidade à obra de caridade, mas sob uma nova concepção de assistência. Não mais a
esmola que humilha, mas a reintegração social daqueles que seriam os eternos clientes da
caridade: os desajustados. A caridade vai reagir à crescente tendência filantrópica da
assistência, acusando as instituições de se distanciarem da palavra cristã.9
Segundo a referida autora, no início do século XX o Estado passa a intervir no espaço
social por meio do policiamento de tudo que seja causador da desordem física e moral e pela
ordenação desta sob uma nova ordem. Assinala Irma Rizzini: “Para tanto, importam-se novas
teorias e se produzem novas técnicas, as quais serviram de subsídio para a criação de projetos,
leis e instituições que integrem um projeto de assistência social, ainda não organizado em
termos de uma política social a ser seguida em nível nacional”.10
A infância pobre tornou-se alvo não só de atenção e de cuidados, mas também de
receios. Denunciou-se a situação da infância no país: nas famílias, nas ruas ou nos asilos, o
consenso é geral: a infância está em perigo. Mas há outro lado da questão, constantemente
lembrado pelos meios médico e jurídico: a infância “moralmente abandonada” é potencialmente
perigosa, já que, devido às condições de extrema pobreza, baixa moralidade, doenças, etc. de
seus progenitores, não recebe a educação considerada adequada pelos especialistas: educação
física, moral, institucional e profissional.

8 RIZZINI, Irma. A assistência à infância na passagem para o século XX – da repressão à reeducação. Revista
Fórum Educacional, 02/90. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 80 p.

9 Idem.

10 Ibidem.
Ciências como a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuíram com
teorias e técnicas para a formação de uma nova mentalidade de atendimento ao menor. A
mentalidade repressora começou a ceder espaço para uma concepção de reeducação, de
tratamento na assistência ao menor. Verificou-se o surgimento de um novo modelo de
assistência à infância, fundado não mais somente nas palavras da fé, mas também nas da
ciência, basicamente médica, jurídica e pedagógica.
A assistência caritativa e religiosa deu espaço ao desenvolvimento de um modelo de
assistência calçado na racionalidade científica, em que o método, a sistematização e a disciplina 24
têm prioridade sobre a piedade e o amor cristãos.11 Conclui Irmã Rizzini que “a luta de forças
entre a caridade e a filantropia foi antes de tudo uma disputa política e econômica pela
dominação sobre o pobre. Este, até o século XIX, pertencia ao domínio absoluto da Igreja. A
preocupação com a pobreza por parte das ciências, como a medicina, a economia, a sociologia,
a pedagogia e outras, permitiu tomarem para si diversos aspectos de pauperismos como objetos
de estudo. Dessa forma, forneceram às elites sociais e políticas os instrumentos que
possibilitavam a elas reclamarem entre si do domínio de uma situação que as ameaçaria
diretamente e que a Igreja mostrava-se incapaz de controlar”.12

2.2 As Instituições para a Criança e o Adolescente Desassistidos a Partir do Século XX

Estudos revelam que, até 1930, as instituições educacionais tinham sua preocupação
voltada ao caráter moral e religioso. Mais uma vez, Irmã Rizzini, reportando-se aos
ensinamentos de Moncorvo Filho, lembra que os asilos “mantidos pela caridade religiosa e, em
menor escala, pelo Estado” passaram a sofrer críticas negativas ligadas à mortalidade infantil em
tais instituições, à educação “quase que exclusivamente religiosa, o tratamento repressivo e não
especializado dos menores e o não-respeito aos preceitos da higiene”.13

11 Ibidem.

12 Ibidem.

13 RIZZINI, op. cit., 84 p.


Em sua análise sobre instituições caritativas do século XIX, a referida autora constata
“a existência de uma preocupação com a formação de mão de obra, como era o caso do preparo
para o trabalho doméstico nos asilos para meninas e o preparo de artesãos nos asilos para
meninos. No entanto, o objetivo era, antes, impedir a deterioração moral destes indivíduos, do
que profissionalizá-los”.14 Pelo exposto, nota-se que o objetivo moral se sobrepõe ao
econômico. E Rizzini continua: “No século seguinte, percebe-se o crescimento em importância
das perspectivas econômica e política da assistência, muito embora a justificativa moral se
mantivesse”.15 25
A religiosa destaca o Instituto João Pinheiro, colônia agrícola em Minas Gerais, como
um exemplo de crença dominante no início do século na superioridade da vida do campo sobre a
vida da cidade. Conclui seu trabalho observando que, na passagem do século,

“Os novos especialistas da infância, como os filantropos, as


autoridades públicas e científicas, almejam transformar os antigos
asilos considerados ineficazes, desorganizados e corruptores, em
instituições disciplinadas e disciplinadoras. Nestas, os preceitos da
higiene médica são obedecidos. A educação é dirigida para o trabalho
e o poder disciplinar atinge o efeito moral desejado da introjeção da
vigilância pelos internos. Tais técnicas de sujeição têm por objetivo
devolver à sociedade indivíduos produtivos, cientes de seus direitos e
deveres. A educação é concedida como o melhor instrumento para
alcançar a tão desejada adaptação do indivíduo ao meio social.
Preparação do corpo pela educação física; da mente pela educação
moral; do intelecto pela educação instrucional e o trabalho pela
educação profissional.16

Merece destaque também, como modelo de inúmeras instituições em todo o Brasil, o


Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, criado por Moncorvo Filho, que
consistiu em um projeto social voltado à infância pobre, a partir da perspectiva “a grandeza da
Pátria depende do preparo de uma gente sadia”.

14 Idem, 85 p.

15 Ibidem.

16 Idem, 93 p.
Proteção jurídica da criança e do adolescente a partir das primeiras décadas do século XX

Embora pretendamos, neste item, manter a mesma linha de divisão histórica, ou seja,
uma análise do amparo e da assistência à criança sob o prisma da população desassistida pelas
instituições e pelo Estado, cabe abrir parênteses para elucidar alguns aspectos da lei civil em
relação à família e à criança no período em análise.
O Código Civil, que entrou em vigor em 1917, era fruto de uma realidade social e
jurídica do final do século XIX, influenciada pelas modificações estruturais introduzidas pelo 26
Código de Napoleão na França e em toda a Europa no início do mesmo século. Assim, também
a lei civil sofreu, naquela época, mudanças estruturais, modificando fundamentalmente a tutela
do Estado em relação à família.
Ao classificar e distinguir os filhos como naturais, adulterinos e incestuosos, adotados,
legítimos e ilegítimos, e valorizar sobremaneira o pai ou o marido, ao outorgar a essa figura total
poder de decisão na família e na vida de seus membros, o Código Civil já apontava para
algumas situações que demonstravam o interesse da sociedade em resguardar as relações
familiares contra a violência.
Assim, a punição no caso de abuso do pátrio poder, as limitações legais, as atribuições
do tutor, a fixação de obrigação dos pais para com a família e a possibilidade de propor
investigação de paternidade são algumas conquistas que demonstraram um grande avanço para
a época.
Porém, em 1917, a nova lei civil destinava-se a uma classe de cidadãos de certa
camada social. Na prática, a tutela jurídica não atingia as famílias dos “mendigos”, dos
“vagabundos”, das “prostitutas”, dos negros recém-libertados. Os índios foram considerados por
essa lei relativamente incapazes, equiparados aos maiores de 16 anos e menores de 21 anos,
às mulheres casadas e aos pródigos.
Clóvis Beviláqua, comentando o art. 69 do Código Civil, refere-se ao Marquês de
Pombal, como quem primeiro reagiu diante das variedades de tratamentos destinados aos
índios:

“Ora os considerava à escravidão, ora lhes reconhecia o direito de


liberdade [...]. Na discussão do Código civil em 1913, retomando a
criação de José Bonifácio, a Câmara enfrentou o problema de
incorporação definitiva dos aborígines na sociedade brasileira [...],
eram parte integrante, mas de cujo convívio, não obstante, se
achavam afastados por circunstâncias, que era ocioso naquele
momento recordar”.17

Em 1916, foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), substituído, em 1967, pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Efetivamente, a sociedade de então valorizava a família
legítima, distinguindo-a, sobretudo, nos direitos patrimoniais, e o restante considerado como
enjeitados ou “párias” desta sociedade. “Perfilhar” um filho ilegítimo ou mesmo promover
geralmente uma adoção era privilégio jurídico de poucos.
Outros aspectos legais relativos à criança merecem igual análise, haja vista as 27

conquistas constitucionais a partir da independência e, posteriormente, a partir de 1943, a


tematização da proteção do trabalho infanto-juvenil. Optamos por limitar este trabalho a uma
visão histórica de nossa legislação relativa à tutela da infância e da adolescência, em especial
aos “desassistidos” e “abandonados” e aqueles considerados “infratores”. Marcelo Gantus
Jasmim lembra que:

“Tanto o Código Penal de 1830, promulgado pelo Império, quanto o


Código Penal de 1890, o primeiro da República, continham medidas
especiais prescritas para aqueles que, apesar de não terem atingido a
maioridade, tivessem praticado atos que fossem considerados
criminais. Os cânones informadores de ambos os códigos, naquilo
que diz respeito especificamente ao tratamento do menor, parecem-
se bastante, deixando-nos perceber apenas diferenças na concepção
que define as diversas idades da infância. O que organizava estes
códigos era uma “Teoria da Ação com Discernimento”, que imputava
responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa de sua
consciência em relação à prática da ação criminosa”.18

Código Mello Mattos de 1927 (Decreto 17.943-A de 12/10/1927)

Como reconhecimento ao autor do projeto que estabeleceu suas bases, o Código


Mello Mattos – como ficou conhecido – representou o primeiro Código Sistemático de Menores
do País e da América Latina. José Cândido de Albuquerque Mello Mattos foi o primeiro juiz de
menores do Rio de Janeiro, destacando-se, na época, ainda, como professor do Colégio Pedro II
e da Faculdade de Direito, como deputado federal e diretor do Instituto Benjamim Constant.

17 BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado. Rio de Janeiro: Rio, 1975. 192 p.

18 JASMIM, Marcelo Gantus. Para uma história de legislação sobre o menor. Revista de Psicologia, 4 (2), jul/dez
1986, 81 p.
Considerado como o “Apóstolo da Infância Abandonada”, deixou também um grande
acervo bibliográfico, além de ter criado alguns estabelecimentos de assistência e proteção à
infância abandonada e delinquente.19 Tal código representou uma iniciativa precursora dentro
da legislação brasileira, destacando-se pela assistência aos menores de 18 anos. Ao definir, no
Capítulo 1, o objeto e a finalidade da lei, o Código de Menores de 1927 teve uma visão
correspondente aos conceitos então vigentes, abrangendo em um mesmo entendimento o
“menor abandonado” e o “menor delinquente”, embora pretendendo oferecer a um e a outro
“assistência e proteção”. No art. 26, agrupou em oito situações os menores abandonados com 28
menos de 18 anos.
Ao atentar para as situações da criança de menos de dois anos “entregue para criar
fora da casa dos pais”, e dos menores “expostos até sete anos de idade em estado de
abandono”, apresentou uma primeira perspectiva de integração e acalentou o propósito de evitar
o abandono pela mãe, mediante conselho e, ao mesmo tempo, o sigilo que deveria revestir o
processo de recolhimento.
Além disso, ao voltar suas vistas para os menores abandonados (arts. 53 e seguintes),
o Código Mello Mattos estabeleceu medidas relativas a seu recolhimento e seu encaminhamento
a um lar, seja o dos pais, seja o de pessoa encarregada de sua guarda. No que se refere ao
menor delinquente (arts. 68 e seguintes) na faixa etária de 14 anos, proibiu que fosse submetido
a processo penal de qualquer espécie. Em um avanço para a sua época, mandou que se tivesse
em vista o estado físico, moral e mental da criança, bem como a situação social, moral e
econômica dos pais.
Legislou a propósito da “liberdade vigiada” (art. 92), que tinha em vista os casos de
menores delinquentes, que deveriam permanecer sempre em companhia dos pais, tutor ou
curador, ou ainda aos cuidados de um patronato, mas sob a vigilância do juiz.
Ao dispensar a “pesquisa de discernimento” da legislação penal anterior, em seu artigo
69, §2°, estabeleceu que, se o menor não fosse abandonado, nem pervertido, nem estivesse em
perigo de ser, a autoridade o recolheria a uma escola de reforma pelo prazo de um a cinco anos.
Em caso afirmativo, ou seja, se fosse abandonado, pervertido ou estivesse em perigo
de ser (art. 69, §3°), a internação seria por “todo o tempo necessário à sua educação entre três a
sete anos”. Portanto, ser abandonado ainda representava um agravamento da pena, impondo,
ao adolescente, até sete anos de reformatório.

19 GUSMÃO, Saul de. Assistência a menores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. p. 208-14.
Sem descer às minúcias de cada caso, pode-se falar que o Código Mello Mattos
representou a abertura de uma visão legislativa sobre o problema da criança e do adolescente
em todos os seus aspectos. Antecedente das grandes medidas tomadas pelos Organismos
Internacionais, não obstante os defeitos naturais em um diploma pioneiro, é lícito apontá-lo como
código precursor, o qual colocou o Brasil na vanguarda dos países latino-americanos e preparou-
o para enfrentar a questão da infância desassistida, agravada pela problemática social, neste
último meio século.
Após a promulgação do Código Mello Mattos, inúmeros decretos e decretos-lei se 29
seguiram visando à proteção especialmente do “menor infrator”, e já aparecem leis especiais de
proteção ao trabalho na infância e na adolescência. Nesse momento, vale abrir parênteses para
complementar o que foi dito anteriormente: normalmente a legislação especial da época em
relação ao “menor infrator” o confundia com os menores abandonados em geral, a exemplo do
Decreto-lei 6.026, de 24 de novembro de 1943. Tal consideração decorria simplesmente da
inadaptação ou do desajuste social. Francisco Pereira Bulhões de Carvalho, ao comentar o
referido Decreto-lei, observa que:
“São três os defeitos apresentados neste sistema legal: a) classifica os ‘menores’
conforme tenham ou não praticado infração penal, quando os deveria distinguir apenas quanto
ao grau de desajuste; b) não coloca os infratores sem temibilidade entre os menores
abandonados; c) não inclui entre os menores que carecem de medidas especiais de reeducação
os gravemente desajustados, ainda que não infratores”.20
Também a preocupação com o trabalho do menor já aparecera no Código Mello
Mattos, limitando a idade mínima de trabalho aos doze anos, além de proibir o trabalho noturno
aos menores de 18 anos. O Decreto-lei n° 5.452, de 19 de maio de 1943, que aprovou a CLT,
nela incluiu as normas de proteção ao trabalho do menor. O Decreto-lei n° 31.546, de 06 de
outubro de 1952, mudou especialmente o conceito do empregado aprendiz.
Data de 5 de novembro de 1941 o Decreto n° 3.779, que criou o Serviço de
Assistência a Menores (SAM), em substituição ao Instituto Sete de Setembro, com atribuição de
prestar, em todo o território nacional, amparo social aos “menores desvalidos e infratores”. Por
seus métodos inadequados de atendimento e estrutura sem autonomia, o SAM ficou marcado
como um sistema caracterizado também pela repressão institucional.
Diante do clamor público, em 1964 foi criada a Fundação Nacional de Bem-Estar do
Menor (Funabem), pela Lei n° 4.513, de 19 de dezembro de 1964, com o objetivo de fixar as

20 CARVALHO, Francisco P. Bulhões de. Direito do menor. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 40-41.
diretrizes fundamentais da política nacional do bem-estar do menor. O novo sistema,
subordinado moralmente à presidência da República, propunha substituir a repressão e a
segregação por programas educacionais. Fundada como uma entidade normativa previa
ramificações nos estados e municípios por meio das Febem’s.
Em 1974, com o advento do Decreto n° 74.000, de 1° de maio de 1974, vinculou-se ao
Ministério da Previdência e Assistência Social. Escapando, porém, das propostas originalmente
previstas, outras agravantes, decorrentes da política administrativa e social, levaram a Funabem
a atuar diretamente, como agente, desviando-se das políticas de atendimento inicialmente 30
previstas.
Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 12 de outubro de
1990 (Lei n° 8.069/90), a Funabem foi transformada em Fundação Centro Brasileiro para a
Infância e Adolescência (FCBIA).

Código de Menores de 1979

O Código de Menores de 1979 (Lei 6.667, de 10 de outubro de 1979) adotou a doutrina


jurídica de proteção do “menor em situação irregular”, que abrange os casos de abandono,
prática de infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou representação legal, entre
outros. Vale lembrar que a lei de menores era instrumento de controle social da infância e do
adolescente, vítimas de omissões da família, da sociedade e do Estado em seus direitos
básicos.
O Código de Menores não se dirigia à prevenção; cuidava do conflito instalado. Por
sua vez, o juiz de menores atuava diretamente na prevenção de segundo grau, por meio da
política de costumes, proibição de frequência em determinados lugares, casas de jogos, etc.
Paulo Lúcio Nogueira esclarece, comentando o art. 2° – que classifica em seis
categorias a “situação irregular” –, que “se trata de situações de perigo que poderão levar o
menor a uma marginalização mais ampla, pois o abandono material ou moral é um passo para a
criminalidade”. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que, em alguns casos, a situação do
menor é decorrente da própria situação familiar, seja pelo estado de pauperismo (abandono
material), seja em virtude de riqueza (desvio de conduta).21 Por mais de dez anos em vigor, o
Código de Menores procurou atender à situação da época da forma mais condizente possível
com a Lei Maior.

21 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários ao código de menores. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 13-4.
2.3 Princípio constitucional de proteção

2.3.1 Direitos Fundamentais

Entre os chamados direitos humanos fundamentais,


encontram previsão legal nos arts. 1º e 55 da Carta das
Nações Unidas os princípios da autodeterminação dos povos, 31
da não-discriminação e da promoção da igualdade. De
acordo com o primeiro deles, a autodeterminação dos povos,
o direito dos povos à livre determinação, é um requisito prévio
para o exercício de todos os direitos humanos fundamentais.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a criança assume importância
especial junto à nossa sociedade, a Constituição Federal no seu artigo 227, e dispõe o seguinte:

“É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e


ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

2.3.2 Direitos e garantias fundamentais

Os direitos e garantias individuais foram ganhando cada vez mais espaço desde a
Revolução Francesa. Como dito anteriormente, o art. XVI da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, trazendo um freio ao poder absolutista do Estado, trouxe a previsão de que
“qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não está em segurança, nem a separação
dos poderes determinada, não tem Constituição”.
Os primeiros a surgir foram os relacionados às liberdades básicas, como o direito à
vida e o direito de ir e vir, que são os direitos de primeira geração, ou de primeira dimensão. Os
direitos de primeira geração exigem principalmente atitudes negativas do Estado, um não fazer,
uma abstenção (status negativus). Não se pode, por exemplo, punir um criminoso com a pena de
morte porque estaria ferindo o direito básico da vida. Esses direitos são os direitos civis e
políticos.
Logo após esse primeiro movimento, com a emergência de revoltas sociais dos
trabalhadores, surgiram os direitos sociais, econômicos e culturais, que são os direitos de
segunda geração, ou de segunda dimensão. Tais direitos, ao contrário dos primeiros, exigem
uma prestação positiva do Estado, um fazer, uma ação.
Por fim, com o fortalecimento das instituições democráticas e da sociedade sugiram os
direitos relativos a um meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida, à paz e outros interesses 32
difusos que são os de terceira geração, ou seja, direitos pertencentes à sociedade como um todo
(direitos coletivos em sentido lato). Para fins didáticos, as três gerações de direitos e garantias
fundamentais podem ser relacionadas, respectivamente, com os três direitos reivindicados pela
Revolução Francesa: Liberdade - 1ª geração, Igualdade - 2ª geração e Fraternidade - 3°
geração.
Para alguns, os direitos de quarta geração seriam aqueles relacionados à engenharia
genética e aos seus avanços. Para outros, esses direitos seriam os nascidos com a
globalização. Por fim, parte da doutrina identifica nos direitos de quarta geração, direitos
republicanos, que traduzem a capacidade de o indivíduo atuar de forma ativa na construção das
políticas públicas, por meio, por exemplo, dos conselhos.
Em suma, o artigo 5° da Constituição Federal e outros, como, por exemplo, o artigo
227, diz que a criança e o adolescente devem receber um tratamento especial e prioritário, até
chegar aos 18 anos, com socorro em primeiro lugar, ser atendido primeiro pelos órgãos públicos
de qualquer poder. Ela fala em absoluta prioridade. Claro, o direito penal não podia ficar de fora;
trata-se de um direito que surge quando se faz necessária uma maior proteção a bens jurídicos
que são importantes para viver em sociedade.
Entre estes bens jurídicos temos a vida, o patrimônio e, atendendo ao preceito
constitucional, a criança e o adolescente, que merece receber proteção: a tutela do direito penal.
Ou seja, é um bem tão importante que não só a Constituição Federal dedica um artigo e impõe a
absoluta prioridade, mas o direito penal é chamado para intervir no sentido de dar a essa criança
ou adolescente uma proteção mais efetiva, mais eficaz.
Como vocês sabem, o direito penal não atua onde não se faz necessário, e é claro que
se viu a necessidade de reforço à criança e ao adolescente. No ponto de vista da sua integridade
física, moral, da honra, da saúde, no ponto de vista dos seus bens mais importantes.
O princípio da não discriminação, por sua vez, determina que o pleno exercício de
todos os direitos e garantias fundamentais pertence a todas as pessoas, independentemente de
raça, sexo, cor, condição social, genealogia, credo, convicção política, filosófica ou qualquer
outro elemento arbitrariamente diferenciador. Para Flávia Piovesan:

“Discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha


por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício,
em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos
campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Logo, a discriminação significa sempre desigualdade”.22

Conforme determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qualquer espécie


33
de discriminação deve ser destruída, extirpada, de modo a assegurar, a todos os seres
humanos, o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Até
mesmo nossa Magna Carta, em seu art. 5º, inciso XLI, determina que “a lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

2.3.3 Direitos humanos

A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos


fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque, sem
eles, a pessoa não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar
plenamente da vida.
Todos os seres humanos devem ter assegurado, desde o nascimento, as mínimas
condições necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a
oportunidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse
conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais dos seres
humanos à capacidade natural de cada pessoa poder valer-se como resultado da organização
social. É a esse conjunto de valores que se dá o nome de direitos humanos.
Para entendermos, com facilidade, o que significam tais direitos, basta dizer que
correspondem a necessidades essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades
que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa

22 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. [S.l.: s.n.], [20--].


possa viver com dignidade. Assim, por exemplo, a vida é um direito humano fundamental,
porque, sem ela, a pessoa não existe. Então, a preservação da vida é uma necessidade de
todas as pessoas humanas. Mas, observando como são e como vivem os seres humanos,
percebe-se a existência de outras necessidades que são também fundamentais, como a
alimentação, a saúde, a moradia, a educação e tantas outras coisas.
Todas as pessoas nascem essencialmente iguais e, portanto, com direitos iguais.
Porém, ao mesmo tempo em que nascem iguais todas as pessoas nascem também livres. Essa
liberdade está dentro delas, com sua inteligência e sua consciência. É evidente que todos os 34
seres humanos acabarão sofrendo a influência da educação que receberem e do meio social em
que viverem, mas isso não elimina sua liberdade essencial. É por isso que muitas vezes uma
pessoa mantém um modo de vida até certa idade e depois o transforma completamente,
mudando consciente e livremente o rumo de sua vida.
Os direitos humanos fundamentais independem de sexo, local de nascimento, cor da
pele, classe social e econômica, como também não consideram o nome de família, a profissão, a
preferência política ou a crença religiosa: foram feitos para todos os seres humanos. E esses
direitos continuam existindo mesmo para aqueles que cometeram ou praticam atos que
prejudiquem as pessoas ou a sociedade. Nesses casos, aquele que perpetrou o ato contrário ao
bem da humanidade deve sofrer a punição prevista em uma lei já existente, que respeita os
direitos da pessoa humana.
Não pode haver coisa mais valiosa do que o ser humano. Por suas características
naturais, e por serem mais do que uma simples porção de matéria viva, as pessoas são dotadas
de inteligência, consciência e vontade, e sua dignidade as coloca acima de todas as coisas da
natureza. Mesmo as teorias chamadas materialistas, que não aceitam a espiritualidade da
pessoa humana, sempre foram forçadas a reconhecer que existe em todos os seres humanos
uma parte não-material, uma dignidade inerente à condição humana, e a preservação dessa
dignidade faz parte dos direitos humanos.
O crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se
forem obtidos à custa de ofensas à dignidade de seres humanos. O sucesso político ou militar de
uma pessoa ou de um povo, bem como o prestígio social ou a conquista de riquezas, nada disso
é válido ou merecedor de respeito se for alcançado mediante afronta à dignidade e aos direitos
fundamentais dos seres humanos.
No ano de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que diz, em seu artigo 1°, que “todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direito”. Além disso, segundo essa Declaração, todos
devem agir, em relação uns aos outros, “com espírito de fraternidade”. A pessoa consciente do
que é e do que os outros são, a pessoa que usa sua inteligência para perceber a realidade, sabe
que não teria nascido e sobrevivido sem o amparo e a ajuda de muitos.
E todos, mesmo os adultos saudáveis e muito ricos, podem facilmente perceber que
não podem dispensar a ajuda constante de muitas pessoas para conseguirem satisfazer às suas
necessidades básicas. Existe, portanto, uma solidariedade natural, que decorre da fragilidade da
pessoa humana e que deve ser completada com o sentimento da solidariedade.

35

2.4. Conceito de direitos humanos

A expressão direitos humanos já revela, claramente, seu significado. Direitos humanos


são os direitos do homem. Trata-se de direitos que visam resguardar os valores mais preciosos
da pessoa humana, ou seja, direitos que visam proteger a solidariedade, a igualdade, a
fraternidade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana. No entanto, apesar de facilmente
identificado, a construção de um conceito que defina seu significado não é tarefa fácil, em razão
da amplitude do tema. Vejamos quais são os conceitos elaborados pelos estudiosos da área:

Direitos humanos são as ressalvas e as restrições ao poder político ou as imposições a


este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos,
destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser
humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e
consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais.
Os direitos humanos colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias
a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a
limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana.
Direitos humanos são uma ideia política com base moral e estão intimamente
relacionados com os conceitos de justiça, igualdade e democracia. Eles são uma expressão do
relacionamento que deveria prevalecer entre os membros de uma sociedade e entre indivíduos e
Estados. Os direitos humanos devem ser reconhecidos em qualquer Estado, grande ou
pequeno, pobre ou rico, independentemente do sistema social e econômico que tal nação
adota.23
De nossa parte, sem desmerecer os transcritos acima, consideramos elucidador o
conceito articulado por João Baptista Herkenhoff:

Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente,


entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo
fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade
que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma 36
concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a
sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.24

Direitos humanos provenientes da vontade divina; inerentes ao indivíduo, emanados do


poder do Estado; produto da luta de classes – são definições diferentes que encobrem
concepções diversas e até opostas. Sem dúvida, este é um tema muito discutido e polêmico, se
o abordarmos sem perder de vista a realidade social e política das sociedades capitalistas,
principalmente nos países de Terceiro Mundo. Muitos autores25 que se ocupam em discutir os
direitos humanos, em sua maioria, são da área do direito.
Direitos humanos é um tema muito amplo. Em nosso caso, alguns fatores motivaram a
delimitação deste estudo ao campo dos direitos infanto-juvenis, dos quais destaco dois: o
primeiro, porque, dentre tantos segmentos subalternizados, alijados do acesso à realização
plena de seus direitos como ser humano, a criança e o adolescente, por sua própria condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, caracterizam-se como o segmento mais vulnerável a
estas violações; o segundo se deve à minha experiência como profissional de Serviço Social no
campo da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Diante das inúmeras declarações, tratados e documentos internacionais de proteção
aos direitos humanos, pensa-se, de imediato, na posição do Brasil em relação aos acordos
internacionais. Nosso país assinou, em 1985, e ratificou, em 1992, a Convenção Americana de
Direitos Humanos; ratificou ainda o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e

23 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos humanos – a construção universal de uma utopia. São Paulo:
Santuário, 1997.

24 HERKENHOFF, João Batista. Curso de direitos humanos – gênese dos direitos humanos. São Paulo:
Acadêmica, 1994.

25 Cito alguns, como Norberto Bobbio (A era dos direitos); Ivo Lesbaupim (As classes populares e os direitos
humanos); João Ricardo Dornelles (O que são direitos humanos?); José Maria Gomes (Direitos humanos,
política e autoritarismo no cone sul).
Culturais, apesar de não aceitar ainda a competência da Corte Interamericana para julgar os
casos de violações cometidas no país.26
No entanto, pouco se vê de sua aplicabilidade na realidade social da maioria dos
brasileiros, como se estivéssemos a falar de duas espécies de ser humano: um abstrato, ao qual
se referem os documentos, e outro, real, ao qual tais preceitos não se aplicam.
Ao longo da história de nosso país, a solução para os problemas sociais sempre
esbarrou em um sistema político autoritário de manutenção de privilégios, que tem raízes na
própria formação de nossa sociedade.27 37
Nesse sentido, “todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou
indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a independência política ao golpe de
64, passando pela Proclamação da República e pela Revolução de 30), encontraram uma
solução ‘pelo alto’, ou seja, elitista e antipopular”,28 que não escondeu a intenção explícita de
manterem subalternizadas e reprimidas – de qualquer modo, fora do âmbito das decisões – as
classes e camadas sociais “de baixo”.
No Brasil, como em outros países colonizados, a transição para o capitalismo não se
deu pelas “vias clássicas”, ou seja, não conheceu insurreições populares hegemonizadas por
uma burguesia liberal, nem a extinção radical das antigas instituições políticas e sociais ou das
velhas formas de apropriação e exercício do poder.

26 Norberto Bobbio, em A era dos direitos, traduz muito bem a posição de diversos países neste trecho: “quando se
trata de anunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independente de maior ou menor poder de convicção
de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável,
começam as reservas e as oposições” (24 p.).

27 Ver em COUTINHO, Carlos N. e NOGUEIRA, Marco A. (org.). Gramsci e a América Latina. São Paulo: Paz e
Terra, 1993.

28 Idem, p. 106-7.
Sempre vivemos processos de modernização
excludentes, que consistem essencialmente em arranjos entre
frações de classes dirigentes e na permanente tendência a
excluir grande massa da população de uma participação tanto
das decisões políticas quanto dos benefícios da
modernização e do processo econômico. Esse tipo específico
de capitalismo brasileiro gerou um fenômeno extremamente
perverso de exclusão das grandes maiorias da vida 38
nacional.29
Na realidade brasileira, verifica-se o injusto contraste entre a
miséria absoluta da maioria dominada e a total riqueza da
minoria dominante, em um processo constante de violação dos direitos desta maioria.
Inicialmente, esse injusto contraste pode ser constatado no relatório entregue pelo
Itamarati à ONU para a Reunião da Cúpula sobre o Desenvolvimento Social, em Copenhague,
em março de 1995, que revela um quadro estarrecedor para um país que é o oitavo PIB do
mundo: na década de 1960, os 10% mais ricos da população ainda ganhavam 34 vezes mais do
que os 10% mais pobres. Hoje, esta diferença é multiplicada por 78 vezes, o que significa que os
10% mais pobres têm direito a apenas 0,8% do bolo nacional.30
Em um breve olhar, pode-se apontar um quadro marcado pela desigualdade em seus
aspectos fundamentais, com uma enorme distância entre o ideal do estado democrático e a
realidade brasileira. No sistema representativo, são muitas as distorções, os abusos de poder
econômico nas eleições, a desconformidade entre os programas partidários e as práticas
políticas, a infidelidade partidária e as “legendas de aluguel”, fatos que comprometem e frustram
o exercício dos direitos civis do cidadão, que acabam por desacreditar no processo eleitoral. Por
outro lado, a participação do cidadão nas decisões políticas tende a se resumir apenas a este
momento, pois, uma vez eleito, o representante se distancia do povo que o elegeu.
A aplicabilidade dos direitos humanos na realidade brasileira passa por estas relações
sociopolíticas entre cidadãos. Sua não-realização revela uma democracia sem concretização e
acirra as diferenças sociais e de classes existentes nessa sociedade. Ao estender a análise dos
aspectos sociais, políticos e econômicos que determinam a realização dos direitos humanos no

29 ABREU, Haroldo de. A trajetória e o significado das políticas públicas: um desafio democrático. [S.l.: s.n],
[20--].

30 MICHAHELLES, Kristina. Brasil, quadro estarrecedor. [S.l.: s.n.], [20--]. 29 p.


Brasil, pode-se constatar, de forma exemplificada, como se processam historicamente a
discriminação social dos subalternos, via crianças e adolescentes.
Quanto às relações trabalhistas, o Decreto-lei n° 1.313, de 1891, regularizou – em
limite de idade e carga horária – o trabalho de crianças e adolescentes absorvidos pelas
fábricas. Esta lei, que sequer foi regulamentada, não proibia o trabalho de menores, mas apenas
limitava a idade e as horas de trabalho para sua atuação.
Os empresários da época, defendendo o trabalho precoce, manifestaram-se
claramente contra a definição da idade mínima de 14 anos para o trabalhador, pois acreditavam 39
que a proibição do trabalho infantil perturbaria a então incipiente vida fabril. Posicionaram-se
ainda contrários ao limite de oito horas diárias de trabalho e à retirada de férias. A falta de
proteção trabalhista, marcante neste período, também era extensiva aos adolescentes,
justificada pela visão de que a delinquência e a vadiagem decorriam principalmente da não-
absorção da mão de obra livre.
O trabalho infantil ainda causa muitas controvérsias no que concerne aos direitos
humanos. Apesar de as convenções da OIT tentarem obter, de formas sucessivas, a
regulamentação universal sobre o trabalho infantil, vários países não ratificaram algumas das
convenções e recomendações. Nem o Brasil nem os EUA, por exemplo, ratificaram a convenção
e a recomendação sobre a idade para o trabalho infantil, datadas de 1973.
Por conta disso, alguns movimentos se fundamentam sobre os direitos humanos para
legislar sobre o trabalho infantil. O melhor documento sobre os direitos das crianças, após a
Declaração dos Direitos das Crianças de 1959, da ONU, é a Convenção sobre os Direitos da
Criança de 1989, também da ONU, ratificada por praticamente todas as nações. A Convenção
de 1989 é usada por muitos movimentos e programas internacionais na luta pela erradicação do
trabalho infantil e na promoção de todos os direitos humanos das crianças. Assim como a
educação é um dos direitos das crianças, o trabalho também é um direito humano.
A principal premissa desta convenção é a de que todas as crianças nascem com
liberdades fundamentais e direitos inerentes a todos os seres humanos. Em razão disso, este
tratado internacional de Direitos Humanos está transformando a vida de crianças e de suas
famílias ao redor do planeta. Atualmente, todos os países do mundo ratificaram a convenção, à
exceção dos EUA e da Somália.
No Brasil, a convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 14 de setembro de
1990 e inspirou a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Convenção dos Direitos
das Crianças da ONU reconhece, em seu art. 32, que toda criança tem o direito de ser protegida
de exploração econômica e de não executar qualquer trabalho que seja perigoso ou que interfira
em sua educação, que seja prejudicial à saúde ou ao seu desenvolvimento físico, mental,
espiritual, moral e social.

40
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

São os mesmos direitos de qualquer


pessoa humana, tais como o direito à vida e à
saúde, à educação, à liberdade, ao respeito e à
dignidade, à convivência familiar e comunitária, à 41
cultura, ao lazer e ao esporte, à profissionalização e
à proteção no trabalho. Esses direitos são
garantidos na Constituição Federal (art. 5°) e consignados no Estatuto.
O Estatuto começa a definir os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
Claro que ele começa a tratar do direito à vida e à saúde. Isto porque o direito fundamental
principal é o direito à vida, uma vez que os direitos que vêm depois são acréscimo.
A criança e o adolescente têm direitos a proteção à vida e à saúde, mediante a
efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existências (art. 7°). Para isso, a lei assegura, prevê
mecanismos de proteção desde a fase gestacional, por intermédio do SUS, o atendimento pré e
perinatal para a gestante, no sentido de garantir o nascimento harmonioso daquela criança.
Na articulação desses direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda os vem
enumerando e pontuando de forma clara, de modo a permitir o direito à vida e à saúde de
maneira harmoniosa. O legislador se preocupa com o desenvolvimento da criança. Desse modo,
vem pontuando situações específicas. Mesmo assim, vimos testemunhando uma situação
caótica.
Os hospitais, ao atenderem uma mãe prestes a ter um filho, são obrigados a guardar o
prontuário pelo prazo de 18 anos, porque o legislador estatutário sabe que a primeira condição
de um indivíduo é sua cidadania – a qual começa com seu registro de nascimento. E, muitas
vezes, é comum em nossa cultura deixarmos para registrar os filhos depois: porque estamos
esperando que o pai reconheça, ou esperando para melhorar a situação financeira; não importa,
temos inúmeras razões. E as providências que devem ser tomadas logo não o são. Ainda por
cima, com as enchentes, as inundações e os problemas de tempo, as mães acabam perdendo a
declaração de nascido vivo e deixam de registrar seus filhos.
Para evitar que as crianças não sejam registradas, a lei garante e obriga que os
hospitais guardem essa documentação por 18 anos. Desse modo, ao atingir essa idade, se a
pessoa ainda não foi registrada e se nasceu em hospital público, basta ir ao local em que nasceu
e requerer uma segunda via da declaração de nascido vivo e, então, poderá se registrar.
A preocupação do legislador vai além quando trata da vida e da saúde: quando do
nascimento, manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato permanência junto à mãe.
Isto porque é muito importante para o desenvolvimento de um bebê a presença da mãe. Conclui-
se que o ECA é uma lei sensível, voltada à saúde da criança.
No art. 11 do ECA também se assegura atendimento médico à criança e ao
adolescente, por meio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às 42
ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Não importa que sejam
infratores baleados, uma criança pobre ou um infrator de família rica, todos terão direito ao
mesmo tratamento.
O que a lei garante é um direito subjetivo da criança, mas o que vemos na prática é
que isso não existe. Há uma grande falta de interesse de nossos governantes e, podemos dizer,
também da população, que não cobra deles as providências cabíveis.
Suponhamos que a criança necessite de uma meia elástica, uma luva, um
medicamento, porque apresenta alguma doença e os pais não têm como comprar. Tem de haver
um programa junto à Secretaria de Saúde para garantir a essa criança os itens necessários.
Trata-se, como já se disse, de um direito subjetivo da criança ou do adolescente; não de favor do
Poder Público.
No art. 12, está previsto que os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão
proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável,
nos casos de internação da criança ou adolescente. Não se discute que a presença dos
pais/responsáveis é imprescindível, principalmente no caso de internação, pois a criança (ou o
adolescente) está fragilizada e o Estatuto garante esse direito.
No art. 13 temos que os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra
criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao conselho tutelar da respectiva
localidade, sem prejuízo de outras providencias legais.
A Constituição Federal, ao criar a responsabilidade em relação às crianças e aos
adolescentes, preceitua que o primeiro responsável é a família, depois vem a sociedade e, por
fim, o Estado. Se um médico, ao entrar em contato com uma criança, perceber que ela está
sendo vítima de maus-tratos, não pode omitir-se. Ao contrário. Esse profissional e o hospital são
obrigados a comunicar o fato ao Conselho Tutelar, que é o órgão criado pelo Estatuto com a
função de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. O Conselho Tutelar, então, vai
verificar o que está se passando com aquela criança ou adolescente.
No art. 14, temos que o Sistema Único de
Saúde promoverá, ainda, programas de assistência
médica e odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a
população infantil, e campanhas de educação
sanitária para pais, educadores e alunos. Na
verdade, nesse dispositivo, o único programa que o
governo implantou foi a vacinação infantil, mas com 43
relação à saúde bucal e à educação, até agora não
vimos providências. Para cobrar essas providências, precisamos de crescimento e
conscientização política.
Como prevê o art. 15, o segundo grande direito, depois da vida e da saúde, é à
liberdade. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como
pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição Federal e nas leis.
Podemos observar que essas garantias de direitos fundamentais são os mesmos de
qualquer pessoa humana. Apenas não se estendia às crianças e aos adolescentes, só passando
a sê-lo com a Constituição Federal. A garantia e a proteção desses direitos devem ser exercidas
ao se assegurar a seus beneficiários, quer pela lei, quer por qualquer outro meio, todas as
facilidades ao desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social, com dignidade e
liberdade.
Não se pode olvidar, contudo, que a pedra angular dos direitos infanto-juvenis encontra
assento na Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989, contemplando, entre seus 10 princípios, a base jurídico-
social da dignidade.

3.1 Histórico dos Direitos Humanos no Brasil e no Mundo

Em sua obra Curso de direitos humanos – gênese dos direitos humanos (vol. 1), João
Baptista Herkenhoff ensina que, utilizando-se a expressão direitos humanos como quaisquer
direitos atribuídos ao homem, pode-se encontrar o reconhecimento de tais direitos até mesmo na
Antiguidade. E cita, como exemplos, o Código de Hamurabi, no século XVIII a. C., na Babilônia;
os pensamentos do imperador do Egito, Amenófis IV, no século XIV a. C.; as ideias de Platão, na
Grécia, no século IV a. C.; o Direito romano, e várias outras civilizações e culturas ancestrais.
No entanto, o próprio Herkenhoff salienta que, não obstante já haver uma preocupação
com tais direitos, estes não possuíam uma “garantia legal”, de forma que eram bastante
precários em sua estrutura política, já que o respeito a eles dependia da sabedoria dos
governantes. Apesar desses fatos, tal contribuição não deixou de ser relevante na criação da
ideia dos direitos humanos. 44
Solicitamos a devida vênia para concordar apenas em parte com o autor supracitado,
quando este afirma não estar de acordo com a posição de certos doutrinadores em afirmar que a
história dos Direitos Humanos começou com “balizamento do poder do Estado pela lei”, por
entender que essa posição “obscurece o legado de povos que não conheceram a técnica de
limitação do poder mas privilegiaram enormemente a pessoa humana em seus costumes e
instituições sociais”.31
De fato, a preocupação com a proteção à integridade da pessoa humana remonta a
muitos e muitos séculos e faz parte da própria natureza humana, que busca o reconhecimento
de suas necessidades em prol de uma sociedade que garanta uma distribuição igualitária e justa.
Não se pode vincular algo que faz parte da natureza humana com as determinações da lei, que,
muitas vezes, nada têm a ver com justiça e muito menos com as limitações do poder estatal,
uma vez que a preocupação humana em relação à proteção de suas necessidades básicas
existe até mesmo antes de tais limitações legais. Além do mais, como bem enfatiza Herkenhoff.

“A simples técnica de estabelecer em constituições e leis a limitação do poder,


embora importante, não assegura, por si só o respeito aos direitos humanos.
Assistimos em épocas passadas e estamos assistindo, nos dias de hoje, ao
desrespeito dos Direitos Humanos em países onde eles são legal e
constitucionalmente garantidos. Mesmo em países de longa estabilidade política e
tradição jurídica, os Direitos Humanos são, em diversas situações concretas,
rasgados e vilipendiados.32

No entanto, em recente trabalho, “A homossexualidade brasileira face à Declaração


Universal dos Direitos Humanos”, tivemos a oportunidade de examinar que os primeiros marcos
da “internacionalização dos direitos humanos” foram constituídos pelos direitos humanitários,

31 Ibidem.

32 Ibidem.
que são os aplicados em hipóteses de guerra, tendo como escopo impor limites à atuação do
Estado e assegurar, dessa forma, a observância dos direitos fundamentais, de modo a proteger,
nesses casos, os militares fora de combate e as populações civis, regulando juridicamente o
emprego da violência no âmbito internacional e limitando, com isso, a liberdade e a autonomia
dos Estados.
Não estamos dizendo que a história dos Direitos Humanos tenha iniciado com a
limitação, pela lei, da autonomia estatal. O que ora afirmamos é que um dos primeiros marcos da
internacionalização dos Direitos Humanos constituiu-se nas limitações dos poderes do Estado, 45
de forma a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Além do direito humanitário, outro importante marco foi a Liga das Nações, criada após
a Primeira Guerra Mundial, com o intuito de promover a cooperação, a paz e a segurança
internacional, de forma a condenar as agressões externas contra a integridade territorial e a
independência política de seus membros.
Por meio de uma convenção da Liga das Nações, os Estados tinham o compromisso
de assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças, sendo
estabelecidas sanções econômicas e militares contra Estados que, porventura, viessem a violar
seus preceitos. Seu principal objetivo era “promover a cooperação internacional e alcançar a paz
e a segurança internacionais.
Junto com tais organizações estava, também, a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que deixou importantes contribuições para o chamado processo de internacionalização
dos direitos humanos. Criada após a Primeira Guerra Mundial para promover parâmetros
básicos de trabalho e bem-estar social tem entre um de seus objetivos regular a condição dos
trabalhadores em âmbito mundial.
Foi em meados do século XX, em decorrência da Segunda Guerra Mundial e com o
intuito de proteger os seres humanos das atrocidades do holocausto e das barbaridades
cometidas pelos nazistas contra os judeus, na Alemanha, que surgiram as mais profundas
preocupações no que concerne à proteção internacional dos direitos humanos. Preocupações
estas que consistiam em afirmar que a soberania estatal encontra-se limitada pelo respeito aos
direitos humanos, não sendo, portanto, totalmente absoluta.
E foi justamente essa preocupação que acabou por impulsionar o processo de
internacionalização dos direitos humanos, culminando com a criação de normas de proteção
internacional que possibilitaram a responsabilização do Estado no domínio internacional quando
as instituições nacionais se mostrarem falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos
humanos.
Podemos afirmar, portanto, que foi a Carta das Nações Unidas de 1945 que
internacionalizou os Direitos Humanos. No entanto, apesar de conter, em seu bojo, normas que
determinavam a importância de se defender, promover e respeitar os direitos humanos e as
liberdades fundamentais, ela não definiu o conteúdo dessas expressões, que só vieram a ser
deliberadas com precisão com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em
1948.

46
3.2 A história dos direitos humanos no Brasil

A história dos Direitos Humanos no Brasil está


vinculada, de forma direta, com a história das constituições
brasileiras. Portanto, para discorrermos acerca de tal assunto,
abordaremos, sucintamente, a história das várias Constituições
no Brasil e a importância que as mesmas atribuíram aos
direitos humanos. A primeira Constituição brasileira – a
Constituição Imperial de 1824 – provocou o repúdio de
inúmeras pessoas. Essa Constituição, outorgada após a
dissolução da Constituinte, razão de sua rejeição em massa,
acarretou protestos em vários estados brasileiros, como em
Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Várias das reivindicações de liberdade da época culminaram com a consagração dos


direitos humanos pela referida Constituição, que, apesar de autoritária (por concentrar uma
grande soma de poderes nas mãos do imperador), revelou-se liberal no reconhecimento dos
direitos.
De acordo com a Constituição Imperial Brasileira de 1824, a inviolabilidade dos direitos
civis e políticos tinha por base a liberdade, a segurança individual e, como não poderia deixar de
ser, a propriedade (valor, de certa forma, questionável). Em 24 de fevereiro de 1891 foi
promulgada a primeira Constituição republicana, que tinha como objetivo, como ensina
Herkenhoff, “corporificar juridicamente o regime republicano instituído com a Revolução que
derrubou a coroa”.33
Foi esta Constituição que instituiu o sufrágio direto para a eleição dos deputados,
senadores, presidente e vice-presidente da República. No entanto, determinava também que
os mendigos, os analfabetos e os religiosos não poderiam exercer tais direitos políticos. Além
disso, aboliu a exigência de renda como critério de exercício dos direitos políticos.

Todavia, o sufrágio direto, estabelecido pela Constituição de 1891, não modificou as


regras de distribuição do poder, já que a prioridade da força econômica nas mãos dos 47
fazendeiros e o estabelecimento do voto contribuíram para que os proprietários rurais pudessem
manipular os mais fracos economicamente, de acordo com seus interesses políticos. É possível,
contudo, afirmar que a primeira Constituição republicana já ampliara os direitos humanos,
mantendo, ainda, os já consagrados pela Constituição Imperial de 1824.
Em 1926, com a reforma constitucional, tentou-se, inicialmente, remediar os abusos
praticados pela União, em virtude das intervenções federais ocorridas nos estados. Todavia,
podemos assinalar que essa reforma não atendeu, integralmente, à exigência daqueles que
entendiam que a Constituição de 1891 não se mostrava adequada à instauração concreta de um
regime republicano no Brasil.
A Revolução de 1930 provocou um total desrespeito aos direitos humanos, que foram
praticamente esquecidos. Houve a dissolução do Congresso Nacional e das Câmaras
Municipais; as franquias constitucionais foram suspensas; os juízes perderam suas garantias; e
o habeas corpus ficou restrito a réus ou acusados em processos de crimes comuns. Muitos
protestaram, desencadeando a Revolução Constitucionalista de 1932, o que gerou a nomeação,
pelo governo provisório, da Comissão do Itamaraty, voltada à elaboração de um projeto de
Constituição.
A censura à imprensa, aí contida, acabou por restringir a participação popular. No
entanto, a despeito da apontada censura, a Constituição de 1934 estabeleceu algumas franquias
liberais, quais sejam: a determinação para que a lei tivesse o condão de prejudicar o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; o veto à pena de caráter perpétuo; a proibição
de prisão por dívidas, multas ou custas; a criação de assistência judiciária aos necessitados; a
instituição da obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz
competente para que a relaxasse, se ilegal, promovendo a responsabilidade da autoridade
coatora, entre várias outras.

33 Ibidem.
A Constituição de 1934 ainda inovou ao insculpir normas de proteção social ao
trabalhador, com proibição da diferença de salário para um mesmo trabalho em razão de idade,
sexo, nacionalidade ou estado civil; proibição do trabalho para os menores de 14 anos, trabalho
noturno para os menores de 16 anos e trabalho insalubre para os menores de 18 anos e para as
mulheres; determinou a estipulação de um salário-mínimo capaz de atender às necessidades
básicas do trabalhador, o repouso semanal remunerado e a limitação de trabalho a oito horas
diárias, que só poderiam ser prorrogadas nos casos legalmente previstos, entre outras garantias
sociais. 48
A Constituição de 1934 também não excluiu os direitos culturais. Tratava-se de uma
Constituição que tinha como objetivo primordial o bem-estar geral. Com o estabelecimento da
Justiça Eleitoral e do voto secreto, essa Carta Magna abriu os horizontes para o
constitucionalismo brasileiro, como ensina Herkenhoff,34 para os direitos econômicos, sociais e
culturais. Ela, ainda, teve por preocupação respeitar os direitos humanos. Perdurou até a
introdução do chamado Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, que introduziu o
autoritarismo no Brasil.
Durante o regime do Estado Novo, houve a criação dos polêmicos tribunais de
exceção, que tinham a competência para julgar crimes contra a segurança do Estado. Naquela
época, foi declarado estado de emergência no país, com a suspensão de quase todas as
liberdades a que o ser humano tinha direito, incluídos o direito de ir e vir, o sigilo de
correspondência e a liberdade de todos os outros meios de comunicação, orais ou escritos, além
da liberdade de reunião, entre outras. Pode-se afirmar, sem dúvida alguma, que os direitos
humanos foram quase inexistentes durante o período em que vigorou o Estado Novo.
Com a Constituição de 1946, o país foi, como diz Herkenhoff, “redemocratizado”, já
que a nova Carta Magna restaurou os direitos e garantias individuais e os direitos sociais. Houve
até mesmo uma ampliação, nesse sentido. Citam-se como exemplos a proibição do trabalho
noturno a menores de 18 anos, o estabelecimento do direito de greve, a estipulação de um
salário mínimo capaz de atender às necessidades do trabalhador e de sua família, entre outros.
Também houve ampliação dos direitos culturais e a referida Constituição vigorou até o
surgimento da Carta Maior de 1967. Porém, a Lei Maior de 1946 sofreu várias emendas, com a
suspensão da vigência de inúmeros artigos, via de regra, por força dos Atos Institucionais (AI-1 e
AI-2), durante o golpe denominado “Revolução de 64”. A despeito de tudo isso, contudo,
podemos asseverar que a Constituição de 1946 garantiu muitos direitos humanos.

34 Ibidem.
A Constituição de 1967, contudo, trouxe inúmeros retrocessos, como a supressão da
liberdade de publicação, a restrição ao direito de reunião, o estabelecimento de foro militar para
os civis, a manutenção de todas as punições e arbitrariedades decretadas pelos Atos
Institucionais. De maneira hipócrita, a Constituição de 1967 continha em seu texto o respeito à
integridade física e moral do detento e do presidiário, preceito que, na prática, não existia.
No tocante aos demais direitos, os retrocessos continuaram: redução da idade mínima
de permissão para o trabalho para 12 anos; restrição ao direito de greve; fim da proibição de
diferença de salários por motivos de idade e de nacionalidade; restrição da liberdade de opinião 49
e de expressão; retrocesso na esfera dos chamados direitos sociais, etc.
Essa Constituição vigorou, formalmente, até 1969, quando foi promulgada nova Carta
Magna, mas, na prática, a Constituição de 67 vigorou apenas até 13 de dezembro de 1968,
quando foi baixado o mais conhecido Ato Institucional, aquele que faltou com o respeito aos
direitos humanos no país e foi causa de revolta e medo de toda a população, causando a ruína
da então Carta Magna: o AI-5.
O temido AI-5 recuperou todos os poderes discricionários do presidente estabelecidos
pelo AI-2. Também ampliou arbitrariedades, dando ao governo a prerrogativa de confiscar bens.
Para se ter ideia, houve até mesmo a suspensão do habeas corpus nos casos de crimes
políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Período conhecido como de arbitrariedades e corrupções, houve inúmeros casos de
tortura e assassinatos políticos. A imprensa, por sua vez, nada podia fazer, eis que se
encontrava literalmente “amordaçada”. Havia “proteção legal” do AI-5. Registre-se que a
Constituição de 1969 somente começou a vigorar em 1978, com a queda do AI-5.
Observou-se um amplo retrocesso na nova Constituição, eis que incorporou ao texto
legal medidas previstas nos Atos Institucionais, com o desrespeito aos direitos humanos. Para
João Baptista Herkenhoff35 e inúmeros brasileiros, a luta pela anistia representou “uma das
páginas de maior grandeza moral escrita na História contemporânea do Brasil”, juntamente com
a convocação e o funcionamento da Constituinte.
A Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do homem.
Isso porque as mudanças poderiam ter ocorrido na Constituição de 1946 a qual, embora
reconhecida sua relevância para o cenário nacional, logo em seguida foi derrubada pela ditadura
estado-novista. Ulisses Guimarães denominava a Constituição de 1988 de “Constituição cidadã”.

35 Idem, p. 98.
A questão da dignidade da pessoa humana é abordada na Constituição de 1988 já em
seu preâmbulo, quando anuncia a inviolabilidade à liberdade e, depois no artigo primeiro, com os
fundamentos e, ainda, no inciso terceiro (a dignidade da pessoa humana); mais adiante, no
artigo quinto, quando menciona a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à
igualdade.36
Mas o que representa essa dignidade? Significa que o homem não pode ser tratado
como um ser qualquer, como um animal irracional, pois ele tem sua individualidade. Apresenta
uma essência, que é própria da pessoa humana. Cada indivíduo é totalmente diferente do outro 50
e o que nos identifica é essa essência de ser pessoa.
A única coisa capaz de garantir a dignidade da pessoa humana é a justiça. A dignidade
é um valor supremo. Flávia Piovesan ensina que “a ordem constitucional de 1988 apresenta um
duplo valor simbólico: é ela o marco jurídico da transição democrática, bem como da
institucionalização dos Direitos Humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica
com o regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985”.37
Com a Constituição de 1988, houve uma espécie de “redefinição do Estado brasileiro”,
bem como de seus direitos fundamentais.

3.3 O menor na sociedade brasileira e suas garantias constitucionais

A Lei n° 8.069/90 revolucionou o direito infanto-juvenil, inovando e adotando a Doutrina


da Proteção Integral. Essa nova visão se baseia nos direitos próprios e especiais das crianças e
adolescentes, que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de
proteção diferenciada, especializada e integral.

36 Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifos ora apostos).

37 Idem, p. 177.
É integral, primeiro, porque assim diz a Constituição Federal em seu artigo 227,
quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes,
sem discriminação de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à Teoria do Direito Tutelar do
Menor, adotada pelo Código de Menores revogado, Lei n° 6697/79.
O Código revogado não passava de um Código Penal do Menor, disfarçado em
sistema tutelar; suas medidas não iam além de verdadeiras sanções, ou seja, penas disfarçadas
de medidas de proteção. Não relacionava qualquer direito, a não ser aquele sobre a assistência
religiosa; não trazia qualquer medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança 51
e do jovem, que, em resumo, eram seres privados de seus direitos.
Na verdade, em situação irregular está a família, pois não possui estrutura e abandona
a criança; o pai, que descumpre os deveres do pátrio poder; o Estado, que não cumpre suas
políticas sociais básicas; nunca a criança ou o jovem podem ser culpados de irregularidade.
A nova teoria, baseada na total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce
jurídico e social na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 20 de novembro de 1989. O Brasil adotou o texto,
em sua totalidade, pelo Decreto n° 99.710, de 21/11/1990, após ser ratificado pelo Congresso
Nacional, Decreto Legislativo n° 28, de 14/09/1990.38
Dessa forma, o novo instrumento legal volta-se ao desenvolvimento da população
jovem do país, garantindo proteção especial àquele segmento pessoal e socialmente mais
sensível. O art. 5° do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta a última parte do art.
227 da Constituição Federal, que visa proteger todas as crianças e adolescentes de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão e todos os atentados aos seus
direitos, quer por ação ou omissão.
O mandamento constitucional e estatutário tem sua fonte no nono princípio da
Declaração dos Direitos da Criança da ONU, que disciplina, em seu bojo, que a criança gozará
de proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. A utilização do
direito pelas crianças e pelos adolescentes torna-se um projeto de educação para as novas
gerações e um investimento social de autoproteção para o homem. Com essa lei civilizatória, as
crianças e os jovens passam a ser sujeitos de direitos e deixam de ser objetos de medidas
judiciais e sociais decorrentes da omissão da sociedade e do poder público, pela inexistência ou
insuficiência de políticas sociais básicas.

38 Extraído de pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_da_Criança_e_do_Adolescente.
Nas décadas de 1970 e 1980 teve início uma nova etapa da luta política pelos direitos
da criança e do adolescente. Os programas envolvidos eram numerosos, com identidade
ideológica e composição social das mais diversas; no entanto, o compromisso político com a
promoção e a defesa dos direitos da infância e da juventude era o mesmo em todos eles.
A Comissão Nacional da Criança e do Adolescente realizou um amplo processo de
sensibilização, conscientização e mobilização da opinião pública e dos constituintes. A iniciativa
privada também participou deste esforço nacional; surgiram entidades não-governamentais de
grande expressão, que realizaram movimentos de alternativas comunitárias de atenção à criança 52
de rua.
A partir de todas essas articulações, organizou-se o Fórum Permanente de Entidades
Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), que
conseguiu arregimentar igualmente movimentos internacionais de defesa da criança.39
O Fórum DCA assumiu contornos de um movimento social nacional, com propostas e
alternativas nos planos legal e processual. No plano legal, introduziu duas emendas de iniciativa
popular – “Criança e Constituinte” e “Criança Prioridade Nacional” –, e seus textos foram
fundidos e acabaram constituindo o art. 227 da Constituição da República Federativa do
Brasil.40
Esse artigo constitucional é reconhecido na comunidade internacional como uma
síntese da Convenção da ONU de 1989, pois declara os direitos especiais das crianças e dos
adolescentes como dever da família, da sociedade e do Estado: direito à vida, à alimentação, ao
esporte e lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho, à cultura e educação, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.41
A Constituição de 1988 consagra a doutrina da proteção integral, ou seja, os direitos
inerentes a todas as crianças e adolescentes possuem características específicas, por causa da
peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento, e políticas básicas voltadas para a
juventude devem agir de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado.

39 Idem, ibidem.

40 SANTOS, Elbe Campinha dos. Direitos humanos: representações no campo da defesa dos direitos infanto-
juvenis no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1999.

41 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma visão interdisciplinar. Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, 335 p.
A Carta Magna reafirmou também, conforme princípio do interesse maior da criança,
que é dever dos pais e responsáveis garantir proteção e cuidados especiais e, na falta do núcleo
familiar, é obrigação do Estado assegurá-los. Reconheceu a família como grupo social primário e
ambiente natural para crescimento e bem-estar de seus membros, especificamente das crianças,
ressaltando o direito de receber proteção e assistência necessária a fim de poderem assumir
plenamente suas responsabilidades dentro da comunidade.42
O parágrafo 3°, V, do art. 227 da Constituição Federal traz uma nova visão quanto à
criança e ao adolescente. Estes passaram à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, 53
segundo Antônio Carlos Gomes da Costa.43
Elas desfrutam de todos os direitos dos adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e
ainda têm direitos especiais decorrentes do fato de: não terem acesso ao conhecimento pleno de
seus direitos, não terem atingido condições de defender seus direitos frente às omissões e
transgressões capazes de violá-los, não contarem com meios próprios para arcar com a
satisfação de suas necessidades básicas, não poderem responder pelo cumprimento das leis,
deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto, por se tratar de seres
em pleno desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e sociocultural.
A prioridade absoluta constitucional determinada no artigo acima citado foi
posteriormente regulamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n° 8.069/90
– instituto que será estudado a posteriori), no artigo 4°, parágrafo único, entendida como:44
1) Primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância;
2) Precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer parte;
3) Preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas;
4) Destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a
proteção da infância e da juventude.

42 Idem, p. 26.

43 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Natureza e implantação do novo direito da criança e do adolescente. In:
PEREIRA, Tânia da Silva (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente: estudos sociojurídicos. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 17-33.

44 Informações extraídas do site http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_da_Criança_e_do_Adolescente.


3.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a teoria da proteção integral

A Lei n° 8.069/1990 revolucionou o


direito da criança e do adolescente, adotando a
doutrina da proteção integral. Essa doutrina tem
como referência a proteção de todos os direitos 54
infanto-juvenis, que abrangem, ainda, um
conjunto de instrumentos jurídicos de caráter
nacional e internacional, colocados à disposição
de crianças e adolescentes para a proteção de todos os seus direitos.
Em 1979 foi comemorado o Ano Internacional da Criança, com grandes promessas de
proteção adequada ao menor carente, abandonado e infrator. A ideia de se consagrar proteção
especial à população infanto-juvenil não é recente; outros instrumentos já a consagravam. No
entanto, não há dúvidas de que, apesar de não ser o primeiro em termos cronológicos, a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU constituiu o instrumento mais
importante, na medida em que proporciona o marco geral de interpretação de todo o resto dessa
normativa, constituindo uma mudança fundamental na percepção da condução da infância.45
A Doutrina da Proteção Integral, na qual se fundamenta o Estatuto da Criança e do
Adolescente, deve embasar as políticas de Estado e a conduta das instituições, das famílias e
dos cidadãos. A grande meta é o desenvolvimento (físico, mental, espiritual e social) do jovem
como pessoa humana, obrigando a um repensar profundo das políticas públicas a serem
empregadas. Segundo Elbe Campinha dos Santos:46

“Rompe-se, assim, com a divisão ‘menor’ e criança, numa tentativa de se reverter a


imagem negativa historicamente utilizada para segregar e reprimir a criança e o
adolescente pobres, criando uma lei para todas as crianças e adolescentes
brasileiros, independente de sua condição social, etnia, crença, etc”.

Para melhor compreender a amplitude da Doutrina da Proteção Integral, que tem por
objeto prático a concretização dos direitos enumerados no art. 4° do Estatuto da Criança e do

45 MENDES e COSTA, op. cit., 72 p.

46 SANTOS, op. cit., 61 p.


Adolescente, devemos conjugar os direitos aí presentes de forma a assegurar às crianças e aos
adolescentes não somente a vida, mas também a qualidade da vida.
A rigor, todos os direitos especificados no estatuto podem ser considerados como
complemento do direito à vida, que não pode ser concebida apenas como a sobrevivência física,
mas exige a possibilidade de pleno desenvolvimento físico, psíquico e intelectual, com a
satisfação das necessidades materiais, afetivas e espirituais. Além disso, é indispensável que
inclua também a preparação da criança e do adolescente para a convivência pacífica e
harmoniosa com os familiares e a comunidade, bem como provenha, com liberdade e dignidade, 55
sua própria subsistência.
Ressalta-se, ainda, que o art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil
refere-se ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, formando, assim, a chamada Trilogia
da Proteção Integral, que será detalhada no item seguinte. De toda essa conjuntura de proteção,
pode-se elencar uma série de princípios que regem o Estatuto da Criança e do Adolescente,
representando a nova política estatutária do direito da criança e do adolescente. Tais princípios
servirão de orientação ao intérprete da lei, sendo os principais os seguintes:47

1) Princípio da Prevenção Geral: é dever do Estado assegurar à criança e ao


adolescente as necessidades básicas para o seu pleno desenvolvimento (art. 54, I a VIII) e
prevenir a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos (art. 70);
2) Princípio da Prevenção Especial: o poder público regulará, por meio de órgãos
competentes, as diversões e espetáculos públicos (art. 74);
3) Princípio de Atendimento Integral: o menor tem direito a atendimento total e
irrestrito (vida, saúde, educação, esporte, lazer, profissionalização, etc.) necessários a seu
desenvolvimento (arts. 3°, 4° e 7° do Estatuto da Criança e do Adolescente);
4) Princípio da Garantia Prioritária: tem primazia de receber proteção e socorro
em quaisquer circunstâncias, assim como formulação e execução de políticas sociais, públicas e
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e
à juventude (art. 4°, a, b, c, d);
5) Princípio da Proteção Estatal: visa à sua formação biopsíquica, social, familiar
e comunitária, por meio de programas de desenvolvimento (art. 101);
6) Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor: na interpretação do
Estatuto, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum,

47 Informações extraídas do site http://www.neofito.com.br/artigos/art01/civil7.htm.


os direitos e deveres individuais e coletivos, e sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento (art. 6°);
7) Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor: o reconhecimento do
estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercido
contra os pais, ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observando o segredo de justiça (art.
27);
8) Princípio da Sigilosidade: sendo vedada a divulgação de atos judiciais,
policiais e administrativos que digam respeito à criança e ao adolescente a que se atribua autoria 56
de ato infracional;
9) Princípio da Gratuidade: é garantido o acesso de todo menor à Defensoria
Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por quaisquer de seus órgãos, sendo a
assistência judiciária gratuita prestada a todos que necessitem (art. 141, §1° e 2°).
4 TRABALHO INFANTIL

4.1 Considerações iniciais

Ao longo da História, as crianças sempre trabalharam em 57


suas famílias e em suas tribos, sem qualquer distinção em relação
aos adultos com quem conviviam. Praticavam tudo de igual forma,
dentro de suas capacidades – e, muitas vezes, até superando-as.
Na Idade Média, estavam ligadas a corporações, a exemplo dos
adultos, ou ficavam em casa com as mulheres, ocupando-se das
tarefas domésticas.

No século XVIII, antes da Era Vitoriana, as crianças eram


recrutadas por limpadores de chaminés para subir até o topo afunilado, a fim de desobstruir a
saída das chaminés das casas dos mais abastados. O único medo que superava o da escuridão
e da altura era o medo do capataz, que as aguardava embaixo, visando cobrar o cumprimento
da tarefa. Em 1767, começaram a surgir os primeiros protestos por reformadores que
procuravam mudar a situação das crianças por meio de novas leis que protegessem as crianças
de abusos no trabalho.

Na Grã-Bretanha – local que, com a Revolução Industrial, dependeu, em grande


escala, do trabalho infantil –, os proprietários de moinho de algodão recolhiam, em todo o país,
crianças órfãs e filhos de famílias pobres, fazendo-os trabalhar, pelo custo de alimentá-los. Se
pertencessem a outros distritos, fornecia-lhes um teto, sempre sem conforto, como abrigo aos
invernos rigorosos. A quantidade de crianças que trabalhavam cresceu em proporção geométrica
no final do século XVIII, com a descoberta do tear.

No século XIX, com a Revolução Industrial, além dos trabalhos em minas de carvão,
desempenhavam funções em moinhos e fiações. Depois, com as fábricas de tecidos e
manufaturas, as crianças também trabalhavam com suas famílias, em casa, nos acabamentos
da produção. Em muitos casos, crianças de cinco ou seis anos de idade eram forçadas a
trabalhar entre 13 e 16 horas por dia.
Condições péssimas como essas, impostas a crianças pobres, rapidamente se
estenderam às empresas, que passaram a contratar mão de obra infantil a salários menores.
Logo, as famílias passaram a depender do ganho das crianças para sobreviver. No século XIX,
tiveram início as primeiras manifestações do povo contra a exploração das crianças no trabalho,
em face do enriquecimento dos exploradores da modalidade de trabalho infantil.

Quando na Europa, especialmente na Grã-Bretanha, o emprego infantil já concorria


com o emprego do adulto, especialmente em momentos de crise econômica, houve a proposição
58
de algumas reformas que visavam à proteção infantil. Nesse passo, a primeira legislação
britânica significativa foi promulgada em 1878. A idade mínima dos empregados subiu para dez
anos de idade e passou-se a exigir aos empregadores que só contratassem crianças que
estivessem na faixa etária de 10 e 14 anos, em dias alternados ou, se consecutivos, em meio
período. Os sábados também eram um meio-feriado.

Enquanto o sistema industrial se desenvolveu, outros países da Europa repetiram o


abuso infantil semelhante ao que já praticara a Grã-Bretanha. Nos Estados Unidos havia a
escravidão negra, que durou até o final da Guerra Civil. Em solo americano, a história do
trabalho infantil começa após a Guerra Civil, com a grande expansão na indústria e a
consequente demanda de operários. Nesse contexto, a mão de obra das crianças passou a
desempenhar importante papel.

No Brasil, a lei não alcançava os escravos de qualquer idade, e seus senhores


empregavam crianças em atividades domésticas e indústrias rudimentares. Desde tenra idade,
os menores trabalhavam no campo. Em sua maioria, eram vendidos a outros senhores logo que
alcançavam algum desenvolvimento físico e, assim, partiam para regiões distantes, sem
qualquer amparo.

Com o advento da abolição da escravatura, verificaram-se intensos debates sobre o


trabalho infantil. Antes, as crianças sempre foram exploradas: as órfãs e pobres eram recrutadas
para o trabalho em fazendas e nas casas grandes dos “senhores”, onde sofriam exploração e
abuso em escala ainda maior do que os filhos dos escravos, os quais, em razão de seu valor
pecuniário, eram mais poupados do que os órfãos, que não tinham valor algum.

Antes da abolição não havia remuneração do trabalho infantil. Havia, inclusive, um


elemento presente: tratava-se de uma mão de obra mais dócil, mais barata e com maior
facilidade de adaptação ao trabalho. Tratava-se de um espetáculo deprimente. Em solo nacional,
os primeiros e incipientes avanços – se é que se pode chamar de “avanço” – datam de 1891,
quando, sob o regime do Império, foi publicado um decreto que proibia o trabalho de crianças em
máquinas em movimento e na faxina. Este decreto, porém, jamais foi regulamentado: “E assim
era em quase todo o mundo; muitas leis não-cumpridas referindo-se a menores que definhavam
nas fábricas”.48

Em nosso país observamos que o aprendizado nas fábricas era admitido desde os 8
anos de idade, durante três horas diárias. No entanto, a Organização Internacional do Trabalho,
59
em 1919, formulou uma medida voltada à limitação em 14 anos, como idade mínima para a
contratação de jovens pela indústria.49 Ao longo do século, essa organização promulgou 17
normas, entre convenções e recomendações. As medidas tinham caráter apenas “limitante” e
reguladora de alguns aspectos do trabalho, não tratando a fundo da problemática, que era tida
como um fato “natural” da economia.

Na época da Primeira Guerra Mundial, os países europeus cuidaram “de tornar


efetivas as medidas de proteção à infância, pondo fim a um regime brutal de exploração, que
desonrava todas as conquistas de progresso do século”.50

No Governo Vargas tomaram-se algumas providências para a remissão dos erros


passados. O Decreto n° 22.042, de novembro de 1932, estabelecia condições para o trabalho de
menores na indústria, fixando em 14 anos a idade mínima, com a exigência da apresentação de
documentos como: certidão de nascimento; autorização dos pais ou responsáveis; atestado
médico, de capacidade física e mental; e prova de saber ler, escrever e contar. Aos analfabetos,
assegurava-se frequência à escola, sendo proibido o serviço de menores de 16 anos nas minas.
Os empregadores tinham a obrigatoriedade de apresentar uma relação de empregados menores
ao Poder Público.

Avanços efetivos, contudo, pelo menos do ponto de vista discursivo, só ocorreram em


1959, com a Declaração dos Direitos da Criança, proclamada na Assembleia Geral das Nações
Unidas. Em 1973, a Organização Internacional do Trabalho trouxe a Convenção n° 138, que

48 SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1996, v. II, p. 963.

49 Hoje, a idade de 14 anos é referida no art. 7° da Lei Maior, em seu inciso XXXIII.

50 Idem, p. 963.
define “a base de toda política da OIT sobre a eliminação gradual do trabalho infantil e a
proteção contra as reações adversas que o agravam” (OIT, 1993).
Apoiado no atual significado de trabalho precoce e em conceitos de infância e
adolescência, seus direitos, limites psíquicos e físicos para a realização de determinadas
atividades e o impacto que produzem em sua trajetória de vida, o tema da exploração alcançou,
então, notória visibilidade. Tal cenário – de resgate da criança a atividades próprias à sua idade
– desenvolve-se lentamente. É de amplo conhecimento – porque divulgado pela mídia – que,
ainda hoje, há exploração do trabalho infantil, com várias denúncias de crianças que, em idade 60
muito tenra, ajudam suas famílias em lavouras. É certo que essa esfera da atividade humana
necessita de ajustes e não podemos furtar-nos a enfrentar as exigências do momento histórico.

4.2 Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho

O direito à profissionalização e à proteção ao trabalho faz parte, também, dos direitos


fundamentais. Ao menor de 16 anos proíbe-se qualquer trabalho, salvo na condição de aprendiz,
a partir dos 14 anos. Referida proibição visa à proteção integral da criança e do adolescente.
Presume-se, pois, que, antes dos 16 anos, o menor deve receber instrução e educação devidas.

Entretanto, o trabalho de menores de 16 anos é um fenômeno social existente,


principalmente, nos países de Terceiro Mundo. E aumenta a cada dia, como resultado do
crescente empobrecimento das famílias, que necessitam do trabalho dos filhos para sobreviver e
do oportunismo de empregadores que utilizam essa mão de obra por ser mais barata e gerar
mais lucro.

O jovem a partir dos 16 anos pode iniciar vida profissional com todas as garantias
trabalhistas e previdenciárias estabelecidas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
respeitando sempre sua condição de pessoa em desenvolvimento. Ao adolescente trabalhador-
aprendiz é assegurada a bolsa de aprendizagem e ao portador de deficiência é garantido
trabalho protegido.
A própria Organização Internacional do Trabalho, através do Programa Internacional
para Eliminação do Trabalho Infantil, busca erradicar o trabalho infantil e todo aquele prejudicial
à saúde, moral ou segurança dos adolescentes. Para o governo brasileiro, o combate ao
trabalho infantil está na esfera dos direitos humanos, encontrando-se, inclusive, na agenda de
nossa política social. Trata-se, sem dúvida alguma, de um desafio tanto para o governo quanto
para a sociedade. Não se deve olvidar a complexidade da questão do trabalho infantil. O
problema está associado, embora não esteja restrito, à pobreza, à desigualdade e à exclusão
social. 61

Importa, sobremaneira, não apenas os números a respeito da inserção precoce das


crianças na força de trabalho, mas também a natureza desse trabalho, em especial as condições
em que é realizado e os riscos e abusos associados a ele.51 No Brasil, pode-se citar, como
marco de iniciativa decisiva para resolver a questão, como já assinalado neste texto, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), em substituição ao arcaico Código de Menores.
Com inspiração na Convenção dos Direitos da Criança de 1989, na Constituição de 1988 e em
outras leis internacionais, o ECA passa a reger todos os assuntos referentes à infância e à
adolescência no país.
Não há dúvida de que crianças e adolescentes são prioridades no que se refere à
salvaguarda de seus direitos fundamentais (vida, saúde, alimentação, educação, lazer,
profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária),
devendo ser mantidos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.52

Ao Estado, portanto, cabe zelar, prioritariamente, pela defesa destes direitos. Todavia,
esse papel a ele não está restrito, pois também é dever da família e de toda a sociedade
(Constituição Federal, art. 227) assegurar à criança e ao adolescente o respeito aos seus direitos
garantidos em lei. Em matéria de legislação vigente em nosso país acerca dos direitos de
crianças e adolescentes, citam-se: a Constituição Federal (basicamente em seu Capítulo VII –
Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso); o ECA (Lei n° 8.069/90); a Declaração
Universal dos Direitos Humanos; e a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº
99.710/90).

51 Extraído do site
http://www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf.

52 Em consonância com o art. 227 da Lei Magna.


A Emenda Constitucional n° 20, datada de 15 de dezembro de 1998, reformou o inc.
XXXIII do artigo 7° da Constituição Federal,53 fixando a idade mínima para qualquer trabalho em
16 anos e, para aprendizagem, em 14 anos. Todavia, esqueceu o Poder Reformador de
modificar igualmente o disposto no inciso I do § 3° do art. 227 da Carta Magna, resultando em
uma incongruência: nos dizeres consagradores dos princípios fundamentais, no Capítulo dos
Direitos Sociais, a idade mínima para o trabalho passou, como proteção jurídica especial, a ser
16 anos, enquanto, no enunciado do art. 227, § 3°, I, ficou, como era originalmente: 14 anos de
idade. Depreende-se que o Poder Reformador acabou “atropelando” a faixa etária de 62
aprendizagem,54 que, em princípio, somente pode ser ministrada regularmente aos maiores de
14 anos de idade.

Com efeito, prevalece o disposto no campo dos Direitos Fundamentais, no qual o


inciso XXXIII do art. 7º, como norma-princípio, estabelece a vedação do trabalho ao menor de 16
anos, como instituto de defesa eugênica alcançado igualmente pela norma-regra da proteção
especial do art. 227, § 3°, I. Este dispositivo, aliás, em sua parte final, consigna: “[...] observado
o disposto no art. 7°, XXXIII”.55

A disposição do art. 402 da Consolidação das Leis Trabalhistas foi superada e o artigo
seguinte (403) da CLT regulamenta a nova disposição constitucional quando declara a proibição
de qualquer vínculo empregatício a menores de 16 anos de idade, salvo na condição de
aprendiz, nos termos da Lei n° 10.097, de 19.12.2000.

Na faixa etária que compreende menores entre 16 e 18 anos, a capacidade jurídico-


laborista é relativa, dependente de assistência do pátrio poder-dever (ou poder-dever familiar, na
linguagem do Novo Código Civil), da tutela ou da guarda judicial. A assistência é exigida para o
ato inicial da vida laboral, que é a aquisição da carteira nacional de trabalho, bem como na

53 Art. 7°, XXXIII: “[...] proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (grifos ora
apostos)

54 De acordo com o art. 62 do ECA, “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada


segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”. Os artigos subsequentes do ECA disciplinam a
atividade do aprendiz.

55 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 107-108.
rescisão de contrato trabalhista, como disposto no art. 349 da CLT. A partir daí, a autorização
para o contrato de trabalho é presumida.56

Registre-se que, evidentemente, são absolutamente incapazes para a contratação os


menores de 16 anos de idade. No entanto, cabe assinalar que a atividade doméstica, de
natureza puramente familiar, sem qualquer vínculo empregatício ou obrigação contratual, não
constitui relação trabalhista prevista na proibição. A legislação especial que regula as relações
trabalhistas que envolvam adolescentes é a Consolidação das Leis do Trabalho, que, em seu
63
Título III, Capítulo IV, arts. 402 usque 441, cuida especificamente do trabalho do menor.

No entanto, algumas dessas disposições, por contrariarem a nova ordem


constitucional, encontram-se revogadas. Outras, derrogadas. Sobre esse ponto do direito
intertemporal, trazemos à colação o ensinamento de José de Farias Tavares. A corrente,
grandemente majoritária entre os doutos contemporâneos, proclama a revogação automática de
todas as normas, de quaisquer níveis, anteriores, contrárias ao novo texto constitucional.

Michel Temer resume os entendimentos já pacificados, como intérprete autêntico da


Carta vigente, com a dupla autoridade de legislador constituinte e professor constitucionalista. Ao
mesmo tempo em que, apropriadamente, explica a convalidação do ordenamento jurídico
infraconstitucional preexistente, compatível com a nova Constituição, que lhe dá novo
fundamento de validade, dentro da atualíssima teoria da recepção.57

O ensino prático-especializado dos menores, de cunho formal, seria aquele


reconhecido oficialmente, como esclarece Vicente Carrion:

“[...] há necessidade de autorização do SENAC ou do SENAI e o aprendizado não


pode superar os limites previstos para cada ocupação e, sobretudo, o ensino deve
corresponder a um processo educacional com o desdobramento do ofício ou da
ocupação em operações ordenadas de conformidade com um programa, cuja
execução se faça sob a direção de um responsável em ambiente adequado à
aprendizagem”.58

56 Interessante observar que, segundo o disposto no art. 440 da CLT, contra o adolescente não
corre qualquer prazo prescricional.

57 TAVARES, José de Farias. O Código Civil e a Nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense, Rio, 1990, 4 p.

58 CARRION, Vicente.
Na prática, observa-se que há uma
aprendizagem informal, assistemática, exercitada no
âmbito familiar, sem relação de emprego, em que os
mais idosos transmitem aos mais novos, na prática
direta, as regras de seus ofícios, seus conhecimentos e
suas habilidades profissionais, preparando a futura mão
de obra. Esse ensinamento, ministrado com respeito à integridade da pessoa e à sua
escolarização, sem ilicitude, apesar de não previsto em lei, é proveitoso para o aprendiz de fato. 64

Para esses efeitos, as normas vigentes quando da promulgação da Constituição


Federal previam limites temporais, específicos, para cada profissão, ensino proferido ou
fiscalizado pelo SENAI ou SENAC, além de outros.59 Acresça-se a isso o que preceitua nossa
atual Constituição Federal, em seu Ato das Disposições Transitórias:

Art. 62. A lei criará o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) nos
moldes da legislação relativa ao Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
(SENAC), sem prejuízo das atribuições dos órgãos públicos que atuam na
área.

A aprendizagem profissional respeitará as condições peculiares do adolescente como


pessoa em fase de desenvolvimento. Em cumprimento ao disposto no art. 227, § 3°, III, da
Constituição Federal, a carga horária do aprendiz não prejudicará a participação regular do aluno
em sua escola de ensino fundamental da rede pública.60

Digno de registro que o artigo 64 do ECA, embora também regulador da atividade de


aprendiz, resta sem eficácia. Senão, observe-se sua redação: “Ao adolescente até quatorze
anos de idade é assegurada bolsa de aprendizagem”. Ora, tal dispositivo necessita ser
reformulado, pois está em dissonância com a nova dicção constitucional introduzida pela

59 Decretos n°s 31.546-52 e 66.280-70, “Conceituação de Aprendiz” (In: Comentários à Consolidação das leis do
Trabalho. 17 ed. São Paulo: RT, 1990, 125 p.).

60 A respeito, alude-se aos arts. 403-405 e 424-427, todos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Emenda n° 20, de 15/12/1998, como já exposto anteriormente. Hodiernamente, a aprendizagem
regular, formal, somente poderá ter início aos 14 anos de idade.

Regula a garantia constitucional (Constituição Federal, art. 227, § 3°, II) o direito à
previdência social e à proteção trabalhista devida ao aprendiz, cuja idade terá de ser entre 16 e
menos de 18 anos, por força da Emenda Constitucional n° 20, de 15/12/1998, que alterou a
redação do art. 7°, XXXIII.

Isto significa que o trabalho da pessoa hipossuficiente, seja de natureza física, 65


sensorial ou motora (Constituição Federal, art. 227, § 1°, II), terá de ser compatível com suas
condições pessoais, de tal forma a não lhe agravar a deficiência e não prejudicar a sua
reabilitação.

A Constituição Federal, em seu art. 7°, XXIII, e no art. 227, caput, assegura proteção
especial ao adolescente trabalhador, seja o empregado já profissional (maior de 16 anos), seja o
empregado-aprendiz, aquele que exercita a prática orientada na própria empresa do patrão, seja
o que faz aprendizagem informal em trabalho exercitado no âmbito doméstico ou o aluno de
curso regular de escola profissionalizante.61 Ou ainda aquele que desempenha o trabalho
educativo em regime de ensino prático assistemático ministrado em órgão do Poder Público, ou
mesmo em instituição privada de finalidade não-lucrativa direcionada à preparação de mão de
obra.

A idade mínima está fixada na legislação: 14 anos para aprendizes. Em qualquer caso,
com todos os direitos trabalhistas e previdenciários assegurados, aos maiores de 16 anos. Por
outro lado, há uma proibição expressa ao trabalho noturno, de risco e agressão à saúde, ou
cujos turnos e ambientes sejam nocivos à condição da pessoa em desenvolvimento,
empregados ou aprendizes. É a legislação trabalhista a responsável pela conceituação desses
tipos de atividades. Observe-se, no anexo, ao final deste trabalho, as disposições contidas na
CLT, em seus arts. 403 e seguintes.

61 Dos sites http://www.ucg.br/ACAD_WEB/.../Unidade%2006%20Proteção%20ao%20Trabalho%20d e


http://www.fiep.org.br/juridico/004INF06.pdf e osigi.files.wordpress.com/2008/10/trabalho-de-menores.doc.
4.3 Normas vigentes sobre o trabalho infantil

No Brasil, pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o


trabalho infantil só era permitido a partir dos 14 anos de idade, e a educação obrigatória também
até os 14 anos, portanto coerentes. No final de 1998, a Emenda Constitucional n° 20, publicada
em 15 de dezembro de 1988, proibiu qualquer trabalho a menores de 16 anos, alterando, 66
portanto, o art. 7° da Constituição Federal de 1988.

Registre-se que a aprovação dessa Emenda ocorreu dentro do contexto das votações
pela aprovação da reforma da Previdência (Seguro Social). O objetivo do aumento da idade
mínima para o trabalho foi adequar a idade e a aposentadoria às novas regras da reforma, uma
vez que uma pessoa que inicia suas atividades laborativas aos 14 anos de idade, ao fim de 35
anos de trabalho se aposentaria aos 49 anos, ficando fora, portanto, das novas determinações. A
solução encontrada pelo governo foi alterar a idade mínima para o ingresso no mercado de
trabalho de 14 para 16 anos de idade.

No Estatuto da Criança e do Adolescente faz entender que é proibido o trabalho a


menores de 14 anos e, acompanhando a Emenda Constitucional, deverá passar para 16 anos,
sendo impedido o ofício de aprendiz antes dos 12 anos de idade. O art. 62 do ECA considera
que a aprendizagem deve ser feita de acordo com a legislação de educação em vigor. O
dispositivo desloca a aprendizagem para o âmbito da educação, portanto qualquer estágio
deverá ser planejado em respeito à legislação de educação em vigor, inadmitindo a
aprendizagem em empresas sem supervisão educacional, com vistas a fazer desse menor uma
mão de obra barata para o empregador.

A clássica noção de aprendiz vem da Idade Média, quando a criança, o adolescente e


até os jovens adultos ficavam trabalhando para alguém até a aprendizagem integral do ofício.
Via de regra, essas pessoas não ganhavam salário algum e, por vezes, os pais pagavam para as
crianças poderem aprender, mas, na verdade, as crianças aprendizes trabalhavam e, na maior
parte das vezes, em trabalhos aviltantes. Essa forma de aprendizagem se perpetuou até os dias
de hoje. O ECA é o instrumento moderno para combater esse tipo de aprendizagem, protegendo
a criança contra o trabalho perigoso, insalubre, prejudicial, penoso e aviltante.
Quando o art. 65 do ECA dispõe “Ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são
assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”, traz uma contribuição deveras importante
para todas as crianças trabalhadoras: o princípio de oferecer padrões iguais para todas as
crianças, independentemente de classe social, gênero ou país de origem. O artigo engloba
trabalho e educação em um nível de dignidade.

No art. 64 do ECA está previsto: “Ao adolescente até 14 anos de idade é assegurada
bolsa de aprendizagem”. Isto significa que a criança impedida de trabalhar por idade, mesmo
67
que não tenha salário como direito trabalhista, terá uma bolsa de aprendizagem, dentro da
legislação educacional, que deverá durar enquanto o adolescente estudar, ou seu trabalho tiver
cunho educativo, respeitando a condição peculiar de seu desenvolvimento (art. 69).

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que todos os instrumentos de proteção aos
direitos da criança se encontram elencados no ECA. Ressalta-se a evolução legislativa
brasileira, na garantia dos direitos da criança e do adolescente, na Constituição Federal, na CLT
e no Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange à exploração do trabalho infantil.
Apesar de haver legislações brasileiras e internacionais reguladoras do trabalho infantil, existem
grandes falhas em matéria de proteção das crianças e dos adolescentes.

4.4 A eficácia das normas jurídicas sobre trabalho infantil

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)62 é o único desenvolvido no


Brasil com o objetivo exclusivo de erradicar de vez o trabalho da criança e do adolescente. Foi
criado com o propósito de solucionar uma gravíssima situação de trabalho precoce nas minas de
carvão de Mato Grosso do Sul e terminou sendo ampliado para todos os estados brasileiros.
Hoje, são atendidas crianças que trabalhavam para contribuir com a renda familiar, exercendo
atividades perigosas, penosas, insalubres e degradantes.
Com o programa essas crianças passaram a frequentar
agora a escola. É um programa do governo federal em parceria
com Estado e Município, que tem o apoio do Fundo das Nações

62 Mais informações no site http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social.../programa-de-


erradicacao-do-trabalho-infantil. Esclarecemos que diversas informações contidas neste módulo foram extraídas do
referido site oficial, razão pela qual, por se tratar de texto de lei, não houve alteração no que tange à redação.
Unidas para a Infância (Unicef) e tem como objetivo retirar as crianças e adolescente, de 7 a 15
anos e 11 meses, do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre ou degradante, ou seja,
aquele que coloca em risco a saúde e a segurança das crianças e adolescentes.
Possibilitar o acesso, a permanência e o bom desempenho de crianças e adolescentes
na escola. Fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimentos da criança e do
adolescente, por meio de atividades culturais, esportivas, artísticas e de lazer no período
complementar à escola, ou seja, na jornada ampliada.63 Proporcionar apoio e orientação às
famílias por meio da oferta de ações socioeducativas.64 68
Implementar programas e projetos de geração de trabalho e renda para as famílias. É
possível a inserção no programa de famílias que tenham filhos com idade entre 7 e 15 anos e 11
meses que trabalham em atividades perigosas, penosas, insalubres e degradantes. Devem-se
priorizar famílias com renda per capita de até ½ (meio) salário mínimo, ou seja, aquelas que
vivem em situação de extrema pobreza.

Consideram-se atividades penosas, perigosas, insalubres e degradantes aquelas


desenvolvidas na área urbana: lixões, comércio em feiras e ambulantes, engraxates, distribuição
e venda de jornais e revistas e comércio de drogas – na área rural: sisal, algodão, fumo,
horticultura, cultura da laranja e de outras frutas, coco e outros vegetais, pedreiras e garimpos,
salinas, cerâmicas, olarias, madeireiras, marcenarias, tecelagem, fabricação de farinha e outros
cereais, pesca, cultura da cana-de-açúcar, carvoaria e a cultura do fumo.

As atividades da Jornada Ampliada deverão acontecer de segunda a sexta-feira


durante todo o mês, por quatro horas em cada período, conforme a ocasião em que as crianças
e adolescentes estiverem na escola. Dever-se-ão observar os padrões mínimos de qualidade da
jornada ampliada. Cabe ao Município, em articulação com a Secretaria Estadual de Educação e
a Secretaria Municipal de Educação, selecionar e capacitar os monitores da jornada ampliada;
caberá também ao município arcar com as despesas para o pagamento dos monitores, podendo
ser utilizados até 30% dos recursos destinados à jornada ampliada para pagamento dos
mesmos, desde que não seja estabelecido nenhum vínculo empregatício com a União. Os
monitores deverão ser contratados em conformidade com a legislação pertinente em vigor.65

63Informação obtida no site http://www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf.

64 Do site http://www.legislacaomunicipal.com/gedocnet/redacoes/06054817000129/Lei01397.doc.

65Dos sites www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf e


www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-do-trabalho-infantil.
No período de férias, a Jornada Ampliada deverá ser desenvolvida, seja por meio de
atividades normais ou de colônias de férias, passeios culturais, lazer, etc. Frise-se que, mesmo
nesses períodos, são repassados recursos para pagamento das bolsas às famílias e para a
manutenção da jornada ampliada.66 A família, como núcleo natural e fundamental da sociedade
é, sob a ótica da assistência social, o lugar por excelência de proteção e inclusão social.

O trabalho direcionado ao grupo familiar deve desenvolver-se em inter-relação com os


serviços das demais políticas públicas, estabelecendo-se um sistema de rede que possa
69
desenvolver algumas das seguintes ações/serviços/programas: Apoio socioeducativo –
complementação da renda familiar – programas de geração de trabalho e renda-programas de
socialização e lazer voltados à ampliação e ao fortalecimento de vínculos relacionados e à
convivência comunitária; programas que objetivem a ampliação do universo informacional e
cultural, facilitando a participação nas decisões e no destino dos serviços e da comunidade onde
se inserem; serviços especializados de apoio psicossocial às famílias em situações de extrema
vulnerabilidade, como desemprego, alcoolismo, maus-tratos, etc, assim como serviços
advocatícios, psicoterapêuticos, dentre outros.67

Programas que visem oferecer acesso efetivo à cultura e suas diversas manifestações,
desenvolvimento dos talentos artísticos e possibilidade de trocas.68 O trabalho socioeducativo
com famílias baseia-se no tripé: sujeito, família e rede e constitui-se de ações que oferecem
oportunidades de desenvolvimento pessoal e social visando à socialização, ampliação do campo
de conhecimentos, dos vínculos relacionados e da convivência comunitária.69
A relação do PETI com o PRONAGER (Programa Nacional de Geração de Emprego e
Renda): este é um programa que visa gerar ocupação produtiva e renda para os chamados
“excluídos” sociais, potencializando todos os recursos e vocações econômicas da comunidade a
partir da capacitação de pessoas desempregadas e ou subempregadas para sua organização

66Do site www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf.

67 Informações extraídas do site http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-


de-erradicacao-do-trabalho-infantil.../download.

68 Idem, ibidem.

69 Informações extraídas do site


http://www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf.
em empresas, associações e cooperativas de produção de bens e ou serviços, com
competitividade no mercado.70

Com isso, espera-se a inserção social da imensa parcela da população excluída dos
mecanismos comuns de formação profissional, do acesso ao crédito e do processo de produção
e consumo de bens, contribuindo para a redução das desigualdades sociais, passo importante
na construção de uma sociedade democrática.
A metodologia utilizada gera a capacitação de centenas de pessoas em um só evento
70
(o Laboratório Organizacional) e permite ainda a participação de pessoas com baixo nível de
escolaridade e qualificação profissional. A ampliação do universo cultural das crianças e
adolescentes e o desenvolvimento de suas potencialidades com vistas à melhoria de seu
desempenho escolar e inserção no circuito de bens, serviços e riquezas sociais, deverão ser
trabalhados nas atividades da jornada ampliada, tendo sempre o núcleo familiar, a escola e a
comunidade como referências.71
As ações desenvolvidas na jornada ampliada deverão estar de acordo com o contido
na proposta pedagógica. Em hipótese alguma poderão ser desenvolvidas atividades
profissionalizantes, ou ditas semiprofissionalizantes, “com as crianças e adolescentes do PETI. A
jornada ampliada deverá funcionar em perfeita sintonia com a escola, devendo ser elaborada
uma proposta pedagógica, sob a responsabilidade do setor educacional”.72 O monitor da
jornada deve tentar estabelecer vínculos com as crianças e os adolescentes, de modo a
despertar o autoconhecimento como sujeito social e estimular a autoestima.
Além das atividades ligadas ao cotidiano comum, os monitores deverão ver as crianças
e os adolescentes do PETI como seres em particular, com uma história própria, carência e
problemas peculiares, pois algumas delas, mais vulneráveis, poderão demandar atendimentos
específicos (assistência à saúde, terapias, etc). O contato entre os professores e monitores deve
ser regular, para que haja harmonia nas ações desenvolvidas e para que se possa realizar um
acompanhamento mais eficiente dos avanços e dificuldades no processo de aprendizagem das
crianças e adolescentes.73

70 Idem, ibidem, e http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-


do-trabalho-infantil

71 Idem, ibidem.

72 Idem, ibidem.

73 Idem, ibidem.
As instalações físicas devem ser compatíveis com o número de crianças e
adolescentes a serem atendidos pelo PETI, dispondo de espaços apropriados para refeições,
estudos, recreação ao ar livre, dinâmica de grupos, atividades artísticas, culturais e
desportivas.74 Poderão ser aproveitadas estruturas físicas já existentes para realização da
Jornada Ampliada, desde que obedeçam aos padrões definidos pelo programa, as instalações
não poderão oferecer risco à saúde e à segurança das crianças e adolescentes, devendo
apresentar boa iluminação e ventilação e condições higiênicas e sanitárias adequadas, as
instalações deverão estar sempre limpas e organizadas, principalmente as cozinhas, caso 71
funcionem no mesmo local onde se dá a Jornada Ampliada. A elaboração de cardápio alimentar
semanal, fixado em local visível.75
Espaços alternativos poderão ser utilizados ou adequados, desde que respeitados os
padrões mínimos de qualidade aqui estabelecidos. As instalações já existentes poderão ser
melhoradas buscando atingir tais padrões. Os locais de realização da jornada ampliada deverão
estar equipados com cadeiras e mesas que atendam crianças e adolescentes, permitindo um
espaço razoável para que eles possam se mover tranquilamente. As mesas e cadeiras deverão
estar sempre limpas, principalmente se também forem utilizadas para as refeições.76

Os monitores deverão fornecer informações e subsídios técnicos, sobre os dados e as


atividades desenvolvidas no âmbito da Jornada Ampliada, enviando relatório regulares aos
gestores do PETI em nível municipal. Os monitores deverão colaborar em todos os
procedimentos necessários para permanência e sucesso das crianças e dos adolescentes na
Jornada Ampliada podendo, para tanto, recorrer à família, sensibilizando-a e mobilizando-a,
quando for necessário.77

74 Informações do site http://www.pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/alimentacao/acao-civil-publica/ACP-


PRPBPETIDuciranFarena.pdf.

75Informações dos sites


http://www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf e
http://www.pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/alimentacao/acao-civil-publica/ACP-
PRPBPETIDuciranFarena.pdf.

76Do site http://www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf.

77 Dos sites http://www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-do-


trabalho-infantil.../download; http://www.pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/alimentacao/acao-civil-publica/ACP-
PRPBPETIDuciranFarena.pdf e
http://www.agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf.
Dever-se-ão desenvolver serviços/programas que tenham por objetivo:78

- Socialização e lazer voltados à ampliação e ao fortalecimento de vínculos


relacionados e à convivência comunitária;
- Ampliação do universo informacional e cultural, facilitando a participação nas
decisões e no destino dos serviços;
- Serviço especializado de apoio psicossocial às famílias em situações de extrema
vulnerabilidade, como desemprego, alcoolismo, maus-tratos, etc.;
72
- Oferecer acesso efetivo à cultura, e suas diversas manifestações, desenvolvimento
dos talentos artísticos e possibilidade de trocas;
- Qualificação e requalificação profissional.

Em âmbito nacional, o PETI é coordenado pela Secretaria de Estado de Assistência


Social, por intermédio da Gerência do PETI. No estadual, pela Secretaria Estadual da Ação
Social ou órgão equivalente. Na esfera municipal, pela Secretaria Municipal da Ação Social ou
órgão equivalente.
A Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil é uma exigência para implantação do
Programa, deve ser constituída tanto no Estado quanto nos municípios, por membros do governo
e da sociedade, tem um caráter consultivo e propositivo, tendo como objetivo contribuir para a
implantação e implementação do PETI.79 Poderá, ainda, ser formalizada por meio de
decreto do Governador do Estado ou do Prefeito Municipal ou por Portaria do Gestor Estadual ou
Municipal de Assistência Social.

Recomenda-se que a Comissão Estadual e Municipal tenha representantes das


seguintes áreas:

- Assistência Social ou órgão equivalente


- Educação
- Saúde
- Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

78 Dos sites agata.ucg.br/formularios/ucg/institutos/nepjur/pdf/erradicacaodaexploracaodotrabalho.pdf e


www.mds.gov.br/programas/rede-suas/protecao-social-especial/programa-de-erradicacao-do-trabalho-
infantil.../download.

79 Dos sites www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf e


www.juventude.org.br/conteudo/artigos/Cartilha%20Diga%20N%E3o%20ao%20Trabalho%20I... .
- Conselho Tutelar
- Ministério Público Federal e/ou Estadual
- Ministério Público do Trabalho
- MTE/Delegacia Regional do Trabalho/Grupo Especial de Combate ao Trabalho
Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador
- Sindicato de Trabalhadores
- Instituições Formadoras
- Instituições de Pesquisa 73
- Organizações Não Governamentais

A Secretaria de Estado da Assistência Social, do Ministério da Previdência Social, se


faz representar na Comissão Estadual por meio da Delegacia Regional do Trabalho, do
Ministério do Trabalho e Emprego. Portanto, a participação da Delegacia Regional do Trabalho
na Comissão Estadual é compulsória para o Estado.
As principais competências da comissão de erradicação do trabalho da criança e do
adolescente são as seguintes:

- Contribuir para a sensibilização e mobilização de setores do governo e da


sociedade em torno da problemática do trabalho da criança e do adolescente;80
- Participar, juntamente com o órgão gestor estadual da Assistência Sócia, da
definição das atividades laborais priorizadas e do número de crianças e adolescentes a serem
atendidos por município;
- Acompanhar o cadastramento das famílias, sugerindo critérios complementares
para sua seleção em conjunto com o órgão gestor da Assistência Social;81
- Validar, em conjunto com órgão gestor estadual da Assistência Social, os
cadastros das famílias a serem beneficiadas pelo PETI no município;
- Interagir com os diversos programas setoriais de órgãos ou entidades executoras
de políticas públicas que tratem das questões das famílias, das crianças e dos adolescentes,
visando otimizar os resultados do PETI;

80 www.promenino.org.br/Portals/0/Biblioteca/.../PAPEIS%20E%20ATRIBUICOES%20DAS%20COMI.

81www.social.rj.gov.br/trab_infantil/pdf/diretrizes_normas.pdf e
www.portaltransparencia.gov.br/aprendaMais/documentos/curso_PETI.pdf.
- Recomendar a adoção de meios e instrumentais que assegurem o
acompanhamento e a sustentabilidade das ações desenvolvidas no âmbito do Programa;
- Denunciar aos órgãos competentes a ocorrência do trabalho da criança e do
adolescente;

- Contribuir para o levantamento e a consolidação das informações, subsidiando o


órgão gestor estadual da Assistência Social na operacionalização e na avaliação das ações
implantadas.
74

A participação da sociedade se concretiza por meio dos Conselhos de Assistência


Social, dos Direitos da Criança e do Adolescente e Tutelares, do Fórum Nacional de Prevenção,
Erradicação do Trabalho Infantil e das Comissões Estaduais/Distrital e Municipais de
Erradicação do Trabalho Infantil, das quais fazem parte membros dos demais Conselhos
Setoriais.82
Atualmente, o PETI é o único programa que está em funcionamento para a erradicação
do trabalho da criança e do adolescente. Entrou em funcionamento em Goiânia, em julho de
2001, atendendo inicialmente 417 crianças e adolescentes com idade entre 7 e 15 anos e 11
meses.
Segundo Ângelo Vargas, especialista em vitimologia, dentre os graves problemas
enfrentados pela criança e o adolescente no Brasil está a questão laborativa. O trabalho infantil é
fonte de preocupação da sociedade em geral, objeto de discussões nos plenários políticos, vindo
incidir em questões éticas e morais e, por via de consequência, culminando por interferir no
universo jurídico.

Como qualquer outro fenômeno social existem aqueles indivíduos que, por
misoneísmo, ainda não se alinharam ao espírito da sociedade global, e, consubstanciaram a
margem do direito, transgridem em benefício próprio ou de outras barreiras morais. Sempre é
denunciada pelos órgãos de comunicação a utilização do trabalho infantil nas lavouras e minas
de carvão. Porém, a transgressão das normas jurídicas não é privilégio do Brasil rural, mas
também de grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro.

O maior avanço no que tange aos aspectos políticos e sociais, representando a


vontade popular brasileira sobre pilares da opinião pública internacional, ocorreu com a

82 Idem, ibidem.
promulgação da Lei n° 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA elenca uma
série de atributos legais e concretiza uma mudança no paradigma sociojurídico brasileiro,
tornando o “menor” sujeito de direito, merecendo, por parte da família e do poder público, toda
forma de proteção, assegurando-lhe as oportunidades e facilidades, a fim de lhe facultar o
desenvolvimento físico, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (art.
3° ECA).
Como vimos, apesar da existência de vasta legislação trabalhista em prol da proteção
do menor, é impossível não verificar a ineficácia da mesma face ao crescimento da pobreza, à 75
falta de fiscalização do poder público e à triste tradição brasileira do uso da mão de obra infantil,
seja para complementar o orçamento da família ou em outros campos.
5 POSSIBILIDADES E DESAFIOS

5.1 Possibilidades

Como já se comentou, o Brasil dispõe de um conjunto de normas jurídicas das mais 76


completas no que diz respeito à proteção da infância e adolescência. Mas, apesar do avanço no
aspecto legal, tal não se dá no que concerne à erradicação do uso de mão de obra infanto-
juvenil. Segundo a Unicef (1997), há quatro mitos que norteiam a exploração da mão de obra
infantil que precisam ser derrubados para que a erradicação torne-se mais eficaz. São eles:

1) Só há crianças trabalhando em países subdesenvolvidos. Na realidade, o trabalho


infantil acontece em todos os países e “normalmente, as crianças exploradas pertencem a
minorias étnicas ou a comunidades de imigrantes [...]” (Unicef, 1997:21); 83

2) O trabalho infantil ocorre especialmente em indústrias de exportação;

3) A única forma de erradicar o trabalho infantil é por meio de sanções e boicotes


praticados como forma de pressão pelos consumidores e pelos governos;

4) Só será possível eliminar esse tipo de trabalho se erradicarmos também a pobreza.

Entre esses quatro mitos levantados pelo relatório do Unicef, o último merece reflexão
mais demorada. É inegável que a pauperização das famílias faz com que os pais necessitem dos
filhos para garantir a subsistência,84 tanto que, em regiões com maior taxa de desemprego, há
um elevado número de crianças trabalhadoras. Porém, é preciso ter em mente o fato de que o
próprio trabalho infantil reforça o vínculo vicioso da pobreza, na medida em que essas crianças,
mesmo que frequentem a escola, apresentam um rendimento escolar baixo, sem possibilidade
de se tornarem adultos com qualificação profissional. Por fim, mas não menos importante, como
salienta o Unicef:

83 Veiga (1989) afirma que o trabalho infantil ocorre em toda parte do globo; porém, ressalta que a maioria das
crianças que trabalha está nos países em desenvolvimento.

84 No Norte de Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha – onde foi feita a pesquisa –, foram ouvidas várias mães
que afirmaram preferir que os filhos não trabalhassem, mas precisavam daquele dinheiro, algumas vezes, a única
fonte de renda da família.
“[...] sempre que uma criança é envolvida em trabalhos perigosos, alguém – um
empregador, um cliente ou um pai – se beneficia de seu trabalho. É este elemento
de exploração que é omitido por aqueles que veem o trabalho infantil como um fator
inseparável da pobreza”.85

É necessário deixar claro, contudo, que um pai ou uma mãe que envia seu filho menor
de 16 anos ao trabalho não é individualmente desobediente, mas está inserido em um processo 77
social que o obriga a usar esse trabalho como estratégia de sobrevivência.

Discutir a relação entre pobreza e trabalho de crianças e adolescentes não significa


dizer que este não seja causado também por aquela. O problema reside em tomar esse dado
como natural e, portanto, tolerar – e até incentivar – a atividade remunerada de menores de 16
anos, sob a justificativa da pobreza, sem levar em conta que a exploração, além de sempre
beneficiar alguém, em vez de ser solução, é causa para a perpetuação das desigualdades
sociais.

Nas regiões em que se encontram pobreza e desigualdade, a incidência do trabalho


infantil tende a aumentar, assim como a possibilidade de exploração desse tipo de trabalho.86 A
baixa renda familiar é, de fato, uma das causas mais evidentes para o trabalho na infância;
entretanto, além de não ser exclusiva, é preciso problematizá-la e perceber que tradições e
padrões sociais e econômicos estabelecidos e aceitos também são causas fundamentais.

Dito isso, pode-se perceber o quão complexa é a questão do trabalho infantil. Sua
solução também não é simples, exigindo mobilização não só do Estado, mas de toda a
sociedade civil. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente representa um avanço nesta
direção, pois criou um sistema de defesa dos direitos da infância e da adolescência que abrange
a sociedade como um todo. A aprovação do texto trouxe mudanças fundamentais no tratamento
da exposição da mão de obra infantil. A respeito, relata Schwartzman:

85 UNICEF, op. cit., 21 p.

86 Idem, 27 p.
“A prática do trabalho infantil não é um fenômeno recente. Sendo
assim, somente a continuidade do movimento em defesa dos direitos
da criança e do adolescente, por meio de uma ação integrada, capaz
de mobilizar toda a sociedade no combate ao trabalho precoce, será capaz de
proteger a população infanto-juvenil contra qualquer tipo de negligência, exploração,
violência, crueldade e opressão”.87

78
No entanto, para que essa proteção venha a se concretizar, é necessário que o ataque
à pobreza seja sério e contundente, com programas de geração de empregos e renda para as
famílias pobres, segurança social, educação e serviços básicos de saúde. É fundamental, ainda,
desnaturalizar a ideia de que o trabalho infantil é cultural e de que é uma forma de etnocentrismo
tentar erradicá-lo.

Apesar dos esforços empreendidos por diversas fontes (PETI – Programa de


Erradicação do Trabalho Infantil, Fórum pela Erradicação do Trabalho Infantil, ONGs), ainda
convivemos com altos índices de crianças e jovens em atividades laborais. Em pesquisas
realizadas no Norte de Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha, percebeu-se que o discurso de
aceitação do trabalho de menores de 16 anos, antes de ser cultural, é estratégia de
sobrevivência. Não fosse assim, a atividade remunerada de crianças e jovens adolescentes não
seria encontrada apenas em famílias pobres. Transcreve-se um fragmento de relatório elaborado
pelo Unicef:

O respeito por culturas diversas não pode justificar desvios em nossa determinação de
utilizar todos os meios disponíveis para fazer com que todas as sociedades, todas as economias,
todas as empresas admitam que a exploração da criança constitua um procedimento
inadmissível.88

Com o avanço dos programas de combate ao trabalho infantil observa-se que o


problema está caminhando para uma solução. Assim, preconceituoso é tentar tornar natural a
ideologia da pobreza dessa atividade, independentemente das condições em que ela seja
realizada.

87 SCHWARTZMAN, Simon. Organização Internacional do Trabalho. Trabalho Infantil no Brasil, [S.I.: s.n.],
2001.

88 UNICEF, 31 p.
Como já apontado, o Relatório Sobre a Situação Mundial da Infância (Unicef, 1997)
sinaliza para algumas assertivas conservadoras acerca do debate relativo ao trabalho infantil que
devem ser desmistificadas. Além do fato – já discutido – de a exploração da mão de obra infantil
resultar unicamente da pobreza, outro mito é o de que crianças trabalhadoras são encontradas
especialmente em indústrias de exportação. Na verdade, de acordo com a OIT, os três setores
que mais concentram esse tipo de trabalho são a agricultura, o serviço doméstico e o setor
informal, os quais estão alocados em um setor obscuro, revelando sua face mais perversa.

79
Na agricultura, por exemplo, é comum o fato de alguns adultos só serem admitidos se
seus filhos também participarem do trabalho (OIT, 1989). Além da relação informal de trabalho,
há sua face clandestina: as crianças trabalham muitas vezes sem qualquer remuneração e
aprendem a se esconder da fiscalização. Por seu turno, o trabalho doméstico ainda é mais
invisível e de difícil regulamentação.

Os programas voltados à solução de problemas relacionados à pobreza devem ser


desenvolvidos junto com medidas que viabilizem a superação dessa condição. Ou seja,
demandam a implantação de políticas públicas com maior equidade social. Dessa forma, é
possível vislumbrar, ainda que num horizonte distante, o resgate da cidadania e a eliminação da
miséria das classes menos favorecidas.

5.2 Desafios

No Brasil ainda sobrevive a antiga prática de deslocar


crianças e adolescentes de outras regiões ou cidades para prestar
serviços domésticos. O ECA constata essa prática e dispõe sobre a
obrigação de apresentar à autoridade judicial do novo domicílio, em
um prazo de cinco dias, “adolescente trazido de outra comarca para
a prestação de serviço doméstico, mesmo que autorizado pelos pais
ou responsável”, com o fim de regularizar a guarda.
A redação do artigo 248 do ECA não foi feliz ao permitir a interpretação, numa leitura
desatenta, da aceitação (quando não uma consagração) do costume de, sob pretexto de guarda,
ter o adolescente para prestação de serviço doméstico, sem limites e fora do regime de
emprego. Afirma Íris de Oliveira [que], “sob o manto dessa figura atípica de guarda, houve e há
numerosos abusos ocasionalmente detectados, cabendo a sua inibição ao Conselho Tutelar, à
Promotoria Pública e ao Juizado da Infância e da Adolescência”.89

Tárcio Vidotti conta que, em alguns processos judiciais, “existem sentenças em que o
80
juiz dá autorização para que as crianças trabalhem e nada faz contra o empregador”. Para evitar
esse tipo de equívoco, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho e a Ordem dos
Advogados do Brasil querem formar uma rede de irradiação do conceito de “trabalho infantil
doméstico” para quem lida com a lei. Uma tarefa que o juiz Vidotti classificou como lenta: “É
difícil mudar conceitos. E como a atuação dos juízes é limitada, queremos capacitá-los também
como cidadãos, para que vejam uma situação de trabalho infantil doméstico e denunciem”,
explica.

Segundo a procuradora do trabalho do Distrito Federal, Daniela Varandas, apesar da


lei e dos esforços de conscientização, ainda hoje existem juízes autorizando o trabalho de
crianças. Os motivos, de acordo com essa jurista, são os mais variados: comoção forçada pela
família, situação financeira dos pais ou mesmo a crença de que “pobre tem mesmo que
trabalhar”. Com essa autorização, a criança pode, legalmente, tirar a carteira de trabalho.

Após 2000, o Ministério Público do Trabalho e os Ministérios Públicos Estaduais


realizaram uma ação voltada à conscientização dos magistrados. Mobilizaram a Corregedoria
dos Tribunais de Justiça para dar orientações aos juízes, a fim de que eles não concedessem
mais esse tipo de autorização. O esforço gerou resultados. Segundo Daniela Varandas, o
volume de autorizações diminuiu, assim como o número de carteiras de trabalho emitidas para
menores de 14 anos.

Há um consenso entre os especialistas no sentido de que a ausência de um marco


legal definido, unido às dificuldades de fiscalização e à aceitação cultural que envolve o trabalho
infantil doméstico, situa o problema na invisibilidade e impede a atuação dos órgãos de proteção.
“A temática é quase que ausente como linha de investigação de estudos e de atendimento tanto
nas organizações da sociedade civil quanto no Estado, que tem a obrigação de colocar todas as

89 UNICEF, 1997, 27 p.
crianças e adolescentes a salvo de todas as formas de negligência, exploração, violência,
crueldade e opressão”, analisa Neide Castanha, consultora da OIT e autora de vários estudos
sobre as políticas públicas de combate ao trabalho infantil.90

Os direitos de crianças e adolescentes assegurados em lei são uma conquista da


sociedade; porém, essa mesma sociedade não considera a menina em serviço doméstico na
casa de terceiros violada ou ameaçada em seus direitos. Pelo contrário, ela é convidada a sair
do rural para o urbano, da cidade pequena para a grande e, assim, ter uma vida melhor. “É
81
nesse contexto que o trabalho doméstico cai no terreno da omissão das políticas públicas, por
um lado, e da aceitação da sociedade, por outro, restando às crianças e aos adolescentes serem
cúmplices da própria sorte”, conclui Castanha.

A exploração da mão de obra de criança e adolescente não deve ser tratada como
uma questão isolada. Ainda para Neide Castanha, ela é parte e resultado de contextos culturais,
econômicos, sociais e políticos. Segundo Neide Castanha, mesmo com toda a articulação dos
Ministérios, Poder Legislativo e organizações da sociedade civil para propor mudanças na base
jurídica e na formulação e gestão de políticas sociais, na prática tais políticas governamentais
encarregadas da erradicação ou da solução parcial do problema são basicamente de assistência
social, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).

Embora essas políticas prevejam interface com as ações de educação, saúde e


profissionalização, a oferta de serviços é prioritariamente de assistência compulsória. Acrescenta
Castanha: “Isso significa que a prevenção, a proteção e a promoção da criança e do adolescente
não são garantidas nos serviços oferecidos”.

Além disso, ainda que o serviço doméstico apareça em todos os indicadores que
problematizam o trabalho de crianças e adolescentes, ele não é atendido pelas categorias
prioritárias do PETI. “Isso revela incoerência por parte dos executores do programa”, alerta
Neide Castanha em seu estudo “Políticas sociais e oferta institucional frente ao trabalho infantil
doméstico no Brasil”.

A gerente do PETI, Milda Moraes, conta que no final de 2001 a então Secretaria de
Assistência Social, atual Ministério da Assistência Social, solicitou aos municípios a relação

90 Neide Castanha é assistente social, especialista em políticas sociais, coordenadora do Centro de Referência,
Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria) e do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência
Sexual contra Crianças e Adolescentes. Atua como consultora do Projeto Regional para a Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil em Casa de Terceiros na América do Sul, da OIT.
nominal de crianças que recebiam bolsa e as atividades que exerciam, para detectar o real foco
das ações. Hoje, dos cerca de 160 mil registros de meninos e meninas, 13 mil estão associados
ao trabalho infantil doméstico. “Descobrimos que os municípios nem sempre fazem um
diagnóstico quando pedem as bolsas. Então, quando sobram vagas, elas são preenchidas com
crianças que desempenham outros tipos de trabalho ou, muitas vezes, com crianças que nem
trabalham”, admite Milda.91

A primeira iniciativa foi oficializada em abril de 2002, com a criação de uma comissão
82
técnica composta por representantes de instâncias governamentais, de organizações não-
governamentais, da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (Fenatrad) e do
Conanda. A Comissão Especial do Trabalho Infantil Doméstico teve a função de discutir e
levantar estratégias de intervenção.

Para a ampliação do número de crianças atendidas pelo PETI, seria preciso esperar
por decisões governamentais sobre o orçamento. Em 2003, quando da votação para o
orçamento de 2004, Regina Teixeira, diretora do Departamento de Desenvolvimento de Política
de Assistência Social do Ministério da Assistência Social, anunciava que “o trabalho infantil
doméstico estaria incluído como uma das formas de trabalho infantil a serem atendidas pelo
programa”. “Esse é um compromisso de Estado que foi ratificado pelo novo governo em época
de eleição”, apontava ela, acreditando que, diversamente do que aconteceu na votação do
orçamento para 2003, seriam liberados recursos para a criação de vagas.

Fica aqui registrado um pedido: cabe aos jornalistas – como profissionais que trazem
informações à população – acompanhar de perto essa discussão orçamentária, verificar se as
promessas estão sendo cumpridas e se realmente o trabalho infantil doméstico será
contemplado nos próximos anos.

Segundo o sociólogo Carlos Amaral, do Núcleo de Assessoria, Planejamento e


Pesquisa (Napp) do Rio de Janeiro – autor do estudo “A evolução do trabalho infantil no Brasil de
1999 a 2001” –, vai ser preciso mais do que verba para que o PETI possa de fato atender essas
crianças e adolescentes. “O programa foi desenhado tendo em vista sua aplicação específica em
áreas rurais e cidades de pequeno porte”, diz o pesquisador.92 Na época de seu surgimento,

91 MORAES, Milda. Soluções para o trabalho infantil doméstico, 2002. Pesquisa “Crianças Invisíveis”. [S.I.: s.n.],
20--.

92 AMARAL, Carlos. A evolução do trabalho infantil no Brasil. [S.l.: s.n.], 2002.


isso se justificava pelo fato de a maioria das crianças estarem envolvidas em atividades
agrícolas e residir em áreas rurais ou em núcleos urbanos de municípios predominantemente
rurais.

Hoje, a realidade do trabalho infantil no país é outra. De acordo com estudos


realizados, quatro em cada cinco meninas empregadas domésticas estão na área urbana. Diante
dessa nova perspectiva, o sociólogo chama a atenção para a importância da adequação do
modelo de intervenção do PETI ao contexto urbano, especialmente em cidades de médio e
83
grande porte.

De acordo com Carlos Amaral, pode-se questionar, por exemplo, a eficácia da jornada
ampliada como elemento inibidor do trabalho infantil em uma situação na qual o trabalho de
crianças ocorre frequentemente no período noturno, como acontece nas grandes cidades.

Outro ponto questionável se refere ao valor atual das bolsas pagas pelo programa,
que, na maioria das cidades grandes, corresponde a uma pequena fração da remuneração
mensal obtida pelas crianças trabalhadoras. “Além da adequação do valor da bolsa (R$ 40,00
nas zonas urbanas e R$ 25,00 nas zonas rurais), serão necessárias estratégias específicas para
lidar com esses segmentos de crianças trabalhadoras e a inserção de novos agentes com maior
interação com esse público, principalmente no campo cultural”, adverte Amaral.

Para o sociólogo, os baixos índices de redução do trabalho infantil em atividades


econômicas urbanas são motivos suficientes para uma revisão crítica do modelo de intervenção
vigente em 2003. Mário Volpi, oficial de projeto do Unicef, sugere três tipos de ampliação do
PETI:

1) De escala: atingindo pelo menos 50% das crianças trabalhadoras em uma primeira
fase;

2) De serviço oferecido: juntamente com o dinheiro, deverá ser proporcionado à família


um conjunto de serviços que ajude na promoção e no desenvolvimento familiar;

3) Das faixas de idade: incluindo adolescentes entre quinze e dezessete anos que não
concluíram o ensino fundamental.93

93 Idem.
Para Volpi, a existência de crianças e adolescentes explorados no trabalho em casas
alheias é reveladora das necessidades de suas famílias. “A eliminação do trabalho infantil
depende do fortalecimento da família como unidade autônoma de subsistência e garantia de
direitos”, defende. Por isso, acredita que programas, serviços e benefícios nesse sentido são
fundamentais para que os pais possam manter seus filhos convivendo com a própria família,
frequentando a escola e participando ativamente da comunidade.

Considerando as evoluções das sociedades capitalistas, que vivem mudanças nas


84
condições de empregabilidade, envolvidas com fatores como a globalização, o progresso
tecnológico, a exigência da competitividade e a automatização do processo produtivo,
poderíamos supor que a exploração da mão de obra seria coisa do passado. Trata-se, porém, de
um raciocínio precipitado. Ao lado da evolução capitalista, cresce a pobreza em todo o mundo.
Por isso, a situação concreta das condições de vida e de sobrevivência das populações conta
efetivamente com a força de trabalho infantil como elemento de composição de renda das
famílias pobres.

Nesse quadro, o grande dilema é a discussão de quais políticas sociais devem ser
ofertadas a todas as crianças e os adolescentes durante o processo de desenvolvimento, e a
necessidade de que, efetivamente, assumam o recorte de gênero e de raça como articulações
concretas da construção de identidades sociais.

O balanço dos últimos dez anos sobre as políticas sociais para a infância e a
adolescência indica que, no campo da institucionalização jurídico-formal, estão assegurados
direitos iguais para todas as crianças e adolescentes. Entretanto, o trabalho infantil doméstico é
emblemático para elucidar as contradições entre a lei e a efetivação do direito. Não basta ter
uma legislação protetora; é preciso contar com um Estado protetor.

No Brasil, a concepção adotada traça um nexo objetivo entre os programas sociais de


combate às desigualdades e à pobreza com a educação. Nesse contexto, a escola é elevada à
condição de espaço socializado de intervenção social. Apesar disso, não se criaram estratégias
e mecanismos concretos para consolidar uma proposta que envolva a escola como um lugar de
socialização primária, incluindo, em sua grade curricular, formação ética, moral e política.

O problema crucial é essa concepção de escola requerer uma mudança estrutural no


sistema público de ensino, não se restringindo à iniciativa de programas ou de órgãos de forma
isolada. Por outro lado, tem-se como aspecto positivo o fato de o Estado brasileiro já reconhecer
a educação como política pública fundamental no processo de formação do cidadão e no
exercício da cidadania, e os direitos humanos com a dimensão ética das políticas. Isso é algo
relevante. Todavia, é uma tarefa incipiente e ainda distante da prática concreta.

No entanto, a instalação de um Conselho Tutelar não significa, por si só, que os


conselheiros poderão enfrentar todos os problemas referentes aos direitos das crianças e dos
adolescentes. Muitas prefeituras não oferecem condições adequadas de infraestrutura: os
computadores são obsoletos, as equipes são reduzidas e não há programas de capacitação dos
85
próprios conselheiros.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, o Conselho Tutelar de Anastácio, a 127 km de


Campo Grande, fechou suas portas no final de julho de 2003, pois o telefone foi cortado por falta
pagamento, a sala era imprópria para atendimento, não possuía veículo e vários direitos
trabalhistas tinham sido lesados. Por conta disso, os conselheiros passaram a atender apenas
aos casos de emergência.

Uma das promessas para se resolver o problema em âmbito nacional foi à formação da
parceria entre a Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Banco do Brasil, que pretendem
ajudar os municípios a equiparem seus Conselhos Tutelares. Como irá trocar todo o seu parque
tecnológico, o BB prometeu doar cinco mil computadores aos conselhos de todo o país.

O fortalecimento dos Conselhos Tutelares é uma bandeira da Secretaria Especial.


Segundo Cristina Albuquerque, da equipe do Departamento da Criança e do Adolescente, todo
projeto em parceria com a secretaria, independentemente da questão a ser tratada, terá de
incluir entre suas ações uma que possa fortalecer ou dar visibilidade a esses órgãos.

Além de ações do governo, do Ministério Público e de organizações da sociedade civil,


é necessário que o setor privado se envolva no combate ao trabalho infantil doméstico. Segundo
Andréa Santoro Silveira, técnica do Programa Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq,
“existem duas maneiras de as empresas ajudarem na erradicação do problema: uma é apoiando
as instituições que lidam especificamente com a questão e a outra é agindo na conscientização
de funcionários, clientes e fornecedores”.

Empresas como a Telemig Celular, por exemplo, estão engajadas nessa causa.
“Queríamos atuar na área do direito das crianças e dos adolescentes e a melhor maneira de unir
esta proposta ao nosso público-alvo é fortalecendo os Conselhos Tutelares e apoiando a criação
de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente”, explica Francisco Azevedo,
diretor-executivo do Instituto Telemig.94

As soluções devem ser apontadas de forma global. O combate ao trabalho infantil


passa pela conscientização dos empregadores e da sociedade, por alternativas de geração de
renda, de educação e de atividades sustentáveis de promoção de cidadania. O programa que
apresentar soluções não deve limitar-se a ações assistencialistas e a políticas de bolsas
compensatórias.
86
O importante é incluir os Conselhos Tutelares, o Ministério Público do Trabalho, a
Delegacia Regional do Trabalho e o Juizado da Infância e da Juventude em um
acompanhamento periódico, em busca de denúncias sobre o trabalho infantil.

A questão do trabalho infantil no Brasil ainda é dramática: mais de 1,2 milhão de


crianças e adolescentes de 5 a 13 anos eram vítimas de exploração em 2007, segundo
levantamento da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) divulgado nesta quinta-
feira (18) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas, apesar do número
alarmante, a incidência de crianças trabalhadoras caiu de 4,5% da população desta faixa etária,
em 2006, para 4%, em 2007. Ou seja, 171 mil delas deixaram de trabalhar. A legislação
brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho para menores de 14 anos.

Ministério Público do Trabalho (MPT), está fazendo a sua parte no que se refere à
fiscalização, decidiu apertar o cerco aos clubes de futebol do Paraná, em uma tentativa de
regulamentar a participação de crianças e adolescentes nas categorias de base das
agremiações. Em uma reunião feita este ano, com representantes dos clubes, o MPT abriu uma
discussão e estabeleceu um prazo de 60 dias para estes aderirem a um Termo de Ajustamento
de Conduta (TAC) que preserva os direitos dos futuros jogadores.

O objetivo é coibir a exploração do trabalho infantil no futebol. De acordo com a


procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes, “investigações apuraram que muitos clubes formadores
não respeitam os preceitos da Lei Pelé e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que
estabelecem regras para a proteção de crianças e adolescentes”. Acrescenta: “O atleta não tem
garantia alguma. Por exemplo, o menino vem do nordeste para o sul, um mês depois o clube
resolve mandá-lo embora. Ele trabalhou, teve de largar o estudo e ninguém se responsabilizou

94 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. É possível mudar. A criança, o adolescente e a família na política social
do município. São Paulo: Malheiros, 1997. 16 p.
por isso. Se houver um contrato, o clube estará automaticamente obrigado a acompanhar a
frequência do adolescente na escola, dar alimentação e condições de moradia”.

Entre outras questões correlatas, o TAC estabelece a idade mínima de 14 anos para o
ingresso do atleta nas categorias de base; proíbe a ação de empresários e procuradores, obriga
os clubes a facilitar o acesso à escola e determina regras para os alojamentos dos centros de
treinamentos.

Segundo o MPT, “os menores de 14 anos não podem permanecer em treinamento nas 87
categorias de base nem participar de testes ou peneiras; podem fazer testes nos clubes, mas
devem ter autorização dos pais ou responsáveis”. O período de teste não pode ultrapassar uma
semana e deve ser gratuito; quando aprovado, o atleta deverá assinar um contrato formal de
aprendizagem, com período mínimo de seis meses e máximo de dois anos, com a fixação de
uma bolsa não inferior a um salário mínimo; a assinatura do contrato deve ser acompanhada
exclusivamente pelos pais ou responsáveis pelo adolescente. É vedada a participação de
agentes, representantes ou procuradores; após o fim do período de aprendizagem, deverá ser
assinado um contrato de trabalho profissional, como prevê a Lei Pelé.

Mas, ainda se vê, nos dias de hoje, criança engraxando sapato


no centro do Rio de Janeiro, local exclusivamente de trabalho:

 Criança vendendo bala no Centro do Rio de Janeiro. É


muito comum também em sinais e ônibus.
 Criança vendendo biscoito na praia. É um exemplo de
um trabalho infantil muito encontrado em cidades praianas,
principalmente no verão.
 Menores prostitutas na Cinelândia. Esse tipo de
atividade, embora ilegal, é comum, pois muitas vezes é necessário que as meninas consigam
dinheiro para complementar a renda familiar.
 Garoto fazendo malabarismo com bolas na Avenida Atlântica para ganhar
alguns trocados dos motoristas.
 Criança ajudando a mãe a catar papel.
 Criança pedindo dinheiro, enquanto o pai está esperando.
Não adianta o governo liberar R$ 139,4 milhões para o Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, como fez em novembro de 2008 para combater o trabalho infantil, se
não houver fiscalização severa em relação ao destino dessa verba.
5.3 Diretrizes fundamentais

Buscar uma solução para toda a problemática que envolve a exploração do trabalho
infanto-juvenil e a estrutura precária de fiscalização dos direitos das crianças e dos adolescentes
não é algo utópico. Contudo, vai além da simples exposição do problema em si. Para que se
alcancem resultados positivos, é necessário que se trabalhe, que se modifique toda a estrutura 88
social e política que envolve a criança e o adolescente.
Como já visto, a responsabilidade não pode ser dividida quando o tema é a criança e o
adolescente. O Estado não pode afirmar ser exclusivamente da família a responsabilidade,
tampouco a família pode atribuir ao Estado toda a culpa que leva à exploração. A sociedade, de
igual forma, não deve considerar que está totalmente livre de qualquer reflexo desse contexto.
É dever do Estado, e de forma primordial, reprimir e coibir qualquer medida que vá
contra os direitos das crianças e dos adolescentes consagrados pela Constituição da República
Federativa do Brasil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo Antônio Carlos
Gomes da Costa,95 para se alcançar uma política vitoriosa, três componentes devem atuar
juntos: descentralização, participação e mobilização.
A descentralização se baseia em uma divisão de trabalho entre a União, estados e
municípios, em que estes respondem pela formulação, pela organização e pela implementação
das ações, sem abrir mão do apoio técnico-financeiro dos níveis supramunicipais de governo
sempre que for necessário.
A participação significa o compartilhamento de responsabilidades entre o Poder
Público e as entidades não-governamentais na formulação das políticas, devendo tais ações
serem transparentes e de controle por parte das organizações representativas da população.
A mobilização implica a sensibilização, a conscientização, a organização e o
comprometimento ativo dos diversos segmentos da vida municipal no trabalho e na luta em favor
dos direitos da infância e da juventude.
A participação da sociedade civil no contexto de decisões políticos sociais, para Tânia
da Silva Pereira, está presente nos diversos cenários de convivência coletiva e, ao constatar que
nem sempre ela é organizada de maneira uniforme, será decisiva a participação popular na

95 Idem.
gestão do Poder Público.96 Logo, tanto quanto uma atuação ofensiva da justiça da criança e do
adolescente é necessária uma gestão das políticas sociais, na qual o município assuma as
decisões relativas à população infanto-juvenil, definindo os programas peculiares a essa parcela.
Quando se fala em município, pretende-se demonstrar as razões que levam a salientar
a importância da participação do nível municipal de poder, pois é aí, de fato, que os problemas
ocorrem. Os dirigentes estão mais perto da população e sua abordagem é menos complexa do
que nas esferas do estado e da União.
Tão evidente é a maior facilidade de atuação dos municípios que a proposta 89
constitucional, contida nos arts. 227, §7°, e 204 – e estatutária, no art. 88, incisos do Estatuto da
Criança e do Adolescente –, prevê, entre as diretrizes da política de atendimento à criança e ao
adolescente, a municipalização, que significa que a União e o estado abrem mão de parcela de
poder correspondente às questões de pertinência local, permitindo ao município viver o exercício
de direitos e deveres públicos para com as crianças e os adolescentes.
Inicialmente, o município deve fazer um diagnóstico sobre a situação, a fim de poder
intervir, buscando alternativas e soluções que contemplem a legislação em vigor. Feita a
avaliação, a prefeitura deve buscar parcerias. Além das secretarias que atuam diretamente com
crianças e adolescentes do município, devem ser chamados os Conselhos Tutelar e da Criança
e do Adolescente, os empresários, os sindicatos, os meios de comunicação os representantes
dos diversos grupos organizados para, por meio da constituição de um fórum, ser viável o
estabelecimento dos passos necessários a serem trilhados para uma mudança da lamentável
realidade.

A estrutura de emancipação política e econômica permite aos municípios


operacionalizar os programas destinados às crianças e aos adolescentes, cabendo à União
traçar as grandes diretrizes e aos estados, adequá-las às realidades, supervisionando sua
implantação. Dessa forma, o primeiro passo deve ser a promoção de uma análise da situação
desse segmento da população, qual seja, as crianças e os adolescentes explorados.
É a fase de diagnosticar o problema, que visa levantar questões fundamentais para se
alcançar uma solução. Tal diagnóstico deve ter como base indagações de cunho social,
econômico, psicológico e emocional. E o alvo dessas indagações deve ir além das próprias
crianças e dos adolescentes: precisa envolver os familiares e aqueles que se beneficiam da
exploração.

96 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma visão interdisciplinar. Rio de Janeiro:
Renovar, 1996. 584 p.
Uma vez concluída a análise do problema, deve-se realizar um planejamento em que
as deficiências e as lacunas apontadas pelo diagnóstico sejam refletidas nos objetivos e metas
desse planejamento. E, como meta principal, deve-se enfrentar a realidade de que a exploração
começa dentro de casa. Grande parte das crianças não é abandonada e, por isso, não vai para
as ruas, com a consequente exploração por terceiros, sem que ao menos os pais conheçam
essa situação e concordem com ela. Na maioria dos casos, não é a omissão dos pais que se
estampa, e sim a ação direta deles, obrigando os filhos a irem para as ruas.
Assim, a estrutura familiar deve ser o norte, a base 90
de toda a reformulação que se busca. Sabe-se que as famílias
violentas e exploradoras são ecos da estrutura social, e
reproduzem as relações sociais permeadas de desigualdades,
injustiças e individualismo.
Muitas vezes os pais ou os responsáveis também
são vítimas, fazendo, por consequência, seus filhos serem
vítimas como eles. Não se pretende aqui retirar dos pais a
culpa pela exploração dos filhos, tampouco aceitar que não
devem ser punidos por serem vítimas sociais. Ocorre que é
notório o fato de que a maior parte da exploração e dos maus-
tratos cometidos contra as crianças e os adolescentes vem de famílias de menor condição
social. Na maioria dos casos, não há estrutura familiar estabelecida.97
A infância necessita de um ambiente favorável ao desenvolvimento peculiar daquele
ser; a adolescência necessita de um ambiente equilibrado, a fim de que o jovem possa
compreender as mudanças que começam a ocorrer em seu corpo, em sua vida, na transição
para a vida adulta. A família não deve utilizar o recurso violento da ameaça ou da imposição. Os
filhos têm de encontrar nos pais conselheiros, amigos. Não se pode amar a quem se teme e de
quem se tem terror.
Diante desses desvios, deve o município, por meio do Conselho Municipal – que é o
órgão com nítidas funções corretivas e que detém o controle de todas as ações desencadeadas
e programas de apoio às crianças e aos adolescentes –, criar um mecanismo eficaz contra todo
esse elenco de exploração.

97 MELLO, Sirley Fabian Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Jus
navegandi. Teresina, n. 45, ano 4, set./2000.
E o melhor mecanismo que se pode vislumbrar é a ação conjunta entre o Conselho
Municipal e o Conselho Tutelar – eleito pelo Conselho Municipal, conforme processo
estabelecido no art. 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, composto por uma equipe de
cinco pessoas escolhidas pela comunidade local, para atender às crianças e aos adolescentes
sempre que forem vítimas de maus-tratos, se julgarem ameaçados, violados em seus direitos,
negligenciados e desatendidos em serviços públicos.
O Conselho Tutelar tem caráter essencialíssimo, pois é a representação direta da
sociedade. O cidadão tem no Conselho Tutelar um órgão que o ajuda a corrigir os efeitos de 91
toda ação ou omissão que ameace ou viole direitos das crianças e dos adolescentes, conforme
dispõe o art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente. E, quando se fala em toda e qualquer
omissão, é no sentido lato da expressão, ou seja, omissão da sociedade, do Estado, dos pais ou
dos responsáveis.
A família tem o direito de receber do Estado apoio para cumprir adequadamente seu
dever constitucional de poder familiar. Sabe-se que é dever do Estado manter os serviços
públicos, por meio de políticas de educação, saúde, trabalho, habitação, entre outras, para
assistir às crianças desde seu nascimento.
Logo, a participação popular na formulação de políticas públicas e no controle das
ações governamentais – e incluem-se aqui as ações do Conselho Tutelar – é um fator de
fortalecimento, pois é por meio da participação da sociedade que as organizações
representativas “tomam pulso”, ao visualizar e discutir o que é necessário ser feito com os
recursos existentes.
A sociedade, uma vez conscientizada da real situação de suas lideranças, torna-se
mais controladora, exigindo transparência nas ações desenvolvidas, principalmente aquelas
relativas aos gastos públicos. E quando a lei investe de poderes o Conselho Tutelar, deve-se
evitar que pessoas desesperadas, oportunistas e irresponsáveis assumam o mandato de
conselheiro, pois tal investidura tem por finalidade atender aos fins sociais visados pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Tendo o Conselho Tutelar o agente legitimado para compelir o faltoso a cumprir seu
dever, a sociedade deve sempre, como forma de exercício da cidadania e de contribuição
inestimável, denunciar a esses órgãos as práticas de exploração e cobrar, de forma incessante,
para que essas denúncias não se circunscrevam a um mero procedimento administrativo.
Uma prática muito comum, e que surte efeitos excelentes, são as campanhas
publicitárias, pois, por meio delas o Poder Público consegue atrair a atenção da população para
o problema, sensibilizando e mostrando como a população pode ajudar no combate à exploração
do trabalho infantil.
Em razão da importância vital do combate à exploração, a responsabilidade para
erradicar o problema em questão cabe não somente ao Conselho Municipal e ao Conselho
Tutelar, mas a outras instituições que desempenham papel fundamental na luta contra a
exploração: as instituições policiais.
À polícia, não compete julgar a potencialidade ofensiva do tipo penal, mesmo porque
nem sempre os policiais que trabalham no cotidiano das ruas têm condições para avaliar todas 92
as circunstâncias a que são submetidas crianças e adolescentes. Nesse sentido, as autoridades
responsáveis pela dinâmica dos trabalhos desenvolvidos pela polícia devem cobrar uma atitude
mais austera da corporação diante dessa forma de exploração.
É fundamental a preparação adequada dos policiais para atuarem nessa área, com o
objetivo de zelar não só pela segurança pública de uma forma genérica, mas por um futuro mais
seguro, pois cada criança retirada da rua que deixa de ser explorada constitui menos um
criminoso, menos um traficante para a polícia combater.
Trata-se, pois, de uma medida preventiva. Nessa mesma linha de raciocínio, deve-se
ter no Poder Judiciário a eficácia esperada para fechar o ciclo de combate à exploração infantil,
pois em nada adianta políticas sociais, denúncias da população, apoio eficaz da polícia, se não
se obtiver um resultado positivo no sentido de penalizar devidamente o responsável pela
exploração de menores.
Em virtude dos fins a que se destina, a justiça deve ser rápida e eficaz, pois as
crianças e os adolescentes, explorados ou não, estão em uma posição que não lhes permite
esperar o respeito aos seus direitos. As grandes demandas e as burocracias excessivas não
podem emperrar a consolidação de direitos fundamentais e, em questões de justiça, a demora
passa a significar injustiça.98
Para complementar, uma forma de tornar esse setor da justiça eficaz, proposta pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente é, diante de ações judiciais que tenham por objeto uma
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz conceder, mediante pedido do promotor de justiça, ou do
município, do estado, da União, ou da associação civil legitimada, tutela específica da obrigação
de fazer ou não fazer, determinando providências que assegurem o resultado prático equivalente
ao cumprimento daquela obrigação.

98 SÊDA, Edson. Construir o passado ou como mudar hábitos, usos e costumes, tendo como instrumento o
Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 1999. 97 p.
Assim, diante de todo o contexto estudado neste capítulo, pode-se concluir que não
existe uma diretriz específica a ser adotada no combate à exploração da imagem da criança e do
adolescente por meio da prática da mendicância ou do abuso da mão de obra infanto-juvenil.
Devem-se adotar as políticas em conjunto. O Poder Público, a sociedade, a polícia, o Poder
Judiciário, cada um deve exercer seu papel com honestidade e humanidade, sem aquele típico
costume brasileiro de deixar para os outros fazerem o que você pode, mas não quer fazer.
Todos devem assumir suas responsabilidades frente à gravidade do problema da
exploração infantil. Caminhos, metas e diretrizes não faltam; o que carece é simplesmente a 93
vontade de amar e respeitar o próximo. Faltam olhos para ver que as vítimas de hoje serão os
vitimadores de amanhã.
Sendo assim, se desejarmos um Brasil forte e vigoroso, há que investir nas crianças e
nos nossos jovens. Precisamos denunciar não só as cidadelas da maldade que investem contra
a cidadania infanto-juvenil, mas também os administradores públicos que não respeitam a
Constituição e não priorizam as políticas públicas que assegurem aos jovens cidadãos a vida, a
saúde e a educação.
O trabalho infantil consiste em um dos maiores desafios enfrentados pelo Brasil, até
mesmo em razão de sua natureza social. As ONGS têm ainda desempenhado papel
preponderante ao despertar o espírito participativo na população, estimulando o exercício de
cidadania e a consciência dos direitos de cada cidadão. A prova desse avanço tem sido
evidenciada pelos movimentos fomentados pela sociedade civil organizada e a sua participação
nos movimentos políticos através dos conselhos, tais como o Conselho Estadual dos Direitos da
Criança e do adolescente.
O dramático problema do trabalho infantil é um dos temas que mais despontam na
agenda de reuniões da Conferência Internacional do Trabalho, que conta com a presença de
inúmeros delegados de governos, empregadores e trabalhadores.
Na América Latina e no Caribe o panorama é desolador. No Brasil, sete milhões de
crianças são obrigadas a trabalhar para subsistir. Em nosso país, na Colômbia e no Equador,
20% das meninas entre 10 e 14 anos trabalham como domésticas, sendo a porcentagem ainda
mais alta nas zonas rurais. Mais de dois milhões de crianças trabalham na agricultura na
Guatemala, em Honduras, na Nicarágua e no Panamá. Em atividades de mineração, trabalham
500 mil crianças no Peru e 13,5 mil na Bolívia. No Equador, aproximadamente 314 mil crianças
trabalham, parte considerável de uma população de doze milhões de habitantes.
A questão tem causas múltiplas e complexas, porém, em última instância, elas
apontam para as injustas estruturas sociais, econômicas e políticas. Infelizmente, tem-se visto
diuturnamente vários abusos e ilegalidades com relação à exploração do trabalho do menor. A
despeito disso, há farta legislação visando coibir tal prática, com a proteção do menor, que tem
sido “letra morta” em nosso país. Urge que a sociedade e o Ministério Público possam dar vazão
à sua missão, no sentido de evitar atrocidades e abusos que têm desafortunadamente se
tornado lugar-comum no país.
Este curso não teve por objetivo esgotar o tema do ponto de vista histórico, mas,
sobretudo, impulsionar um início de debate sobre a causa da questão catastrófica que se tornou
o trabalho infantil. Seria precário questionar o tema apenas para suscitar uma discussão sobre 94
os antídotos para esse problema. No Brasil, merecem especial atenção a própria estrutura
familiar, em flagrante evolução, as crianças de rua, as crianças trabalhadoras, as crianças
maltratadas (na família ou na sociedade) e aquelas institucionalizadas em internatos, orfanatos e
estabelecimentos congêneres.
Todavia, as estatísticas escondem a realidade. A falta de oportunidades de emprego
faz aumentar o chamado desalento e as perspectivas de curto prazo continuam desanimadoras.
Muito embora o Estatuto da Criança e do Adolescente esteja em vigor desde outubro de 1990 –
um dos diplomas reguladores da matéria –, não se muda a sociedade a toque de leis: elas
somente representam um meio de impor as modificações necessárias com maior eficiência. É
necessário, precipuamente, haver a vontade de mudar.
Lugar de criança não é na rua nem no trabalho, porque ambos negam e impedem o
direito de crescer como criança. Lugar de criança é na escola, mas não na escola da vida, como
muitos pensam; seu espaço é na escola do aprendizado, do conhecimento, para que haja uma
interação das crianças com sua cultura, com seu povo antepassado, com o conhecimento de sua
origem.
Imperativo se faz a justiça não mais fechar os olhos a uma realidade em que a
dignidade de milhões de crianças brasileiras está sendo solapada pelo desrespeito aos direitos
humanos fundamentais, que não lhes são reconhecidos por culpa do poder público, que,
infelizmente, não atua de forma efetiva; por culpa da sociedade, quando se omite diante do
problema; e por responsabilidade da família, que é forçada a escravizar seus filhos, em face de
não ter condições de sustentá-las.

Com vistas a essa urgente conscientização e tomada de atitude, e desejando que toda
criança possa conhecer e usufruir das leis que a protegem, poderemos transformar o futuro sem
esperança em uma sociedade digna e responsável. É certo que há um sistema organizado e
devidamente estruturado dentro de nosso ordenamento jurídico, o qual, contudo, por razões
políticas e sociais, não consegue sair da inércia e ser eficaz. Instrumentos e material para iniciar
a obra existem, mas falta o principal: operários, cidadãos dispostos a construir um futuro melhor.

Todos devemos ter por objetivo precípuo assegurar às crianças um espaço de


cidadania. Na execução dessa tarefa é importante que todas as nações estejam conscientes
desse desafio imposto, estabelecendo uma estreita cooperação com as instituições
internacionais e as organizações não-governamentais, de forma que se erradique o trabalho
infantil em todas as partes do mundo. Entretanto, antes que se chegue a uma era onde não mais
95
exista esse tipo de trabalho, é necessário compartilhar experiências e fortalecer a vontade
política de todas as nações, para que se plasme um mundo melhor, onde a docilidade infantil
não seja a base de uma exploração que comprometa, no ponto de partida, a realização de toda
uma vida. O Brasil, nesse particular, está resgatando a capacidade de escolher o futuro e de
sonhar. Direito é, sobretudo, justiça!
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